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0 Augusto César Ulhôa Carvalho As Esferas Pública e Privada Belo Horizonte 2007

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Augusto César Ulhôa Carvalho

As Esferas Pública e Privada

Belo Horizonte

2007

1

Augusto César Ulhôa Carvalho

As Esferas Pública e Privada

Monografia apresentada ao Curso Graduação em

Relações Internacionais do Centro Universitário

de Belo Horizonte, como requisito parcial à

obtenção do título de Bacharel em Relações

Internacionais.

Área de concentração: Relações Internacionais

Orientadora: Alexandra Nascimento

2

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais (DCJPG)

Curso de Relações Internacionais

Dissertação intitulada “As Esferas Pública e Privada” de autoria do graduando Augusto César Ulhôa Carvalho, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

__________________________________________________ Alexandra Nascimento – Orientador

__________________________________________________

Dawisson Belém Lopes

__________________________________________________ Leandro Rangel

Belo Horizonte, 14 de Dezembro de 2007

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RESUMO

Esta dissertação consiste em uma análise sobre as noções das esferas pública e privada

através do tempo. Como diferentes visões teóricas procuraram entender e explicar o que

deveria ser público e o que deveria se privado, e como essas esferas se relacionariam.

Então, analisar-se-á três diferentes casos que apresentam características da mistura

dessas esferas.

4

ABSTRACT

This dissertation embraces an analysis about the notion of the public and private spheres

through the time. How different theoretical visions looked for understanding and

explaining what should be public and what should be private, and how these spheres

connected with each other. Then will be analyzed three different cases that present

characteristics of the mixture of those spheres.

5

SUMÁRIO

1. Introdução .............................................................................. 6

2. Distintas Noções do Público e do Privado ............................ 8

3 Estudo de Três Casos ............................................................. 47

3.1 Luís XV e Madame de Pompadour....................................... 47

3.2 Ludwig I e Lola Montez......................................................... 56

3.3 Bill Clinton e Mônica Lewinsky............................................ 63

4 Conclusão................................................................................. 68

5 Bibliografia.............................................................................. 71

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho analisa a relação entre as esferas pública e privada, procurando

entender se as esferas pública e privada se misturam durante o processo de tomada de

decisão dos governantes. O estudo busca avaliar se o governante, durante o processo de

decisão procurará fazer suas escolhas de forma racional baseado num cálculo custo-

benefício e sob os aspectos políticos ou se sofrem influência de questões das esferas

privadas de sua vida.

Para tal análise, o trabalho discute três casos históricos nos quais se observa a relação

entre as esferas pública e privada e como tal relação influenciou o cenário internacional.

Os exemplos escolhidos são a relação entre o Reio Luís XV da França (1710-1774) e a

Duquesa Madame de Pompadour (1721-1764), e como a Guerra dos Sete Anos (1756-

1763) foi afetada por esta relação. O segundo caso será a relação entre o Rei Ludwig I

da Baviera (1786-1868) e Lola Montéz (1821-1861), procurando entender se tal relação

acelerou o processo de abdicação do rei e como as Revoluções de 1848 foras frutíferas

na região. O último caso a ser examinado será a relação entre o Ex-presidente

americano Bill Clinton (1946- ) com a então estagiária Monica Lewinsky (1973- ) e

como o escândalo sexual afetou o processo eleitoral americano do ano 2000. Tais

exemplos foram escolhidos pela documentação existente sobre os mesmos e algumas

características comuns, principalmente de um caso extraconjugal ter afetado a

governança. Além disso, ocorreram no Ocidente pós-Westphalia, o que trás

proximidade e representam a mudança, ou não, de visão do século XVIII para o XX.

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Tais casos foram escolhidos para demonstrar que a mistura entre as esferas pública e

privada podem acontecer independente do tempo e do sistema de governo da época.

Luís XV era um rei absolutista, Ludwig I já se encontrava na época das revoluções

liberais e Bill Clinton um presidente eleito democraticamente no final do século XX.

Tais escolhas permitem fazer uma análise comparativa entre as semelhanças e

diferenças dos problemas enfrentados pela mistura de tais esferas, além de servirem de

demonstração de como afetaram a dinâmica internacional graças às escolhas feitas.

O estudo analisa de que maneira o povo projeta em seus governantes princípios morais

e qual a importância desses valores na manutenção do governante no poder. E como os

súditos, ou eleitores, esperam que seu governante se comporte e até onde aceitam

desvios de comportamento.

Para tal análise, se fez necessária uma discussão acerca da noção das esferas pública e

privada entre autores políticos clássicos ao longo dos séculos, dos gregos clássicos até a

teoria feminista do século XX.

Tais análises se basearam em revisões bibliográficas, recolhendo os conceitos dos

autores clássicos acerca o tema e, para os casos, verificando relatos de contemporâneos

para entender como se deu o processo, assim fazendo a conexão entre os casos, suas

semelhanças e particularidades.

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2. Distintas Noções do Público e do Privado

Com a organização dos seres-humanos em sociedade, necessitou-se a criação de um

governo.

“O crescimento das atribuições conferidas aos governos, sob a forma do Estado, levou a uma ampliação do campo das atividades políticas, que passaram a abranger questões administrativas e organizacionais, decisões econômicas e serviços sociais.” (CHAUÍ, 1995, p. 368)

Cabe lembrar que a palavra política é grega, que tem sua origem na ta politika, que por

sua vez tem sua origem na também palavra grega polis. A polis seria a cidade para os

gregos, sendo a cidade uma sociedade que se encontrava de forma organizada e que

tinha seus politikos (cidadãos), o que leva a supor que todos os gregos eram políticos e

cidadãos. No entanto, cidadãos eram apenas os homens livres adultos, excluindo-se

assim as mulheres, os estrangeiros, os escravos e as crianças. Estes cidadãos possuíam

dois direitos básicos: a isonomia – eram considerados iguais perante a lei – e a isegoria.

A isegoria era o direito de colocar suas opiniões em público, expor aos outros cidadãos

por meio do discurso (logos) defendendo suas posições e causas, que poderiam ou não

ser aceitas pelos outros. Os cidadãos se encontravam na cidade e exerciam a ta politika¸

como determinar os costumes a serem seguidos na cidade, questões de guerra, a

administração da cidade e os tratados com as outras cidades.

Civitas e Res publica são traduções latinas para polias e ta politika respectivamente.

Assim, polis e civitas podem ser relacionadas ao que hoje seria o Estado, tanto suas

instituições como a forma que é administrado, enquanto ta politika e res publica podem

ser relacionados ao que conhecemos hoje como práticas políticas, a forma de

participação pública no Estado, a forma de tomada de decisões, formulação de leis e

afins (CHAUÍ, 1995).

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É neste ambiente que se encontrava o filósofo grego Aristóteles (384 a.C. – 322 d.C.).

Para Aristóteles, ética era algo inerente à política, e desse modo, o bom político deveria

ser aquele que agisse de forma ética e honrada: a felicidade seria alcançada por meio

destas ações.

Para os gregos, não existia um conceito único do que era social, sendo que este se

encontrava tanto na esfera privada das relações dentro de casa junto à família, como na

esfera da participação política.

Na Grécia antiga os campos de exercício de poder eram distintos. Enquanto dentro da

família o poder era despótico (despostes significa chefe de família), sendo o patriarca

não cerceado por nenhuma regra ou lei exterior: seu poder era totalitário e todos

membros da família, incluindo os escravos, estavam sob seu jugo. Já o outro campo era

o da esfera pública, onde os cidadãos livres eram iguais e um não se sobrepunha ao

outro: as questões eram debatidas e ali se fazia a política, sendo que essa não era

maculada pela esfera privada.

Deve-se entender que a vida pública na Grécia clássica, contudo, abrangia um espaço

muito maior do que atualmente, não havia o conceito de uma vida privada dentro da

vida pública como se tem hoje, resguardando alguns assuntos particulares que não

acredita que sejam de interesse ou de importância pública. O campo político abrangia

inúmeras questões que iam desde da ética até a educação. Era uma área comum para os

gregos, não o privilégio de um só: o fazer política era uma atividade social, uma

obrigação de todos aqueles que eram considerados cidadãos para com os outros. O não

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aceitar essa “obrigação” era se sujeitar-se à tirania, a deixar ser guiado por outrem, a

não ser mais livre.

Para Platão (427 a.C. – 348 a.C.), também filósofo ateniense, a vida pública também

tinha suas particularidades, mas não se encontrava totalmente separada da vida privada.

“A necessidade de uma ética estatal unida à política está estreitamente vinculada ao conceito de ‘ordem social’ – conceito chave do pensamento platônico –, esta categoria exclui a possibilidade de conflito. (...) Platão estava convencido que o âmbito político tinha uma tendência natural à desordem e que a ordem, entendida como harmonia, estabilidade e unidade nunca surgiria do curso normal dos direitos políticos. Não existiam, de modo inerente, dentro da atividade política, mas deviam ser extraída a partir do exterior dela. A ordem política devia ser produzida por uma visão proveniente do exterior da prática política, devia provir do conhecimento do modelo eterno para modelar a comunidade sobre a idéia de Bem preexistente.” (ROSSI, Miguel A., AMADEO, Javier, 2004, p. 71).

Assim, Aristóteles se encontrava de acordo com seu predecessor ao acreditar que o bom

político seria aquele que conseguisse levar de dentro de sua vida privada para o

“exterior” que seria a vida pública. A ação política seria, por conseguinte, saber usar os

argumentos no momento correto, era caracterizada pela ação (praxis), sabendo utilizar o

discurso para que os outros cidadãos livres acatassem suas idéias,

Mas Aristóteles vai além, a essência de cada polis, de cada cidade, seria definida de

acordo com o ethos particular de seus cidadãos, ou seja, a natureza das pessoas é que

definiam como aquela cidade se portaria tanto nas questões de suas leis e costumes,

quanto na forma de se relacionar com as outras cidades-estados. (ROSSI, Miguel A.,

AMADEO, Javier, 2004).

Diferentemente da Grécia Clássica, o novo cenário que surgiu no horizonte do mundo

europeu foi dominado pela ascensão e influência da Igreja Católica. Com o catolicismo,

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o entendimento do que é o homem se modifica, o homem clássico é mais complexo e

agrega nas formas de pensar a vida e sua relação para com o próximo e com o

sobrenatural:

“o homem não é mais simplesmente ‘corpo’ e ‘alma’ (entendendo-se por ‘alma’ razão e intelecto), isto é, em duas dimensões, mas sim em três dimensões: ‘corpo’, ‘alma’ e espírito’, onde o ‘espírito’ é exatamente essa participação no divino através da fé, a abertura do homem para a Palavra divina e para a Sabedoria divina, que o preenche com nova força e, em certo sentido, lhe dá nova estatura ontológica. A nova dimensão da fé, portanto, é a dimensão do Espírito em sentido bíblico. Os gregos haviam conhecido a dimensão do nous, mas não a do pneuma, que passaria a ser a dimensão dos cristãos.” (REALE e ANTISERI , 2003, p.18)

Para Watson (2004), essa Europa católica era bastante diferente da sociedade greco-

romana, clássica, que a havia precedido. Seria mais fácil para um cidadão dos chamados

‘tempos clássicos’ conceber uma sociedade como a bizantina, mas dificilmente

imaginaria que o futuro seria como a Idade Média da Europa Ocidental. A revolução

causada pelo surgimento e consolidação da religião católica na Europa Ocidental atingiu

todos os âmbitos daquela sociedade, modificando também a maneira como se dava a

idéia de poder.

Durante os dez séculos do período medieval, a Igreja Católica, com sede na antiga

Roma, exerceu papel fundamental como o elo que ligou as regiões e estabeleceu uma

unidade entre os diversos reinos europeus, fragmentados em inúmeros feudos. Para

Watson, o“Sacro Império Romano foi ‘restaurado’, ou, mais objetivamente, foi fundado

pelo rei Franco Carlos Magno, com o auxílio ativo da Igreja, e incluía a maior parte da

cristandade latina” (WATSON, 2004, p.198).

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O homem europeu lidava agora não com deuses que possuíam personalidades quase

humanas e que cometiam erros e acertos como o próprio homem: lidava agora com um

Deus maior, único, poderoso, onipresente e onisciente. A este Deus deviam prestar

contas, amar, respeitar e muitas vezes temer. O homem já não era mais livre,

necessitava da ajuda e da redenção que somente a igreja poderia dá-lo. Surgido do

pecado original estava fadado ao fracasso se não houvesse respeito às normas

eclesiásticas.

“o homem não pode ser ‘autárquico’ em sua vida moral: ele necessita de tal ajuda divina. Portanto, quando o homem procura viver retamente valendo-se unicamente de suas próprias forças, sem ajuda de uma graça divina libertadora, então ele é vencido pelo pecado; liberta-se do mal com o poder de crer na graça que o salva, e com a livre escolha dessa graça.” (REALE e ANTISERI , 2003, p. 98)

Dessa forma, a Igreja Católica se transforma num pilar de toda uma sociedade ao longo

dos séculos. A população se torna majoritariamente católica, apta a ser moldada de

acordo com os anseios papais. A Igreja se torna assim a representante da população

européia, principalmente dos pobres. Como diz Reale e Antiseri, a providência divina

dirigia-se principalmente “para o criado em geral, dirige-se ainda e particularmente para

os homens individuais, especialmente para os mais humildes e necessitados e para os

próprios pecadores” (REALE e ANTISERI, 2003, p. 15). Colocando-se como a grande

representante das vontades da população a Igreja Romana conseguia assim um grande

poder de barganha política junto aos outros governantes europeus, que deveriam assim

representar os anseios de seus súditos que eram também os principais componentes da

cristandade. Com o fim do Império Romano, a Igreja, que possuía sua sede na mesma

cidade de Roma, conseguiu manter e alimentar o sentimento de imperium que havia no

período clássico, criando uma união entre todos os fiéis.

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“Os cristão latinos da Europa Ocidental e Central continuaram, durante toda a Idade Média, a considerar-se membros da cristandade. O termo, na prática, incluía somente os cristãos latinos, deixando de fora o Império Bizantino de fala grega. A noção posterior de que toda a Europa fosse uma grande comunidade derivou da noção medieval de que a cristandade fosse, e, em última análise, da universalidade do Império Romano. A cristandade medieval era uma única sociedade, a despeito de toda a sua diversidade. Ela não estava dividida verticalmente em Estados independentes grandes e pequenos, cada um deles soberano dentro de suas fronteiras, como o mundo é, nominalmente, hoje em dia. A cristandade medieval estava estratificada horizontalmente em quatro amplas classes: a nobreza, de reis até simples cavaleiros; o clero; os aldeões e habitantes de cidades, artesãos e mercadores; e a massa de pessoas que se envolvia principalmente com a agricultura.” (WATSON, 2004, p.199)

Assim, o poder da Europa Medieval se encontrava concentrado nas mãos do clero e da

nobreza. Logo no início, a Igreja Católica percebeu a necessidade de uma espécie de

aliança com os anteriormente chamados, povos bárbaros, que haviam levado o Império

Romano ao seu fim. Desse modo o poder foi compartilhado por essas duas classes, o

cidadão europeu era ao mesmo tempo súdito e fiel, devendo lealdade aos seus dois

senhores, o divino e o terreno. Além de ser a responsável, obviamente, pelo âmbito

religioso da sociedade, que ocupava grande e significativa parte na vida do cidadão

europeu medieval, as funções da Igreja Católica perpassavam esta égide e estendiam sua

influência ao longo de outros aspectos da vida social como o ensino (a igreja foi a

guardiã das letras ao longe de séculos numa sociedade habitada por iletrados, basta

lembrar dos monges copistas), a medicina, ciências, etc.

Além disso, a Igreja Católica conseguia ser mais abrangente do que a nobreza:

“Diferentemente da nobreza, que estava geralmente presa aos direitos e às funções locais que acompanhavam seus domínios herdados ou recentemente adquiridos, a igreja permanecia verdadeiramente universal. O clero era recrutado em todas as classes e em toda a cristandade; e uma vez que seus membros eram celibatários e não tinham herdeiros, eram recrutados outra vez a cada geração. Eles pregavam e fomentavam entre os leigos uma consciência de pertencer a toda a cristandade, assim como a uma localidade específica. Originalmente, os bispos eram homens do lugar, mas o clero medieval, dos papas para baixo, podia provir de qualquer lugar na

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cristandade, e os grandes clérigos movimentavam-se.” (WATSON, 2004, p.201)

Se os aspectos civis da sociedade eram comandados pela nobreza, o clero conseguia

estar acima desses que consideravam aspectos ‘terrenos’. Respondendo, supostamente,

em nome de Deus, o clero tinha em suas próprias leis, seu próprio sistema jurídico, já

que sua classe era diferenciada das demais por estar mais próxima da providência. O

“Direito Canônico” permitia ao clero escapar das leis aplicadas em governos laicos que

ansiavam por conter um pouco do poder dominante vindo das terras papais, o que

propiciou raiz para aspectos que iriam brotar em séculos vindouros.

“No entanto, muita gente não queria que a igreja dominasse sua parte laico. Elas sustentavam que a igreja deveria determinar o que era certo ou errado e ditar a lei como o faz um legislativo moderno, mas que os governantes laicos – o que chamaríamos o Executivo e o Judiciário – deveriam ser independentes. Nossas idéias sobre a separação da igreja, e do Estado, e da separação dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) remontam, em parte, a essa luta.” (WATSON, 2004, p. 204)

O Papa conseguia mesmo assim exercer a influência católica, que seria considerada

como uma forma de ‘soft power’ durante todo o período medieval. Por serem

considerados os bastiões da moral e do conhecimento do mundo ocidental, a Igreja e

seus clérigos se colocavam no papel de guia não só de seus fiéis como também dos

próprios governantes, que compartilhassem dos valores éticos que a Igreja professava.

Segundo Reale e Antiseri (2003) para João Escoto Eriúgena (c. 815–877 d.C.), filósofo

medieval, nenhuma autoridade deveria se “afastar das coisas que são ensinadas pela reta

razão. ‘A verdadeira autoridade não se opõe à reta razão, nem esta à verdadeira

autoridade, porque ambas derivam de única fonte, isto é, da sabedoria divina’” (Ibid, p.

138), além de que “aquele que é reto tem verdadeiramente Deus em si.” (Ibid, p. 328).

Para estes autores, o “primado do catolicismo explica o lugar central ocupado pelo

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papado, que obriga todos a reconhecerem a função mediadora e de guia da Igreja” (Ibid,

p. 189).

Além disso, pelo fato da Igreja ser a detentora do conhecimento no mundo medieval, os

reis e os outros senhores do mundo feudal usavam o clero para que este fizesse o

trabalho administrativo das terras dos primeiros. Desta maneira os clericais conseguiam

manter sua influência e necessidade mesmo junto àqueles que se colocavam contra o

poderio da Igreja Romana. Como também lembra Watson (2004), o termo clerical

work, trabalho burocrático, remonta à esta época e à esta situação, já que designava o

trabalho que era realizado pelos clérigos.

Se a mentalidade medieval, como colocam Reale e Antiseri, acabou com a mentalidade

clássica do homem individual, e “a Providência estóica chega até a coincidir com o

Destino, nada mais sendo do que o aspecto racional da Necessidade como que o logos

produz e governa todas as coisas” (REALE e ANTISERI, 2003, p. 15), trouxe também a

idéia da impraticabilidade e impossibilidade da separação do homem público do homem

privado. O governante deveria agir de forma ética tanto no ambiente público quanto na

esfera privada de sua vida, sendo essa ética entendida como aquela que a Igreja Católica

abraçava.

Dessa forma, os governantes passaram a ser modelos éticos para seus súditos, deveriam

servir, não apenas governar, mas também mostrarem possuir uma vida reta e ética para

que seus súditos assim a seguissem. Também eram pressionados pelos mesmos súditos,

fieis da Igreja Católica, para que professassem a fé e não desviassem do caminho ético

ditado pelo Papa e seus asseclas.

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Mesmo com o fim da Idade Média e o declínio do poderio da Igreja Católica nos

séculos seguintes, o fato da civilização européia ter sido moldada por tais ensinamentos

ao longo de séculos deixou raízes profundas na forma de tanto o governante ser visto

quanto no que se espera que ele seja, política e pessoalmente. A expansão européia

permitiu que tal visão de mundo e modo de ser fosse levado para os novos territórios a

serem dominados, expansão reconhecida e apoiada pela Igreja Católica, que também

esperava aumentar seu poder em novas fontes. Reflexos da forma como a Europa foi

governada se dão até hoje e muito do que se tentou fazer após o período medieval foi

tentar acabar com estes resquícios, mas nem sempre tais objetivos foram alcançados.

Como lembra Watson:

“O desenvolvimento subseqüente da sociedade internacional de Estados européia foi condicionado por suas origens medievais. O raciocínio abstrato e maneiras práticas de lidar com novos problemas desempenharam seus papéis, como o fez o ressurgimento da tradição clássica. No entanto, a herança medieval distintiva foi igualmente importante. Os padrões que evoluíram mais tarde na Europa foram formados pela interação contínua da razão e da experiência com as tentativas dos homem de defender ou de modificar as idéias e as instituições da Idade Média. A expansão mundial do sistema internacional europeu foi em si uma continuação da expansão da cristandade medieval e disseminou as regras, as instituições e os valores elaborados na Europa pelo mundo inteiro. Nossa atual sociedade global de Estados, que deriva do sistema europeu, contém muito do que é compreensível somente à luz da herança medieval e da reação contra ela.” (WATSON, 2004, p. 214)

O fim das invasões bárbaras e do feudalismo europeu propicia o surgimento de Estados

baseados na figura central de um governante. É num ambiente bastante distinto da

antiguidade clássica que surge Nicolau Maquiavel (1469-1527). Maquiavel era um

cidadão florentino, ou seja, do reino de Florença na península itálica. A Europa se

encontrava recém saída do feudalismo e o que conhecemos como Itália atual era uma

série de pequenos Estados. A cidade, governada pela família Médici, encontrava-se

bastante conturbada no período em que viveu Maquiavel. Os Estados Itálicos se

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encontravam muitas vezes em disputas entre si, no final do século XV os Médicis são

expulsos de Florença, mas em 1498 Maquiavel consegue um importante emprego na

Segunda Chancelaria neste novo governo. A família Médici, descontente com tal

situação consegue voltar para Florença em 1512, então Maquiavel é demitido de seu

cargo e proibido de abandonar o terreno florentino, entretanto em 1513, suspeito de

fazer parte de uma conspiração contra a família Médici, foi preso e torturado. Além

disso, no mesmo ano, a família Médici se torna mais poderosa ao ver um de seus

membros se tornar Papa, Leão X. Maquiavel se encontrava exilado em sua própria

cidade, sem poder exercer sua profissão passa a viver numa propriedade herdada se

ocupando de estudar os clássicos. É assim que nasce sua obra mais famosa, “O

Príncipe”, que data de 1512/1513.Esta é então dedicada à Lourenço de Médici II, o

então governante de Florença, na tentativa de cair nas graças da família e poder retornar

aos cargos públicos. (SADEK, 2004)

De acordo com Sadek (2004), uma das questões primordiais de Maquiavel era saber

“como fazer reinar a ordem, como instaurar um Estado estável?”. Para Maquiavel a

ordem não era um estado natural: é um produto de atitudes políticas que deve ser

construída pelo governante para que se evite a desordem e a selvageria, sendo que

mesmo quando esta ordem é alcançada ela não é mantida para sempre. Para mantê-la,

aqueles que a alcançaram devem sempre se manter vigilantes. Para tal tarefa ninguém

melhor qualificado que o “Príncipe”. A obra pode ser compreendida como uma espécie

de manual de aconselhamento ao chefe de estado para que aja da melhor maneira

possível a fim de alcançar seus objetivos.

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Em “O Príncipe”, Maquiavel expõe sua teoria acerca virtù e fortuna. Maquiavel se volta

ao estudo dos clássicos para desconstruir a idéia da sorte como algo imutável que se

encontrava presente em seus contemporâneos. A Fortuna era uma deusa benéfica, que

poderia auxiliar aqueles que conseguissem atraí-la para estar ao seu lado. Maquiavel

acredita que há formas de se beneficiar com a fortuna: se não controlá-la

completamente, pelo menos direcioná-la e usá-la de forma benéfica para objetivos

próprios.

“Todavia, para que não se anule o nosso livre arbítrio, eu, admitindo embora que a fortuna seja dona da metade das nossas ações, creio que, ainda assim, ela nos deixa senhores da outra metade ou pouco menos. Comparo a fortuna a um daqueles rios, que quando se enfurecem, inundam planícies, derrubam árvores e casas, arrastam terra de um ponto para pô-la em outro: diante deles não há quem não fuja, quem não ceda ao seu ímpeto, sem meio algum de lhe obstar. Mas, apesar de ser isso inevitável, nada impediria que os homens, nas épocas tranqüilas, construíssem diques e canais de modo que as água, ao transbordarem do seu leito, corressem por estes canais ou, ao menos, viessem com fúria atenuada, produzindo menores estragos. Fato análogo sucede com a fortuna, a qual demonstra todo o seu poderia quando não encontra ânimo (virtù) preparado para resistir-lhe e, portanto, volve os deus ímpetos para os pontos onde não foram feitos diques para contê-la. (...) Julgo, todavia, que é preferível ser arrebatado a cauteloso, porque a fortuna é mulher e convém, que se a queremos subjugar, batê-la e humilhá-la. A experiência ensina que ela se deixa mais facilmente vencer pelos indivíduos impetuosos do que pelos frios. Como mulher que , ama os jovens, porque são menos cautelosos, mais arrojados e sabem dominá-la com mais audácia.” (MAQUIAVEL, cap. XXV, 1955)

Em “O Príncipe”, Maquiavel afirma que o governante não é aquele que possui uma

maior força, mas sim aquele que possuí mais virtù sabendo utilizar a força que tem de

forma a colocar a fortuna a seu favor. O governo ideal é este governo “virtuoso”, que

sabe criar instituições que mantenham sua força, seu domínio. A capacidade de utilizar

a virtù seria a melhor capacidade de um Príncipe: ele seria capaz de manter suas

conquistas e estar preparado para os acasos da fortuna. De acordo com Maquiavel “o

homem de virtù deve atrair os favores da cornucópia, conseguindo, assim, a fama, a

honra e a glória para si e a segurança para seus governados”. (SADEK, 2004)

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Cabe lembrar que para Maquiavel as qualidades virtuosas não têm relação com o que a

moral cristã julga como sendo qualidades daqueles considerados bons-homens, bom-

cristãos. Para Maquiavel algumas características que socialmente podem ser

consideradas dignas de repreensão no âmbito privado, no ambiente público, onde o

Príncipe age, estas mesmas características podem ser virtuosas. O Príncipe não deve

temer agir no âmbito público de forma semelhante ao que, no âmbito privado, seria

reprovável. Maquiavel afirma que agir de maneira socialmente considerada desejável

pode significar a ruína do governante. Um virtuoso deve saber observar o enredo e agir

de acordo com as necessidades do momento. O governante virtuoso é acima de tudo um

sábio, pois consegue observar a situação como um todo e sabe agir da devida maneira,

se importando, antes de tudo, com sua sobrevivência e a manutenção de sua força. No

entanto, Maquiavel lembra que é importante ao Príncipe aparentar as características

morais que são apreciadas pelos seus súditos.

“Deixando, pois, de lado as coisas imaginárias para só falar das verdadeiras, tenho a dizer que o julgamento dos homens, sobretudo dos príncipes, pela sua mais elevada condição, se faz de acordo com algumas dessas qualidades que lhes valem ou censura ou louvor. A um chamam de liberal, a outro mesquinho, a um reputam-no dadivoso, a outro rapace (...). Todos hão de achar, bem sei, que seria muito louvável possuísse um príncipe, dentre as qualidades mencionadas, somente as boas. Não sendo, porém, possível tê-las todas nem observá-las integralmente, porque não o permitem as condições humanas, cumpre-lhe ser bastante cauteloso para saber furtar-se à vergonha das que lhe ocasionariam a perda do Estado, e em certos casos, também à daquelas que não lha ocasionariam, embora estas menos receio lhe devam inspirar. Releva, outrossim, que não tema incorrer no opróbrio dos defeitos mencionados, se tal for indispensável para salvar o Estado. É que, ponderando bem, encontrará algo com aparências de virtude (virtù), cuja adoção lhe trará a ruína, e algo com aparência de defeito, que o conduzirá a uma situação de segurança e de bem-estar.” (MAQUIAVEL, 1955, cap. XV)

Saber jogar com os súditos, usar máscaras e desvencilhar-se dos julgamentos de vícios e

virtudes é necessário para o Príncipe. O homem deve saber agir como humano, mas

também como animal: é esta combinação que propicia uma atitude virtuosa – saber

combinar a astúcia humana com a virilidade e natureza animal.

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O termo atualmente conhecido como “maquiavélico” vem de uma posição muitas vezes

radical assumida por Maquiavel ao afirmar que a política tem uma ética e uma lógica

próprias, e não se deve pautar o agir político por meio das questões morais.

Para Maquiavel o Estado estava acima das particularidades de cada cidadão e deveria se

impor sobre os interesses privados. Caso as decisões estatais se baseassem nos

preceitos ético e morais da vida social estas decisões estão fadadas ao fracasso, pois se

baseariam no âmbito errôneo. Em “O Príncipe”, Maquiavel recorre aos clássicos, mas

diferentemente dos gregos, separa o âmbito público do âmbito privado. Sendo o

primeiro o local de exercício do poder governamental, da política, enquanto o segundo o

ambiente do lar, a ética privada de cada um e a moral social. No entanto, concorda com

os gregos ao acreditar na “res publica”, ou seja, na coisa pública, mas, diferentemente

dos gregos clássicos, para Maquiavel o espaço público não abrangia tantas questões,

Maquiavel o limita às questões estatais, dando ao Príncipe um direito a ter parte de sua

vida preservada.

Esta nova concepção política ajudou a pautar o novo homem que surgia: o homem

moderno, que ordenava este mundo por meio de instituições criadas e fortalecidas por

um Príncipe virtuoso. (SADEK, 1996)

Thomas Hobbes (1588-1679), outro filósofo moderno viveu em período de grandes

transformações, que culminaram na “Paz de Westphalia” em 1648 1 , considerada o

1 Alguns autores como Andreas Osiander contestam a chamada “visão tradicional” de que a Paz de Westphalia seria o marco da criação do Estado Moderno.

21

marco da fundação do Estado Moderno, que emerge sob o signo das monarquias

absolutistas.Hobbes buscou entender e moldar esta nova organização.

Hobbes foi um filósofo inglês contratualista, ou seja, acreditava que a origem das

sociedade se baseava num contrato feito entre as partes. Antes de tal contrato os homens

viviam naturalmente sem uma organização, sem um poder central e acima dos outros

que os controlasse. Tal situação gerava problemas constantes entre estes cidadãos, que

temiam uns aos outros. Uma situação estável que não era interessante para os mesmos.

Ao notarem que para s preservarem precisavam buscar uma outra forma de relação,

firmam um contrato para definir regras e regulamentar o convívio. (RIBEIRO, 2004)

Em sua obra mais famosa, “O Leviatã”, Hobbes expõe a teoria da natureza humana

baseado no “Homo homini lupus”, o homem é o lobo do homem. O próprio homem era

o maior inimigo do outro neste ambiente anárquico, perigoso, sem leis, um ambiente de

“Bellum omnium contra omnes”, de guerra de todos contra todos.

“A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isso em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal como ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mas forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se como outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo.” (HOBBES, cap. XIII, p. 74, 1997)

Esta igualdade faz com que nenhum homem consiga se impor sobre o outro, vivendo

neste ambiente de disputa constante. Como o homem não sabe o que o outro quer, não

sabe qual a atitude que o outro pode tomar, o homem necessita se proteger, manter sua

sobrevivência, fazendo um cálculo custo – beneficio O homem deve atacar o outro

homem antes que este o ataque, usurpando-lhe seu poder. O homem no estado de

22

natureza hobbesiano não é irracional nem anormal, muito pelo contrário, ele age da

forma possível naquele ambiente, de forma a preservar sua existência. (RIBEIRO, 2004)

“Da igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que é principalmente sua própria conservação, e às vezes apenas seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro. E disto se segue que, quando um invasor nada mais tem a recear do que o poder um único outro homem, se alguém planta, semeia, constrói ou possui um lugar conveniente, é provavelmente de esperar que outros venham preparados com forças conjugadas, para desapossá-lo e privá-lo, não apenas do fruto de seu trabalho, mas também de sua vida e de sua liberdade. Por sua vez, o invasor ficará no mesmo perigo em relação aos outros. (...) De modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; terceiro, a glória.” (HOBBES, cap. XIII p. 74-76, 1997)

Hobbes argumenta que esta guerra generalizada se instaurava pela ausência de um poder

maior que controlasse os impulsos predatórios e proporcionasse segurança aos homens

para que estes pudessem conviver em paz. No entanto, chegou-se a tal ponto de

insegurança e instabilidade que os próprios homens procuraram estabelecer uma forma

de por fim à este ambiente renunciando ao direito absoluto de igualdade, o direito de

cada um viver a seu bel-prazer. Abdicaram deste direito em favor de um soberano que

soberano herdou o poder de todos os outros passando a ter o poder absoluto em suas

mãos.

Não é uma questão moral, de preocupação com o bem do outro que cria a necessidade

da realização de tal contrato. O medo, a ameaça de uns aos outros faz com que os

homens prefiram abdicar de seu poder em favor de uma força maior desde que ela

propicie um ambiente pacífico onde a questão de segurança esteja nas mãos de outro. A

partir do momento que este contrato é firmado, o Estado, soberano, passa a ter

autonomia, não tendo compromisso com seus súditos que não seja o de prover a

segurança destes, que o aceitam de bom grado. (RIBEIRO, 2004)

23

“Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concordam e pactuam, cada um com cada dum dos outros, que a qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembléia de homens, tal como se fossem seus próprios atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes dos homens. É desta instituição do Estado que derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder soberano é conferido mediante o consentimento do povo reunido.” (HOBBES, cap. XVII, p. 107, 1997)

Hobbes afirma que o Estado surge como uma evolução da sociedade, que passa a ter a

consciência da necessidade de um poder superior para que esta possa se propagar. A

realização do “contrato social” entre os homens, no qual abriram mão de parte de sua

autonomia em favor de um poder maior que controlaria as disputas, evita o caos até

então existente. Hobbes dá a ele o nome de Leviatã, termo bíblico, que nomeia um peixe

monstruoso, que, sendo o maior de todos, evitava que os menores fossem comidos pelos

outros.

Ao propor a idéia do fim do “estado de natureza” em favor de um “contrato social” que

evitaria o medo e facilitaria a convivência entre os homens, Hobbes expõe a idéia de

que o Estado se constituiu a partir da sociedade civil. Assim sendo, após seu surgimento

ele, o Estado, passaria a regular a sociedade e também a dirigi-la, ao Leviatã caberia

prover segurança à sociedade mas ela não teria controle sobre este “monstro” criado.

John Locke (1632-1734), apesar de contemporâneo de Hobbes, diferia dele em diversas

questões, e pode ser considerado um dos predecessores do Iluminismo. Foi bastante

influenciado pelas revoluções liberais que ocorreram durante sua vida, como a

Revolução Inglesa e a Revolução Americana. Locke acreditava que o governo deveria

existir perante um consentimento dos governados. (MELLO,2004)

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Assim como Hobbes, Locke é um representante do jusnaturalismo (a teoria dos direitos

naturais), e possui um modelo bastante semelhante ao de Hobbes acreditando na

existência de um ‘estado de natureza’ que, após algum tempo, por meio de um contrato

social passa a existir um estado civil. Mas diferentemente do estado de natureza

hobbesiano, para Locke o estado de natureza era mais pacífico e não se caracterizava

pela luta entre os homens, havia liberdade e igualdade entre os mesmos.

“Para compreender corretamente o poder político e depreende-lo de sua origem, devemos considerar em que estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade para ordenar-lhe as ações e regular-lhe as posses e as pessoas tal como acharem conveniente, nos limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de qualquer outro homem. Um Estado também de igualdade onde é recíproco qualquer poder e jurisdição, nenhum tendo mais do que o outro; nada havendo de mais evidente do que criaturas da mesma espécie e ordem, nascidas promiscuamente para as mesmas vantagens da natureza e para o uso das mesmas faculdades, que terão sempre de ser iguais umas às outras sem subordinação ou sujeição, a menos que o senhor e mestre de todas elas, por qualquer declaração manifesta de sua vontade, colocasse uma acima da outra e lhe conferisse por indicação evidente e clara, direito indubitável ao domínio e à soberania.” (LOCKE, 1966)2

Locke introduz a noção de propriedade no estado de natureza, diferentemente de

Hobbes, que acreditava que a mesma era uma criação do Leviatã, já para Locke esta

existia antes mesmo do contrato social que firmou a criação do Estado, assim, se para

Hobbes o Estado poderia tirar a propriedade do súdito, para Locke isto é inaceitável já

que seria um direito natural do homem. Esta propriedade Lockiana abrangeria

simultaneamente a liberdade e o direito à vida, enfim, aqueles que eram considerados os

direitos naturais do homem.

2 Tradução de Cid Knipell Moreira.

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Para Locke, neste estado de natureza não está ausente a presença de inconvenientes, de

desavença, a maioria provocada por violação da propriedade alheia, que como não há

uma força maior que ordene e controle os homens, deixando-os nesta igualdade, e com

isto não há o temor por uma força coercitiva que não seja a do outrem, arriscando-se a

tomar-lhe a propriedade, sendo esta entendida como desde seus bens até sua própria

vida.

A fim de evitar tais inconvenientes, os homens se vêem entre a escolha de continuarem

com os poderes que possuem no estado de natureza ou estabelecerem um contrato social

que constitua, a partir de então, a sociedade civil. Como preferem preservar as suas

propriedades, os homens, em comum acordo, e livremente, concordam na formulação

da sociedade civil, preocupados em fomentar ainda mais os direitos que já possuíam

anteriormente. Segundo Locke:

“Assim, os homens apesar de todos os privilégios do estado de natureza, ao se verem apenas em más condições enquanto nele permanece, são rapidamente levados à sociedade. Daí resulta que raramente encontramos qualquer grupo de homens vivendo dessa maneira. Os inconvenientes a que estão expostos pelo exercício irregular e incerto do poder que todo homem tem de castigar as transgressões dos outros levam-nos a se abrigarem sob as leis estabelecidas de governo e nele procurarem a preservação da propriedade. É isso que os leva a abandonarem de boa vontade o poder isolado que têm de castigar, para que passe a exercê-lo um só indivíduo, escolhido para isso entre eles e mediante as regras que a comunidade – ou os que com tal propósito forem por ela autorizados – concorde em estabelecer.” (LOCKE, 1966)

Diferentemente dos teóricos anteriores, Locke se coloca contra a aceitação de que o

poder maior, o poder estatal sob os cidadãos, seja exercido de forma independente da

vontade desses, sem que estes participem do processo de escolha, no segundo tratado de

“Dois Tratados do Governo Civil”, Locke afirma que apenas é legítimo o governante

que apresenta o consentimento de seus governados sem o uso da força impondo-lhe ali e

tampouco hereditariedade. (MELLO,2004)

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Mello (2004) ainda afirma que os principais fundamentos do estado civil para Locke

são, além deste consentimento de todos os indivíduos para o estabelecimento do

contrato social, está a proteção às suas propriedades, segurança que lhes é dada pelo

estabelecimento do Estado, além de um controle do executivo pelo legislativo e do

governo pela própria sociedade. O poder legislativo também é escolhido pela maioria,

dessa forma ele passa a possuir um poder maior sobre os demais, o “príncipe

hobbesiano”, por exemplo, estaria submetido a este legislativo escolhido pela maioria

de seus governados. O povo, a sociedade, passa então a ter o maior poder e a escolha de

quem ela se deixa governar está em suas mãos e devem responder aos anseios desta

sociedade:

“a comunidade conserva perpetuamente o poder supremo de se salvaguardar dos propósitos e atentados de quem quer que seja, mesmo dos legisladores, sempre que forem tão levianos ou maldosos que formulem e conduzam planos contra as liberdades e propriedade dos súditos. Pois, uma vez que nenhum homem ou sociedade de homens tem o poder de renunciar à própria preservação, ou, consequentemente, aos meios de fazê-lo, a favor da vontade absoluta e domínio arbitrário do outrem, sempre que alguém experimente trazê-los a semelhante situação de escravidão, terão sempre o direito de preservar o que não tinham, o poder de alienar, e de livrar-se dos que invadem esta lei fundamental, sagrada e inalterável da autopreservação e em virtude de da qual entraram em sociedade. E assim pode-se dizer neste particular que a comunidade é sempre o poder supremo, mas não considerada sob qualquer forma de governo, porquanto este poder do povo não pode nunca ter lugar senão quando se dissolve o governo.” (LOCKE, 1966)

John Locke coloca, enfim, que a liberdade dos homens não se perde totalmente com a

instituição do Estado, na verdade, nada mais é, do que um contraponto ao poder dado ao

governante, a sociedade é uma limitadora do poder. A liberdade continua a existir, o

contrato social é feito para poder garantir aos homens a continuação de seu direito

primordial, o direito à propriedade.

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Locke separa a sociedade política da sociedade civil, a esfera pública da esfera privada.

O poder que é dado à esfera pública não pode mais ser transmitido por herança, por

hereditariedade, pela força física ou transferência de propriedade, mas somente pelo

consentimento político dado pelos governados.

John Stuart Mill (1806 – 1873) foi um pensador vitoriano, um dos pilares do

liberalismo, ecomo tal se coloca toda sua vida a favor da liberdade individual dos

componentes da sociedade. Seu livro “A Liberdade” se tornou um textos fundadores do

liberalismo clássico e estudo a natureza e os limites impostos pela sociedade ao

indivíduo. Iniciou a escrita em 1855, com a ajuda de sua esposa Harriet Taylor Mill,

mas esta só foi publicada em 1859, após a morte da mesma em 1858.

Para Mill, aos se unirem e formarem sociedades, os homens procuravam de alguma

forma se protegerem. Metaforicamente Mill coloca:

“Por liberdade, entendia-se a proteção contra a tirania dos dirigentes políticos. Concebia-se que tais dirigentes (com exceção de alguns governos populares da Grécia) mantivessem uma posição necessariamente antagônica em relação ao povo que dominavam. O governo era exercido por Um, ou por uma tribo ou casta governante, e derivava sua autoridade da herança ou conquista, não a conservando, em todo caso, para a satisfação dos governados, e cuja supremacia os homens não ousavam, e talvez não desejavam, contestar, fossem quais fossem as precauções que pudessem tomar contra o exercício opressivo dessa autoridade. Seu poder era considerado necessário, mas também imensamente perigoso: uma arma que poderiam experimentar contra seus súditos, não menos que contra seus inimigos externos. Para impedir que os membros mais fracos da comunidade se tornassem presa de inúmeros abutres, fez-se necessário que houvesse um animal de rapina mais forte do que os demais, com a missão de mantê-los submetidos. No entanto, como o rei dos abutres não estivesse menos inclinado que as harpias menores a fazer do rebanho presa, tornou-se indispensável colocar-se numa perpétua atitude de defesa contra seus bicos e garras. Por isso, o escopo dos patriotas era fixar limites ao poder que se permitiria ao dirigente exercer sobre a comunidade, e tal limitação era o que entendiam por liberdade.” (MILL, 2000, p.6)

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O ponto central do ensaio “A Liberdade”, como deixa claro o título, é até que ponto o

ser humano, como indivíduo, se encontrava cerceado de sua individualidade perante o

Estado e a sociedade. Para Mill o homem se colocava versus o Estado, a nação, quando

essa passava a intervir e tentar gerenciar aspectos de sua vida quando em muitos pontos

o único interessado e passivo de tais ações é tão somente o próprio indivíduo. Para Mill,

o “indivíduo não presta conta de suas ações perante a sociedade, na medida em que

estas dizem respeito unicamente a ele, e a ninguém mais” (MILL, 2000, p. XXXII).

Mill se mostra preocupado acerca o esclarecimento total da população quanto ao perigo

que correm ao deixar o domínio privado ser invadido pelo Estado. Para Mill esses

domínios devem ser não só separados, mas entendidos como um direito do ser humano

ter seu espaço privado preservado de outras interferências. Mesmo admitindo que o

Estado provenha a segurança social, justiça, educação. Como coloca:

“a natureza e os limites do poder que a sociedade pode legitimamente exercer sobre o indivíduo. Trata-se de uma questão raras vezes formulada e quase nunca discutida em termos gerais, mas que, por sua presença latente, influencia profundamente as controvérsias práticas desta época, e que provavelmente em breve será reconhecida como a questão vital do futuro. Essa questão está longe de ser recente que, em certo sentido, vem dividindo a humanidade quase desde as eras mais remotas. Todavia, no estágio de progresso em que entram atualmente os grupos mais civilizados da espécie humana, apresenta-se sob novas condições, exigindo assim um tratamento diverso e mais fundamental.” (MILL, 2000, p.5)

Para Mill os homens sempre quiseram, de alguma forma, restringir a liberdade uns dos

outros, sendo para saciarem seus desejos de se imporem sobre os outros, ou porque

procuram um certo apaziguamento social, e assim evitariam que outros pensassem de

maneira diferente e assim criassem conflitos ou porque realmente acreditam que tanto a

forma como agem e/ou seu credo é a maneira correta que os outros indivíduos devem se

portar e todos as outras devem ser não somente rejeitadas como combatidas.

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A idéia de que a sociedade é governada de acordo com o que está acordado pela maioria

também é uma degradação para Mill. Para ele, a idéia de que somente pela maioria estar

de acordo com certos costumes, estabelecimento de determinadas regras pode acabar

por suprimir determinadas minorias. Nem sempre o que a maioria decide e estabelece é

necessariamente para o bem de todos como se pode crer.

“a vontade do povo significa, em sentido prático, a vontade da parte mais numerosa ou mais ativa do povo – a maioria, ou os que logram se fazer aceitos como a maioria. Por conseqüência, o povo pode desejar oprimir uma parte de sua totalidade e contra isso não são necessárias menores precauções do que contra qualquer outro abuso de poder. Portanto, não deixa de ser importante a limitação do poder do governo sobre os indivíduos, mesmo quando os detentores do poder prestam regularmente contas à comunidade, isto é, a seu partido mais forte.” (MILL, 2000, p.9)

Para Mill, o “comportamento de um homem é uma expressão mais genuína de suas

crenças do que suas palavras.” (MILL, 2000, p.VIII), e tal comportamento pode muitas

vezes acabar por suprimir a liberdade individual do outro em função do que se considera

como sendo o “senso-comum”, sendo este nada menos do que uma intervenção do que é

supostamente seguido pela maioria das pessoas de uma determinada sociedade em

questões de foro íntimo de cada indivíduo, mesmo que este não concorde com o que lhe

é determinado.

A ideal da “moral social” também é repudiada por Mill, como coloca Isaiah Berlin:

“A situação não é melhor quando os trabalhadores usam de ‘política moral’ para evitar que alguns membros de seus sindicato recebam, por sua habilidade ou destreza superior, salários mais altos do que aos que prescindem desses atributos. Tal conduta é ainda mais abominável quando interfere nas relações privadas entre os indivíduos. Segundo declarou, ‘o que qualquer pessoa faça livremente a respeito de suas relações sexuais’ deve ser considerado uma questão irrelevante e puramente privada, que concerne apenas a si mesma; o mero fato de se sustentar que qualquer ser humano é responsável perante outras pessoas, ou perante o mundo (excluindo-se as

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conseqüências disso, tais como o nascimento de uma criança, quando claramente se criariam obrigações que deveriam ser socialmente cumpridas), seria um dia considerado uma das superstições e dos barbarismo relativos à infância da raça humana. A seu ver, o mesmo se aplicaria ao cumprimento da abstinência ou à observação do Sabá, ou a quaisquer outros assuntos sobre os quais ‘se deveria dizer aos membros da sociedade de piedade tão inoportuna que cuidem de suas vidas’”. (MILL, 2000, p.XXXVIII)

O encontrar do limite entre a independência individual e a opinião coletiva, fazendo

com que tais esferas se encontrassem devidamente separadas da interferência uma na

outra, é indispensável para a manutenção da liberdade humana, o respeito ao próprio

indivíduo e uma maneira eficaz de se evitar o despotismo político que se tem origem

com essa interferência.

Mill é incisivo contra a idéia de que há uma determinada unanimidade possa saber o que

é o melhor para todos, mas entende que tal questão, por serem bastante complexas e

enveredarem por áreas como “a moral, a religião, a política, as relações sociais e as

questões da vida, três quartos dos argumentos em defesa de cada opinião em debate

consistem em afastar os indícios que favorecem uma opinião diversa” (MILL, 2000,

p.57). Assim, para Mill é claro que o que é considerado certo para determinadas pessoas

vem da forma como essas enxergam seu lugar no mundo e seu relacionamento com os

outros, signos que não são compartilhados por todos os membros de uma sociedade e

que não é relevante para todos.

“O efeito do costume, no sentido de prevenir qualquer receio relativamente às regras de conduta que os homens impõem uns aos outros, é tanto mais completo por se tratar de um assunto para o qual geralmente não se considera necessário fornecer razões, seja por parte de uma pessoa para outras, seja por parte de cada um para si mesmo. As pessoas estão acostumadas a acreditar, e foram encorajadas nessa crença por alguns que aspiram a ser reputados filósofos, que seus sentimentos, em questões dessa natureza, valem mais que as razões, tornando-as desnecessárias. O princípio prático que as orienta em suas opiniões a respeito da regulação da conduta humana é o sentimento, no espírito de cada homem, de que todos deveriam agir como ele e como gostariam que agissem aqueles com quem simpatiza. Ninguém, com efeito, admite a si mesmo que seu padrão de julgamento seja seu próprio gosto. Porém, uma opinião a respeito de conduta que não esteja

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apoiada em razões pode tão-só ter importância como preferência pessoal; e se as razões, quando apresentadas, constituírem um mero apelo a preferências semelhantes de outras pessoas, são ainda somente as preferências de muitas pessoas em lugar da preferência de uma única. Para um homem comum, no entanto, sua preferência pessoal assim corroborada não apenas é uma razão perfeitamente satisfatória, mas a única que de modo geral possui para quaisquer de suas noções de moralidade, gosto ou conveniência que não estejam expressamente declaradas em seu credo religioso; é mesmo seu principal guia para a interpretação deste. Assim, as opiniões dos homens sobre o que é louvável ou censurável são afetadas pelas múltiplas causas que influenciam seus desejos relativos à conduta de terceiros, sendo tão numerosas como as que determinam seus desejos em qualquer outro assunto. Algumas vezes, a própria razão; outras, seus preconceitos ou superstições; sempre, suas afeições sociais, não raro, as anti-sociais, sua inveja ou ciúme, sua arrogância ou insolência; mas com mais freqüência desejos ou temores em relação a si mesmo – interesses próprios legítimos ou ilegítimos.” (MILL, 2000, p.12-13)

Críticos das idéias de Mill, no entanto, criticam a dificuldade da separação da esfera

pública e privada, já que muitas vezes as relações entre os membros de uma sociedade

são tão interconectadas que suas escolhas pessoais acabam sempre por afetar ao outro,

já que conviver em sociedade pressupõe por si só a troca e o relacionamento entre

aqueles que a formam. Dizem que não é possível na prática se separar, efetivamente,

aqueles aspectos que dizem respeito à esfera privada e aqueles que dizem respeito à

esfera pública.

Mas para Mill era fácil estabelecer tal limite, ele formula a idéia do “princípio do dano”,

que seria a aceitação da ação estatal sobre o indivíduo quando esse, ao realizar alguma

ação, provocasse danos a outros indivíduos. Se determinado indivíduo age de forma

dentro de seu espaço de liberdade, ou seja, sua esfera privada, de forma que atinja

somente à si próprio, esta é uma questão que diz respeito a este indivíduo, mas a partir

do momento em que seus atos afetam a liberdade de outros, a questão ultrapassa o foro

privado e se torna uma questão pública. Nestes casos, para Mill, é necessário que, antes

que se tenha conseqüências prejudiciais à sociedade como um todo, deve-se então

infligir um castigo naquele que ultrapassou sua liberdade, um castigo que seja severo o

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bastante para que se evite repetições desse mesmo ato e desencoraje a outros a realizar

atos semelhantes. A sociedade deve ser entendida como a protetora de todos seus

membros, não só de alguns, não só da maioria ou de uma minoria, e assim deve garantir

a liberdade para seus membros, de forma a não interferir em ações que se realizem no

âmbito privado do indivíduo, mas ao mesmo tempo deve coibir que aqueles que afetem

a liberdade de outrem consiga sucesso com tal intento.

Quanto às pessoas que exercem cargos públicos, Mill é mais severo para com elas. A

área de separação entre a esfera pública e privada de tais pessoas é bastante tênue, já

que por agirem diretamente na sociedade acabam exercendo influencia nos ditames

daquela sociedade. A pessoa pública tem sim seu direito à liberdade, mas ao se colocar

numa posição pública deve entender que abarca um número muito maior de pessoas sob

a influência de suas ações. Deve entender a separação da pessoa pública e da pessoa

privada. Enquanto estiver no exercício de sua função pública, este indivíduo deve

entender e impedir que escolhas e decisões que foram realizadas no seu âmbito privado

acabem por afetar as ações realizadas no âmbito público, caso isso aconteça, esse

indivíduo deve ser julgado de acordo com as regras do âmbito público, mesmo que tais

acontecimentos tenham se sucedido em foro íntimo e digam respeito à si. Quando

exerce-se a função pública, cingisse mais áreas e afeta-se a sociedade como um todo.

“Da mesma maneira, se por uma conduta puramente egoísta uma pessoa se torna incapaz de cumprir algum dever definido para com o público, é culpada de delito social. Ninguém deveria ser punido simplesmente por estar bêbado; mas um soldado ou um policial deveriam ser punidos por estarem bêbados em serviço. Em resumo, quando houver um dano claro ou o risco claro de dano, seja a um indivíduo, seja ao público, o caso é retirado da província da liberdade, e colocado na província da moralidade ou da lei.” (MILL, 2000, p.125)

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Mill entende que, diferentemente das ciências exatas, as ciências sociais, humanas, não

atuam com certeza absoluta e que muitas idéias podem gerar dúvidas e receios por

lidarem, em certo sentido, com o abstrato, mas Mill não tem dúvidas de que, como bom

liberal que era, o direito privado deveria preponderar sobre o direito público. O Estado

para Mill não seria o fim e sim um instrumento para o mesmo, que seria a garantia da

liberdade aos indivíduos. Mas entende que, infelizmente, a sociedade acaba por ser

tornar vítima de si própria, presa à suas próprias regras por uma certa inépcia e desejo

de determinados grupos ou pessoas de sobrepujar a outros:

“Ao interferir na conduta pessoal, o público raramente pensa em outra coisa além da enormidade de se agir e pensar diferentemente de si mesmo; e esse critério de julgamento toscamente disfarçado é apresentado à humanidade como ditame da religião e da filosofia por nove décimos dos escritores moralistas e especulativos. Ensinam que as coisas são certas porque são certas, porque sentimos que são assim. Dizem-nos para buscarmos em nosso espírito ou em nosso coração as leis de conduta que nos obrigam para conosco e para com os outros. Que pode fazer o pobre público, senão aplicar essa instrução e tornar obrigatórios para o mundo inteiro seus sentimentos pessoais de bem e mal, quando são suficientemente unânimes?” (MILL, 2000, p.129)

Hannah Arendt (1906-1975), filósofa política contemporânea, voltou a estudar as

questões das esferas pública e privada. Se em Marilena Chauí (2005) argumenta que

quando se usa a palavra política ela assume um significado duplo, primeiro para

designar aqueles que exercem a função política como forma de profissão, o político; e

também como uma atividade de ação social coletiva, que procura reivindicar por algo

ou modificar alguma situação; Arendt afirma em “A Condição Humana” que o homem

é um ser essencialmente a-político, para ela o sentimento político é “algo existente na

essência humana, daí a feitura dos contratos sociais colocados pelos contratualistas, a

política surgiria no intra-espaço e se estabelece como relação” (p. 23) Ou seja, mesmo o

homem, enquanto indivíduo, sendo a-político, a partir do momento que passa a interagir

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com o outro, passa a agir de maneira política, sendo que a política age e passa para a

sociedade nesta intersecção entre os homens.

Assim como para Maquiavel, para Arendt a separação das esferas pública e privada,

ademais, tal separação seria algo benéfico para a sociedade. Mas Arendt (1991) avança

ao mostrar que dificilmente no mundo contemporâneo, tal divisão é difícil de ser

compreendida pelos governados, sendo que para estes a esfera privada do governante é

tão importante quanto a esfera pública, acabando por elas se misturarem. Para Arendt:

“A distinção entre as esferas pública e privada, encarada do ponto de vista da privatividade e não do corpo político, equivale à diferença entre o que deve ser exibido e o que deve ser ocultado. Somente a era moderna, em sua rebelião contra a sociedade, descobriu quão rica e variegada pode ser a esfera do oculto nas condições da intimidade; mas é impressionante que, desde os primórdios da história até o nosso tempo, o que precisou de ser escondido na privatividade tenha sido sempre a parte corporal da existência humana, tudo o que é ligado à necessidade do próprio processo vital e que, antes da era moderna, abrangia todas as atividades a serviço da subsistência do indivíduo e da sobrevivência da espécie.” (ARENDT, 1991, p. 82)

Em “A Condição Humana,” Arendt mostra o que seria as esferas pública e privada,

procurando mostra que a ação política, se encontraria no mundo contemporâneo,

dividido entre aquilo que é comum entre os cidadãos (koimon), sendo esta a esfera

pública, e o que é próprio do cidadão, pegando o conceito da casa grega (oikos), sendo

esta a esfera privada.

Apoiando-se em Aristóteles e Platão, Arendt acredita que caso a esfera privada não se

estendesse à pública, a sociedade se encontraria mais justa, mais liberta e mais

democraticamente participativa. Tal separação entre as esferas seria benéfica, estando o

trabalho (labor) e a produção (work) no domínio da esfera privada, enquanto a ação,

supostamente, estaria exclusivamente no domínio da esfera pública, sendo esta última

onde se realizaria a relação entre os homens e, assim sendo, a realização da política.

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Para Arendt o privado se caracterizaria por ser o terreno da necessidade (física, social,

etc.), enquanto o público seria o terreno da liberdade, sendo a ação uma atividade da

comunidade, e somente por meio da política a liberdade poderia ser alcançada.

Apesar disto, Arendt crê na dificuldade que é para que a divisão entre as esferas ocorra.

Mesmo na Grécia Clássica Arendt mostra que Platão acreditava que experiências

pessoais, da esfera privada, poderiam sim influenciar a esfera pública. Mesmo a esfera

pública grega abrangendo um campo muito maior do que as outras abrangeriam, os

limites eram respeitados, mas isto ocorria porque:

“O que impediu que a polis violasse as vidas privadas dos seus cidadãos e a fez ver como sagrados os limites que cercavam cada propriedade não foi o respeito pela propriedade privada tal como a concebemos, mas o fato de que, sem ser dono de sua casa, o homem não podia participar dos negócios do mundo porque não tinha nele lugar algum que lhe pertencesse.” (ARENDT, 1991. p. 39)

A distinção entre o que era público e o que era privado no mundo clássico era de certa

maneira fácil para Arendt. O espaço privado era onde o ser humano realizava suas

necessidades básicas, como comer, beber, descansar, etc, as necessidades fisiológicas do

homem, este espaço era o ambiente para tê-las saciadas. E neste ambiente o homem era

o déspota, não havia ali igualdade ou liberdade, ali era o chefe de família e liderava as

mulheres, os escravos e as crianças. A liberdade era apenas realizável no ambiente

político, ali os homens eram iguais, porque ali eles estavam saciados de suas

necessidades básicas e poderiam realizar ações.

O que todos os filósofos gregos tinham como certo, por mais que se opusessem à vida na polis, é que a liberdade situa-se exclusivamente na esfera política; que a necessidade é primordialmente um fenômeno pré-político, característico da organização do lar privado; e que a força e a violência são justificadas nesta última esfera por serem os únicos meios de vencer a necessidade – por exemplo, subjugando escravos – e alcançar a liberdade (ARENDT, 1991, p. 40).

36

Assim, para Arendt as necessidades humanas eram elementos pré-políticos e somente ao

saciá-las é que o homem poderia alcançar a liberdade, exercer a política. A liberdade e

igualdade estavam designadas para o universo público e este era completamente distinto do

privado. Ser livre para os gregos era não ter as necessidades humanas, estas eram realizadas

na esfera privada, assim como a igualdade era estar entre seus iguais, no caso os livres, e ali

não havia nenhum governante ou governado, chefe ou subalterno, ali todos eram iguais para

que juntos se governassem.

A esfera pública seria portanto, o único local possível para a existência da igualdade e da

liberdade. E para a boa política tais atributos seriam imprescindíveis. Os agentes ali não

poderiam se sentir oprimidos nem serem opressores. Era no espaço público onde os

políticos agiam e se revelavam para seus pares.

Na visão de Arendt, na sociedade contemporânea, a distinção entre o que era pública (da

polis) e o que era privado (do idion e do oikos) se perdeu. Para Arendt, a sociedade

contemporânea havia propiciado o surgimento de uma terceira esfera, vinda de uma

mistura das outras duas:

“O que distingue da realidade moderna esta atitude essencialmente cristã em relação à política não é tanto o reconhecimento de um ‘bem comum’ quanto a exclusividade da esfera privada e a ausência daquela esfera curiosamente híbrida que chamamos de ‘sociedade’, na qual os interesses privados assumem importância pública.” (ARENDT, 1991, p. 44-45)

O surgimento dessa sociedade moderna onde a tênue linha que separava o público do

privado é ultrapassada faz com que não exista mais a distinção rígida e diferenciada

dessas esferas como existiam no mundo clássico, ao contrário, uma passa a exercer

influência sob a outra graças a este “hibridismo” gerado.

37

Além disso, em “A Condição Humana”, Hannah Arendt expõe o anseio da sociedade de

que seus governantes possuam características homéricas, no sentido heróico e mítico da

palavra. Então os governados esperariam de seus governantes características de pessoas

bravas, verdadeiros heróis, aqueles que representem de alguma forma um sonho, uma

projeção de como seria a ilusão moral do que a sociedade entende como sendo bom e

virtuoso. O homem seria uma espécie de agente conjunto aos deuses, faria sua história

junto a eles por meio da ação. Sendo aqueles mais preparados e habilidosos os heróis:

“a ação é prerrogativa exclusiva do homem; nem um animal nem um deus é capaz de ação, e só a ação depende inteiramente da constante presença do outro. (...) É notável a circunstância de que os deus homéricos só agem no tocante aos homens, governando-os de longe ou interferindo com o que se passa entre eles. Além disso, os conflitos e as lutas entre os deus parecem resultar principalmente de sua atuação nos negócios humanos ou de sua conflitante parcialidade em relação aos mortais. O resultado é um história na qual homens e deuses atuam em conjunto, mas a trama é estabelecida pelos mortais, mesmo quando a decisão é tomada numa assembléia de deuses no Olimpo. Creio que a art’ adrom te theon te, de Homero, indica essa co-operação: o bardo canta feitos de deuses e homens, não historias de deuses e histórias de homens. Do mesmo modo, a Teogonia de Hesíodo trata não dos feitos dos deuses, mas da gênese do mundo; narra, portanto, como as coisas passaram a existir através da geração e da procriação (constantemente repetidas). O cantor, servo das Musas, canta ‘os feitos gloriosos dos homens antigos e os deuses bem-aventurados’ (97 ff.), mas em parte alguma, ao que eu saiba, os feitos gloriosos dos deus” (Arendt, 1991).

Arendt acaba por estender o conceito do Príncipe virtuoso de Maquiavel. Se para

Maquiavel o príncipe deveria saber utilizar de suas habilidades para passar aos

governados a idéia de que ele agia de acordo com os preceitos ético-morais dos

mesmos, Arendt acredita numa relação mais dialética. Como as esferas públicas e

privadas acabavam por se misturar, a escolha de tal posição por parte do governante não

é deliberada de tal forma, ele espera, além de corresponder a estas expectativas, vivê-

las.

“A admiração pública é também algo a ser usado e consumido; e o status, como diríamos hoje, satisfaz uma necessidade como o alimento satisfaz a outra: a admiração pública é consumida pela vaidade individual da mesma forma como o alimento é consumido pela fome.” (ARENDT, 1991, p.66)

38

Tal idéia vai ao encontro com o que Gore Vidal enxergou em seu ensaio “Sexo é

Política”. Para Gore Vidal, os governantes sempre recorreriam aos “botões quentes”

(hot buttons) para angariarem o apoio popular. As áreas de “hot buttons” seriam aquelas

questões que tocam no âmbito ético-moral da sociedade, conseguindo assim se conectar

e conquistar a simpatia popular. Para Vidal “é impossível que uma classe governante

mantenha seu poder se não dispuser de botões quentes para apertar” (VIDAL, 1990,

p.232).

“Falar contra o pecado é uma boa política – e não se preocupem com os non sequiturs. Na realidade, é positivamente não-americano – chega a ser comunista – discutir um problema real com o desemprego ou quem está roubando todo o dinheiro do Pentágono. Para distrair o eleitorado, o político americano inescrupuloso tratará de perseguir os grupos que o Velho ou o Novo Testamento vêem com bons olhos. Os descendentes de Ham são permanentes malvistos pelos americanos brancos.” (VIDAL, 1990, p.231)

Como precisam contar com este apoio para poderem se manter no poder, a idéia

lockiana da necessidade de legitimação do povo para se governar encontra-se presente,

os governantes encontraram um filão ao se colocarem defensores dos valores dos

chamados “homens de bem”, dificilmente se questionaria os valores morais. Isto

acarretaria em prejuízo próprio, tanto que umas das táticas mais utilizadas para

prejudicar o adversário é acusá-lo de apoiar políticas contrárias a estes valores e de ter

uma vida particular que não condiz com o que se espera de alguém naquela posição.

Passar a imagem de alguém com uma família que se encaixe nos padrões morais é

muitas vezes mais importante que as próprias opiniões políticas. Ser a favor da moral e

dos bons costumes, da boa família, acabou por se tornar um atrativo político.

39

Num ambiente onde os governantes, os tomadores de decisão, se encontram tendo que

encontrar um balanço entre as esferas pública e privada de suas vidas e ainda

corresponder às expectativas morais de seus governados, o processo de tomada de

decisão não é algo fácil.

A partir da década de 1960, com a ascensão do movimento feminista, a chamada segunda

onda, novas nuances de conceitos passados passaram a ser examinadas pelas teóricas

feministas. O ponto de partida foi a percepção de que muitos acreditavam que as mulheres

se encontravam ausentes do debate político enquanto atores. Como Assis (2006) relembra

que num primeiro momento Hannah Arendt foi alvo das feministas, que viam em suas

teorias um aspecto bastante machista, onde ela, Arendt, enxergava as questões do âmbito

privado como sendo frívolas enquanto as questões cruciais se encontravam no âmbito

público. Após este primeiro reexame, Arendt voltou a ser “aceita” no clube das teóricas

feministas.

Hannah Arendt (1991) dividia os espaços público e privado em duas esferas bastante

dicotômicas, a esfera privada sendo vista como aquela que supre as necessidades dos

homens, que no espaço público exercerão sua liberdade e ali são iguais. Para que tais

necessidades sejam supridas e o homem possa fazer ações, é aceito a submissão da mulher e

dos escravos, já que são eles que, por meio de coerção, violência, constrangimento, tem

como obrigação suprir tais necessidades deste homem que por sinal é o líder do lar. No

ambiente privado não há igualdade, há de se aceitar a superioridade do chefe da casa, que é

o único que possui o direito de ser livre e ser igual aos outros, todos os homens no caso, que

também possuiriam a mesma situação em casa.

40

Desta forma Hannah Arendt (1991) embutiria em seu discurso uma visão onde o ambiente

de separação do público e do privado seria baseado numa situação de exploração. Os

homens só seriam, assim, livres, se essa liberdade fosse propiciada por meio da opressão

aplicada às mulheres e aos outros ‘não-cidadãos’ dentro de sua esfera privada. Ser livre, por

conseguinte, seria portanto um direito para poucos, no caso somente para homens, que se

sustentassem numa pirâmide de exploração que teria como base uma desigualdade dentro

do ambiente doméstico, onde questões consideradas irrelevantes deveriam ser tratadas.

As feministas embrenham pela questão do gênero. As mulheres estariam realmente

ausente dos debates políticos ou a condição de ser mulher é que as impossibilitava de ter

voz no mesmo debate? Essa é uma das questões levantadas pelas feministas. Com a

questão do gênero, procurou-se um viés que conseguisse conter em sua análise a noção

do masculino e do feminino: o que se era esperado do masculino e o que se era esperado

do feminino, e a partir daí entender a forma como ao longo da história as mulheres

haviam sido submetidas à determinadas situações sociais e como dentro dessas próprias

situações conseguiram também conquistar um valor político. O que procuraram fazer foi

a descontrução da noção de uma “vida política ou pública através explicações que

partiam de equações como: Homem = Público, Público = Político, logo, Homem

Político; e Mulher = Privado, Privado = Apolítico, logo, Mulher Apolítica” (BRITO,

2001, p.292).

Com a noção de funções pré-estabelecidas para cada gênero, de forma bastante distinta

entre o que se esperava dos homens sendo muito mais relevante politicamente do que se

esperava das mulheres, e assim relegando diferentes funções na sociedade aos mesmos,

a teórica feminista Susan Okin, numa alusão ao slogan marxista de que “o econômico é

político” cria aquele que seria o slogan feminista, “o pessoal é político”:

41

“teóricas feministas, focando no gênero e argumentando que tanto o poder político quanto o poder econômico e suas práticas são inter-relacionados de maneira próxima à estrutura e práticas da esfera doméstica, expuseram a extensão para qual a dicotomia entre o público e o doméstico, também reificado e exagerado pela teoria liberal, serve também para funções ideológicas. O slogan correspondente feminista e, é claro, ‘o pessoal é político’.” (OKIN, 1991, p.75) 3

Assim Okin chama a atenção para o descaso com que as teorias pré-feministas haviam

tratado a questão dos gêneros, tentando incutir a idéia de que a separação das esferas

pública e privada era fácil e visível, e que “temos uma base sólida para a separação do

pessoal do político” (OKIN, 1991, p.6.7), além de que se tenta de alguma forma, na maioria

das implícitamente, “que essas esferas são suficientemente separadas, e suficientemente

diferentes, que o público ou político pode ser discutido de forma isolada do privado ou do

pessoal” (Ibid, p.67).

Okin lembra da divisão dos sexos a qual a sociedade foi submetia ao longo dos séculos,

já que os homens teriam se tornados os chefes-de-família, e, como visto por Arendt

(1991), dentro de seus lares estabeleciam uma situação de exploração e subordinação

das mulheres ao seus caprichos. A este homem cabia cuidar da esfera econômica e

política, enquanto às mulheres cabia procriar e cuidar da vida doméstica, sendo que fora

dali não poderiam se estabelecer, já que não seriam aptas ou capazes de se

estabelecerem fora daquele ambiente. Tal situação gerou ao longo dos séculos graves

conseqüências para a forma como as mulheres se estabeleceram no jogo político, ou, no

mais certo, como não se estabeleceram nos palcos principais do poder.

Okin ainda ressalta que “o que acontece na vida pessoal, particularmente nas relações

entre os sexos, não está imune à dinâmica do poder, que tipicamente tem sido visto 3 Todas as traduções das citações do seguinte livro são de autoria própria.

42

como a característica distintiva da política” (OKIN, 1991, p.77) além de que “nem o

espaço da vida doméstica, pessoal, nem o da vida não doméstica, econômica e política,

pode ser entendido ou interpretado isoladamente” (Ibid, p.77). Assim, com essa

dinâmica que estabeleceria as funções e expectativas para os gêneros, não restava às

mulheres, e nem era mesmo possível, se colocarem no debate político da forma com que

os homens se colocavam. E mais:

“Nós encontramos o pessoal e o político misturados de tal forma que confunde as categorias de público e doméstico separadas, e aponta a inevitável imperfeição das teorias políticas que insistem em se confinar ao estudo do que foi politicamente legitimado numa era pré-feminista. Nós não podemos esperar compreender a esfera ‘pública’ – o Estado ou o trabalho ou o mercado – sem levar em conta as questões de gênero, o fato de que ela tem sido construída sob a suposição de uma superioridade e dominância masculina, e que pressupõe responsabilidades femininas para com a esfera doméstica.” (OKIN, 1991, p.82-83)

Além disso, Okin (1991) lembra que a própria noção do que era estabelecido como

sendo público e como sendo privado modificou-se ao longo dos séculos, como a

produção material que era relegada à esfera privada (como os mestres e aprendizes na

Idade Média e até a própria produção de alimentos que era uma atividade familiar). Até

mesmo conceitos do que era designado como público e privado também se modificaram

com as mudanças sociais ocorridas na sociedade com a “intimidade, por exemplo, não

sendo vista como caracteristicamente doméstica após o século dezessete” (Ibid, p.82).

Okin se mostra bem contrária a noção da dicotomia entre as esferas pública e privada,

sendo que para ela e as outras teóricas feministas, tal diferença se baseia numa visão que

não consegue estabelecer uma visão completa sobre as funções políticas que a mulher

exerce, já que não é por terem sido colocadas dentro da esfera privada, que não era a de

onde as decisões e ações políticas saiam, não significa que ações ali realizadas não

43

acabaram por incutir efeitos nas outras áreas. As esferas não seriam tão separadas e

dicotômicas como sugeriam outrora.

“Embora nós precisemos manter alguma proteção da vida pessoal e privada da intromissão e controle, a dicotomia entre o público e o doméstico não é desejável, na teoria ou na prática de um mundo livre do pensamento baseado em gêneros, para que seja algo tão distinto como o que prevaleceu no mainstream da teoria política do século XVII até o presente.” (OKIN, 1997, p.90)

Okin não se coloca contra a existência de um ambiente na esfera privada onde os

cidadãos possam se encontrar sem possuírem a interferência estatal. Isso vai de encontro

ao debate exposto por Chambouleyron (2007), no qual a ala das feministas liberais é

colocada sob ataque já que a dicotomia entre o público e o privado teria encontrado seu

maior respaldo junto à teoria liberal. Já que a separação da sociedade civil do Estado

seria um ponto crucial para a dominação patriarcal e a condescendência do Estado para

tal situação, entre o que seria o espaço da liberdade (a sociedade civil) e o da

subordinação (o Estado), sendo que a liberdade, como visto, se daria apenas para um

grupo bem específico, os homens.

Mas Chambouleyron (2007) mostra que apesar das divergências, há mais convergências

entre as teóricas feministas. A concepção de gênero se mostra o sustentáculo das teorias

feministas, onde as mulheres tem direitos suprimidos ao serem submetidas à uma

sociedade patriarcal machista. Assim como Okin, teóricas de vertentes opostas como

Nussbaum e Pateman, se colocam a favor de uma mudança daquilo que deve ser

entendido como público e privado.

Tais esferas são sim existentes, mas são interdependentes, e o que ocorre em uma afeta

diretamente a outra. O que se deve fazer é re-configurar aquilo que é entendido como

44

público e privado, ao mesmo tempo que garanta-se um espaço na esfera privada onde o

indivíduo possa se colocar longe da interferência e coerção estatal, exercendo ali sua

liberdade, mas sendo essa ao alcance de todos os membros da sociedade e não somente

de um determinado gênero.

É a mesma visão exposta por Brito (2006), que demonstra a proposta feminista de

mudança dos parâmetros vistos como políticos ou privados. As feministas aumentam a

abrangência da esfera política. Dessa forma, temas que anteriormente eram

considerados como sendo aspectos privados passaram a serem vistos como também

públicos. O que é colocado em pauta é a atuação no ambiente micropolítico, não a

política entendida apenas como a disputa pelo poder nas bases governamentais ou

políticas. Assim, o que essa nova perspectiva consegue é incluir uma análise nas

questões cotidianas, já que essa interdependência entre as esferas privada e política,

além da ampliação da última, tornava “possível perceber as práticas políticas diferentes

do padrão masculino, investigando os canais por meio dos quais as mulheres se

manifestariam” (BRITO, 2001, p.293)

“Os dados levantados nas investigações sobre a experiência concreta das mulheres em sociedade, dados que vêm sendo levantados principalmente pela história, pela antropologia e pela sociologia, evidenciam que as atividades femininas se têm desenvolvido também em espaços públicos como a comunidade, a vizinhança, a rua e a fábrica, e não podem ser considerados como exclusivamente privadas, pois envolvem intermediações e relações múltiplas de difícil enquadramento em pólos dicotômicos.” (BRITO, 2001, p.292)

Assim, os parâmetros utilizados para calcular ou procurar a participação feminina em

debates promovidos no que era, então, considerado como sendo a esfera pública, se

mostram ineficazes. Para se enxergar tal participação seria necessário esse entendimento

e a nova ótica trazida pela teoria feminista. Mais do que a procura por exemplos que se

45

encaixariam no protótipo de poder entendido pelo lógica masculina, poder exercido na

suposta esfera pública diferenciada da esfera privada, seria necessário entender como as

mulheres conseguiram atravessar através da esfera privada para exercer também um

papel da esfera pública, através de cada cenário social em que estavam submetidas, e

dentro do papel que lhes era imposto, conseguiram subverter a própria lógica de poder

que lhes era incutida, conseguindo através da travessia pela esfera privada, conseguiram

demonstrar como as esferas são interconectadas.

“As mulheres, portanto, mesmo partindo da esfera privada, podem agir politicamente, utilizando recursos específicos, seguindo caminhos que cruzam os espaços público e privados. A dimensão política não se restringe exclusivamente à esfera pública, às atividades masculinas, mas está presente também no cotidiano que homens e mulheres vivenciam em conjunto numa determinada relação histórica e que interessa analisar com um enfoque integrador, sem pré-interpretações globalizantes, sem juízos valorativos que desqualificam de antemão formas diferenciadas de envolvimento político.” (BRITO, 2001, p.297)

Nas teorias pré-feministas o sujeito feminino era entendido como alguém que isolado da

esfera pública se mostrava condicionado à vida doméstica, aquém de influenciar

decisões ou acontecimentos sócio-políticos. A grande vitória e novidade das feministas

é a introdução desses novos aspectos que, não negando a vida doméstica em que a

mulher se encontrava e muitas vezes ainda se encontra, mas demonstrando que as

atividades domésticas, privadas, não necessariamente significavam falta de voz política

ou isolamento dos acontecimentos sociais.

As mulheres conseguiram construir “espaços de ação próprios que não são absorvidos

nos conceitos das esferas pública ou privada” (BRITO, 2001, p.296), que não eram

compreendidos anteriormente sendo confundidos com uma suposta incapacidade de

gênero.

46

A esfera privada vista como uma espécie de “reino feminino” é também uma esfera

politizada, a esfera pública nada mais seria do que um prolongamento do doméstico, só

existiria porque a esfera privada conseguiria mantê-la funcional. As feministas

conseguem politizar o privado de forma a demolir a visão androcêntrica da política,

entendida apenas pelo seu viés já convencionado e baseada numa dicotomia que se

provaria inexistente. Com a ampliação e redefinição do que é público e do que é

privado, com o entendimento da interdependência dessas duas esferas, consegue-se

enxergar a mulher também como um sujeito político e que, dentro de suas próprias

limitações sociais, conseguiu se fazer ativa na esfera pública por outros meios e práticas

que não as que eram aceitas e percebidas pela lógica da realpolitik. Tem-se como vitória

a demonstração de que a verdadeira dicotomia não seria entre o público e o privado,

mas entre o masculino e o feminino.

47

3. Estudo de Três Casos

“Nada foi mais fatal para os homens e, em especial, para os grandes homens, do que se deixarem levar

pelo amor proibido das mulheres. De todos os vícios, este é o mais fascinante e mais difícil de dominar,

se não for esmagado ao brotar.” Jaime II, da Inglaterra (1633-1701)

3.1. Luís XV e Madame de Pompadour

Durante o absolutismo clássico, os reis eram a própria concepção do Estado. Luís XIV

da França, talvez tenha cunhado a frase que melhor exemplifique esta noção ao dizer,

“L’état c’est moi”, “O Estado sou eu”. Mesmo que haja contestação quanto à veracidade

de tal frase, mesmo esta sendo um mito, exemplifica a mentalidade acerca o governante

e o Estado na época.

Ao longo deste período, os casamentos entre as dinastias reinantes da Europa nada mais

eram que acordos diplomáticos e casava-se para formar alianças e beneficiar os Estados

por meio de laços de sangue, que simbolizavam a amizade entre os Estados, selando

alianças diplomáticas. A noção de amor romântico não fazia parte de tal cenário, aos

governantes não cabia escolher seus futuros parceiros por interesses românticos, mas

sim para sistematizar alianças já previamente pensadas. As princesas nada mais eram do

que uma peça no tabuleiro das dinastias e sua principal função era gerar herdeiros dos

futuros governantes além de garantir que a riqueza ficasse sempre restrita aos grupos

que se encontravam no poder. Tais casamentos eram, afinal, uma mostra de boa

disposição de um Estado para com o outro.

Os monarcas eram vistos e acreditavam que assim haviam nascido nessa posição por um

direito divino. Então não se contestava tal prática: aceitava-se tão somente. Assim, suas

vontades eram lei e seus desejos eram prontamente acatados.

48

A sociedade francesa era extremamente estratificada, e a corte de Versalhes era

considerada a mais esnobe e regrada em toda Europa, onde o luxo imperava e cada

cortesão deveria saber seu local e suas obrigações de acordo com seu cargo.

Durante o reinado de Luís XV, foi com muito ressaibo que uma mulher oriunda de uma

casta inferior conseguiu alcançar grande destaque e influência na corte de Versalhes: era

Jeanne-Antoinette Poisson, que ficaria conhecida como Madame de Pompadour, a

Senhora da França.

Jeanne-Antoinette conseguiu chamar a atenção do rei Luís XV e tornar-se sua cortesã,

uma situação que era aceitável dentro da sociedade francesa. Para que ela pudesse viver

em Versalhes junto aos outros cortesãos o Rei passou a lhe beneficiar com títulos, o de

Marquesa de Pompadour primeiramente. Como lembra Herman, para “obter a posição

de maîtresse-em-titre e viver em Versalhes, as amantes de Luís precisavam receber um

título e serem oficialmente apresentadas à corte” (HERMAN, 2005, p.75).

Logo Madame de Pompadour conseguiu uma rápida ascensão e se tornou a maîtresse

déclarée4 do Rei. Madame de Pompadour conseguiu ter uma ascensão meteórica numa

sociedade totalmente rígida. Nascida sem qualquer título de nobreza, conseguiu

encantar o Rei que, por meio de brechas políticas, após ceder-lhe o título de Marquesa, e

depois lhe concedeu, ainda, o título de Duquesa, o mais alto que existia, e tornou-a

acompanhante da própria rainha. (ALGRANT, 2005)

4 Um título criado pelo Rei de França que significa que aquela era sua escolhida do como sua amante declarada.

49

Se num primeiro momento a função de Madame de Pompadour era apenas dividir

momentos íntimos com o monarca, ela notou que para continuar naquele ambiente e não

ser descartada após o tempo ela precisava ser mais do que uma simples amante real e

logo tornou-se uma especialista nos desejos dos Rei, que se mostrava sempre entediado

e cabia à ela entretê-lo. Com isso, Madame de Pompadour foi se tornando uma figura

cada vez mais importante dentro da corte e a partir de 1750 já era vista como a grande

amiga e conselheira do rei. Com desejos políticos, passou a ser uma grande conselheira

nesse campo e Luís XV sempre ouvia sua “amante declarada”, assim, Pompadour

acabou por influenciar inúmeras decisões de Luís XV e interferir no panorama da

França e, consequentemente da Europa, em meados do século XVIII.

Foi também em 1750 que chegou à Versalhes um novo embaixador austríaco, o Conde

Von Kaunitz-Rietberg. A Imperatriz o havia enviado para a França com a missão de

criar um cenário simpático à casa austríaca, que era, então, uma inimiga histórica da

França. A Imperatriz Maria Teresa da Áustria procurava um aliado para sua intenção de

recuperar o território da Silésia, que havia perdido para a Prússia, que era então, aliada

da França, no Tratado de Paz de Aix-La-Chapelle em 1748. Assim, Kaunitz, percebendo

a posição influente de Madame de Pompadour, que controlava concessões de títulos,

pensões, honrarias e demais assuntos cortesões, além da influência que exercia sobre o

rei, procurou tê-la como uma aliada para a causa austríaca. Como recorda Herman,

Madame de Pompadour já era entendida como uma das figuras mais fortes da corte

francesa, em “1753, o marquês d’Argenson escreveu: ‘A amante é o primeiro-ministro e

torna-se cada vez mais despótica, como jamais uma favorita o fora na França’”

(HERMAN, 2005, p.161).

50

“A aliança com a Áustria não era popular entre o povo francês que perdera, recentemente, filhos e pais pelas espingardas e baionetas do Exército austríaco. Mas Madame de Pompadour convenceu o rei que a Prússia tornara-se muito poderosa sob o domínio de Frederico e que uma aliança com a Áustria criaria melhor equilíbrio político na Europa.” (HERMAN, 2005, p.162)

A França era inimiga da Áustria desde a época da Guerra de Sucessão Austríaca (1740 –

1748), que havia assolado os territórios germânicos, os franceses haviam se colocado

contra as pretensões austríacas. Em “1741, os franceses, em aliança com a Prússia,

enviaram dois exércitos à Alemanha, um rumando para o norte, a fim de conter

Hanôver, o território do rei britânico Jorge II, e o outro para o sul, a fim de demonstrar

apoio a Carlos Alberto, o eleitor da Baviera, em sua briga com Maria Teresa”

(ALGRANT, 2005, p.42). A França havia se colocado ao lado errado na guerra e:

“Em 14 de janeiro de 1749, os termos do tratado de Aix-La-Chapelle forma divulgados; foram proclamados nas ruas de Paris em fevereiro. Todos os territórios conquistados pelos franceses na Holanda austríaca foram devolvidos à Áustria; Bergen-op-zoom, conquistada por um preço altíssimo, foi restituída aos holandeses; a França não ganhou nada – apesar de todo o derramamento de sangue – (...). Luís XV tinha plena consciência de que o tratado de paz dava à França poucos motivos para comemorar (...). O verdadeiro vencedor foi o rei Frederico da Prússia, que conservou a Silésia.” (ALGRANT, 2005,, p.102)

Isso favorecia a visão negativa que a Áustria possuía junto as franceses, mas as

habilidades diplomáticas do Conde Von Kaunitz e de outros grupos que cercavam

Madame de Pompadour, favoreceram que ela se inclinasse a favor das políticas

austríacas. Em 1753, quando o Conde Von Kaunitz foi embora de Versalhes para

retornar à corte de Maria Teresa, ele havia estabelecido um relacionamento amigável

junto ao Rei Luís XV e mais ainda com Madame de Pompadour, com quem continuou a

se corresponder, tendo apoio de Maria Teresa, desde Viena.

51

A situação na Europa desde 1748, com o Tratado de Aix-La-Chapelle que colocou fim à

Guerra de Sucessão Austríaca, se mostrava bastante desconfortável. A maioria dos

atores não se mostrava satisfeita com os resultados obtidos. Logo após a assinatura do

Tratado os diplomatas enviados pelos Estados passaram a buscar, sigilosamente, novas

alianças que, num conflito futuro, ajudassem a cada Estado alcançar seu intento. A

Áustria, a Prússia e os Britânicos se mostravam descontentes com seus ganhos, que não

haviam sido os almejados. A Prússia procurava ter mais segurança contra seus vizinhos,

principalmente quanto à proteção contra a Áustria. Os austríacos, por sua vez, queriam

uma revanche contra os prussianos e a anexação do território da Silésia. A Grã-Bretanha

procurava aumentar suas linhas de comércio, principalmente quanto às colônias

francesas na América. Ironicamente, Luís XV parecia ser o único que não se mostrava

disposto a novos conflitos. Mas não foi na Europa que os conflitos que dariam início às

alianças tiveram início:

“Foi na América do Norte, na remota região interiorana de Ohio. Fazia muito tempo que franceses e britânicos tinham interesses conflitantes nessa aparte do mundo; os franceses queriam um acesso irrestrito do Canadá à Louisiana, por meio da fileira de fortes que havia construído às margens do Mississipi; os britânicos queriam expandir suas colônias da costa lesta para o oeste. Estava claro que esses dois objetivos entraria em colisão. Durante 1754, os franceses começaram a se inquietar com a possibilidade de que os britânicos tentassem assumir o controle do território de Ohio em sua marcha para o oeste; à guisa de resposta começaram a construir povoados fortificados para bloquear a passagem. Em maio, os britânicos enviaram um emissário – George Washington, um major de 21 anos – para descobrir o que pretendiam os francês; quando ele retornou, trazendo indícios de atividade militar, recebeu ordens de voltar com 160 homens, par atentar impedir que os franceses construíssem outros povoados. Por sua vez, os franceses enviaram ao território o alfares Joseph de Jumonville; sua tarefa era estabelecer um diálogo com Washington, e ele levou apenas 35 soldados. Entretanto, num encontro confuso e sangrento, Washington e seus homens atacaram e mataram Jumonville e a maioria de seu pequeno grupo.” (ALGRANT, 2005, p.194-195)

Obviamente tal situação não agradou a corte francesa em Versalhes. Foi sabido então

que os britânicos haviam decidido enviar dois regimentos da infantaria irlandesa para

52

suas colônias americanas. Tais regimentos para lá se dirigiram com o objetivo de tomar

e ocupar os fortes franceses que se encontravam na região de Ohio e do lago Erie. Para

os franceses este era um indício claro de que a Grã-Bretanha tinha intuitos bélicos para

estabelecer-se na região. Nesse meio tempo os franceses procuraram negociar com os

britânicos para que uma zona neutra fosse criada na América. Enquanto tal negociação

ocorria, os franceses, já prevendo a guerra, passaram a preparar seus soldados e equipar

navios para que seus territórios canadenses e norte-americanos pudessem ser defendidos

da sanha inglesa. Tal situação foi propicia para a mudança da política externa francesa,

Madame de Pompadour e seu grupo, além de conselheiros do rei (muitos dos quais ela

havia ajudado a serem nomeados) passaram a fazer um certo lobby para uma

reaproximação francesa com o governo austríaco. A França procurava assim, colocar-se

ao lado da Áustria para contrabalancear o poder e influência britânica sobre o continente

europeu, de forma a protegeram suas vias comerciais marítimas contra possíveis ataques

vindos da marinha inglesa. A política de aproximação adotada por Kaunitz durante seus

três anos na corte de Versalhes, onde havia procurado aliar-se à Madame de Pompadour

e seu grupo como forma de influenciar as resoluções políticas de Luís XV estava dando

resultados.

Nos meses finais de 1754 a aproximação entre França e Áustria se mostrava cada vez

mais efetivada, e um conflito entre os Estados europeus se mostrava cada vez mais perto

de ocorrer.

Na cidade de Jouy-em-Josas perto de Versalhes, foi assinado, em maio de 1756, o

Tratado de Versalhes que estabelecia a aliança franco-austríaca. Tanto a Áustria quanto

a França se obrigavam a socorrer uma a outra quando sofressem agressão de qualquer

53

outro Estado, exceto numa guerra entre a França e a Grã-Bretanha. Apesar disso,

secretamente tanto a Imperatriz Maria Teresa quanto o rei Luís XV se comprometeram

a defender os Estados aliados contra qualquer ameaça.

Apesar de ter, para Luís XV, um caráter estritamente defensivo, os austríacos

esperavam que com a assinatura do tratado Frederico, o rei da Prússia, ficasse bastante

intimidado para entrar em conflito com os dois Estados. Os franceses esperavam assim

que a situação no cenário europeu fosse de paz. Mas tão logo o tratado foi assinado, o

exército austríaco foi enviado para a Boêmia, região fronteiriça à Silésia, o objetivo

austríaco ficou claro: recuperar seu território perdido na última guerra.

“Madame de Pompadour usou seu poder rejeitar a Prússia – uma aliada tradicional da França – e unir-se À imperadora Maria Teresa da Áustria durante a Guerra dos Sete Anos (1757 -1763). O apoio da França a esse território não condizia com a política francesa. E os comentários cáusticos de Frederico fizeram com que Madame de Pompadour, além da imperatriz Maria Teresa, se aliassem a outra mulher poderosa, a imperatriz Elizabeth da Rússia” (HERMAN, 2005, p.162)

O recado à Prússia era claro, e o governante prussiano, Frederico, ao notar a situação

que se colocava contra os interesses prussianos tramou logo uma jogada ousada.

Notando que não poderia se colocar numa atitude pacífica de esperar que a Rússia e

Áustria, Estados aliados com interesses comuns na região, o atacassem, decidiu partir

para a ofensiva antes que isso ocorresse. Juntou as tropas prussianas e marchou para a

região da Saxônia, e logo ocupou sua capital, Dresden, como lembra Algrant (2005), o

próprio “rei fugiu, deixando para trás a rainha da Saxônia – a mãe da Delfina -, cujo

palácio foi saqueado, sendo ela mesma maltratada” (p.228). Em outubro, Frederico já

havia dominado a cidade e todo a Saxônia, e já ameaçava a Boêmia. Frederico agia

rápido para que pudesse enfrentar somente as tropas austríacas, antes que russos e

54

franceses viessem à ajudar o exército de Maria Teresa. Tal ação deu início a política de

alianças da Europa e a Guerra dos Sete Anos se iniciou. A França, mais uma vez, se

colocou do lado perdedor e desgastou seus cofres públicos e a imagem da corte junto à

população, que com sucessivos aumentos de impostos e derrotas em combate se

mostrava cada vez mais indisposta com os habitantes de Versalhes.

“Finalmente, em 3 de novembro de 1762, um tratado de paz preliminar, assinado em Fontainebleau, pôs fim Às hostilidades entre o rei da Inlgaterra e os reis da França e da Espanha. O Tratado de Paris foi assinado em caráter definitivo em 10 de fevereiro de 1763. A França recuperou a Martinica e Guadalupe, mas abriu mão do Canadá, do vale de Ohio, da Índia e do Senegal, mantendo a penas o porto de Gorée, que era essencial para o tráfico de escravos. Minorca foi devolvida aos ingleses. Para recuperar Havana e Cuba, a Espanha cedeu a Flórida à Grã-Bretanha. Luís XV, que se sentia responsável por essa perda, cedeu a Louisiana à Espanha. A França também renunciou a qualquer pedido de compensação pelos navios capturados por corsários britânicos e por embarcações da marinha desde 1754; concordou em demolir suas fortificações em Dunquerque; devolveu todos os territórios que ainda estavam sob o controle de seu exército em Hanôver, Hesse e Brunswick; e evacuou as possessões do rei da Prússia na Renânia. A guerra no continente chegou ao fim com o Tratado de Hubertsburg, datado de 15 de fevereiro em 1763. Maria Teresa tornou a entregar a Silésia ao rei da Prússia. Estavam encerrados sete anos de batalhas sangrentas. Os britânicos e seu império foram os grandes vencedores.” (ALGRANT, 2005, p.309-310)

Madame de Pompadour havia influenciado Luís XV para que entrasse num conflito que

havia se tornado um empreendimento fracassado e sua imagem estava cada vez mais

arranhada junto à opinião pública. Com o intuito de ser relevante politicamente, havia

usado de um cargo que antes era fútil, para se tornar um importante ator no jogo político

francês do século XVIII, influenciando a política francesa por 15 anos.

“Desde o começo, Madame de Pompadour exerceu influência sobre toda sorte de nomeações, promoções honrarias e privilégios. À medida que declinou seu relacionamento sexual com Luís XV, ela se informou e se insinuou aos poucos nos assuntos externos, nas questões militares e na política das altas esferas. Via seu papel como o de uma secretária confidencial do rei e se sentia perfeitamente qualificada para desempenhá-lo. Por sua vez, Luís XV a considerava infalivelmente confiável, útil e discreta. E, sendo um homem preguiçoso, ficava satisfeito com a avidez dela de assumir a tarefa demorada e trabalhosa de se comunicar com seus generais e ministros. A marquesa assumiu esse papel pela convicção de que, com isso, manteria seu lugar em Versalhes. Isso porque, a despeito de todos

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os seus protestos, ela era excessivamente apegada ao luxo e aos estímulos da vida na corte para abrir mão deles. Assim como observou Duclos: ‘Kaunitz a transformouo na senhora do Estado’. Quando o chanceler austríaco resolveu aproximar-se dela, fazendo-a intermediária entre a imperatriz Maria Teresa e Luís XV, já havia observado suas qualidades. Sabia que ela ansiava por participar dos assuntos do Estado, por ser conselheira e confidente do rei. Kaunitz sabia o quanto sua aproximação a lisonjearia e o quanto ela investiria em ajudar sua causa. Não se decepcionou. Quando Luís XV decidiu romper com seu antigo aliado, a Prússia, e fazer uma aliança com o inimigo hereditário da França, a Áustria5, Madame de Pompadour tornou-se uma defensora apaixonada da nova política e, em seguida, uma adepta ferrenha da guerra que esta acarretou” (ALGRANT, 2005, p.330).

A imagem desgastada e negativa que possuía junto a uma grande camada desfavorecida

pôde ser percebida quando, em “comemoração” a sua morte, versos como “Aqui jaz

aquela que por vinte anos foi virgem/ Por sete, prostituta, e por oito, cafetina.”, foram

espalhados por Paris.

A população, principalmente a parisiense (pela proximidade à Versalhes e por ser a

capital do Reino, onde se encontravam os mais críticos e mais politizados, com excesso

de jornais, associações, etc.), se mostrava há anos descontentes com os gastos

excessivos da corte e Madame de Pompadour era um dos alvos preferenciais. Querendo

passar a imagem de uma patrona das artes procurava fazer isso por meio da construção

de palácios imponentes, o que no ambiente de guerra só piorava sua imagem e a da

corte, que era cada vez mais vista como alienada e insciente dos anseios populares.

“Após sete anos, as forças de ambos os lados estavam exauridas. O Tesouro francês esgotara-se e, ainda pior, a França perdera cerca de 200 mil homens. A o assinar o acordo de paz, a França concordou em ceder inúmeras possessões, inclusive o Canadá e parte da Índia.” (HERMAN, 2005, p.163)

“Quando Madame de Pompadour tomou a liderança da Guerra dos Setes Anos, iniciada em 1757, os insultos foram ainda mais veementes. Cerca de 200 mil franceses foram mortos ou feridos, o Tesouro nacional teve todo o

5 Tal aliança continuaria ganhando mais força quando foi acordado que a filha da Imperatriz Maria Teresa da Áustria, Maria Antonieta, se tornaria Rainha da França casando-se com o filho do Delfim, neto de Luís XV, que seria conhecido como o rei Luís XVI (seu pai morreria antes de assumir o trono). Maria Antonieta e Luís XVI foram os últimos reis franceses antes da Revolução Francesa. – Nota minha.

56

seu dinheiro extorquido, os impostos foram aumentados. (...) Quando a paz foi declarada, em 1763, a França havia perdido a maior parte de suas possessões. O povo francês não culpava o rei Luís, o Bem-amado, pelas perdas devastadoras, mas sim a sua amante diabólica.” (HERMAN, 2005, p.172)

A situação entre a corte a população já era tensa, assim como a do rei junto ao

parlamento. Podia-se vislumbrar a revolução que estava chegando. Quando morreu em

1764, um ano após o fim da Guerra dos Sete Anos, aos 40 anos, Voltaire, um de seus

amigos que havia contado com seu apoio, escreveu: “‘Elle avait de la justesse dans

l’esprit et la justice dans le coeur’, ‘Ela possuía a integridade dae espírito e o coração

justo’, escreveu Voltaire. ‘Sentiremos a sua falta todos os dias... É o fim de um sonho’”

(GRIFFIN, 2003, p.280), de alguma forma já prenunciava que o cenário da corte

francesa não conseguiria continuar por muitos anos, como a revolução de 1789 mostrou

que o descontentamento civil havia atingido o limite.

3.2. Ludwig I da Baviera e Lola Montez

O século XIX teve como início as guerras Napoleônicas, que afetaram todo o panorama

europeu. Além disso, era um século em que a população já havia sido influenciada pelos

preceitos iluministas que haviam surgido no século anterior. Foi um período de

mudanças sócio-culturais quando o momento entre 1789 e 1848 foi palco da “maior

transformação da história humana desde os tempos remotos quando o homem inventou

a agricultura e a metalurgia, a escrita, a cidade e o Estado” (HOBSBAWN, 2004, p.16).

Mas a restauração dos territórios estabelecida no Congresso de Viena (1814-1815) fez

com que alguns monarcas tivessem a (falsa) impressão de que entrariam novamente

num período de tranqüilidade. Mas mesmo os costumes reais se modificaram. No que

diz às amantes, se as do período anterior ao século XIX foram afortunadas ao receber de

57

seus bem-feitores títulos, palácios, pensões, lugares nos Conselhos de Estado, tornando-

se figuras poderosas. Já suas sucessoras do século XIX deveriam se contentar com uma

confortável morada, jóias, créditos em boutiques e esperar ter um lugar entre a alta-

sociedade.

Talvez por uma falta de percepção quanto às mudanças do tempo, o eleitor da Baviera

Ludwig I (1786-1868) foi contra as mudanças ocorridas e fez com que um parlamento

resistente conferisse à sua amante, Lola Montez, que era vista com bastante ressalva na

Baviera, o título de Condessa de Landsfeld. A situação se tornou tão caótica que além

de ser expulsa do território por uma multidão encolerizada, Ludwig I se viu obrigado à

abdicar do trono em favor de seu filho. Se tal situação houvesse ocorrido um século

antes, talvez o resultado fosse bastante diferente, produzindo um efeito positivo para

ambos.

Se antes da Revolução Francês o Estado conseguia de maneira efetiva censurar os

jornais de forma a que desrespeitos ao monarca e seu círculo fossem suprimidos,

fazendo com que apenas sátiras publicadas por oposicionistas em lampiões, que em sua

maioria eram arrancadas e as que se salvassem lidas, para deleite da platéia, em

tavernas, a chegada do século XIX trouxe também uma imprensa mais livre dessa

censura. Os jornais passaram então a ostentar, em suas manchetes, os escândalos de seus

políticos. Ridicularizar os monarcas e suas amantes se tornou praxe na imprensa do

século XIX, “cartuns retratavam monarcas gordos e idosos na cama com suas amantes

ambiciosas” (HERMAN, 2005, p.19). Se antes os monarcas viviam seus

relacionamentos de forma aberta e explícita, as atividades adúlteras, embora conhecidas,

passaram a ter de ser escondidas.

58

A Alemanha, como conhecida hoje, era em meados do século XIX, 38 Estados que se

encontravam juntos sob a égide da Confederação Germânica, liderados pela Prússia e

pela Áustria. Se o sentimento nacionalista para uma unificação germânica era existente,

ele era barrado pela resistência política dos eleitores dos Estados da Confederação, que

procuravam manter à estrutura que os beneficiava. Mas a onda liberal que se abatia sob

a Europa influenciou a burguesia germânica que, junto à população, diminuição de

imposto, liberdade total de imprensa, e um Parlamento Germânico.

Se até 1830 Ludwig I possuía alguma simpatia às políticas liberais, com a “Revolução

de Julho” na França ele se tornou mais autoritário. A população se tornou mais

inconformada com essa situação e teve seu ápice no “Hambacher Fest”, uma reunião de

mais de 30 mil pessoas de todas as classes, que usando as cores vermelho, amarelo e

preto (cor do uniforme de tropas germânicas que haviam lutado contra a dominação de

Napoleão e que se tornaria a cor da bandeira alemã), reunidas no interior da Bavária e

lutando por mais liberdade, direitos civis e a união dos Estados germânicos.

A situação piorou com as eleições parlamentares de 1837, quando os vencedores foram

um partido do movimento Ultramontanistas, apoiado pelo clero da Bavária. Estes

parlamentares entraram em conflito direto com Ludwig I ao tentar reformar a

constituição e mudanças aos direitos dos protestantes bávaros. Os ultramontanistas

ainda se mostravam contra relação entre o monarca e Lola Montez, pressionando para

que ela se naturalizasse e que o relacionamento acabasse, o que enfureceu Ludwig I que

retirou os ultramontanistas do Parlamento, aumentando a crise.

59

Para o enfurecimento da população bávara, Lola Montez se mostrava extremamente

desleal para com o monarca. Sua infidelidade contrastava com a forma passiva com que

o rei lhe devotava. Enquanto viveu em Munique, sob os custos dos cofres públicos, Lola

Montez na casa que havia sido comprada para ele pelo rei. Além de promover festas

dionisíacas para sua trupe de seguidores.

O Monarca que era conhecido por sua avareza não poupava luxos para com sua amante,

o que gerava ainda mais ojeriza da população:

“Em 1847, Lola Montez dominara de tal forma o rei Luís da Baviera que o

monarca avarento – fazia a esposa usar vestidos velhos para ir ao teatro –

encheu-a de jóias. Uma noite, na ópera, a audaciosa Lola apareceu cintilando

com diamantes no valer de 13 mil florins – incluindo uma tiara -, eclipsando

a rainha” (HERMAN, 2005, p.135)

Seus gastos eram tantos que ao ser obrigada a fugir de Munique, Ludwig teve de usar a

força policial para que evitasse a população de saquear sua casa, sendo esta vendida

junto com as jóias para que pagasse todas as dívidas que havia deixado na Bavária.

Lola Montez havia chegado à Bavária em 1846, até então era uma dançarina e se dirigia

à Viena, fez uma parada em Munique para permanecer por duas semanas com seu

espetáculo e então seguir com sua turnê pela Europa. Logo ao chegar o velho rei

Ludwig I teve sua atenção chamada pela exótica dançarina e se o Teatro Real havia

negado a possibilidade de apresentação da dançarina em seu palco, o velho monarca

influenciou o intendente para que acolhesse o espetáculo de Lola Montez. A partir de

60

então ela se tornou a amante real e os bávaros passaram a acompanhar as freqüentes

visitas do monarca à dançarina.

Os súditos não estavam preocupados com o comportamento sexual do velho rei, a

verdadeira preocupação nessa época se dava quanto à influência externa no território e

era como uma agente estrangeira que a dançarina era vista, já que diferentemente das

outras amantes reais, essa não era germânica. Para piorar a situação, não se sabia as

origens de Lola Montez, que havia adotado um nome espanhol quando na verdade havia

nascido na Irlanda, crescido na Índia, se casado com um inglês e que fazia um turnê

com um espetáculo espanhol, sendo que falava essa última língua com sotaque. Assim,

se ela fosse uma agente estrangeira não se tinha idéia de qual Estado era representante.

Mirando suas “antepassadas”, Lola Montez talvez achou que também era merecedora de

um título nobiliário. Assim como Ludwig I Montez talvez não tenha percebido as

mudanças que haviam ocorrido nas últimas décadas e os desejos de um monarca já não

era mais realizado sem controvérsias. A idéia de Direito Divino já havia sido enterrada e

a Revolução Francesa ainda era um fantasma que aterrorizava os monarcas europeus do

século XIX. Apesar disso, Montez continuou a pressionar o rei para que lhe concedesse

um título de nobreza, ela ansiava por ser condecorada com Condessa da Baviera e assim

ser respeitada pelos súditos de Ludwig I, elevando sua posição social perante aqueles

que a destratavam.

Mostrando que os tempos haviam mudado, Ludwig I não conseguiu tal honraria para

sua amante, mas a condecorou-a como Condessa de Landsfeld no dia do aniversário do

rei. Em repúdio ao ato real, todo seu conselho de Estado renunciou ao cargo. Apesar

61

disso, Lola Montez passou a circular por Munique a bordo de uma carruagem com o

escudo de uma coroa de nove pontas, honraria que apenas as condessas podiam

desfrutar. O que causou ainda mais irritação junto aos súditos bávaros. E apesar de sua

aparenta ascensão na sociedade, a famílias bávaras se recusavam a receber Montez ou

ser vista junto à ela.

“A queda de Ludovico (Ludwig) deve ter começado quando ele finalmente cedeu aos constantes pedidos de Lola para fazê-la condessa. A quebra do protocolo ofendeu a sensibilidade da maioria do povo de Munique. Existe, é claro, uma contradição aqui entre a queixa do público contra uma plebéia que recebia o título de condessa e a exigência de um governo mais democrático que viria a seguir. No entanto, num nível emocional, a contradição revela uma lógica mais profunda. Apesar de já terem sido concedidos títulos a plebeus antes, Lola não se comportava de acordo com as regras. Assim, a sua elevação levaria ao desencanto. O feitiço real se quebrara. Se antes o direito de Ludovico de governar com poder absoluto parecia irreversível, um destino ditado por Deus, de repente este destino começava a parecer menos divino. Agora, ao mesmo tempo que aparentava ser arbitrário, ele parecia eminentemente reversível.” (GRIFFIN, 2003, p.248)

Toda esta situação ao redor de sua persona também criou simpatizantes. Um grupo de

estudantes universitários de Munique passaram a agir como seus guarda-costas e fieis

seguidores, formando uma confraria que foi batizada de Alemannia, o nome de uma

tribo germânica. Passaram então a usar boinas vermelhas que os identificavam.

Tal situação criou ainda mais balbúrdia na já conturbada Munique, outros 2 mil

universitários começaram a vaiar todas as vezes em que viam algum membro da

Alemannia. Sempre que os seguidores de Montez se encontravam presente em alguma

conferencia ou palestra, os outros universitários, em sinal de reprovação, se levantavam

e se retiravam do local. Fazendo com que muitas vezes apenas poucos estudantes, os

membros da Alemannia, se encontrassem presentes em auditórios.

62

Isso fez com que esses grupos começassem a causar tumultos em destruição na cidade

sempre que se encontravam. Para acabar com essa situação, Ludwig I resolveu fechar a

Universidade de Munique por um semestre. Esse fechamento piorou a imagem de Lola

Montez e sua confraria, que passou a ser perseguida nas ruas aumentando ainda mais as

já constantes lutas entre os grupos. Certa vez:

“Lola foi para o meio da briga com o seu característico destemor. Mas logo foi reconhecida e perseguida. Ficou coberta de fezes e a jogaram no chão. Conseguiu ir para uma igreja, mas o padre a expulsou imediatamente. Por fim, vários policiais a ajudaram a fugir para o palácio real. Centenas de revoltosos tomaram o quartel-general da polícia, tiraram as pedras do calçamento e quebraram todas as janelas do prédio. No dia seguinte, os protestos continuaram. Para desarmar essa bomba-relógio, o comandante anunciou para uma multidão que Lola Montez deixaria a cidade em uma hora.” (HERMAN, 2005, p.179)

Tal situação ocorreu em 1848, quando todos os Estados germânicos enfrentavam as

revoluções de 1848, que assolavam toda a Europa. Os burgueses procuravam

estabelecer um Estado liberal e a criação de uma Alemanha unificada. Ludwig I que

antes era um monarca popular entre os seus, se tornou, graças aos acontecimentos dos

últimos anos, alvo de ira da população.

Após fugir escondida numa carruagem à noite de Munique, Lola Montez ainda voltou

disfarçada de homem à cidade para se encontrar com Ludwig I e assegurar seus ganhos

futuros. A notícia de que se encontrava na cidade enfureceu ainda mais a população que

ameaçou destruir os prédios onde ela supostamente estaria.

Para acalmar a população e preservar o governo monárquico e a própria existência da

Bavária como Estado, Ludwig I se viu obrigado a abdicar do trono em favor de seu

primogênito, Maximiliano II, oferecendo concessões aos liberais que assumiram o

parlamento.

63

Ao tentar ir para a Suíça, onde se encontraria com Montez, a população, furiosa com o

fato de que talvez Ludwig carregasse na bagagem dinheiro público para entregar à sua

amante, proibiu a saída do antigo monarca que se viu exilado em seu próprio Estado.

3.3. Bill Clinton e Monica Lewinsky

Se no século XIX os governantes se viram acuados por uma população que,

influenciada pela Revolução Francesa e as revoluções burguesas, não mais aceitasse os

desmandos de um monarca e que rechaçasse o conceito de “Direito Divino”, o século

XX viu-se com o mundo Ocidental tomado por democracias, onde o sufrágio é

universal, com a população podendo escolher quem serão seus governantes. Assim, os

eleitores muitas vezes procuram em seus candidatos pessoas ideais. Assim, os

candidatos ficam preocupados em se mostrarem junto à suas famílias, mostrarem suas

atividades não-políticas, suas preocupações sociais. Tentam desta forma mostrar para o

eleitorado uma imagem que os agrade, alguém que, mais do que um simples

governante, seja também um exemplo de conduta, aja de acordo com os preceitos

sociais da sociedade que o elege.

Assim que são eleitos, os presidentes procuram manter uma imagem de boa conduta e

estão sempre sob os olhares atentos dos eleitores, que dificilmente aceitam o que crêem

ser desvios de conduta.

Um exemplo marcante que demonstra como tais aspectos morais de âmbito privado

podem afetar o cenário internacional é o da eleição entre o democrata Al Gore e o

republicano George W. Bush em 2000.

64

Os democratas se encontravam bastante desgastados, graças ao processo de

impeachment que o presidente Bill Clinton havia passado. A então estagiária da Casa

Branca, Monica Lewinsky, o havia acusado de assédio sexual, quando ainda trabalhava

na Casa Branca. Numa série de negações e retratações acabou-se por iniciar o processo

de impeachment do presidente, sendo acusado de perjúrio e obstrução da justiça.

Em sua autobiografia, Bill Clinton descreve o momento do escândalo como o mais

tenebroso de sua vida. Mas Lewinsky não concordou muito com o (pouco) que foi dito

sobre o assunto, em entrevista ao jornal inglês “The Daily Mail”, divulgado pelo jornal

“USA Today” ela critica o ex-presidente dizendo que:

"ele podia ter acertado com o livro. Mas não acertou. Ele é um revisionista da história. Ele mentiu. (…) Eu não esperava que ele realmente entrassem em detalhes sobre nosso relacionamento. Mas se ele fizesse e fizesse de forma honesta, eu não teria me importado. Eu pensei, pelo menos esperava que ele corrigisse as falsas declarações que deu quando estava tentando proteger a presidência. Em vez disso, ele falou sobre isso parecendo como se eu lá estivesse esperando para ser pega. Eu era o buffet e ele simplesmente não pôde resistir à sobremesa. (...) Isto não foi como ocorreu. Foi um relacionamento mútuo, mútuo em todos os níveis, desde que quando começou e durante toda sua duração... Eu não aceito que ele tenha execrado completamente meu caráter6.”

Bill Clinton conseguiu ser inocentado no processo de impeachment. Foi absolvido na

votação do processo no Senado, sendo considerado culpado por 50 senadores (todos

Republicanos) e inocente por outros 50 (45 Democratas e 5 Republicanos). Mas o

desgaste para o Partido Democrata continuou, e nas eleições de 2000, por mais

controversas que tenham sido, elegeu-se o republicano George W. Bush. Alguém com

quem a população norte-americana poderia identificar-se com os “valores morais”.

6 Tradução própria.

65

Mais do que simplesmente desgastar a imagem do Partido Democrata, o caso Mônica

Lewinsky teve repercussões na política externa americana. Os atentados terroristas de

11 de Setembro de 2001 teriam sido assim, beneficiados com a turbulenta situação

interna dos Estados Unidos. O Governo não teria sabido lidar com a rede terrorista Al

Qaeda, ao ficar mais preocupado com as repercussões internas do caso e seus

desdobramentos. Ao se focar nas eleições presidenciais que vinham e preservar o

partido democrata na presidência, o governo Clinton teria direcionado suas ações para

conter os estragos feitos pelo escândalo em que o presidente estava envolvido junto aos

eleitores americanos.

No ano de 2006, marcando cinco anos dos ataques, a rede de TV dos EUA, ABC,

produziu um telefilme sobre os atentados, “The Path to 9/11”, em que tal tema era

tocado. A administração Clinton, mostrada de forma preocupada apenas com o

ambiente interno e a repercussão do caso. A Fundação Clinton logo soube e enviou um

comunicado sobre a série em que entre outras coisas dizia entender que a ABC

promovia a “The Path o 9/11” como um produto dramatizado dos eventos, mas que tal

dramatização era baseada em interpretações históricas equivocadas que poderiam acabar

por serem mal interpretadas pela população. Além da Fundação, a ex-secretária de

Estado Madeleine Albright e o ex-conselheiro de segurança Sandy Berger também

enviaram reclamações.

Como narra o Jornal Folha de São Paulo do dia 8 de Setembro de 2006:

“Dividida em duas partes, a minissérie está prevista para ser exibida neste domingo e na segunda-feira e se baseia em entrevistas e documentos, incluindo o relatório da Comissão do 11 de Setembro. A rede ABC a define como ‘dramatização’, e não documentário. ’Para efeito dramático e narrativo, o filme contém cenas ficcionalizadas,

66

personagens que representam mais de uma pessoa, diálogos resumidos e tempo de ação reduzido’, disse a emissora, em nota. ‘Esperamos que o público assista a todo o filme antes de formar uma opinião sobre ele.’ Os membros do gabinete de Clinton citaram cenas envolvendo seus nomes que, segundo eles, nunca ocorreram. Albright, pro exemplo, reclamou de um diálogo sobre o qual lhe contaram em que ela aparece insistindo em avisar o governo do Paquistão antes de um ataque americano ao Afeganistão. ‘A cena, como me contaram, é falsa e difamatória’, escreveu Berger, por sua vez, criticou uma cena em que ele se recusa a autorizar um ataque contra Osama bin Laden, apesar do pedido da CIA: ‘A invenção dessa cena não pode ser justificada por nenhuma definição razoável de licença poética’. Já Lindsey classifica de ‘absurdas’ as insinuações de que Clinton estivesse preocupado demais com o escândalo provocado por sua relação com a estagiária da Casa Branca. Para ele, as imprecisões refletem a suposta inclinação política conservadora do diretor e produtor, Cyrus Nowrasteh. A controvérsia ocorre no momento em que democratas e republicanos tentam se projetar como os mais bem preparados para lidar com a segurança interna, às vésperas das eleições legislativas de 7 de novembro7 . Os democratas criticam os republicanos por não implantarem as recomendações da Comissão do 11 de Setembro, enquanto os republicanos acusam os democratas de serem pouco duros contra o terror.”

A repercussão foi tanta que a rede ABC tratou de fazer ajustes na série que foi

transmitida. Mas afirmou que os ajustes foram feitos para mostrar que o governo federal

se encontrava indeciso na época, mais preocupados com outras questões, o que fez com

que o Estado se tornasse vulnerável para os ataques que ocorreram.

Para Domício Proença Jr. (2006), o governo Clinton foi pautado por uma postura de

Pax8, dessa forma, além de ter havido a nuclearização do Paquistão e da Índia9, os

Estados Unidos por terem dado certa “liberdade”, favoreceram a ascensão dos grupos

terroristas. É o atentado terrorista de 11/09 que modifica a postura adotada pelo

Governo Americano que deixa de se pautar pela Pax e passa a se pautar pelo Imperium.

7 Os Democratas sagraram-se vitoriosos nas eleições, conseguindo a maioria tanto na Câmara quanto no Senado. Mas mais do que votos a favor das propostas democratas, o que se viu foram votos de protesto contra os Republicanos. 8 O texto coloca a diferença entre Pax e Imperium, puxando dos conceitos do período Romano. Sendo dois cenários de como uma potência unipolar pode se colocar. Sendo que a Pax aceita que outros Estados tenham uma certa independência em determinados assuntos que não coloquem a posição da potência em risco. Já o Imperium procura aumentar cada vez mais o poder da potência unipolar colocando todas as decisões sobe seu jugo. 9 Exemplos de pontos negativos dados por Proença Jr. para a Pax adotada nos anos Clinton.

67

Em 1979, em seu clássico ensaio “Sexo é Política”, Gore Vidal já atentava para

considerações morais que o eleitorado americano buscava na hora de apoiarem ou não

um político. “os proprietários da nação agora voltaram a apelar para os testados e

comprovados botões quentes: salvem do inimigo sem Deus nossas crianças, nossos

fetos, nossos banheiros femininos. Como de hábito, os botões do sexo mostraram-se

satisfatoriamente quentes.” (VIDAL, 1987, p.233)

Acusar o adversário de ser a favor de “qualquer dessas forças pecaminosas que

ameaçam a família é prejudica-lo efetivamente” (Ibidem, p.236), isso faz com que a

preocupação com a imagem e escândalos se torne constante.

O cenário se encontra pouco modificado. Os EUA após terem sido tão importantes para

os movimentos de contracultura se encontram hoje com uma contracorrente aos

mesmos. Forças religiosas se encontram cada vez mais forte e foram decisivas para a re-

eleição de George W. Bush. Propostas contra união civil de homossexuais e até mesmo

a lei de aborto encontram uma grande pressão contrária10, principalmente na chamada

“América profunda”. Muitos candidatos usam desse cenário para se lançarem, apoiando

essas plataformas.

10 Otimistas acreditam que as últimas eleições congressistas americana sinalizam para uma mudança de cenário.

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4. Conclusão

O interesse na relação entre as esferas pública e privada no exercício de poder, como

visto, não é algo novo. Ao longo dos séculos teóricos políticos se preocuparam em

entender quais aspectos da vida seriam privados e quais seriam públicos. Dos gregos às

feministas tal conceito se modificou junto com a sociedade, as formas de governo, e até

mesmo os próprios governantes.

“O homem não existe sozinho” (DUROSELLE, 2000, p.24), desde os pequenos grupos

onde todos os membros conheciam uns aos outros, até aos grandes Estados

contemporâneos, sempre houve aqueles que se colocaram como os governantes. Estes

se destacam na sociedade e cabem a eles, a partir de então, quando a sociedade aceita,

que tomem as decisões do Estado.

Foi a preocupação com esses governantes, a preocupação com que as decisões fossem

as melhores para a sociedade que houve a divisão do que era considerado público, sendo

os assuntos relacionados à essa esfera os de importância relevante; e os que eram

considerados relativos à esfera privada não eram de interesse público já que não

influenciariam, pelo contrário, poderiam até mesmo atrapalhar.

Tal concepção foi reformulada ao longo dos séculos, mas bem aceita em seu cerne,

sendo apenas realmente contestada com as feministas, que enxergavam em tal divisão

dicotômica uma forma de submissão feminina a um sistema patriarcal. Esta seria a razão

da falta de mulheres em papéis políticos de destaque, sendo isto considerado um

equívoco pelas feministas. O que esta teoria traz é uma politização do doméstico,

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colocando que o que é justo e injusto deve sim ser colocado na esfera privada e que ali

também há ações políticas que influenciam cursos históricos. O mundo político não

seria o oposto do mundo doméstico.

Os exemplos vêm corroborar essa visão: Madame de Pompadour, no século XVII,

consegue romper barreiras sociais em uma sociedade estratificada e, por quinze anos,

influenciar a política externa francesa ao iniciar um relacionamento com o rei Luís XV.

A França que era aliada política da Prússia entra em uma guerra contra essa após uma

mudança de alianças externas, Madame de Pompadour circunda o rei com conselheiros

que ela o influencia a escolher e que eram de seu círculo de amizade, inclinada à

posições austríacas faz com que Luís XV se embrenhe num conflito que haveria de

perder.

Lola Montez, mais infeliz, se torna amante de um velho monarca e o pressiona para que

conseguisse subir na escala social bávara. Seu relacionamento é alvo de repúdio num

Estado já abalado com as mudanças sociais que ocorriam na Europa do século XIX. Se

antes o rei era amado e respeitado, seu relacionamento com uma estrangeira faz com

que os súditos se revoltem contra o velho monarca e, com a revolução de 1848, ele se vê

obrigado a renunciar à coroa para que possa manter o sistema de governo na Bavária, já

que sua simples presença no cargo gerava instabilidade.

Ao ter seu relacionamento com a estagiária Monica Lewinsky, o então presidente

americano Bill Clinton se viu alvo de revolta de seus compatriotas que ali enxergavam

um ato inaceitável para um governante. Envolvido num processo de impeachmen, Bill

Clinton se viu obrigado a pedir desculpas à nação por seus atos e passar a limpar a

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imagem que ficou desgastada com o escândalo. Nas eleições de 2000, mesmo Clinton

sendo considerado inocente, o Partido Democrata saiu derrotado, os Republicanos, seus

rivais, se colocaram como os defensores dos valores morais da sociedade americana, o

que agradou o eleitorado.

O comportamento de um governo, como se vê, além de outros fatores, também é

resultado das ações de jogadores individuais, que, por suas crenças, estímulos, e

possibilidades, acabam por influenciar todo o jogo político.

Outro fator que se mostrou importante foi a questão relativa à moral do governante.

Assim, se para os gregos clássicos esperava-se dos governantes serem heróis, Arendt

(1991) crê que ainda se espera governantes com características homéricas, que

representem um ideal para os governados. Como Watson (2004) deixou claro, a

influência de séculos de dominação da Igreja Católica na Europa Medieval deixou

reflexos que são sentidos até hoje. Se no período medieval esperava-se do governante

que fosse um bom cristão, mesmo com o fim do poderio católico medieval, ainda

espera-se do governante que aja de acordo com os preceitos de sua sociedade e que

comungue com valores, em sua maioria, considerados cristãos.

As esferas pública e privada se mostram inter-relacionadas e dependentes uma da outra.

Diferentemente do que criam os gregos clássicos, a divisão não é saudável e

dificilmente mostra-se possível exercer um papel na esfera pública de maneira eficiente

sem que a esfera privada também esteja da mesma maneira. O ser-político não se

encontra apenas nos grandes atos ou nas decisões aparentes na esfera pública. As

pequenas ações domésticas se mostram necessárias para um bom exercício do poder.

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