as asas da mudança: incertezas e desafios de uma ... · de língua inglesa, por terem colaborado...

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM ANA PAOLA DE SOUZA LIMA AS ASAS DA MUDANÇA: INCERTEZAS E DESAFIOS DE UMA PROFESSORA EM UMA SALA DIGITAL DE LÍNGUA INGLESA Cuiabá/MT 2013

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

ANA PAOLA DE SOUZA LIMA

AS ASAS DA MUDANÇA: INCERTEZAS E DESAFIOS DE UMA PROFESSORA EM

UMA SALA DIGITAL DE LÍNGUA INGLESA

Cuiabá/MT

2013

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ANA PAOLA DE SOUZA LIMA

AS ASAS DA MUDANÇA: INCERTEZAS E DESAFIOS DE UMA PROFESSORA EM

UMA SALA DIGITAL DE LÍNGUA INGLESA

CUIABÁ/MT

2013

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ANA PAOLA DE SOUZA LIMA

AS ASAS DA MUDANÇA: INCERTEZAS E DESAFIOS DE UMA PROFESSORA EM

UMA SALA DIGITAL DE LÍNGUA INGLESA

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em

Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato

Grosso como parte dos requisitos para obtenção do título de

Mestre em Estudos de Linguagem, sob a orientação do

Professor Dr. Dánie Marcelo de Jesus.

CUIABÁ/MT

2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-

-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

____________________________________________

Prof. Dra. Walkyria Monte-Mór (USP)

Examinadora Externa

____________________________________________

Prof. Dra. Divanize Carbonieri (UFMT)

Examinadora Interna

___________________________________________

Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus (UFMT)

Orientador

Cuiabá/MT, 27 de novembro de 2013.

5

Dedico este trabalho à minha borboleta Eloísa,

que se desenvolveu dentro de mim

enquanto este ia se desenhando;

a meu marido Ricardo, pelo apoio incondicional;

aos meus pais, Regina e José, pelo incentivo contínuo;

à Lica, minha irmã, pela risada mais gostosa.

V

6

AGRADECIMENTOS

Agradeço, de maneira especial, às pessoas que foram muito importantes para o desenrolar da

minha pesquisa:

Ao meu querido orientador, Professor Doutor Dánie Marcelo de Jesus, pela preciosa

orientação, e pelos momentos em que me apoiou não apenas academicamente, mas foi amigo,

conselheiro, companheiro e ombro durante a minha jornada.

À Professora Doutora Walkyria Monte-Mór, pela simpatia, e por ter me guiado por caminhos

reflexivos durante a qualificação, me auxiliando a enxergar o que a minha inexperiência não

permitia.

Aos meus amados colegas de mestrado, Fátima Comini, Ardalla Guimarães e Tiago Borges

de Lima, que contribuíram de forma tão carinhosa, sempre com palavras de apoio e incentivo

nos momentos mais difíceis.

À minha colega de mestrado, Priscila Moraes Hekenmeier Xavier, por despertar em mim a

vontade de ser inclusa em sua comunidade.

À todos os professores participantes do Curso de Formação Reflexivo-Crítica de Professores

de Língua Inglesa, por terem colaborado na construção dos comentários sobre sua experiência

docente em língua inglesa.

Aos meus amigos Thiago Itacaramby e Alessandra Moreira, pela força, conversas

colaborativas e também por entenderem minha ausência.

Muito obrigada!

VI

7

“Como chegavas do casulo,

— inacabada seda viva —

tuas antenas — fios soltos

da trama de que eras tecida,

e teus olhos, dois grãos da noite

de onde o teu mistério surgia,

como caíste sobre o mundo...”

Cecília Meireles

(Elegia a uma pequena borboleta)

8

RESUMO

Considerando a recente difusão das salas de aula digitais, da educação mediada por

computadores e das demais tecnologias que acompanham tais inovações, é urgente a

capacitação teórica e técnica de professores nessa nova era educacional, rumo a uma prática

pedagógica que contribua para uma aprendizagem relevante e produtiva no mundo global,

bem como a transformação dos educadores de modo a promover um processo reflexivo-

-crítico que minimize as desigualdades e injustiças reproduzidas nas escolas e nas salas de

aula. Em conformidade com o exposto, este trabalho se insere no contexto de educação em

ambiente virtual e teve por objetivo perceber qual o entendimento dos professores

participantes da pesquisa quanto ao processo de Letramento Crítico e de Multiletramentos, e

também o meu processo de apropriação das teorias basilares desta pesquisa no que tange à

minha prática educacional. Os participantes que compunham a comunidade discursiva eram

todos professores de língua inglesa em escolas públicas, particulares e de centros de idiomas,

de variados estados do país. A partir das interações ocorridas no Curso de Formação

Reflexivo-Crítica de Professores de Língua Inglesa, na plataforma Moodle, analisei as

postagens e comentários que surgiram no e por causa do curso, buscando encontrar os indícios

de compreensão destes professores acerca das perspectivas teóricas supracitadas. O trabalho

contou com o suporte teórico de Menezes de Souza & Monte-Mór (2006), Assis-Peterson

(2010), Brydon (2011), Magnani (2007), Menezes de Souza (2011), Paiva (2013), Cope &

Kalantzis (2000), Kalantzis & Cope (2011), no que se refere à formação crítica por meio da

linguagem. O percurso teórico-metodológico utilizado foi o interpretativismo, de cunho

etnográfico, com o apoio dos autores King & Horrocks (2010), Bortoni-Ricardo (2008), e

Denzin & Lincoln (2006). Os resultados sugerem evidências que sinalizam que ocorreram

processos reflexivo-críticos baseados nas perspectivas teóricas abordadas, em graus diferentes

de complexidade, contribuindo para a formação continuada dos professores de línguas

pesquisados.

Palavras-chave: Moodle; reflexão crítica; formação de professores; Letramento Crítico;

Multiletramentos.

VIII

9

ABSTRACT

Considering the recent spread of digital classrooms, computer-mediated education and other

technologies which accompany such innovations, the teachers’ theoretical and technical

training becomes an urgent action to be put into practice, in order to contribute to relevant and

productive learning in the global world, as well as the transformation of educators in order to

promote reflexive-critical process to minimize the inequalities and injustices reproduced

inside schools and classrooms. Thus, this study is inserted in the context of long distance

education and had as aim to perceive the level of understanding of the participant teachers

concerning the processes of Critical Literacy and Multiliteracies, and also my own process of

appropriation of the theories which guided this study, related to my educational practice. The

discourse community of this study was composed by English teachers from public and private

schools, and idioms centers, from different Brazilian states. I analyzed the posts and

comments which emerged in the course Reflexive-Critical Formation of English Teachers,

which took place in the virtual environment Moodle, in an attempt to find evidence of

understanding of those teachers considering the aforementioned theories. The study received

theoretical support from Menezes de Souza & Monte-Mór (2006), Assis-Peterson (2010),

Brydon (2011), Magnani (2007), Menezes de Souza (2011), Paiva (2013), Cope & Kalantzis

(2000), Kalantzis & Cope (2011), concerning the critical formation by means of language.

The theoretical and methodological course was the interpretativism research, of ethnographic

nature, with the support of King & Horrocks (2010), Bortoni-Ricardo (2008), and Denzin &

Lincoln (2006). The results suggest evidences that point to the occurrence of reflexive-

critical processes, based on the adopted theories, in different levels of complexity,

contributing to the continuing training of those language teachers observed.

Key-words: Moodle; critical reflection; teachers’ training; Critical Literacy; Muliliteracies.

IX

10

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA ................................................................................................................. V

AGRADECIMENTOS ...................................................................................................... VI

RESUMO ......................................................................................................................... VIII

ABSTRACT ....................................................................................................................... IX

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 12

1. ECLOSÕES TEÓRICAS ...................................................................................... 21

1.1 Mutação ou estado de letargia? O que as pesquisas nos falam ......................... 21

1.2 Para além da alfabetização – o conceito de letramento .................................... 24

1.3 Letramento Crítico e Multiletramentos............................................................. 26

1.4 Os Multiletramentos Críticos e o ensino de língua inglesa na Brasil ............... 30

1.5 Os Multiletramentos Críticos e a formação continuada de professores de língua

inglesa ............................................................................................................... 34

2. FERRAMENTAS PARA O VOO ........................................................................ 37

2.1 O alimento para as lagartas ............................................................................... 37

2.2 O contexto da pesquisa ..................................................................................... 40

2.2.1 Plataforma de aprendizagem on-line ..................................................... 40

2.2.2 Descrição do curso................................................................................. 41

2.2.3 Os candidatos a borboleta ...................................................................... 44

2.2.4 A folha virtual onde os casulos aguardam sua transformação ............... 50

2.2.5 Antes de sair do casulo .......................................................................... 55

3. Rompendo o casulo ................................................................................................ 59

3.1 “O primeiro olhar fora do casulo” .................................................................... 61

3.1.1 Conteúdo e temas .................................................................................. 62

3.1.2 O ensino de língua inglesa e a tecnologia ............................................. 67

3.1.3 O que é ser bom professor de língua inglesa ......................................... 74

3.1.4 Atividades propostas ............................................................................. 79

3.2 Minha tentativa de voar .................................................................................... 83

X

11

3.2.1 Abrindo as asas ...................................................................................... 84

3.2.2 O céu é o limite ...................................................................................... 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 93

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 98

XI

12

INTRODUÇÃO

E vi as borboletas.

E meditei sobre as borboletas.

Vi que elas dominam o mais leve sem

precisar de ter motor nenhum no corpo.

(Essa engenharia de Deus!)

E vi que elas podem pousar nas flores

e nas pedras sem magoar as próprias asas.

E vi que o homem não tem soberania nem

pra ser um Bem-te-vi

.

Manoel de Barros (Soberania)

A motivação para realizar este trabalho surgiu de minhas inquietações como

educadora. A experiência na docência, associada a estudos teóricos, levou-me a questionar

minha própria prática. O cotidiano escolar vem me revelando suas múltiplas faces, sua

dinamicidade e sua imprevisibilidade. Acredito que qualquer conhecimento é historicamente

marcado, e o professor também sofre o efeito dessa dinamicidade. Daí é natural que inicie esta

dissertação partindo de minha vivência como docente, por acreditar que meu olhar, como

pesquisadora, está profundamente contaminado pelas escolhas da pesquisa que procurei

desenvolver.

Penso que este estudo começou a se desenhar com minha própria atuação

profissional, há treze anos. Iniciei minha carreira docente com o ensino de língua inglesa, em

uma escola de idiomas por meio do método audiolingual1, lecionando para adultos e

adolescentes, fase em que minha maior preocupação era simplesmente o desenvolvimento da

competência linguística de meus “aprendizes”. E o fiz sem ter formação alguma naquele

1 O método audiolingual surgiu durante a II Guerra Mundial, no intuito de produzir falantes da maneira mais rápida possível. A premissa metodológica tem por influência o Behaviorismo, de Skinner, no qual consistia que o hábito condicionado adquirido por um processo de estímulo e resposta poderia propiciar o aprendizado de uma língua estrangeira. Caracteriza-se pelo ensino gradual das estruturas, tendo como primeira fase, a ênfase na compreensão auditiva e em seguida a fala; e como segunda fase, o ensino da leitura e escrita. Os aprendizes são apenas expostos ao conteúdo escrito assim que automatizarem a língua oralmente. De acordo com o método, o vocabulário e as estruturas são fundamentais para o ensino de uma língua estrangeira, deixando de lado o significado. Os aprendizes são expostos ao vocabulário e às estruturas, e devem apreendê-los por meio de repetição de diálogos e exercícios de memorização. A gramática é apresentada por meio da analogia indutiva. A pronúncia correta é considerada primordial, e os nativos da língua alvo são tidos como exemplos a serem seguidos (LEFFA, 1988).

13

momento que me auxiliasse a compreender o processo de ensino-aprendizagem de uma língua

estrangeira. Percebia, no entanto, que a simples repetição de frases em contextos

descontínuos, com ensino de vocabulário limitado e controlado, além de desinteressante não

propiciava um aprendizado crítico, colaborativo e significativo, se bem que dispusesse de

diversos aparelhos midiáticos para a realização das aulas dentro das exigências da franquia e

da metodologia por esta imposta, como TV, vídeocassete, DVD, caixas de som, CDs e CDs-

ROM. Apercebi, contudo, pouquíssima interação entre os alunos.

Diferentemente da escola, os alunos pareciam viver em um mundo paralelo. Notei

que eles participavam de salas de bate-papo em língua estrangeira, consultavam dicionários

on-line, visitavam sites de vídeos e assistiam a filmes pela TV a cabo, ou seja, tinham

experiências sociais que nós, professores, ignorávamos.

Nesse período, além dos grupos de língua inglesa com os quais eu trabalhava na

escola de idiomas, vivi meu début na seara da escola pública. Entretanto, confesso que, minha

visão míope, de lagarta andando sempre na horizontal, ainda enxergava a escola como um

lugar para transmissão de ensinamentos. Os alunos, de sua vez, eram tábulas rasas que

precisavam ser preenchidas. Como se não bastasse, enfrentava um conflito muito grande com

relação ao processo de ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira, por acreditar que o

trabalho que eu desenvolvia na escola pública não era suficiente e/ou satisfatório, dada a

desvalorização da língua por parte dos alunos que ali estavam.

Os alunos pareciam viver em outro mundo, e minha preocupação maior era o

ensino da estrutura da língua, como se tal postura fosse auxiliá-los em sua vida profissional. A

impressão que tinha era a que se revelavam totalmente alienados, nada interessados no

aprender a língua. Um grande sentimento de fracasso tomava conta de mim. Eu sabia que algo

deveria ser mudado, mas não sabia como e por onde começar.

A despeito de discussões frequentes na escola – a propósito dos parâmetros

curriculares nacionais e das orientações curriculares para o ensino médio em voga naquela

época – constatei que nossos esforços circunscritos aos limites da escola pública, não eram

suficientes, levando-se em conta que o cerne de nossas conversas residia sempre nos alunos

“indisciplinados”, nas reprovações, e principalmente na sua falta de interesse.

Talvez a larga concepção de fragmentação, embutida no contexto escolar, nos

paralisasse diante de qualquer mudança. Esses questionamentos me conduziram a atinar para

a vida social dos estudantes. Compreendi, de antemão, a necessidade de procurar escutar

meus alunos buscando entender o universo da internet que tanto os fascinava. Divisei, então,

14

que esse mundo poderia estar integrado à minha prática e formação. Além do mais, o

ambiente virtual se tornou espaço alternativo para a interação e a aprendizagem de língua

estrangeira.

Nesse contexto, os próprios alunos já podiam selecionar material mais apropriado

para seu nível de conhecimento, intentando encontrar novas rotas para sua satisfação pessoal

como aprendizes, comunicando-se com outros espalhados pelo ciberespaço. Parecia que a

internet havia se revelado ferramenta essencial para a mediação da multiculturalidade, e,

segundo Lévy (1999) o ciberespaço permite que os discentes tenham acesso aos locais mais

remotos do globo.

Entendi, então, que a interação entre os indivíduos havia se modificado, e meus

alunos vivenciavam um processo comunicativo de ordem coletiva diferente do proposto pelas

mídias clássicas.

Comecei, então, a considerar que a educação mediada pela internet tinha

condições de nos guiar à apropriação de artefatos e conhecimentos de mundo de uma forma

diferenciada e “democrática” para a formação de nossos alunos, quaisquer fossem suas faixas

etárias.

Essa percepção me levou a buscar informações a respeito das ferramentas

tecnológicas, bem como me incentivou a estudá-las e a criar um blog, que trazia temas

relacionados com minhas aulas, bem como vídeos, músicas, imagens e produções destes.

Embora investigasse alternativas para minha prática docente, estava longe de um

ensino crítico e reflexivo que propusesse mudanças substanciais no ensino. Parecia que eu era

o mesmo vinho em novas garrafas (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007), incapacitada de

problematizar meu fazer e, muito menos, meu dizer. Sentia que, de certo modo, fazia uso de

ferramentas tecnológicas, mas não contribuía para um ensino efetivamente diferenciado,

crítico e reflexivo. Era como se replicasse, no meio digital, as práticas tradicionais que

adotava em sala de aula e que há muito também tinham feito parte de minha própria

formação.

Dessa observação, senti-me impelida a buscar novas lentes que ampliassem meu

olhar para além de um contexto simplista de ensino de língua estrangeira. Várias outras

inquietações foram emergindo no período, principalmente após perceber que não poucos

colegas de profissão topavam com as mesmas dificuldades.

Tais percepções me causaram certo desassossego, estimulando-me a ingressar no

curso de Letras. Buscava, talvez, respostas que me direcionassem para caminhos que não

15

fossem aqueles que usualmente eram trilhados. Em parte, consegui acalentar algumas

angústias, mas outras tantas foram surgindo.

Desta feita, retornei à academia após vários anos distante das atividades

universitárias. O ingresso no curso de Letras tinha por intuito maior encontrar respostas para

questões que me atordoavam, principalmente aquelas relacionadas à uma prática educacional

que fosse alheia às práticas tradicionais de ensino de língua inglesa que somente focavam o

ensino da estrutura, mas que valorizasse o meio cibernético e o desenvolvimento crítico dos

aprendizes.

Fiquei surpresa com o curso de Letras. Embora almejasse uma formação que

quebrasse as amarras do ensino tradicional, o qual estava acostumada, imaginei, a princípio,

que sentaria novamente em carteiras de uma universidade para aprender a fazer análise

sintática, entender a formação de palavras e conjugação de verbos. Percebi, então que, o curso

se revelava político e crítico.

Ao me deparar com textos e trabalhos de diversos autores, comecei a enxergar

que era preciso não apenas investir no estudo da linguagem, mas também me dedicar à

questão da cidadania. Com a leitura de diversos autores, a começar por Rajagopalan (2003)

entendi que, embora a língua fosse um fenômeno natural, era também um fato social, e que

todo esse movimento de globalização gerava mudanças no curso da identidade linguística de

cada um de nós.

Como trabalho final do curso, participei ativamente da elaboração de atividades

para um workshop, para a obtenção do diploma de graduação. Essa oficina foi elaborada para

os colegas de graduação que, sem terem enfrentado uma sala de aula de língua inglesa,

temiam tal experiência. Os encontros deveriam cuidar de assuntos que poderiam ser

abordados durante as aulas de língua inglesa, mas a ênfase ainda estava na estrutura da língua,

não em seu sentido.

Por meio do curso de Letras, também pude comprovar que era indispensável lidar

com a questão da inserção tecnológica em sala de aula – de modo a tornar as aulas mais

condizentes com a realidade dos alunos de língua inglesa – mas também era preciso atentar

para a formação do professor de língua estrangeira e para sua continuidade.

Passados alguns anos da graduação, fui aprovada na seleção para professora

substituta no curso de Letras da Universidade Federal de Mato Grosso, câmpus de

Rondonópolis, período em que outras indagações foram se manifestando. Estava lidando

16

diretamente com futuros professores, que também questionavam o sequenciar de sua

formação, bem assim o formato tradicional, e nada reflexivo, das aulas de língua inglesa.

Em reforço, notei que a internet poderia constituir um caminho propício para

desenvolvimento de um processo eficaz, prazeroso e reflexivo-crítico, tanto para o ensino

como para a aprendizagem de línguas.

Imbuída desse espírito, entendo que a sociedade contemporânea clama por novas

formas de letramento, tendo em vista a influência cada vez mais acentuada do mundo digital

em nossas práticas sociais. É imprescindível que cursos de formação de professores de língua

inglesa incorporem, no currículo, a perspectiva de múltiplos letramentos com objetivo de

promover práticas pedagógicas que se apropriem das novas ferramentas virtuais com a

finalidade de ampliar o escopo de possibilidade de aprendizagem de língua estrangeira.

Precisamos, contudo, que esse processo de apropriação tecnológica esteja balizado por uma

perspectiva crítica que contribua para compreensão dos fenômenos sociais.

Para melhor esclarecer o leitor sobre essa perspectiva, retomo o conceito de

letramento que, na visão de Kleiman (1995), emerge no mundo acadêmico para diferenciar o

impacto social da escrita (letramentos) dos estudos sobre alfabetização, entendido como uma

competência individual no uso e na prática da escrita. Recentemente, essa noção tem abraçado

a ideia de Letramento Crítico, como prática social plural e situada que reflete valores

culturais, políticos, ideológicos e linguísticos de determinado grupo social, conduzindo os

aprendizes à construção de sentidos e à criação de seus próprios textos.

Essa pluralidade de sentidos conclama um ensino sedimentado em questões de

alteridade, de heterogeneidade, da problematização das relações de poder entre aqueles que

detêm formas de letramento dominantes e subalternas. Nessa perspectiva, concordo com Rojo

(2009) que discorre acerca da necessidade de ampliação do escopo de competência da escola

para que leve em linha de conta os efeitos multissemióticos, políticos, culturais e sociais.

Neste formato, a escola, não bastasse desenvolver práticas letradas no âmbito da

leitura e da escrita, deve oferecer lentes para que os discentes possam se relacionar com as

linguagens escritas, visuais, sonoras, gráficas. Por igual, que possam, a partir destas, criar

significados, além de agasalhar um compromisso social de pensar outras culturas como

formas de letramento que entreabram condições de agir na vida contemporânea.

Dessa visão nasce a necessidade de um Letramento Crítico que, segundo Mattos

(2011), observe a linguagem em seu processo social e cultural amplo que veicula

17

significações e ideologias na construção da realidade, bem como sua transformação e

exercício pleno da cidadania.

O emprego de tais perspectivas de Multiletramentos, tanto no ensino presencial

quanto no ensino a distância, quando em ambos combinados, constituem temas a serem

investigados para a socialização e para as investigações na prática pedagógica. Urge promover

discussões com professores no uso crítico das tecnologias da comunicação e da informação,

por efeito das várias mudanças despontadas no atual contexto sociopolítico e econômico-

cultural, em âmbito mundial.

As pesquisas assinalam, tanto na esfera nacional (ROJO, 2007, 2009; BUZATO,

2007, 2008; DUBOC, 2007; MATTOS, 2011; MATTOS & VALÉRIO, 2010; KLEIMAN,

1995; SOARES, 2003; JORDÃO; FOGAÇA, 2007; entre outros) como na internacional

(KNOBEL; LANKSHEAR, 2003, 2007; COPE; KALANTZIS, 2000; entre outros) para a

necessidade da inserção dos Multiletramentos na educação, em direção a uma formação

crítica por meio da linguagem, como estratégia de questionamento das relações de poder

presentes nas representações discursivas dos alunos e de suas comunidades.

Esse olhar teórico requer novas maneiras de lidarmos com o conhecimento

científico. Por conta disso, busquei inspirações na metáfora da borboleta como forma de

descrição de minha aprendizagem sob a égide dos novos letramentos digitais. A palavra

borboleta encarta diversas concepções, comumente associada aos processos de mudança,

metamorfose, transformação, libertação, recomeço, renascimento, entre outras.

No Japão, a borboleta é tida como a representação da imagem feminina, em

virtude da leveza e graciosidade. A felicidade matrimonial também é representada pela

imagem de duas borboletas. Já na mitologia grega, a alma é representada por uma mulher com

asas de borboleta. Segundo a crença popular, quando alguém morria, sua alma era levada para

fora do corpo em forma de borboleta. 2

A borboleta nasce lagarta, rastejando-se pelo chão. Posteriormente, envolve-se

numa pupa, torna-se crisálida e fica alheia ao mundo, sofrendo peremptoriamente profundas

mutações. Luta incansavelmente para sair do casulo. Suas asas de pronto não lhe permitem o

voo. Aprende a voar pouco e pouco, passando a ver o mundo sob uma nova perspectiva.

Essa metáfora, amarrada a palavras correlatas, pode auxiliar em meu processo de

aprendizagem como pesquisadora iniciante em curso on-line. Sobretudo porque, na qualidade

2 A borboleta: CULTURA POPULAR. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Borboleta. Acesso em: 9 de abril de 2013.

18

de debutante, exercer a docência na internet pode também significar aberturas para um mundo

até então distante de minha realidade cotidiana.

Este trabalho pretendeu avançar, apontando possíveis alternativas e sugestões para

a formação continuada de professores de língua inglesa a distância pelo viés dos

Multiletramentos, assentado em um curso de formação de professores em ambiente digital.

Importa ressaltar que a análise dos dados deve ser lida como situacional, envolvida sobre a

trama da historicidade, nunca como possibilidade de generalizações.

Assim, optei pela pesquisa interpretativa, pondo de sobreaviso que o ato de

pesquisa é uma interpretação do fenômeno social inserido em determinado contexto. O

contexto a ser considerado é uma sala de aula digital de língua inglesa, composta por

professores tanto da escola pública, como da privada, além de professores de escolas de

idiomas. Intuito foi entender a textura de significação empreendida pelos participantes de tais

aulas, no que diz respeito aos Multiletramentos e ao ensino de língua inglesa.

Considero o uso da pesquisa interpretativa adequado para compreender as

percepções de professores de língua inglesa, por meio de suas narrativas em um ambiente de

aprendizagem virtual, uma vez que sinto que as teorias que caracterizam os Multiletramentos

parecem dialogar com os propósitos da pesquisa interpretativa, abraçando os sujeitos em seus

contextos cultural e social.

A plataforma Moodle, então, foi o ambiente digital selecionado para a realização

das aulas a distância. Afinal, tal ferramenta representa um sistema de gerenciamento de cursos

gratuitos de grande popularidade no meio educacional em contexto totalmente on-line ou

semipresencial, permitindo a análise das interações assíncrona e síncrona dos participantes no

curso, bem como apresenta alternativas para uma educação mais flexível.

O curso de professores foi elaborado para auxiliar no desenvolvimento da

habilidade linguística dos participantes como instrumento de transformação e prática social,

em um espaço de aprendizagem colaborativa, de trocas de experiência e de reflexão crítica no

tocante ao papel do educador no ensino de língua inglesa e sua capacidade de planejar e

organizar a ação docente.

Para realizar esta pesquisa interpretativa e colaborativa assumi dois papéis

distintos que se entrecruzam: a) o de pesquisadora, que observa o modo como os participantes

da pesquisa atribuem significados ao conteúdo apresentado, interpretando as ações em

desenvolvimento; e, b) professora mediadora na sala de aula virtual, que provoca os

19

participantes a questionar o conteúdo, com vista à promoção de uma aprendizagem mais

flexível e democrática.

Enfatizo, em complemento, que os dados gerados com esta pesquisa são fruto de

minha interpretação como pesquisadora em determinado momento sócio-histórico, mas que,

concomitantemente, conforme apregoam King & Horrocks (2010), sofrem influências de

minha visão como participante da mesma pesquisa como professora mediadora.

No intento de balizar minha investigação, descortino as seguintes perguntas de

pesquisa:

I. Qual o entendimento dos professores participantes da pesquisa quanto ao

processo de Letramento Crítico e Multiletramentos?

II. Qual o meu entendimento das perspectivas teóricas basilares desta pesquisa no

que tange minha prática no papel de professora-pesquisadora?

Minha proposta foi investigar as interpretações dos professores de língua inglesa,

participantes do Curso de Formação Reflexivo-Crítica de Professores de Língua Inglesa,

acerca das concepções dos Multiletramentos, combinados, para um ensino de línguas mais

efetivo e significativo, que fosse condizente com as mudanças geradas pelo movimento de

globalização e desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, além de

provocar um processo reflexivo dos participantes da pesquisa no atinente ao tema investigado,

incluindo a compreensão de meu próprio processo de construção de sentidos como professora,

à luz da perspectiva desfilada.

O percurso escolhido para fundamentar minha posição incluiu, somado à

justificativa de pesquisa, breve discussão respeitante à alfabetização, letramentos, Letramento

Crítico e Multiletramentos, no primeiro capítulo. Em seguida, explano sucinta discussão

acerca de algumas das pesquisas desenvolvidas no Brasil na área em apreço. Encerro o

primeiro capítulo alinhavando, com minha pesquisa, as teorias dos Multiletramentos Críticos

e as OCEMs – Orientações Curriculares para o Ensino Médio.

No segundo capítulo, exponho a perspectiva metodológica que embasou este

estudo, etapa em que discorro sobre a pesquisa interpretativa, e o contexto da pesquisa,

oferecendo um panorama da plataforma utilizada para o desenvolvimento da pesquisa, uma

descrição do curso e dos participantes, instrumentos para a geração dos dados, bem assim os

procedimentos para a análise dos dados.

20

O terceiro capítulo versa sobre os temas nos quais me embasei para a análise dos

dados desta pesquisa, seguidos dos resultados que porventura emergiram no decorrer do

processo da pesquisa.

Nas reflexões finais, exibo as limitações da pesquisa, algumas possíveis

contribuições para o ensino de língua inglesa alicerçadas no Letramento Crítico e

Multiletramentos, bem como para as pesquisas que envolvem o ensino de línguas em

ambiente digital, com foco nas teorias abordadas.

21

1 – ECLOSÕES TEÓRICAS

É preciso que eu suporte duas ou três lagartas

se eu quiser conhecer as borboletas.

Antonie de Saint Exupéri (O Pequeno Príncipe)

O ciclo de vida da borboleta se inicia com o depósito dos ovos, ou pré-larvas, pela

borboleta fêmea em uma planta hospedeira naturalmente selecionada de acordo com a espécie

da borboleta. Trago à baila os fundamentos teóricos que auxiliaram o eclodir de meu período

pré-larva, orientando-me à pesquisa.

Assim, a pré-larva contou com o aporte teórico exposto na justificativa, apoiando-

-se na compreensão dos termos Alfabetização, Letramento, Multiletramentos e Letramento

Crítico. Além disso, o amadurecimento deste ovo contou com breve discussão acerca de

algumas das pesquisas desenvolvidas no Brasil na área de Multiletramentos e Letramento

Crítico. Prestes a se romper e a se tornar larva, as teorias dos Multiletramentos, combinadas

com as OCEMs – Orientações Curriculares para o Ensino Médio – foram relacionadas com a

pesquisa, marco de mutação da fase de ovo para larva, ou lagarta.

1.1. Mutação ou estado de letargia? O que as pesquisas nos falam

Já se tornou lugar-comum enfatizar a importância da formação continuada de

professores diante dos problemas educacionais, sejam brasileiros sejam mundiais.

Considerando-se que o mundo em que vivemos não mais representa aquele que conhecíamos

quando nascemos, graças às mudanças ocasionadas pelas novas tecnologias de informação e

comunicação, Borba & Aragão (2012) asseveram que faz-se necessária mudança na estrutura

da educação docente em direção a uma educação pautada em uma perspectiva crítica e

reflexiva.

Atendo-se a isso, o professor de inglês deve ter em mente, cada vez mais, aspectos

como globalização, tecnologia, letramentos, bem como discussões acerca de cidadania,

inclusão/exclusão social, diversidade cultural e linguística. Este profissional, dado o novo

contexto, depara com desafios nunca antes encarados em sua trajetória como educador,

desafios estes que clamam pela continuidade de sua formação de modo a inseri-lo de forma

satisfatória no contexto considerado. Ainda mais desafiador se afiguram as salas de aulas

22

digitais que, inevitavelmente, se agigantam com a expansão da internet.

De acordo com Jesus (2007, 2010), a recente difusão das salas de aula digital, da

educação mediada por computadores e das demais tecnologias que acompanham tais

inovações conclama que professores dessa nova era educacional sejam urgentemente

capacitados teórica e tecnicamente no quesito tecnologias da comunicação e informação, em

um movimento de “reculturação” à esses novos contextos sociais originados com a expansão

do movimento tecnológico. Em adendo, Jesus (2010) assevera que o ensino mediado por

computador enfeixa um impacto significativo para a educação, levando os professores a

alterar sua prática pedagógica, no intuito de contribuir para uma aprendizagem relevante e

produtiva no mundo global.

Paiva (2013), por sua vez, elucida que os cursos de formação de professores

devem contemplar o domínio das novas tecnologias associado à capacidade de integrá-las à

prática docente, uma vez que estas ampliam o acesso à educação, aos especialistas e às

comunidades virtuais, assim como também ensejam inovação metodológica. Para a autora, os

computadores e a internet de forma alguma irão substituir os atuais profissionais da educação,

mas os docentes que o utilizam irão substituir os que não o fazem.

Além disso, em conformidade com Abrahão (2011), a tecnologia trouxe, sim,

várias contribuições para o ensino de línguas após a década de sessenta, principalmente em

virtude da complexidade e dinamicidade que as novas salas de aulas se apresentam, embora a

mesma autora ainda reconheça que nenhuma tecnologia, por si só, ou método, seja(m)

capaz(es) de dar conta de atender a toda essa complexidade e dinamicidade.

Como se não bastasse o caráter tecnológico, algumas pesquisas, nas últimas

décadas, vêm denunciando a precariedade do sistema público, bem como a importância de

que as práticas educacionais não sejam mais as mesmas em todos os tempos e lugares. Barros

(2010), por exemplo, reconhece que, para acompanhar a tônica das transformações globais

causadas pela pós-modernidade, os educadores precisam se transformar em agentes críticos de

mudança, tanto na escola como em suas comunidades. A autora acredita que a prática docente

reflexiva e crítica deve estar além dos contextos de sala de aula.

Nessa mesma direção, Barros & Souza (2012) argumentam ser necessário que os

professores estejam engajados em um processo reflexivo-crítico, como meio de perceber

tensões e atentar para suas próprias práticas pedagógicas, almejando transformar suas falhas

para minimizar as desigualdades e injustiças reproduzidas nas escolas e nas salas de aula. As

autoras também entendem que o professor é um agente político que tem por objetivo guiar

23

seus alunos à reflexão acerca das ideologias de ensino, comprometidas com a transformação

social.

Além de questões relacionadas com tecnologia e formação crítico-reflexiva,

Gimenez (2005) sustenta que alguns professores de línguas estrangeiras apresentam baixo

nível de proficiência na língua com a qual trabalham, oferecendo ensino de pouca qualidade

nas escolas de ensino regular, sejam públicas sejam privadas, justamente em virtude da

fragilidade da formação no decurso da graduação de cursos com dupla habilitação.

Seguindo a mesma perspectiva, Magalhães (2004) clama por uma reorganização

espaçotemporal e pedagógica para a formação reflexivo-crítica de professores, uma vez que as

escolas têm sido agentes de reprodução de uma sociedade desigual e injusta. Para ela, para

que tenhamos educadores reflexivos e pesquisadores de suas próprias ações vivenciaremos a

desconstrução de práticas tradicionais rumo à educação mais democrática. Para a

pesquisadora, é preciso um estranhamento de práticas rotineiras e a construção colaborativa

de significação.

Em miúdos, percebe-se que a nova sociedade tecnologizada contribui para a

mudança de significados e posturas. O que há algum tempo era considerado apropriado, hoje

já não o é. Juntamente com essa dicotomia, percebemos que mudanças são propostas, mas

nem todas são realmente postas em prática. Houve transformações na consciência dos

indivíduos, em sua identidade, bem como nas ferramentas utilizadas para a promoção da

educação.

Aflora, então, a necessidade de repensarmos a identidade dos sujeitos nessa nova

ordem mundial, de modo a incluí-los não apenas em suas nações específicas, mas também em

uma sociedade globalizada, dado que os espaços e valores não estão mais contidos em um

único território. De acordo com Monte-Mór (2012), as noções de cidadania e de civismo

foram redimensionadas em virtude de toda uma heterogeneidade.

Daí, tornam-se relevantes as pesquisas que buscam relacionar Multiletramentos e

Letramento Crítico, em nossa conjuntura, principalmente com as transformações aceleradas,

sem precedentes históricos, que a sociedade global têm enfrentado, acopladas ao surgimento e

desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação. Monte-Mór (2008)

alerta que são necessárias mudanças no contexto educacional, dadas as novas práticas

linguageiras que conclamam novas práticas e maneiras de se letrar.

Diante do exposto, penso ser imprescindível que a pesquisa acadêmica estabeleça

uma relação constante com a formação continuada, visto que esta relação pode suscitar um

24

repensar teórico e didático dentro dos muros escolares, viabilizando trabalhos voltados para a

diversidade e para o multiletramento midiático, além de contribuir para o desenvolvimento

linguístico dos educadores de línguas. Antes, discutiremos algumas noções básicas para a

compreensão da pesquisa.

1.2. Para além da alfabetização – o conceito de letramento

Como mencionado em outro passo, alfabetização constitui processo de ensino de

leitura e escrita mecânico, focando estritamente no sistema fonológico e gráfico da língua,

cujo agente responsável original é a escola. Em outras palavras, a alfabetização consiste na

ação de conduzir o indivíduo a ler e a escrever em sua língua materna, e gira estritamente em

torno do código linguístico, fonético, ortográfico. Kleiman (1995) aponta que o processo de

alfabetização, por muito tempo, foi considerado de responsabilidade exclusiva da escola,

considerando-se que a promoção e o sucesso da escola dependiam exclusivamente do

processo de ensino-aprendizagem dos códigos alfabético e numérico.

Já o termo letramento encerra por objetivo desenvolver as práticas sociais,

atinentes às habilidades de leitura e de escrita que ultrapassam o espaço situacional da escola.

Podemos dizer que a família, o trabalho, a igreja, a comunidade, enfim, outros locais, são

responsáveis pelo ensino de tais práticas sociais, que são muito diferentes entre si.

Conforme Soares (2003), o vocábulo letramento deriva da palavra inglesa

literacy. Etimologicamente, encontra suas raízes no latim littera (letra), com o sufixo -cy, que

denota qualidade, condição, estado, fato de ser. Por outras palavras, abriga o sentido de

condição de ser letrado, caracterizando aquele indivíduo que não apenas sabe ler e escrever,

mas que também faz uso competente de tais habilidades por meio de diferentes gêneros de

leitura e escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita exercem em sua vida,

levando-o a ter outra condição social e cultural, abarcando competências funcionais, valores

ideológicos e fins políticos. A autora ainda sustenta que a apropriação da escrita, dentro da

cultura do letramento, produz consequências tanto de ordem social como de ordem cultural,

política, linguística e econômica.

Ainda, conforme Soares (2003), podemos atentar que o conceito de letramento,

por muito tempo, ficou relacionado com o conceito de alfabetização, visto que, para ser

letrado, o requisito inicial é a alfabetização. De acordo com a autora, os termos são tratados e

analisados conforme suas especificidades contextuais.

25

O conceito de letramento é muito novo na língua portuguesa, com sua primeira

menção no livro de Mary Kato, “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística”, de

1986. Dois anos após, Leda Verdiani Tfouni, no livro “Adultos não alfabetizados: o avesso do

avesso”, faz uso do termo dentro do contexto da educação, buscando apontar as diferenças

entre alfabetização e letramento. A partir de 1995, o termo letramento passou a ser

amplamente difundido no meio educacional, tendo sido Angela Kleiman uma, entre os

diversos autores, a discuti-lo. (SOARES, 2009; MORTATTI, 2007). Kleiman (1995) vinca

que o termo passou a ser utilizado, no meio acadêmico, com o intuito de separar os estudos

sobre o impacto social da escrita dos estudos relacionados com a alfabetização.

Sendo assim, nas lentes de Soares (2003) e de Kleiman (1995), diferentemente de

alfabetização, letramento consiste na capacidade de lidar com as habilidades de leitura e de

escrita, objetivando atuar em diversas instâncias, cujas interações sociais se fazem necessárias

atinentes a textos escritos. Isto é, as autoras clamam que o processo de letramento ocorre não

por meio da decodificação dos códigos alfabéticos, mas sim no momento em que os

indivíduos relacionam-se com tais códigos em suas práticas sociais.

Com a popularização do termo, diversos autores passaram a pesquisa-lo. Street

(2006), por exemplo, defende a existência de dois tipos de letramento: o letramento autônomo

e o ideológico. Para o autor, o letramento autônomo se compõe de um grupo de habilidades

que podem ser aprendidas independentemente do contexto social, ou seja, desenvolve as

práticas cognitivas dos indivíduos, mas, de certa forma, impõe as condições e os valores

ocidentais de letramento sobre outros países. Em outras palavras, o modelo de letramento

autônomo concebe a escrita como um produto completo em si mesmo, e que não depende de

um contexto de produção para ser interpretado. Refere-se, basicamente, às habilidades

individuais de cada sujeito.

Ainda em conformidade com Street (2006), o modelo de letramento ideológico já

tem por característica principal oferecer uma visão culturalmente mais sensível das práticas de

letramento, considerando-se que estas variam de contexto pra contexto; reside em uma prática

de letramento em que os princípios são socialmente construídos, envolvendo as maneiras

como as pessoas fazem uso da leitura e da escrita, com base em concepções de conhecimento,

identidade, relações de poder, não sendo desvinculado do contexto cultural e social, rumo ao

desenvolvimento do cidadão crítico.

Rojo (2009) considera que o vocábulo letramento, no singular, consiste nos usos e

práticas sociais da linguagem que envolvem a escrita, caracterizando assim a alfabetização

26

como uma prática de letramento escolar, ao passo que letramentos, no plural, corresponde ao

conjunto diversificado de práticas sociais situadas que envolvem sistemas de signos (como a

escrita) bem como outras modalidades de linguagem almejando a geração de sentidos.

Ainda no mesmo sentido, Buzato (2007) pondera que letramento, no singular,

advoga o fenômeno em seu aspecto histórico, denotando as práticas sociais de escrita em suas

diferentes formas, enfatizando que o uso do conceito, no plural, representa as diferentes

práticas e tecnologias utilizadas na construção conjunta de significados socialmente

partilhados, como também as diferentes maneiras pelas quais esses significados são

construídos, seus diferentes propósitos e o modo como eles (re) produzem relações de poder.

Mattos (2011), de sua vez, sinaliza que o conceito nasce da visão discursiva que

vê a linguagem implicada na relação de poder ideologicamente constituída que procura

questionar e transformar nossas práticas sociais.

Já em conformidade com Menezes de Souza & Monte-Mór (2006), letramento

agasalha a ideia basilar de visão heterogênea, plural e complexa de linguagem, de cultura e de

conhecimento, inserida em contextos socioculturais. Dessa feita, os autores afirmam que a

concepção de letramento, como prática sociocultural, é vinculada a contextos socioculturais e

a comunidades de prática.

Nesse viés, percebo que letramento consiste em uma série de práticas

concernentes não apenas à leitura e à escrita, mas também abarca situações de exigências

sociais de uso da língua, contemplando uma diversidade de ‘letramentos’. Tais letramentos se

constituem de acordo com a língua em seu uso. Sejam exemplo o envio de e-mail, compras

on-line, consultas de saldo e saques por meio de caixas eletrônicos, leitura de receitas em

jornais e revistas, opção de vídeos, vídeogames, etc.

A seguir, discutiremos, dentre as diferentes formas de letramento, o Letramento

Crítico e os Multiletramentos.

1.3. Letramento Crítico e Multiletramentos

Em conformidade com o que já expus em passagem anterior, reconheço a

necessidade de novas aprendizagens e diferentes competências dentro de nosso contexto

social, considerando a utilização das novas ferramentas tecnológicas e de informação. Tais

aprendizagens implicam a necessidade de mudanças teóricas e práticas no que diz respeito aos

27

atos de ler e de escrever. Por essa razão, pesquisadores do ensino de línguas avançam para

abordagens pedagógicas dentro do escopo de novos estudos de letramento.

Dentre tais abordagens pedagógicas, o Letramento Crítico deve ser entendido

como uma perspectiva teórica que percebe a leitura como decorrente da produção de sentidos

em um dado contexto sócio-histórico, incluindo também as relações de poder.

Essa percepção recente nos aponta questões à tona, como ideologia, lutas e

possíveis mudanças. Por meio de tal olhar, o Letramento Crítico procura desenvolver práticas

educacionais cuja finalidade é a relação entre língua e linguagem, cidadania, relações

interculturais, somados a assuntos globais e locais. Segundo Monte-Mór (2012), Mattos

(2011) e Jordão & Fogaça (2007), trata-se de meio pelo qual aprendemos mais sobre nós

mesmos e sobre o mundo a nosso redor, em que a comunicação é construída por intermédio

da negociação, juntamente com a criação de outras ideias e valores.

Em conformidade com Mattos (2011), o Letramento Crítico pretende uma prática

educacional que possibilite que os indivíduos se relacionem com o mundo e o enxerguem

diferentemente, promovendo a reflexão, a ação e a transformação por meio de questionamento

das práticas dominantes de leitura e escrita, avaliação reflexiva dos valores locais de forma a

contrapô-los a valores globais. Em outras palavras, o Letramento Crítico propõe a educação

do indivíduo de modo a inseri-lo no contexto global como cidadão efetivamente

transformador desse contexto.

Já Motta (2007) encerra que a abordagem do Letramento Crítico se caracteriza por

uma visão epistemológica que propicia uma (re)construção dos educandos e do professor

mediador, além de oferecer aos educandos “os meios necessários para a apropriação de bens

culturais”. Essa premissa educacional busca denotar o diferente, reconhecendo as

possibilidades políticas e éticas, ultrapassando conceitos e estruturas que são entendidos como

verdades permanentes, reconhecendo as estruturas sociais como instáveis e aptas a ser

transformadas. Estes são munidos de ferramentas para produzirem as suas próprias leituras.

Depreende-se de Mattos (2011) que o educador que adota a perspectiva

educacional do Letramento Crítico favorece o posicionamento reflexivo e questionador,

contribuindo para uma prática educacional mais democrática, bem como a identificação do

papel desse professor como educador e agente transformador, ou seja, o Letramento Crítico

constitui instrumento ideológico que conduz o aprendiz a negociar sentidos, não aceitando

certos pontos de vistas considerados como os únicos possíveis.

28

Diante do exposto, percebo que urge a implantação de um modelo educacional

que foque na criticidade, mas que também abarque as tecnologias, visto que, segundo Lévy

(1999), as tecnologias causaram não apenas transformações na constituição curricular, mas

também nos indivíduos e em seus modos de ver e pensar o mundo, tornando a escola obsoleta,

não mais a instituição responsável pela transmissão e negociação dos sentidos. Rojo (2009)

ainda complementa que, outras linguagens passaram a ser necessárias na negociação dos

sentidos.

Com base em tal premissa, Cope & Kalantzis (2000) discutem a necessidade do

desenvolvimento da postura crítica e reflexiva diante do texto escrito, fazendo-a também a

partir da interpretação de novas linguagens e tecnologias. Em contrapartida, os sentidos agora

dependem destes diversos meios que são disponibilizados, exigindo um letramento

multimodal.

Dessa maneira, Multiletramentos consiste, então, na necessidade de combinar o

desenvolvimento de uma postura crítica e reflexiva diante de uma sociedade que adota o texto

escrito, bem assim o suporte textual existente em novas linguagens e tecnologias. Em

conformidade com Cope & Kalantzis (2000), a perspectiva dos Multiletramentos caracteriza a

construção de sentidos, recorrendo não só o material impresso, por igual os recursos

oferecidos por mecanismos digitais. Em miúdos, a perspectiva dos Multiletramentos espera de

seus educandos o posicionamento reflexivo-crítico não apenas quando estes são expostos a

textos escritos, mas também a textos visuais, sonoros e gráficos, culminando na interpretação

de mundo.

Knobel & Lankshear (2007, p.4) chamam Multiletramentos de Novos

Letramentos, ou “formas socialmente reconhecidas de gerar, comunicar e negociar contexto

significativo por meio de textos codificados dentro de contextos de participação em discursos

(ou como membros de discursos)”3. Nesse viés, os alunos deixam de ser vistos como

aculturados, revelando-se sujeitos com culturas complexas que se inter-relacionam com a

escola. A ampliação da Internet requer uma reavaliação do que seja uma competência letrada,

visto que é impossível não associar o ensino e a aprendizagem às práticas sociais atuais

relativas à mediação do computador.

De acordo com Cope & Kalantzis (2000), Multiletramentos ou Novos

Letramentos é um termo que foi originalmente tratado pelo grupo The New London Group,

3 New literacies are socially recognized ways of generating, communicating and negotiating meaningful contents through the medium of enconded texts within contexts of participation in discourses (or, as members of discourses) Knobel & Lankshear (2007, p. 4) (Minha tradução).

29

em 1996, através da publicação do artigo intitulado “A Pedagogy of Multiliteracies:

Designing Social Futures”, com publicação pela Harvard Educational Review. O grupo,

preconizado por Cope & Kalantzis, era constituído de dez profissionais da educação,

diferentes nacionalidades, com o objetivo de discutir como a vida pública, a vida pessoal e a

vida profissional sofreram mudanças decorrentes da transformação cultural e na comunicação

da sociedade atual, afetando a forma como os significados são construídos atualmente, sendo

essencial a influência da linguagem para a negociação de tais sentidos.

Nessa visão, o ensino se volta para a utilização de uma maior variedade de gênero

de esferas sociais e culturais diversas que mesclam som, imagem, vídeos, gráficos, permitindo

que alunos e professores lidem com maior complexidade de sentidos.

Sendo assim, Multiletramentos define um processo de letramento no qual os

aprendizes podem transitar por entre as multimodalidades, observando e (re) conhecendo as

várias formas de linguagem que as diferentes mídias oferecem, com o intuito de auxiliar na

construção de novos sentidos para os aprendizes e na produção de textos próprios.

Depreende-se de Sousa (2011, p. 38) que Multiletramentos envolve a

conscientização de que todas as práticas sociais, adicionadas a todas formas de produção e

leitura de textos, são socialmente construídas, nos conduzindo à percepção de que não há

(multi)letramentos neutros.

Segundo o magistério de Rojo (2009), Multiletramentos caracteriza compreender

e produzir textos não somente de ordem verbal, oral e escrita, mas ainda de se posicionar em

relação às linguagens oral, escrita, visual, gráfica, musical, e delas obter sentidos, isto é, há

interações com semioses que não se circunscrevem à escrita.

Cope & Kalantzis (2000) acreditam que para lidar com os diferentes canais

multimodais de significação, de grande importância para a comunicação, bem como para o

pleno exercício da cidadania, a abordagem dos Multiletramentos se torna fundamental, uma

vez que as práticas sociais são reconfiguradas graças às mudanças e transformações sociais do

mundo globalizado. Os autores acreditam que o ensino de línguas, calcado na proposta

pedagógica dos Multiletramentos, promove a inserção dos educandos na sociedade

globalizada não como meros componentes de tal sociedade, mas na qualidade de

questionadores e construtores de nova realidade.

30

1.4. Os Multiletramentos Críticos e o ensino de língua inglesa no Brasil

Na esfera nacional, diversas pesquisas (FERRAZ, 2006; DUBOC, 2007;

SEABRA, 2007; MOTTA, 2007; ROCHA, 2010, EDMUNDO, 2010; SOUSA, 2011, entre

outras) apontam para a necessidade da inserção prática das teorias dos Multiletramentos na

educação, intentando propiciar formação crítica por meio da linguagem, como uma estratégia

de questionamento das relações de poder presentes nas representações discursivas dos alunos

e em suas comunidades.

Muitos desses trabalhos dizem respeito à adequação de práticas educacionais às

OCEMs – Orientações Curriculares para o Ensino Médio –, bem como às exigências globais e

à inserção das novas tecnologias de informação e comunicação. Sendo assim, antes de relatar

um pouco acerca da teoria centrada em minha própria pesquisa, discorro, a seguir, sobre

alguns destes trabalhos desenvolvidos no Brasil no tocante aos Multiletramentos.

A pesquisa de Sousa (2011), por exemplo, discute a respeito da transposição da

teoria dos conceitos de Letramentos Críticos para a prática de ensino de língua inglesa em

uma escola pública, traz à luz questões como o papel da língua materna no ensino de língua

estrangeira, as diferenças entre Letramento Crítico e Multiletramentos, e a abordagem

comunicativa, bem assim a movimentação de poderes ao longo do processo da pesquisa.

O trabalho da autora supracitada se desenrolou assentado em práticas de leitura de

textos multimodais, com foco na linguagem escrita, igualmente nas linguagens visuais

adotadas por propagandas em língua inglesa, e em um site com revisão de lançamentos de

filmes. Sousa (2011) conclui sua pesquisa satisfeita com o progresso que atingiu,

considerando-se que, embora fosse necessária a elaboração de um trabalho de construção de

sentidos e reflexão crítica mais profunda, as perspectivas dos Multiletramentos, quando

apropriadamente aplicadas à elaboração curricular dentro do perímetro da escola pública,

muito podem contribuir para a inserção dos alunos como questionadores de sua própria

maneira de ser e de estar no mundo.

Seabra (2007), que também pesquisou a leitura como prática de letramento, mas

em um ambiente diferente – uma escola de idiomas com a participação de quatro alunos

adultos de nível intermediário em língua inglesa –, investiga se a construção de sentidos

ocorre em virtude de um contexto sócio-histórico determinado. A autora fez uso de textos

autênticos e atuais, retirados de revistas, jornais e da internet, buscando entender se a leitura

31

dos significados por parte dos participantes sofreria alguma influência das experiências

decorrentes de práticas de letramento escolar.

Sinalizou ela que os participantes tiveram interpretações semelhantes, uma vez

que estavam inseridos em uma prática de leitura que geralmente os conduziu a uma

determinada obtenção de significados em virtude dos modelos culturais, os quais já se

encontravam letrados, isto é, os sujeitos de sua pesquisa apenas leram o texto da forma como

o fizeram por estarem inseridos na prática de leitura que os induziu a questionar os textos da

maneira como o fizeram.

Motta (2007) se debruça sobre as práticas e os eventos de letramentos utilizados

em duas escolas do ensino médio – uma pública e outra particular – no ensino de leitura em

língua inglesa para saber se são condizentes com as reais necessidades dos alunos em suas

práticas cotidianas. Embora as instituições investigadas sejam diferentes, elas desenvolvem

práticas de ensino semelhantes e que não correspondem às práticas exigidas pela sociedade

globalizada contemporânea, as quais integram a produção e a descrição de palavras, sons e

imagens interativamente. Em adendo, Motta (2007) clama por uma reestruturação e uma

adequação de práticas que condizam com as exigências da sociedade globalizada fundada nas

novas tecnologias de informação e comunicação.

A pesquisa proposta por Edmundo (2010) sugere a provocação de reflexões acerca

do real papel do ensino de língua inglesa no mundo globalizado, assim como um repensar

acerca da ação dos docentes de língua inglesa em contextos de ensino público, efetuando uma

análise de como os pressupostos teóricos do Letramento Crítico se materializam no trabalho

dos docentes da disciplina vertente. A autora percebeu que a abordagem de ensino pautada no

Letramento Crítico propicia o desenvolvimento de sentido de agência dos alunos por

intermédio de negociação de sentidos dos textos.

Depreende-se de Rocha (2010) que, embora o ensino de línguas estrangeiras não

integre oficialmente a matriz curricular nos anos iniciais da educação básica, seu ensino tem

sido fortalecido nas escolas particulares. Visto que o ensino de língua inglesa não encarta

caráter compulsório nos níveis iniciais do setor público, e que a autora localiza iniciativas de

fixação do ensino de língua inglesa nas séries iniciais do setor público, de forma irregular e

sem o apoio dos parâmetros educacionais oficiais, percebe-se a apresentação de provável

fragilização deste processo e a intensificação das desigualdades sociais.

Considerando-se o exposto, Rocha (2010) busca delinear diretrizes teórico-

-práticas para o ensino de língua inglesa nos anos iniciais do ensino fundamental, com vista a

32

um ensino ético e transformador, que atenda à noção de cidadania crítica e ativa na

contemporaneidade. A autora realizou um estudo de natureza exploratória e propositiva com o

uso de gêneros discursivos, enfeixando uma especificação das principais categorias para a

composição de uma organização curricular de bases plurilíngues e transculturais, além de uma

proposta de ordem prática para as aulas de língua inglesa das séries iniciais do ensino

fundamental.

Com a leitura da pesquisa de Duboc (2007), depreende-se que o trabalho perscruta

as concepções e práticas referentes à avaliação da aprendizagem da disciplina de língua

inglesa em três comunidades distintas do ensino fundamental, a saber: duas instituições

particulares de ensino, ambas compreendendo o ensino infantil, fundamental e médio,

localizadas na zona sul da cidade de São Paulo-SP, e uma instituição pública municipal de

ensino fundamental situada na zona oeste da mesma cidade.

A autora tinha por meta esquadrinhar como se caracterizava a avaliação da

aprendizagem nas aulas de inglês, bem como pensar tal concepção da perspectiva dos Novos

Estudos de Letramento. Duboc (2007) percebeu, por meio das entrevistas com as professoras

das três comunidades, bem assim da observação das aulas e análise de documentos, que,

embora os profissionais investigados tenham recorrido a uma concepção de avaliação

moderna, revela-se ainda grande ênfase no ensino de conteúdo objetivo e estável, não

esquecida a prioridade do uso de provas escritas.

A mesma pesquisadora identifica concepções estruturalistas de língua

acompanhadas de prática avaliativa formativa, assim como a necessidade de expansão de

conhecimento graças a pesquisas acadêmicas. Isto é, a pesquisa nos evidencia que, de acordo

com as instituições postas sob o crivo, há uma descontinuidade entre o ensinar e o avaliar. O

modelo de ensino observado nas três comunidades está baseado no ensino estruturalista da

língua, com um código linguístico abstrato, sendo os significados oferecidos aos alunos como

acabados. Em acréscimo, a autora percebe que as professoras investigadas percebem que é

preciso mudar, mas não sabem como palmilhar tal caminho.

Já a pesquisa de Ferraz (2006) assinala a importância de investigar as teorias dos

Novos Letramentos de modo a engajar os interesses educacionais à mudança social, à

diversidade cultural, à igualdade econômica e ao direito político, por meio da leitura de

imagens pelo aluno universitário. A pesquisa se desenvolveu com análise das aulas de língua

inglesa em duas universidades em São Paulo, uma instituição pública e outra particular. Nessa

empreitada, valeu-se da leitura de imagens, visto que essas influenciam a realidade social.

33

Em sua pesquisa, Ferraz (2006) analisou os discursos de professores e alunos das

duas instituições, acorrentadas a visões de pedagogia e letramentos externadas por intermédio

das observações das aulas, e da construção dos sentidos. O autor concluiu que, embora tenha

sido observada a ruptura com teorias tradicionais e busca por processos de construção de

sentidos, ainda é preciso rever a educação à luz dos preceitos da pedagogia e dos letramentos

em ambas as instituições investigadas, uma vez que predominam os paradigmas positivistas

no ensino de leitura e reprodutivismo.

É perceptível, com a compreensão das pesquisas descritas, que o foco desses

estudos se encontra na operacionalização das perspectivas teóricas dos Multiletramentos, de

modo que tais perspectivas estejam cada vez mais presentes e incorporadas às práticas

educacionais da modernidade globalizada, essencialmente no alude às questões de cidadania,

diversidade, construção de sentidos, visões de mundo, mudança social e luta em prol da

igualdade política e econômica.

Com exceção do trabalho de Rocha (2010), todas as pesquisas supracitadas se

caracterizam por investigações pautadas principalmente na observação e/ou entrevistas

realizadas no ambiente escolar, público ou não, de ordem do ensino fundamental, médio, ou

superior. Dessa feita, a pesquisa desenvolvida por mim se difere das demais no quesito

ambiente de geração de dados.

Uma vez que percebi não haver pesquisas voltadas para a análise de cursos de

formação continuada de professores, em consonância com as perspectivas dos Novos Estudos

de Letramentos, que acontecem em ambiente estritamente digital, ou seja, em um contexto de

ensino a distancia, minha pesquisa visa ao estudo das interações ocorridas, essencialmente,

em uma sala de aula digital, de um curso de formação continuada para professores de língua

inglesa, na plataforma Moodle.

Deduzo que o professor, no momento tecnológico e globalizado que nos

encontramos, seja obrigado a ampliar os seus conhecimentos teórico-metodológicos e

linguísticos, caminhando para uma perspectiva reflexivo-crítica apoiada nas teorias do

Letramento Crítico e Multiletramentos, em direção a uma melhoria qualitativa de suas

práticas pedagógicas. Penso que, autorado nos cursos de formação continuada, os docentes

são provocados a assumir uma atitude responsável de desenvolvimento da competência

reflexivo-crítica.

Diante de tal constatação, minha pesquisa consiste em um avanço em relação às

demais pesquisas relatadas, considerando-se que o foco está na formação continuada dos

34

professores, respeitando as perspectivas teóricas do Letramento Crítico e dos

Multiletramentos, com o feito de fomentar um processo reflexivo-crítico que tenha por base

os professores de língua inglesa.

No item a seguir, esboço a relação de minha pesquisa com as teorias dos

Multiletramentos, em concordância com o que regem as OCEMs (2006).

1.5 Os Multiletramentos Críticos e a formação continuada de professores de língua

inglesa

Conforme Menezes de Souza & Monte-Mór (2006, p. 90), as Orientações

Curriculares para o Ensino Médio (OCEMs) tem por objetivo propiciar um ensino de línguas

estrangeiras voltado para a formação reflexivo-crítica, desenvolvimento de cidadãos críticos,

e que, acima de tudo, compreendam a posição que ocupam na sociedade. Os autores

acreditam que desenvolver o senso de cidadania nos alunos implica mostrar-lhes que há

grupos heterogêneos, pertencentes a contextos culturais, sociais, históricos diversificados.

Nessa esteira, Menezes de Souza & Monte-Mór (2006, p.96) concluem que o uso da língua

estrangeira excede os fins comunicativos, uma vez que também abrange aspectos dizentes de

ideologias, relações de poder e consciência cidadã.

Dessa maneira, as OCEMs guardam a proposta de não apenas propiciar que os

aprendizes dialoguem com outras culturas e consigam bom emprego, senão que os aprendizes

possam ser letrados de acordo com as necessidades da nova linguagem tecnológica,

participem do movimento de inclusão social e, principalmente, que estes educandos possam

dialogar com outras culturas sem ser por elas engolidos, não se esquecendo de seus próprios

valores.

Para que tais objetivos sejam alcançados, o projeto dos Novos Letramentos deve

ser posto em prática atendendo a estes tópicos:

a. Não aceitar a língua como algo abstrato, homogêneo, evitando a

marginalização, imposição de normatividade e eliminação de fatores socioculturais;

b. Ver a língua como um conglomerado que não foca apenas no estudo isolado de

estruturas gramaticais, ou seja, as estruturas não serão lidadas como sistemas

descontextualizados;

35

c. Incidir o planejamento das aulas na discussão acerca de temas como cidadania,

diversidade, igualdade, justiça social, conflitos, valores, diferenças locais e globais;

d. Compor a construção de sentidos assentada na leitura de textos autênticos,

rumo à formação de cidadãos independentes e críticos;

e. Construir os sentidos com base em um contexto social, histórico, e de relações

de poder, não baseados no texto por si só;

f. Não fragmentar o conhecimento;

Em resumo, Menezes de Souza & Monte-Mór (2006), encerram que o projeto dos

Novos Letramentos proposto pelas OCEMs tem por meta principal ampliar a visão de mundo

dos alunos para trabalhar o senso de cidadania, desenvolvimento da capacidade crítica, e

construção de conhecimento, em atendimento a uma concepção epistemológica

contemporânea.

Nesse sentido, é possível inferir que, diante das transformações que a sociedade

global tem enfrentado, principalmente no atinente às novas tecnologias de informação e

comunicação, a formação de indivíduos voltada para o artefato tecnológico também incide na

formação para o desenvolvimento do pensamento reflexivo-crítico, dedutivo, criativo, bem

como para a leitura e análise de textos e imagens.

Ainda, Lévy (1999) pontua que a introdução de novas tecnologias de informação

e comunicação na sociedade globalizada suscita novas modalidades de práticas sociais de

leitura e escrita.

Algumas ponderações se fazem necessárias quanto à formação dos professores de

língua inglesa. Estão estes profissionais teoricamente preparados e conscientes para essa nova

jornada, que está a exigir não tão só conhecimento linguístico, por igual estímulo ao

raciocínio, criticidade, criatividade, e uso de ferramentas digitais, simultaneamente?

A essa luz, entendo que as novas tecnologias influenciam em grande escala as

novas práticas pedagógicas, o que não é de forma alguma garantia de que professores e escola

estejam plenamente formados para o desempenho de seus papéis. Se os docentes não

estiverem aptos a utilizar as ferramentas tecnológicas, de maneira competente, relacionando

tais conhecimentos com a formação crítica e cidadã de seus educandos, penso que a educação

de língua inglesa pode estar comprometida.

36

Dado este cenário, se a meta é formar cidadãos críticos e atuantes na sociedade

contemporânea, a formação reflexivo-crítica dos professores, para que analisem a linguagem

como fenômeno sócio-historico, é essencial.

Já a formação continuada de professores passou a ser tema recorrente em várias

comunidades acadêmicas por todo o país, especialmente no que toca ao currículo dos cursos

de graduação, uma vez que se mostra desvinculado das reais necessidades profissionais da

nova era. Conforme Paiva (1996), a maioria dos cursos de Letras do país oferece apenas a

língua inglesa, com currículo mínimo insuficiente de horas para seu ensino.

Em outro momento, Paiva (2013) assevera que a tecnologia tem avançado de tal

maneira que, em um futuro próximo, os professores que não souberem lidar com o artefato

tecnológico serão substituídos pelos que o fazem.

Destarte, discuto aqui a importância da formação continuada de professores de

língua inglesa, rumo à compreensão de que a linguagem é um espaço de lutas, bem como é de

suma importância que os docentes ofereçam, em suas aulas, discussões que envolvam seus

educandos em interações cujos assuntos de senso comum sejam questionados e

ressignificados.

O Curso de Formação Reflexivo-Crítica de Professores de Língua Inglesa

pretendeu, então, promover uma reflexão acerca do estatuto docente do professor de língua

inglesa no contexto de ensino da disciplina no Brasil. Diversas leituras foram oferecidas com

vista a contribuir para tal processo reflexivo, rumo à constituição de um espaço de

aprendizagem real, de negociação de sentidos e construção de significados.

Em sequência, veremos esmiuçadamente os detalhes do curso supracitado.

37

2 – FERRAMENTAS PARA O VOO

Passa uma borboleta por diante de mim e pela primeira vez no Universo

eu reparo que as borboletas não têm cor nem movimento,

assim como as flores não têm perfume nem cor.

A cor é que tem cor nas asas da borboleta,

no movimento da borboleta o movimento é que se move,

o perfume é que tem perfume no perfume da flor.

A borboleta é apenas borboleta e a flor é apenas flor.

Alberto Caeiro

Neste capítulo, verso sobre a pesquisa interpretativa e seus pressupostos teóricos,

alimento para as lagartas que se transformaram em crisálidas. Logo em seguida, discuto

acerca do contexto observado, a folha virtual onde as crisálidas foram afixadas, o ambiente

digital de aprendizagem utilizado, bem como o perfil das crisálidas do curso oferecido.

Finalmente, discorro acerca dos procedimentos da geração e da análise dos dados, no intuito

de investigar as percepções dos professores de língua inglesa sobre as concepções de

Letramento Crítico e Multiletramentos, assim como minhas percepções rumo à metamorfose e

voo.

2.1 O alimento para as lagartas

A opção pela pesquisa interpretativa decorreu da premissa que o ato de pesquisa é

uma interpretação do fenômeno social inserido em determinado contexto. Dessa forma, não é

meu objetivo procurar padrões que possam ser generalizados. Procuro entender a textura de

significação empreendida pelos participantes de uma sala de aula digital de língua estrangeira.

Este estudo se ancora em alguns princípios da pesquisa interpretativa por

considerá-la mais adequada para compreender as percepções de professores de língua inglesa,

em um ambiente de aprendizagem virtual. De outra ponte, o referencial teórico que embasa

este trabalho – Letramento Crítico e Multiletramentos – parece dialogar com os postulados da

pesquisa interpretativa, visto que lidam com questões que não apenas envolvem professores

de língua inglesa, mas envolvem sujeitos em seus contextos culturais e sociais.

38

A pesquisa teve como ambiente de investigação uma sala de aula virtual, sendo a

internet o instrumento basilar. Considerando-se que a internet é um meio pelo qual os

significados são construídos, o ambiente virtual se transforma em local mais que propício para

a pesquisa interpretativista, pois tenta entender os sentidos existentes nas ações dos indivíduos

envolvidos em um evento social.

É sabido que nossa vida está estabelecida em um tempo e em um espaço

particular, considerando uma infinidade de fatores, relações e atividades em permanente

mudança (KING; HORROCKS, 2010, p.19). Assim, todo conhecimento produzido dependerá

de um dado contexto, por intermédio do olhar do pesquisador. Daí esse viés se preocupar

exacerbadamente com a ética e a heterogeneidade em uma epistemologia relativista à medida

que o sentido expresso pela geração dos dados é situacional e temporal. Conclui-se então

que,no que concerno ao contexto, seja local, seja temporário, seja dependente de uma

situação, conhecê-lo é de extrema relevância para a pesquisa interpretativa (KING;

HORROCKS, 2010).

Sendo assim, o conhecimento gerado pela pesquisa irá variar em uma

multiplicidade de interpretações, conforme o contexto no qual os dados foram gerados e

analisados (KING; HORROCKS, 2010). Os dados são vistos como socialmente produzidos

mediante conversa com a “realidade”, sempre balizado no ponto de vista de um determinado

observador.

A pesquisa interpretativa se detém em uma análise sistemática dos temas a serem

observados, verificando como os participantes da pesquisa atribuem significados ao conteúdo

apresentado, bem como atentando para como eles e eu, na qualidade de pesquisadora

percebemos e interpretamos as ações em desenvolvimento.

A eleição da pesquisa interpretativa é justificável, uma vez que a análise dos

fenômenos é decorrente de momentos criados dentro de uma estrutura microssocial: o curso

de formação de professores de língua inglesa a distância.

É possível constatar que a pesquisa qualitativa captura aspectos do mundo social,

mas não apenas os quantitativos. Exibe uma descrição detalhada de ambientes sociais

específicos, processos e relacionamentos, revelando como os participantes se sentem a

respeito do mundo e o modo como exprimem sentido em sua vida por meio de um ponto de

vista particular (KING; HORROCKS, 2010).

Sob a égide da pesquisa qualitativa, o pesquisador não se detém em uma ou outra

variável. Ele o faz no processo que se desenvolve em determinado ambiente. As

39

interpretações possíveis que difluem dos autores sociais envolvidos, encampam a tarefa de

interpretar o processo de construção de conhecimento tradicional em conhecimento científico

por meio da reflexividade (BORTONI-RICARDO, 2008).

Assim, a escolha da pesquisa qualitativa se explica pelo fato de que essa teoria

metodológica propicia a todos os participantes, aí incluído o pesquisador, o desenvolvimento

do conhecimento fundado nos complexos significados que as pessoas atribuem a

determinados aspectos de sua vida (KING; HORROCKS, 2010).

Para Bortoni-Ricardo (2008, p. 32), a observação do mundo incide na observação

das práticas sociais e dos significados vigentes, o que, consequentemente, enraíza a

compreensão do observador em seus próprios significados, tomando em conta que o

pesquisador não é um relator passivo. Em contrário, trata-se de um agente ativo e

participativo na pesquisa.

A pesquisa interpretativa se caracteriza por ser aquela que não abriga

generalizações, mas busca entender e interpretar determinados fenômenos sociais, processos

inseridos e/ou ocorridos em um dado contexto (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 34), contexto

tal que representa um microcosmo social, isto é, a sala de aula virtual do curso de formação de

professores de língua inglesa, a título de exemplo.

Concordo com Denzin & Lincoln (2006) ao defenderem a pesquisa interpretativa,

como meio pelo qual os pesquisadores experimentam maiores condições de se aproximar de

seus autores sociais, valendo-se das descrições ricas do mundo social em que estes estão

inseridos: o outro passa a ser interpretado pelas lentes e pelos padrões culturais do

pesquisador.

Dessa forma, é sobremaneira importante esclarecer que os dados a serem gerados

com a pesquisa interpretativa serão fruto da interpretação de determinado pesquisador. Não

buscam apresentar a verdade, mas a interpretação balizada em um momento sócio-histórico

específico. O conhecimento gerado pela pesquisa irá variar em multiplicidade de formas, a

depender do contexto no qual os dados foram gerados e analisados (KING; HORRORCKS,

2010).

As lentes do observador muito interferem sobre o objeto estudado, agindo como

filtro no processo de interpretação da realidade. O pesquisador passa a fazer parte desse

contexto por ele pesquisado e, por ser membro de determinada sociedade e cultura, seus

valores e suas crenças afetam a forma como vê o mundo e interpreta seu objeto. O

pesquisador influencia e é influenciado por sua pesquisa (BORTONI-RICARDO, 2008); entra

40

no processo da pesquisa crivado por uma comunidade interpretativa, guiando-se por um

conjunto de crenças e de sentimentos em relação ao mundo e ao modo como este deveria ser

compreendido, tendo o olhar filtrado pelas lentes da linguagem (DENZIN; LINCOLN, 2006).

Considerando-se que a pesquisa em apreço investiga as percepções dos

professores de língua inglesa acerca das concepções de Letramento Crítico e Multiletramentos

em face das mudanças tecnológicas e da globalização, em uma sala de aula a distância,

justifica-se a escolha da pesquisa interpretativa de cunho etnográfico, devido ao teor de

observação especialmente para a geração e para a análise dos dados, almejando desvelar as

características culturais do grupo estudado.

Para tanto, fiz uso da análise das postagens dos participantes do curso de

formação continuada ofertado para professores de língua inglesa, encontradas nas interações

realizadas em fóruns e chats, bem como em diários de bordo, todos caracterizando atividades

oferecidas pela plataforma da sala de aula a distância.

2.2 O contexto da pesquisa

2.2.1 Plataforma de aprendizagem on-line

Para poder realizar meu voo, preocupei-me em analisar a interação assíncrona e

síncrona dos participantes no Curso de Formação Reflexivo-Crítica de Professores de Língua

Inglesa. Teve por meta proporcionar desenvolvimento linguístico do educador de língua, bem

como promover um processo de reflexão crítica sobre ensino e aprendizagem de língua

inglesa. Suscitou também a inclusão digital do docente, à medida que estes passam a interagir

com colegas profissionais no ciberespaço.

O ambiente virtual de aprendizagem pode representar alternativas para uma

educação mais flexível, considerando a condição de trabalho dos profissionais da educação,

engolfada por uma carga horária exaustiva. Nesse contexto, pela flexibilidade de tempo, os

participantes podem gerenciar melhor seu tempo.

Dentro desse contexto, o ambiente escolhido para geração dos dados foi a

plataforma Moodle, por ser um sistema de gerenciamento de cursos gratuitos já bastante

popular no meio educacional em contexto totalmente on-line ou semipresencial. Não bastasse,

o Moodle consiste em um espaço de interações um pouco semelhante com o de uma sala de

41

aula presencial, em virtude dos relatórios que descortina para acompanhamento dos

participantes de um curso.

A plataforma enseja que as instituições promotoras de algum curso ofereça

logins para seus usuários, podendo ser administrada pelo próprio sistema ou pelas instituições

organizadoras.

A estrutura básica da plataforma é organizada em cursos, e os professores

disponibilizam seu material pedagógico em seções, podendo ser utilizado por um professor ou

vários. As matrículas variam de acordo com a instituição que está oferecendo o curso, sendo

os alunos matriculados pela instituição ou pelo professor. Os usuários não entram na

plataforma com os rótulos de professor e/ou aluno. É o administrador quem estabelece os

limites de tal relação dentro da plataforma.

2.2.2 Descrição do curso

O curso objetivou criar condições aos professores do ensino fundamental e médio

de língua inglesa, bem como aos professores de centros de idiomas, o desenvolvimento

teórico como instrumento de transformação social. Em adendo, buscou criar condições para

os professores avaliarem seu planejamento e ampliarem a compreensão do papel da língua

inglesa no contexto educacional. Em outras palavras, o curso ofertado mirou a propiciar aos

professores de Língua Inglesa o repensar de suas práticas pedagógicas, entreabrindo espaço

para trocas linguísticas que enriqueceriam o uso da língua.

Para a elaboração do projeto do curso, os seguintes formatos básicos da

plataforma foram observados: social – com temas articulados em forma de fórum ou chat –,

semanal – curso organizado em módulos/unidades semanais, com datas para início e fim –, e

em tópicos – cada tópico a ser discutido representa uma unidade diferente.

Os recursos solicitados para disponibilização de materiais foram: bate-papo

(chat), diálogo, diário de bordo, fórum, lição, envio de múltiplos arquivos (Word, PDF e

vídeos). Cada um dos recursos mencionados apresenta funções específicas e dinâmicas de

configuração e uso, atribuindo à plataforma mais funcionalidade e variedade, além da gestão

apropriada por parte do professor-mediador.

O curso teve por base o paradigma sociocultural por visualizar a linguagem como

forma de ação que possibilita aos sujeitos recriar seus espaços sociais e profissionais. Nesse

caso, o papel do docente é ser questionador, provocador de ideias, e não mero depositante de

42

informações do modelo bancário apontado na concepção freiriana, de modo a promover uma

aprendizagem mais flexível e democrática.

A intenção foi criar um espaço de aprendizagem colaborativa para os

participantes, de troca de experiências, de reflexão crítica de seus papéis e práticas sociais,

bem como discutir questões educacionais e linguísticas com o foro de aperfeiçoar o

desempenho destes participantes como professores de língua inglesa. O intuito maior foi de

conduzir os participantes à reflexão crítica acerca de seus papéis no ensino e em sua

capacidade de planejar e organizar a ação docente.

Os módulos para a realização curso foram assim divididos:

DATA MÓDULOS FERRAMENTAS

11-03-2013 Módulo I: Apresentação e

Ambientação: Unidade 1:

Apresentação. GETTING TO KNOW

EACH OTHER.

Fórum, envio de arquivos

(tarefa), diário de bordo e

glossário.

18-03-2013 Módulo I: Apresentação e

Ambientação: Unidade 2:

Diversidade. WHAT IS CULTURE?

Chat, fóruns, envio de

arquivos (tarefa), diário de

bordo e glossário.

25-03-2013 Módulo II: Desigualdade de gênero.

UNIDADE 1: Gênero e diversidade:

conceitos e história. SEX

INEQUALITY.

Chat, fóruns, envio de

arquivos (tarefa), diário de

bordo e glossário.

01-04-2013 Módulo II: Desigualdade de Gênero.

UNIDADE: Gênero e Educação.

GENDER AND EDUCATION.

Fóruns, envio de arquivos

(tarefa), diário de bordo e

glossário.

08-04-2013 Módulo III: Sexualidade e orientação

sexual. UNIDADE 1: Diversidade

sexual e discriminação. SEXUAL

DIVERSITY AND

DISCRIMINATION.

Fóruns, envio de arquivos

(tarefa), diário de bordo e

glossário.

22-04-2013 Módulo IV: O professor ideal de

línguas estrangeiras face o

movimento de globalização e

Fóruns, envio de arquivos

(tarefa), diário de bordo.

43

tecnologização. THE IDEAL

ENGLISH TEACHER AND THE

TECHNOLOGY/GLOBALIZATION

MOVEMENT.

29-04-2013 Módulo V: Unidade I: Ecologia,

cidadania planetária, a questão da

água no mundo e as reservas

naturais. ECOLOGY, PLANETARY

CITIZENSHIP, THE WATER IN THE

WORLD AND THE NATURAL

RESOURCES.

Fóruns, envio de arquivos

(tarefa), diário de bordo e

glossário.

06-05-2013 Módulo V: Unidade 2: O depósito de

lixo no mundo. THE GARBAGE

DUMPING ALL OVER THE

WORLD.

Chat, fórum, diário de bordo

e glossário;.

20-05-2013 Módulo VI: Unidade 1: Trabalho

infantil. CHILDREN LABOR.

Fóruns.

27-05-2013 Módulo VII: Adolescência e

consumismo. ADOLESCENCE AND

CONSUMERISM.

Fóruns, envio de arquivos

(tarefa), glossário e diário

de bordo.

Todos os módulos/unidades ofertados no curso couberam-me a mim, respeitando

o que estabelece a teoria dos Novos Letramentos, de modo a desenvolver o senso de

cidadania. Para Menezes de Souza & Monte-Mór (2006), desenvolver o senso de cidadania é

possível listando tópicos que incluam grupos heterogêneos, contextos sociais, culturais e

históricos diversificados, bem assim o uso da língua estrangeira não apenas como fim

comunicativo, mas ideológico, de relações de poder e de consciência cidadã.

Ainda no concernente aos módulos e unidades do curso, todas as imagens e textos

foram pinçados de páginas da internet, e as atividades foram por mim elaboradas com o

intuito de guiar os participantes rumo a um processo reflexivo-crítico condizente com as

teorias dos novos letramentos.

O início das aulas estava programado para 11 de março de 2013, encerrando-se

em 19 de maio, mas, em virtude de pouca participação na semana em que o tema Diversidade

44

sexual e discriminação foi abordado, decidi encaminhar um e-mail aos participantes dando-

-lhes a chance de pôr as atividades em dia, bem como de realizar as atividades propostas no

tema. Assim, o tema O professor ideal de línguas estrangeiras em face do movimento de

globalização e tecnologização foi desenvolvido no dia 22 de abril. Já o tema Adolescência e

consumismo foi explanado em 20 de maio, o que causou um atraso quanto ao encerramento

do curso.

Entendi que as interações ocorreriam a distância, assim seria necessário oferecer

aos participantes do curso uma semana para que estes pudessem acessar a sala de aula virtual

e dar suas contribuições, tendo os módulos início toda segunda-feira, no abrir da semana aos 5

minutos após a meia noite, e o término se dava no domingo seguinte às 23h55.

Outro fator importante a ser mencionado é que todas as aulas seriam ministradas

em língua inglesa, uma vez que um dos objetivos do curso consistia em oferecer

aprimoramento linguístico aos participantes. Quanto a este fator, merece ser vincado que

todos os participantes do curso foram selecionados por meio de um teste de nivelamento e

apresentavam nível linguístico intermediário.

Com a mira de promover melhor interação linguística entre os participantes

durante as experiências vivenciadas, em cada unidade foi oferecido o ícone USEFUL

WEBSITES, para oferecer apoio linguístico e segurança aos participantes, com dicas de início

de frases (I have to disagree with you, por exemplo), conectivos, dicionários e também links

de páginas que discutiam o tema proposto na unidade específica, para que eles pudessem

buscar auxílio teórico para a sua argumentação. Embora o uso de tais links não fosse

obrigatório, percebi, após a leitura de algumas postagens, que alguns participantes usufruíram

dessa sugestão, principalmente das que se referiam a conectivos e regras gramaticais.

Algumas postagens desfilaram erros ortográficos e gramaticais, que, entanto, não

foram corrigidos no decorrer das interações. Busquei apontar tais deslizes em outros chats e

discussões, apenas utilizando as palavras e as formas gramaticais em suas formas apropriadas.

Afinal, embora o curso tenha sido planejado para também aprimorar o nível linguístico dos

participantes, este não era o objetivo principal, e sim o processo reflexivo-crítico de cada um.

2.2.3 Os candidatos à borboleta

No escopo de alçar meu voo nos meandros desta pesquisa interpretativa,

colaborativa, a conferir cunho etnográfico, assumi dois papéis distintos que, de certo modo, se

45

entrecruzam: o da pesquisadora e o da professora mediadora das interações ocorridas na sala

de aula digital.

A pesquisa interpretativa de caráter etnográfico tem por premissa que um

pesquisador, ao desenvolver sua pesquisa, interfere naquele dado contexto. Em reforço, as

experiências vivenciadas neste dado contexto podem gerar diversas outras leituras.

Com base nesse princípio, é pertinente assinar o alto grau de subjetividade

presente nas análises das interações ocorridas no decorrer da pesquisa. Sendo assim, justifica-

se a descrição de minha trajetória no capítulo introdutório desta pesquisa continuada a seguir.

Os dados descritos são, então, fruto da interpretação dos dados que se escoram em minhas

próprias lentes de pesquisadora.

Portanto, conforme descrevi no capítulo que entreabre esta pesquisa, sou

licenciada em Letras Português-Inglês, com experiência em ensino de língua inglesa por treze

anos, tanto em escola de idiomas como também em escola pública estadual, complementada

por uma instituição federal do ensino superior. Também sou professora no curso de segunda

licenciatura, desenvolvido pela Universidade Aberta do Brasil, UAB, com aulas na

Universidade Federal de Mato Grosso, câmpus de Rondonópolis/MT, de feição modular, com

aulas nos meses de janeiro e julho, nas disciplinas de LINGUA INGLESA I, II e III, bem

como CONVERSAÇÃO II, e Literatura Norte-Americana. No momento, minha carga horária

de trabalho tem sido de nove horas-aula semanais, em um centro de idiomas, somadas a outras

oito horas-aula semanais, em caráter de aulas particulares, em uma empresa local, para dois de

seus diretores.

No respeitante a meu letramento tecnológico, embora ainda apresente algumas

limitações quanto ao uso de algumas linguagens computacionais específicas, a exemplo dos

recursos HTML, detenho familiaridade e simpatia imensa com o ambiente virtual. Desde

minha adolescência, tive contato com computadores e com a internet, em virtude de locais em

que trabalhei antes do contato com a academia e a docência.

Participo de uma rede social, o Facebook, usufruo de duas contas de e-mail – uma

do Yahoo! e outra do Gmail – diariamente, em caráter profissional e por diletantismo. Possuo

também dois blogs: um com meus alunos da segunda licenciatura oferecida pela UAB, e um

já abandonado, que utilizava com alunos do centro de idiomas em que trabalhei por treze

anos. Quando comecei minha carreira docente, o centro de idiomas me proporcionava o uso

constante de recursos audiovisuais, bem como da internet no decurso das aulas.

46

Embora o artifício digital já fizesse parte de minha caminhada como lagarta,

minha primeira experiência com a plataforma Moodle foi já na condição de aluna especial do

curso de pós-graduação oferecido pelo professor Dánie Marcelo de Jesus, hoje meu

orientador, na disciplina Ensino e Aprendizagem de Língua Estrangeira em Contexto Digital.

Até então, não havia tido a experiência de ser mediadora em um ambiente virtual de

aprendizagem, almejando incitar um processo de reflexão crítica em seus usuários. Posso

adiantar que, diante de todas as experiências por mim vividas, esta tem sido ímpar.

O curso ofereceu trinta vagas aos candidatos selecionados de acordo com a maior

pontuação adquirida em um teste de nivelamento aplicado por meio do blog do GELTEC

(http://geltec-geltec.blogspot.com.br), grupo de estudos sobre a relação linguagem e

tecnologia, da UFMT, Campus de Cuiabá/MT. As questões eram todas de múltipla escolha,

exceto as cinco últimas, as quais os participantes deveriam escolher T (true) ou F (false). No

total, o teste contava com 35 questões. O menor número de acertos permitido para a seleção

dos participantes foi de 23 questões, no intuito de favorecer discussões na sala de aula digital

que fossem de nível linguístico intermediário.

Embora alguns participantes tenham sido selecionados de acordo com o teste de

nivelamento, percebi, durante as interações do curso, que alguns não tinham certa fluência

e/ou domínio linguístico, ao passo que outros estavam extremamente confortáveis com a

língua inglesa.

No tocante aos participantes, os 30 candidatos selecionados para o curso de

formação receberam e-mails, solicitando que respondessem a um questionário semi-

-estruturado. A formação dos candidatos aprovados pode ser verificada no quadro abaixo.

Licenciados

Letras

Graduandos

Letras

Universidades

Federais

Universidades

Estaduais

Universidades

Particulares

-

9 6 1 4

Mestrado

concluído em

Estudos

Linguísticos

Mestrado em

andamento,

em Estudos

Linguísticos

3 2

47

Os participantes eram oriundos de sete diferentes estados brasileiros, conforme o

gráfico, a seguir:

O quadro a seguir apresenta outros aspectos dos perfis dos cursistas, no quesito

prática docente e acesso à tecnologia.

PRÁTICA

DOCENTE

TEMPO Até 5 anos 0 a 10

anos

1 a 20

anos

+21

anos

5 9 4 1

LOCAL DE

ATUAÇÃO

Rede Estadual Rede

Municipal

Rede

Particular

Centros

de

Idiomas

Universidades

12 - - 7 1

ACESSO A

TECNOLOGIA

COMPUTADORES

+ INTERNET

SIM NÃO

19 1

PARTICIPAÇÃO SIM NÃO

ESTADOS DE ORIGEM DOS

PARTICIPANTES

MT

SP

SE

GO

RJ

PR

MG

48

CURSOS ON-LINE.

17 3

CONHECEM

MOODLE?

8 12

Dois participantes declararam que, embora da rede pública estadual, não exercem

funções de docência, pois desenvolvem trabalho de ordem administrativa nas instituiçoes

CEFAPRO e SEDUC, ambos no Estado de Mato Grosso.

Como dito em passos anteriores, dezenove participantes afirmaram ter acesso à

internet e computadores. Alguns alegaram participar de redes sociais como Facebook,

Twitter, Linked In, sendo igualmente gerenciadores de blogs pessoais e/ou de assuntos

profissionais. Vale lembrar que os dados acima expostos foram obtidos por meio dos

questionários semiestruturados respondidos pelos participantes do curso antes de sua

vigência.

Mesmo diante dos dados, alguns participantes do curso que argumentaram ter

conhecimento da plataforma Moodle, demonstraram, não raras vezes, não compreender-lhe a

dinâmica, conforme transcrição dos e-mails, a seguir:

Exemplo 1 (relativo a e-mail recebido de um dos selecionados para o curso, quando do início

da vigência deste, em 11 de março, solicitando auxílio para acesso à plataforma Moodle)

Ana Paola...não sei se é só eu...mas Pelo Amor de Deus...não conseguindo fazer nada...como

entro na ´plataforma??? Ja tentei de tudo que é jeito, vc me disse que seira facil...

Exemplo 2 (relativo a e-mail recebido de um dos selecionados para o curso, em seu início, em

11 de março, solicitando auxílio para acesso à plataforma Moodle)

Me desculpe Paola...sempre me julguei tão inteligente, mas hoje estou vendo....Nao consigo

entrar neste link: Www.200.129.241.86/Moodleavaufmr/login/índex.php

Fica para a próxima e obrigada.

Exemplo 3 (relativo a e-mail recebido de um dos selecionados para o curso, logo no início,

em 16 de março, solicitando auxílio para acesso à plataforma Moodle)

Acabei de me registrar na platoforma. Desculpe-me, mas não encontrei o texto que o Danie

pediu para ser lido e discutido. Além desse texto onde eu encontrarie as atividades para

49

dialogar com os colegas. será no fórum de discussão. Eu o acessei, mas só vi algumas

alunas dano boas vindas ao curso. voc~e pode me ajudar?

abçs.

Exemplo 4 (relativo a e-mail recebido de um dos selecionados para o curso, tão logo iniciado,

em 19 de março, solicitando auxílio para acesso à plataforma Moodle)

Oi Ana Paola. Já me cadastrei no AVA. Mas não consigo visualizar os nomes dos meus

colegas nem as atividades propostas. Please help me. Estou recebendo por e-mail apenas.

Qd. entro no AVA encontro outros cursos menos o meu. abçs.

Os exemplos acima foram trazidos com vista a apresentar isto ao leitor: por

inúmeras vezes, cursistas deixam de participar de forma satisfatória em cursos de formação,

dada a falta de letramento digital exigido para lidar com as ferramentas e plataformas

disponibilizadas.

Percebo que, no caso, esses professores não se sentem seguros para a caminhada

de formação, visto que não estão à vontade com o que os recursos tecnológicos têm exigido. É

comum, nos dias que correm, encontrarmos alunos que apresentem conhecimento tecnológico

superior ao dos professores. A propósito, os educadores dessa nova era globalizada e

tecnológica são facilitadores da aprendizagem e não mais detentores do saber, o que frustra

alguns educadores (sempre me julguei tão inteligente, mas hoje estou vendo...).

Após seis semanas de curso, muitos participantes desistiram. Faz-se necessário

registrar que apenas dezesseis permaneceram na plataforma. Esse número foi reduzido para

seis participantes. Particularmente algumas considerações me vieram à mente ao observar o

movimento dos cursistas dentro da plataforma. A primeira delas é que muitos cursistas

acreditavam que o curso seria de fácil acesso, em virtude de seu caráter on-line e a distância.

Além disso, penso que muitos pensaram que não teriam dificuldades em participar de um

curso on-line e manter suas atribuições profissionais e particulares. Ao perceber que o curso

exigia tanto quanto um curso de caráter presencial, muitos desistiram.

Com isso, seis participantes concluíram o curso, e representam, neste trabalho, a

comunidade de lagartas em busca da transformação em borboleta para alçar novos voos.

50

2.2.4 A folha virtual onde os casulos aguardam sua transformação

A metáfora aqui apresentada descreve o ambiente virtual no qual as interações

foram experimentadas, descrevendo em que condições os participantes-casulo puderam, ou

não, se metamorfosear em borboletas.

Os dados foram gerados com base nas interações síncronas e assíncronas

vivenciadas pelos participantes do Curso de Formação Reflexivo-Crítica de Professores de

Língua Inglesa. Assim, fazem parte deles as postagens e comentários que ocorreram nos

fóruns e chats, as atividades respondidas na sala de aula digital em forma de narrativas, bem

como as anotações dos diários de bordo.

Uma vez que o curso se encontra em uma plataforma on-line, mas o seu acesso é

restrito, compartilho com você, leitor, algumas transcrições das interações que retirei do

curso, com os dados que utilizarei para a análise.

O período de geração e análise dos dados ocorreu de 11 março a 9 de junho deste

ano, realizados pela observação participativa das postagens e dos comentários. Foram

oferecidas na plataforma dez unidades, as quais tratavam de temas diferentes, responsáveis

pela geração de 1.939 comentários nos fóruns, diários de bordo, chats e tarefas, elaborados

tanto pelos participantes do curso quanto por mim.

Os comentários realizados nos blogs, nos fóruns, nos chats, e nos diários de bordo

são as ferramentas utilizadas para compreender como se deu o processo reflexivo-crítico dos

professores de língua inglesa, bem assim entender a forma como os participantes do curso

enxergam o processo de Letramento Crítico e Multiletramentos. A intenção também era

perceber como eu, no papel de professora pesquisadora, compreendo minha própria prática

dentro das perspectivas teóricas mencionadas.

Devo salientar que, tendo adotado uma postura interpretativista, todos os recursos

utilizados para a geração dos dados foram analisados para compreender como se deu o

processo reflexivo-crítico não apenas dos participantes do curso de formação, mas também

meu percurso de reflexão e crítica. Assim, este contexto reflexivo e crítico foi permeado por

erros e acertos, os quais compreendo como essenciais para meu desenvolvimento como

professora mediadora, igualmente pesquisadora, neste contexto digital.

Os conceitos teóricos e metodológicos descritos no decorrer deste texto serão os

elementos que me guiarão para a ressignificação dos dados, focadas minhas lentes de

pesquisadora.

51

A princípio, fiz uso do recurso e-mail como uma ferramenta a ser utilizada apenas

até o acesso à sala de aula digital ser liberado, recurso de apoio para contato inicial com os

participantes. Desta feita, assim que corrigi todos os testes de nivelamento realizados pelo

blog do GELTEC e fiz a apuração dos candidatos com o maior numero de acertos,

encaminhei um primeiro e-mail parabenizando os aprovados para o curso, bem como

confirmei a data do início das atividades. Aberto o curso, alguns participantes fizeram uso do

e-mail como mantenedor de nossos contatos, visto que muitos deles tiveram dificuldade de

acesso à plataforma e precisavam de um tutorial que lhes auxiliasse com o acesso.

Contudo, os e-mails não serão analisados nesta pesquisa, uma vez que muitos

foram apenas utilizados para orientação e informação. No âmbito desta categoria, foram

enviados trinta e seis e-mails, no período de março a junho de 2013.

Alguns e-mails também foram encaminhados para a mobilização dos alunos, com

vista à participação mais efetiva nas interações da plataforma.

A respeito do conteúdo, reforço que o objetivo básico era criar um ambiente de

discussão que fosse reflexivo-crítico, levando os participantes a pensar suas próprias salas de

aula. As discussões, conforme mencionado em outro giro, ocorreram em fóruns e em chats,

além das narrativas escritas pelos participantes nos diários de bordo, e nas atividades

propostas. Não fossem bastantes os tópicos propostos em cada unidade, também procurei

utilizar imagens e vídeos que pudessem ser relacionados com os assuntos.

Todas as unidades tinham, pelo menos, um fórum de discussão com perguntas,

imagens, às vezes vídeos, acrescidos de artigos acadêmicos para a discussão.

Já que o curso se intitulava Formação Reflexivo-Crítica de Professores de Língua

Inglesa, pretendendo intuir a compreensão dos participantes acerca das perspectivas teóricas

do Letramento Crítico e dos Multiletramentos, fiz menção aos pressupostos teóricos em

alguns dos chats e fóruns, sempre provocando os participantes com perguntas relacionadas

com os comentários feitos, desde que de acordo com essas teorias.

Propus, com o curso, desenvolver um espaço que fosse colaborativo e buscasse

confrontar opiniões e questionar as ideologias hegemônicas e dominantes que são praticadas e

reproduzidas em sala de aula, bem como que fosse reflexivo-crítico, de modo a levar os

participantes a questionar suas práticas nas salas de aula, não esquecida sua conduta com os

alunos.

A plataforma enfeixou dez unidades, com tópicos diferenciados, registrando que,

a cada semana, cumpríamos uma unidade diferente. Exceto em abril, que ficamos duas

52

semanas debatendo a unidade Sexual Diversity and Discrimination, e em maio, com a unidade

The garbage dump all over the world, visto que não houve participação satisfatória nas

semanas em que tal conteúdo foi ofertado.

Busquei deixar bem claro a todos os participantes que era estritamente

fundamental a participação deles em nossos fóruns e chats, dado que tais ferramentas

contavam como “aula presencial” e nos abriam ensejo à discussão e interação entre os

colegas. A intenção não era outra senão incentivar os participantes a que fizessem

comentários, forçando-os a ler também os dos colegas, assim como os textos acadêmicos,

refletindo sobre as discussões de modo a contribuir para seu enriquecimento intelectual.

Como forma de exemplificar visualmente como as unidades eram organizadas na

plataforma, apresento uma postagem da unidade Gender and Education.

Todas as unidades oferecidas exibiam um link chamado USEFUL WEBSITES,

com uma relação de websites que poderiam ser utilizados como referência para as discussões

nos fóruns, chats, atividades que solicitavam o envio de arquivos múltiplos, e o diário de

bordo.

Como diversos participantes enviaram e-mails explicando estarem com problemas

de acesso em razão de sua agenda profissional, resolvi reduzir o número de atividades a serem

realizadas, e intensifiquei a cobrança quanto às participações nos fóruns e chats. A seguir,

trago à tona um resumo sobre o conteúdo discutido em cada um dos módulos/unidades do

curso.

53

A unidade Getting to know each other iniciada em 11 de março de 2013 procurou

conhecer um pouco mais os participantes, bem como ter uma ideia de como estava a

competência linguística de cada um deles, uma vez solicitava que os cursistas elaborassem um

texto no tocante a seu posicionamento sobre o que é ser professor nos dias atuais. Para tanto,

recorreu-se a um vídeo, descrevendo sua trajetória docente, ambiente escolar, currículo e

questões de cidadania.

A unidade apresentada em 18 de março de 2013, What is culture? teve por

finalidade provocar os participantes do curso quanto à definições de cultura, discriminação,

preconceito e etnocentrismo, assim como estabelecer um paralelo entre as definições de cada

um acerca de língua, gênero, poder, sala de aula, escola e vida. Almejou também discutir o

papel da justiça social e a mudança social no currículo das escolas dos cursistas.

A unidade Sex Inequality, de 25 de março de 2013, pretendeu discorrer a

propósito da origem da desigualdade de gênero em vários setores sociais, com foco na sala de

aula, iniciando os debates com o uso da cor rosa para meninas, e azul para meninos. O intuito

era entender não só a origem da desigualdade, mas também o porquê de sua perpetuação em

nossa sociedade.

A unidade intitulada Gender and Education, de 1 de abril de 2013, procurou

analisar o que pode ser feito em sala de aula para diminuir a desigualdade entre os gêneros

masculino e feminino, bem como apontar que tal desigualdade é, de certa maneira, reforçada

nas relações sociais diárias. Foi estampado, por igual, um artigo acadêmico, escrito por um

dos participantes, mestre em estudos linguísticos. Seu propósito foi discorrer sobre os jogos e

o uso do aparato tecnológico em sala de aula, considerando que os jogos, em especial os

vídeos games, são ferramentas (especulativamente) preferidas pelos garotos. Neste momento,

a discussão ficou não apenas no quesito da desigualdade de gênero, mas também no que diz

respeito ao uso do suporte tecnológico como ferramenta auxiliar em sala de aula.

A unidade Sexual Diversity and Education, de 8 de abril de 2013, focalizou,

primeiro que tudo, a questão da manifestação sexual de nossos alunos e a forma como

lidamos com essa questão. A ideia era trazer à luz valores que, inconscientemente,

repassamos para nossos alunos no andar de nossas aulas, a exemplo da homossexualidade,

heterossexualidade, heteronormatividade, família, escolha lexical adequada para lidar com

tais questões diante de nossos alunos. Essa reflexão também teve o suporte de três artigos

acadêmicos acerca de homofobia em sala de aula redigidos pelo professor doutor e também

54

meu orientador, Dánie Marcelo de Jesus, guiando os cursistas a pensar se estes reproduziam

discursos relativos à heteronormatividade.

A unidade intitulada The Ideal English Teacher and the Technology/Globalization

Movement, de 22 de abril de 2013, mirou debater com os cursistas suas interpretações do que

é preciso para ser um bom professor de língua estrangeira. Intento era desconstruir a ideia de

que é necessário falar uma variante ou outra da língua inglesa, tendo como as mais

mencionadas as variantes do inglês americano e do inglês britânico. O objetivo também era

mostrar que ensinar a estrutura da língua não é essencial para a comunicação, e que o ensino

deve centrar na compreensão de língua como objeto de poder, questionamento e

desenvolvimento de pensamento crítico.

A unidade Ecology, Planetary Citizenship, the Water in the World and the

Natural Resources, de 29 de abril de 2013, aspirava a direcionar para o pensamento crítico de

que, na condição de professores de língua inglesa, não só precisamos lidar com a língua, bem

assim com as questões de cidadania (planetária) e de preservação do meio ambiente e das

reservas naturais em nossas aulas.

A unidade The Garbage Dumping All Over the World, de 6 de maio de 2013,

trouxe à baila o tema concernente à falta de respeito por parte de países de primeiro mundo no

quesito depósito de lixo, uma vez que diversos países impõem sua superioridade política e

econômica e enviam seus dejetos para países menos desenvolvidos, a exemplo do Brasil e da

África. Nossos diálogos buscaram evidenciar aos participantes que, como professores de

línguas, cabe-nos levantar reflexões à semelhança dessas para nossos alunos, levando-os a

criticamente analisar as relações de poder impostas pelos países economica e politicamente

mais abastados.

A unidade Children Labor, de 20 de maio de 2013, discorreu sobre a necessidade

de atentar para os fatores causadores do trabalho infantil. Seja exemplo a pobreza, o

desemprego, a falta de educação e de saúde, a violação de leis e códigos de conduta no

quesito proteção às crianças, igualmente a falta de apropriada aplicação de leis. Além disso, a

unidade teve por meta discutir como o trabalho infantil pode afetar o aprendizado de nossas

crianças, e o que pode ser feito para amenizar, se não sanar, tal problema.

A última unidade do curso, intitulada Adolescence and Consumerism, teve início

em 27 de maio de 2013. Desfilou um artigo acadêmico sobre materialismo, capitalismo e a

questão da adolescência, apontando fatores que pudessem contribuir para o desenvolvimento

do consumismo nas famílias, em uma tentativa de reduzir seus efeitos.

55

Portanto, conforme dito em outras passagens, os comentários e postagens

empreendidos para cada uma das unidades descritas deram suporte para que eu pudesse

observar como os cursistas entenderam o processo de Letramento Crítico e Multiletramentos,

bem como eu, na qualidade de professora pesquisadora, compreendi minha prática dentro de

tais perspectivas teóricas, processos reflexivos que se construíram no ambiente virtual

descrito.

2.2.5 Antes de sair do casulo

A perspectiva de análise dos textos produzidos no Curso de Formação Reflexivo-

Crítica de Professores de Língua Inglesa traduz a pesquisa interpretativa, baseada

principalmente em King & Horrocks (2010), Denzin & Lincoln (2006) e Bortoni-Ricardo

(2008).

A abordagem defendida pelos autores mencionados trata a realidade não

simplesmente como um fato, mas como a interpretação do discurso emanado pelos

participantes. Estes sofrem um processo de reconfiguração de crenças e princípios,

considerando-se que passam a refletir sobre suas formas de construção de significados.

Em contrapartida, as lentes do observador, neste caso específico a da professora

mediadora pesquisadora, irão interferir no objeto estudado.

Partindo destes pressupostos, muitos foram os dados obtidos no período em que o

curso esteve ocorrendo. Coube a mim, como pesquisadora, apreendê-los e compreendê-los,

atribuindo sentidos aos dados.

A seguir, então, parto para a descrição dos critérios assumidos na marcha da

análise dos dados, revelando como foram reconstruídos e ressignificados por meio de minhas

lentes, permeados pelos conceitos teóricos e metodológicos descritos no texto.

O primeiro momento da análise se deu no decorrer do processo de geração de

dados. Vale dizer: desde o primeiro contato com os participantes do curso, partindo dos e-

-mails trocados, perpassando pelas interações que foram ocorrendo.

No período em que as aulas se realizavam, já observava como as postagens eram

feitas, quais os estilos de linguagem foram adotados, quais assuntos provocavam maiores

discussões, reflexões e processo colaborativo entre os envolvidos, não esquecido o conteúdo

de cada uma delas.

56

O segundo passo foi organizar os dados, de modo a dispor informações de forma

mais simples e objetiva. Percebi que alguns temas eram mais frequentes, como a questão do

material didático, o ensino de língua inglesa associado ao uso de ferramentas tecnológicas, a

caracterização do professor ideal de língua inglesa, a falta de disciplina de alguns alunos, a

importância (ou não) do ensino de gramática nas aulas de língua inglesa.

Reconhecendo que a reflexão crítica é processual, busquei observar a

materialidade linguística de cada um dos comentários, incluindo os meus, à procura de

indícios que os delimitassem em variados momentos deste processo, momentos estes que

também foram construídos com a metáfora da metamorfose da borboleta. Sendo assim, a

temática se instituiu ao redor da descrição das experiências e reflexões compartilhadas.

Portanto, quando a temática foi arquitetada no entorno dos processos reflexivos do início do

curso até a sua metade, compreendo-a como “Em estado de crisálida”. Quando a temática era

montada da metade do curso até o seu final, compreendo que houve “O primeiro olhar fora

do casulo”. Finalmente, a última temática foi permeada por reflexões acerca da minha atuação

no curso e compreensão de minha prática, momento esse que entitulo “Minha tentativa de

voar”. É importante ressaltar que uma outra temática talvez fosse possível, “Outros voos”,

retratando momentos em que os participantes que saíram do casulo apresentam novas

maneiras de agir, porém essa temática exigiria que eu acompanhasse os participantes após o

curso de formação, fato que poderia culminar em outra pesquisa.

Dado que este trabalho teve por fito observar como os cursistas desenvolviam seu

processo reflexivo e compreendiam sua prática imbricada pelas teorias do Letramento Crítico

e Multiletramentos dentro do ambiente virtual de aprendizagem, o Moodle, confesso que

busquei trazer, para a segmentação das temáticas e análises, uma leitura que conduzisse a

alcançar tal objetivo.

Assim, o critério que utilizei para delimitar cada um dos comentários e conversas

realizadas nos chats foi baseado na interpretação da materialidade linguística destes,

conforme preconizam Monte-Mór (2012), Mattos (2011), Jordão & Fogaça (2007), Rojo

(2007, 2009), Buzato (2007, 2008), Mattos & Valério (2010), Soares (2003), Knobel &

Lankshear (2003, 2007), Cope & Kalantzis (2000), e Street (2006). Esses autores atentam

para a necessidade da inserção dos Multiletramentos na educação, em direção a uma formação

crítica por meio da linguagem, como estratégia de questionamento das relações de poder

presentes nas representações discursivas dos alunos e em suas comunidades.

57

Dessa forma, como o curso foi intitulado Curso de Formação Reflexivo-Crítica de

Professores de Língua Inglesa, procedi à leitura de todos os comentários, conversas realizadas

nos chats e atividades respondidas em busca de indícios de processos reflexivos de cada um

dos momentos. Para não perder de vista a interpretação dos dados que eu fazia, selecionei os

comentários, separando-os por subtemas, conforme iam aflorando na plataforma. Como forma

de dispor essas informações de maneira organizada, criei um arquivo no Software Word, um

para cada tema e subtema. Trago, a seguir, um exemplo de como alguns dos subtemas foram

surgindo:

Levando em consideração a grande quantidade de comentários (1.939), acabei

realizando um recorte dos dados, descartando aqueles tidos por repetitivos, mantendo os que

considerei mais apropriados para cada momento. Nesse viés, adiciono à análise 36

comentários, dos quais 26 pertencem ao momento “O primeiro olhar fora do casulo”, outros

10 integrantes ao momento “Minha tentativa de voar”.

Dentro de cada tema, também empreendi a divisão em subtemas, oriundos dos

assuntos mais recorrentes. Assim, o tema “O primeiro olhar fora do casulo” foi dividido em

quatro subtemas: “Conteúdo e temas”, “O ensino de língua inglesa e a tecnologia”, “O que é

ser um bom professor de língua inglesa”, e “Atividades Propostas”. Já o tema “Minha

tentativa de voar” albergou estes subtemas “Abrindo as asas” e “O céu é o limite”.

58

Considero importante assinalar que este trabalho intentou denotar em todos os

participantes, indícios de processos reflexivos em um ambiente virtual. Para tal feito, tentei

recorrer a uma postura reflexiva. Apresento os excertos das participações dos cursistas e

revisito minha própria prática, como sujeito que almejou mediar as discussões no ambiente

on-line, confrontando a teoria e a prática, sugerindo novas maneiras de agir.

No capítulo destinado às considerações finais, desfilo algumas conclusões e

implicações acerca de minhas interpretações, que podem ser úteis até mesmo para entreabrir

as limitações desta pesquisa, assim como sugestões para novos estudos.

Até então busquei trazer para a discussão as Ferramentas para o voo. Estas

sustentam minha leitura dizentes do curso e das interpretações que nele ocorreram,

privilegiando o envolvimento dos participantes. O romper do casulo de cada um deles será

assunto para o próximo capítulo.

59

3 – ROMPENDO O CASULO

As Borboletas

Brancas

Azuis

Amarelas

E pretas

Brincam

Na luz

As belas

Borboletas

Borboletas brancas

São alegres e francas.

Borboletas azuis

Gostam de muita luz.

As amarelinhas

São tão bonitinhas!

E as pretas, então

Oh, que escuridão!

Vinícius de Moraes

A lagarta, antes de se transformar em borboleta, passa por um longo e árduo

processo. Fica por bom tempo se alimentando, de forma voraz, para que possa estocar o

alimento e a energia necessários para a fase seguinte, quando se transforma em casulo. Na

fase da crisálida, sobrevive do aporte teórico ingerido durante a fase de lagarta.

Metamorfosear em borboleta vai depender de diversos fatores. O voo será possível se esse

60

casulo, ao se romper, não tiver participantes adormecidos, receosos em se transformar em

borboletas. E é justamente isso que demonstro neste capítulo.

Aponto aqui ao leitor esta transformação com base na análise dos dados.

Considero esta metáfora, apropriada para analisar as interações experimentadas no curso de

formação, uma vez que tal análise demonstra minhas interpretações como pesquisadora diante

do objeto de pesquisa.

Dessa maneira, retomo as questões que nortearam minha pesquisa:

I. Qual o entendimento dos professores participantes da pesquisa quanto ao

processo de Letramento Crítico e Multiletramentos?

II. Qual o meu entendimento das perspectivas teóricas basilares desta pesquisa no

que tange minha prática no papel de professora-pesquisadora?

Intuito meu foi verificar como os cursistas compreendem as teorias basilares desta

pesquisa no curso de formação em suas práticas, transitando pelos comentários que emanaram

dos discursos dos próprios participantes.

Esta análise, portanto, se divide em duas seções, a saber: “O primeiro olhar fora

do casulo” e “ Minha tentativa de voar”.

A primeira seção, “O primeiro olhar fora do casulo”, teve por propósito perceber

quais os sentidos circulantes nos discursos dos participantes do curso no que diz respeito às

teorias tomadas como basilares desta pesquisa, almejando responder à primeira pergunta da

pesquisa, na busca de indícios de como os cursistas enxergam o processo de Letramento

Critico e Multiletramentos. Para isso, faço a análise descritiva dos comentários que, através de

minhas lentes, se revelaram mais expressivos. É válido mencionar que a maioria dos dados

analisados foi encontrada até a metade do curso, em virtude de maior participação dos

envolvidos e riqueza de dados.

A seção 2, “Minha tentativa de voar”, propôs discorrer acerca de como

compreendo minha prática dentro dessa perspectiva teórica, uma vez que sou pesquisadora,

mas também professora mediadora das interações ocorridas no curso de formação. Nesta

seção, discorro sobre os fatores que, a meu ver, foram prejudiciais ao curso e que,

concomitantemente, foram de minha responsabilidade, dificultando o voo de alguns cursistas.

61

Para realizar a análise dos dados gerados, procedi à leitura dos comentários,

narrativas, diários e e-mails enviados e recebidos dos seis participantes que concluíram o

curso.

3.1 “O primeiro olhar fora do casulo”

Esta análise objetiva observar os indícios dos processos reflexivos dos cursistas na

tentativa de compreender como eles percebem o processo de Letramento Crítico e

Multiletramentos em momentos diversos do curso. Delimitei tais indícios com base em

Menezes de Souza & Monte-Mór (2006), Assis-Peterson (2010), Brydon (2011), Magnani

(2007), Menezes de Souza (2011), Paiva (2013), Cope & Kalantzis (2000), Kalantzis & Cope

(2011). Esses autores preconizam a necessidade da inserção dos Multiletramentos na

educação, em direção a uma formação crítica por meio da linguagem, como estratégia de

questionamento das relações de poder presentes nas representações discursivas dos alunos e

em suas comunidades.

Os autores Siqueira (2010) e Tílio (2011) deram suporte quando o assunto foi o

material didático e o conteúdo; Bresolin (2011) foi mencionada para dar conta de reflexões

associadas aos blogs, como ferramentas auxiliares no processo ensino-aprendizagem. Já

Panerai & Araujo (2012), foram suficientes para auxiliar na argumentação acerca do uso de

redes sociais, como o Facebook, na qualidade de artefato digital auxiliar no ensino de língua

inglesa.

Os textos que foram aqui interpretados são exemplos de como os cursistas

percebem (ou não) as mencionadas teorias, no decorrer do curso. Assim, sinto-me à vontade

para buscar os indícios das compreensões dos seis professores participantes que foram

capazes de concluir o curso.

Em um universo de 1.939 comentários redigidos nos fóruns, diários de bordo,

atividades propostas e conversas nos chats, elaborados durante o percurso do projeto, 1.332

foram compreendidos como descrições de processos reflexivos pertencentes a este momento.

Deste número, trago para a análise 26 textos. Reforço que os seis participantes

selecionados como objeto de estudo são formados em Letras, são todos professores da rede

estadual e de centros de idiomas, exceto um deles, que é professor em uma instituição de

ensino superior.

62

Alguns tópicos foram mais recorrentes no andar das discussões da primeira parte

do curso. Entre eles, escolhi trazer à baila para análise em forma dos subtemas: Conteúdo e

temas, O ensino de língua inglesa e tecnologia, O que é ser um bom professor de língua

inglesa e, finalmente, Atividades Propostas.

3.1.1 Conteúdo e temas

Os textos que foram interpretados como pertencentes a este momento são todos

exemplos de processos reflexivos no tocante ao material didático e suas implicações no ensino

de língua inglesa, assim como, em complemento, a maneira como alguns temas são tratados

pelos professores quando estes “surgem” em sala de aula. É importante vincar que os dados

abaixo descortinados e esquadrinhados são decorrentes da interpretação, por meio de minhas

lentes, como pesquisadora.

O primeiro e o segundo exemplos que desfilo ao leitor são respostas à segunda

atividade proposta na unidade Getting to know each other. A atividade solicita aos cursistas

que elaborem uma narrativa sobre a época em que terminaram a graduação, o primeiro

contato com a língua inglesa, como e quando começaram a docência, para que tipo de

instituição trabalham. Ocupa-se ainda dos recursos e restrições no local de trabalho, da

política de ensino e livro do professor, do acesso à direção da instituição de ensino, do

número de professores na instituição e do relacionamento entre eles. Dirige seu olhar para a

forma como as aulas são elaboradas, as técnicas de ensino adotadas e como o respondente se

sente quanto ao ensino da língua. A narrativa deveria ser elaborada em forma de vídeo.

Exemplo 1 (relativo à transcrição de vídeo, unidade: Getting to know each other, em 03-04-

2013.)

“(…) In the Language School I have a book and I need to give classes according to that book,

I just can do different things in the two firsts classes of the semester. But eventually, the

students have specials day in school when they can have music session, movie session or

cooking class. (…)”

Exemplo 2 (relativo à transcrição de vídeo, unidade: Getting to know each other, em 03-04-

2013.)

63

“(...) and we usually used the books offered by the government because of the easy access for

the students, considering the fact I was not bond to do so. Of couse it was not the only

material that I used, although the school I was working didn’t have many resources

concerning English material.”

Em um primeiro olhar, o participante do exemplo 1 menciona o material

disponibilizado em uma das escolas na qual trabalha. O participante expressa que, na escola

onde trabalha, há a adoção de determinado material e precisa segui-lo durante suas aulas,

podendo apenas fazer uso de outro material nas duas primeiras aulas do semestre. Analisando

tal assertiva, entendo estar frente à insatisfação no discurso do participante, visto que ele

precisa seguir o conteúdo expresso no livro didático escolhido pela escola de idiomas para a

qual trabalha, culminando em um desapontamento por parte do professor (“I just can do

different things in the two first classes of the semester”)4.

Este primeiro exemplo retrata a dificuldade de se engajar criticamente, a ausência

de comprometimento do conteúdo do curso para formação de cidadãos transformadores, e se

ancora em uma docência construída com base nos diversos enredos ideológicos, sociais e

culturais que regem a agência do professor em métodos (ASSIS-PETERSON; SILVA, 2010).

Em reforço, aborda o material didático como ferramenta fundamental para o processo de

instrução e que, por diversas vezes, versa sobre temas que não fomentam o desenvolvimento

de consciência crítica por parte dos professores e alunos que o adotam (SIQUEIRA, 2010).

Siqueira ainda afirma que, por inúmeras vezes, o material didático é tratado como

um treinador de professores inexperientes, detentor de um caráter ideológico que apenas

contempla preocupações, necessidades e sentimentos humanos universais. Cuida de assuntos

que não “desestabilizam” o ambiente escolar e não promovem o engajamento crítico dos

alunos.

O comentário apresentado no exemplo 2 aponta que o cursista faz uso do material

didático oferecido pelo governo, dado que é a ferramenta de melhor acesso para seus alunos,

embora demonstre que não é partidário de tal escolha (“considering the fact I was not bond to

do so.”). O participante ainda complementa que o material didático utilizado não é a única

ferramenta de ensino utilizada em suas aulas, mesmo reconhecendo que a escola na qual

trabalha não dispõe de muitos recursos no que diz respeito ao material de ensino.

4 Grifo meu.

64

Compreendo que os professores, de acordo com as narrativas elaboradas nesta

primeira fase do curso de formação, se demonstram insatisfeitos com o controle do livro

didático (I just can do different things in the two firsts classes of the semester), assim como a

escolha do material (“…and we usually used the books offered by the government because of

the easy access for the students, considering the fact I was not bond to do so.”), contudo não

acentuam, em suas narrativas, o que pode ser feito para inverter tais situações de desconforto.

Penso que é evidente a necessidade de envolver os educandos em um ensino

social que os desperte para sua posição no mundo, igualmente os empodere no intuito de

construir sentidos e interferir no mundo globalizado rumo a uma sociedade mais igualitária.

Parece-me ser o estado de crisálida a impregnar ainda a prática do professor, o desejo de

romper para novos voos, embora os profissionais expressem não dispor de condições

favoráveis para tal.

Percebo, com a leitura das narrativas dos participantes, que a adoção do material

didático pelas instituições constitui um facilitador do trabalho do professor, regulando seu

trabalho. Mas fica claro, com o discurso dos participantes, que o material acaba sobrepondo

práticas consideradas importantes pelos educadores em sala de aula (I just can do different

things in the two firsts classes of the semester). Em resumo, impõe o que Tílio (2010) chama

de “a ditadura do livro didático”, considerando-se que o material deixa de cumprir seu papel

de facilitador do programa e assume o papel do programa em si. Ou seja, o livro didático se

assenhoreia do papel centralizador do curso, não sendo possível aos educadores utilizer-se de

outros recursos que ditem o andamento de suas aulas, sobrepondo diversas outras vozes que

não a do professor e/ou a dos alunos.

De igual modo, pertencente a este momento, encampo exemplos de

comportamentos de alguns dos professores quanto às suas reações diante de conteúdo

considerado “delicado” para ser discutido em sala de aula e que foge daquele proposto nos

livros didáticos.

Siqueira (2010) sinaliza um princípio apontado em material didático diversificado,

princípio este que defende que o conteúdo a ser trabalhado em sala de aula deve ser aquele

que evita qualquer tipo de “turbulência” no ambiente escolar. O autor ainda ilustra que, nos

dias de hoje, o ensino de línguas tem sido apenas voltado para a internalização de crenças,

valores e normas culturais das sociedades em que a língua é falada, estabelecendo um

compromisso com realidades distanciadas daquelas de grupos sociais marginalizados e/ou

invisibilizados, evitando assuntos que desestabilizem a sala de aula. Quaisquer

65

comportamentos que possam vir a provocar o que é chamado de “mau comportamento” em

sala de aula, põem os professores em situação de desconforto se o conteúdo for alheio ao que

o material didático apresenta.

Vejamos os exemplos. Os participantes foram representados no chat como P1, P2

e P3, ou seja, participante 1, participante 2 e participante 3, respectivamente. O chat vertente

alude à unidade Sex Inequality, e teve por intuito discutir as seguintes perguntas:

1. How would you describe the relation men versus women?

2. How different do you think men and women are? Why? Support your answer.

3. What is the origin of gender inequality?

4. How do you believe the relation men versus women can affect their salaries,

participation in the working field, access to education and health, mortality levels and

participation in the politics? Explain.

5. How can the relation men versus women affect their participation in your

classroom? Support your answer.

Os trechos transcritos, a seguir, correspondem ao momento em que os professores

começam a discorrer sobre o modo como lidar com seus alunos no momento em que temas

considerados delicados afloram nas discussões de sala de aula, não estão relacionados com o

conteúdo ministrado. Recorrem eles a brincadeiras e/ou comentários que ridicularizam outros

alunos e grupos sociais, não permitindo o cumprimento do planejamento da aula.

Exemplo 3 (relativo à transcrição de trecho de chat, unidade: Sex Inequality, em 27-03-2013.)

Ana Paola: but i mean, how to deal with that when it is coming from another student?

P1: i have notice that behavior and if i see or listen some lack of respect i try to ignore who

makes badly behavior to other way of being, and sometimes its good.

P1: or show on my face that not good way.and keep ahead with talking...not give much words,

but seen action.

Exemplo 4 (relativo à transcrição de trecho de chat, unidade: Sex Inequality, em 27-03-2013.)

P1: sometimes i think giving a huge explanantion doesnt work so good as a bad face or a

disagree atitude, seen that the student that made not so good words or behavior over others

feel ashamed for such atitude, i have noticed that.

66

Ana Paola: but instead of giving them an explanation, why not to bring a discussion to make

them think, for example?

Exemplo 5 (relativo à transcrição de trecho de chat, unidade: Sex Inequality, em 27-03-2013.)

P1: it is like a meeting, and someone say something not so good at the moment, and nobody

gives attention, what that person feels... little embarrassed... i try that way first, then if it

doesn’t work, i say something.

P2: yes, i think good way too... giving other ex or telling them some old stories.

Ana Paola: i believe in Freire’s position

Ana Paola: to make students think is the best way.

Ana Paola: in my point of view, of course.

Ana Paola: if we don’t get them to think, we are going to reproduce the practice.

P2: yes, i think is the best way, but sometimes we dont want to talk about some topics, that is

difficult for us.

P3: the drawback is that their are not accostumed to thinking.

Depreendem-se inúmeras leituras dos exemplos 3, 4 e 5. Parto da premissa que

P1, P2 e P3 ainda não percebem o ensino de língua inglesa como ferramenta para a formação

de indivíduos, hábeis para a compreensão do conceito de cidadania. Mais, os cursistas acima

aparentam entender a linguagem como uma estrutura fixa, estável, normatizada, livre de

valores culturais e ideológicos.

No chat em análise, os cursistas tinham que explicar como lidar com seus alunos

em situações em que grupos e indivíduos eram marginalizados e/ou sofriam algum tipo de

preconceito e, consequentemente, eram ridicularizados em sala de aula. Os três participantes

envolvidos adotariam a mesma postura: a de ignorar tais comportamentos.

Conforme P1, o ideal é ignorar ou demonstrar aos alunos que tal comportamento

não é apropriado para uma sala de aula, de modo a não problematizar a questão e continuar

com o andamento das aulas. Menezes de Souza & Monte-Mór (2006) declaram que, por

diversas vezes, os professores de língua inglesa contribuem para sua própria marginalização,

ao lidar com a língua como estrutura abstrata sem conexão com questões sociais e políticas.

Tal assertiva é perceptível na fala de P1, ao tentar excluir quaisquer discussões relativas a

assuntos que não sejam a língua inglesa e/ou sejam alheios ao conteúdo ministrado.

67

A postura de P1 me leva a crer que, ao ignorar os alunos que adotam o “mau

comportamento”, contribuem para um ensino distante e desvinculado de contextos

socioculturais reais, culminando em prejuízos para a cidadania.

Penso que ao problematizar a questão dos grupos marginalizados e dos que

sofrem preconceitos, o ensino prepara os educandos para o desconhecido, para agir em

situações que possam causar surpresas, incertezas.

Os exemplos 4 e 5 também confirmam o posicionamento de ignorar aqueles que

não “colaboram” para o andamento saudável (previsível e controlado) de sala de aula, sem se

aterem à necessidade premente de guiar os educandos a um processo de pensar e agir diante

de questões culturais e sociais. Acredito que guiar os educandos para voos em céus de

brigadeiro – onde tudo são rosas, ausentes nuvens e ventos – não os prepara para os conflitos,

para os questionamentos e para os letramentos heterogêneos e múltiplos, essenciais para o

desenvolvimento de indivíduos críticos e transformadores.

Embora todos os participantes citados nos exemplos acima concordem que é

necessário encobrir questões sociais e culturais, não lhes dando o devido crédito, P3, no final

do exemplo 5, demonstra entender que o desenvolvimento da capacidade crítica constitui

ferramenta essencial para o fortalecimento de indivíduos que interajam com a sociedade,

participem e produzam sentidos, para esta poderem transformar (“...the drawback is that their

are not accostumed to thinking.”)

Contudo, P3 não menciona como desenvolver atividades com seus educandos de

modo a desenvolver o pensamento (crítico). Creio que essa empreitada, no promover uma

reflexão crítica por parte dos alunos, garante a inclusão sociocultural destes na sociedade.

3.1.2 O ensino de língua inglesa e a tecnologia

Os textos apresentados a seguir foram interpretados como pertencentes a este

momento, por fazerem parte do corpus de processos reflexivos acerca do ensino de língua

inglesa associado ao uso de recursos tecnológicos.

Inicio este subtema com exemplos referentes ao desejo dos professores em utilizar

ferramentas digitais que enriqueçam suas práticas.

Exemplo 6 (relativo à atividade I, unidade: Getting to know each other, em 18-03-2013.)

68

One technique I would like to develop in my teaching is using web tools in my classroom

because i think it is so present in students life that it is so easy for them, so I would like to use

it as a tool to learn English.

Exemplo 7 (relativo ao fórum: Electronic games in the English language: quantitative aspects

of the lexical content, tópico: Teaching English + technology + games, unidade: Gender and

Education, em 11-04-2013.)

(...) in my school, we have a lab where we have 30 computers to be used but not every class,

we have to make an appointment and it can be used once a week, so when its possible I bring

students to it and then we open some sites where we have games, blogs and every tool on line

that it is nice to learn vocabulary, or structure etc.

Exemplo 8 (relativo ao fórum: What is it to be an English teacher nowadays?, tópico: What is

it to be na English teacher nowadays?, unidade: Getting to know each other, em 05-04-2013.)

I strongly agree with you Ana, I think we must to learn and use as much as possible

tecnology, web tools etc. But in state school, with many teachers who doesnt even know how

to turn on a pc, some old teachers with prejudice in using tecnology its a work that comes

slowly yet. Its good that our students love when we bring web tools and technologies to the

classroom

Exemplo 9 (relativo ao fórum: Electronic games in the English language: quantitative aspects

of the lexical content, tópico: Teaching English + technology + games, unidade: Gender and

Education, em 21-04-2013.)

Technology undoubtedly is an excellent tool to become better our classes. I don't know if I am

sure, but I like a lot to work with songs, quiz, games that they can practice some words to

play. All depend on a good plan.

Os exemplos 6, 7, 8 e 9, acima, correspondem aos comentários dos cursistas

redigidos em momentos variados do curso. Em todos eles, observamos que os participantes se

encontram cientes da importância do uso das tecnologias com o objetivo pedagógico em suas

aulas e demonstram concordar com a ideia de que o uso de tecnologias digitais conspiram a

favor da educação.

69

É sabido que, a tecnologia sofreu avanços imensuráveis, avanços esses que têm

contribuído para a melhoria da qualidade dos serviços em todas as áreas do conhecimento, a

começar pela educação. Consequentemente, a maneira como a construção do conhecimento se

dá também percebeu mudanças. Com o impulso das novas tecnologias, a educação se tornou

mais abrangente e flexível, e os professores parecem perceber a importância de seu papel na

construção do conhecimento, passando a rever suas práticas, vendo a tecnologia como aliada

de suas aulas, visto que a escola também começa a se posicionar de modo a desenvolver

outras maneiras rumo a construção epistemológica.

Cope & Kalantzis (2000) pontuam que a sociedade em transformação de hoje

demanda profissionais com capacidade de decisão, iniciativa e pensamento crítico, para que

estejam preparados para acompanhar as inovações tecnológicas e suas consequências

pedagógicas, fator que os cursistas parecem enxergar.

O comentário do participante no exemplo 6 direciona justamente a importância de

se adotar o artefato tecnológico em suas aulas, considerando-se que as ferramentas se fazem

muito presentes na vida dos alunos. Ainda, aponta o desejo em utilizar tal ferramenta no

decurso de sua prática, contudo entendo que o participante ainda não sabe como fazê-lo.

Os comentários dos cursistas nos exemplos 8 e 9 também assinalam tal desejo do

uso das novas tecnologias, o que nos remete a Paiva (2013). Essa autora que assevera que os

profissionais que não souberem lidar com o artefato tecnológico serão substituídos pelos que

o fazem.

Embora os exemplos confluam para o desejo da inserção tecnológica em sala de

aula, o uso dos artefatos tecnológicos deve ser realizado de modo a propiciar a criação de

significado a seu uso, o que parece ainda não estar tão claro para o participante citado no

exemplo 9. De acordo com o comentário do participante, a ideia de utilização das ferramentas

digitais parece focar apenas no aprendizado de vocabulário por meio de músicas, quizzes e

jogos, pondo de lado o ensino da língua como ferramenta que empodere os alunos e

desenvolva um pensamento mais voltado para a criticidade (I like a lot to work with songs,

quiz, games that they can practice some words to play).

O uso de ferramentas digitais em sala de aula, além de propiciar a criação de

significados, poderia abranger conteúdo que desenvolvesse o senso de cidadania e

promovesse o uso seguro e saudável das tecnologias.

O cursista no exemplo 8 expressa ter interesse em aprender a usar as tecnologias e

ferramentas da web (“... I think we must to learn and use as much as possible tecnology, web

70

tools etc”), apontando para o que as pesquisas indicam sendo o maior obstáculo para a adoção

dos recursos tecnológicos em sala de aula: a falta de formação de professores quanto ao uso

das tecnologias. Brydon (2011) assevera que o grande interesse em utilizar as ferramentas da

internet gera crescente chamada para os Multiletramentos e letramentos digitais, demandando

que os profissionais da educação sejam formados no intuito de desenvolver práticas com as

quais se sintam confortáveis e possam estabelecer objetivos claros quando recorrerem aos

recursos tecnológicos durante suas aulas.

A questão da necessidade da formação dos professores para o uso das novas

tecnologias em sala de aula também é reforçada pelo participante do exemplo 8, ao ponderar

que muitos professores não sabem ligar os computadores e têm um preconceito quanto ao uso

das ferramentas digitais, representando que tal inserção consiste em um processo lento

(“…many teachers who doesnt even know how to turn on a pc, some old teachers with

prejudice in using tecnology its a work that comes slowly yet). Ainda, ter acesso à

computadores e à internet não são fatores decisivos para a construção da cidadania.

Outro aspecto que considerei pertinente foi a percepção do participante descrita no

comentário do exemplo 7. Expressa que, quando possível, leva seus alunos ao laboratório de

informática existente em sua escola para que façam uso dos computadores, hábeis a utilizar

jogos, blogs e outras ferramentas on-line para que possam aprender vocabulário, estrutura,

etc.

O interesse expresso pelo professor apresentado no exemplo 7, no referente ao

acesso a blogs, caracteriza prática social demandada pela nova ordem global. Bresolin (2011)

assevera que os blogs têm sido incluídos no processo de ensino-aprendizagem por representar

ferramenta que dinamiza tal processo e, por igual, enseja novas formas de interação e

trabalho. Em complemento, a autora afirma que a utilização dos blogs no meio escolar

promove não apenas a descentralização do professor como detentor do conhecimento, mas

também amplia as fronteiras do ambiente escolarizado, aproximando os usuários para o uso

real da língua na qual o blog é elaborado.

Entendo que os cursistas que tiveram o comentário citado nos exemplos 6, 7, 8, e

9 julgam que as ferramentas digitais muito podem favorecer o processo de ensino-

-aprendizagem de uma língua estrangeira, embora perceba que estes ainda não conseguem

operacionalizar as ferramentas disponibilizadas rumo a um ensino significativo e crítico

(“…so when its possible I bring students to it and then we open some sites where we have

games, blogs and every tool on line that it is nice to learn vocabulary, or structure etc”).

71

Os exemplos que trago a seguir fazem menção à utilização de mídias sociais,

sendo o Facebook a ferramenta auxiliar mais frequente no ambiente escolar.

Exemplo 10 (relativo ao fórum: What is is to be an English teacher nowadays?, tópico: What

is it to be na English teacher nowadays?, unidade:Getting to know each other, em 12-03-

2013.)

Let me add my two cents. The English class is somewhat pressured to resort to those items

outside the classroom. We end up making use of Facebook and stuff to connect with the

students, to make them recognize us as ordinary human beings! It´s likely to lead to improved

learning...

Exemplo 11 (relativo ao fórum: What is is to be an English teacher nowadays?, tópico: What

is it to be an English teacher nowadays?, unidade: Getting to know each other, em13-03-

2013.)

I personally believe Facebook can be used as a valuable tool for teaching. Why not create a

community to discuss given topics with our students (and create an English-speaking

environment)?I´ve already had this experience. The participating students would write

messages, ask me questions regarding the course, crack jokes, make fun of me, and so on.

Exemplo 12 (relativo ao fórum: What is it to be an English teacher nowadays?, tópico: Being

an English teacher nowadays, unidade: Getting to know each other, em 16-03-2013.)

Nowdays we find lots of new medias and keep the focus sounds a little bit hard. I use social

medias like Facebook, you tube and google+ to share some learning tips and keep in touch

with my students. And I teach them how to use these tools in a positive way.

A criação de ambientes que sejam motivadores para alunos e mantenedores de

discussões iniciadas em sala de aula é marcante nos comentários apresentados nos exemplos

10, 11 e 12. Os três cursistas alegam que o uso de redes sociais muito contribuem para o

contato extraclasse com seus alunos. Nos três comentários, os participantes defendem a rede

social Facebook não apenas como ferramenta útil para o aprimoramento da aprendizagem.

Fazem-no igualmente como meio que encontraram para serem reconhecidos por seus alunos,

facilitando-lhes ter uma relação informal com estes.

Pesquisas apontam a rede social Facebook como nova perspectiva para a

educação, visto que é de fácil acesso, aberto às diversas classes sociais, disponibiliza links

72

para textos, videos e outros sites de interesses coletivos, promove processos colaborativos,

motivadora, favorece um processo educativo mais humanizador, crítico e coerente com as

necessidades do século 21 (PANERAI; ARAUJO, 2012). Isso sem mencionar seu caráter

informal que muito estimula a leitura e a produção textual. Ainda a esse respeito, Gomes

(2010) assina que os diversos usos sociais da escrita, como a leitura e a produção textual, têm

ocorrido de forma espontânea no ambiente digital, fora do contexto de sala de aula.

Acredito que as novas tecnologias de informação e comunicação, doravante

NTICs, abrem grande multiplicidade de possibilidades quanto à efetivação e à inovação de

práticas sociais combinadas com práticas educativas, configurando a cultura contemporânea.

É possível que os participantes do curso ainda não compreendam tais práticas

sociais contemporâneas como uma das características dos Multiletramentos, mas já se

encontram inseridos nessa cultura e percebem a importância de tal inserção. Os participantes

do curso alegam que são, de certo modo, “pressionados” fora da sala de aula e creem que a

rede social em apreço constitui ferramenta educativa de grande valor, uma vez que promove a

melhoria na aprendizagem.

Penso, portanto, que esse processo de apropriação das redes sociais como

ferramenta auxiliar em aulas possa, sim, de modo radical, contribuir para o movimento

reflexivo dos professores participantes do curso, hábil a incitá-los a romper seu casulo,

propiciando a seus alunos práticas sociais significativas e críticas.

Assim como o uso de redes sociais foi citado como facilitador da aprendizagem,

os cursistas apontaram o uso de jogos como mais um elemento emergente e enriquecedor de

suas práticas, conforme os exemplos, a seguir.

Exemplo 13 (relativo ao fórum: Electronic games in the English language: quantitative

aspects of the lexical content, tópico: Teaching English + technology + games, unidade:

Gender and Education, 05-04-2013.)

As I told before I'm not the right person to say about games, but I can see clearly how much

well are my students who play games than the ones who don't. I'm always learning with these

students, and as you talked about grammar and structure, you are right they can learn too.

My students who play games know the struture, they don't know why, but they do. It's

automatically. Just because they're used to see it on the games. That's amazing!

73

Exemplo 14 (relativo ao fórum: Electronic games in the English language: quantitative

aspects of the lexical content, tópico: Teaching English + technology + games, unidade:

Gender and Education, em 06-04-2013.)

I tried last year used game as a tool and was wonderful. My students were amazing and the

class was very dinamic. I will try more this yearm, becaus game is a good tool, nowadays.

Thanks.

O comentário trazido no exemplo 13 evidencia, claramente, como o participante

do curso percebe como seus alunos, que fazem uso de jogos, se destacam perante aqueles que

não o fazem. O participante ainda assevera que os alunos que desempenham práticas

relacionadas aos jogos apresentam maior facilidade de compreensão das estruturas da língua

alvo, internalizando-as sem perceber que o fazem, tornando o seu uso um ato natural e

automático.

Depreende-se do comentário elaborado pelo cursista do exemplo 14 que a

experiência com os jogos foi fascinante, considerando-se que os jogos traduzem ferramenta

dinâmica de ensino. Aduziu, ainda, que já fez uso da ferramenta e intende repetir a

experiência.

É necessário pontuar aqui que, embora os cursistas percebam que os videogames

constituem ferramenta de ensino extraclasse e que muito pode contribuir para o

desenvolvimento linguístico de seus alunos, sinto que ainda não refletiram sobre sua

contribuição rumo a uma educação crítica. Assim, Magnani (2007) afirma que como vídeos,

livros didáticos, redes sociais, os videogames são artefatos culturais que transmitem valores

culturais e apoiam determinadas visões de mundo.

De acordo com Magnani (2007), os jogos desfilam alto potencial de ensino que

conduz aprendizes à argumentação, persuasão e construção de sentidos, se, é claro, os seus

usuários forem inseridos em práticas educacionais que extrapolem as práticas educacionais e

oferecerem momentos nos quais a postura reflexiva-crítica é efetivada, explicitando a

multiplicidade de visões de mundo, concepções políticas e práticas cotidianas de diferentes

grupos.

Dessa maneira, o autor ainda argumenta que os professores que objetivam

trabalhar com jogos devem estar envolvidos na observação de tais artefatos digitais buscando

sempre softwares que fujam da visão etnocêntrica da sociedade e considere a diversidade de

mundos, pontos de vista e modos de vida.

74

Ensinar por meio de jogos é enriquecedor, desde que tal prática não seja limitada

ao ensino de estrutura e vocabulário, conforme pensam alguns dos participantes do curso

(“My students who play games know the struture, they don't know why, but they do. It's

automatically. Just because they're used to see it on the game!” e ”My students were amazing

and the class was very dinamic.”).

O subtema seguinte trata das percepções dos cursistas acerca do que significa ser

bom professor de língua inglesa.

3.1.3 O que é ser bom professor de língua inglesa

Os textos seguintes foram interpretados como pertencentes a este momento por

compreenderem os processos reflexivos dos participantes do curso de formação a propósito

do que é ser um bom professor de língua inglesa, considerando a rapidez da informação, a

grande variedade de mídias e a mudança no comportamento dos indivíduos.

Os textos apresentados representam os comentários dos cursistas quanto à

importância do professor de línguas estar a par dos interesses particulares de seus alunos para

um plano de aula bem-sucedido.

Exemplo 15 (relativo à atividade I, unidade:Getting to know each other, em 13-03-2013.)

Effective teacher, for me, is not that one who deals with content using translation of text and

doing mechanical activities, for sure is that one who prepares his/her class thinking of

students reality, touching the students how important is to learn English, and how we are

influenced by it.

Exemplo 16 (relative ao fórum: What is is to be an English teacher nowadays?, tópico: What

is it to be a English teacher nowadays?, unidade Getting to know each other, em 14-03-2013.)

Nowadays it's a little hard be a teacher. We need to study a lot and always see the news

around the world. We need do our best and use the technology to help us. It's important to

involve with our students' world, and know what they like, what they do... but when we

succeed... it's rewarding.

75

Exemplo17 (relativo ao fórum: What is is to be an English teacher nowadays?, tópico: What

is it to be an English teacher nowadays?, unidade: Getting to know each other, em 13-03-

2013.)

… to be an English teacher nowadays is to use subject about students´ lives, the

things/situation they are used to live, in my opinion the students see how English is in their

lives, how important it is, and we can also stimulate them throw tools as our friend told, like

blog, Facebook, etc...

Exemplo 18 (relativo ao fórum: What is is to be an English teacher nowadays?, tópico: Being

an English teacher, unidade: Getting to know each other, em 12-03-2013.)

I´d say that being an English teacher nowadays requires more than academic expertise.

We´re supposed to be familiar with the latest tech advances, know by heart Justin Bieber´s

new hit, be aware of the students´ family issues, help them with some Portuguese lessons,

cope with limitations, and the list goes on and on. That´s OK. We happen to enjoy such insane

duties.

À luz dos comentários aduzidos nos exemplos 15, 16, 17 e 18, os participantes

envolvidos creem que ser bom professor de língua inglesa envolve, primeiramente, trazer para

a sala de aula conteúdo que esteja relacionado com a vida dos alunos, coisas que eles gostam

de fazer, situações as que eles estejam acostumados.

Além disso, os cursistas entendem o ensino de língua inglesa como missão que,

além de difícil, demanda que os professores se esforcem para manter atualizados quanto às

ultimas notícias do mundo, interesses dos alunos, problemas pessoais e, ainda, que tenham um

conhecimento multidisciplinar.

Percebo que nenhum dos comentários acima menciona o fato da importância de

inserir os alunos em um ensino que incentive o desenvolvimento da autonomia dos

educandos, prática de construção de sentidos, ênfase em contextos que não sejam o da sala de

aula, apelo a um aprendizado no qual os participantes, além de adquirirem insumo linguistico,

possam também se conhecer e a seu mundo de modo a criticamente transformá-lo. Conforme

defendem Kalantzis & Cope (2001), um ensino que guie os educandos à transformação e

recriação de sentidos tornando-os designers de seu próprio futuro social.

O exemplo 15 exibe que professores precisam levar seus educandos à

compreensão de que é importante aprender a língua inglesa e como somos influenciados por

76

ela, contudo, não aponta quais são as razões de tal importância e quais as influências que a

aprendizagem da língua pode conferir a eles.

Embora já tenha apresentado ao leitor que os professores participantes do curso

começam a perceber que há um processo de reflexão prática em andamento, estes ainda não

compreendem que a própria sala de aula constitui um ambiente a ser repensado, conforme

Magnani (2007) também expressa.

Em acréscimo, não acredito que seja impossível estabelecer uma relação mais

próxima dos alunos, conforme exposto pelos participantes dos exemplos 15, 16, 17 e 18.

Porém, concordo com Menezes de Souza (2011) no asseverar que os aprendizes precisam ser

expostos a confrontos com diferenças de toda espécie, na tentativa de conscientizar os

educandos da existência do seu “eu” e do “eu” do outro, constituídos de forma diferente,

influenciados por contextos sócio-históricos diferentes e que, concomitantemente,

influenciam o seu meio de maneiras diferentes.

Ainda, o comentário do participante trazido no exemplo 15 já apresenta um desejo

de se libertar das amarras do casulo rumo ao ensino mais democrático e cidadão. O

participante demonstra se importar com a questão do ensino desvinculado da tradução e de

atividades consideradas mecânicas, que caracterizam o ensino tradicional. É possível detectar

que o ensino proposto pelos comentários dos cursistas nos exemplos em análise, apresente um

modelo de ensino de conteúdo sem a devida preocupação na articulação de sentidos e

conhecimentos, ou o ensino da língua pela língua.

Penso que tal comportamento se dá em virtude do que Menezes de Souza &

Monte Mór (2006) detalham nas OCEMs sobre a falta de clareza de objetivo quando da

elaboração do currículo escolar, que foca estritamente na concepção de educação concentrada

na disciplina e no conteúdo, sem uma proposta que lide também com os valores sociais,

culturais, políticos e ideológicos que circundam a língua ensinada.

Os exemplos apresentados abaixo trazem à tona comentários acerca de um dos

considerados maiores pesadelos dos bons professores de língua estrangeira: a falta de

interesse por parte dos alunos.

Exemplo 19 (relativo ao fórum: Sex Inequality: School success and failure-a matter of genre;

tópico: Gender; unidade:Sex Inequality, em 12-05-2013.)

I think that nowadays, teachers have more tools to develope their classes to call

students´attention. The thing is: Do they really want to improve?

77

Exemplo 20 (relativo ao fórum: What is it to be an English teacher nowadays?, tópico: To be

an English teacher; unidade: Getting to know each other, em 14-04-2013.)

But to be a teacher nowadays has some challenges like disrespect, lack of boundary,

disinterest and lack of education mainly if you deal with student with age from 11 to 14 years

old.

Exemplo 21 (relativo ao fórum: What is it to be an English teacher nowadays?, tópico: To be

an English teacher, unidade: Getting to know each other, em 17-04-2013.)

In my opinion many students are a dismotivated most of the time coz they dont see the

necessity to learn, they are involved to such other things that they could learn and they learn

a lot, but they dont understand the association between school and new tecnologies, so we

have to link both i think or try to use as much as possible.

Exemplo 22 (relative ao fórum: What is it to be an English teacher nowadays?, tópico: To be

an English teacher; unidade: Getting to know each other, em 15-04-2013.)

I understand you very well when you say about bad behaviour of students coz I have worked

in a state school for 12 years and I have noticed about it, and unfortunately it is getting worse

year after year, for many reasons but one thing we can do for them and for us is be prepared

to face this tecnologigal time and try to do our best and as you said, never give up.

Exemplo 23 (relativo ao fórum: What is it to be an English teacher nowadays?; tópico:

Teacher nowadays, unidade: Getting to know each other, em 12-03-2013.)

I always thought that private schools "displayed" the best English students until the day I had

the chance to teach at an elite school. I was really shocked by the lack of interest of those

sixteen year olds. English was seen as a secondary subject. I did my best to make them learn

and see that being in my class could be productive. I guess I managed to attract half of the

students and make them pay attention and participate in the class.

Conforme os desabafos dos cursistas nos comentários trazidos nos exemplos 19,

20, 21, 22 e 23, os professores de língua inglesa enfrentam problemas de inúmera ordem, a

começar por falta de interesse e de motivação, mau comportamento, desrespeito pelo

professor, falta de limites e de educação.

78

A impressão que tenho ao reler os comentários dos cursistas é que eles esperam

que seus alunos se comportem como os alunos de gerações anteriores, época em que o modelo

de ensino tinha por cerne a figura do professor como detentor do conhecimento, e que

também tinha, por característica, a ideia de que os alunos deveriam permanecer inertes em seu

lugar sem manifestar-se a favor ou contra o que era “ensinado”. Então, considerava-se falta de

respeito, de educação, de motivação e de interesse, quaisquer comportamentos que fossem

contrários ao parâmetro de aluno ideal.

Embora o ensino se concretize, por igual, fora do contexto escolar, é indiscutível

que inúmeros professores ainda consideram a escola e todo o conglomerado escolar como o

principal caminho para a efetivação dos objetivos pedagógicos. Por outro lado, os alunos já

percebem os diversos caminhos que podem ser percorridos para alcançar o conhecimento,

caminhos esses que são mais fáceis e prazerosos. Sendo assim, as aulas são julgadas

desinteressantes e desmotivantes, levando professores à frustração.

O comentário do participante no exemplo 19 mostra como o professor se encontra

descrente da atuação de seus alunos, asseverando que, embora diversos esforços sejam

dispensados para a programação das aulas, ele não acredita que tais esforços sejam realmente

recompensados com a participação dos alunos (The thing is: Do they really want to improve?)

Mesmo persisitindo na questão da desmotivação e da falta de interesse e respeito

por parte dos alunos, os cursistas dos exemplos 21 e 22 parecem reconhecer a importância de

associar as práticas escolares às práticas sociais conhecidas por seus educandos, além de

atentar para a relevância da formação tecnológica do professor com vista à melhoria das aulas

(“...they dont understand the association between school and new tecnologies, so we have to

link both i think or try to use as much as possible.”; e “…but one thing we can do for them

and for us is be prepared to face this tecnologigal time and try to do our best and as you said,

never give up.”)

Depreende-se dos comentários expressos nos exemplos em foco que os

professores ainda não compreendem o ensino de língua inglesa como prática social que não

pode ser desvinculada de seus contextos de uso e de seus usuários.

A dicotomia escola pública versus escola particular também se fez presente nos

comentários arrolados nos exemplos 22 e 23. O comentário do cursista no exemplo 22

discorre que o mau comportamento dos educandos na escola pública se torna pior a cada dia,

enquanto o comentário expresso no exemplo 23 discute a ideia errônea que o participante

tinha quanto à postura dos educandos na escola privada. O participante expõe que chegou a

79

acreditar que os alunos das escolas particulares eram melhores alunos de inglês, mas observa

que a falta de interesse não reside apenas nas escolas públicas.

Algumas pesquisas nos aclaram que educandos e educadores acreditam que a

apreensão da língua inglesa ocorre apenas em centros de idioma, levando estes educandos e

educadores a crer que não há expectativas quanto às escolas regulares (MENEZES DE

SOUZA; MONTE-MÓR, 2006, p. 89).

Assim, entendo que os comentários descortinados nos exemplos 22 e 23 estão

carregados de tal crença (“...I have worked in a state school for 12 years and I have noticed

about it, and unfortunately it is getting worse year after year…”; e “I always thought that

private schools "displayed" the best English students until the day I had the chance to teach at

an elite school.”), reforçando o que Menezes de Souza & Monte-Mór (2006) afirmam, por

meio das OCEMs, que há um conflito quanto aos objetivos dos currículos referentes ao ensino

de língua inglesa.

O considerado conflito quanto aos objetivos do ensino de língua inglesa traz à

baila, novamente, o fato de que professores não compreendem a importância da língua

inglesa, contribuindo para o que Paiva (2005, p. 9) descreve como geração de sentimentos

negativos quanto à disciplina, os quais são, inconscientemente, traduzidos para os alunos.

Em tempo, os participantes parecem enxergar a linguagem como artefato abstrato,

em concordância com Menezes de Souza & Monte-Mór (2006), levando-os a utilizá-la de

forma desvinculada dos contextos socioculturais de seus alunos e comunidades, sem se atentar

para o fato que a linguagem, assim como a cultura e o conhecimento, traduz conjuntos abertos

e dinâmicos em constante transformação.

3.1.4 Atividades propostas

Dentre as atividades propostas no curso de formação, uma delas consistia em

compartilhar, com os colegas virtuais, atividades que foram elaboradas pelos próprios

participantes e foram sucedidas em suas respectivas salas de aula. O intuito era perceber como

os cursistas elaboravam seu material bem como observar as discussões acerca das sugestões

dadas. Infelizmente, apenas três participantes contribuíram com sugestões. Vejamos cada uma

delas, a seguir.

80

Exemplo 24 (relativo ao fórum: What is it to be an English teacher nowadays?, tópico: Being

an English teacher, unidade: Getting to know each other, em 13-03-2013.)

2 WRITE PART A.

A._______________________________________________________

B. Oh, I’m sorry. I’m broke right now.

A ________________________________________________

B. Ok. I’m looking forward to your e-mail.

A. ___________________________________________________

B.You need to see a doctor. Your health isn’t good.

A. ___________________________________________________

B. Really? How can he be that odd?

A. ___________________________________________________

B. Nearby? No, no, no!

3 WRITE PART B.

A. Sheila is really talkative!

B. ___________________________________________________

A. Can you afford that?

B. __________________________________________________

A. I guess Heather is avoiding you!

B. ___________________________________________________

A. Little John never talks to strangers.

B. ___________________________________________________

A. What’s your favorite pet?

81

B. ___________________________________________________

Exemplo 25 (relativo ao forum: Sex Inequality, tópico: Answers to the questions; unidade: Sex

inequality, em 28-03-2013.)

My plan is to guide the discussion by asking questions and emulate the ideas you shared last

night during the live chat. In the second part of the pilot-class I will bring another joke about

the same topic and check their reactions.

Exemplo 26 (relativo ao fórum: Gender and Education, tópico: What I do, unidade: Getting to

know each other, em 04-04-2013.)

I like to explain grammar by giving the students real-life sentences:

Present Continuous

Little John was washing the dishes.

(The book shows a woman)

Genitive Case

John´s husband is on vacation.

(The students correct me: 'Didn´t you mean wife?' And I say: 'No, the sentence is correct'. We

live in a modern society

82

Os textos apresentados nos exemplos 24 e 26 albergam algo em comum: o foco no

ensino de estruturas gramaticais. Em conformidade com Menezes de Souza & Monte-Mór

(2006), é difícil sustentar o ensino de línguas estrangeiras isolado da gramática. Mas, ainda de

acordo com os autores, a gramática tem sido utilizada como algo que precede o uso prático da

linguagem, isto é, tem exercido o papel de codificar, fixar e normatizar a linguagem, de modo

a encará-la como algo homogêneo e estável.

Além disso, os exemplos 24 e 26 põem a lume o ensino das estruturas de maneira

fragmentada ou compartimentada, seguindo o procedimento pedagógico e didático apontado

como recorrente por Menezes de Souza & Monte-Mór (2006, p. 113), que adota a divisão de

conteúdo em partes de menor dificuldade, com o intuito de classificá-los a partir do mais fácil

para o mais difícil, para melhor examiná-los e compreendê-los. A divisão em partes, de

acordo com a complexidade do conteúdo não é recomendada considerando-se que pode

resultar no desenvolvimento de pensamento acrítico, linear e na ausência de criatividade.

Em tempo, o exemplo 24 alude a dois exercícios distintos. No primeiro, os alunos

precisam completar o espaço em branco de modo a iniciar um diálogo. As lacunas precisam

ser preenchidas de acordo com as respostas ou comentários dados, com o objetivo de formar

diálogos independentes e coerentes. Como há palavras grifadas no exercício, suponho que

estas são as palavras-chave das atividades sugeridas, isto é, o foco do exercício proposto pelo

participante é fixar o vocabulário.

O segundo exercício apresentado no exemplo 24 consiste em elaborar respostas

ou comentários, de acordo com as perguntas feitas. Também há palavras grifadas neste

exercício. O princípio das duas atividades é o mesmo, ou seja, estimular o processo criativo

dos alunos e trabalhar com a internalização do vocabulário proposto em grifo.

Embora processos criativos sejam testados neste tipo de exercício, penso que os

contextos se revelem artificiais, não suficientes para formação de indivíduos conscientemente

críticos. Não há sentidos expressos nas sentenças e percebo que o ensino por meio de tal

atividade tem por foco o conteúdo, excluindo do trabalho os valores culturais, políticos e

ideológicos. Ainda, com o uso de exercícios semelhantes aos desenrolados no exemplo 24,

não há como despertar a consciência crítica dos educandos e sua maneira de ver e pensar o

mundo.

Por outro lado, o exemplo 25 encarta uma atividade bem interessante que oferece

a oportunidade de criar um ambiente de descontração e também de pensamento crítico. O

participante tem por proposta apresentar a seus alunos uma piada machista na qual um homem

83

tem diversas mulheres. A piada é engraçada e certamente despertará a atenção de todos os

alunos diante de seu conteúdo cômico e também conflituoso.

Com atividades desse tipo, é possível trabalhar diferentes habilidades da língua,

como a leitura e a fala. Outro ponto de grande relevância é o tema escolhido pelo participante

para discutir em sala de aula, o machismo. Por meio de discussões como esta, além de

aprender a língua pela língua, os educandos podem compreender que posição (lugar) ocupam

na sociedade, apreendem maneiras de ver e pensar o mundo, desenvolvem a criatividade e o

senso de cidadania, fortalecendo a consciência social e cultural. É claro, isso tudo se a

discussão for conduzida pelo professor e também mediador, de modo a impulsionar o

pensamento crítico dos educandos, sem apresentar “verdades”.

Embora o exemplo 25 traga uma explicação de tempos gramaticais sem o uso

prático da linguagem, é valido apontar que o participante, ao elaborar a explicação, atentou

para a questão das diferentes orientações sexuais (John’s husband is on vacation), um dos

temas propostos pelas OCEMs, o que também pode culminar em discussão com os alunos a

respeito das diferenças e de orientação sexual.

A próxima seção diz respeito à minha compreensão concernente às teorias dos

Multiletramentos e Letramento Crítico, assim como também minha prática na qualidade de

professora mediadora de curso digital.

3.2 Minha tentativa de voar

A partir deste momento, intento reinterpretar os dados desta pesquisa, aportando à

discussão as mensagens que encaminhei ao grupo e também os trechos de participação

realizada nos fóruns e chats do curso, buscando nestes fragmentos construir minha

interpretação de como compreendo minha prática dentro dessa perspectiva teórica.

De um universo de 27 mensagens encaminhadas aos participantes pela plataforma

Moodle, trago para a discussão 10 delas.

O objetivo desta seção é responder à segunda pergunta da pesquisa, de modo a

compreender minha tentativa de voar por esse ambiente desconhecido e interessante.

Esclareço que optei por dividir esta seção em subseções, no intuito de facilitar a

compreensão do leitor para minhas reflexões acerca da minha tentativa de voar neste ambiente

virtual, conflituoso, instável, cheio de surpresas e de predadores.

84

Dessa forma, então, a primeira subseção que compõe minha tentativa de voar é

chamada “Abrindo as asas” e trata da questão da afetividade como um componente que

considerei relevante para a criação e manutenção de um ambiente de interação. A segunda

subseção foi chamada de “O céu é o limite”, passo em que aponto os diversos momentos em

que utilizei as mensagens para provocar a participação, motivação e reflexão dos participantes

do grupo.

3.2.1 Abrindo as asas

Antes de alçar o primeiro voo, ao se livrar do casulo, a borboleta ainda passa bom

tempo se livrando de uma substância que a envolve, um líquido gelatinoso que serve para a

proteção de suas asas no interior do casulo. Ao sair dele, tal líquido age como uma amarra,

induzindo a borboleta a lutar e a decidir como e quando o voo será alçado.

Exponho ao leitor a tentativa de me livrar das amarras que ainda fazem minhas

asas pesadas e me dificultam o voo, fazendo-o por meio da manutenção e animação das

discussões na sala de aula virtual pelo uso da afetividade, em busca do objetivo comum de

refletir criticamente, bem como de responder às perguntas desta pesquisa.

Onde lê-se P, trata-se de participantes do curso. Usei a letra para designar todos os

participantes mencionados nas mensagens.

Exemplo 1 (relativo à primeira mensagem encaminhada ao grupo, em 12-03-2013.)

Terça, 12 de março de 2013.

How’s everything?

What did you think of the activities?

There’s a really interesting discussion about WHAT IS IT TO BE AN ENGLISH TEACHER

NOWADAYS, and our colleague P brought some interesting issues to our discussion. Please,

access the link for the forum: WHAT IS IT TO BE AN ENGLISH TEACHER NOWADAYS?

and take a look at the discussion. Hope you like it and can contribute or ask some questions to

P too. You are going to find the forum at the end of the page under the name:

WHAT IS IT BO TE NA ENGLISH TEACHER NOWADAYS? EXPLAIN THE

IMPORTANCE OF POSITION: POSITIVE AND NEGATIVE ASPECTS, HOW YOU

FEEL ABOUT IT, EVERYTHING THAT COMES TO YOUR MIND.

See ya.

85

Exemplo 2 (relativo à mensagem enviada ao grupo comunicando o início de um fórum, em

21-03-2013.)

Hello, Guys,

How’ve you been?

I’d just like to mention we have a new forum called: CULTURE AND TEACHING A

FOREIGN LANGUAGE.

There is an academic article to be read and discussed among the colleagues.

Hope to see your participation there.

Take care!

Ana Paola.

Exemplo 3 (relativo à mensagem encaminhada ao grupo comunicando o início de outra

semana de discussões, em 21-04-2013.)

Hello, everyone!!!

Hope you all had a great weekend.

I’ve been following the discussions we had the last days and I got really happy with all the

participations. I made some comments on the previous foruns, and expect you to express

yourselves, giving your ideas. For this week, starting on Apr 22, we are going to discuss

WHAT IT TAKES TO BE A GREAT ESL TEACHER. I would like you all to think about it,

once we all have been working with English. Suggest, criticize, but give your opinions. This

first step is going to be developed until Wednesday, Apr 24. After that, we’ll have other

activities to finish. As we have just one forum to discuss, this is not an excuse for anyone to

tell me it was difficult (or impossible) to participate, once it’s visible the reduction of the

number of the activities, i do believe it’s better to have less activities, but to have full

involvement of all participants than to have just some participating in the interactions.

So, this way we start this new week with this new topic.

I am going to be here full time to help you out with any questions or difficulties you may have.

In case you have suggestions of discussions, texts, anything you consider valuable for the

group, please, let me know.

Great week for you all

Take care and keep up the good work!

86

Exemplo4 (relativo à mensagem enviada ao grupo para consultar horário para realização de

chat, em 14-05-2013.)

Evening, everybody!!!

Can we have our chat tomorrow, May 15, at 9:30 (local time), 10:30 (Brasilia time)?

PLEASE, ANSWER ME AS SOON AS POSSIBLE.

I’m looking forward to meeting you all again.

See ya!

Ana

Nas mensagens arquivadas nos exemplos 1, 2, 3 e 4, percebo meu desejo de

estabelecer um contato mais íntimo com os participantes do curso, de modo a estreitar a

distância e a criar um ambiente colaborativo no qual eu não represento o professor, mas sim

um colaborador para o curso, como todos os demais participantes: “How’s everything?”, “See

ya.”, “Hello, guys!”, “How’ve you been?”, “Take care”, “Hello, everyone!”, “Hope you all

had a great weekend.”, “Great week for you all.”, “I’m looking forward to meeting you all

again.”

Não posso deixar de mencionar que o processo de ensino-aprendizagem em

ambiente virtual é complexo, conflituoso e instável, e o professor mediador precisa de alguma

forma, estabelecer um relacionamento com seus alunos. Tentando criar esse estreitamento,

por diversas vezes observei que tal atuação consistia em um reflexo das práticas dos

professores que tive quando criança e adolescente, apontando que, em ambiente real ou

virtual, adotamos posturas parecidas com as quais nos identificamos durante o nosso próprio

processo de aprendizagem, caracterizando uma espécie de herança da cultura escolar.

Penso, igualmente, que um dos fatores que colaboraram para tal postura tenha

sido minha experiência como docente, principalmente no centro de idiomas onde comecei a

lecionar. Nele, a ideia principal era estabelecer com os alunos o vínculo afetivo, buscando,

desta maneira, facilitar o processo de ensino-aprendizagem.

É sabido que o envolvimento emocional e afetivo são fatores que influenciam na

interação e, consequentemente, na aprendizagem (SOUZA, 2006). Reconheço que a

perspectiva de ensino a partir de uma visão mais crítica proporciona o conhecimento de si, do

outro e do mundo. Contudo, o estreitamento na relação professor-aluno pode ser fator que

registra quanto essa relação pode estar arraigada ao ensino tradicional, ensino esse que tem o

professor como uma imagem “maternal”, quando não familiar.

87

Conforme os exemplos 1,3 e 4, demonstrei aos cursistas que a opinião de cada um

deles era de grande importância para o andamento do curso, sempre me preocupando com o

que achavam de cada unidade, de cada atividade e contando com a colaboração de todos para

a realização das atividades propostas (“What did you think of the activities?”; “Hope you like

it.”; “Suggest, criticize, but give your opinions.”; “Can we have our chat tomorrow?”). No

exemplo 4, apontei o tamanho do meu entusiasmo em continuar as interações e reencontrá-los

para o bate-papo, e encerro a mensagem utilizando meu primeiro nome, reforçando a

existência da “afinidade” com os cursistas.

3.2.2 O céu é o limite

Para a borboleta, alçar um voo após se livrar de todas as amarras que a envolviam

não é opcional. Ficar parada pode chamar a atenção de predadores naturais, bem como

impedi-la de descortinar novos horizontes. Depois que ela bate as asas pela primeira vez, o

céu é o limite.

Em minha tentativa de alcançar o céu, divisei ter utilizado as mensagens inúmeras

vezes para provocar a participação, motivação e reflexão dos participantes do grupo. Vejamos

os exemplos, a seguir.

Exemplo 5 (relativo à mensagem encaminhada para o grupo no intuito de cobrar participação

dos cursistas nos fóruns e chat da unidade, em 02-04-2013.)

Terça, 2 de abril de 2013

Where are you I didn’t meet since last week? Hope to meet you all during the interactions of

this week, in the forum and in the chat. I am waiting for you to send me your availability for

the chat this week. I am also choosing another academic article for discussing in a fórum and

during our chat. Some colleagues have been posting suggestions of articles, lesson plans and

wonderful contributions to our discussions. Please, check them all. They are going to be of

great help for your classes too. And it would be wonderful if you all could post suggestions of

practices too. REMEMBER: THIS COURSE IS MADE FOR YOU, BUT IT NEEDS DO

HAVE YOU INTERACTIONS, OTHERWISE IT WON’T EXIST.

Hope to be hearing from you soon.

Take care and have you all a wonderful week!

Ana Paola

88

Exemplo 6 (relativo à mensagem encaminhada ao grupo para solicitar a participação dos

cursistas que ainda não tinham interagido na semana, em 04-04-2013.)

Good evening, everyone!

How about having the chat for the topic of this week TOMORROW, FRIDAY, APRIL 5?

My intention is to try to get the participation of the onew who didn’t participate yet because of

their busy agendas...

Next week, we try to have the chat on another day.

My suggestion is tomorrow, April 5, at 8:30 pm local time (9:30 pm – Brasilia time).

What do you think? Let’s try it? I’ll be waiting for your answers. Thanks a lot!

Even if not everyone can participate in the chat, take a look at the fruns. All of them have

some interesting comments.see ya!

Great Thursday. In need of something, I’ll be around.

Ana Paola ☺

Os exemplos acima assinalam o modo que utilizei as mensagens como

ferramentas de motivação. Percebi que, em diversos momentos, alguns cursistas do grupo

tiveram chances de participar de forma crítico-reflexiva, assim como colaborativa, mas se

abstiveram de algumas discussões realizadas. Concordo com Freire (1996) que o processo

reflexivo depende de momentos de colaboração e interação, acompanhados de observação,

teoria e prática. Por isso, tentei incentivar a participação de todos do grupo, rumo à construção

de sentidos e desenvolvimento de processo reflexivo.

Constatei, de igual, que em variados momentos me posicionei diante de

determinados assuntos, expressei minha opinião, e tentei provocar os participantes para que

estes também se manifestassem, assinando que, apesar de termos ideias e valores que diferem

de nossos alunos, precisamos trazer à baila tais assuntos, objetivando a construção de

significados. Vejamos os exemplos a seguir.

Exemplo 7 (relativo ao forum: Sexuality and discrimination, tópico: in my opinion, man X

woman, gender, unidade: Sexual Diversity and Discrimination, em 21-04-2013.)

I agree, P, but unfortunately we reproduce some practices which are considered hegemonic, in

a very uncounscious manner . the idea is to identify what practices are these and try to change

them, in a more inclusive way. My questions are:

DO WE KNOW HOW TO IDENTIFY SUCH PRACTICES?

89

WHAT CAN BE DONE IN ORDER TO GET RID OF THEM?

WHAT CAN WE DO IN ORDER TO BE MORE INCLUSIVE?

Exemplo 8 (relativo ao forum: What makes a good ESL/EFL teacher, tópico: OCEM,

unidade: The Ideal English Teacher and the Technology/Globalization Movement, em 15-05-

2013.)

For item 3 you answered:

WHAT DOES THE OCEM SAY CONCERNING THE ENGLISH LANGUAGE

TEACHING?

It states that language teaching should take into account other perspectives such as

cultures, society, ideology and values. It’s view underlying English teaching makes clear

that the teacher is entitled to overcome the sheer grammar method and focus on a different

system.

What different system is that you mentioned as being the system to substitute the grammar

teaching?

Exemplo 9 (relativo ao fórum: PAPER: A socialização do consumo e a formação do

materialismo entre adolescentes, tópico: PAPER, unidade: Adolescence and Consumerism,

em 07-06-2013.)

In fact, I knew the movie served as an “inspiration” for the vídeo clip, although i have never

seen the mentioned movie.

To tell you all the truth, i don’t see the world being NOT MATERIALISTIC, or not capitalist.

Indeed, i like it at all. But i do believe we should be less materialistic than we are.

I defend the idea that we need to have things, but not to be exagerated, i mean, eating,

sleeping, studying, buying... everything we do too much is not good. Even the materialistic

behavior. The matter is HOW TO CONTROL THAT?

Os exemplos acima foram selecionados após longo período de reanálise de minha

prática como professora mediadora das discussões no curso de formação. Em todos os

exemplos, busquei indícios que apontassem meu percurso nessa função em ambiente digital.

Para tanto, a pergunta “O que faz um professor mediador em sala de aula virtual de modo a

90

estimular as interações dos participantes dentro das perspectivas do Letramento Crítico e

Multiletramentos?”

Assim, como resposta, percebi que para ser bom professor, em meio digital,

deveria em primeiro lugar deixar bem claro como me posicionava diante dos assuntos

propostos, motivar os participantes, observar respostas que fossem imparciais, incompletas,

ser ética, respeitar os valores dos participantes, mas sempre questioná-los de modo a

desconstruir e reconstruir seus próprios conhecimentos e respostas, conectar assuntos globais

e locais, ser inclusiva, entender o significado de ser cidadão, reconhecer possibilidade

políticas e ideológicas, promover mudanças (MONTE MÓR, 2008, 2012; MATTOS, 2011;

JORDÃO; FOGAÇA, 2007; MENEZES DE SOUZA; MONTE MÓR, 2006).

A escolha pelos exemplos 7, 8 e 9 se deu principalmente em função do modo

como terminei meus comentários em cada um deles. Todos eles foram finalizados com

perguntas: “1. Nós sabemos como identificar tais práticas?”, “2. O que pode ser feito no

intuito de eliminá-las?”, “3. O que pode ser feito para sermos mais inclusivos?” (Exemplo

7); “Qual é o sistema diferente que você mencionou como aquele que substitui oda

gramática?” (Exemplo 8); “A questão é: como controlar isso?” (Exemplo 9). Nos fóruns as

perguntas foram assim formuladas: “1. Do we know how to indentify such practices?”, "2.

What can be done in order to get rid of them?”, “3. What can we do to be more inclusive?”

(Exemplo 7); “What different system is that you mentioned as being the system to substitute

the grammar system?” (Exemplo 8); “The matter is: how to control that? (Exemplo 9).

A escolha por finalizar os comentários com perguntas se deu principalmente em

função de meu desejo no despertar, em meio aos participantes, não apenas o pensamento

crítico, mas também porque não queria que o conhecimento fosse entregue aos participantes, e

sim construído (MENEZES DE SOUZA; MONTE MÓR, 2006) de forma colaborativa e

interativa.

O exemplo a seguir aponta para a mesma direção. No décimo exemplo, busquei

expandir o que considerava ser apropriado para as discussões, incentivando-os a contribuir.

Exemplo 10 (relativo ao fórum: Sexuality and discrimination, tópico: In my opinion, unidade:

Sexual Diversity and Discrimination, em 16-04-2013.)

In a summing up, I strongly believe that teaching a language is not only a matter of making

our student able to communicate in a foreign language. Teaching a foreign language is giving

our students support to have social pracites and also a sense of citizenship, tha is, to create

91

opportunities for them to relate with other cultures, learn from them, but not to get rid of their

own values.

Talking about gender, sexual orientation, and other issues is the same. Even though we know

they are not insede the books, we have to discuss that.

Well, let me listen to what you think based on what I’ve just said. Try reading the first paper I

suggested you to, and relate it to my speech here.

Good to see you are returning to the discussions, buys.

Take care!

O exemplo acima pertence a uma discussão realizada no fórum Sexuality and

discrimination, sob o tópico In my opinion, iniciado por um dos participantes do curso. A

discussão girava em torno da declaração de um dos participantes quanto à dificuldade em

lidar com assuntos considerados delicados em sala de aula, a exemplo da orientação sexual.

Muitos afirmaram não saber como lidar com o assunto e outros asseguram não poder discutir

tais assuntos, pois o currículo escolar exige que atentem ao material didático.

Asseverei que ensinar uma língua não trata apenas de habilitar alunos para a

comunicação naquela língua, e sim dar suporte à eles para que possam desenvolver práticas

sociais e o senso de cidadania. Considerei importante frisar que, embora tais assuntos possam

não estar presentes nos livros didáticos, temos o dever de trazê-los para a sala de aula.

Acredito que comentários como esse são essenciais para despertar o pensamento

crítico dos participantes, principalmente, pois considero que meu comportamento foi

extremamente fiel ao que regem as teorias nos Novos Letramentos.

Penso que consegui cumprir meu papel na sala de aula virtual de forma

satisfatória, embora tenha percebido, que em diversos momentos, meus pensamentos ainda

me acorrentavam a um retrógrado sistema de ensino, sistema que controla os “alunos”.

Devo confessar que, por inúmeras vezes fiquei desapontada com a falta de

participação de alguns cursistas, notadamente nas discussões mais acirradas. Observei

também que, em muitos casos, ainda que estivéssemos em um ambiente virtual, os cursistas

tiveram multiplicadas chances de participar, de ser produtivos, mas preferiram reproduzir

discursos acríticos, hegemônicos, que nada se associavam com os assuntos abordados.

Entendo, com tudo isso, que, por mais que todos os cursistas fossem professores,

eles participavam de um curso na modalidade on-line como alunos, e realmente cumpriam tal

papel. Contudo, também executei meu papel como professora, trabalhei a motivação e

92

incentivei a reflexão e a colaboração, mesmo que ainda com uma pitada de um sentimento de

professor tradicional, que controla e espera que todos os seus educandos sejam participativos,

realizem todas as atividades e colaborem com os demais.

Assim, a partir da análise de temas que considerei de relevância para este trabalho,

busquei interpretar o percurso desta comunidade discursiva virtual e os caminhos que estes

trilharam.

No capitulo a seguir, encarto as considerações finais desta pesquisa, considerando

a experiência vivida no Curso de Formação Reflexivo-Critica de Professores de Língua

Inglesa, enfatizando as limitações do trabalho, as contribuições e possíveis caminhos para a

continuidade deste.

93

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A lagarta e a borboleta

Do lado de dentro

do seu casulo no escuro

a lagarta olha o mundo

e pensa que ele é o mundo

é tudo o que existe na vida

é ela e o seu casulo.

Ela abre os olhos no escuro

e olha o negrume de tudo

e pensa que o mundo é assim:

escuro...escuro...escuro.

Ela ouve o som do silêncio

Recolhido dentro do casulo

e sente a canção da vida

como um silêncio de tudo.

No galho de cedro lá no canto

O casulo da lagarta é como

uma flor de prata no inverno.

E ela pensa: o mundo sou eu

o casulo, o silêncio e o escuro.

E isso é tudo. Tudo! Tudo?

Carlos Rodrigues Brandão

Por meio desta dissertação, objetivo maior foi guiar os leitores para compreender

melhor a mutação da lagarta em borboleta. Apresentei as eclosões teóricas que alimentaram as

lagartas antes que entrassem em seus casulos, as ferramentas para o voo que serviram de

suporte para orientar meus passos e me abriram os olhos para a interpretação dos dados de

acordo com as experiências vivenciadas dentro desta comunidade virtual. Finalmente, o

rompimento de alguns casulos, mostrando o que a natureza cuidadosamente transmutou em

borboletas prontas para alçar seus voos.

94

Planejei todo o percurso das lagartas candidatas a borboletas, sempre buscando

compreender como os professores de língua inglesa, neste trabalho entendidos como as

lagartas, vivenciariam as experiências ocorridas na sala de aula virtual de forma reflexivo-

crítica e se conseguiram aprender as teorias basilares da pesquisa como abordagem

metodológica para suas aulas.

Confesso que, a princípio, acreditei que a sala de aula virtual representaria um

espaço de multiplicidade de gêneros e hipertextualidades, o qual não exigiria esforços para

que os sentidos fossem construídos e os processos reflexivo-críticos de cada um se

instalassem.

Creio que minhas próprias experiências foram de grande relevância para o grupo e

que muito influenciaram as experiências dos participantes.

As lagartas, como eu, foram instigadas a interagir no espaço oferecido, com o

objetivo de proporcionar a todos um ambiente de aprendizagem reflexiva e crítica, por meio

de discussões que abarcavam temas variados, intuindo também aperfeiçoar o conhecimento de

língua inglesa de cada um.

Nesta busca, guiei-me pelas seguintes perguntas de pesquisa, às quais tentei

responder com o estudo:

I. Qual o entendimento dos professores participantes da pesquisa quanto ao

processo de Letramento Crítico e Multiletramentos?

II. Qual o meu entendimento das perspectivas teóricas basilares desta pesquisa no

que tange minha prática no papel de professora-pesquisadora?

Acredito que, em resposta à primeira pergunta, alguns dos professores de língua

inglesa participantes da pesquisa enfrentaram processos reflexivos profundos quanto às suas

práticas e foram bem-sucedidos ao apreender o ensino de língua inglesa com base nas teorias

do Letramento Crítico e dos Multiletramentos. Partilhamos experiências docentes,

compusemos um o casulo do outro, e fomos capazes de ressignificar nossas práticas e valores.

É preciso confessar também que, por inúmeras vezes, todos tivemos a chance de

ser mais produtivos diante das discussões e tópicos abordados, bem como houve reprodução

de discursos hegemônicos durante o processo. Compreendo que isso também fez parte do

rompimento de alguns dos casulos e enrijecimento de outros. Talvez isso tenha sido

95

consequência das histórias de cada um em seu processo de formação até mesmo como

indivíduos.

Gostaria de externar que também experimentei processos reflexivos durante o

andamento do curso, principalmente no que diz respeito à minha própria formação e docência,

o que influenciou na cautela ao tecer os comentários e elaborar cada mensagem enviada ao

grupo.

Sabendo que a modalidade a distancia constitui alternativa para aqueles que não

têm tempo ou externam dificuldades geográficas para participar de cursos como este, acreditei

no projeto como uma ferramenta inovadora e eficaz. Contudo, pude perceber que a

modalidade a distancia nada difere da modalidade presencial, uma vez que os participantes

estejam realmente dispostos e engajados para que os objetivos do curso sejam alcançados.

Usando as palavras de um dos participantes em um dos diários de bordo “...há sempre

aqueles que temem sair da zona de conforto”, isto é, sair do casulo.

Outro aspecto que considerei relevante para esta pesquisa foi o fato de diversos

professores não enxergarem que são mediadores de discussões e que constroem os sentidos

associados a seus alunos. A maioria não percebia a língua como instrumento de poder,

transmissor de ideologias. Como se isso não bastasse ainda encontramos a questão do material

didático como “controlador” de professores e gerenciadores de aulas.

Além disso, no quesito tecnologia, alguns casulos se formaram tendo como

verdade o fato de que ser professor “antenado” para as mudanças tecnológicas traduz o papel

do professor que “leva os alunos para o laboratório de informática” ou “leva vídeos e letras

das músicas que eles gostam”.

Contemplei diversos comentários elaborados com base em olhares críticos e

reflexivos, embora inúmeros deles tenham surgido somente após momentos de motivação,

incentivo e até mesmo esforço dos colegas e meu.

Em relação à segunda pergunta, cujo objetivo consistia no investigar como

compreendo minha prática dentro das perspectivas teóricas, sinto que consegui despertar um

processo reflexivo-crítico mais profundo e que realmente internalizei os pressupostos teóricos

quando estes foram postos em prática nas discussões ocorridas nos chats e fóruns. Relevante

ressaltar que, por diversos momentos, também me senti acuada e até mesmo perdida quanto

aos pressupostos, deixando a imagem do professor tradicional tomar conta de mim,

centralizando as discussões como se fosse o único detentor do conhecimento.

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Se me fosse perguntado o que faria de modo diferente, creio que intensificaria

meu comportamento de incentivadora e motivadora das discussões, porquanto percebi que em

alguns passos do curso, não desempenhei minha tarefa de maneira satisfatória. Em reforço,

discorreria menos no tratar certos temas para que os cursistas pudessem, ainda que em um

prazo mais longo, construir todas as suas definições e significados.

Assevero que me senti insegura quanto a meu papel de mediadora das discussões,

temendo não colaborar com os participantes de modo positivo, o que me fez procurar diversos

artigos acadêmicos que talvez tivessem uma “fórmula” de “como ser um professor mediador

em cursos a distancia”.

A maior das limitações deste projeto, entendo seja a carência, quando não um

mínimo de letramento digital indispensável por parte dos envolvidos, o que culminou na

desistência de muitos até mesmo antes do curso passar pela primeira semana.

Uma segunda limitação que considero importante é a imagem que as pessoas

agasalham quanto aos cursos on-line. Penso que inúmeros participantes, no início do curso,

acreditaram que por se encaixar nessa modalidade, o curso seria “mais fácil” para conciliar as

inúmeras atividades que cada um exercia. Ao perceberem que a participação nos fóruns e

chats era registrada como presença, bem assim a realização de todas as atividades propostas,

observei um grande número de participantes que desistiram antes que o curso chegasse à

metade.

Trago como sugestão, para pesquisas futuras, a análise de material didático

elaborado por professores de língua inglesa, que sigam os pressupostos das teorias dos Novos

Letramentos. Também seria interessante criar um workshop no ambiente virtual para que

experiências e material pudessem ser compartilhados e discutidos.

A transmutação da lagarta em borboleta que tentei representar ao leitor foi

consequência de minhas inquietações acerca da formação continuada de professores em

ambiente virtual, considerando-se que diversas pesquisas apontavam para tal realidade, ainda

que em modalidade presencial. Uma vez exercendo o papel de mestranda, organizadora do

curso e do material, professora mediadora e pesquisadora, deparei com diversas barreiras,

desafios, angústias, sempre tendo em mente que só seria possível superar tais barreiras,

angústias e desafios se eu me abalançasse a construir meu processo reflexivo-crítico,

visualizando a complexidade da língua e as diferenças entre os indivíduos que dela fazem uso.

Entendo que esse é o momento de bater as asas. Nessa mutação de lagarta a

borboleta, compreendo que, por meio da experiência vivida, terei a chance de alçar o voo e

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descortinar horizontes ainda não vistos. Sinto que muitas lagartas ainda não tenham rompido

seu casulo para alçar seu próprio voo, talvez por medo do que pudessem encontrar quando

saíssem dele, ou porque ainda não estavam preparadas para tal.

Tenho comigo também que algumas das borboletas que romperam o casulo

possam voar para diversos lugares enquanto, ao passo que outras haverão de se satisfazer com

o primeiro voo. Possivelmente por conta da presença de predadores naturais, quando não

forçadas pelas intempéries climáticas. Tenho a certeza de que, embora seja este meu primeiro

voo pelo ambiente virtual, outros ainda estão por vir. No alçar voos novos, descobrirei outros

céus, atenta às imensidões que neles se escondem, olhos abertos para o conhecimento que não

se circunscreve a limites, sempre diligente como uma abelha que faz o seu mel.

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