as bem aventuranças

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As bem aventuranças: uma dissecção à luz dos quatro pilares para uma educação integral Gilvano Amorim Oliveira Introdução: A igreja é uma organização ímpar. No afã de cumprir a missão deixada por Jesus, seu fundador, a igreja se reveste de qualidades sui generis. É, ao mesmo tempo, comunidade aprendente, pedagógica e terapêutica. É terapêutica na medida em que sugere ao indivíduo “tratamentos” de mazelas físicas (obra social da igreja), morais e espirituais em particular. É aprendente na medida em que “cresce” em uma espécie de melhoria contínua como corpo em sua coletividade e como membros individualmente. Finalmente, a igreja é pedagógica quando exerce genuíno papel de professorado. Neste particular destacamos o púlpito e a escola bíblica dominical como duas instituições eclesiásticas pedagógicas por excelência. Na verdade, como foi no ministério de Jesus, estas três arestas andam juntas. Num processo singelo quem ensina também aprende e ambos se beneficiam com a terapêutica do evangelho transformador. A comissão internacional sobre educação para o século XXI em seu relatório “Educação: um tesouro a descobrir” para a UNESCO descreve quatro pilares para uma educação integral, a saber: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver e aprender a ser. É possível identificar tais elementos na estrutura da igreja como comunidade pedagógica. A igreja aprende a conhecer os meandros da Palavra de Deus e, por conseguinte, o próprio Deus se revela ao aprendente. A igreja aprende a fazer, já que sua natureza é eminentemente prática. Toda prédica, toda palavra, todo ensino da igreja traz em seu bojo forte tom prático. Aprendemos na igreja a fazer melhor ao aprender a conhecer a Bíblia para conhecer o Deus da Bíblia. Em terceiro lugar, a igreja aprende a conviver. Perceba-se um processo em crescendo. Aprendemos a conhecer, o conhecimento aprendido ensina a fazer e agora conhecimento e ação redundam em um aprendizado relacional. Em outras palavras, o amor ao próximo aflora do conhecimento aprendido e de vidas transformadas. Finalmente, instala-se a fase mais nobre do aprendizado, o que poderíamos chamar de aprendizado ontológico, aprendemos a ser. As bem aventuranças e os pilares da educação integral Não se contesta que o sermão do monte é um retrato emblemático do ministério terreno de Jesus. John Stott em seu livro “A mensagem do sermão do monte” assim se expressa: O sermão do monte exerce um fascínio sem par. Ele parece encerrar a essência do ensino de Jesus. Ele torna a justiça atrativa; envergonha nosso fraco desempenho; gera sonhos de um mundo melhor. (Stott, 1985, p. ix). Ao lado de pinceladas acerca do caráter do cristão, da influência a ser exercida pelo cristão, da justiça do cristão, da religião do cristão, da oração do cristão, da “ambição” do cristão, dos relacionamentos do cristão e do compromisso do cristão, vamos encontrar um “hino à esperança” do cristão que aponta à futura compensação do sofrimento terreno enfrentado pelos que ostentam o nome de Cristo, conhecido como bem aventuranças. Neste texto podemos reconhecer os quatro elementos acima citados da educação integral.

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Uma análise dos quatro pilares da educação à luz da pedagogia de Jesus...

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Page 1: As Bem Aventuranças

As bem aventuranças: uma dissecção à luz dos quatro pilares para uma educação integral

Gilvano Amorim Oliveira

Introdução:

A igreja é uma organização ímpar. No afã de cumprir a missão deixada por Jesus, seu

fundador, a igreja se reveste de qualidades sui generis. É, ao mesmo tempo, comunidade

aprendente, pedagógica e terapêutica. É terapêutica na medida em que sugere ao indivíduo

“tratamentos” de mazelas físicas (obra social da igreja), morais e espirituais em particular. É

aprendente na medida em que “cresce” em uma espécie de melhoria contínua como corpo em

sua coletividade e como membros individualmente. Finalmente, a igreja é pedagógica quando

exerce genuíno papel de professorado. Neste particular destacamos o púlpito e a escola bíblica

dominical como duas instituições eclesiásticas pedagógicas por excelência. Na verdade, como

foi no ministério de Jesus, estas três arestas andam juntas. Num processo singelo quem ensina

também aprende e ambos se beneficiam com a terapêutica do evangelho transformador.

A comissão internacional sobre educação para o século XXI em seu relatório

“Educação: um tesouro a descobrir” para a UNESCO descreve quatro pilares para uma

educação integral, a saber: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver e

aprender a ser. É possível identificar tais elementos na estrutura da igreja como comunidade

pedagógica. A igreja aprende a conhecer os meandros da Palavra de Deus e, por conseguinte,

o próprio Deus se revela ao aprendente. A igreja aprende a fazer, já que sua natureza é

eminentemente prática. Toda prédica, toda palavra, todo ensino da igreja traz em seu bojo

forte tom prático. Aprendemos na igreja a fazer melhor ao aprender a conhecer a Bíblia para

conhecer o Deus da Bíblia. Em terceiro lugar, a igreja aprende a conviver. Perceba-se um

processo em crescendo. Aprendemos a conhecer, o conhecimento aprendido ensina a fazer e

agora conhecimento e ação redundam em um aprendizado relacional. Em outras palavras, o

amor ao próximo aflora do conhecimento aprendido e de vidas transformadas. Finalmente,

instala-se a fase mais nobre do aprendizado, o que poderíamos chamar de aprendizado

ontológico, aprendemos a ser. As bem aventuranças e os pilares da educação integral

Não se contesta que o sermão do monte é um retrato emblemático do ministério terreno de Jesus. John Stott em seu livro “A mensagem do sermão do monte” assim se expressa:

O sermão do monte exerce um fascínio sem par. Ele parece encerrar a essência do ensino de Jesus. Ele

torna a justiça atrativa; envergonha nosso fraco desempenho; gera sonhos de um mundo melhor. (Stott,

1985, p. ix).

Ao lado de pinceladas acerca do caráter do cristão, da influência a ser exercida pelo cristão, da justiça do cristão, da religião do cristão, da oração do cristão, da “ambição” do cristão, dos relacionamentos do cristão e do compromisso do cristão, vamos encontrar um “hino à esperança” do cristão que aponta à futura compensação do sofrimento terreno enfrentado pelos que ostentam o nome de Cristo, conhecido como bem aventuranças. Neste texto podemos reconhecer os quatro elementos acima citados da educação integral.

Page 2: As Bem Aventuranças

Ao fazer referência aos famintos e sedentos de justiça e prometer-lhes que serão saciados, Jesus destaca e reverencia o processo do aprendizado do conhecimento. O mesmo sentido podemos depreender da menção aos humildes. Ambos os termos, pobres de espírito e humildes, nos devolvem a ideia de nosso esvaziamento de qualquer razão pessoal autóctone de ser e de viver. Nada somos por nós mesmos. O aprendizado do conhecimento da verdade nos liberta. A mansidão dos que herdarão a terra esconde o segredo de quem aplicou o conhecimento aprendido em aprendizado prático. Ser manso, ao contrário do senso comum de ser subalterno e inferior, significa exercício de autocontrole. Ser manso denota atitude humilde e gentil para com os outros, determinada por uma estimativa correta de nós mesmos. Aqui reside o aspecto prático. Aprendemos a fazer diante do outro segundo a medida da humildade e gentileza, levando em conta que não somos uns melhores que outros. Tendo aprendido o conhecimento e tendo aprendido a aplicá-lo de forma prática, somo impactados por um claro reflexo relacional. As bem aventuranças dos misericordiosos e pacificadores são claros exemplos. Misericórdia, isto é não querer mal às pessoas como merecem, e pacificação, ou seja, um esforço constante pelos relacionamentos amistosos, são voltados ao outro, ao nosso próximo. Finalmente, nosso ser sofre transformação ao aprendermos a ser diferentes. O gradativo aprendizado advindo do conhecimento de Deus nos leva a um status cada vez mais próximo dele e nos eleva à condição de “limpos de coração”. Ser limpo de coração é alcançar uma instância de divórcio pleno de tudo o que não agrada relacionalmente a Deus que é agraciada pela benção de “ver a Deus”. Note-se, portanto, que os elementos essenciais do aprendizado estão imersos nesta rica e famosa perícope, o que atesta o irrefutável papel pedagógico da igreja como comunidade de Cristo, o pregador do sermão do monte. Refletindo sobre a Igreja hodierna como comunidade pedagógica

É urgente o resgate do senso de comunidade aprendente e comunidade terapêutica da igreja de hoje, mas é vital a retomada do caráter pedagógico. Só se aprende e se trata na igreja se houver exercício da função pedagógica. Vivemos dias em que a “onda gospel” tem transformado a igreja em plateia de “shows gospels” e o senso de espetáculo tem tirado o senso de sala de aula. As classes de escola bíblica mínguam ao sabor de ensinos anêmicos e professores desmotivados. Os púlpitos perderam-se no afã de discursos de autoajuda, muitas vezes com tons mercantilistas. O evangelho social tem tonalizado muito mais o social, transformando a igreja em mais uma sociedade beneficente dentre muitas outras. É urgente o resgate do sentido original da igreja como comunidade terapêutica e aprendente, mas muito mais como comunidade pedagógica, ensinando a aprender o conhecimento, a aprender a fazer, a aprender se relacionar e aprender a se transformar. É urgente que a igreja volte a ser igreja, antes que se torne num clube, casa de shows ou organização social beneficente. Referências bibliográficas

Josué Adam Lazier, A Bíblia e o ensino: por uma educação integral. Revista Caminhando v. 16,

n. 1, p. 79-85, jan./jun. 2011

UNESCO. Educação um Tesouro a Descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão

Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez Editora, 1998.

Bíblia Shedd / |Editor Responsável Russel P. Shedd|; traduzida em português por João Ferreira

de Almeida - 2. Ed. rev. e atual. no Brasil. São Paulo: Vida Nova; Brasília, 1997.

Stott, John R.W., A mensagem do sermão do monte. 3ª Edição. São Paulo. ABU Editora, 1985.