as condições de vida na igreja

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 As “condições de vida” na Igreja Quais são as diferentes formas ou condições de vida na Igreja? De que tipo de dignidade essas condições se revestem e que serviços prestam? O Concílio Vaticano II lembrou, com clareza, que na Igreja “os membros têm a mesma dignidade, nenhuma desigualdade em Cristo e na Igreja, porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (cf. LG, n. 32). A partir dessa constatação baseada na dignidade fundamental de todos os cristãos, enraizada no batismo, o próprio Vaticano II observa que existem diversas “formas de vida” (LG, n. 43; melhor do que falar em “estados” de vida, palavra por demais estática) que são: o laicato, o ministério ordenado e a vida consagrada. 1. O laicato: “os cristãos leigos, Igreja no mundo”  O Vaticano II foi o primeiro Concílio que tratou formalmente do laicato, dedicando-lhe o capítulo IV da  Lumen gentium e o decreto sobre o apostolado dos leigos  Apostolicam actuositatem. No  período pós-conciliar teve grande significado a exortação apostólica de João Paulo II, Christifideles laici de 1988, resultado do Sínodo de 1987, dedicado ao laicato. Esse texto, mais do que trazer novidade, é uma vibrante chamada à missão no mundo. Efetivamente, a atenção do Concílio torna-se evidente por seu caráter positivo na descrição do laicato, já que põe, como prioridade, o fundamento sacramental da sua condição (Y. Congar; G. Philips): o batismo, vivido de modo peculiar, ainda que não exclusivo, mediante a sua presença prioritária nas situações de vida mais habituais do nosso mundo (família, trabalho, educação, cultura, política...). Por isso se diz que “a índole secular caracteriza especialmente os leigos[...]. É específico dos leigos, por sua própria vocação, procurar o Reino de Deus exercendo funções temporais e ordenando- as segundo Deus” (LG, n. 31).  A missão do leigo, a partir dessa orientação geral, articula-se seguindo a tríplice missão de Cristo e da Igreja. Assim, o leigo desempenha a missão sacerdotal (LG, nn. 34; 11) graças ao sacerdócio comum exercido por meio de uma vida que é “oferecimento existencial” a Deus e aos irmãos: isso significa exatamente o “sacerdócio comum”. Doutra parte, o leigo desempenha a sua missão profética (LG, nn. 35; 12) mediante o testemunho da fé nas estruturas da vida secular, especialmente a vida matrimonial e familiar”. Por fim, o leigo exerce a missão do serviço, a missão “régia” (LG, n. 36), por meio do seu esforço de “dilatar o Reino de Deus, re ino de verdade e vida, reino de santidade e graça, reino de justiça, amor e paz”. Toda a constituição conciliar Gaudium et Spes constitui um documento fundamen tal para explicar essa missão de serviço no mundo. Além do mais, o Vaticano II dá toda atenção à articulação associativa eclesial dos leigos, em virtude da missão deles e do testemunho evangelizador no mundo. Essa é, sem dúvida, uma questão muito palpitante em todo o período pós-conciliar que viu surgir novas formas de movimentos e associações leigas, da maneira como o atesta a Christifideles laici . Nesse contexto, em que se verificam os critérios para discernir os novos movimentos, pode-se observar como essa exortação apostólica, seguindo os passos do próprio Concílio (AA, n. 20), enumera explicitamente como associa ção apenas a “Ação Católica” (Cf L, n. 31). Essa referência especial decorre da atenção muito particular que os papas lhe deram. A Ação Católica, para Paulo VI e João Paulo II, é “uma forma singular de ministerialidade  laical, especificamente voltada para a colaboração com os pastores”. Com efeito, de acordo com a doutrina conciliar das quatro características (eclesialidade evangelizadora, protagonismo laical, organização  própria e comunhã o orgânica com o ministério pastoral) (cf. AA, 20 -24), a Ação Católica não é a penas uma associação mas, em suas diversas formas, ainda que possa existir sem essas características concretas, tem a vocação de manifestar a forma apostólica habitual dos “leigos da diocese” como organismo que reúne os leigos de maneira estável e associati va na dinâmica da pastoral diocesana. Trata-se de uma instituição semelhante a outras estruturas diocesanas , como a paróquia, que é também “forma habitual”, não única e exclusiva, e sim a mais comum da estrutura pastoral de uma diocese (CfL, nn. 26ss).

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  • As condies de vida na Igreja

    Quais so as diferentes formas ou condies de vida na Igreja? De que tipo de dignidade essas

    condies se revestem e que servios prestam? O Conclio Vaticano II lembrou, com clareza, que na

    Igreja os membros tm a mesma dignidade, nenhuma desigualdade em Cristo e na Igreja, porque todos vs sois um em Cristo Jesus (cf. LG, n. 32). A partir dessa constatao baseada na dignidade fundamental de todos os cristos, enraizada no batismo, o prprio Vaticano II observa que existem

    diversas formas de vida (LG, n. 43; melhor do que falar em estados de vida, palavra por demais esttica) que so: o laicato, o ministrio ordenado e a vida consagrada.

    1. O laicato: os cristos leigos, Igreja no mundo

    O Vaticano II foi o primeiro Conclio que tratou formalmente do laicato, dedicando-lhe o

    captulo IV da Lumen gentium e o decreto sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem. No

    perodo ps-conciliar teve grande significado a exortao apostlica de Joo Paulo II, Christifideles

    laici de 1988, resultado do Snodo de 1987, dedicado ao laicato. Esse texto, mais do que trazer

    novidade, uma vibrante chamada misso no mundo. Efetivamente, a ateno do Conclio torna-se

    evidente por seu carter positivo na descrio do laicato, j que pe, como prioridade, o fundamento

    sacramental da sua condio (Y. Congar; G. Philips): o batismo, vivido de modo peculiar, ainda que

    no exclusivo, mediante a sua presena prioritria nas situaes de vida mais habituais do nosso

    mundo (famlia, trabalho, educao, cultura, poltica...). Por isso se diz que a ndole secular caracteriza especialmente os leigos[...]. especfico dos leigos, por sua prpria vocao, procurar o

    Reino de Deus exercendo funes temporais e ordenando-as segundo Deus (LG, n. 31).

    A misso do leigo, a partir dessa orientao geral, articula-se seguindo a trplice misso de

    Cristo e da Igreja. Assim, o leigo desempenha a misso sacerdotal (LG, nn. 34; 11) graas ao

    sacerdcio comum exercido por meio de uma vida que oferecimento existencial a Deus e aos irmos: isso significa exatamente o sacerdcio comum. Doutra parte, o leigo desempenha a sua misso proftica (LG, nn. 35; 12) mediante o testemunho da f nas estruturas da vida secular,

    especialmente a vida matrimonial e familiar. Por fim, o leigo exerce a misso do servio, a misso rgia (LG, n. 36), por meio do seu esforo de dilatar o Reino de Deus, reino de verdade e vida, reino de santidade e graa, reino de justia, amor e paz. Toda a constituio conciliar Gaudium et Spes constitui um documento fundamental para explicar essa misso de servio no mundo.

    Alm do mais, o Vaticano II d toda ateno articulao associativa eclesial dos leigos, em

    virtude da misso deles e do testemunho evangelizador no mundo. Essa , sem dvida, uma questo

    muito palpitante em todo o perodo ps-conciliar que viu surgir novas formas de movimentos e

    associaes leigas, da maneira como o atesta a Christifideles laici. Nesse contexto, em que se

    verificam os critrios para discernir os novos movimentos, pode-se observar como essa exortao

    apostlica, seguindo os passos do prprio Conclio (AA, n. 20), enumera explicitamente como

    associao apenas a Ao Catlica (CfL, n. 31).

    Essa referncia especial decorre da ateno muito particular que os papas lhe deram. A Ao

    Catlica, para Paulo VI e Joo Paulo II, uma forma singular de ministerialidade laical, especificamente voltada para a colaborao com os pastores. Com efeito, de acordo com a doutrina conciliar das quatro caractersticas (eclesialidade evangelizadora, protagonismo laical, organizao

    prpria e comunho orgnica com o ministrio pastoral) (cf. AA, 20-24), a Ao Catlica no apenas

    uma associao mas, em suas diversas formas, ainda que possa existir sem essas caractersticas

    concretas, tem a vocao de manifestar a forma apostlica habitual dos leigos da diocese como organismo que rene os leigos de maneira estvel e associativa na dinmica da pastoral diocesana.

    Trata-se de uma instituio semelhante a outras estruturas diocesanas, como a parquia, que tambm

    forma habitual, no nica e exclusiva, e sim a mais comum da estrutura pastoral de uma diocese (CfL, nn. 26ss).

  • 2. O ministrio ordenado: a servio de seus irmos

    O Vaticano II atesta que para apascentar e aumentar sempre o Povo de Deus, Cristo, o Senhor, instituiu, na sua Igreja, uma variedade de ministrios que tendem ao bem de todo o Corpo. Pois os

    ministros que so revestidos do sagrado poder servem a seus irmos (LG, n. 18). Esse poder sacramental ou sacerdcio ministerial o que se d em virtude da ordenao do bispo, o qual tem a

    plenitude do sacerdcio, e dos presbteros, que so seus colaboradores (LG, n. 28). Os diconos, a seu modo, participam do sacramento da Ordem: so-lhes impostas as mos, no para o sacerdcio, mas para o ministrio (LG, n. 29). O ministrio do bispo e dos presbteros o sacerdcio ministerial pelo poder sagrado de que goza, forma e rege o povo sacerdotal, realiza o sacrifcio eucarstico na pessoa de Cristo e o oferece a Deus em nome de todo o povo (LG, n. 10). Note-se que o Vaticano II procurou usar a palavra mais adequada e fundamentada biblicamente: ministrio e servio para falar do bispo e dos presbteros e assim poder limitar a palavra sacerdcio ao sacerdcio comum que o dos batizados, ainda que no prescindindo totalmente do termo sacerdote, graas ao seu amplo uso popular e eclesial.

    A solene declarao conciliar sobre o episcopado como plenitude do sacramento da Ordem (LG, n. 21) representa um resgate da compreenso mais antiga do bispo como sucessor dos apstolos e, por isso, precisamente o pastor da Igreja diocesana. A partir disso, faz-nos lembrar que nelas (nas Igrejas diocesanas) e por elas que existe a Igreja catlica, una e nica (LG, n.23). Entre as Igrejas diocesanas, exerce um primado definitivo a Igreja de Roma, com o seu bispo, o Papa,

    sucessor de Pedro. Nesse contexto, entendem-se as declaraes do Conclio Vaticano I (1870) sobre o

    primado do papa e sua infalibilidade nas circunstncias especficas, cuja misso a de salvaguardar

    toda a Igreja na unidade da f e de comunho.

    3. A vida consagrada: o testemunho radical dos conselhos evanglicos

    No Vaticano II, pela primeira vez um Conclio trata dos religiosos e isso comprova o papel decisivo que lhes confiado, na Igreja, com testemunhas especiais do tempo presente e da plenitude

    escatolgica. O estado deles apresentado com uma expresso mais dinmica: modalidade de vida, ressaltando que no se trata de um estado intermedirio entre clerical e o laical, mas que de ambos so chamados por Deus alguns fiis (LG, n. 43). Ressalta-se a origem evanglico-carismtica e

    a articulao jurdica da vida consagrada dentro da comunidade da Igreja, tendo presentes os

    mltiplos conselhos evanglicos, a comear dos trs clssicos celibato/virgindade, pobreza, obedincia at outros como o amor, a renncia, o martrio. Definitivamente, a finalidade dos conselhos evanglicos destacar-se na vocao qual a pessoa foi chamada por Deus, para uma maior santidade na Igreja (LG, n. 47). Mais tarde, a exortao ps-sinodal Vita Consecrata, de 1996, ratificou a objetiva excelncia da vida consagrada (nn. 18; 32; 105), que o Vaticano II descreveu como eminente valor (PC, n. 1), e ressaltou, de novo, o testemunho proftico, inclusive das novas formas de vida consagrada, bem como a colaborao pastoral com as dioceses, as parquias e as outras

    realidades eclesiais.

    Adaptado de PI-NINOT, Salvador. Crer na Igreja. So Paulo: Paulinas, 2006.

    Prof. Pe. Pedro A. Kunrath PUCRS.