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HINDIANARA FERREIRA PAIÃO AS CRÔNICAS DE NÁRNIA: ANÁLISE CRÍTICA DA ADAPTAÇÃO PARA O CINEMA DE “PRÍNCIPE CASPIAN‟' Assis 2010

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HINDIANARA FERREIRA PAIÃO

AS CRÔNICAS DE NÁRNIA: ANÁLISE CRÍTICA DA ADAPTAÇÃO PARA

O CINEMA DE “PRÍNCIPE CASPIAN‟'

Assis 2010

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HINDIANARA FERREIRA PAIÃO

AS CRÔNICAS DE NÁRNIA: ANÁLISE CRÍTICA DA ADAPTAÇÃO PARA

O CINEMA DE “PRÍNCIPE CASPIAN‟'

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis (IMESA), para aprovação no curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. Orientadora: Profª Drª Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira Orientanda: Hindianara Ferreira Paião

Assis/SP

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA

PAIAO, Hindianara.

As Crônicas de Nárnia: Análise Crítica da adaptação para o cinema de “”Príncipe

Caspian” / Hindianara Ferreira Paião. Fundação Educacional do Município de Assis –

Fema: Assis, 2010.

66p. Orientadora: Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) – Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo - Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis. 1. Adaptação. 2. Cinema. 3. Infanto-juvenil CDD: 070 Biblioteca da FEMA

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Comissão Avaliadora

Eliane Ap. Galvão Ribeiro Ferreira (Orientadora):

___________________________

Alcioni Galdino Vieira (Banca):

__________________________________________

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Dedicatória

Aos meus pais pelo apoio absoluto em todos os momentos de

minha vida.

À minha irmã

Ao imenso mundo que Deus criou

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço a Deus por nunca ter me abandonado em todos

obstáculos que ultrapassei. Mesmo quando não somos fiéis, Ele permanece fiel. É a Ele

que dirijo minha maior gratidão. Deus, mais do que me criar, deu propósito à minha

vida.

Agradeço aos meus pais, Joel Dias Paião e Shirley do Carmo Ferreira Paião, por

toda a paciência nos meus erros e felicidade nos acertos. Por todo o esforço, amor e

confiança que sempre depositaram em mim. Muito obrigada por cada sorriso

encorajador. Pai, muito obrigada pelo carinho, sem a sua ajuda, eu jamais teria

chegado aqui. Mãe, por sua causa eu sei que anjos da guarda realmente existem. Serei

eternamente grata por todo amor e por todas as orações em meu favor. Muito obrigada

nunca será suficiente para demonstrar a grandeza do que recebi de vocês. Peço a

Deus que os recompense à altura.

A minha irmã Mayara por ter sido meu apoio. Pela torcida, por vibrar com as

minhas conquistas, pela saudade que sentiu de mim enquanto estive longe. Nós duas

sabemos o quanto foi difícil, você mais que todos os outros, por conhecer todos os

meus avessos.

A todos os professores e mestres desta instituição, que com carinho e atenção

me passaram sabedoria.

À Professora Eliane Galvão por toda dedicação e esforço ao me orientar.

Gabriela Perecin, Nayara Arantes e Anderson Ferreira, vocês foram

maravilhosos nesses quatro longos anos. Obrigada pela paciência e pela amizade, pela

presença constante e a torcida amiga para a realização deste trabalho. Como diria o

Fernando Anitelli: „Só enquanto eu respirar vou me lembrar de vocês‟. Costumo dizer

que quem tem amigos, nunca está só. Felizmente, estou longe de ser uma pessoa

sozinha. Não caberia nesse espaço, caso fosse citar um a um os nomes de todos os

que me ajudaram nesse percurso. Portanto meus amigos, sintam-se agradecidos.

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Para a criança, não se trata de fantasia: o medo de ser

abandonado, o lobo mau, a escuridão do armário, tudo é

real. O rótulo que colocamos é falso.

Liv Ullman

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Resumo

O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como intuito refletir sobre a

adaptação de uma obra de literatura infantil para o cinema. Trata-se de buscar detectar

se uma obra escrita sedutora em sua adaptação cinematográfica agrada também aos

leitores. Assim, utilizaremos como objeto de estudo uma das crônicas do irlandês Clive

Staples Lewis, autor do livro As crônicas de Nárnia, mais precisamente, a crônica

“Príncipe Caspian”.

Palavras-chave: literatura, adaptação, cinema, infanto-juvenil.

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Abstract

The present completion of coursework, aims to reflect about the adaptation of

work of children‟s literature for the cinema. It seeks detect if a work written seductive in

your adaptation cinematography satisfies also the readers. Thus, we will utilize as

study‟s object one the chronicles of Irish Clive Staples Lewis, Author of book “The

Chronicles of Narnia" more directly the chronicle: "Prince Caspian".

Keywords: Literature, Adaptation, Cinema, Children/Youth

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12

CAPÍTULO 1 – OBRA, LEITOR, LITERATURA, LEITURA: DIÁLOGOS

POSSÍVEIS

1 A LEITURA .................................................................................................... 15

1.1 A LITERATURA ........................................................................................... 15

1.2 O QUE É LITERATURA INFANTIL ............................................................. 17

1.3 VIDA E OBRA DE C.S.LEWIS..................................................................... 19

1.4 OUTROS TRABALHOS DE C.S.LEWIS ..................................................... 21

CAPÍTULO 2 – O OBJETO DE ESTUDO EM QUESTÃO: AS CRÔNICAS

DE NÁRNIA

2.1 A OBRA AS CRÔNICAS DE NÁRNIA.........................................................25

2.2 O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPA ........................................ 25

2.2.1 PRÍNCIPE CASPIAN ................................................................................ 27

2.2.2 A VIAGEM DO PEREGRINO DA ALVORADA ......................................... 28

2.2.3 A CADEIRA DE PRATA ........................................................................... 29

2.2.4 O CAVALO E SEU MENINO .................................................................... 29

2.2.5 O SOBRINHO E O MAGO ........................................................................ 30

2.2.6 A ÚLTIMA BATALHA ................................................................................ 31

2.3 ELEMENTOS ATRAENTES DA OBRA ....................................................... 32

2.4 ANÁLISE DOS ELEMENTOS DA NARRATIVA DE O

PRÍNCIPECASPIAN..........................................................................................34

2.4 ANÁLISE DE O PRÍNCIPE CASPIAN ......................................................... 36

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CAPÍTULO 3 – A ADAPTAÇÃO: DIFERENTES LINGUAGENS,

DIFERENTES LEITURAS

3 A ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA .......................................................... 41

3.1 INDÚSTRIA CULTURAL ............................................................................ 43

3.2 O CONTO PRINCIPE CASPIAN ................................................................. 44

3.3 FICHA TÉCNICA E ELENCO ...................................................................... 45

3.4 SINOPSE ..................................................................................................... 46

3.5 ANÁLISE DE FOTOGRAMAS ..................................................................... 46

3.6 DIVISÃO EM ATOS ..................................................................................... 60

3.7 PREMISSA E ABERTURA .......................................................................... 61

3.8 PROTAGONISTAS, OBJETIVO E OBSTÁCULOS ..................................... 61

3.9 TENSÃO PRINCIPAL, CULMINÂNCIA E RESOLUÇÃO ............................ 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 63

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Introdução

Neste trabalho, objetivamos refletir sobre a adaptação para o cinema do conto

„Princípe Caspian‟, uma das narrativas do escritor Clive Staple Lewis, para verificar se a

adaptação para o cinema representou divulgação da obra As crônicas de Nárnia, ou se

contribuiu para a banalização da história em questão. Objetiva-se verificar se a

transposição para o cinema ocasionou em resgate da obra ou se gerou apenas mais

um subproduto.

Visamos, portanto, refletir se a adaptação da obra para o cinema, com o filme

lançado em 2008, no Brasil, dirigido por Andrew Adamson, acarretou em perda de

elementos da história que atraíam os leitores, sendo apresentada em um nível mediano

de aceitação ou se resultou em um trabalho artístico.

Neste trabalho, trabalhamos com a hipótese de que um livro, mesmo possuindo

estratégias de Marketing e planejamento de mídia, necessita de uma contínua escolha

de relações interpretativas que apresentem elementos na história que atraiam os

leitores, tais como a riqueza de detalhes e a comunicabilidade, para que aconteça uma

participação do leitor, assim como um filme.

Ainda, que a tradução de uma obra literária à tela necessite tocar os pontos de

origem da obra, para realizar a sua narrativa dentro da compressão temporal que o

cinema dita. Os filmes, às vezes, conseguem ser originais e cativantes mesmo sendo

provenientes de adaptações de livros, e acabam por despertar o interesse do leitor e

estimulam a venda do livro.

Faz-se necessário destacar que existem adaptações de boa qualidade e que a

obra ficcional naturalmente torna-se diferente da sua versão fílmica, pois são distintas.

A abordagem analítica de uma adaptação cinematográfica deve, portanto, partir do

pressuposto de que o livro e o filme nele baseado são “dois extremos de um processo

que comporta alterações de sentido em função do fator tempo, a par de tudo o mais

que, em princípio, distingue as imagens, as trilhas sonoras e as encenações da palavra

escrita e do silêncio da leitura” (XAVIER, 2003, p.61).

Entretanto, não se deve ignorar a dialogia que estabelecem entre si. Os

recursos audiovisuais cada vez mais avançados criam toda uma esfera de maravilha e

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encantamento para os olhos do espectador. É fácil se envolver com uma obra que

utiliza todos os efeitos especiais plausíveis para criar ambientes possíveis somente no

domínio da imaginação. É por isso que alguns livros, antes pouco procurados, tornam-

se fenômeno de vendas após um bom trabalho cinematográfico.

O livro não é o item favorito pelos consumidores, por isso, quando o cinema

consegue resgatar uma história, às vezes esquecida, acaba desempenhando um

respeitável papel social. Se o livro supõe um acesso a ele para que nos tornemos

leitores, o cinema promove uma prática para que nos tornemos espectadores.

Há uma persistência na „‟lealdade‟‟ da adaptação cinematográfica quanto à obra

literária originária. Algumas ponderações superficiais que comumente valorizam a obra

literária sobre a adaptação são feitas, na maioria das vezes, sem uma reflexão mais

profunda. Portanto, busca-se a partir da análise da obra de C. S. Lewis, observar se a

sua transposição para o cinema trouxe algum tipo de perda do seu caráter literário.

Assim, o tema em questão procura indagar se o tratamento dedicado à obra foi

legitimamente literário ou se a adaptação não passou de um objeto de consumo da

massificação, alavancado por uma extraordinária estratégia de comunicação e pelo

sucesso de produtos designados ao público infanto-juvenil, tais como os da série do

bruxinho Harry Potter.

Para a consecução dos objetivos, este trabalho divide-se em três capítulos. O

primeiro trata do surgimento da literatura infantil e de sua consolidação, além da relação

entre leitor e obra. No segundo, estuda-se o objeto em questão, mais propriamente a

crônica Príncipe Caspian. Finalmente, no terceiro analisa-se a adaptação

cinematográfica.

Todos os capítulos se integram e constituem um todo que culmina na conclusão.

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Obra, leitor, literatura e leitura: diálogos possíveis

FONTE: GOOGLE IMAGENS (1), 2010.

Capítulo I

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1. A leitura

O exercício de ler é muito importante para o aprendizado, pois é assim que o

leitor consegue adquirir um maior desenvolvimento do intelecto e um aumento do seu

universo cultural.

Segundo Araújo (2000, p.09), a leitura precisa ser empregada “como um

instrumento de transformação dos indivíduos na perseguição de uma causa comum a

todos: a felicidade inculpada das pessoas, o pleno prazer de todos que fazem parte da

nossa sociedade”.

É um dos instrumentos mais eficazes para que a pessoa possa praticar a

cidadania, já que ela adquire um entendimento mais vasto do mundo. O hábito da

leitura também aumenta o vocabulário e desperta no leitor, o anseio por uma reflexão

crítica com o texto e as ideias do autor. A partir do momento em que o texto propicia um

crescimento cultural, ele permite o desenvolvimento da fantasia e da imaginação.

No dicionário Aurélio encontra-se a seguinte definição sobre leitura: “S.F. 1. ato

ou efeito de ler. 2. Arte ou hábito de ler. 3. aquilo que se lê. 4. O que se lê, considerado

em conjunto. 5. Arte de decifrar e fixar um texto de um autor, segundo determinado

critério.” (Aurélio,1988, p.390).

Por meio de registros escritos é possível estudar diversas culturas e

compreender a realidade de cada uma delas. Desse modo, é através da leitura que

podemos ter conhecimento de dados culturais, dos códigos narrativos de determinada

época.

As crianças que, desde cedo, sustentam uma aproximação maior com os livros,

tendem a tratá-los como uma fonte do saber. É através das páginas literárias que

passamos a arquitetar sonhos e ideias em nossa mente.

2. A Literatura

Conforme o dicionário Michaelis, a literatura é a arte de compor textos escritos,

em prosa ou em verso, de acordo com princípios teóricos ou práticos. Trata-se do

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exercício dessa arte ou da eloquência e poesia. Pode-se também conceber este termo

como conjunto das obras literárias de um agregado social ou em dada linguagem, ou

referidas a determinado assunto, como por exemplo, literatura infantil, literatura

científica, literatura de propaganda ou publicitária.

Afrânio Coutinho determina a literatura da seguinte maneira:

A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade recriada através do espírito do artista e retransmitida através da língua para as formas, que são os gêneros, e com os quais ela toma corpo e nova realidade. Passa, então, a viver outra vida, autônoma, independente do autor e da experiência de realidade de onde proveio. Os fatos que lhe deram às vezes origem perderam a realidade primitiva e adquiriu outra, graças à imaginação do artista. São agora fatos de outra natureza, diferente dos fatos naturais objetivados pela ciência ou pela história ou pelo social.

O artista literário cria ou recria um mundo de verdade que não são mensuráveis pelos mesmos padrões das verdades fatuais. Os fatos que manipula não têm como os da realidade concreta. São as verdades humanas gerais, que traduzem gerais, que traduzem antes um sentimento de experiência, uma compreensão e um julgamento das coisas humanas, um sentido da vida, e que fornecem um retrato vivo e insinuante da vida, o qual sugere antes que esgota o quadro.

A Literatura é, assim, a vida, não se admitindo possa haver conflito entre uma e outra. Através das obras literárias, tomamos contato com vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana. (apud CONSOLARO, 2004, p.1).

A obra do escritor realiza-se por meio da concretização em texto verbal daquilo

que está em sua imaginação, embora também seja fundamentada em elementos

fidedignos. Da consolidação desse trabalho, aparece então a obra literária, em que o

autor detém a realidade graças aos seus sentimentos e explora ao mesmo tempo as

possibilidades linguísticas. A literatura é uma manifestação artística, e distingue-se pela

maneira como se expressa, por meio da linguagem.

Segundo o dicionário Aurélio (1993), “[...] literatura é a arte de compor ou

escrever trabalhos artísticos em prosa ou verso”, “o conjunto de trabalhos literários dum

país ou duma época”. Por isso, o conceito de literatura não é de fácil compreensão.

É notório que o vasto campo das palavras pode extrapolar seus limites de

significação, abrindo novos espaços para a percepção da realidade.

Sendo assim, o artista procura aproximar as palavras do nosso imaginário,

organizando-as para que deem um efeito que vá além da nossa acepção.

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2.1 O que é Literatura Infantil

Segundo o teórico da literatura, Hans Robert Jauss, “O leitor é uma força histórica

e criadora e que uma obra pode ser apreciada a partir do papel ativo que ela possibilita

ao seu destinatário”. (apud CADEMARTORI, 1986, p. 50). Com base nessa menção,

entende-se que a Literatura Infantil possui uma ligação entre obra e o público que é

destinado, de tal modo que o leitor (infantil), ao atuar como receptor necessita ter suas

condições consideradas. A partir do momento que temos contato com textos que

possuem encantamento, passamos a entender a responsabilidade desse tipo de

literatura e a sua importância. Esse mundo de fantasia pode proporcionar experiências

e sensações até então desconhecidas, acrescentando situações a nossa existência.

Atualmente, a Literatura Infantil, conhecida como “clássica”, tem suas raízes na

Índia, mais precisamente na Novelística Popular Medieval. Nesse momento, a palavra

significava para o homem algo misterioso que tinha a capacidade de proteger, mas que

também poderia ser algum tipo de ameaça.

Foi durante a segunda metade do século XVII, na França, que a Literatura Infantil

constituiu-se como gênero. O aparecimento da Literatura Infantil apresentou

características próprias, pois deriva da ascensão da família burguesa.

No Brasil, o preocupante quadro do ensino básico estava incorporado à “[...]

ação pedagógica junto à criança que voltou a privilegiar o livro como elemento

imprescindível ao crescimento intelectual e à afirmação cultural” (CADEMARTORI,

1986, p.14). Pode-se dizer que os adultos não alfabetizados são crianças que não

tiveram freqüentes contatos com o extraordinário mundo dos livros.

Teresa Colomer (2003, p.14) aponta que os livros voltados para esse público são

importantes para melhor entender como o mundo e determinados valores são vistos

pela sociedade, pois é através dessa literatura que se acredita que as crianças

obtenham tais valores.

Outra produção designada à criança começa a receber atenção: as Histórias em

Quadrinhos (HQ‟s), ainda que não possuíssem um caráter pedagógico ou cultural. A

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Literatura Infantil foi reconhecida, entretanto, não por causas literárias, mas por outras

que “envolvem questão da educação, além de mercado” (2006, p.15), nas palavras de

Cademartori.

A importância da Literatura Infantil, igualmente a formação de seus leitores é

inquestionável, todavia, mesmo que o livro seja para criança ele funciona como uma

mercadoria. Nem tudo que é designado como Literatura Infantil, é de fato Literatura

Infantil.

O livro, porém, é um objeto de mercado. Seus produtores são agentes que se inserem na dinâmica do mercado capitalista e tendem a produção do mais lucrativo. À medida que cresce o movimento educacional em torno do livro para a criança, este, que é produzido para o mercado, e dele recebe cerceamentos ou incentivos, responde em proporção à demanda... As preocupações pedagógicas coincidem com o descobrimento, pelo mercado, da criança como móvel de consumo. A faca e o queijo (CADEMARTORI, 2006, p.17-18).

Charles Perrault é popular por ser o pioneiro da literatura infantil, conhecido por

suas memoráveis histórias da Cinderela e Chapeuzinho Vermelho. Assim como os

irmãos Grimm (João e Maria, Rapunzel) e C. Andersen (Patinho Feio) que conseguiram

destaque pela produção de textos voltados ao público mirim.

No Brasil, Monteiro Lobato foi quem revolucionou esse tipo de literatura para

crianças em nosso país. Sua obra abre caminho para o universo “lobatiano‟‟:

A leitura torna-se, no contexto da obra de Monteiro Lobato, radicalmente transitiva: ela permite as idas e vindas entre o âmbito do real e da fantasia, situando-se no lugar exato em que as criaturas passam de um setor a outro (...). Como, no elo final deste encadeamento, avulta o leitor real, esta criança também começa a penetrar no mundo imaginário e a compartilhar das aventuras. (ZILBERMAN, 1990, p.109).

Pode-se dizer, com isso, que Monteiro Lobato foi quem pensou na literatura

infantil como algo que necessita ser estimulado na infância, de forma que a criança

apresente o prazer e o hábito pela leitura.

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Dessa forma, acontece um envolvimento do leitor com a ficção, que ocorre de

fora para dentro. Nessa tendência, o livro mesmo sendo uma mercadoria, todavia de

boa qualidade para diversas faixas etárias, possui uma função formadora.

3. Vida e obra de C. S. Lewis

Clive Staples Lewis, conhecido como C. S. Lewis, nasceu na região de Belfast,

no norte da Irlanda, no dia 29 de novembro de 1898, sendo o segundo filho do casal,

Albert e Florence (Flora). Durante a infância aparentava ser uma criança com um

desenvolvimento avançado, e já conseguia analisar a diferença existente na

personalidade de seus pais. Seu pai não era muito previsível emocionalmente e era

compulsivo, ao contrário de sua mãe que era tranqüila e afável “[...] ela era a Atlântida

segura do pequeno menino (como Lewis destacou mais tarde), uma formidável ilha

continental de tranqüilidade que breve desapareceria para sempre sob as ondas do

mar” (DURIEZ, 2005, p.21).

Lewis cresceu com seu irmão mais velho, Warren, no meio dos livros da seleta

biblioteca de sua família, o que contribuiu para a sua fértil imaginação e criatividade.

Quando eram adolescentes, Lewis e seu irmão passavam praticamente o dia todo

dentro de casa dedicando-se à leitura de livros clássicos. Graças à distinta biblioteca de

sua família, tornou-se fiel àquelas histórias tentadoras de outro mundo.

Graças a sua ama, Lizzie Endicott, Lewis descobriu livros sobre animais falantes;

contos como The Tale of Benjamin Bunny e The Tale of Squirrel Nutkin. Nesse período

feliz de sua vida, começou a escrever histórias juvenis, entre elas: Building of the

Promenade (conto), Man Against Man (romance), Town (ensaio), Relief of Murry

(história), Bunny (dissertação), Home Rule (ensaio) e My life (diário).

Aos 10 anos, sua mãe ficou gravemente doente com câncer e faleceu. Com a

perda prematura de Flora, Lewis acabou isolando-se da vida comum dos garotos da

sua idade, procurando abrigo nas histórias e fantasias infantis. Com isso, abandonou a

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fé cristã da infância buscando conforto na sua imaginação. Era como se suas

descobertas literárias e experiências pudessem substituir a religião.

Lewis iniciou seus estudos em escolas privadas em 1914 até 1917, quando seus

estudos foram interrompidos pelo serviço militar obrigatório na Primeira Guerra Mundial.

Nesse momento, ele já havia se afastado do cristianismo no qual fora educado na

infância. Em 1919, retomou seus estudos e no ano seguinte habilitou-se com

importância em literatura grega e latina, e depois de dois anos, em filosofia e história

antiga, e em 1923 com mérito na língua inglesa. (DURIEZ, 2005, p. 29-31).

Foi em seu primeiro ano no Magdalen que conheceu J. R. R Tolkien, professor

que se tornou um grande amigo. Essa amizade foi muito importante para ambos os

escritores, graças ao incentivo de Lewis, o Senhor dos Anéis apareceu sob a forma

impressa. Tolkien, igualmente, ajudou por meio de suas opiniões sobre mitos e a

imaginação quanto à realidade, a persuadir Lewis sobre a verdade do Cristianismo.

Em 1933, formou-se a assembléia literária entre amigos: Inklings. Eles liam as

obras que estavam escrevendo e discutiam sobre as poesias, peças teatrais, romances

etc. Durante o período da guerra, em 30 de agosto de 1939, momento em que um

grupo de refugiados foi recebido em sua casa, Lewis resolveu escrever um livro para as

crianças, estava maravilhado em ver como elas se divertiam. A história acabou perdida

dentro de uma gaveta, mas depois de dez anos, em 1944, ao retomar a ideia, deu-se

início ao episódio O leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, que só foi publicada em 1950.

C. S. Lewis firmou-se durante a guerra com um estilo para comunicar a fé cristã.

Com as publicações: Cartas do Diabo ao seu Aprendiz, The Problem of Pain, The Great

Divorce, Miracles e livros fininhos intitulados: Mero Cristianismo.

Em 10 de janeiro de 1950, Lewis recebeu uma carta da poetisa e romancista

norte-americana Joy Davidman Gresham, de 34 anos, que se convertera do marxismo

ao cristianismo devido, em parte, à leitura de suas obras. Joy era divorciada e tinha dois

filhos jovens, David e Douglas, quando se mudou para Oxford. Eles se casaram em

uma cerimônia civil que concedeu à esposa a cidadania britânica, em 1956. No entanto,

ela faleceu em 1960, vítima de um câncer terminal.

Clive nunca conseguiu superar essa perda, seu último livro publicado, Letters To

Malcom: Chiefly on Prayer (1964), confirmava a sua fé no paraíso, o lugar que passou a

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ser associado à Joy. Lewis morreu em 22 de novembro de 1963, uma semana antes de

completar 65 anos, sua sepultura encontra-se no cemitério da Igreja de Santa Trindade,

em Headington Quarry, Oxford. Seu irmão, Warren Lewis, faleceu em 09 de abril de

1973, e foi enterrado junto com o seu amigo-irmão, onde está registrada em um jazigo a

seguinte frase: “Os homens devem suportar suas vidas a partir deste momento”.

De acordo com a Wikipédia, foram vendidas mais de 200 milhões de cópias dos

livros escritos por Lewis, os quais foram traduzidos para mais de 30 línguas, incluindo a

série completa de Nárnia para a língua Russa. O irlandês escreveu 17 obras de ficção,

30 de não-ficção e quatro dedicadas à poesia. Entre 1996 e 1998, em que foi celebrado

o seu centenário, cerca de 50 novos livros foram escritos acerca de sua vida e de seus

trabalhos.

3.1 Outros trabalhos de C. S. Lewis

O escritor irlandês ganhou notoriedade, graças as suas preciosas contribuições

nos campos da crítica literária, literatura infantil, literatura de ficção, por sua inteligência

excêntrica, e também por possuir um caráter espirituoso e imaginativo. É o autor da

famosa série das fábulas As Crônicas de Nárnia e de outros trabalhos memoráveis,

como:

Para além do Planeta Silencioso (1938) – primeiro livro da Trilogia

Espacial, que tem como ator principal o professor de Filologia, Ransom. O

linguista é raptado e levado para outro planeta (Marte). Ao chegar, ele

consegue fugir e enquanto escapa, encontra os habitantes deste novo

mundo e descobre que eles são mais humanos que os moradores da

Terra. Nessa obra, o autor consegue transmitir ao leitor o espanto

causado em Ranson, perante os diversos descobrimentos e o vai e vem

de sentimentos. (DURIEZ, 2005, p.153).

O problema da dor (1940), esse livro trouxe a tona uma discussão sobre

um dos temas mais complicados do Cristianismo ― o sofrimento. Nos

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momentos mais difíceis, surgem inúmeras perguntas sem respostas que

atormentam as pessoas no mundo todo. A leitura deste exemplar pode

oferecer uma atitude mais apropriada nos momentos de dor. O escritor

usa toda a sua capacidade de convencimento para tentar achar uma

solução entre a contradição existente do mal na humanidade e o fato de

existir um Deus benevolente. (DURIEZ, 2005, p. 157)

A Abolição do Homem (1943), este livro faz referência à situação em que

se encontra a sociedade, apontando a falta de moral e a destruição que

acontece nos valores e princípios. C. S. Lewis explana nesse livro um

pouco das apreensões com a cultura e mentalidade humana. (DURIEZ,

2005, p. 145).

O Peso de Glória (1949) – a obra oferece um caminho para a uma melhor

aceitação espiritual, algo muito complicado em nossa vida. É considerado

um de seus trabalhos mais tocante, o livro mostra uma visão afetuosa do

Cristianismo, abrangendo discussões sobre remissão e fé. (In:

www.editoravida.com.br, 2010).

Carta a uma senhora americana (1950) – trata-se de uma obra

constituída pelas correspondências de C. S. Lewis, durante treze anos,

com uma senhora americana que ele nunca chegou a conhecer. Essas

correspondências expõem momentos da pessoa notável de Lewis. Por

meio delas, pode-se observar como o escritor é bondoso, sábio, afetuoso,

legitimamente humano. Durante a leitura, fica fácil compreender que ele é

o tipo de pessoa que se identifica com as dores do próximo, sendo

sensível aos seus problemas e sempre animando-o a não desistir. A troca

de cartas entre eles permaneceu até a morte de Lewis em 1963. (In:

www.editoravida.com.br, 2010).

Os quatro amores (1960) - o livro aborda a afeição, a amizade, o eros e a

caridade. Ele observa como cada um possui similaridades com os demais,

ao mesmo tempo em que notifica as contestações entre eles. Lewis faz

questão de lembrar os possíveis enganos com os três primeiros amores,

que são considerados como os „amores naturais‟. Explora o amor na

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perspectiva cristã. O autor explica quando o amor passa a ser afeição,

amizade, caridade ou quando ele assume o sentido literal da palavra. Se o

Príncipe Caspian não tivesse acreditado nas histórias de sua babá e em

seu professor, muito possivelmente ele teria falecido e o mundo de Nárnia

estaria em ameaça. (In: www.irmaos.com.br, 2010).

Anatomia de uma dor - Um luto em observação (1961) - Neste conto,

Lewis mostra seu lado um pouco mais sombrio, que até então era

desconhecido. É neste livro que, com muita dor e angústia, o escritor

expõe seu sentimento de repulsa após a perda de sua mulher. Lewis em

um momento de profunda aflição afirma: „‟Deus certamente não estava

fazendo uma experiência com minha fé nem com meu amor para provar

sua qualidade. Ele já os conhecia muito bem. Nesse julgamento, ele nos

faz ocupar o banco dos réus, o banco das testemunhas e o assento do

juiz de uma só vez. Ele sempre soube que meu templo era um castelo de

cartas. A única forma de fazer-me compreender o fato foi colocá-lo

abaixo‟‟. (In: www.ultimato.com.br, 2010).

Como se pode observar, a temática cristã, bem como a reflexão acerca da fé

permeou a produção do escritor. Neste trabalho, interessa sobretudo a produção

recolhida no volume intitulado As Crônicas de Nárnia. É justamente desta obra que

trataremos no próximo capítulo.

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O objeto de estudo em questão: As Crônicas de Nárnia

FONTE: GOOGLE IMAGENS (2), 2010.

Capítulo II

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1. A obra As Crônicas de Nárnia

Essa obra de Lewis possui 751 páginas e está divida em sete histórias,

denominadas pelo escritor de fábulas. Em algumas publicações, pode-se encontrá-las

como obras separadas. Essa opção editorial justifica-se, pois originalmente cada texto

foi publicado em época diversa, como volume autônomo.

O volume que foi utilizado neste trabalho é composto pela coletânea dos sete

livros e foi publicado em 2005, pela editora Martins Fontes.

Passemos, então, a um breve relato das histórias que compõem a obra:

1.1 O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa

A história se passa com as aventuras dos irmãos, Pedro, Susana, Lúcia e

Edmundo, quando eles se mudam temporariamente para a casa do professor Digory.

Certo dia, as crianças começam a brincar de esconde-esconde e Lúcia, a caçula, acaba

se escondendo em um guarda-roupa e descobre que dentro dele não existem apenas

casacos. É com essa simples brincadeira, que tudo começa.

Ela descobre o incrível mundo de Nárnia, um país que está sobre a maldição da

temida Feiticeira Branca, em que o inverno não tem fim. Quem lhe explica tudo sobre a

Nárnia, é o fauno Tumnus, inclusive a respeito da profecia que dizia que o poder da

feiticeira seria anulado a partir do momento em que dois filhos de Adão e duas filhas de

Eva ocupassem os tronos de Cair Paravel.

Ao retornar para casa e narrar toda a sua descoberta para os irmãos, Lucia fica

chateada ao perceber que eles não acreditam nela. Mas depois, ela retorna a Nárnia, e

seu irmão Edmundo que a seguiu, também. Lá, o menino conhece a feiticeira que dá a

ele um manjar turco encantado e consegue fazer com que prometa levar seus outros

irmãos até ela.

Lucia e Edmundo retornam à casa do professor e a pequena corre contar para

Pedro e Susana que dessa vez foi acompanhada pelo irmão. Só que ele nega que

tenha de fato sequer entrado no guarda-roupa. Preocupados com a irmã, eles resolvem

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ir atrás do professor Digory e perguntam para ele o que pensa a respeito, se ela não

estaria louca. Para o espanto de todos, ele acredita na palavra da menina. “Só há três

possibilidades: ou Lúcia está mentindo; ou está louca; ou está falando a verdade. Ora,

vocês sabem que ela não costuma mentir, e é evidente que não esta louca. Por isso,

enquanto não houver provas em contrário, temos de admitir que ela está falando a

verdade‟‟ (p.123).

No início, eles continuavam duvidando da palavra dela, até que um dia tiveram

que buscar o esconderijo no guarda-roupa para se safar da governanta e, então, todos

eles entram em Nárnia. Lúcia guia todos até a casa do senhor Tumnus, e acaba

descobrindo que o fauno foi capturado pela feiticeira, sobre a acusação de ter

escondido humanos.

A garota decide salvá-lo e pede a ajuda dos castores e dos seus irmãos, exceto

do Edmundo, que havia fugido depois de ouvir toda a história que revelava as

crueldades de Jadis.

Assim, todos decidem ir ao encontro do Aslam, na mesa de Pedra. O leão

promete ajudar no resgate de Edmundo, que estava aprisionado no castelo da feiticeira.

Porém, ela lembra a Aslam que todo traidor pertencia a ela e que o garoto deveria ser

sacrificado. Então, o leão se oferece para ocupar o lugar de Edmundo e Jadis, aceita

imediatamente.

Lúcia e Susana acompanham Aslam até a mesa de pedra e vêem-no se

entregando para o sacrifício. Depois de um forte estrondo, elas retornam para a mesa

de pedra e encontram o leão vivo, que lhes conta uma regra da profunda magia:

quando uma pessoa inocente morrer no lugar de alguém culpado, a mesa se partirá e o

inocente voltará à vida.

Guiadas por Aslan, as crianças batalham para que acabe o domínio da feiticeira

sobre Nárnia. Para isso, entram no castelo de Jadis para recuperar todos os narnianos

que foram transformados em pedra. No momento da luta, Edmundo acaba sendo

gravemente machucado e Aslam finalmente a mata.

Em seguida, os irmãos são coroados como os reis e rainhas de Nárnia, reinando

por muitos e muitos anos. Até que, em um dia de caça, eles acabam entrando em um

lugar desconhecido e encontram novamente os casacos. Ao abrir a porta, eles saem

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novamente na sala do professor e, para surpresa, continuam sendo crianças, pois o

tempo em Nárnia é diferente do nosso mundo.

1.2 Príncipe Caspian

A história se passa quando Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia esperam um trem

depois da escola e são levados mais uma vez para Nárnia. Acontece que, para as

crianças, passou somente um ano, mas na conta de Nárnia foram mais de mil anos.

Neste período, em que os quatro irmãos Pevensie ficaram afastados, Nárnia foi

invadida pelos telmarinos (piratas), que conseguiram entrar através de uma passagem

secreta dentro de uma caverna.

Ao entrarem no mundo narniano, eles se assustam ao perceberem que os

tempos eram outros. Eles descobrem com a ajuda de um anão que eles estão nas

ruínas de Cair Paravel. Que lhes conta também sobre o rei Miraz que tem Nárnia em

seus impérios, e possui um sobrinho, Principe Caspian. O rei havia proibido que as

velhas histórias da Antiga Narnia fossem narradas e não admitia que fizessem qualquer

comentário ao nome de Aslam. Caspian, diferentemente de seu tio, adorava ouvias as

historias narradas pela sua ama e seu professor, o doutor Cornelius.

O jovem príncipe decide fugir, depois de ser avisado por Cornelius que seu tio

tinha a intenção de matá-lo para dar o trono a seu filho recém-nascido. Durante a fuga,

ele tem a chance de conhecer vários narnianos que se unem para retomar o país.

Desse modo, organizam uma luta contra os telmarinos, mas não conseguem a vitória,

pois seus inimigos estavam em maior quantidade. Até que Caspian usa a trompa

mágica pertencente à rainha Susana, e invoca os quatro reis de Cair Parável e o leão

Aslam.

Depois de muito tempo de batalha, os narnianos, o príncipe e os irmãos

conseguem vencer os exércitos de Miraz. Então, o príncipe Caspian, consegue assume

o trono como realeza. Na despedida, Aslam informa que Susana e Pedro nunca mais

voltariam a Nárnia, pois estavam grandes demais, mas que Edmundo e Lúcia ainda

iriam mais uma vez.

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1.3 A Viagem do Peregrino da Alvorada

Edmundo e Lúcia estão passando as férias na casa de um primo, conhecido

como Eustáquio Mísero, quando entram em uma pintura de um quadro com o desenho

de um navio narniano. De repente, eles percebem que estão no navio do Peregrino da

Alvorada, navio do rei Caspian X.

Após assumir o trono como rei Caspian X, ele decide ir a uma missão para

procurar os sete amigos de seu pai que, ao desbravar o oceano há anos atrás

desapareceram. Durante a viagem, ele e as crianças encontram e vivenciam muitas

aventuras.

Os irmãos, Lúcia e Edmundo, já conheciam o Príncipe Caspian. Eustáquio, no

entanto, adorava contrariar a todos e principalmente ao príncipe. Até que acaba vitima

de um feitiço que o transformou em um dragão, que fez com que ele sofresse bastante,

mas graças às dificuldades por quais passou, ele aprende a ser uma pessoa melhor.

Diante de sua mudança, Aslam aparece e acaba com o feitiço.

O rato da tripulação do Peregrino, Ripchip, decide ficar na Terra do Aslam, pois

entende o lugar como o verdadeiro paraíso. Dessa vez, Aslam explica para Lúcia e

Edmundo que eles não voltarão mais a Nárnia e que eles deveriam chegar mais perto

do próprio mundo em que vivem e Ele sempre estaria por perto, só que com outra forma

e nome diferente. E que eles deveriam procurá-lo em nosso mundo.

1.4 A Cadeira de Prata

Eustáquio Mísero e sua colega Jill Pole são convocados por Aslam para irem até

Nárnia. Eles são transportados por meio de um portão que o leão abriu nos fundos do

colégio. Os dois têm a missão de achar o príncipe Rilian, filho do rei Caspian X, que

despareceu. Aslam fornece a Jill alguns sinais que ela e seu amigo deveriam decorar,

pois os ajudariam na procura do príncipe.

Assim, eles partem para a jornada, só que dessa vez sem o auxílio do rei

Caspian, que havia determinado que parassem de procurar seu filho. A viagem os

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conduz até as Terras Agrestes do Norte, um lugar cheio de gigantes, e em seguida para

o Reino Profundo, lugar em que o príncipe estava aprisionado pela rainha do

Submundo. A feiticeira lançou uma maldição sobre o príncipe que fazia com que toda

noite ele se transfigurasse em algo horrível, sempre que se sentava em uma cadeira de

prata.

O príncipe Rillian consegue destruir a cadeira e mata a rainha. Assim, todos

retornam para o Castelo de Cair Parável. Ao ver seu filho depois de tanto tempo,

Caspian acaba falecendo.

Mas o leão ordena a Eustáquio que traga um espinho, então, o menino obedece

e o traz até ele. Em seguida, lhe pede que enfie o espinho em sua pata e retire uma

gota do seu sangue. Assim, Aslam coloca a gota sobre o rei que começou a

rejuvenescer e por fim, ressuscitou.

As crianças voltam para casa e ficam sabendo que, da próxima vez, ao

retornarem a Nárnia, poderão ficar.

1.5 O Cavalo e seu Menino

Embora não sejam mais os personagens principais, Pedro, Susana, Edmundo e

Lúcia participam dessa aventura, mas como ajudantes para a narrativa do tempo de

Nárnia.

O conto descreve como o menino Shasta, que morava em Calormânia, um país

próximo e também rival de Nárnia, foi encontrado e adotado por um pescador. Até que

um nobre cavaleiro decide comprá-lo como escravo. Por causa dessa situação, ele

conhece Bri o cavalo de seu dono, que era um cavalo diferente, pois ele falava.

Tanto o menino, quanto o cavalo tinham uma imensa vontade de fugir e por isso

resolveram escapar juntos. No caminho, ele encontra a menina Aravis e sua égua

falante, que também estavam fugindo, pois a garota não consegue aceitar o matrimônio

que lhe foi imposto. Para alcançarem o destino final, precisam passar pela cidade de

Tashbaan, onde encontram muitas aventuras. Aravis descobre o plano dos calormanos

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de dominar Nárnia, com o intuito de que o príncipe Rabadash torne-se marido da rainha

Susana. Devido a essa situação, eles decidem salvar o seu país e avisam os narnianos

sobre a invasão dos inimigos. No meio do caminho, eles conhecem o tão anunciado

Aslam.

Ao chegar a Nárnia, os dois conhecem o rei Luna que é pai do Corin. Eles

acabam descobrindo que Shasta na verdade, era o irmão gêmeo do príncipe e seu

nome verdadeiro era Cor. Quando era pequeno, ele foi roubado por conta de uma

profecia sobre seu destino que o colocava para o cargo de salvar seu reino de um

grande perigo.

Aslam diz para Cor que nunca o abandonou que sempre esteve presente em sua

vida em todos os momentos, inclusive nos mais difíceis.

Esse conto, de certa forma, não possui influência nas outras histórias, é citado

como uma das lendas narnianas em A Cadeira de Prata, e pode ser lido mesmo que o

leitor não tenha ciência dos outros textos, pois não altera a compreensão.

1.6 O sobrinho do Mago

Este não é o primeiro livro publicado da série As Crônicas de Nárnia, mas pode

ser indicado como o primeiro para a ordem de leitura, pois conta como foi à criação da

terra de Nárnia.

A história descreve como duas crianças, Digory Kirke e Polly Plummer, dois

vizinhos, descobrem uma passagem secreta pelo sótão de suas casas. Ao explorar

essa passagem, eles conseguem entrar no quarto do tio de Digory, o André, um homem

que eles achavam muito estranho. Eles são pegos em flagrante e acabam servindo de

cobaias para os experimentos dos anéis mágicos de André. Esses anéis supostamente

poderiam transportar as pessoas para outra dimensão.

As crianças acabam em um reino chamado Charn, onde acordam sem querer a

rainha Jadis. Mas tudo fica pior quando, acidentalmente, trazem com eles a feiticeira

para à Inglaterra. Para impedir que não acontecesse alguma coisa pior, eles acabam

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indo parar em um novo lugar, levando com eles Jadis e o tio André. Eles retornam para

o bosque e desta forma, todos eles conseguem testemunhar toda à criação de Nárnia

pelo leão Aslam. Ele surge e começa a cantar fazendo com que apareçam animais

falantes, árvores etc.

Logo após a criação de Nárnia, o leão ordena que Jadis saia dali. O menino

Digory pede a Aslam que o ajude a salvar sua mãe que está muito doente, e o leão lhe

entrega uma maçã que tem o poder de dar a vida eterna.

Assim que voltam para Londres, Digory dá um pedaço da maçã para sua mãe

que se cura milagrosamente e, em seguida, tem a ideia de plantar a semente da fruta

no fundo de seu quintal. Depois de muitos anos, após uma forte tempestade, a macieira

cede e cai. Digory decide fazer com a madeira da árvore um guarda-roupa.

O Sobrinho do Mago pode ser considerado como uma complementação para O

Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa.

1.7 A Última Batalha

Neste último conto são narrados os últimos dias de Nárnia, quando Tirian ainda

reinava em Cair Paravel. Tudo começa quando um macaco, chamado Manhoso,

encontra junto a seu amigo, um burro conhecido como Confuso, uma pele de leão. O

macaco pede para o burro que coloque a pele como se fosse uma vestimenta e passa a

espalhar notícias de que o leão Aslam havia retornado e que ele atuaria como o seu

porta-voz.

O macaco se alia aos calormanos para alcançar os seus poderes e conquistar as

terras de Nárnia. O rei Tirian decide pedir a ajuda a todos aqueles que já haviam estado

em Nárnia, menos Susana, que se encontra no nosso mundo.

Então, os amigos vão até a casa do professor Kirke para usar os anéis como

tentativa de chegar até Nárnia e ao encontro do rei. No entanto, eles não precisaram da

ajuda dos anéis, pois um acidente de trem na estação os leva de volta ao mundo

narniano.

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Jill e Eustáquio auxiliam o rei no combate aos planos dos calormanos e do

macaco, até que surge uma confusão após o macaco Manhoso dizer que Aslam e o

Tash eram a as mesmas pessoas. Dessa forma, o macaco e os calormanos acabam

invocando o verdadeiro Tash.

Durante a batalha, Jill, Eustáquio e Tirian são jogados para dentro de uma porta

para a verdadeira Nárnia, onde Pedro, Edmundo, Lúcia e Digory estavam. Nesse

momento, Aslam surge e determina o fim de Nárnia, deixando o céu sem estrelas,

destruindo as florestas e rios, e finalmente, trazendo de volta os animais e as pessoas

que eram importantes para a antiga Nárnia.

Todos caminham para um lugar extremamente alto, e encontram pessoas que já

haviam falecido. O leão Aslam, então, revela que, no momento do acidente de trem,

todos haviam morrido e que eles não precisariam mais voltar ao nosso mundo. O que

quer dizer que eles ficariam para sempre no paraíso. E assim termina as histórias em

Nárnia.

2. Elementos atraentes da obra

Para que uma história consiga realmente prender a atenção da criança, ela deve

entretê-la e aguçar sua curiosidade. E para que isso aconteça, é preciso que estimule,

nessa fase de sua vida, a imaginação que ajuda a desenvolver seu intelecto, a

reconhecer suas possíveis dificuldades e a compreender sentimentos.

Em as Crônicas de Nárnia, Lewis esperava que as pessoas pudessem

compreender, por meio do mundo da fantasia, que elas poderiam reconhecer seus

problemas e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para as dificuldades que as perturbam.

O escritor tinha o anseio de fazer com que o ser humano não deixasse de lado os

valores essenciais de cada um. Assim, dotou sua narrativa de elementos relacionados

ao passado com o intuito de que esses não fossem de forma alguma esquecidos:

Ele percebia que esse vasto mundo mais antigo incorpora uma sabedoria notavelmente coerente sobre a natureza de nossa própria humanidade. [...]

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Lewis estava preocupado que as visões mundiais dominantes do século XX propagassem valores que resultariam inevitavelmente no „‟aniquilamento do homem‟‟. [...] Lewis desejava abrir uma porta que despertasse desejos e possibilitasse a experiência de sensações ainda desconhecidas, apontando para uma realidade que estava além „‟dos muros do mundo‟‟. (DURIEZ, 2005, p. 54-5).

Esse trabalho imaginativo cria uma importante aproximação entre o leitor e a

obra. Ao optar pelo gênero da fantasia, o autor das Crônicas nos permite participar da

história já que “imaginar é ausentar-se, lançar-se a algo novo, descobrir” (MAGALHÃES

FILHO, 2005, p. 59-60).

Para reforçar imaginariamente a percepção do leitor, Lewis cria um mundo

imaginário (secundário) que funciona como uma ligação entre o mundo real e o da

fantasia, visualizando a realidade desde a estrutura da narrativa. Mesmo que o mundo

de Nárnia seja figurado, seu trabalho aponta para a direção do solidamente real.

Segundo Magalhães Filho:

A imaginação parte do real (percepção do exterior), com o qual sempre mantém contato. A relação do imaginário com o real é, portanto, dupla: de imanência (dimensão concreta da realidade) e de transcendência (além da realidade sensível). A partir de imagens da realidade, cria-se outro mundo por ampliação, restrição ou combinação. (2005, p. 60).

Além dessa criação de dois mundos, destaca-se também o interesse por mitos.

Todo esse seu fascínio pela narração mitológica resultou em uma saga recheada de

seres fantasiosos, como: feiticeiras, fadas, gigantes, animais falantes, e crianças. Esse

pode ter sido o meio que ele encontrou para fazer com que as pessoas tivessem um

maior interesse pela mensagem cristã por meio de simbologias que, supostamente,

atraem muitas pessoas pelo interesse em representações mágicas.

Um ponto importante é a maneira como as crianças são colocadas em evidência

na história, o que acaba criando uma aproximação maior com o leitor, pois nos faz

refletir sobre nossas próprias atitudes diante das ações de determinados personagens.

Quando a narrativa possui um conflito inicial, em que as personagens estão

envolvidas, que no decorrer da obra será resolvido, as crianças conseguem entender

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que cada personagem possui uma vida própria e é dotado de características. Isso

permite à criança o juízo das atitudes e as prováveis consequências de seus atos. Esse

processo ocorre na situação de Edmundo que, em sua primeira jornada O Leão, a

feiticeira e o guarda-roupa, tem sua vida salva graças a Aslam que se oferece

voluntariamente no lugar do menino. Edmundo responde às consequências pelas

escolhas que um dia fez. Ao retornar para a sua segunda aventura, em Príncipe

Caspian, ele é o único que não possui lembranças especiais da primeira vez que esteve

em Nárnia.

Em suas narrativas, ele eventualmente cria pequenas decisões que levam à

salvação ou até à condenação. Emprega a bíblia em sua ficção, com o propósito de

revigorar a percepção do leitor.

A linguagem utilizada por Lewis é simples e prazerosa, não é uma leitura

cansativa e, sim, atrativa. Ao narrar em terceira pessoa, Lewis opta por um enunciador

que está fora dos acontecimentos, embora este saiba de todos os sentimentos e

pensamentos dos personagens, pois é onisciente. Para Duriez, quando o texto é escrito

em terceira pessoa, o leitor acaba ficando mais à vontade na hora da leitura:

A pessoa do narrador nas Crônicas é atrativa, bem parecida com a de um tio bondoso que não trata com superioridade seus sobrinhos e sobrinhas, mas abriga-os sob sua confiança e expressa opiniões diretas (2005, p. 109).

Em síntese, o universo ficcional possui potencialidades que emancipam seu

leitor, pois o levam a rever seus conceitos prévios acerca das verdades que lhe

incutiram ou nas quais acredita.

2.1 Análise dos elementos da narrativa de O Príncipe Caspian

A crônica O Príncipe Caspian possui narrador em terceira pessoa. Mesmo sendo

onipresente, o narrador consegue conduzir o leitor e suas opiniões a respeito de

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determinado personagem, criando empatia ou não, e também, fazendo com que o leitor

acabe se identificando com ele.

Assim, seus personagens principais são:

Príncipe Caspian, muito corajoso e órfão.

Pedro, o irmão mais velho, dos quatro que adentram Nárnia, e também o

mais valente, que faz de tudo para proteger seus irmãos.

Edmundo, dos meninos é o mais novo, é um pouco revoltado e adora

fazer clemências em momentos impróprios e amargurar alguém.

Entretanto, é o personagem que mais ascendeu no quesito qualidade,

nessa aventura é o mais esperto e divertido.

Suzana é a mais velha das meninas, e mais velha do que Edmundo, e a

que menos demonstra acreditar em Nárnia. Muitas vezes, explana não

sentir muita aspiração em continuar no mundo narniano, mas se mantém

fiel.

Lúcia é a mais nova dos quatro irmãos, sempre dedicada e dócil, a que

mais acredita em Aslam. Aslam é a alegoria de Cristo.

Os personagens da crônica são planos em sua maioria, pois não evoluem.

Contudo, os jovens protagonistas conseguem rever seus conceitos e evoluem, sendo

assim, podem ser considerados redondos. Os quatro irmãos Pevensie cresceram e

tornaram-se mais velozes, perspicazes, assumindo decisões corajosas entre eles. Por

isso, eles evoluem durante a narrativa, dotados de atitudes imprevisíveis e com

características físicas anunciadas pelo narrador, fazem uma reviravolta durante o conto.

Diante disso, a importância dos personagens na construção do texto é evidente.

Ao fazer com que o leitor imagine todos os personagens, supostamente, estabelece-se

a aproximação do leitor com o mundo em questão e os elementos descritos.

Ao explorar as necessidades do público a que o texto é destinado, a literatura

infantil explora a empatia, por meio, muitas vezes, da metalinguagem, intertextualidade

e dialogia, ou seja, sua narrativa remete a outras diversas presentes no imaginário

infantil.

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Em Príncipe Caspian, as crianças vivem em um lugar urbano, igualmente ao

mundo em que o leitor se encontra, e são levadas para um lugar diferente. Isso

demonstra o encontro das realidades. No desenrolar da história, os personagens

vivenciam grandes aventuras, mas acabam retornando ao seu lugar de origem. Dessa

forma, a obra não se compara às demais histórias da literatura infantojuvenil, já que

foge dos padrões convencionais.

Até mesmo porque, os protagonistas desejam regressar a Nárnia e participar de

novas aventuras, o que quebra o discurso pedagógico existente em inúmeros contos.

Não obstante, o autor, utiliza em sua narrativa a efabulação que acaba

aumentando a curiosidade do leitor, com a sequência dos acontecimentos e da trama.

Mesmo Lewis não participando da história, ele revela seu discurso através da

focalização panorâmica dos acontecimentos. Ele consegue mostrar as sensações de

cada personagem, sem tomar parte. Ao proporcionar aos protagonistas a chance de

dominar seus próprios pensamentos e atos, ele oferece o discurso didático.

2.2 Análise da temática de O Príncipe Caspian

O Príncipe Caspian, publicado em 1951, é o segundo livro que compõe a série

infantojuvenil de C. S. Lewis, As Crônicas de Nárnia, embora sua leitura seja sugerida

como sendo a quarta na ordem cronológica.

Mais uma vez, Lewis aborda sutilmente os temas cristãos. Os irmãos Peveniense

estavam em uma estação de trem e, como num passe de mágica, são levados

novamente a Nárnia. Nas contas narnianas, já havia passado mil anos, mas para as

crianças somente um.

O escritor, ao utilizar essa questão de tempo na história, sugere uma passagem

que está expressa claramente na bíblia “Não se esqueçam disto, amados: para o

Senhor um dia é como mil anos, e mil anos são como um dia.” (2 Pedro 3.8). Isso quer

dizer que, para Deus, o tempo é diferente, Ele pode ver nosso passado, presente e até

mesmo o futuro acontecer tudo ao mesmo tempo.

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Até em simples conversas, como no momento em que os irmãos mostram-se

preocupados com comida e bebida, Lewis faz com que o leitor se entregue ao

pensamento e se identifique com o personagem. Em certo sentido, a leitura envolve e

acaba determinando o comportamento de acordo com o conhecimento e a existência

de cada um.

Nesta aventura não há lampião mágico e muito menos uma floresta encantada.

Por causa das batalhas, Nárnia se tornou um lugar triste e ninguém mais acreditava

que pudessem existir animais falantes. Somente depois que os irmãos contam como

era a antiga Nárnia, o Príncipe ganha mais confiança e anseia por encontrar todos os

antigos narnianos que viviam escondidos.

Nesse sentido, Lewis procurava estimular as pessoas contemporâneas a sua

obra a adequarem esta importante e antiga história para si mesmas, introduzindo-a em

suas vidas, em vez de, simplesmente, absorverem apenas os mitos e as

pressuposições do modernismo:

Lewis escreve as crônicas com as virtudes dos „‟livros antigos‟‟, mas numa maneira atrativa para as pessoas contemporâneas que talvez não percebam o valor de ler coisas do passado, possibilitando assim uma diferente percepção, uma janela – ou devo dizer, uma porta de guarda-roupa? – que penetra em outros mundos. (DURIEZ, 2005, p. 61).

Resulta disso que, através de uma história inventada e de personagens fictícios,

é possível ter uma leitura prazerosa. É muito importante imaginar um cenário em que,

as crianças, consigam formar e entender ideias sobre determinados assuntos que,

muitas vezes, ninguém consegue „‟ensinar‟‟. Nesse cenário, possivelmente serão

trocadas experiências.

Ainda como característica da obra de Lewis, pode-se atentar para a presença do

animismo nas crônicas. Graças ao deslumbre do autor em relação aos animais falantes,

é possível acontecer uma maior identificação da criança com a obra:

A criança nos escapa por entre os dedos, ela nos foge toda vez que não mais a interessamos: a menininha, aborrecida com a aula do professor, transforma seus amigos em animais e flores [...] assim, a criança prolonga uma visão animista do mundo, que certamente existiu, mas que se torna então, conforme o caso, proteção, refúgio contra as exigências externas que atrapalham ou meio de se distrair quando se aborrece. (HELD, 1980, p. 45).

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Ao ouvir o Era uma vez, a criança naturalmente presta atenção na leitura. Essas

três palavras conseguem facilmente prender a atenção desse tipo de leitor. René

Diatkine, um psicanalista francês, defende a leitura dos contos infantis em uma

entrevista para a revista VEJA:

É o jogo entre a linguagem do cotidiano e do texto dos contos que enriquece o imaginário infantil. [...] Ler um conto é uma brincadeira que deve ser repartida com prazer; as crianças precisam de histórias que as levem a conhecer outro mundo. (apud VEJA, 1993, p. 7-8).

Com o exercício do ato de ler, o leitor tem acesso ao conhecimento e torna-se,

portanto, uma pessoa mais crítica e influente. Até mesmo porque, através de toda a

sabedoria que conquistou durante a fase de sua formação, ele pode se individualizar.

Cada ser humano decifra e entende uma obra de um jeito, de acordo com as leituras

que teve e suas preferências.

Vale ressaltar que não devemos menosprezar o que as crianças apreciam e

criam em seu mundo imaginário. Em Príncipe Caspian, conta-se como os telmarinos,

que moravam em Nárnia naquele tempo, chegaram até lá. Eles invadiram Nárnia

através de portais, o que representa claramente a fertilidade do fantasioso.

Entende-se que a criança, muitas vezes, não compreende o mundo palpável

como o verdadeiro. Ao se refugiar para outro mundo, ela acredita que existe um lugar

em que o bem sempre vencerá o mal. Nas Crônicas, Lewis fala sobre crianças que se

tornaram reis e princesas que, ao entrarem por portais mágicos, vivenciaram grandes

aventuras. Com a ajuda de Aslam, que é uma alegoria de Jesus, o bem prevalece

sobre o mal:

É dentro dessa perspectiva cristã que Lewis procura mostrar que o imaginário infantil nos aproxima muito mais da realidade primordial que a racionalidade fria do adulto. O adulto que redescobre sua „‟Nárnia” se aproxima do eterno, da aspiração mais profunda do ser humano. (MAGALHÃES FILHO, 2005, p. 51).

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O receptor pode não compreender a intenção de Lewis inicialmente, por ser

tratada tão sutilmente. Muitas vezes, acaba denominando as crônicas, como mais uma

obra imaginária produzida para o público infantil, contudo, deve-se entender que a

história vai além do que se pode nomear de fantasia. Justamente por ter sempre uma

mensagem em cada conto, a obra se torna objeto de estudos de pedagogos e teólogos.

Nesse contexto de exploração do mundo fantástico é que o leitor consegue

apreciar momentos de expectativas e desafios. Justamente nessa ocasião que muitos

passam a refletir sobre seus respectivos problemas, ao buscar no herói a „‟solução‟‟,

acabam solucionando seus medos e as dificuldades pessoais, quando se portam como

o protagonista do mundo real, dentro do imaginário.

Como mencionamos ao longo deste capítulo, mesmo que o autor irlandês não

tivesse a pretensão em dar qualquer tipo de significado específico à saga, nota-se a

forte presença de assuntos em defesa da fé cristã. Seu acervo literário conquistou

milhares de fãs em todo o mundo, com histórias ricas em detalhes e bem descritas.

Vale afirmar que Lewis, ao apresentar para o jovem leitor, um universo mais

humanizado, mais justo, no qual prevalece o bem, a harmonia e a democracia, pois

todos são respeitados de forma igualitária, cria nesse leitor o desejo de mudanças.

Justamente, é esse desejo que o emancipa, pois desperta seu olhar crítico em relação

ao meio no qual vive. Esse jovem leitor começa, então, a questionar o que lhe

apresentam e também a propor mudanças e soluções para os problemas que detecta a

sua volta.

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A adaptação: diferentes linguagens, diferentes leituras

FONTE: GOOGLE IMAGENS (3), 2010.

Capítulo III

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3. Adaptação cinematográfica

Uma vez que a palavra “adaptação” significa transpor algo de um meio para o

outro, faz-se importante entender as diferenças existentes entre literatura e cinema,

dois sistemas que possuem uma tradução de acepção distinta. A diferença básica é

aquela entre comunicação verbal e visual, através da imagem visual o espectador

apresenta a utopia de apreender objetos representados como se fossem os objetos

próprios, agora com a linguagem escrita, o leitor cria a sua imagem mental desses

artefatos.

Vários autores são unânimes em reconhecer a dificuldade existente em transmitir

a mesma mensagem através de diferentes sistemas de significação. A preocupação de

muitos críticos tem se concentrado na verificação da fidelidade do filme à obra de ficção

que lhe serviu como ponto de partida.

Como uma adaptação fílmica é uma transmutação de um texto verbal em um

não-verbal, foi considerada por muito tempo como algo que altera o texto original,

conhecida atualmente como tradução intersemiótica. Ao avaliarmos uma tradução

fílmica, é necessário saber que tanto o livro quanto o filme possuem suas minudências,

deste modo, é inconsistente fazer alegorias atreladas à literalidade.

Uma adaptação não precisa ser fundamentalmente uma repetição do trabalho

existente, já que está sendo traduzido para outro sistema de signos. Faz-se necessário

entender que as mudanças são inevitáveis no momento em que se abandona o meio

linguístico e tem início a comunicação visual:

Saber ver uma imagem, um filme, é tão necessário quanto aprender a ler e escrever nos moldes convencionais, pois os códigos e os processos de produção da comunicação se alteram e, nessas mudanças buscam receptores aptos para entendê-los. Se o modo de produção se altera, fazendo surgir novos códigos, ele irá exigir uma nova posição receptiva; o mesmo valendo para a alteração da percepção e da recepção, que exigirá novos códigos no processo de produção. (ALMEIDA SILVA, 2000, p. 106).

O que acontece é que o público leitor tem o anseio de ver a obra toda na tela e,

quando sente falta de determinada cena preferida ou algum personagem, acaba se

voltando contra a adaptação.

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Desmerecer um filme pelo simples fato dele não ser inteiramente fiel à obra

adaptada é recusar o grande valor do cinema enquanto arte. Afinal, ao criar uma

história, o escritor não tende a escrever um roteiro cinematográfico, ele o escreve para

o leitor que iniciará sua leitura e depois de um tempo vai deixar o livro de lado e

continuará lendo-o em outro momento. Daí a necessidade de adaptar a linguagem

literária para o filme. Embora a adaptação não indique julgamentos presentes na obra

escrita, ela consegue ser tão interessante quanto o próprio texto que a originou.

A adaptação cinematográfica pode ser considerada como uma forma diferente

de representar determinada história. Essa nova representação, consequentemente,

demandará uma nova leitura do espectador. Isto não quer dizer que os filmes

adaptados conseguirão tamanha façanha de diminuir o número de pessoas que não

apreciam a leitura, mas apenas que, muitas vezes, por meio das imagens, algumas

pessoas comecem a se interessar um pouco mais pelo hábito de ler, nem que seja

somente por curiosidade.

Para quem realiza a adaptação, cada segundo deve ser considerado, uma vez

que uma história, que seria „‟revelada‟‟ em semanas, deve ser transmitida em poucas

horas. Parte-se do pressuposto neste texto de que o livro e o filme nele baseado são

“[...] dois extremos de um processo que comporta alterações de sentido em função do

fator tempo, a par de tudo o mais que, em princípio, distingue as imagens, as trilhas

sonoras e as encenações da palavra escrita e do silêncio da leitura” (Xavier, 2003, p.

61).

Alguns acreditam que o livro seja mais interessante, pela profundidade que

apresenta, pela sua forma e linguagem. Além disso, o livro difere na temporalidade do

filme que instaura a sensação do tempo presente, por meio da ação e do suspense:

A narração cinematográfica privilegia as imagens, o movimento, a sonoridade. É através desses elementos que tomamos conhecimento do narrado. A posição da câmera, os cortes, as luzes, tudo colabora para o enriquecimento da mensagem que se deseja passar (ALMEIDA SILVA, 2000, p. 96).

A partir do momento em que o cineasta encontra uma forma de fazer com que o

espectador tenha a impressão de estar folheando as páginas do livro, por meio, dos

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atrativos da obra, o filme consegue através das imagens se destacar das palavras e cria

algo original.

Seria oportuno que o público conseguisse enxergar a disparidade presente

nessas duas artes. Ao defender fidelidade em uma tradução, exige-se que uma obra

cinematográfica, por exemplo, não utilize os artifícios convenientes do cinema atual.

Uma tradução, atuando como transcriação, acaba modificando o texto de partida, mas

sem comprometê-lo, pois se trata de uma nova obra, invenção de um novo autor.

3.1 Indústria Cultural

De acordo com Adorno e Horkheimer, o conceito de indústria cultural está

atrelado ao desenvolvimento industrial e tecnológico da sociedade no século XX e XXI.

Os produtos da indústria cultural possuem a finalidade de chegar até seus

consumidores a partir da venda. Por isso, entende-se que a indústria cultural procura

validar tudo isso através de um sistema de ideias que, pode ser considerado como uma

inversão da realidade. A teoria de Adorno e Horkheimer procura ponderar a sociedade

industrial no século XX e seus múltiplos aspectos. Não basta, entretanto, compreender

a indústria cultural apenas como produtora de propriedade cultural.

Para Adorno (1985), a indústria cultural pode ser considerada como a indústria

da diversão, onde a lógica da mercadoria consegue envolver a arte. Para ele, a

produção industrial tem como objetivo a alienação.

Benjamin (1994), por sua vez, acredita que o cinema proporciona uma inovação

em forma de arte, que está apropriada à edificação de outra experiência de

sensibilidade. O autor defende que esta forma de arte é destinada ao homem hoje,

sugerindo algumas alterações intensas no aparelho receptivo. Essas imperceptíveis

transformações sociais originariam modificações na estrutura da recepção que seriam

empregadas pelas novas formas de arte.

Para ele, o cinema pode ser considerado uma forma de arte distinta. Assim,

Benjamin divulga o caráter político/transformador que o cinema pode ter, quando passa

a rebater os julgamentos que o caracterizam como arte dedicada somente a induzir as

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massas. Quando se diz que as massas buscam a diversão, entende-se que esta

demanda também concentração. No cinema, a pessoa se concentra diante de uma

obra, ao fazê-lo, ela acaba „mergulhando‟ dentro do filme. Mas para Benjamim,

acontece o oposto, pois no caso da diversão, é a obra de arte que adentra na massa:

A descrição cinematográfica é para o homem moderno infinitamente mais significativa que a pictórica, porque ela lhe oferece o que temos de exigir da arte: um aspecto da realidade livre de qualquer manipulação pelos aparelhos, precisamente graças ao procedimento de penetrar, com os aparelhos, no âmago da realidade (1994, p.187).

Mesmo que Benjamim conheça o caráter autoritário do cinema, ele busca

mostrar o potencial transformador que essa arte de massas pode causar sobre o

homem neste século.

3.2 O Conto Príncipe Caspian

Característico de muitas produções da Disney, o filme possui uma propriedade

conservadora, próprio para uma diversão familiar. Em, Príncipe Caspian, há muitas

cenas de luta e ação o que tira a impressão de ser um filme bobo. Assim como no

primeiro filme, Príncipe Caspian possui finitude em sua história e acaba oferecendo

espaço para uma nova sequência.

Isso não quer dizer que a história seja cortada subitamente ou que exista certa

dependência entre um filme e outro para que ocorra a devida compreensão. O roteiro

de Andrew Adamson, Christopher Markus e Stephen McFeely é bem feito e atraente

para o jovem, pois possui uma grande quantidade de animais falantes, sem mencionar

o excelente trabalho de computação gráfica que garante momentos de humor e agrada

tanto os adultos como as crianças.

Outro ponto interessante é o fato de os seres humanos representarem a razão

de toda narrativa. Outra forma de ser poderia ter sido usada, no entanto, os humanos

foram escolhidos por serem os “Filhos de Adão e Eva”, que propicia um maior

fundamento cristão à obra.

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Ao assistir ao filme, grande parte das pessoas não consegue compreender o

verdadeiro ensejo do C. S. Lewis, talvez porque a temática cristã foi tratada com

sutileza, passando despercebida muitas vezes. A história vai além de uma simples

fantasia, o filme é dotado de uma mensagem bem mais complexa.

Afinal, o filme exibiu mais um bom trabalho em equipe – desde a exata produção

da Disney, como o bom trabalho de Adamson, e também a preparação do elenco. O

filme Príncipe Caspian é agradável e honesto com o espectador, o que não é pouca

coisa em se tratando de grandes produções.

3.3 Ficha Técnica e elenco:

Titulo Original: The Chronicles of Narnia: Prince Caspian.

Gênero: Aventura

Tempo de duração: 147 minutos

Ano de lançamento: 2008

Site Oficial:

Estúdio: Walt Disney Pictures/ Walden Media/ Lamp Post Productions Ltd.

Distribuição: Walt Disney Pictures/ Buena Vista International

Direção: Andrew Adamson

Roteiro: Andrew Adamson, Christopher Markus e Stephen McFeely, baseado em livro

de C. S. Lewis

Produçao: Andrew Adamson, Mark Johnson, Perry Moore e Philip Steuer

Música: Harry Gregson-Williams

Fotografia: Karl Walter Lindenlaub

Edição: Sim Evan-Jones

Elenco:

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Georgie Henley (Lúcia Pevensie)

Skandar Keynes (Edmundo Pevensie)

William Moseley (Pedro Pevensie)

Anna Popplewell (Suzana Pevensie)

Ben Barnes (Príncipe Caspian)

Peter Dinklage

Pierfrancesco Favino

Sergio Castellitto

Liam Neeson (Aslam – voz)

Indicado ao MTV Movie Awards de Melhor Revelação Masculina (Ben Barnes).

Indicado ao MTV Movie Awards de Melhor Filme de Verão.

Venceu o Teen Choice Awards [3], na categoria de filme Ação e Aventura.

Foi indicado em três categorias no Young Artist Awards: Melhor Ator para

Skandar Keynes, Melhor Atriz para Georgie Henley e Melhor Elenco para Georgie

Henley, Skandar Keynes, William Moseley e Anna Popplewell.

3.4 Sinopse

Depois das aventuras em “O Leão, a feiticeira e o guarda-roupa”, os irmãos

Pevensie são levados novamente a Nárnia. Desta vez, eles precisam defender o

príncipe Caspian que fugiu do seu reino, ao descobrir que o cruel rei, seu tio Miraz,

desejava acabar com ele para que seu herdeiro se tornasse rei. O príncipe encontra os

antigos narnianos e planeja uma retomada de Nárnia. Para recuperar o trono, Caspian

utiliza a trompa mágica e traz os antigos reis de Nárnia (Pedro, Suzana, Edmundo e

Lúcia), para ajudá-lo na batalha. Com o auxílio dos irmãos e do poderoso Aslam, eles

vencem e restabelecem a paz e a glória na terra encantada. O leão informa a Pedro e

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Suzana que eles estavam grandes demais e não voltariam mais a Nárnia, somente

Lúcia e Edmundo iriam mais uma vez.

3.5 Análise dos fotogramas

Este trabalho objetiva apresentar uma análise do filme “As Crônicas de Nárnia:

Príncipe Caspian”, uma adaptação de livro homônimo, escrito por C. S. Lewis. Para a

análise dos fotogramas, serão estudados os diversos recursos cinematográficos, como:

o plano, sonoridade, ponto da câmera, cenário e estrutura narrativa, por meio de uma

separação em três atos.

Para esse desígnio, foram selecionados três fotogramas iniciais de imagens que

acontecem no começo do filme (primeiro ato), para que o leitor consiga se situar na

trama.

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PRIMEIRO ATO

Fotograma 1 – 00:02:56

a. Close-up de Caspian, após descobrir sobre o plano de seu tio Miraz.

b. Sonoridade: Música de suspense que transmite a apreensão do personagem.

c. Posição da câmera: em frente ao personagem.

d. Cenário: fechado, de noite, dentro do quarto do príncipe.

e. Estrutura narrativa (discurso): suspense/susto

O Príncipe Caspian vivia num castelo com seu tio Miraz, que era rei de Nárnia.

Caspian era o único herdeiro do trono da realeza, até o momento em que a rainha deu

à luz um filho.

Depois do nascimento da criança, Principe Caspian foi avisado por seu

preceptor, doutor Cornelius, que deveria fugir do castelo, pois havia se tornado um

empecilho para seu tio.

A posição da câmera permite que o leitor perceba a reação do personagem.

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Fotograma 2 – 00:11:21

a. Plano conjunto: mostra Pedro, Edmundo, Suzana e Lúcia na estação de trem.

b. Sonoridade: conversa das pessoas, som ambiente.

c. Posição da câmera: Em frente aos personagens.

d. Cenário: fechado, de dia, sentados no banco.

e. Estrutura narrativa (discurso): desordem/suspense/curiosidade.

Os personagens Pedro, Edmundo, Lúcia e Suzana estão sentados em uma

estação de trem, rodeados de malas. As férias haviam chegado ao fim e eles estavam

de volta ao colégio.

A pequena Lúcia reclama com o irmão para que parasse de beliscá-la, mas

Edmundo disse que não fora ele. Depois, um por um teve a mesma sensação da

menina. Em um instante, tudo havia desaparecido. As quatro crianças estavam mais

uma vez em Nárnia para uma nova aventura.

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O público infantil acaba se identificando com os personagens, com suas ações,

teimosias, peripécias e curiosidades. Os problemas das crianças são apresentados de

maneira simples e acessível ao mundo de fantasia de quem assiste.

Fotograma 3 – 00:22:06

a. Plano conjunto: personagens vistas por inteiro na sala de tesouro do Castelo de

Cair Paravel.

b. Sonoridade: trilha que remete à fantasia e também ao espanto.

c. Posição da câmera: de cima para baixo (plongé).

d. Cenário: fechado, dia, baús, estátuas.

e. Estrutura narrativa (discurso): ordem/surpresa.

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As crianças encontram os presentes que receberam na primeira aventura em

Nárnia na sala do tesouro em Cair Paravel. Nesse momento, Edmundo é lembrado de

que, por razão da sua remota deslealdade contra seus irmãos e Nárnia, ele é o único

que não possui uma lembrança especial da primeira vez que esteve lá. Ainda que

Aslam tenha se sacrificado pela vida de Edmundo em “O Leão, a feiticeira e o guarda-

roupa”, a infidelidade do menino acarretou em algumas consequências.

Os fotogramas a seguir são transitórios, pertencem ao segundo ato, apresentam

imagens que dão continuidade ao filme e que são importantes para a história. No

segundo ato, um conflito se estabelece: a luta de Caspian pelo direito ao trono e pela

manutenção dos ideais dos narnianos.

SEGUNDO ATO

Fotograma 4 – 00:41:52

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a. Close-up de Lúcia, a primeira vez que ela enxerga Aslam na ilha, com ênfase

na expressão facial.

b. Sonoridade: trilha que remete à fantasia.

c. Posição da câmera: em frente ao personagem.

d. Cenário: aberto, dia, árvores.

e. Estrutura narrativa (discurso): ordem/curiosidade.

A única criança que consegue ver Aslam, durante uma boa parte do livro, é a

pequena Lúcia que tenta convencer os irmãos de que Ele está por perto. Susana e

Pedro não acreditam nela, somente Edmundo confia no que Lúcia diz, embora não

consiga ver Aslam.

Ao pedir que seus irmãos confiem nela, é feita uma votação. A maior parte

determina que Lúcia estava vendo coisas que não existiam, que eram infundadas e,

por isso, eles prosseguiram no caminho que haviam escolhido. Tal escolha resultou em

arrependimento pela decisão errada e também pela falta de fé.

O fato de Lúcia, a mais nova, encontrar Aslam para salvar a guerra, reforça o

conceito de que as crianças, mesmo sendo teoricamente menos capazes, possuem

mais fé e apresentam, consequentemente, melhores condições de guiar e adotar

decisões mais acertadas. A esperança inabalável de Lúcia nele, contrapondo com a

incredulidade dos demais, é o ponto principal do enredo.

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Fotograma 5 – 00:45:34

a. Plano conjunto: mostra o momento em que narnianos e o Príncipe

Caspian se unem para derrotar o tirano Miraz.

b. Sonoridade: trilha que remete à esperança, presença de música baixa,

quase não audível.

c. Posição da câmera: de cima para baixo (plongé).

d. Cenário: aberto, de noite, floresta, fogo.

e. Estrutura narrativa (discurso): restabelecimento da ordem

Momento em que Caspian e os antigos narnianos planejam uma retomada do

país. O príncipe diz que vai tocar a trompa mágica da rainha Suzana para que os

antigos príncipes voltem a Nárnia para ajudá-los a vencer o inimigo.

Todos os elementos mitológicos utilizados por Lewis, como animais falantes,

minotauros, unicórnios, anões, entre outros, estão presentes no filme.

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Fotograma 6 – 00:59:28

a. Plano conjunto: personagens são focalizados por inteiro com pouca

consideração de espaço.

b. Sonoridade: trilha que remete à esperança, à renovação.

c. Posição da câmera: de frente para os personagens.

d. Cenário: aberto, de dia, natureza.

e. Estrutura narrativa (discurso): ordem/esperança.

Nesta cena, o Príncipe, os dois filhos de Adão e as duas filhas de Eva chegam

até o exército e são recebidos pelos centauros e os diversos seres mitológicos.

Instaura-se um clima de esperança, ao utilizar o plano conjunto é reforçada a

ênfase que se deseja dar às personagens. Importante para que o público entenda a

importância dos personagens na história.

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Em relação aos fotogramas finais, foram selecionados quatros que contêm as

cenas que transmitem a mensagem passada ao expectador. Neste ponto do filme,

chega-se ao clímax, o momento da batalha final. Sua resolução se dará no terceiro ato.

Fotograma 7 - 02:01:18

a. Plano americano: focalização do personagem dos joelhos para cima.

b. Sonoridade: trilha que remete à atitude, coragem.

c. Posição da câmera: em frente ao personagem.

d. Cenário: aberto, de dia, floresta.

e. Estrutura narrativa (discurso): desordem.

A grande maioria das histórias fantásticas que consegue mexer com o imaginário

do público mais jovem, simula ações de uma pessoa corajosa que, para conquistar seu

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objetivo, está disposta a lutar e enfrentar a todos. É isso que acontece em Príncipe

Caspian, pois as crianças são audaciosas e transmitem ao espectador a vontade de

ganhar e conseguir a retomada do governo de Nárnia.

Durante as diversas cenas de ação, são utilizados vários tipos de movimento de

câmera, como: panorâmico, travelling, jogo de luz, zoom (quando aproxima de algum

personagem ou objeto), e o distanciamento. Conforme a movimentação do exército, o

espectador consegue sentir essa tensão, o som é alto e a imagem treme

consideravelmente.

Instaura-se o terceiro ato, após a vitória do exército narniano. O poder é

transmitido a Caspian e a liberdade é restaurada.

TERCEIRO ATO

Fotograma 8 - 02:05:40

a. Plano conjunto: mostra em primeiro plano o inimigo e no fundo o “mar‟‟

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b. Sonoridade: trilha que transmite a grandeza de Aslam.

c. Posição da câmera: de frente para os personagens.

d. Cenário: aberto, de dia, mar, ponte.

e. Estrutura narrativa (discurso): restabelecimento da ordem.

Durante a batalha contra o exército narniano, os telmarinos acabam fugindo ao

verem que as grandes árvores da floresta andavam em direção a eles. Essa atitude

determina sua derrota e medo.

Um dos temas abordado no conto é a apostasia (desviar-se da fé), quando os

telmarinos tentam acabar com os narnianos, eles vivem sob a temeridade do mar, pois

é dele que Aslam vem e surge.

Fotograma 9 - 02:16:14

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a. Plano geral: mostra Aslam e os narnianos no momento em que as quatro

crianças partem de Nárnia.

b. Sonoridade: trilha que remete ao recomeço.

c. Posição da câmera: de frente para os personagens.

d. Cenário: aberto, de dia, floresta, com montanhas no fundo.

e. Estrutura narrativa (discurso): restabelecimento da ordem.

Esse é o momento de despedida que provoca uma sensação estranha,

revelando a complexidade dos sentimentos em precisar despedir-se de velhos amigos

queridos.

Aslam abre uma porta no ar para que as crianças retornem. Todos os elementos

que o cinema dispõe contribuem para o enriquecimento da mensagem. Nesta cena, não

houve a necessidade de fala, a imagem destacada e o enfoque da câmera reforçando o

momento sem que seja preciso qualquer comentário para a manifestação do

sentimento de saudade.

Fotograma 10 - 02:16:46

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a. Plano conjunto: mostra Edmundo, Pedro, Suzana e Lúcia de volta à estação de

trem.

b. Sonoridade: trilha que remete ao recomeço, à volta para o “nosso” mundo.

c. Posição da câmera: de frente para os personagens.

d. Cenário: fechado, de dia, estação de trem.

e. Estrutura narrativa (discurso): ordem.

O filme pode ser considerado como circular, pois ele acaba onde começa. Ao

saírem do mundo de fantasia de Nárnia, as crianças se veem de volta ao mundo

normal: as férias realmente haviam acabado.

A trilha sonora no filme inteiro remete ao sentimento dos personagens naquele

determinado momento, e nessa cena final, a música conseguiu refletir a jornada das

crianças. O trecho da música “The Call” (O Começo), de Regina Spektor, resume o

momento „Você voltará quando acabar, não há por quê se despedir. Agora estamos de

volta ao começo‟.

3.6 Divisão em atos

Como vimos, o conto “Príncipe Caspian” pode ser dividido em três atos. O

primeiro acontece do início do filme até a parte em que Pedro, Edmundo, Suzana e

Lúcia retornam a Nárnia para uma nova aventura. Em seguida, começa o segundo ato,

em que as crianças descobrem o motivo por terem retornado até Nárnia, a missão que

foi concebida. O terceiro e último ato inicia-se no momento que os telmarinos são

derrotados por Aslam.

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3.7 Premissa e abertura

A premissa da história acontece com as crianças sentadas em uma estação de

trem, preparando-se para a volta ao colégio. E quando se deram conta, a bagagem, a

estação, tudo havia sumido e estavam em um lugar até então desconhecido. Só que

mais tarde, eles descobririam que haviam retornado a Nárnia.

Ao chegar a Nárnia, as crianças conheceram um anão com uma barba imensa e

cabelos ruivos, denominado de Trumpkin, que foi quem contou a história de Nárnia

desde que eles foram embora.

3.8 Protagonista, objetivo e obstáculos

A história possui cinco protagonistas, os irmãos Pedro, Suzana, Edmundo, Lúcia

e o príncipe Caspian. Eles se encontram quando Caspian recorre ao auxílio da trompa

mágica da rainha Susana, para vencerem o mal e derrotar o cruel rei Miraz.

O objetivo da história é livrar Nárnia dos poderes dos telmarinos e de Miraz.

No decorrer da história, acontecem inúmeros obstáculos, começando com a

rivalidade que surge entre Caspian e Pedro para liderar os narnianos. O rei Miraz e

todos os telmarines são obstáculos durante o filme inteiro, pois estão sempre atrás do

príncipe Caspian para matá-lo e extinguir os narnianos.

As tentativas frustradas em vencer os inimigos também podem ser um obstáculo.

Somente depois de muitas batalhas é que eles conseguem o objetivo final.

3.9 Tensão principal, culminância e resolução

Quando as principais informações são transmitidas ao telespectador é que a

tensão principal se constitui: o príncipe Caspian resolve retomar Nárnia e para isso,

invoca a ajuda dos antigos reis narnianos. A tensão principal pode ser focada na parte

em que as crianças se reúnem com todo o exército narniano para a batalha final contra

os inimigos.

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A culminância ou clímax acontece com a luta entre os dois exércitos: de Miraz e

dos narnianos.

A resolução ocorre no momento em que o exército narniano, com a ajuda de

Aslam, consegue vencer a batalha contra os guerreiros de Miraz.

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CONCLUSÃO

De acordo com os elementos apresentados ao longo do presente trabalho,

pudemos concluir que tanto a história do irlandês C.S.Lewis quanto à adaptação do

conto “Príncipe Caspian”, de Walt Disney, apresentam elementos atrativos para o leitor.

As características presentes nas crianças fazem com que os leitores criem um elo muito

forte com os personagens.

Ficou evidente também que Crônicas de Nárnia é um texto dotado de inúmeras

qualidades literárias, pois perpetuou-se no tempo, foi escrito em 1951 e adaptado em

2008, o que fez inúmeros leitores e espectadores se interessassem pela obra. Por ser

um filme cativante, conseguiu despertar o interesse do leitor e impulsionou a venda do

livro.

Faz-se necessário entender que cinema e literatura são dois meios de produção

culturais distintos, e a obra literária não deve ser julgada e comparada a outros campos

divergentes, no qual varia o tipo de arte.

Essas considerações demonstram que é importante reafirmarmos a permanente

necessidade de livros e filmes, pois agem como base para pensar e sentir. Um não

substitui o outro, e ambos servem de lugares de memória.

Mesmo que haja diferenças entre a página e a tela, é importante entender que

essas diferentes leituras oferecem sensações parecidas. A página é recheada de

palavras que ativam os sentidos e produzem várias e diferentes imagens na mente do

leitor. Já a tela, proporciona ao espectador imagens em movimento que serão

interpretadas através de palavras.

O clima constante de aventura e de expectativa desperta o interesse do

espectador, os movimentos de câmera atrelados a outros elementos, desempenham

um papel importante para oferecer uma boa trama. Ao se deparar com um filme ou livro,

que apresentam um universo mágico, com situações constantes na vida de qualquer

pessoa, como a traição e a revolta, o leitor ou espectador cria uma revisão de valores.

Entende-se que a leitura da obra não é somente para crianças, pois a obra

excede a faixa etária que se destina originalmente. Ainda que seja voltada

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principalmente para o público infantojuvenil, agrada inúmeros leitores de todas as faixas

etárias.

O presente trabalho teve o intuito, acima de tudo, de mostrar que uma produção

cinematográfica pode ser tão boa quanto uma obra literária. Qualquer pessoa

compreende o valor literário que existe por trás dessa saga tão simbológica.

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