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As Fundações e o Novo Código Civil Cibele Cristina Freitas de Resende Promotora de Justiça Através de questionamento trazido individualmente ao crivo deste Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Cidadania, com atribuições em matéria fundacional, apresenta-se extremamente oportuno fazer algumas reflexões sobre o atualíssimo tema das finalidades para as quais uma fundação pode ser instituída, sobretudo frente às inovações trazidas pelo novo Código Civil, sob o prisma das particularidades que essas pessoas jurídicas de direito privado apresentam. Aproveitando a abordagem do caso concreto — não identificado propositalmente 1 nota-se da leitura dos dispositivos destacados do projeto de estatuto submetido à aprovação do Ministério Público, que, a par do ponto central da reforma estatutária pretendida no capítulo das “finalidades”, justificada pela entrada em vigor do novo Código, identifica-se outro tema, de igual ou até superior importância no contexto atual, representado pela inserção na proposta de alteração estatutária da expressa possibilidade de que a entidade fundacional se utilize de seu patrimônio no desenvolvimento de atividades econômicas, ora como meio de atingir suas finalidades assistenciais, ora sendo estas atividades econômicas coincidentes com as mesmas finalidades (econômicas). No caso em espécie, trata-se de verificar a possibilidade, frente ao aparato legal, de se instituir uma fundação com as finalidades a seguir transcritas: Artigo 2° . A Fundação CANAL LARANJA 2 tem por finalidade específica: prestar assistência genérica, com os objetivos em frente delineados. Parágrafo primeiro - na forma prevista no Parágrafo único, do artigo 62 da Lei 10406/2002, respeitando as suas finalidades primitivas, conforme 1 Em atenção ao princípio do Promotor Natural. 2 Nome fictício.

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Page 1: As Fundações e o Novo Código Civil - fundacoes.mppr.mp.br · regra do parágrafo único do artigo 62, hoje em vigor —, para abrir o debate da questão, iniciamos com o registro

As Fundações e o Novo Código Civil Cibele Cristina Freitas de Resende

Promotora de Justiça

Através de questionamento trazido individualmente ao crivo deste Centro de Apoio

Operacional das Promotorias da Cidadania, com atribuições em matéria fundacional,

apresenta-se extremamente oportuno fazer algumas reflexões sobre o atualíssimo tema

das finalidades para as quais uma fundação pode ser instituída, sobretudo frente às

inovações trazidas pelo novo Código Civil, sob o prisma das particularidades que essas

pessoas jurídicas de direito privado apresentam.

Aproveitando a abordagem do caso concreto — não identificado propositalmente1 —

nota-se da leitura dos dispositivos destacados do projeto de estatuto submetido à

aprovação do Ministério Público, que, a par do ponto central da reforma estatutária

pretendida no capítulo das “finalidades”, justificada pela entrada em vigor do novo

Código, identifica-se outro tema, de igual ou até superior importância no contexto atual,

representado pela inserção na proposta de alteração estatutária da expressa

possibilidade de que a entidade fundacional se utilize de seu patrimônio no

desenvolvimento de atividades econômicas, ora como meio de atingir suas finalidades

assistenciais, ora sendo estas atividades econômicas coincidentes com as mesmas

finalidades (econômicas).

No caso em espécie, trata-se de verificar a possibilidade, frente ao aparato legal, de se

instituir uma fundação com as finalidades a seguir transcritas:

Artigo 2° . A Fundação CANAL LARANJA2 tem por finalidade específica:

prestar assistência genérica, com os objetivos em frente

delineados.

Parágrafo primeiro - na forma prevista no Parágrafo único, do artigo 62 da

Lei 10406/2002, respeitando as suas finalidades primitivas, conforme

1 Em atenção ao princípio do Promotor Natural. 2 Nome fictício.

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preceitua o inciso II do artigo 67, da mesma Lei, a FUNDAÇÃO CANAL

LARANJA concentrará suas atividades em finalidades de Assistência

Social, mais precisamente as ações conforme descritos no artigo 203

incisos I a V, da Constituição Federal do Brasil de 1988.

Parágrafo segundo – Para atingir os seus objetivos, a FUNDAÇÃO CANAL

LARANJA poderá colocar o seu Patrimônio a trabalhar em atividades

econômicas, conforme lhe assegura o artigo 170, parágrafo único, da

Constituição Federal de 1988, sendo os seus resultados canalizados para

suas finalidades de Assistência Social, podendo concomitantemente as

atividades econômicas serem coincidentes com as mesmas

finalidades. (GRIFOS MEUS)

Pois bem, a par das diversas imprecisões de natureza formal apresentadas nas

disposições citadas — que serão abordadas em parecer dirigido à situação

particularizada — , podemos destacar, nesta análise, três aspectos de interesse geral

para o estudo da matéria fundacional, que passarão a ser objeto de reflexão na

seguinte ordem: 1) a aplicação do parágrafo único do artigo 62 do Código Civil; 2) o

exercício de atividade econômica por fundações visto sob a ótica das modificações

trazidas pelo novo Código Civil às pessoas jurídicas de direito privado; 3) a previsão de

adequação das entidades fundacionais já existentes à disciplina do novo Código Civil

(artigos 2.031 a 2.033).

I. A APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 62 DO NOVO CÓDIGO CIVIL Inicialmente é preciso registrar as premissas normativas que serão objeto de

interpretação neste trabalho:

Estabelecia o artigo 24 do Código Civil de 1916:

“Para criar uma fundação, far-lhe-á o seu instituidor, por escritura pública ou

testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que destina e

declarando, se quiser, a maneira de administrá-lo.”

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Através da disposição correspondente, no artigo 62 do novo Código Civil (Lei n° 10.406

de 10.01.2002), o legislador prevê, adotando redação semelhante, que:

“Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.”

Todavia, acrescenta a essa disposição um parágrafo único, no qual delimita os fins para

os quais poderão ser instituídas as pessoas jurídicas fundacionais:

“A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência.”

Sobre a inovação mencionada, importa observar, desde logo, que tramita no Congresso

Nacional um projeto de lei do próprio Deputado Ricardo Fiúza, propondo a supressão

deste parágrafo único, justificada pela inconveniência da limitação dos fins das

entidades fundacionais (PL n° 7.160, de 27.08.02).34

Não é sem razão que esta disposição tem sido objeto de atenção, — e porque não dizer

de preocupação — dos diversos agentes envolvidos na identificação da posição jurídica

e do papel social das fundações privadas, dadas as limitações que a sua incidência

concreta poderá ensejar quando da criação de novas entidades fundacionais.

Dentre as opiniões já editadas sobre a matéria, ressaltamos o abalizado posicionamento

de José Eduardo Sabo Paes, em sua obra “Fundações e Entidades de Interesse Social”5,

o qual adverte que: “A limitação da fundação é totalmente contrária ao interesse público

e inconveniente ao interesse da sociedade.”

Este entendimento coincide, na íntegra, com aquele defendido pela “Associação

Nacional dos Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações e Entidades de

Interesse Social –PROFIS”6, cujos membros, na recente reunião ordinária ocorrida em

28 de abril de 2003, em Brasília, por ocasião do “IV Simpósio Ministério Público e o

Terceiro Setor em Convergência com o Interesse Social”, ratificaram o entendimento já

3 O Projeto de lei, segundo consulta via Internet, encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça

5 Brasília Jurídica, 4ª edição, p. 259. 6 Da qual esta autora é recém-associada.

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anteriormente manifestado, contrário à referida restrição, diante da notícia da

resistência, por parte de alguns parlamentares, acerca do projeto que propõe a

supressão desta norma, ao argumento de que a limitação imposta evitaria o

desvirtuamento das finalidades para as quais foram previstas ditas entidades em sua

origem, e o mau uso que vem sendo feito das receitas auferidas com a renúncia e os

incentivos fiscais para fomentar-lhes as atividades de cunho social.

É preciso deixar assente, entretanto, que ao mesmo tempo em que é encampado o

posicionamento de que a limitação das finalidades fundacionais não atende ao interesse

da sociedade, assume-se, em contrapartida, o crescimento da responsabilidade do

velamento pelo Ministério Público, no intuito de impedir que algumas entidades, “sob o

manto do formato fundacional”, atuem como verdadeiras “bancas de negócios”,

privilegiando e enriquecendo ilicitamente alguns apaziguados, utilizando-se da via da

concorrência comercial desigual e desleal, propiciada pelo tratamento tributário

diferenciado das fundações (imunidades e isenções a entidades de interesse público),

ou através da burla — hoje bastante comum — da legislação trabalhista

(“voluntariado”), previdenciária (“pilantropia”) e administrativa, sobretudo na

contratação com o Poder Público (fraude à lei de licitações e à exigência de concursos).

Oportuno consignar a respeito, que este Centro de Apoio Operacional das Promotorias

da Cidadania-Núcleo das Fundações, vem expandindo a sua atuação neste campo de

grande interesse social, anotando que, no Paraná, na maioria dos casos, o exercício da

função de velamento vem sendo realizado há vários anos mediante a verificação “in

loco”, por auditores do Ministério Público, da documentação referente às contas

apresentadas. Além disso, encontra-se em fase de progressiva implantação, o controle

finalístico de aplicação de recursos dessas entidades, medidas essas que têm permitido

aos Promotores de Justiça a adoção de medidas tendentes a coibir abusos e

ilegalidades, não obstante as dificuldades práticas que envolvam esta árdua tarefa.

Isto posto, e voltando ao enfrentamento da temática proposta — da interpretação da

regra do parágrafo único do artigo 62, hoje em vigor —, para abrir o debate da questão,

iniciamos com o registro do entendimento do ilustre Procurador de Justiça, Coordenador

do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Tutela de Fundações de Minas

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Gerais, doutor Tomáz de Aquino Resende7, apresentada em atualíssimo artigo sobre a

matéria, no qual pontifica:

Ao acrescentar o parágrafo único ao artigo 62 do Código Civil, buscou o legislador,

pensamos, tornar mais claro ainda que no direito pátrio, como tradição secular,

não se admite a figura de pessoa patrimonial a administrar interesses

exclusivamente privados, como acontece em outros países, onde são criadas

fundações para administrar fortunas em favor de alguns poucos herdeiros.

Como já tivemos oportunidade de asseverar em outros trabalhos, este desejo da

sociedade, expressado através dos legisladores, em não admitir o nascimento de

fundação para administrar interesses particulares, vem muito claro no artigo 11 do

Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código

Civil) que nos leva, aí sim, numa interpretação literal, à conclusão irrefutável de

que, obrigatoriamente, só poderão existir sociedades sem fins lucrativos (hoje

associações) e fundações, se objetivarem as mesmas, em seus especificados fins, a

questões de interesse coletivo, como se vê:

“ As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as

sociedades e as fundações...”.

Assim, além de desnecessária, a inovação posta através do parágrafo único acima

mencionado, com o claro intuito de repetir a restrição já existente, é de uma

redação deveras confusa e imprópria, vez que se não ambíguos, os termos nela

contidos demandariam complementação, vez que totalmente desnecessários e

indevidos, tanto que proposta do Deputado Ricardo Fiúza sugere a supressão total

do mencionado parágrafo8.

O ilustre Procurador de Justiça discorre, ainda, em seu artigo, sobre interpretação das

finalidades elencadas na precitada disposição, tais como: os “fins religiosos” e os “fins

culturais”, que, a seu ver, prescindem de maiores comentários; os “fins morais”,

lembrando que já não são permitidas entidades imorais em nosso ordenamento ou que

7 Texto integral do artigo disponibilizado, na íntegra, em nosso site: (www.mp.pr.gov.br/cidadania/fundações

8 Proposta Ricardo Fiúza “Art. 62: Propõe-se a supressão do parágrafo único. Em vista da forma de sua constituição e

das limitações e rigorosa fiscalização a que estão sujeitas as fundações, não parece conveniente a limitação a seus

fins”.

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tenham objeto ilícito; e os “fins de assistência”, que representam, na verdade, a

intenção do legislador em deixar claro que “as entidades sem fins lucrativos continuam

obrigadas a prestar assistência às questões de interesse coletivo”, para, ao final de sua

exposição, concluir:

“Portanto, ainda que desconsiderando o trocadilho, embora o mesmo tenha mais

sentido do que o dispositivo legal em comento, não sendo imorais (entendam-se

por ilícitos) os fins, nem tendo como objetivo a administração de interesses

particulares, dessume-se da legislação brasileira a possibilidade de instituição de

fundação para qualquer das inúmeras finalidades demandadas pelo interesse

coletivo, como até então vem se fazendo. Ou seja, nenhuma contribuição houve,

com o acréscimo de parágrafo ao artigo 62 do Código Civil, o qual deverá ser

excluído da lei, ou, mesmo se mantido, não gera qualquer efeito de ordem prática

com relação ao já estabelecido para a instituição de fundações em nosso País”.

Com todo o respeito aos valorosos fins defendidos pela visão transcrita, impõe-se

reconhecer que diante do absoluto silêncio que pairava na legislação anterior, a simples

inserção desta norma, citando expressamente os fins para os quais pode uma fundação

ser instituída, leva, objetivamente, ao reconhecimento do seu caráter restritivo, ainda

que a sua redação possa ensejar a pesquisa do significado e do alcance da terminologia

utilizada.

Nesse contexto, não vemos outro caminho senão a de procurar identificar, sob a

perspectiva legal, quais seriam essas finalidades “morais”, “religiosas”, “culturais” e “de

assistência”, que possam traduzir o alcance social para os quais essas entidades de

interesse coletivo, sem fins econômicos ou lucrativos, podem ser instituídas, valendo

destacar, nesta tarefa, o seu aspecto mais polêmico, qual seja, as ditas finalidades “de

assistência”.

Como norte desta empreitada, lembramos, primeiramente, o que dispôs o constituinte

originário para a concretização das políticas públicas decorrentes dos princípios

fundamentais da dignidade humana, da cidadania, da justiça social, dentre outros,

estabelecendo no artigo 6º da Constituição Federal, os Direitos Sociais:

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“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma dessa Constituição.”

Expressam ainda as políticas públicas voltadas ao apoiamento dos direitos sociais, entre

outras, o disposto no artigo 203 da Constituição Federal, o qual indica como objetivos

da assistência social, regulamentados pela LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social

(Lei n° 8.742/93): a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à

velhice; o amparo a crianças e adolescentes carentes; à promoção da integração ao

mercado de trabalho; à habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência

e a promoção de sua integração à vida comunitária.

Outrossim, o Decreto n° 2.536/98, que dispõe sobre a concessão do CEBA - Certificado

de Entidade Beneficente de Assistência Social (antigo certificado de filantropia),

considera como entidade beneficente de assistência social, sem fins lucrativos, além das

entidades que atuem nas áreas acima, aquelas que promovam, gratuitamente,

assistência educacional ou de saúde.

Ao lado dessas fontes primárias de interpretação, extraídas do direito positivo, mas não

fora da sua abrangência, retornaremos então ao estudo apresentado pelo Procurador de

Justiça mineiro, Tomás Aquino Resende9, acerca da interpretação do novel regramento:

“(...) Quanto a “fins de assistência” melhor sorte não merece, vez que além

dos argumentos acima alinhavados, aqui também plenamente cabíveis, devemos

entender que a intenção do legislador foi a de deixar ainda mais claro que as

entidades sem fins lucrativos continuam obrigadas a prestar assistência às

questões de interesse coletivo.

Se, como dizem alguns, os fins fossem os de prestar serviço gratuito ao

atendimento das necessidades de pessoas desprovidas de recurso, imprescindível

seria o acréscimo da expressão social. Assim, se não se trata de assistência social,

o foco do legislador ao mandar acrescentar o termo à lei, evidentemente foi o de

estabelecer que só se admitem fundações com o fim de, nos mais diversos campos

9 Transcrição do texto da citado anteriormente.

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do interesse coletivo, colaborar, apoiar, proteger e amparar, pois esta a

interpretação léxica da expressão assistência, considerando, inclusive, o contexto

onde a mesma está inserida.

E, colaborar, apoiar, proteger, amparar, enfim, prestar assistência (muito diferente

da assistência social, repita-se com ênfase) pode ser realizado em qualquer das

áreas de interesse coletivo: Meio ambiente, pesquisa, esportes, saúde, educação,

etc.,etc.”

De forma plenamente compatível com esta linha de raciocínio, registramos, ainda, o

ponto de vista de Maria Helena Diniz10, a qual, se reportando às conclusões do Centro

de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal11, refere-se às fundações privadas

e suas finalidades da seguinte forma:

“É, portanto, um acervo de bens livres, que recebe da lei a capacidade jurídica

para realizar as finalidades pretendidas pelo seu instituidor, em atenção aos seus

estatutos, desde que religiosos, morais, culturais ou assistenciais (CC, art. 62,

parágrafo único). Não tem fins econômicos, nem fúteis. Logo, “a constituição de

fundação para fins científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente

está compreendida no Código Civil, art. 62, parágrafo único” (Enunciado nº 8 do

Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal), por ser meramente

enunciativa e por indicar a exclusão de fins lucrativos. E, além disso, cultura em

sentido amplo pode abranger a educação, inclusive a ambiental, a pesquisa

científica, a preservação do patrimônio cultural, a valorização e a difusão de

manifestações culturais, o desenvolvimento intelectual etc. “O art. 62, parágrafo

único, deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações de fins

lucrativos”.

Além dos argumentos visitados, outro aspecto que enseja a máxima atenção do

aplicador da lei, é o contexto e a oportunidade em que a previsão surgiu, justamente,

quando também ocorreram mudanças afetas às demais pessoas jurídicas de direito

privado interno.

10 “Curso de Direito Civil”, Teoria geral do Direito Civil, 1º Volume, Editora Saraiva, 20ª edição, p. 211.

11 Enunciado nº 9 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal

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Significativamente, no Código Civil atual, as sociedades civis sem fins lucrativos

desaparecem, subsistindo apenas como sociedades civis as que possuem fins lucrativos,

simples ou empresárias.

Atualmente, sem fins lucrativos serão apenas as associações e as fundações.

Sob este prisma encontra-se realçada a idéia de que as fundações, tal como as

associações, não se coadunam com objetivos econômicos ou lucrativos, razão pela qual

as finalidades para as quais podem ser instituídas deverão atender, puramente, a

objetivos de interesse coletivo. Nesses moldes, mostra-se justificável a limitação

pensada pelo legislador, quanto às finalidades religiosas, morais, culturais e de

assistência.

Assim sendo, e levando em conta as idéias acima expostas, relacionamos as seguintes

conclusões:

1. O legislador inseriu uma norma de caráter restritivo às finalidades para as

quais podem ser constituídas as fundações, cuja forma de exposição permite, e

reclama, o exercício de interpretação, sobretudo teleológica, sobre o conteúdo da

disposição comentada;

2. A restrição surgiu simultaneamente às modificações introduzidas quanto às

demais pessoas jurídicas de direito privado, significativamente, quando

desaparece a figura das sociedades sem fins lucrativos, as quais, ao lado das

fundações e das associações, compreendiam as entidades de interesse social,

reforçando a noção de fundações como organizações destinadas a fins

coletivos; a impossibilidade de sua utilização para fins econômicos ou

lucrativos; a vedação para a administração de interesses particulares.

3. Segundo as fontes positivas de interpretação, os fins assistenciais

compreendem: a assistência à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao

lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade, à infância e à

adolescência; a assistência aos desamparados, à promoção da integração ao

mercado de trabalho; à habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de

deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária.

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4. Como fins culturais, além do apoio, valorização e a difusão de manifestações

culturais, propriamente ditas, podem inserir-se a educação ambiental para a

preservação do meio ambiente.

5. A viabilidade, sob a ótica da essência do instituto fundacional, da interpretação

extensiva da norma, admitindo-se como fins de assistência: a colaboração, o

apoio, o amparo, a prestação de assistência direta a questões coletivas em

qualquer das áreas de interesse coletivo: como o meio ambiente, a pesquisa

científica, a preservação do patrimônio cultural, a valorização e a difusão de

manifestações culturais, o desenvolvimento intelectual, os esportes, etc., desde

quem sem fins econômicos.

6. O reconhecimento de que, mesmo antes da mudança em questão, já havia para

o Ministério Público, ao aprovar os estatutos de uma fundação, a obrigação de

verificar se esta, a despeito das expressões formais que utiliza no texto

estatutário, se coaduna com a noção de entidade de interesse social, sem fins

econômicos ou lucrativos.

Em arremate, frisamos que, dentro dos parâmetros legais e doutrinários expostos, e sob

o prisma de que uma fundação nasce sempre para beneficiar uma coletividade, por

meio da dotação de bens livres destinados a uma finalidade eminentemente social,

deverá o intérprete perquirir12, em cada caso concreto, a possibilidade jurídica da

instituição de determinada fundação, independentemente de conter em seu estatuto

expressões “formais” pinçadas do texto legislativo atual.

12 Como já lhe cabia fazer, de forma até mais ampla, sem os parâmetros dados pela legislação atual.

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II. A PREVISÃO DE FINALIDADES ECONÔMICAS E O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ECONÔMICA POR FUNDAÇÕES VISTO SOB A ÓTICA DAS MODIFICAÇÕES TRAZIDAS PELO NOVO CÓDIGO CIVIL ÀS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO Não chega a ser incomum surgirem interessados em defender a possibilidade de se

instituir fundações com fins econômicos, sob a justificativa de que o resultado desta

seria inteiramente aplicado em finalidades de caráter social, invocando, em regra, dois

argumentos principais: a ausência de vedação legal expressa e o princípio geral de

atividade econômica insculpido no artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal,

o qual estabelece: é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos salvo nos casos

previstos em lei.

Iniciando o exame desta questão, é preciso deixar claro, desde logo, que combatemos

intransponivelmente tal entendimento, senão por sucumbir a uma análise mais

profunda, à luz das mesmas fontes jurídicas invocadas para lhe dar sustentação, mas

sobretudo porque, na prática, tem dado concretude a péssimos exemplos de fraudes à

ordem jurídica (econômica, tributária, trabalhista, previdenciária,administrativa,etc.),

viabilizando importações com isenção fraudulenta de impostos para o uso dos

equipamentos em fins comerciais comuns; contratação mascarada de trabalhadores

como “voluntários” ou “estagiários” em detrimento da abertura de vagas de trabalho

regular e registro em carteira; desvio de receitas públicas e emprego de verbas de

cunho social, obtidas com os incentivos fiscais e parafiscais usadas para o pagamento

de despesas particulares de diretores e seus familiares; concorrência desleal frente ao

comércio formal, etc, etc, etc....

Todas essas atividades acima mencionadas — verificadas por esta Promotoria de Justiça

em casos práticos — têm gerado nenhum ou insignificante retorno social frente aos

benefícios obtidos com as renúncias e incentivos fiscais concedidos a essas entidades,

razão pela qual vêm as mesmas sendo alvo de inquéritos civis e ações de intervenção e

extinção de fundações, não raro quando o mal já se encontra irremediavelmente

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consumado, perdendo-se preciosos recursos que deveriam ser aplicados pelo governo

na carente realidade social brasileira.

Mas, afinal, o que são fundações? A resposta a essa singela questão, que pode nos

parecer, a princípio, óbvia, assume grande importância para a solução da temática

proposta, conforme restará evidenciado.

O artigo 62 do Código Civil não oferece um conceito direto, mas a delineia da

seguinte forma: Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou

testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e

declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.

Segundo Pontes de Miranda, fundação é “uma universalidade de bens personalizada

em atenção ao fim que lhe dá unidade”.

Para Clóvis Bevilaqüa: “uma universalidade de bens personalizada, em atenção ao

fim, que lhe dá unidade ou um patrimônio transfigurado pela idéia, que o põe ao serviço

de um fim determinado.”

Ao lado das clássicas definições, Carvalho de Mendonça, também:

“o patrimônio que compõe a fundação pertence à sociedade ou a uma parcela

desta, pois quando a pessoa jurídica fundacional (patrimônio destinado a um fim

social) adquire personalidade (no momento em que ocorrer o registro no cartório

de registro civil das pessoas jurídicas) aqueles bens que passaram a constituir a

fundação se desvincularam totalmente do instituidor — surge uma pessoa nova,

um novo sujeito de direitos e obrigações, o qual não detém, por si, capacidade

para exercitar direitos ou cumprir tais obrigações, de vez que o próprio patrimônio

é também a pessoa (não pertencendo ao instituidor, ou aos membros de sua

administração, nem ao Estado, tampouco ao seus usuários), necessitando, assim,

de uma assistência diferenciada por parte do Estado, uma vez que é público

objetivo e indeterminado o “dono” do patrimônio.”13

13 ‘‘Contractos no Direito Civil Brasileiro, Tomo II, 1938, 2ª ed., P. 218”.

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Maria Helena Diniz14, modernamente, conceitua fundações particulares como

“universalidades de bens, personalizadas pela ordem jurídica, em consideração a um fim

estipulado pelo fundador, sendo este objetivo imutável e seus órgãos servientes, pois

todas as resoluções estão delimitadas pelo instituidor.”

José Eduardo Sabo Paes15 anota que as fundações, historicamente, procuram

beneficiar a coletividade por meio de finalidades eminentemente sociais. A

vontade dos instituidores deverá sempre estar ligada a um interesse geral, uma vez

que os destinatários dos benefícios que uma fundação pode prestar são, de uma

maneira geral, a própria sociedade ou comunidade em que ela se inserir.

Assim, podemos concluir, com Tomás Aquino Resende16, que uma fundação é um

patrimônio que se transforma em pessoa jurídica, patrimônio este que pertence à

sociedade desvinculando-se de seu instituidor e passando ao domínio público, em

razão de sua finalidade social; complementam ou substituem a atividade

governamental; prestam serviços de forma desinteressada, com a predominância do

interesse público, em caráter gratuito e sem fins lucrativos e o fazem dentro dos

objetivos e finalidades estabelecidas pelo instituidor; sua estrutura deve ser organizada,

de forma a tornar possível a consecução das finalidades estabelecidas, pois os fins, na

pessoa fundacional, são perenes e imutáveis na sua essência; como cooperam com a

organização estatal no atendimento à coletividade, recebem benefícios e isenções

tributárias, merecendo um especial tratamento por parte do Estado.

Nesse passo, e delineadas as noções principais da figura fundacional, como uma

universitas bonorum17 é preciso, então, situá-las no plano jurídico geral, quanto às

funções e capacidade das pessoas jurídicas:

Segundo a classificação adotada por Maria Helena Diniz:

14 “Curso de Direito civil Brasileiro”, teoria Geral do Direito Civil, 1 º Volume, Editora Saraiva, 20ª edição. p.211. 15 “Fundações e Entidades de Interesse Social”, Brasília Jurídica, 4ª edição. p. 260. 16 Ao justificar as razões do velamento pelo Ministério Público na obra: “Novo Manual de Fundações”, Editora Inédita, 1997, p.92. 17 Segundo Clóvis Bevilaqüa: o patrimônio especializado que lhe dá unidade.

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As pessoas jurídicas de direito privado, instituídas por iniciativa de particulares,

conforme o art. 44, I a III, do Código Civil, dividem-se em: fundações particulares,

associações, sociedades (simples e empresárias) e, ainda, partidos políticos (Lei nº

9.096/95, art. 1º, CF, art. 17, I a IV, §§1º a 4º; Decreto n. 4.199/2002; CC, arts.

2.031 a 2.034), que, atualmente, ante o disposto na Carta Magna (art. 17, §2º),

têm a natureza de associação civil, sendo pessoa jurídica de direito privado.

O Código Civil atual, em seu artigo 53, estabelece que as associações são entidades

constituídas para fins não econômicos e coerentemente com esta disposição, o

parágrafo único do artigo 53, prevê que não existe entre os associados, direitos e

obrigações recíprocas, o que seriam características próprias das sociedades.

A sociedade simples (sociedade civil), tratada pelos artigos 997 a 1.038 do CC, segundo

Maria Helena Diniz18, “é a que visa fim econômico ou lucrativo, que deve ser

repartido entre os sócios, sendo alcançado pelo exercício de certas profissões ou pela

prestação de serviços técnicos.” (grifos meus)

Por sua vez, as sociedades empresárias (sociedades mercantis) são aquelas “que

visam lucro, mediante exercício de atividade mercantil.”

A partir da nova normatização civil, depreende-se que as sociedades passam a ter

finalidade, exclusivamente, econômica ou lucrativa, não mais se assemelhando à noção

de associações, estas como entidades destinadas ao desenvolvimento de finalidades de

interesse social, e aquelas, visando, sempre, objetivos econômicos ou lucrativos.

Nesse passo, à luz dos dispositivos expostos, posicionamo-nos no sentido de que as

fundações, ao lado das associações, ocupam a posição legal de pessoas jurídicas de

direito privado sem fins econômicos ou lucrativos, configurando-se como entidades

de interesse social.

Pois bem, delimitado-se que as fundações não possuem fins econômicos, a primeira

observação a ser feita é a de que embora as fundações também não visem a aferição

de lucro, já que o seu patrimônio é especialmente vinculado à consecução dos objetivos

de caráter social propostos pelo instituidor, tem-se que não há vedação alguma quanto

18 Op citada, p. 227.

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à obtenção de superávit a ser reaplicado nas próprias finalidades fundacionais e no

fortalecimento da estrutura patrimonial.

A respeito, vale anotar:

“Tanto o lucro como o superávit podem ser definidos como o resultado econômico-

financeiro positivo de uma atividade, apurado em um determinado período. A

distinção entre um e outro não reside na forma de apuração, que em termos

simples é a diferença entre as receitas e as despesas, mas na natureza e finalidade

do ente que auferiu o resultado positivo. O superávit é típico das entidades que

têm por objetivo gerir recursos para a consecução suas atividades finalísticas, de

interesse social. É a diferença entre a captação de recursos, quer por meio de

doações ou prestação de serviços, quer por quaisquer outros meios lícitos, e a

despesa realizada em prol de seus fins. Não é objetivo da entidade de interesse

social o atingimento do superávit em si, mas este é conseqüência, uma sobra a ser

utilizada no desenvolvimento de suas atividades em benefício da sociedade”.19

Todavia, ressalta-se que os fins econômicos são a ela estranhos, quer porque o

legislador civil delimitou, ainda mais, as formas jurídicas próprias para a consecução das

finalidades econômicas (sociedades simples e empresárias), quer porque a finalidade

econômica se afasta inteiramente do espírito do instituto, voltado à consecução de fins

de caráter geral e de interesse social e, sobretudo, dos objetivos buscados pelo

constituinte ao conceder a essas entidades um tratamento fiscal diferenciado para

fomentar as atividades sociais para as quais estão essencialmente vocacionadas.

Em suma, a essência diferenciada da fundação — reconhecida e levada em conta pela

própria Constituição Federal ao abrigá-la do poder tributário do Fisco — não permite

que, de forma conflitante com a posição adotada pelo constituinte, venha a entidade a

atuar, competitivamente, no mesmo campo destinado a outras figuras jurídicas de

direito privado, conquanto estas não gozem do mesmo tratamento que lhe é

proporcionado.

Trata-se da simples aplicação do princípio constitucional da isonomia.

19 José Eduardo Sabo Paes, nora 279, p. 265,

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Ora, buscando os próprios princípios gerais que informam a atividade econômica,

inseridos no artigo 170 da Constituição Federal, constata-se que um dos pilares da

organização econômica do país reside na livre concorrência, o que pressupõe, para o

Estado, a vedação da intervir na atividade econômica em favor de entes particulares em

detrimento de outros.

Pois bem, o Estado, objetivando fortalecer essas entidades de interesse social e

garantir-lhes condições de estabilidade e transparência, diante da alta função social que

desempenham, concede-lhes favores ou concessões especiais20, em reconhecimento aos

serviços prestados em fins humanitários e sociais a que se dedicam.

Como precisamente colocado pelo Promotor de Justiça paranaense Divonzir José

Borges, em seu artigo “Fiscalizando as Fundações e Entidades Sem Fins Lucrativos”·:

“Para o fomento das políticas públicas de enfrentamento da pobreza, utiliza-se

também o Estado do instituto da renúncia de receita. A renúncia de receita,

também nominada doutrinariamente de renúncia fiscal ou gasto tributário21,

corresponde a uma abdicação, integral ou parcial, de tributos incidentes sobre

produtos, serviços e rendas. Desta forma, os valores não recolhidos aos cofres

públicos equivalem a uma transferência desses recursos às instituições

assistenciais. Em contrapartida, as entidades beneficiadas com o incentivo fiscal22

devem aplicar integralmente ditos recursos23, mediante a prestação de serviços

20 Como exemplo desse especial tratamento, lembramos: as imunidades tributárias das instituições de educação ou assistência social (artigo 150, VI, “c”, da CF), de acordo com os requisitos do artigo 14 do CTN; as isenções do imposto de renda ( Lei 9.532/97) – às entidades de caráter filantrópico (CEBA), recreativo, cultural e científico; a isenção da cota patronal devida à previdência social através dos certificado de fins filantrópicos pelo CNAS (Lei 8.742/93); as isenções legais – quanto ao COFINs, sobre as atividades próprias das fundações, o PIS/PASEP, o CSSL.

21 “Gastos tributários ou renúncias de receita são mecanismos financeiros empregados na vertente da receita pública (isenção fiscal, redução de base de cálculo ou de alíquota de imposto, depreciações para efeito de imposto de renda etc.) que produzem os mesmos resultados econômicos da despesa pública (subvenções, subsídios, restituições de imposto etc).” – Ricardo Lobo Torres, Curso de direito financeiro e tributário, 6ª ed., Rio de Janeiro, 1999, pág. 165.

22 Para Paulo Sandoni, incentivo fiscal é o “subsídio concedido pelo governo, na forma de renúncia de parte de sua receita com impostos, em troca do investimento em operações ou atividades por ele estimuladas.”– Apud Carlos Valder do Nascimento in Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal – pág. 95.

23 Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000

Da Execução Orçamentária e do Cumprimento das Metas

Art. 8º.

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assistenciais, baseados na ética, transparência e responsabilidade à comunidade

que deles necessitam. O Estado deixa de receber o valor da arrecadação

renunciada, porém não abre mão da contrapartida social que a receita deve

proporcionar à população24. A renúncia fiscal vem sempre acompanhada de algum

objetivo a atingir.”

Nesse prisma, ainda que reconheçamos que o direito é em si lacunoso, especialmente

no que se refere à matéria fundacional, temos que, se a fundação se lança na prática de

atividades econômicas — ainda que não distribua lucros —haverá que fazê-lo par e

passo, em igualdade de condições com as demais pessoas jurídicas de direito

privado que exercem atividades econômicas, sob pena de ferir o princípio da

isonomia e especialmente o da livre concorrência, este último erigido na mesma seara

constitucional com a qual os interessados, no caso “sub judice”, pretendem defender a

existência de fundações com fins econômicos.

De outro vértice, no que tange ao exercício de atividades econômicas, conforme

precisamente colocado por José Eduardo Sabo Paes, nos parece bastante pertinente

a seguinte ilação:

Admite-se, no entanto, a realização de atividades econômicas por parte das

fundações. Primeiro, quando elas sejam necessárias para o melhor cumprimento

dos seus fins estatutários e estejam a eles (fins) diretamente ligadas;

segundo, quando a fundação seja acionista ou cotista de uma sociedade comercial.

25 (grifos meus)

De qualquer modo, a realização de atividade econômica ou de caráter industrial por

uma fundação, mesmo quando ligadas diretamente às finalidades essenciais da

fundação (fins sociais), é de ser vista com a máxima cautela e em caráter

Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

24 Lei nº 9.995, de 25 de julho de 2000 - Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração da lei orçamentária de 2001 e dá outras providências.

Art. 87. As entidades privadas beneficiadas com recursos públicos a qualquer título submeter-se-ão à fiscalização do Poder concedente com a finalidade de verificar o cumprimento de metas e objetivos para os quais receberam os recursos.

25 Op. Citada, p. 265.

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extremamente excepcional, em cada caso concreto, na medida em que tem sido fonte

de desvirtuamento do instituto e de fraudes à ordem jurídica, lembrando que a questão

tem sido encontrada na jurisprudência, justamente, quando há discussão inerente ao

alcance das imunidades constitucionais e isenções tributárias de que gozam estes entes

jurídicos, não raro por representarem o completo desvirtuamento do instituto

fundacional.

No caso em mesa, verifica-se que a interessada dispõe em seu estatuto que “para

atingir os seus objetivos, a FUNDAÇÃO CANAL LARANJA poderá colocar o seu

Patrimônio a trabalhar em atividades econômicas, sendo os seus resultados canalizados

para suas finalidades de Assistência Social, podendo concomitantemente as atividades

econômicas serem coincidentes com as mesmas finalidades.”

O que primeiro chama à atenção neste caso, é o fato de consignar, expressa e

genericamente, no próprio texto estatutário, que a fundação poderá colocar o seu

patrimônio para trabalhar em atividades econômicas.

A segunda anotação, diz respeito à previsão de que estas atividades econômicas

poderão ser, concomitantemente, coincidentes com as mesmas finalidades. Ou seja,

através de um jogo de palavras, insere-se no conteúdo da norma que a fundação

poderá ter também finalidades econômicas, as quais coincidirão com as próprias

atividades econômicas representadas.

Ora, ao se inserir no texto do estatuto que a entidade possui caráter assistencial — a

qual gozaria de imunidades sobre o patrimônio, a renda ou serviços prestados — e ao

mesmo tempo estabelecer que poderá exercer atividades econômicas (coincidentes ou

não com suas finalidades), pretende a interessada receber um salvo conduto para

empreender em sua atividade principal (canal de rádio ou televisão) a prática da

concorrência desigual e desleal.

Assim sendo, a previsão “sub examen” não se coaduna com a forma jurídica

fundacional, a qual não comporta a finalidade econômica vislumbrada no texto da

proposta de reforma estatutária.

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III. PREVISÃO DE ADEQÜAÇÃO DAS ENTIDADES FUNDACIONAIS JÁ EXISTENTES À DISCIPLINA DO NOVO CÓDIGO CIVIL (artigos 2.031 à 2.033). O estudo que vem sendo feito acerca da proposta de alteração estatutária apresentada

— no que diz respeito às finalidades das fundações—, enseja ainda o exame da

adequação dos estatutos estatutários das entidades fundacionais constituídas antes da

vigência do novo Código Civil, com as modificações dele advindas, à luz dos dispositivos

supracitados, inseridos nas Disposições Transitórias.

Para tanto, iniciamos por transcrever as disposições pertinentes, aonde se destacam as

particularidades relevantes para a presente análise.

O artigo 2.031 estabelece:

“As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma as leis

anteriores, terão o prazo de um ano para se adaptarem às disposições deste

Código, a partir de sua vigência; igual prazo é concedido aos empresários.”

Por sua vez, o artigo 2.032 prevê o seguinte:

“As fundações, instituídas segundo a legislação anterior, inclusive as de fins

diversos dos previstos no parágrafo único do art. 62, subordinam-se quanto

ao seu funcionamento, ao disposto neste Código”.

Dispõe o artigo 2.033:

“Salvo o disposto em lei especial, as modificações dos atos constitutivos das

pessoas jurídicas referidas no art. 44, bem como a sua transformação,

incorporação, cisão ou fusão, regem-se desde logo por este Código.”

Pois bem, na situação em comento, a entidade fundacional pretende a reforma dos seus

estatutos sob a justificativa de que necessita adequar as suas finalidades, e demais

disposições, às regras previstas na lei substantiva civil.

Especificamente, sobre a necessidade ou possibilidade de adequação dos fins de uma

fundação já constituída antes da vigência do novo Código Civil, a alguma das finalidades

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elencadas no parágrafo único do artigo 62, entendemos que a modificação não é

exigível, e sequer permitida.

Com efeito, é preciso ressaltar, mais uma vez, que as fundações são entidades jurídicas

particularizadas e distintas das associações e sociedades, a primeira como “acervo de

bens livres que recebe da lei a capacidade jurídica para realizar as finalidades

pretendidas pelo seu instituidor, em atenção aos seus estatutos” 26, enquanto que as

últimas giram em torno de um elemento pessoal, de idéias e esforços dos seus

integrantes.

Relembrando o que dispõe o artigo 62, quanto à instituição de uma fundação, para criá-

la, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens

livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de

administrá-la.

Estão presentes no momento da criação de uma fundação, portanto: a vontade do

instituidor e os bens destinados a atendê-la.

Dessa ilação, extraída diretamente do texto legislativo, decorrem duas conseqüências já

conhecidas a respeito das fundações: a) a disposição de vontade inicial quanto às

finalidades, feita no ato de sua criação, possui caráter de permanência, não podendo

ser modificada na sua essência; b) a inalienalibilidade dos bens que compõem o

patrimônio fundacional, em atenção à sua certa e determinado destinação.

É insofismável que esta inalienabilidade, de natureza legal, sofre, nos casos concretos e

em caráter excepcional alguma relativização, como anota José Eduardo Sabo Paes27:

“Segundo os tribunais,“os bens das fundações são normalmente inalienáveis,

porque representam a concretização dos fins preestabelecido pelos respectivos

instituidores, não tendo os seus administradores qualidade para alterar o

imperativo da vontade daqueles “(RT 252/661). Note-se, porém que essa

inalienabilidade é simplesmente relativa, não tendo caráter absoluto.(...)

26 “Distinção essencial entre fundação e associação e algumas de suas conseqüências”, artigo da doutora Érika Spalding, publicado no “Cadernos Fundata, nº -1 –CEFEIS, 2001, pela FIPE (Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas) . 27 “Fundações e Entidades de Interesse Social”, 3ª ed. Brasília Jurídica, p. 217.

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A orientação jurisprudencial nesse campo manifesta-se pela relativa

inalienabilidade dos bens fundacionais. Caso os mesmos sejam vendidos, exigem

os tribunais a aplicação do preço na aquisição de outros bens, que deverão ficar

igualmente destinados ao mesmo fim (ct RT 116/650, 138/18, 149/580, 126/127 e

242/232).”

A venda desses bens estará, portanto, sempre condicionada à necessidade, essa

decisão será submetida ao Promotor de Justiça com atribuições para velar pelas

Fundações, ao qual “caberá assegurar-se que a venda do bem é indispensável para a

existência e/ou continuidade das atividades da fundação, exigindo até a sua sub-

rogação ou substituição por outro (s) bem(ns) destinado (s) ao mesmo fim”.28

O patrimônio de uma fundação, no entanto, estará sempre afetado às finalidades para

as quais esta é instituída.

A instituição de uma fundação, no dizer de Arnaldo Rizzardo: “Envolve a destinação

de um acervo de bens, que se reveste, por força da lei, de capacidade jurídica para

realizar finalidades pretendidas pelo instituidor.”29

Como vasos comunicantes, as finalidades e o patrimônio encontram-se vinculados

desde o momento da criação da fundação.

Assim sendo, ocorre também uma espécie de preclusão temporal, ligada ao momento

consumativo do nascimento da pessoa jurídica fundacional (registro da escritura e dos

estatutos), a impedir, sobremaneira, posterior alteração das finalidades de uma

fundação.

A ilação também é válida quando estivermos diante de uma fundação instituída por

testamento, sobretudo se considerarmos que, quanto às disposições testamentárias, a

vontade do testador é absoluta, excetuada apenas a parcela referente à legítima.

28 Op. Citada, p. 219. 29 “Parte Geral do Código Civil”, Editora Forense, 2002, p. 233.

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Nesse sentido, cabe lembrar, novamente, os ensinamentos de José Eduardo Sabo

Paes, tendentes a balizar os limites a que estão sujeitas as alterações estatutárias das

fundações:

“Estatuto é norma essencial e perene para a entidade. Todavia, circunstâncias

posteriores à instituição da entidade, e apenas constatadas no decorrer do seu

funcionamento, podem fazer com que seja absolutamente necessária a reforma ou

alteração de dispositivos do estatuto, tendo sempre como último escopo a

preservação do seu patrimônio e o aperfeiçoamento e mantença das suas

finalidades.” 30

E prossegue:

“Os fins ditados pelo instituidor também não podem ser desvirtuados ou entregues

ao arbítrio dos administradores, uma vez que em sede fundacional não existe a

liberalidade de modificações ou alterações dos próprios fins, mesmo

implicitamente, sob pena d caracterizar o denominado desvio de finalidade.

Não são admissíveis, portanto, alterações estatutárias dos fins da fundação

distanciadas ou contrarias aos propósitos do(s) fundador(es).”

Tais colocações são efetuadas em caráter preliminar com o escopo de embasar o

posicionamento ora adotado, de que as alterações introduzidas no parágrafo único do

artigo 62 do novo Código Civil não atingem as fundações regularmente instituídas

antes da sua vigência, no que tange às suas finalidades.

Esse entendimento é sustentado, ainda, pela própria interpretação literal do artigo

2.033, o qual especifica que a subordinação das fundações instituídas antes do novo

Código, se referem ao funcionamento dessas entidades, inclusive daquelas que

tinham fins diversos dos agora previstos no parágrafo único do art. 62.

30 Fundações e Entidades de Interesse Social, Ed. Brasília Jurídica, 3ª edição, p. 199 e 229.

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Trata-se, também, de uma norma que especifica o que prevê o dispositivo anterior —

art. 2.031 — , de conteúdo mais genérico, a qual pretendeu deixar assente qual a

extensão da primeira regra quanto às fundações (interpretação sistemática).

Assim, concluímos que as fundações já instituídas — independentemente dos fins já

previstos — deverão se adequar às normas do novo Código no que diz respeito tão-

somente ao seu funcionamento.

De outro vértice, essa diferenciação quanto às fundações não foi feita claramente em

face do artigo 2.033, o qual dispõe que, salvo o disposto em lei especial, as

modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no art. 44

(sociedades, associações, fundações), bem como a sua transformação, incorporação,

cisão ou fusão, regem-se desde logo por este Código.

Se considerarmos como atos constitutivos a escritura pública e os estatutos da

fundação, como visto, a primeira não pode mais ser alterada, e as normas estatutárias,

serão passíveis de mudança apenas em algumas hipóteses, dentre as quais não se

insere a restrição de finalidades.31

Outrossim, há que se considerar que não se aplicam às fundações, os institutos da

transformação, da incorporação, cisão total ou fusão.

Nessa perspectiva, entendemos que as regras em relação as quais deverão as

fundações já constituídas se adequar, dizem respeito às previsões passíveis de serem

alteradas e que sejam pertinentes ao seu funcionamento, tais como, os artigos 67 e 68.

IV. CONCLUSÃO Do exposto, concluímos que as fundações por nascerem da colocação espontânea de

um patrimônio para servir à sociedade, alcançando finalidades essencialmente sociais,

sem fins lucrativos ou econômicos, deverão buscar a sua viabilidade econômico-

financeira de forma compatível com a natureza jurídica da entidade. Ou seja, através da

31 Exceto se se tornarem ilícitas ou imorais.

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própria dotação inicial de bens e das fontes de recursos previstas no estatuto que

garantam a sua sustentabilidade, tais como, rendas sobre o seu patrimônio, doações,

legados, convênios, acordos, termos de cooperação, contribuições, subvenções.

Sobretudo após as modificações introduzidas pelo novo Código Civil, as fundações, ao

lado das associações, se distanciam ainda mais das entidades que objetivam fins

econômicos, valendo registrar que, apesar da interpretação a ser dada ao parágrafo

único do artigo 62 deva focar o interesse público, não há como negar o caráter restritivo

desta norma, em face das inúmeras facetas que esses entes têm tomado nos últimos

tempos, muito distantes da concepção original da pessoa jurídica fundacional.

A análise da viabilidade de instituir-se uma fundação privada, à luz do novo Código Civil,

dependerá do exame de cada caso concreto, com vistas em toda a legislação que a

envolve, não se atendo apenas aos requisitos formais de sua constituição propriamente

dita, mas também o tratamento constitucional dado pelo Estado e o papel social que a

justifica.

Com efeito, na tendência imposta ao Estado moderno na busca de novas estruturas de

atendimento das questões sociais, a sua descentralização administrativa encontra nas

organizações privadas de interesse público (Terceiro Setor), o caminho propício para a

consecução dos mandamentos constitucionais que asseguram a dignidade humana, a

cidadania plena e a justiça social, vez que essas entidades, constituem-se sem

finalidades econômicas ou lucrativas, para prestar serviços de relevância pública,

desenvolvendo ações públicas não estatais.

Por fim, temos que as modificações introduzidas junto ao novo Código, não implicam

em alterações de finalidades das fundações já constituídas, exceto para aquelas

entidades que, porventura, tenham sido instituídas para atingir fins econômicos, as

quais encontram, nesta oportunidade, o momento adequado para a redefinição do seu

papel social, nos moldes da nova ordem jurídica.

Curitiba, 10 de junho de 2003.