as concepções de ensino religioso na ldb e na sala de aula · aos meus pais, irmãos e demais...
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TIAGO AUGUSTO KNAPP
AS CONCEPÇÕES DE ENSINO RELIGIOSO NA LDB E NA SALA DE AULA
CANOAS, 2010.
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TIAGO AUGUSTO KNAPP
AS CONCEPÇÕES DE ENSINO RELIGIOSO NA LDB E NA SALA DE AULA
Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de Teologia do
Centro Universitário La Salle, Unilasalle, como exigência
parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Teologia.
Orientação: Profº M. Henri Luiz Fuchs
CANOAS, 2010
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TIAGO AUGUSTO KNAPP
AS CONCEPÇÕES DE ENSINO RELIGIOSO NA LDB E NA SALA DE AULA
Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Teologia do Centro Universitário La Salle – UNILASALLE.
Aprovado pelo avaliador em 7 de dezembro de 2010.
AVALIADOR:
___________________________________ Prof. Dr. Henri Luiz Fuchs
Unilasalle
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida e dons recebidos.
Aos meus pais, irmãos e demais familiares, pelo estímulo.
Aos Irmãos Lassalistas e colegas de formação, pela disponibilidade em ajudar-me.
Ao Profº Henri Luiz Fuchs, orientador deste trabalho.
Aos colegas de trabalho e amigos, pelo apoio.
Enfim, a todos, que colaboraram e auxiliaram na elaboração deste trabalho.
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RESUMO
O presente trabalho desenvolve o tema Ensino Religioso e a LDB. Compreende-se o
processo pelo qual passou a educação nacional, a promulgação das LDBs e os
principais aspectos que caracterizam a educação nacional a partir da LDB 9.394/96.
A LDB aprovada apresenta características novas para o funcionamento de um novo
sistema educacional brasileiro. Durante as várias etapas da elaboração da LDB
9.394/96 surgiram discussões relacionadas ao Ensino Religioso, que culminaram na
redação do art. 33, que recebeu nova redação em 1997 através da lei 9.475/97.
Resulta dessa lei um novo paradigma do Ensino Religioso que passa a ser
compreendido como área do conhecimento, integrante da formação do cidadão,
assegurado o respeito à diversidade. Em termos históricos, nas legislações e
concepções pedagógicas, o ER passou por diferentes concepções: catequético,
teológico e fenômeno religioso. Porém, em sala de aula, muitas vezes, essas
mudanças de concepções não são sentidas. O ER ministrado apresenta forte cunho
catequético. Percebeu-se isso, na análise de planos de aula ministrados nas
diferentes épocas de vigência das concepções desse ensino.
Palavras-chave: LDB. Legislação. Ensino Religioso. Políticas Educacionais. Planos
de Aula.
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RESUMEN
El presente trabajo desarrolla el tema “La Enseñanza Religiosa y La LDB”. Se
comprende el proceso por el que pasó la educación nacional, la promulgación de las
LDBs y los aspectos principales que caracterizan la educación nacional a partir de la
LDB 9.394/96. La LDB aprobada presenta características nuevas para el
funcionamiento de un nuevo sistema educacional brasileño. Durante las etapas de
elaboración de la LDB 9.394/96 surgieron discusiones relativas a la Enseñanza
Religiosa que culminaron en la redacción del Artículo 33, que ha recibido nueva
redacción en 1997 a través de la Ley 9.475/97. De esta Ley resulta un nuevo
paradigma para la Enseñanza Religiosa, que pasa a ser comprendida como área de
conocimiento, integrante de la formación del ciudadano, asegurado el respeto a la
diversidad. En términos históricos, en las legislaciones y concepciones pedagógicas
la Enseñanza Religiosa ha pasado por distintas concepciones: catequética, teológica
y fenómeno religioso. Pero, en el salón de clases, muchas veces, esas
concepciones no son percibidas. La Enseñanza Religiosa ministrada presenta un
fuerte carácter catequético. Se ha percibido eso en el análisis de los Planes de las
lecciones ministradas en los distintos períodos de vigencia de cada una de esas
concepciones de la Enseñanza Religiosa.
Palavras-clave: LDB. Legislación. Ensenãnza Religiosa. Politicas Educacionales.
Planes de Lección.
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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................7 2 LDB 9.394/96...........................................................................................................9
2.1 Antecedentes históricos......................................................................................9
2.2 Trajetória, limites e perspectivas da LDB 9.394/96 ........................................13
2.2.1 Organização da Educação Nacional na LDB 9.394/96...................................15
2.2.1.1 Educação infantil........................................................................................16
2.2.1.2 Ensino Fundamental..................................................................................17
2.2.1.3 Ensino Médio..............................................................................................18
2.2.1.4 Ensino Superior..........................................................................................20
2.2.2 Recursos Financeiros......................................................................................21
2.2.3 Profissionais da Educação...............................................................................22
3 ENSINO RELIGIOSO...........................................................................................23
3.1 Evolução do Ensino Religioso no Brasil: Linha do tempo.............................23
3.1.1 Regime colonial (1500 – 1800)........................................................................24
3.1.2 Horizonte do Regalismo (1800 – 1889)...........................................................25
3.1.3 Horizonte do Positivismo (1889 – 1930)..........................................................26
3.1.4 Horizonte do Nacionalismo (1930 – 1945)......................................................27
3.1.5 Horizonte do Liberalismo.................................................................................29
3.2 Ensino Religioso e a LDB.....................................................................................29
3.2.1 LDB de 1961 – Lei 4.924/61 - Modelo Teológico............................................30
3.2.2 LDB de 1971 – Lei 5.692/71 – Modelo Antropológico.....................................31
3.2.3 LDB 9.394/96, alterada pela LDB 9.475/97 no seu Artigo 33 – Modelo da
Fenomenologia Religiosa................................................................................32
3.2.3.1 Novo Paradigma do Ensino Religioso........................................................34
4 A EVOLUÇÃO DO NOVO PARADIGMA DO ENSINO RELIGIOSO NO CAMPO PEDAGÓGICO.....................................................................................................39
4.1 Concepção Teológica........................................................................................39 4.2 Concepção Antropológico.................................................................................41 4.3 Concepção do Fenômeno Religioso.................................................................44 5 CONCLUSÃO.......................................................................................................48
REFERÊNCIAS....................................................................................................50
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1 INTRODUÇÃO
Estamos em tempos de mudanças no mundo da educação. A prática do
Ensino Religioso vem sendo renovada desde os anos 60. Em cada fase da história
houve tendências para o Ensino Religioso escolar, expressas pelas Leis de
Diretrizes e bases, que se confrontam com as tendências políticas das leis em nível
nacional.
Propus como tema de pesquisa: O Ensino Religioso e a LDB. Esta pesquisa
foi formulada com base em perguntas chaves, tais como: Quais os antecedentes
históricos da LDB 9.394/96? Que tipo de Ensino Religioso atende às exigências do
art. 33 da LDB nº. 9.394/96, de acordo com a redação dada pela lei 9.395/97, e
quais as suas consequências pedagógicas? Quais são os modelos de ER existentes
a partir das Leis de Diretrizes e Bases? Para que essas perguntas fossem melhor
respondidas e para melhor compreender elementos importantes do ER, foram
consultadas obras bibliográficas, legislações e profissionais do Ensino Religioso.
A pesquisa realizada me motiva, pois como docente da área do Ensino
Religioso, sinto-me desafiado a compreender os elementos que dão suporte às
atuais exigências presentes na prática do mesmo, a seguir atuante nessa história e
fornecer subsídio para profissionais da educação e demais interessados nessa área
do conhecimento.
Analisaremos, no primeiro capítulo dessa pesquisa, aspectos relevantes da
LDB 9.394/96, como os antecedentes históricos, a sua elaboração e promulgação e
a nova concepção de educação que decorre dessa LDB.
O Ensino Religioso possui uma grande trajetória nacional, marcada por
polêmicas e conquistas, como poderemos observar na linha do tempo do Ensino
Religioso traçada no segundo capítulo, com o objetivo de compreender a história
que pesa sobre esse ensino, dando maior destaque aos últimos 60 anos, período
em que o ER começa a despertar aos olhos de todos e se torna área do
conhecimento.
No terceiro capítulo, continuaremos estudando a evolução do Ensino
Religioso, porém não com base nas legislações, mas nas práticas pedagógicas, com
o objetivo de verificar se os avanços conquistados nas legislações se consolidaram
no campo pedagógico. Para isso, buscou-se, através de contatos, planos de aula
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ministrados dentro das diferentes concepções de Ensino Religioso. Os planos foram
retirados de arquivo pessoal e de livros didáticos, cedidos generosamente por
profissionais da área do ER. É importante destacar a dificuldade para encontrar
planos de aula de Ensino Religioso, tanto pela pouca quantidade de livros
existentes, como pelo reduzido número de profissionais que se dedicam a esse
ensino.
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2 LEI DE DIRETRIZES E BASES 9.394/96
Neste capítulo iremos apresentar aspectos relevantes da LDB 9.394/96 com o
intuito de compreender a caracterização da educação brasileira a partir da sua
redação de 1996.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional envolve o funcionamento
das redes escolares, a formação de professores, recursos financeiros, técnicos e
humanos, promoção de alunos, o poder público, etc. Daí nasce a política e o
planejamento educacional. Seu conteúdo normativo prioriza aspectos referentes à
educação, pois sua competência é disciplinar a vida escolar. Ela é uma lei indicativa
e não resolutiva, assim sendo, alguns detalhes no dia a dia do funcionamento
escolar devem ser objeto de leis menores (SOUZA; SILVA, 1997).
2.1 Antecedentes históricos
A LDB 9.394/96, objeto de estudo nesse capítulo, não é um fato isolado na
história. Por esse motivo, faz-se necessário destacar antecedentes históricos que
nos levaram até ela.
A Educação Nacional é garantida jurídica e financeiramente no território
nacional a pouco mais de sessenta anos. Tivemos em nível nacional somente uma
lei antes do período mencionado acima, mais conhecida como Lei Nacional de 1887.
Foi a primeira lei que, na área da educação, abrangeu todo o nosso território. Entre
outros, seus destaques ficam em relação à regulação dos salários dos professores,
à regulação do currículo das escolas primárias e da sua gratuidade. Esta lei durou
apenas oito anos, pois o Brasil, de um país centralizado, passou a ser um país
descentralizado em relação a alguns poderes. Esses poderes, entre eles a
educação, tornaram-se incumbência dos estados, na época chamados de Províncias
(CURY, 1997).
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As Províncias não possuíam condições de manter um Ensino com qualidade.
Eram pouco equipadas, tanto econômica como tecnicamente. Tivemos, assim, um
século em que a educação foi pouco ou quase nada desenvolvida. Muitos fatos
fizeram com que o contrário acontecesse, havendo um retrocesso, como em 1889,
ano em que houve a separação entre o Estado e a Igreja, tornando-se assim o país
um Estado Laico e conseqüentemente houve a exclusão do Ensino Religioso das
escolas (SAVIANI, 1997).
Para a educação possuir fatores ou princípios válidos para todo o território
nacional era necessário a implantação de uma lei com abrangência nacional. A
reconstrução aconteceu, porém, num processo lento, com direito a empurra-empurra
do poder central e do poder das Províncias. Várias tentativas foram feitas, e em
revisão constitucional no ano de 1925 e 1926 instituiu-se a gratuidade para o ensino,
e a obrigatoriedade da escola primária para todo o país. Demorou, portanto, cem
anos até a reconstrução da lei que afirmasse a importância da Educação possuir
princípios válidos para todo o Brasil (CURY, 1997).
Saviani (1997), porém, afirma que efetivamente só após a Revolução de 1930,
quando é criado o Ministério da Educação e Saúde, que a educação é reconhecida
como questão nacional. Houve na sequência outras leis de nível nacional relativas à
educação, como as reformas de 19311, o manifesto de 19322, a constituição de
19343 e em 1942 e 1946 foram elaboradas as leis orgânicas do ensino. Foi nesse
ano, em 1946, que tivemos a primeira lei nacional sobre o ensino primário, que o
tornava obrigatório e gratuito em todo território nacional, além de fixar a educação
como direito de todo cidadão e garantir à União o dever de definir as diretrizes da
educação no território nacional. Também, nesse ano, foi aberta a possibilidade para
a implantação de um sistema nacional de educação, com objetivo de democratizá-la
e universalizá-la.
A União, para atender a missão de legislar sobre as diretrizes e bases da
educação nacional, através do ministro da Educação e Saúde, Clemente Mariani,
formou uma equipe para a elaboração de um projeto para a LDB. Para formar a
comissão de formulação do projeto foram convidados os melhores educadores do
1 Reformas do Ministro Campos Salles. 2 Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Apontou na direção de um sistema Nacional de Educação. 3 Constituição que colocou a exigência de fixação das diretrizes da educação nacional e elaboração de um plano Nacional de Educação.
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ensino primário4, médio5 e superior6 do país. A equipe era composta, na sua grande
maioria, por integrantes com tendências pedagógicas renovadoras. Essa tendência
refletiu-se no projeto elaborado pela equipe. O resultado dos trabalhos da comissão,
juntamente com os ajustes de Clemente Mariani, que estava em consonância com a
coalizão conservadora que sustentava o Governo, resultou num projeto com
característica “moderna conservadora” (SAVIANI, 2008,).
Após a elaboração do projeto ou anteprojeto, o mesmo foi encaminhado para a
Câmara Federal. Foi o início de uma longa caminhada até a aprovação da lei, que
resultou na LDB 4.024/61. Desde o encaminhamento, em 1948, e a sua aprovação,
em 1961, passaram-se 13 longos anos. Talvez seja este o projeto mais vezes
modificado e debatido na Câmara (ROMANELLI, 1985).
Após criação da LDB 4.024/61, as manifestações ou posições em vista do ato
feito foram variadas, passando de um otimismo exagerado de um lado e de
pessimismo de outro. Tanto para os pessimistas, como para os otimistas, uma coisa
deve ser levada a sério: “nenhuma lei é capaz, por si só, de operar transformações
profundas, por mais avançada que seja, nem tampouco de retardar, também por si
só, o ritmo de progresso de uma sociedade, por mais retrograda que seja” (sic)
(ROMANELLI, 1985, p. 178).
Apresentaremos, a seguir, os objetivos definidos para a lei 4.024/61.
Art. 1º - A educação nacional, inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim: a) A compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade; b) O respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem; c) O fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional; d) O desenvolvimento integral da personalidade humana e sua participação na obra do bem comum; e) O preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes permitem utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio; f) Preservação e expansão do patrimônio cultural;
4 Teve como presidente o senhor Almeida Junior e integrada por Carneiro Leão, Teixeira de Freitas, Celso Kelly e Coronel Agrícola da Câmara Lobo Bethlem. 5 Teve como presidente Fernando de Azevedo e integrada por Alceu Amoroso Lima, Arthur Filho, Joaquim Faria Goes e Maria Junqueira Schmidt. 6 Teve como presidente Pedro Calmon e integrada por Cesário de Andrade, Mario Paulo de Brito, Padre Leonel Franca e Levi Fernandes.
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g) A condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como quaisquer preconceitos de classe ou raça.
Após a promulgação da lei, a educação passou a ter a seguinte estrutura:
educação pré-primária, ensino primário, ensino médio e ensino superior. Os
currículos deixaram de ser padronizados, pois alguns estabelecimentos passaram a
ter matérias optativas. O currículo foi dividido em três partes: uma parte nacional,
outra regional e por fim uma própria dos estabelecimentos. Esta última podia
escolher disciplinas, além das obrigatórias, para serem ministradas conforme lista
elaborada pelo Conselho de Educação do Estado (PILETTI, 1994).
Recém implantada, a lei 4.024/61 já começava a sofrer influências com os fatos
e acontecimentos da conjuntura política da época. Em 1964 houve o golpe militar7. O
país se industrializava. Era preciso um modelo diferente de escola, de educação.
Era necessária uma reformulação da lei. A LDB 4.024/61 possuía um carinho
especial pelo ensino fundamental, porém se fazia necessário pensar numa escola
média e profissionalizante que formasse mão de obra para o mercado. Antes criou-
se uma lei especial para o ensino superior, conhecida como 4.540/68. Três anos
depois, gesta-se uma lei que tramita rapidamente pelo Congresso e que impõe a lei
da profissionalização universal. Surge assim a LDB 5.692/71 que fixa as diretrizes
para o primeiro e segundo grau (CURY, 1997).
Os objetivos da LDB 5.692/71 são os mesmos da 4.024/61. A reforma
aumentou o número de matérias obrigatórias, sem contar com o ER que possui
matrícula facultativa (PILETTI, 1994).
Pelo fato de ser elaborada por um pequeno grupo, a LDB 5.692/71 não contou
com a participação da comunidade, motivo pelo qual aconteceram várias críticas.
Por isso, alguns artigos dessa LDB foram alterados em 1982, pela lei nº 7.044/82,
que dá nova redação aos artigos 1º, 4º, 5º, 6º, 8º, 12, 16, 22, 30 e 76 da Lei nº 5.692
(CURY, 1997).
Com a lei de 1982, os estabelecimentos ficaram livres quanto à obrigatoriedade
para oferecer habilitação profissional, ou seja, as escolas ficaram livres para
oferecer ou não o ensino profissionalizante. Observou-se nessa época que grande
parte dos estabelecimentos de ensino burlava a lei. Alguns elaboravam um currículo
7 Caracterizou-se pela falta de democracia, censura e perseguição política.
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para a fiscalização ver, enquanto os estudantes estudavam com base num currículo
diferente (PILETTI, 1994).
Os antecedentes históricos, citados acima, colaboraram para a promulgação da
LDB 9.394/96, que veremos a seguir.
2.2 Trajetória, limites e perspectivas da LDB 9.394/96
Passaremos, a seguir, a descrever a trajetória, limites, objetivos e perspectivas
da lei 9.394/96.
Em 1986, no estado de Goiás, aconteceu a IV Conferência Brasileira de
Educação, que teve como tema a “Educação e a Constituinte”. Nessa conferência foi
aprovada a “Carta de Goiânia”, uma espécie de proposta educacional para a
educação, na qual previa-se a manutenção do artigo que dava à União a
competência de legislar sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Em
1987, ano em que houve muitas mobilizações para incluir as propostas da Carta de
Goiânia na Constituição, iniciou-se o movimento para elaboração das novas Leis de
Diretrizes e bases (SAVIANI, 1998).
Para a elaboração da nova LDB o ensino público e o privado apresentaram
propostas de legislação. O público, através de entidades, como a UNE, CUT, CGT,
OAB, UBES, entre outras, apresentam vários projetos, todos eles com pontos em
comum: gestão democrática, credenciamento e avaliação de universidades, salário-
educação para o Ensino Fundamental, o controle com os gastos na educação, etc.
O Ensino Privado, formado por dois segmentos, religioso e empresarial, também
apresentou suas propostas. O religioso católico reuniu sugestões de setores
educacionais ligados à Igreja Católica e apresentou uma proposta unificada para a
nova LDB. A Associação de Educação Católica (AEC) ficou encarregada de
organizar o debate entre as escolas católicas de onde surgiu um documento sobre a
LDB. A CNBB, ABESC e o CIMI participaram na elaboração do documento. O
empresarial foi representado pela Federação Nacional de Estabelecimentos de
Ensino (FENEN). Apresentou uma proposta pouco detalhista, apenas com princípios
básicos. Notou-se uma grande divergência entre os segmentos religioso e
empresarial, porém com alguns pontos de unidade (CURY, 1997).
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A tramitação do projeto da nova LDB iniciou em 1988, através do deputado
Octávio Elísio, com o seguinte texto: “Contribuição à elaboração da nova LDB: um
início de conversa”, redigido por Demerval Saviani (CURY, 1997).
O projeto inicial apresentado por Octávio Elísio foi bastante modificado,
recebendo cerca de 1.260 novas emendas, incorporadas pelo deputado Jorge Hage
e pela deputada Ângela Amin, ambos relatores. Foi uma época de conflitos, como
pressões e negociações para garantir um projeto de lei democrático. O projeto
resultante foi aprovado sob o número 1258/88 pelo plenário da Câmara, em 1993.
No mesmo ano foi encaminhado ao Senado, sob o número 101/93, tendo como
relator o Senador Cid Sabóia. No Senado o projeto da Câmara foi aprovado apenas
em 1995, mas não foi votado nessa casa. Nesse ano, 1995, o senador Darcy Ribeiro
foi indicado como relator. Darcy havia apresentado um projeto próprio que tramitava
paralelamente ao projeto da câmara. O seu projeto foi subscrito pelos senadores
Mauricio Correa e Marco Maciel que conseguiram sua aprovação pelo plenário. Por
questões regimentais, o projeto precisou retornar outra vez à Câmara e José Jorge,
deputado e relator, conseguiu aprová-lo no dia 17 de dezembro de 1996 (APHUB).
A nova LDB, a 9.394/96, foi aprovada na câmara dos deputados em 17 de
dezembro de 1996 e sancionada no dia 20 de dezembro por Fernando Henrique
Cardoso, Presidente da República.
A exemplo da LDB de 1961, foram necessários vários anos para a aprovação
da LDB de 1996. Passaram-se oito anos desde o início da tramitação do projeto na
Câmara até a promulgação da lei. A iniciativa foi da Câmara legislativa, sendo
seguida pelo Senado. O texto final foi composto pelas duas partes, porém, o projeto
da Câmara ficou recessivo frente a dominância do projeto do Senado (CURY, 1997).
O projeto do Senado recebeu apoio de vários ministros da educação pelo fato
de haver consonância entre o projeto e as políticas educacionais adotadas pelo
governo nos últimos anos. O projeto da Câmara teve apoio das entidades do Fórum
Nacional em Defesa da Escola Pública (APHUB).
Toda lei carrega ao mesmo tempo um grau de esperança e um pouco de dor.
Algumas vezes os interesses depositados na lei são satisfeitos, outras, não. A LDB
9.394/96 carregou vozes de esperança e de dores, as quais lhe deram vida e outras
tantas que foram silenciadas ou abafadas (CURY, 1997).
As vozes de esperança e de dor não formam uma harmonia. São vozes
contraditórias que cantam valores diferentes. Dessa “harmonia” participam inúmeras
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vozes e de todas as camadas sociais. Há as dominantes, as recessivas, as
abafadas e as ausentes (CURY, 2004).
Quando discutida, toda lei traz à tona uma série de expectativas e de
esperanças. Ao ser aprovada, ganha adesão daqueles que depositaram suas
expectativas nela. Para os demais, que não apostaram na lei, restam as críticas, a
partir das quais podem ser feitas mudanças futuras. Quando aprovada a lei, ela se
impõe. Para os que tiveram suas expectativas frustradas resta a conformidade crítica
e haverá uma adesão menor entre o sujeito e o objeto, ou seja, entre o frustrado e a
lei. Para ele a lei torna-se um desafio (CURY, 2004).
2.2.1 Organização da Educação Nacional na LDB 9.394/96
A LDB aprovada apresenta características novas para o funcionamento de um
novo sistema educacional brasileiro. Possui definições políticas que orientaram o
sistema educacional brasileiro.
Apresentaremos a seguir alguns aspectos da lei que nos ajudam a entendê-
la.
A nova LDB está organizada com a seguinte estrutura:
Título I – Da Educação ( art. 1º)
Tìtulo II – Dos Princípios e Fins da Educação Nacional (art. 2º e art. 3º)
Título III – Do Direito à Educação e do Dever de Educar ( art. 4º ao art. 7º)
Título IV – Da Organização da Educação Nacional ( art. 8º ao art. 20º)
Título V – Dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino ( art. 21º ao
art. 60)
Capítulo I – Da composição dos Níveis Escolares ( art. 21º)
Capítulo II – Da Educação Básica ( art. 22º ao art. 38º)
Seção I – Das Disposições Gerais ( art. 22º ao art. 28º)
Seção II – Da Educação Infantil ( art. 29º ao art. 31º)
Seção III – Do Ensino Fundamental ( art. 32º ao art. 34º)
Seção IV – Do Ensino Médio ( art. 35º e art. 36º)
Seção V – Da Educação de Jovens e Adultos ( art. 37º e art. 38º)
Capítulo III – Da Educação Profissional ( art. 39º ao art. 42º)
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Capítulo IV – Da Educação Superior ( art. 43º ao art. 57º)
Capítulo V – Da educação Especial ( art. 58º ao art. 60º)
Título VI – Dos profissionais da Educação ( art. 61º ao art. 67º)
Título VII – Dos recursos Financeiros ( art. 68º ao art. 77º)
Título VIII – Das disposições Gerais ( art. 78º ao art. 86º)
Título IX – Das disposições Transitórias ( art. 87º ao 92º)
A lei de diretrizes e bases trouxe mudanças significativas para a educação
básica brasileira. A educação básica passa a ter uma nova concepção. Observemos
o art 1º da lei 9.394/97.
Art 1º - A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º. Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. § 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.
O novo conceito ou concepção de educação engloba a vida cultural e social.
Busca tirar a distância entre a teoria e a prática e vincular a educação com os
processos de formação humana. Essas novas perspectivas garantem a formação de
indivíduos conscientes com aceitação e inserção na sociedade (BRZEZINSKI,
1998).
A nova conceituação de Educação básica é refletida em cada etapa ou nível.
Vejamos os níveis escolares:
Art 21º - a educação escolar compõem-se de: I – educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e médio; II – educação superior.
Cada nível possui finalidades e funções que complementam-se. Vejamos cada
nível, conforme o que nos apresenta a lei 9.394/96.
2.2.1.1 Educação infantil
A mudança existente na educação infantil está expressa na Seção II, em seus
artigos 29º, 30º e 31º. Vejamos:
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Art. 29º - A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30º - A educação infantil será oferecida em: I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças com até três anos de idade; I - pré-escola, para crianças de quatro a seis anos de idade; Art 31º - Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.
Na LDB 9.394/96 fica evidente a importância e o reconhecimento da educação
infantil para a formação humana. A educação passa a ser um processo continuo. A
educação infantil passa a ter seis anos: três de atendimento em creches e três em
pré-escola. A manutenção da educação infantil é motivo de alegria, pois houve
grandes discussões em torno dela. Durante o processo de elaboração da lei, ela
chegou a ser excluída da educação básica, porém, antes da promulgação da lei, a
educação infantil foi reinserida em seu texto (BRZEZINSKI, 1998).
Como já vimos anteriormente, algumas pessoas mostram-se otimistas com os
resultados conquistados e outros mostram pessimismo; alguns demonstram
esperança e outros, dor. Alguns demonstram alegria com a ênfase dada à educação
infantil, mesmo que somente em três artigos e de forma bem suscinta, outros
reclamam de sua “quase” ausência. Ester Grossi (1997) mostra descontentamento
afirmando que a educação infantil está quase ausente da LDB. Grossi destaca a
importância dessa etapa da educação, pois, nessa idade, as crianças aprendem
necessidades básicas para o convívio e as aprendizagens dessa época possuem
importância para toda a vida.
2.2.1.2 Ensino Fundamental
É a segunda etapa da educação básica. Vejamos, na Seção III da LDB, o art.
32º.
Art: 32º - O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola publica terá por objetivo a educação básica do cidadão, mediante:
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I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidade e a formação de atitudes e valores; IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
Após a conclusão da etapa da educação infantil, aos sete anos, inicia-se a
etapa do ensino fundamental, que possui duração de oito anos. A idade é facultativa,
sendo possível matricular-se no ensino fundamental sem levar em conta o limite de
idade, havendo uma democratização da educação. A exclusão do limite de idades é
uma das grandes conquistas na LDB. Anteriormente eram excluídos do direito de
matricular-se aqueles que haviam completado 14 anos. Havia, dessa forma, uma
massa de milhões de analfabetos sem direito à educação. Com a reversão desse
quadro de exclusão, o ensino fundamental pôde contribuir ainda mais para a
sociedade, assumindo assim a sua função social (BRZEZINSKI, 1998).
Art 32 - §1º. É facultativo aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos. §2º. Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino. §3. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. §4. O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.
O §1 permite que o Ensino Fundamental seja desdobrado em ciclos, com a
intenção de diminuir a repetência e facilitar o fluxo do aluno. O art. 32º possui grande
identidade com o que era estabelecido como fins da educação na lei 4.024/61
(SILVA; SANTOS, 1998).
2.2.1.3 Ensino Médio
É a terceira etapa da educação básica. O ensino médio é apresentado na lei
9.394/96, na Seção IV, em seus artigos 35º e 36º. Vejamos:
19
Art 35º - O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos; II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina;
O art. 35º fixa a duração mínima dessa etapa de ensino em três anos e
estabelece as suas finalidades.
Art 36º - O currículo do ensino médio observará o disposto na seção I deste capítulo e as seguintes diretrizes8: I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes, o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura, a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania; II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa de estudantes; III – será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição. §1º. Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o estudante demonstre: I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II – conhecimento das formas contemporâneas de linguagem; III – domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania; §2º. O ensino médio, atendida a formação geral do estudante, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas. §3º. Os cursos de ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos. §4º. A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional.
O ensino médio consolida e aprofunda os conhecimentos adquiridos nas
etapas anteriores. Visa dotar o estudante de conhecimentos sobre as profissões.
8 O art 36 faz referencia ao Título V, Capítulo II, art 26º. Art 26º - Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
20
Para que possa incorporar valores necessários à vida humana, o ensino médio
tende buscar a formação humanística do educando. O artigo 36º da lei 9.394/96
cuida do currículo do ensino médio. O destaque nesse artigo encontra-se no §1º que
trata das formas contemporâneas de linguagem, como a informática e às línguas
vivas (SOUZA, SILVA; 1997).
2.2.1.4. Ensino Superior
Vejamos o artigo 43º:
Art 43º - A educação superior tem por finalidades: I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV – promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V – suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VII – promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão de conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica gerada na instituição.
O Ensino Superior possui sete finalidades. Cabe a esse nível de ensino
estimular a criação cultural. Visa à formação contínua da pessoa, que deve ser
formada para o exercício de sua profissão e para a inserção na sociedade (SOUZA;
SILVA, 1997).
É de suma importância dar destaque também à educação profissional. A
educação profissional talvez tenha sido um dos assuntos mais difíceis de ser
trabalhado durante a elaboração da lei. Ela não substitui a educação básica. É um
complemento ou uma forma de aprofundamento. Pode ser feito após ou
concomitantemente a educação básica. É considerada, não somente um
21
componente da educação, mas um direito de todos, em face da importância do
trabalho para a sociedade (BRZEZINSKI, 1998).
2.2.2 Recursos financeiros
A LDB 9.394/96 afirma, de forma bem clara, o que constitui despesa e
manutenção do ensino. Vejamos o art. 70º:
Art 70º - considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento de ensino as despesas realizadas com vista à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam: I – à remuneração e aperfeiçoamento de pessoal docente e demais profissionais da educação; II – à aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino; III – ao uso e à manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino; IV – levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino; V – realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino; VI – concessão de bolsas de estudos a alunos de escolas públicas e privadas; VII – amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos inícios desse artigo; VIII – aquisição de material escolar e manutenção de programas de transporte escolar.
Isso facilita o acompanhamento da destinação dos recursos previstos para a
educação. A união deverá aplicar 18% na educação e os estados e municípios
deverão aplicar 25%.
Art 69º - A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas Constituições ou leis orgânicas, da receita resultante de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, da manutenção e desenvolvimento do ensino público.
A clareza da lei nos aspectos relacionados ao financiamento da educação é um
avanço diante da situação atual, em que grande parte dos desvios de recursos
destinados à educação eram argumentados ou justificados pela falta de clareza da
lei (APHUB).
22
2.2.3 Profissionais da Educação
A lei 9.394/96, nos seus artigos 62, 63 e 64, chama os profissionais da
educação de docentes da educação infantil, docentes do ensino fundamental,
docentes do ensino médio, docentes da educação profissional, administradores
escolares, planejadores educacionais e orientadores educacionais (SILVA, 2003, p.
192 e 193).
Existem muitos avanços no que diz respeito à formação de profissionais na
nova LDB. O principal deles é a associação entre a teoria e prática (BRZEZINSKI,
1998).
Art. 61º - A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades do ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
I – a associação entre teoria e prática, inclusive mediante a capacitação em serviço;
II – aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades.
Chamam atenção nesse título as questões relacionadas à formação dos
profissionais da educação. A LDB 9.394/96 estabelece exigências para a formação
de profissionais da educação de todos os níveis. Ela poderá ocorrer em
universidades, institutos superiores e em outras instituições de ensino superior
credenciadas.
Art 62º - A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Com a implantação da LDB 9.394/96 uma nova visão educativa foi criada.
Muitos artigos que nela encontramos contribuíram para mudanças importantes,
enquanto outros que constam na lei implantada nunca saíram do papel. Hoje, mais
de uma década depois da sua promulgação, a nova LDB continua sendo um dos
principais instrumentos para concretizar os direitos educacionais. Basta
reconhecermos a sua importância para a educação brasileira e lutarmos para que
sejam efetivadas as diretrizes que permanecem no papel.
23
3 ENSINO RELIGIOSO
Durante as várias etapas da elaboração da LDB 9.394/96 ocorreram muitas
discussões relacionadas ao ER. Nos projetos da LDB constavam emendas a favor e
outras contra a inclusão desse ensino em seu conteúdo. Ao final do processo de
tramitação do projeto, a nova LDB incluiu-o na forma do Artigo 33 (CARON, 1998).
A nova lei do Ensino Religioso não correspondeu à expectativa criada por parte
da sociedade. Essa frustração se deu, principalmente, pelo fato de haver no Artigo
33 a seguinte expressão: “sem ônus para os cofres públicos”. Os setores da
sociedade que sentiam-se frustrados atuaram juntos para dar outra redação ao
Artigo 33, com o objetivo de retirar a expressão. Os objetivos de tais setores foram
alcançados com a aprovação da lei 9.475/97, que deu nova redação ao Artigo,
retirando a expressão (CARON, 1998).
O Artigo 33 da LDB 9.394/96, alterado pela lei 9.475/97, que trata do Ensino
Religioso, é uma grande vitória e, ao mesmo tempo, um desafio. Vitória pelo fato de
colocar o ER como disciplina dos horários normais das escolas e por considerá-lo
parte integrante da formação do cidadão. Desafio porque o Ensino Religioso mudou.
Agora ele faz parte do sistema educacional brasileiro e não deve haver proselitismo,
mas respeito com a cultura religiosa do outro (RUEDELL, 1998).
O ER traz consigo as marcas de todos os acontecimentos presentes ao longo
da história do Brasil. A seguir situaremos o Ensino Religioso numa linha de tempo,
iniciando na metade dos anos 1500 até os dias atuais, dando maior enfoque aos
últimos 60 anos.
3.1 Evolução do Ensino Religioso no Brasil: Linha do tempo
O Grupo de Reflexão sobre o Ensino Religioso, GRERE, compara o ER com
um “menino”, com a finalidade de encontrar uma linguagem comum, para que seja
compreendido por professores e demais pessoas interessadas na área. A expressão
menino é um símbolo usado para demonstrar o que acontece com o Ensino
Religioso brasileiro. No Brasil, o ER nasceu e ficou preso ao contexto social, político,
24
econômico e cultural que não lhe permitiam caminhar com as suas próprias pernas.
Mesmo com séculos de vida, ele continua “menino”. Apesar de ser alvo de muitas
polêmicas, o menino não desiste e busca o que é seu de direito: estar inserido no
sistema educacional brasileiro (CNBB, 2007).
Situaremos abaixo, numa linha de tempo, ao longo dos séculos, a história que
pesa sobre os ombros do “menino”.
3.1.1 Regime colonial (1500 – 1800)
O ER é visto como cristianização por delegação pontifícia. O ensino da religião
é questão de acordos entre o Sumo Pontífice (Igreja Católica) e o Monarca de
Portugal. Visava a conquista de novos fiéis. Índios e negros eram conquistados para
aderir ao catolicismo e aos sistemas civilizatórios. Era utilizado o método da
doutrinação, ou seja, o ER religioso caracterizava-se como catequese
(FIGUEIREDO, 1995).
Desde a colonização, na época da exploração das riquezas, o projeto
colonizador pretendia a conquista de adeptos a fé católica. A Igreja Católica
propagava a fé para cumprir os acordos com o Monarca Português e ao mesmo
tempo, o Monarca repassava recursos necessários para a propagação da fé e à
manutenção do Clero (CNBB, 2007).
Através da transmissão das principais verdades da fé católica, o Ensino
Religioso se efetivava. Vivia-se no regime do padroado. Igreja e Estado eram
parceiros. Em 1707 foram criadas as “Constituições Primeiras do Arcebispado de
Bahia”9: espécie de Lei Maior para o Estado e a Igreja. Estas constituições traziam o
catecismo destinado aos meninos que estudavam tanto em escolas situadas na
casa paroquial ou em casas particulares (CNBB, 2007).
Durante esses anos o Ensino Religioso foi um meio evangelizador e
instrumento usado para a execução do projeto colonizador.
9 As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia surgiram no ano de 1707, em Salvador – Bahia. Nesse ano
reuniu-se um Sínodo nessa cidade para adequar os conceitos tridentinos às terras brasileiras. Desse encontro
surgiram tais Constituições.
25
3.1.2 Horizonte do Regalismo (1800 – 1889).
A Igreja católica está acorrentada ao Império e junto com ela o Ensino
Religioso escolar. A religião passa a ser dependente e subordinada ao Estado
(Figueiredo, 1995). Vejamos o art 5º da Constituição de 1824:
A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permittidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do templo.
O ER é ligado à metrópole, assumido pelo juramento do Imperador no dia de
sua posse. Vejamos o art. 103º da Constituição de 1824:
O Imperador antes de ser acclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte juramento – Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, a integridade, e invisibilidade do Imperio; observar, e fazer observar a Contituição Politica da Nação Brazileira, e mais leis do império, e prover ao bem geral do Brazil, quanto em mim couber.
Ainda não há nesse período menção ao ER, mas os professores, segundo a
Lei Imperial de 182710, deveriam ministrar aulas sobre a moral cristã e a doutrina
Católica. Não era necessário preocupação com a normatização do ER, pois a
educação estava nas mãos da Igreja (CURY apud SANTO, 2005).
O catecismo da doutrina cristã, conforme o Concílio de Trento, é utilizado nas
escolas, nos diferentes pontos do país. A tolerância religiosa começa a se efetivar,
principalmente no Sul do país, região onde acontecem imigrações de povos
europeus, que trazem consigo outros ramos do Cristianismo. No final desse período,
a Bíblia é introduzida em algumas escolas por ramos protestantes oriundos da
imigração (CNBB, 2007).
O Ensino Religioso fazia parte do currículo escolar e constava nos regimentos
escolares com as seguintes denominações: religião, ensino da religião, catecismo,
instrução religiosa etc. Era momento de situações favoráveis ao ER. (CNBB, 1996).
10 Carta lei que cria escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império.
26
Essa situação mudou com a implantação da República, como veremos no
próximo subtítulo.
3.1.3 Horizonte do Positivismo (1889 – 1930)
Foi o momento de afirmação da Igreja no Brasil. Com a instauração da
República houve a separação entre Igreja e Estado. A igreja deixou de ser atrelada
ao Estado e passou a ser livre. A liberdade nunca experimentada deixou-a
desesperada. Ela ficava na defensiva diante do governo, tomando medidas somente
quando ele tocava em assuntos que lhe diziam respeito. Lutava pelos seus direitos e
pela liberdade religiosa (CNBB, 1996).
É o período no qual o ER trava um grande debate, decorrente do §6º, do Artigo
72º da Constituição Brasileira de 1891.
Art. 72º - A constituição assegura a brazileiros e a estrangeiros residentes no paíz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade nos termos seguintes: §6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos publicos.
Na Constituição de 1891 não ocorrem mudanças somente no ER, mas em toda
educação. O Estado assume o monopólio da educação, indicando o fim do
monopólio da Igreja (SANTO, 2005).
O Artigo 72º é fruto da carta magma, inspirada na Constituição dos Estados
Unidos, que garantia a liberdade religiosa. Porém, o conteúdo da Constituição que
busca garantir a liberdade religiosa é interpretado segundo a concepção francesa,
que proíbe o ER em qualquer estabelecimento público (FIGUEIREDO, 1995).
Muitos debates surgiram após a Constituição. O Ensino Religioso sempre foi
pauta das discussões. Enquanto alguns grupos, como os escolanovistas11,
defendiam a laicidade do ensino, os educadores católicos buscavam a reintrodução
do Ensino Religioso nas escolas (SANTO, 2005).
11 Adeptos ao movimento Escola Nova, surgido no Brasil na década de 1920. Defendiam a educação como a chave para preparar as pessoas frente ao desenvolvimento industrial e urbano.
27
3.1.4 Horizonte do Nacionalismo (1930 – 1945)
A separação do Estado e da Igreja já aconteceu há 40 anos. A Igreja possui
alguns anos de autonomia. Ela passou pela principal fase de adaptação e começa a
se expandir, atingindo maior maturidade e influência na sociedade (CNBB, 1996).
Durante o período anterior foram realizadas campanhas para amenizar ou
reduzir os efeitos da laicidade do Estado sobre a educação. Como resultados
dessas campanhas, em 1931, Getúlio Vargas assina o seguinte decreto, que
explicita o ER:
Art. 1º Fica facultativo, nos estabelecimentos de instrução primária, secundária e normal, o ensino da religião. Art. 2º Da assistência às aulas de religião haverá dispensa para os alunos cujos pais ou tutores, no ato da matrícula, a requererem. Art. 3º Para que o ER seja ministrado nos estabelecimentos oficiais de ensino, é necessário que um grupo de, pelo menos, vinte alunos se proponha a recebê-lo. Art. 4º A organização dos programas de ER e a escolha dos livros de texto ficam a cargo dos ministros do respectivo culto, cujas comunicações, a este respeito, serão transmitidas às autoridades escolares interessadas. Art. 5º A inspeção e vigilância do ER pertencem ao Estado, no que se respeita à disciplina escolar, e às autoridades religiosas no que se refere à doutrina e à moral dos professores.
Este decreto, de 30 de abril de 1931, foi respaldado pelo presidente Getúlio
Vargas em vista de um apoio à Igreja, pois, havendo o apoio político da maioria dos
católicos, seria mais fácil governar o país (JUNQUEIRA et al, 2007).
Admitido no decreto de 1931, o ER também é assegurado na Carta Magma de
1934:
Art. 153º O ensino religioso será de freqüência facultativa e ministrado de acôrdo com os principios da confissão religiosa do alumno, manifestada pelos Paes ou responsaveis, e constituirá materia dos horarios nas escolas publicas primarias, secundarias, profissionaes e normaes.
Existiam várias manifestações ou grupos que surgiram em contrapartida a esse
Artigo, como os “escolanovistas”, grupo contrário ao ER. Eles acreditavam e
defendiam a laicidade, obrigatoriedade e gratuidade do ensino. Para eles, o Ensino
Religioso é tarefa da Igreja, que deveria arcar com o ônus desse ensino. O Estado
28
deveria somente oferecer o espaço da escola para o ER, mas que este deveria ser
ministrado em horários além do escolar (CNBB, 2007).
Através do Artigo 153, a Constituição da República brasileira pretende
salvarguardar a liberdade religiosa, expressa na expressão: “será de freqüência
facultativa”; a confessionalidade, com a expressão “ministrado de acôrdo com os
principios da confissão religiosa do alumno”; a participação da família – “manifestada
pelos Paes ou responsáveis”; a obrigatoriedade do Ensino Religioso – “constituirá
materia dos horarios nas escolas publicas primarias, secundarias, profissionaes e
normaes” (FIGUEIREDO, 1995).
A regularização do Ensino Religioso nas escolas, na Constituição de 1934,
deu-se em meio a várias lutas entre católicos contra uma corrente positivista e
liberal. No Artigo 153 da referida lei é introduzida a expressão “matrícula facultativa”,
que se fará presente nas leis que surgirão daí para frente. Tal expressão tentou
conciliar a confessionalidade do ER com os ideais de liberdade e igualdade
(SANTO, 2005).
Na Constituição de 1937, através do Artigo 133, o Ensino Religioso passa a ser
admitido da seguinte maneira:
O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres e professores, nem de freqüência compulsória por parte dos alunos.
O menino, símbolo usado pelo GRERE para explicar o ER com uma linguagem
popular, está se sentindo da seguinte forma, segundo CNBB (2007, p. 74): “Há um
lugarinho para mim nesta escola? Nem sempre tenho voz aqui, muito menos espaço
definido...Ora, a lei diz que sou facultativo para mestres e alunos”.
O Estado é laico, dando origem a liberdade religiosa, porém, o ER continua
sendo o Ensino da Religião Católica. O aluno de outra crença religiosa é dispensado
dessa disciplina. O ER é ministrado apenas em razão da neutralidade da Lei Maior.
Algumas leis menores trazem dispositivos diferenciados (CNBB, 2007).
29
2.1.5 Horizonte do Liberalismo
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, promulgada a 18 de
setembro, em seu Artigo 168º, refere-se ao Ensino Religioso da seguinte maneira:
A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: V – o ensino religioso constitui disciplina dos horários da escola oficiais, e de matricula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável.
O regime liberal, fase de reconciliação do Estado com a sociedade, abre
espaço para a participação popular. Na Constituição de 1946 o ER é admitido como
dever do Estado e direito do cidadão (CNBB, 2007).
Estamos, em nossa linha do tempo, na metade do século XX. Como já
afirmamos anteriormente, será dado maior destaque aos últimos 60 anos. Para
continuarmos traçar linha do tempo, analisaremos, a partir de agora, o ER nas Leis
de Diretrizes e Bases.
3.2 Ensino Religioso e LDB
Há na história uma diversidade de práticas do Ensino Religioso. Iremos, a partir
de agora, analisar as práticas utilizadas no ER ao longo da história, descrevendo-as
dentro dos modelos de ER. Vários autores apresentam estudos acerca deles. João
Décio Passos (2007), apresenta e descreve três modelos: catequético, teológico e
ciências da religião. Lourdes Caron (2005) apresenta, da mesma forma, três
modelos, porém, com nomes diferentes: teológico, antropológico e fenomenologia
religiosa ou fenômeno religioso.
Neste trabalho analisaremos o ER utilizando os modelos apresentados por
Caron (2005, p. 11). Tais modelos são expressos pelos verbos religere, religare e
relegere.
30
Religere (re-escolher) – Teologia – (saber em si) Religare (re-ligar) – Antropologia – (saber em relação) Relegere (re-ler) – Fenomenologia religiosa – (saber de si)
Cada um dos modelos apresentados por Caron está refletido nas Leis de
Diretrizes e Bases. Vejamos:
3.2.1 LDB de 1961 – Lei 4.024/61 - Modelo Teológico
Este modelo predominou no ER até a metade do século XX. Toda a trajetória
analisada anteriormente deu-se dentro dessa concepção. Ele é expresso pelo verbo
religere, que significa reescolher, com a finalidade de fazer novos seguidores,
caracterizando-se como catequese (CARON, 2005).
Tanto nas escolas cristãs, como nas governamentais dava-se o catecismo,
ainda que a essa prática se desse o nome de Ensino da Religião. O Ensino
Religioso era basicamente aquele ministrado nas escolas de educação cristã ou
confessionais (CNBB, 1996).
A prática catequética faz parte da vida das confissões religiosas com a
finalidade de transmitir seus princípios e doutrinas. Nessa época, a prática
catequética foi a principal base do ensino. A intencionalidade proselitista efetivava
essa prática, ainda que disfarçada. Dessa forma, o modelo teológico não foi de
encontro com os princípios do Estado Laico (PASSOS, 2007).
No modelo teológico existia uma busca pela hegemonia por parte das
confissões religiosas, que, através do Ensino Religioso, tentavam reproduzir seus
princípios e doutrinas. A responsabilidade dos conteúdos da disciplina era da
confissão religiosa. Esse modelo sempre teve uma territorialidade confessional,
criando o risco do proselitismo e da intolerância religiosa (PASSOS, 2007).
Vejamos a lei 4.924/61, no seu Artigo 97, que contempla o modelo teológico:
O ensino religioso constitui disciplina dos horários normais das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado sem ônus para os cofres públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. 1º parágrafo – A formação de classe para o ensino religioso independe de número de alunos;
31
2º parágrafo – O registro de professores de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa.
O espaço adquirido pelo Ensino Religioso na carta Magna de 1946 é perdido
com a implantação da LDB 4.024/61, pois há a inclusão da expressão “sem ônus
para os cofres públicos. Ele continua sendo assegurado como disciplina dos horários
normais, mas não é assumido pela lei (CNBB, 2007).
Continuam a prevalecer os mesmos desafios da confessionalidade, trazendo
como conseqüências o desencontro dos alunos de diferentes credos, pois as aulas
eram ministradas “de acordo com a confissão religiosa do aluno” e eram de
“matrícula facultativa”; a discriminação do profissional da educação na área do ER
que não tem direito à remuneração como qualquer outro profissional, pois a lei
apresenta a expressão “sem ônus para os cofres públicos”; a tendência do ER ser
ministrado por pessoas de determinadas confissões religiosas, não apresentando
vínculo com a escola – “o registro dos professores de Ensino Religioso será
ministrado perante a autoridade religiosa”. A lei apresenta ainda outros desafios
pedagógicos e administrativos, como a divisão das turmas, ausência de espaço para
acomodá-las, controle dos horários etc. (FIGUEIREDO, 1995).
A realidade constatada e expressa no Artigo 97º da lei 4.024/61 ratificou o que
já vinha acontecendo em nosso país. O modelo teológico não esteve presente
somente no período de vigência da LDB de 1961, mas desde o colonialismo e, às
vezes, ainda se faz presente em nosso meio.
3.2.2 LDB de 1971 – Lei 5.692/71 – Modelo Antropológico
O modelo conhecido como antropológico é expresso pelo verbo religare, que
significa religar as pessoas a si, aos outros e a Deus. Nesta concepção, o ER era
entendido como pastoral e aula de valores (CARON, 2005).
Passos (2007) afirma que o segundo modelo procura uma fundamentação para
além da confessionalidade. Nesta concepção o ER deixa de lado a visão catequética
e de expansão proselitista e entra num discurso com a sociedade e com as
confissões religiosas. É um modelo moderno, pois procura promover o diálogo entre
as religiões.
32
Vejamos a lei 5.692/71, no seu Artigo 7º, que reflete a concepção
antropológica.
Art. 7º - Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-lei n. 369, de 12 de setembro de 1969. Parágrafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativas constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus.
O parágrafo único do Artigo 7º da lei 5.692/71 é simplesmente uma transcrição
do art. 168, inciso IV da Constituição Federal de 1967.
O Ensino Religioso é admitido no sistema educacional brasileiro. Permanecem
ainda muitos desafios, tanto pedagógicos, como administrativos (FIGUEIREDO,
2005).
O ER continua dependente do sistema religioso, permanecendo na perspectiva
eclesial, pois continua sendo da Igreja a tarefa de formar os profissionais para
ministrar as aulas dessa nova matéria do sistema educacional (PASSOS, 2007).
3.2.3 LDB 9.394/96, alterada pela lei 9.475/97 no seu Artigo 33 – Modelo do
Fenômeno Religioso
A terceira e última concepção de ER parte do verbo relegere, que significa
reler. Esta concepção está refletida na LDB 9.394/96, no seu Artigo 33, alterado pela
lei 9.475/97, que lhe dá nova redação (CARON, 2005).
Vejamos como foi o processo de alteração do Artigo 33 da LDB de 1996.
A partir do dia 20 de dezembro de 1996 passou a vigorar a LDB 9.394/96. O
Artigo 33º da referida lei possuía a seguinte redação:
O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou seus responsáveis, em caráter: I – confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades; ou
33
II – interconfessional, resultante do acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa.
O ER ganhou nova identidade. Passou a ser uma disciplina apenas para os
alunos interessados – “de matrícula facultativa”. “Constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas”, não havendo nenhuma determinação para as
escolas particulares. Podia ser confessional ou interconfessional. Os professores do
Ensino Religioso confessional eram orientados e preparados pelas confissões
religiosas e os do Ensino Religioso interconfessional eram escolhidos por mais de
uma confissão religiosa, após um acordo entre si (JUNQUEIRA et al, 2007).
Na sua nova identidade o Ensino Religioso foi literalmente “chutado” para fora
do sistema escolar, ou seja, na redação do Artigo 33º o ER é excluído do sistema de
ensino brasileiro. Surgiram vários movimentos a favor do ER como matéria do
sistema educacional e pela retirada da expressão “sem ônus para os cofres
públicos” acrescentada, em última hora, pelo Senador José Sarney (CNBB, 2007).
O Presidente da República , Fernando Henrique Cardoso, reconheceu a
importância e a necessidade de abrir uma discussão acerca do Artigo 33º. O
Presidente solicitou que Paulo Renato de Souza, Ministro da Educação, assumisse a
revisão do Artigo. O governo procurava dar uma nova concepção à disciplina
(JUNQUEIRA et al, 2007).
Foram apresentadas três proposições de mudanças. A primeira proposição, o
projeto de lei nº 2.757/97, de autoria do deputado Nelson Marchezan, retira
simplesmente a expressão “sem ônus para os cofres públicos”. Ele defendia que o
ER é parte do dever constitucional do Estado. A segunda proposição, do deputado
Mauricio Requião, modificou significativamente o Artigo 33 da lei 9.394/96. Mauricio,
em sua redação, fez o ER figurar como parte integrante da formação do cidadão e
vedou qualquer forma de proselitismo. A terceira proposição, apresentada pelo
Poder Executivo, propôs a remuneração dos professores e o respeito às diferenças
culturais (CNBB, 2007).
O deputado Padre Roque Zimmermann, membro da Comissão de Educação,
Cultura e Desporto, foi escolhido a assumir a relatoria do processo e apresentou um
relatório, com base nos três projetos apresentados para a alteração do art. 33º. O
relatório foi fruto de debates com lideranças sociais, religiosas e políticas (ROQUE,
1998).
34
A Câmara dos deputados aprovou o relatório apresentado por Roque no dia 17
de junho de 1997. O mesmo projeto foi votado no Senado em 09 de julho de 1997 e
aprovado pela maioria absoluta (ROQUE, 1998).
No dia 22 de julho de 1997, foi sancionada pelo Presidente a lei 9.475/97,
dando nova redação ao Artigo 33 da lei 9.394/96. O Ensino Religioso passa a ser
descrito da seguinte maneira:
Art. 33º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. §1º - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. §2º - os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.
3.2.3.1 Novo Paradigma do Ensino Religioso
Do dispositivo legal da lei surge um novo Ensino Religioso. Trata-se de um
novo paradigma12, que o diferencia de suas formas tradicionais. O novo paradigma
do ER não surgiu por encanto com a lei 9.475/97, mas por uma evolução na
compreensão do mesmo. Vários são os motivos que desencadearam a busca por
um ER diferente, entre elas, a dificuldade de respeitar as diferentes confissões
religiosas em meio ao ensino confessional (RUEDELL, 1999).
O ER passa a ser elemento insubstituível na formação do cidadão em vista de
uma sociedade mais igualitária, pois, segundo a lei, “o Ensino Religioso é parte
integrante da formação básica do cidadão”. Passa a possuir um lugar próprio: a
escola – “disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental”. Tal expressão, contida na lei 9.475/97, é descrita também no Artigo
210, §1º da Constituição de 1988. Não possui mais caráter confessional, pois, agora,
é ministrado com “respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas
12 “São modelos que orientam concepções, atitudes, e construção de identidade e vida de pessoas dentro de determinado contexto social, social e religioso” (REIMER, 2005, p. 35).
35
quaisquer formas de proselitismo”. O sistema de ensino assume o papel das
entidades religiosas e a gestão do ER para “definir os conteúdos do Ensino
Religioso e estabelecer as normas para habilitação e admissão dos professores”.
Para isto, “ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes confissões religiosas”
(RUEDELL, 1999).
O ER volta para a escola, preservando o princípio religioso comum a todos os
cidadãos, não fazendo distinção entre os diferentes grupos religiosos, e
assegurando o respeito à diversidade religiosa do País. A tolerância religiosa poderá
permitir melhor vivência entre os alunos e a construção de uma sociedade mais
justa. Exige-se para isso profissionais da educação capacitados e honestos (CNBB,
2007).
Dentro da perspectiva de escolarização do Ensino Religioso é importante
destacar o CNE que confirmou o ER como uma das dez áreas do conhecimento
(JUNQUEIRA et al, 2007). Vejamos a resolução 02 de 7 de Abril de 1998, no seu
Artigo 2º, parágrafo IV:
Em todas as escolas deverá ser garantida a igualdade de acesso para alunos a uma base nacional comum, de maneira a legitimar a unidade e a qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional. A base nacional e sua parte diversificada deverão integrar-se em torno do paradigma curricular, que vise a estabelecer a relação entre a educação fundamental e: a) a vida cidadã através da articulação entre vários dos seus aspectos, como: saúde; a sexualidade; a ciência e a tecnologia; a cultura; as linguagens; as áreas de conhecimento: Língua Portuguesa, Língua Materna, para populações indígenas e migrantes; Matemática; ciências; Geografia; História; Língua Estrangeira; Educação Artística; Educação Religiosa – conforme o art. 33 da lei 9.493/96.
Vejamos, mais recentemente, o art. 14 da Resolução 04/2010, que também
apresenta o ER como área do conhecimento:
A base nacional comum na Educação Básica constitui- se de conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas políticas públicas e gerados nas instituições produtoras do conhecimento científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas formas diversas de exercício da cidadania; e nos movimentos sociais. § 1º Integram a base nacional comum: a) a Língua Portuguesa; b) a Matemática; c) o conhecimento do mundo físico, natural, da realidade social e política, especialmente do Brasil, incluindo-se o estudo da História e das Culturas Afro-Brasileira e Indígena.
36
d) a Arte, em suas diferentes formas de expressão, incluindose a música; e) a Educação Física; f) o Ensino Religioso.
Como área de conhecimento, o Ensino Religioso foi estruturado a partir de
elementos que toda disciplina do currículo escolar minimamente exige: objeto,
objetivos, conteúdos, linguagem e metodologia.
O objeto de estudo do Ensino Religioso é o fenômeno religioso. O ER estuda e
interpreta o fenômeno religioso baseando-se no convívio social dos educandos. Para
compreender o fenômeno religioso no contexto do Ensino Religioso é necessário
o uso de exercícios de análise da constância, das construções e da permeabilidade de determinados valores ou credos ao longo do tempo; a utilização de documentos primários e de leituras interculturais desses documentos; responsabilidade e compromisso éticos além da técnica, a fim de evitar qualquer tipo de classificação histórica ou sociológica proselitista (OLIVEIRA et al, 2007, p. 102, 103 e 104).
O ER religioso, segundo Oliveira et al (2007), como área do conhecimento, tem
como objetivo:
- proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, tomando como princípios as experiências religiosas percebidas no contexto dos estudantes; - subsidiar os estudantes na formulação do questionamento existencial em profundidade, para darem sua resposta devidamente informada; - analisar o papel das tradições religiosas na estrutura e manutenção das diferentes culturas e manifestações socioculturais; - facilitar a compreensão do significado das afirmações e verdades de fé das tradições religiosas; - refletir sobre o sentido da atitude moral como consequência do fenômeno religioso e expressão da consciência e da resposta pessoal e comunitária do ser humano; - possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na construção de estruturas sociais eu tenham na liberdade seu valor inalienável; - promover o diálogo como um dos elementos construtores da cidadania, da reverencia e da alteridade (FONAPER apud OLIVEIRA et al, 2007, p. 107).
A seleção dos conteúdos de Ensino Religioso e a sua organização é feita
através de critérios, com base nas principais respostas norteadoras do sentido da
vida após a morte: ressurreição, reencarnação, ancestralidade e nada. Tais critérios
são: culturas e tradições religiosas - reúne os conhecimentos ligados ao fenômeno
religioso; escrituras sagradas - são textos que transmitem mensagens do
transcendente; teologias - conjunto de afirmações elaborados por determinada
37
religião; ritos - práticas celebrativas; ethos – forma interior da moral humana
(FONAPER, 2009).
Os conteúdos do Ensino Religioso não servem ao proselitismo. O tratamento
didático dado aos conteúdos do ER vai sensibilizando o educando para uma
vivência democrática com a sociedade pluralista (FONAPER, 2009).
A Linguagem do Ensino Religioso deve ser universal. O professor precisa estar
atento ao seu uso para evitar o proselitismo. Ela é um recurso didático e precisa
contribuir para que o aluno possa expressar-se e dialogar com o diferente (OLENIKI;
DALDEGAN, 2003).
O percurso metodológico do Ensino Religioso é composto pela observação,
reflexão e informação. A metodologia do ER propõe relação com tradições religiosas
e culturas dentro do ambiente escolar, tendo como ponto de partida o convívio social
dos educandos. Dessa forma poderão ampliar seus conhecimentos e refletir sobre
as diferentes experiências religiosas (OLIVEIRA et al, 2007).
O ER figura entre as disciplinas do currículo escolar e a escola passa a ter
novos desafios. Antes visto como espaço para a pregação da palavra passa a
possuir um enfoque diferente: “estudar o fenômeno religioso a partir da
compreensão histórico-antropológico” (FUCHS, 2005).
Segundo Fuchs (2005), o novo enfoque do ER
provoca o diálogo com o diferente, rompe as fronteiras entre os conhecimentos, supera os limites entre as áreas do conhecimento e aposta no novo ser humano que vive a experiência do encontro com o outro apesar das dificuldades impostas pela economia globalizada.
Não se trata mais de um ensino fundamentado no saber teológico. O novo
Ensino Religioso busca fundamentação no saber antropológico e nas expressões
das diferentes culturas que são portadoras de experiências religiosas (RUEDELL,
1999).
Segundo Cordero (2004), a partir do novo paradigma do Ensino Religioso, é
possível apontar seis características que o mesmo deve levar em conta:
Interdisciplinaridade: O Ensino Religioso não se encontra sozinho frente às
outras áreas do conhecimento, pois se integra a elas. Assim sendo, deve ser
trabalhado interdisciplinarmente com as outras áreas do conhecimento.
38
Visão de globalidade: Se queremos uma visão de globalidade em nossas
escolas, deve-se incorporar o conhecimento das religiões a ela. A religião faz parte
de todas as culturas e não se pode deixar de lado esse componente essencial do
ser humano.
Educação sem discriminação: Em meio ao momento em que as religiões
tendem para o dogmatismo e o fundamentalismo é importante criar no educando
uma consciência nova: respeitar as diferenças, quaisquer que sejam.
Cultivo dos valores humanos: Nenhuma religião pode afrontar os direitos
humanos. A educação se faz autêntica de cidadania, se forem assimilados e
respeitados os direitos humanos.
Participação: O ER não pode ficar marginalizado na escola. Os profissionais da
educação da área do Ensino Religioso devem participar ativamente da vida escolar.
Abertura religiosa: O profissional da educação da área do Ensino Religioso
deve abrir-se totalmente para a tolerância e para o respeito com o diferente.
Percebe-se a evolução do Ensino Religioso, que o distancia das suas formas
tradicionais. O proselitismo não serve mais. É necessário um ensino baseado no
saber antropológico. A busca por um ER diferente é preciso para formar, nas
escolas, cidadãos que convivem conscientemente na sociedade pluralista.
39
4 A EVOLUÇÃO DO NOVO PARADIGMA DO ENSINO RELIGIOSO NO CAMPO PEDAGÓGICO
Já percorremos o longo trajeto pelo qual passou o Ensino Religioso. Por trás de
cada época ou lei há uma diferente concepção de ER e uma diferente prática
pedagógica. Neste capítulo queremos responder às seguintes perguntas: Os
avanços conquistados pelo Ensino Religioso desde o colonialismo até os nossos
dias realmente consolidaram-se? O ER ministrado a partir dos anos 60 esteve de
acordo com as concepções de ER vigentes em cada época?
Faremos neste capítulo uma análise da evolução do Ensino Religioso com
base nas práticas pedagógicas e não com base nas legislações, como foi feito no
capítulo anterior.
Para respondermos as perguntas acima, analisaremos um plano de aula,
retirado de livros didáticos, para cada uma das diferentes concepções de ER
existentes no nosso país: teológico, antropológico e fenômeno religioso.
Vale lembrar que a elaboração de diferentes livros didáticas contendo planos
de aula para o Ensino Religioso contribuiu para o desenvolvimento do mesmo.
4.1 Concepção Teológica
A concepção teológica esteve presente quase ao longo de toda a história do
Ensino Religioso em nosso país. Esteve vigente desde o Brasil Colônia até o final da
vigência da lei 4.024/61, em 1971. Analisaremos o ER expresso por esse período
através de um plano de aula, que chamaremos de plano 1, que tem como tema “Eu
Sou o caminho, a verdade e a vida”, retirado do livro “Orientação de Jovens” cujo
autor é o Ir José Odilo Kirch13.
Vejamos o plano 1:
13
Religioso Lassalista (Irmãos da Escolas Cristãs), com grande experiência na formação de jovens e na área do
Ensino Religioso.
40
______________________________________________________________
Tema central: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amo” (Jo. 15,12). Tema desta lição: “Eu sou o caminho a verdade e a vida” (Jo. 14,6). CAMINHO – Mandamentos de Deus e da Igreja Jesus cristo VERDADE – Bíblia, especialmente o Evangelho VIDA – Liturgia e sacramentos JESUS CRISTO É O CAMINHO = Mandamentos de Deus e da Igreja 1. Mandamentos de Deus – Ex 20, 1-17; Mt 5, 17-48. “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo teu Espírito” (MT 22,37). “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,38). 2. Mandamentos da Igreja: 1º Ouvir a missa inteira aos domingos e festas de guarda 2º Confessar-se ao menos uma vez cada ano. 3º Comungar ao menos pela Páscoa de Ressurreição. 4º Jejuar e abster-se de carne, quando o manda a Igreja. 5º Ajudar a igreja em suas necessidades. JESUS CRISTO É A VERDADE - Bíblia ou Sagrada Escritura. 1. Conceito: É a História da proposta de Deus à pessoa e a resposta da pessoa a Deus. É a História o diálogo de Deus com seu Povo eleito. É a História da Salvação. A mensagem de Deus ao seu Povo. É a coleção de livros aceitos pela Igreja como inspirados pelo Espírito Santo e que contêm a Palavra de Deus. 2. Inspiração: Deus inspira o escritor a escrever, enquanto ele procura transmitir a verdade. Inspiração é a ação de Deus, respeitando as características da pessoa que escreve. 3. Livros da Bíblia: a) Quanto ao número: - Antigo Testamento: 45 livros. - Novo Testamento: 27 livros. - Total de livros da Bíblia: 45 + 27 = 72. b) Quanto ao conteúdo – três tipos de livros: - Históricos: narram mas a História do Povo de Deus: Genesis, Êxodo...II Livros de Samuel, dos Juízes, dos Reis...Evangelhos, Atos do Apóstolos. - Sapienciais: contém mais a sabedoria do Povo de Deus: Jó, Salmos, Sabedoria, Provérbios, Eclesiástico, Eclesiastes...Epístolas. - Proféticos: narram as denuncias de injustiças e anúncios de castigos e restaurações do Povo de Deus: Livros do 4 Profetas maiores: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel. Livros do 12 Profetas menores: Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. – Apocalipse. SACRAMENTOS – São sinais sensíveis, instituídos por Jesus Cristo para comunicar a graça, na Igreja.
______________________________________________________________
O Plano acima foi retirado de arquivo pessoal, pois nessa época, era pouca ou
quase nula a existência de livros didáticos sobre o ER.
Percebe-se a índole confessional catequética do plano 1, tanto no seu
conteúdo “Eu Sou o caminho a verdade e a vida”, como no seu desenvolvimento. A
doutrinação foi uma grande característica do período de elaboração do plano 1, que
tinha a finalidade de fazer seguidores, caracterizando-se como catequese. É esse o
entendimento do ER no plano em estudo: catequese/doutrinação.
41
A metodologia usada no plano é baseada no uso do texto Sagrado da Religião
Cristã, grande característica da metodologia desse período, pois fazia uso de textos
sagrados para ensinar os educandos através do método da catequese.
O plano não possui objetivo descrito, pois o mesmo já é proposto pelo
magistério da Igreja pelo fato de ser ela a responsável pelo Ensino Religioso. O ER
fica caracterizado como um olhar da Igreja para dentro da escola, por isso não
apresenta cunho pedagógico.
A prática do Ensino Religioso proposto pela lei está profundamente refletida no
plano de aula 1.
4.2 Concepção Antropológica
A concepção antropológica teve seu período de vigência iniciado com a
promulgação da LDB de 1971 e término com a aprovação da lei 9.475/97.
Analisaremos a evolução do ER religioso nesse período, de 1971 à 1997 com um
estudo de um plano de aula, que chamaremos de plano 2, retirado do livro “Alegria
de Viver” de Maria Izabel de Oliveira Tongu, de 1991. Tongu iniciou sua careira
como pedagoga, cursou Teologia e especializou-se em Ensino Religioso Escolar e
atualmente é docente e coordenadora de Ensino Religioso Escolar, além de
coordenadora pedagógica na rede particular e oficial de ensino. Escolheu-se esse
livro, pois o mesmo foi publicado dentro do período citado acima.
Vejamos o plano 2:
______________________________________________________________
O valor do amor, do perdão, a busca da perfeição
42
Como somos filhos de Deus, devemos agir como o nosso Pai do Céu e procurar ser perfeitos e amar como ele nos ama.
Muita gente pensa erradamente que devemos amar apenas nossos amigos e odiar os inimigos.
Amar somente as pessoas que nos amam, cumprimentar apenas nossos amigos é fácil. Amar os nossos inimigos, cumprimentar cordialmente todas as pessoas, inclusive aquelas que nos fizeram alguma maldade, é mais difícil. Mas é isso que Deus pede a seus filhos verdadeiros.
Deus faz nascer o sol sobre os bons e sobre os maus, e chover sobre os justos e os injustos. Deus ama igualmente a todos os seus filhos.
Nós devemos amar os nossos inimigos e rezar por aqueles que nos perseguem. Essas atitudes não são fáceis, mas devemos nos esforçar para tirar o ódio e a vingança do
nosso coração. O ódio e a vingança não são valores cristãos. Veja o que nos diz o Evangelho segundo São Mateus “Se um companheiro seu cometer uma falta contra você, chame a atenção dele, em
particular, e faça-o reconhecer a sua falta. Se ele mudar de atitude você terá ganho um amigo.” (Mt 18,15)
Ninguém é perfeito. Todos nós temos falhas e cometemos erros. O importante é sabermos reconhecer nossas faltas e procurar corrigi-las, não tornando a cometê-las.
Jesus nos fala da chance que devemos dar aos outros. Chance que vem do amor de quem sabe amar e perdoar o outro.
Devemos procurar ajudar e corrigir, de maneira paciente, aqueles que erram, que tramam em fazer coisas que trarão prejuízos a eles próprios e aos outros.
Num primeiro momento devemos ajudá-los com uma conversa amiga e franca, de irmão para
irmão, mostrando os seus erros, sem denunciar os outros. Às vezes, uma palavra de amizade, sem ridicularizar quem errou, é suficiente para corrigi-lo. Se apesar dos nossos esforços essa pessoa não mudar e persistir no erro, então devemos falar com outras pessoas que possam colaborar. Às vezes uma bronca ou repreensão mais firme é necessária.
Setenta vezes sete Mt 18,21-22; Lc 17,3-4 O apóstolo Pedro certa vez perguntou a Jesus: “Senhor, quantas vezes devo perdoar meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete
vezes? Jesus respondeu: “Não lhe digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. (Mt 18,21-22). Com essas palavras Jesus ensina que devemos perdoar sempre. Isso parece difícil, mas
quem conhece um pouco o Evangelho, e procura vivê-lo na prática, é capaz de realizar o que parece impossível: perdoar e amar ao inimigo, retirando todo o ódio e a vingança de seu coração.
Deus é bondoso e compreensivo conosco: perdoa as nossas faltas. É preciso saber perdoar também as faltas dos outros contra nós. Para Deus o perdão não tem limite, porque a vida deve estar baseada no amor.
1. Que ensinamentos de Jesus podem ser retirados do texto? Escreva três deles. ______________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
2. Um colega de classe pega uma caneta de um outro colega. Você vê tudo. O que você
faz?
43
______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
3. Faça uma lista de: Valores cristãos: Valores não cristãos: 4. O que Jesus quis dizer com “setenta vezes sete”? ___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________
5. Pense em você. Sua maneira de ser, suas atitudes, suas qualidades e seus defeitos.
Cite duas mudanças que deveriam ocorrer para você chegar mais perto da perfeição. Sou assim... Para melhorar, devo... 6. Você sabe perdoar de verdade ou guarda rancor e depois se vinga? ___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________
7. Faça uma oração a Deus para que ele aumente sua capacidade de perdoar os
outros. ___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________
8. Ilustre bem bonito, com criatividade: “Deus faz nascer o Sol sobre os bons e os maus,
e chover sobre os justos e injustos”. ______________________________________________________________
O plano de aula descrito acima se encontra nas páginas 98 à 101 da unidade 5
do referido livro. Essa unidade tem o título: “Os valores de Jesus”. O plano de aula
em estudo tem por objetivo “reconhecer a iniciativa e gratuidade do amor de Deus,
que nos convida a imitá-lo no amor e perdão incondicionais, sendo perfeitos no bem
como Deus é” (TONGU, 1991).
A concepção antropológica parte do verbo religare, com o significado de religar
as pessoas. Caracteriza-se como pastoral e aula e valores. Partindo dessa
afirmação, o plano 2 está diretamente ligado a essa concepção, pois caracteriza-se
como aula de valores, como podemos perceber em seu conteúdo: “o valor de amor,
do perdão,a busca da perfeição”.
Em seu objetivo e conteúdo, o plano 2 deixa de lado a tendência catequética,
porém, esse conteúdo é transmitido para os educandos através de métodos
44
confessionais. O uso de métodos confessionas propicia a catequese, que visa o
proselitismo.
O plano 2 não oferece aos educandos um direito de todo cidadão: conhecer as
diferentes crenças religiosas, criando no aluno uma educação marcada pela
discriminação, sem respeito às demais religiões.
O plano 2 foi elaborado em um momento importante. O ER religioso começa a
se desligar da Igreja e passar para a escola, que começa a se preocupar com esse
ensino. Percebe-se isso no cunho pedagógico do mesmo.
Diferentemente do plano 1, onde a confessioalidade se faz presente em seu
conteúdo e em sua metodologia, o plano 2 apresenta uma catequese disfarçada,
pois o seu conteúdo é não proselitista, mas sua metodologia apresenta um cunho
fortemente catequético.
É importante salientar que somente nesse período surgiram livros didáticos
para o ER, assim como este que possui o plano que estamos analisando. Foi uma
grande conquista, principalmente para a escola pública.
4.3 Concepção do Fenômeno Religioso
O plano 3, retirado do livro “Somos capazes de comunicar” de Maria Inês
Carniato14”, encontra-se na unidade 3 que tem como conteúdo “o caminho dos
textos sagrados” e possui por objetivo “compreender a origem e a importância dos
textos sagrados das tradições religiosas, como depositários de significados para a
vida”. O plano 3 tem por objetivo “reconhecer a variedade da escrita sagrada e sua
influência na evolução das culturas dos povos”.
Vejamos o plano 3:
14 Bacharel em Filosofia e Teologia. Foi membro do GRERE, da equipe de reflexão pastoral do Regional Sul III da CNBB, da equipe de comunicação da Regional RS da CRB, do grupo de teólogas do CONI. Atualmente trabalha no SAB, Serviço de Animação Bíblica da Paulinas, com assessoria de conteúdo e metodologia para agentes de pastoral bíblica.
45
______________________________________________________________
A GRANDE BIBLIOTECA Objetivo: Perceber a variedade da escrita e sua influência na evolução da cultura dos povos. Texto: O texto À procura de textos sagrados pode ser abordado sob vários aspectos: - Ter amizade, trocar idéias, fazer descobertas juntos com amigos. - A comunicação sagrada é uma característica de todos os povos, línguas e culturas do mundo. A Procura de Textos Sagrados Vitória foi passar o fim de semana na casa de sua melhor amiga, Gisele. Gisele mostrou a Vitória seus livros do quarto ano, pois as duas estudavam em escolas diferentes. Os livros despertaram a seguinte conversa: - Vi, você sabia que no mundo existem muitos alfabetos diferentes do nosso? - Claro, Gi! Na aula de Ensino Religioso eu aprendi que a maioria dos escritos antigos era relacionada à crença em Deus. Por isso são escritos sagrados. - Então, as pessoas comunicavam por escrito a idéia que tinham de Deus? - Isso mesmo. E os livros sagrados das tradições religiosas existem até hoje. - Que legal,né, Vi?! Vamos pesquisar na internet e descobrir mais? - Grande idéia! Vitória e Gisele conectaram-se à internet e acharam o alfabeto de vários países. Copiaram a palavra “Deus” em diversas línguas e a distribuíram aos colegas de turma, cada uma em sua respectiva escola. Foi uma tremenda descoberta! ___________________ Deixar que os alunos falem a respeito do que conhecem sobre textos sagrados escritos e orais, seja por meio de TV ou de livros, internet e outros. Sugerir que relatem um fato descrito num livro sagrado conhecido. Resposta do enigma: ALLÁHU = árabe; ELOHÍM = hebraico; THEOS = grego; KAMISAMÁ = japonês; BOH = ucraniano (pronúncia gutural). _______________________ Círculo de iniciação: Você já viu um texto sagrado em revistas, na internet ou em enciclopédias? Sabia que muitas pessoas passam a vida inteira estudando os livros sagrados de suas tradições religiosas? Você conhece alguma história que seja escrita em um livro sagrado? Enigma: A palavra “Deus” se escreve de numerosas formas, em muitos alfabetos diferentes. Descubra em quais línguas ela está escrita em cada quadro. Trilha da sabedoria Você pode pesquisar o significado das palavras “civilização”, “crença” e “livros sagrados” e incluí-las no dicionário sagrado da turma. Mensagem da semana: Se a gente crê além do horizonte Há muito mais do que já se viu até aqui Se a gente crê que uma pequena fonte Tem muito mais, tem muito mais dentro de si Se a gente pode acreditar que existe mais A gente pode acreditar em ti Se a gente crê que um universo incrível Esconde mais que o que se pode imaginar
46
Se a gente crê na estrela invisível E crê que os astros tem historia para contar Se eu posso crer naquela estrela que eu nem vi Eu também posso acreditar em ti Se a gente aceita tantas teorias Suposições de quem procura explicação Se a gente aceita mil filosofias E corre atrás da mais recente solução Se posso crer na honestidade dos ateus Eu também possa acreditar em Deus
______________________________________________________________
A concepção do fenômeno religioso, na qual o ER é entendido como área do
conhecimento, expresso pelo verbo relegere = reler está refletida na lei 9.475/97.
Escolheu-se o plano em estudo pelo fato de ser elaborado dentro do período e
vigência da lei antes citada.
A liberdade religiosa é característica forte do plano 3. Para percebermos isso,
basta olharmos para os objetivos da unidade 3 e os do próprio plano, além do
objetivo do livro, que é “facilitar o processo de ensino-aprendizagem acerca do
fenômeno religioso, no contexto do aluno e da educação integral e cidadã” (Carniato,
2010). Em cada um dos objetivos apresentados, podemos perceber o enfoque dado
ao fenômeno religioso.
O objetivo do Ensino Religioso deixa de ser catequético, como visto no plano 1
e 2, e começa a ter em vista a formação integral e a educação da dimensão religiosa
do educando.
O conteúdo é retirado da experiência das pessoas que estão presentes em
sala de aula, da sua realidade familiar e social. Tal conteúdo se desenvolve de
maneira criativa e centrada no aluno, seguindo o percurso metodológico que marca
esse período: observação/reflexão/informação.
Não há mais o olhar da Igreja para a escola, ou seja, não é mais a Igreja que
propõe o conteúdo e a metodologia do ER, mas acontece o contrário: a escola tem
um olhar sobre a Igreja, ou sobre as diferentes Igrejas, e se preocupa com esse
ensino. Prova disso é o olhar pedagógico que a autora do plano teve sobre o
mesmo.
A aprendizagem proposta pelo plano 3 possivelmente terá grande êxito em sua
aplicação em sala de aula, pois seu embasamento é antropológico, respeitando o
convívio social.
47
O plano 3 não pode ser tomado como modelo. Ele apenas se aproxima das
exigências contidas na lei 9.475/97, tanto em seus objetivos, conteúdos e
metodologia.
É importante salientar que os profissionais da educação que ministram as aulas
de Ensino Religioso, em sua maioria, não tem conhecimento do novo paradigma do
ER e não possuem acesso a planos similares ao plano de aula 3. Portanto, não
pode-se afirmar que, a partir da promulgação da lei 9.475/97, o Ensino Religioso
teve uma mudança rápida. A lei nos apresenta um novo paradigma, porém, em
alguns casos, a prática pedagógica não o acompanha.
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5 CONCLUSÂO
A reflexão sobre o Ensino Religioso e a LDB ajudou-me a compreender a
trajetória da educação nacional, que culminou com a promulgação da LDB 9.394/96,
os desafios e estruturas dessa lei, o modelo de Ensino Religioso que decorre dessa
LDB, de acordo com a redação dada pela lei 9.475/97 e as exigências desse ensino
como área do conhecimento.
As polêmicas que surgiram pelo fato do ensino ser laico trouxeram muitos
posicionamentos. Vários valores e direitos estavam em jogo, entre eles, o direito à
educação religiosa, essencial a todos. Questionava-se a possibilidade de se oferecer
uma educação integral sem fundamentação religiosa. Esses questionamentos, que
suscitaram polêmicas durante quase toda a história da educação nacional, tiveram
fim em 1997, ano da aprovação da lei 9.475/97, que descreve o Ensino Religioso
como uma área do conhecimento insubstituível para a formação do cidadão em vista
de uma sociedade mais justa.
Surgiu um novo Ensino Religioso e sobretudo uma nova educação. O Ensino
Religioso, por ser área do conhecimento, trabalha interdisciplinarmente com as
demais áreas para buscar uma nova consciência no educando: o respeito consigo
mesmo e com os outros, principalmente no que se refere às diferenças religiosas. É
um novo paradigma que surgiu em consequência de uma nova compreensão do
Ensino Religioso.
Entendemos que as práticas pedagógicas apresentadas nos planos de aula,
estão profundamente refletidas nas LDBs 4.024/61, 5.692/71 e 9.475/97. No plano 1
e plano 2, percebe-se a pouca preocupação da escola em relação ao Ensino
Religioso, pois era a Igreja que regulamentava a definição dos conteúdos,
estabelecia os objetivos e admitia os professores. No plano 3 percebe-se a presença
do novo paradigma do ER. A Igreja deixa a responsabilidade sobre esse ensino a
cargo das escolas, dos sistemas de ensino. São os sistemas de ensino que ditam os
conteúdos, estabelecem os objetivos e metodologias desse ensino. Enquanto nos
planos 1 e 2 fica visível o olhar da Igreja para dentro da escola, no plano 3 é visível,
através do estudo do fenômeno religioso, o olhar da escola para a Igreja, para as
religiões.
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É importante destacar que o plano 3 não é um modelo a ser usado para
atender as exigências do novo paradigma do Ensino Religioso. Ele somente se
aproxima e se identifica com as atuais exigências.
Isso não comprova que há uma nova prática pedagógica, pois os professores,
em sua grande maioria, não têm conhecimento do novo paradigma que surgiu, nem
acesso a planos de aula que atendem as exigências da LDB atuante e a mudança
de prática é, muitas vezes, lenta, pois a consciência confessionalista de alguns
profissionais da educação deve mudar, processo esse que pode demorar bastante
tempo. É aqui que a pesquisa realizada ganha sua importância, pois pretende ser
um auxilio para que os profissionais da educação conheçam as exigências do novo
paradigma do Ensino Religioso e o apliquem em sala de aula.
Hoje, mais de dez anos após a promulgação da lei 9.475/97, o Ensino
Religioso continua evoluindo e, por consequência, surge o desafio da
interdisplinarmente com as demais áreas o conhecimento, do respeito com o
diferente, e da abertura religiosa do profissional da educação do Ensino Religioso, e
outros tantos.
Vencidos esses desafios, um novo paradigma surgirá. Pode parecer utópico,
mas os desafios atuais podem ser superados, pois somos capazes de sonhar. Foi
através de sonhos possíveis que o ER chegou a ser área do conhecimento e de
grande importância para a formação do cidadão. Foram os sonhos e tentativas que
fizeram o ER caminhar com horizontes. É preciso sonhar e atuar nessa história,
através de muito trabalho, pesquisas e formação contínua dos profissionais do
Ensino Religioso.
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