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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO AS AÇÕES AFIRMATIVAS E A POLÍTICA DE INCLUSÃO DOS NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS RAFAEL CAETANO CHEROBIN Itajaí, novembro de 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

AS AÇÕES AFIRMATIVAS E A POLÍTICA DE INCLUSÃO DOS NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

RAFAEL CAETANO CHEROBIN

Itajaí, novembro de 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

AS AÇÕES AFIRMATIVAS E A POLÍTICA DE INCLUSÃO DOS NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

RAFAEL CAETANO CHEROBIN

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Guilherme Bez Marques

Itajaí, novembro de 2009

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AGRADECIMENTO

Agradeço ao meu professor e orientador Guilherme Bez Marques pela atenção e

dedicação prestada durante todo o percurso desta monografia, dignos de um professor honesto e

seriamente comprometido com a atividade acadêmica.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, Rubens Marcos Cherobin e Vera Caetano Cherobin, aos

meus irmãos, Juliano Caetano Cherobin, Fernando Caetano Cherobin e Bruno Caetano

Cherobin, e às minhas avós, Dina Augusta Barbieri Cherobin e Maria Anunciação Silva

Caetano, pela presença constante em todos os aspectos de minha vida.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, novembro de 2009.

Rafael Caetano Cherobin Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Rafael Caetano Cherobin, sob o

título “As ações afirmativas e a política de inclusão dos negros nas universidades

brasileiras”, foi submetida em 20/11/2009 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Prof. Guilherme Bez Marques e Prof. Msc Clóvis Demarchi

e aprovada com a nota

Itajaí, novembro de 2009.

Professor Guilherme Bez Marques Orientador e Presidente da Banca

Professor Msc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................................VVII

INTRODUÇÃO.........................................................................................................1

1. AS AÇÕES AFIRMATIVAS.................................................................................4

1.1 HISTÓRICO .......................................................................................................4 1.2 DEFINIÇÃO .......................................................................................................7 1.2.1 DIFERENÇA ENTRE AÇÃO AFIRMATIVA E DISCRIMNIAÇÃO POSTIVA 8 1.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS......10 1.3.1 A TEORIA COMPENSATÓRIA....................................................................12 1.3.2 A POLÍTICA DE COTAS PARA NEGROS É UMA FORMA DE PRECONCEITO INVERTIDO?..............................................................................14 1.3.3 AS COTAS IRÃO PREJUDICAR A QUALIDADE DO ENSINO NAS UNIVERSIDADES? ...............................................................................................16 1.3.4 O PRINCÍPIO DO MÉRITO ..........................................................................18

2. A AFIRMAÇÃO DOS NEGROS NO BRASIL ...................................................23

2.1 O HISTÓRICO ESCRAVOCRATA..................................................................23 2.2 UM RETRATO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL ................................................31 2.3 DA IGUALDADE INDIVIDUAL À COMUNITÁRIA..........................................35 3. ANÁLISE JURÍDICA DAS COTAS ESTUDANTIS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS ........................................................................48

3.1 DA IGUALDADE FORMAL À MATERIAL......................................................48 3.2 DA FLEXIBILIDADE DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE .................................53 3.3 DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE ................................................58 3.4 O QUE PRESCREVE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL/88 ACERCA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS?.... ......................................62 3.5 QUEM SÃO OS NEGROS NO BRASIL?........................................................67

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................72

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..............................................................78

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RESUMO

Esta monografia teve por objetivo investigar a possibilidade

jurídica da política de cotas para negros nas universidades brasileiras. A

dificuldade relacionada ao tema se dá em razão de que a reserva de vagas nas

universidades a um grupo racial implica necessariamente em discriminação de

pessoas conforme as suas raças e conseqüentemente numa suposta violação do

princípio da igualdade, de modo que a implementação de tal política pública se

torna bastante controversa e questionável perante a Ordem Jurídica vigente.

Assim, buscou-se na presente pesquisa analisar as bases teóricas – éticas e

jurídicas - na qual se fundamenta a política das cotas, o que, por conseguinte,

impôs também uma reflexão sobre os pressupostos na qual se valem as ações

afirmativas em geral. Desse modo, a pesquisa se deu em três frentes principais,

correspondentes aos três capítulos do presente trabalho. No Capítulo 1, tratou-se

dos aspectos teóricos mais genéricos envolvendo as ações afirmativas e a política

de cotas para negros nas universidades brasileiras – história, definição e aspectos

político-sociais. No Capítulo 2, discutiu-se o histórico escravocrata brasileiro e o

problema da discriminação racial no País, bem como a conseqüência dessas

questões no que concerne ao número reduzido de negros nas universidades

brasileiras. E ainda, a relação entre ações afirmativas e as diferentes teorias da

igualdade. Por fim, no Capítulo 3, abordou-se o tema das cotas para negros nas

universidades brasileiras no que se refere à sua possibilidade jurídica consoante a

Ordem Jurídica vigente no Brasil. Concluiu-se, ao final, que as cotas para negros

nas universidades brasileiras são passíveis de aplicação prática consoante a

Ordem Jurídica vigente, dado o teor socializante da Constituição brasileira,

condizente com uma perspectiva comunitarista e material da igualdade. Porém,

para que sejam realmente implementadas num caso em concreto, devem se

subordinar às circunstâncias objetivas constatadas na sociedade quando da

aplicação, que por sua vez, irão justificar ou não tal política pública conforme as

exigências legais. E em decorrência dessa primeira constatação, outra conclusão

a que se chegou ao longo do trabalho é a de que o tema das cotas é

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constantemente cingido por um caráter político, não se limitando a uma

racionalidade estritamente jurídica. Porquanto as circunstâncias objetivas que

servem de justificativa ou não à aplicação prática das cotas raciais nem sempre

são claras e levam a uma mesma conclusão, abre-se espaço, portanto, para que

tanto opiniões a favor como opiniões contrário às cotas raciais sejam

juridicamente argumentáveis num caso em concreto, de modo que as diferentes

posições sobre o tema acabam por ser inevitavelmente recheadas de

ponderações éticas e político-sociais que vêm camufladas por uma pretensa

lógica e neutralidade jurídica. Por isso, destarte, a segunda conclusão de que há

uma constante politização do tema.

PALAVRAS-CHAVE

Ações afirmativas, cotas, negros e princípio da igualdade.

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INTRODUÇÃO

Segundo os últimos números da Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE)1, em 2008, dentre os ocupados, 7,8 milhões de pessoas (8,4%)

não tinham instrução ou tinham menos de um ano de estudo. O alarme

decorrente de tal número expressivo evidencia a escassez de um bem que no

Brasil possui relevância fundamental como meio de mobilidade social, a

educação.

Logicamente, portanto, que sendo a educação um bem

disputado em um cenário de tão grande competitividade, mormente quanto às

vagas nas universidades públicas, que conseqüentemente a política de inclusão

dos negros nas universidades brasileiras, através de cotas raciais, tornou-se tema

de grandes controvérsias e divergências, que vão desde uma luta política por

interesses de grupos sociais até um amplo debate teórico sobre a legitimidade

ética e jurídica desse tipo de política pública: as chamadas ações afirmativas.

A dificuldade atinente ao tema se acha primordialmente em

razão das ações afirmativas se embasarem - e isso é evidente no caso das cotas

raciais - justamente no princípio da igualdade para legitimar a discriminação de

pessoas. Ou seja, é com fundamente na noção de igualdade que se tenta

justificar a classificação de pessoas em raças. Portanto, o que ainda não está

claro e figura como a grande fonte de divergências é a fixação do que o princípio

da igualdade exige como medida de justiça; se é possível, através dele,

discriminar pessoas ou não. E se a resposta for que sim, pergunta-se então de

que maneira tais discriminações podem ser realizadas.

Nessa seara, a presente monografia teve como objetivo

averiguar a possibilidade jurídica da política de cotas para negros nas

universidades brasileiras, buscando abordar o tema no contexto teórico das ações

1 Cfr em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1455&id_pagina=1

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afirmativas, abrangendo questões históricas, filosóficas e jurídicas, bem como a

análise desses aspectos em relação à realidade brasileira.

O que se buscou como objetivo principal, em análise última,

foi se defrontar com todos os pontos que poderiam servir de entrave – jurídicos e

éticos - à aplicação prática desta ação afirmativa e, ao final, chegar-se a uma

conclusão quanto à sua possibilidade de aplicação diante da Ordem Jurídica

brasileira.

Diante desse foco principal de buscar uma solução jurídica

para a questão das cotas raciais aplicadas nas universidades brasileiras, diversos

outros objetos também tiveram que ser pesquisados e ponderados, seguindo uma

seqüencia lógica até que finalmente se tivesse uma sustentação sólida para poder

se concluir algo sobre a legitimidade jurídica ou não desta ação afirmativa. Esses

diversos objetos são justamente os temas que compõem os três capítulos do

presente trabalho.

Assim, principia–se, no Capítulo 1, tratando dos aspectos

teóricos envolvendo as ações afirmativas em geral. Analisou-se, então, a história

das ações afirmativas, sua definição e diferentes modos de aplicação prática, e,

ainda, assuntos controversos relacionados à aplicação das cotas para negros nas

universidades brasileiras, a dizer, se as cotas visam compensar ou não a

população negra em razão do histórico escravocrata brasileiro, se são ou não

uma forma de preconceito invertido, se irão ou não prejudicar a qualidade do

ensino nas universidades e, por último, se são condizentes ou não com o princípio

do mérito.

Já no Capítulo 2, tratou-se da necessidade de afirmação da

raça negra no Brasil. Para tanto, foram analisados a formação étnica e racial no

País e, mais especificamente, os efeitos da escravidão aqui deixados, o processo

de seleção do vestibular e suas conseqüências quanto ao acesso aos bancos das

universidades brasileiras e, por fim, se as cotas se fundamentam somente numa

posição de política de redistribuição de renda ou se num projeto mais amplo, de

reconhecimento e afirmação da raça negra no País, consoante as duas teorias da

igualdade abordadas: liberal-individualista e comunitarista.

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E, no Capítulo 3, abordou-se o tema das cotas para negros

nas universidades brasileiras quando à sua possibilidade jurídica. Assim, foram

analisados a transformação histórica do alcance formal do princípio da igualdade

para a sua dimensão material, as vedações e permissões do princípio da

igualdade quanto às políticas públicas, o princípio da proporcionalidade como

método mais seguro e eficiente de se avaliar se a aplicação das cotas seriam

viáveis ou não num caso em concreto, o que prescreve exatamente a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 acerca do tema e a

avaliação da possibilidade ou não de se classificar a população brasileira em

grupos raciais.

O presente relatório de pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados os pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre as cotas para negros nas universidades brasileiras.

Quanto à metodologia empregada na pesquisa, registra-se

que a investigação do objeto foi realizada conforme o Método Indutivo2 e o

relatório dos resultados composto na base Lógica Indutiva.

Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas ainda as

técnicas do Referente3, da Categoria4, do Conceito Operacional5 e da Pesquisa

Bibliográfica6.

2 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10

ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007, p. 104. 3 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10

ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007, p. 62. 4 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10

ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007, p. 31. 5 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10

ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007, p. 45. 6 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10

ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007, p. 239.

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CAPÍTULO 1

AS AÇÕES AFIRMATIVAS

1.1 HISTÓRICO

As ações afirmativas tiveram sua origem no ano de 1941,

nos Estados Unidos, por ocasião de um ato executivo emitido pelo então

presidente norte americano Franklin D. Roosevelt. Nele, ficou estabelecido que as

empresas bélicas deveriam abrir vagas de emprego não somente aos brancos,

mas também aos negros7, dando, assim, um primeiro passo no combate à

discriminação por raça, já que antes a abertura de vagas a apenas pessoas de

uma única raça não era proibida por lei.

No entanto, foi somente na administração Kennedy (1961-

63) que se usou pela primeira vez a expressão “ação afirmativa” (affirmative

action), quando o Governo passou a obrigar às empresas que quisessem

contratar com o Poder Público a adotarem “medidas positivas” a fim de uma maior

inserção no mercado de trabalho de pessoas cuja etnia ou raça era socialmente

discriminada. É importante lembrar que tal política foi à época um grande avanço,

principalmente ao se considerar o fato de que se deu num País em que somente

em 1954 foi declarada a inconstitucionalidade das segregações raciais nas

escolas, pela Suprema Corte, através da famosa emenda 14 8.

Mas como o banimento formal dos atos discriminatórios

providos pelas administrações anteriores não surtiu grandes efeitos para uma

7 SELL, Sandro Cesar. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no

Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 10. 8 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,

implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. Impulso: revista de ciências sociais e humanas, Piracicaba, v. 17, n. 43, p. 73-89, mai-ago. 2006.

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inclusão mais abrangente das categorias discriminadas, o governo americano

passou então a tomar medidas mais específicas. Tais medidas foram postas em

prática na administração Nixon. Foi ele quem em 1972, sob a égide do Plano

Filadélfia, modificou as leis existentes para que a discriminação positiva fosse

possível, o que significou, em outras palavras, que o critério raça agora poderia

ser tomado como fator de discriminação, desde que tivessem o intuito de incluir

categorias discriminadas no seio social9. Diferentemente das políticas públicas

anteriormente mencionadas, em que os objetivos eram, sobretudo, o de pôr fim às

discriminações negativas; agora as políticas públicas buscavam elas mesmas

discriminar, todavia, discriminar positivamente com o escopo de atuar de forma

mais direta na diminuição das diferenças entre os diferentes grupos étnicos e

raciais.

Embora os Estado Unidos tenham sido o precursor das

ações afirmativas, houve um declínio de sua utilização a partir do Governo

Reagan10, em 1981, de modo que as decisões judiciais e de governos passaram

aos poucos a vetarem a discriminação positiva, contribuindo assim para um

declínio das ações afirmativas naquele País. De outra face, se nos Estado Unidos

a década de oitenta representou uma saturação do uso de ações afirmativas, no

Brasil passaram a fazer parte do ideário político nacional.

Os anos 1980 no Brasil, embora muitas vezes sejam

lembrados como um período de grande instabilidade econômica, ao que depois

veio se chamar de “década perdida”, foram também marcados por um grande

avanço dos movimentos sociais. Foi o período em que diversas novas demandas

de grupos sociais começaram a surgir no cenário nacional, desde as associações

de bairro, os conselhos profissionais, grupos pró-ecológicos até os movimentos

de homossexuais, de mulheres, de consumidores e, também, do movimento

9 SELL, Sandro Cesar. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no

Brasil. 2002. p. 10. 10 XAVIER, Juarez Tadeu de Paula. Cotas raciais: sem o ranço do conservadorismo. Impulso:

revista de ciências sociais e humanas, Piracicaba, v. 17, n. 43, p. 141-142, mai-ago. 2006.

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negro11. Por conseguinte, nas últimas três décadas o Brasil tem assistido a uma

multiplicação dos mais diversos movimentos por parte dessas minorias, nas quais

se caracterizam por uma diversidade de causas em que nem sempre a

homogeneidade é característica.

Para o movimento negro, no entanto, algumas vitórias ao

longo desses anos merecem ser descritas, a começar por duas datas simbólicas:

o Centenário da Abolição da Escravatura, em maio de 1988, e o Tricentenário da

morte de Zumbi dos Palmares, em novembro de 1995, data na qual se promulgou

o Dia Nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro, e tornada, inclusive,

feriado nacional. Mas a data mais marcante para o movimento negro foi sem

dúvida por ocasião do seminário internacional sobre ações afirmativas, ocorrido

na cidade de Brasília, em julho de 1996, com o tema definido em

“Multiculturalismo e racismo: o papel das ações afirmativas nos Estados

democráticos contemporâneos”, quando pela primeira vez um presidente da

República, no caso, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, assumiu a

existência do racismo no Brasil, de maneira a desfazer formalmente a prevalência

das teorias de que o povo brasileiro é caracterizado primordialmente pela

miscigenação e de que no Brasil não há racismo12.

Já no âmbito internacional, os movimentos negros ganharam

maiores repercussões a partir da III Conferência Mundial de Combate ao

Racismo, discriminação Racial, Xenefobia e Intolerância Correlata, realizada na

África do Sul, em 2001, a orientar, assim, uma nova agenda mundial a fim de

estabelecer metas de combate à discriminação e desigualdade racial.

11 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,

implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. Impulso: revista de ciências sociais e humanas, p. 73-89, mai-ago. 2006.

12 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas, implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006.

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7

1.2 DEFINIÇÃO

As ações afirmativas surgiram como uma ferramenta de

inclusão das categorias historicamente discriminadas, sempre com o objetivo final

de estabelecer um processo real de igualdade. Num sentido genérico, sempre

houveram e, permanecem nos dias atuais, certas discriminações no seio das

sociedades, relacionados aos mais diversos preconceitos, seja por raça, gênero,

idade, classe social ou qualquer outro, daí, portanto, a justificativa do Estado (ou

mesmo entidades privadas) em utilizar políticas públicas a fim de nivelar essas

categorias mais fragilizadas em face de outras dominantes. As ações afirmativas,

destarte, funcionam sempre como uma atenuante dessas desigualdades

constatadas nos meios sociais. Para Joaquim B. Barbosa Gomes13, as ações

afirmativas

consistem em políticas públicas e (também privadas) voltadas à concretização do princípio da igualdade material à neutralização dos efeitos da discriminação de raça, de gênero, de idade, de origem nacional e da compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados ou até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade.

É importante acrescentar que as ações afirmativas possuem

sempre um caráter temporário, haja vista que sua função é somente a de corrigir

as desigualdades decorrentes das discriminações, porém, uma vez cessada tais

anomalias sociais, não há sentido na sua utilização. Isto é, a sua utilização

exacerbada e de modo indiscriminado acabaria por ter um sentido reverso, o de

implantar privilégios.

1.2.1 Diferença entre ação afirmativa e discriminação positiva

13 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade: o

direito como instrumento de transformação social. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001. p. 6-7.

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Para os doutrinadores europeus, há uma distinção a ser feita

entre ação afirmativa e discriminação positiva. Ao contrário do que predomina na

América Latina e nos Estado Unidos, na Europa tais conceitos não se confundem

integralmente: a ação afirmativa é considerada gênero da espécie discriminação

positiva14.

Ação afirmativa em sentido genérico é qualquer atuação

pública ou privada que através das mais diversas políticas de inclusão, havendo

ou não discriminação no seu conteúdo, pretende ajustar as desigualdades. Já as

discriminações positivas possuem uma atuação mais enfática, pois nestas há

discriminações obrigatoriamente, como o próprio nome sugere. Como sua

utilização resulta em efeitos mais diretos, já que discriminar positivamente

também significa, de certo modo, prejudicar aqueles que possuem a totalidade

dos bens ou serviços, é também verdade que necessita de maior rigor em sua

aplicabilidade.

Assim, uma grande campanha estabelecida pelo Governo

Federal com o objetivo de divulgar a cultura afro-brasileira, sua história, música,

religião, vestuário, culinária e coisas do gênero, por exemplo, encaixar-se-ia na

definição dada para ação afirmativa em sentido amplo, posto que se estaria

apenas promovendo a raça negra sem no entanto haver qualquer discriminação

(positiva) na medida adotada.

Já num caso de reserva de cotas para estudantes negros

nas universidades, ao contrário, estar-se-ia discriminando os negros dos brancos

a fim de manter uma parte das vagas nas universidades para aquele grupo racial.

Nesse segundo caso, há um prejuízo a um grupo racial, os de raça branca, em

prol de outro, os de raça negra.

É importante notar que as discriminações para os fins do

que propõem as ações afirmativas só são possíveis se forem positivas, isto é,

visam somente ascender na sociedade grupos que se encontram marginalizados,

através de políticas de melhor distribuição dos bens escassos, e sempre no intuito

de se amenizar as diferenças. O que se busca, em análise última, é desfazer o

14 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas) – Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra. p. 30.

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status quo em evidência. Ou seja, as discriminações positivas não se confundem

em hipótese alguma com discriminações negativas, que teriam o condão, caso

fossem aplicadas políticas públicas nesse sentido, não de desfazer o status quo,

mas de afirmá-lo. Em outras palavras, as ações afirmativas procuram sempre

fomentar a igualdade entre os diferentes grupos raciais e nunca sobrepor uma

raça perante a outra.

As discriminações positivas podem ainda se subdividirem

em dois tipos: a que busca fomentar uma igualdade de oportunidades e a que

atua diretamente visando materializar uma igualdade de resultados15.

No primeiro caso, embora sejam políticas discriminatórias,

não garantem que qualquer indivíduo da categoria discriminada e, portanto, alvo

da ação afirmativa em questão, irá se beneficiar dos objetivos finais da própria

iniciativa afirmativa. Trata-se apenas de uma “ajuda”, todavia, não materializa

diretamente a inclusão social, ou seja, fica dependente do mérito posterior do

indivíduo ajudado.

Seria exemplo dessa situação, se o Estado patrocinasse,

através de bolsas para cursos pré-vestibulares, estudantes de baixa renda

exclusivamente negros. O fim visado por esta política estatal seria obviamente o

de tentar aumentar o número de negros nas universidades preparando-os melhor,

todavia, nada garante que os estudantes que fizessem o curso iriam

necessariamente ser aprovados no vestibular.

Já as que visam uma igualdade de resultados, garantem por

si só que pelo menos alguns indivíduos da categoria discriminada em questão

sejam abarcados pelos propósitos finais da ação afirmativa, como é o caso das

cotas para estudantes negros nas universidades, posto que a discriminação,

neste caso, reserva uma parcela de vagas a uma categoria na qual alguns

indivíduos desta categoria irão, com certeza, se beneficiar; a própria medida

garante por si só a inclusão.

15 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas

raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. p. 31.

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1.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

A justificativa para a aplicação numa situação em concreto

de uma determinada ação afirmativa, como no caso das cotas para negros nas

universidades brasileiras, por exemplo, só poderá ser elaborada em consonância

com uma avaliação das razões objetivas constatadas na sociedade. Ou seja,

embora se possa até afirmar a possibilidade jurídica das ações afirmativas de

maneira genérica, para a aplicação prática há sempre a necessidade de

obediência a certos requisitos estabelecidos constitucionalmente, requisitos que

só serão satisfeitos conforme o que ficar constatado objetivamente.

A validade de uma ação afirmativa dependerá,

conseqüentemente, dos argumentos utilizados decorrentes dos fatos observados

na sociedade, que irão, desse modo, justificar a efetivação de uma determinada

ação afirmativa quanto à sua validade jurídica num caso em concreto. É como se

as regras jurídicas servissem de “filtro” a fim de estabelecer quando uma ação

afirmativa num caso concreto pode ou não ser aplicada. O problema está,

contudo, no fato que esses “dados objetivos” são bastante imprecisos e os

argumentos subjetivos posteriores, que encontram fundamento nos “dados

objetivos”, sustentam quase sempre tanto uma posição a favor como uma posição

contrária às cotas raciais. Isto é, as regras jurídicas não ajudam tanto quanto se

espera, pois numa situação prática, alguns sempre dirão que naquele caso

específico a ação afirmativa poderia ser aplicada porque passou pelo “filtro” da

legalidade enquanto outros dirão que não passou e não poderia ser aplicada.

Diante do exposto, já é possível notar por que fazer uma

análise jurídica do caso das cotas estudantis para negros nas universidades

brasileiras se torna algo tão controvertido. A dificuldade em se posicionar pela

validade ou invalidade das cotas no âmbito jurídico se dá especialmente porque a

linha que separa as razões jurídicas das razões políticas é bastante tênue. Uma

posição jurídica quase sempre vem na esteira de um posicionamento político

anterior, ao que se pode concluir que há na questão das cotas raciais muitos

argumentos políticos camuflados em discursos jurídicos.

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Portanto, a sua admissão jurídica dependerá, em análise

última, de uma posição política e, por conseguinte, moral, de quem as avalia.

Nesse sentido está-se de acordo com o que muito bem demonstra Ronald

Dworkin16, no começo de seu livro, “Uma questão de princípio”, que embora muito

se diga que as decisões dos juízes são decisões técnicas e imparciais (com

fundamento no princípio da legalidade e da taxatividade), os fatos parecem

realmente constatarem que decisões políticas são sim tomadas por aqueles que

prestam o poder jurisdicional.

Logicamente que este espaço de decisão política ou

moralidade só é possível nos limites impostos por nossa Ordem Jurídica, o que

advém daí que as ações afirmativas não são implementadas apenas pelo puro

arbítrio de quem possui competência para aplicá-las, entretanto, precisam antes

se adequar a uma racionalidade jurídica sem a qual se torna ilegítima. Mas isso,

obviamente, não retira o caráter político antes mencionado.

Agora, se é possível afirmar que as discriminações positivas

são também uma questão de decisão política e em razão disso vinculadas a uma

posição moral, seja numa decisão de um juiz, seja na elaboração de uma lei na

qual se pressupõe legitimidade constitucional (pois se presume que os

legiferantes ao aprovarem uma lei, atribuem-lhe legitimidade constitucional), então

o que irá determinar, por parte de um juiz ou de um órgão parlamentar, a validade

de determinada discriminação positiva, será a qualidade de justiça inerente a essa

discriminação positiva.

Destarte, de volta ao que havia se falado antes, embora esta

pesquisa tenha por objetivo último uma análise jurídica das cotas para negros nas

universidades brasileiras, esta análise não poderá prescindir de também fazer

menção aos diversos argumentos a favor e contra as cotas do ponto de vista ético

e de sua justiça, já que se utilizará desses diversos argumentos para se

fundamentar uma posição jurídica no sentido de se validar ou invalidar a ação

afirmativa no caso em concreto.

Nos próximos tópicos se abordarão justamente algumas

dessas posições a favor e contra as cotas estudantis para negros nas

16 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. 2 ed. São

Paulo: Martins Fontes. 2005. p. 3-39.

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universidades brasileiras, em que os argumentos são, sobretudo, de caráter

político-social e não fundados em raciocínios jurídicos.

1.3.1 A teoria compensatória

Um dos argumentos muito utilizados por aqueles que são a

favor das cotas é o de que a sua justiça está no histórico escravocrata brasileiro.

Os negros foram escravizados no passado, utilizados como mão-de-obra sem ter

participado das benesses desse trabalho. Além disso, após o fim da escravidão, a

maior parte dos negros foi excluída do mercado de trabalho, seja por preconceito,

seja por não estarem aptos a disputarem vagas no mercado que então se

desenvolvia. E, esse quadro de exclusão na qual os negros nunca conseguiram

se inserir tem sido a sina dos negros na história do Brasil. Diante disso, as ações

afirmativas se justificariam por poder compensar essa descendência dos

indivíduos negros. Daí se chamar de teoria compensatória.

Por outro lado, embora não há que se discutir o histórico

escravocrata brasileiro e nem a herança de exclusão de boa parte dos negros de

hoje, o argumento da compensação encontra fortes objeções.

Em primeiro lugar, hodiernamente só é possível algum

cidadão receber algum tipo de compensação se efetivamente tenha sofrido algum

dano17. Como não foram os negros da atualidade os que foram escravizados,

torna-se difícil sustentar a teoria da compensação como argumento a favor das

cotas.

Note-se que outra questão bem diferente seria dizer que

essa descendência escravocrata dos negros gerou no sentimento coletivo

brasileiro uma estigmatização do negro como um sujeito inferior ou qualquer outra

coisa na qual o negro seja visto de forma pejorativa e, posto isso, utilizar-se-ia as

cotas com o fito de desfazer esse preconceito em evidência. A diferença é

grande, pois nesse segundo caso não se tentará compensar nada com as cotas,

pelo contrário, buscar-se-á combater preconceitos existentes no tempo atual, mas

que tiveram origem no passado. Refletir sobre a herança escravocrata dos negros

17 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. p. 61.

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possuiria aqui o simples condão de se explicar por que os negros são

discriminados ainda hoje, o que é bem diferente de tentar compensá-los pelas

repressões a que foram submetidos os seus ascendentes.

Em segundo lugar, uma das conseqüências inerentes às

ações afirmativas, quando se utilizam nelas discriminações positivas, é a de que a

reserva de vagas a um determinado grupo, inevitavelmente irá excluir essas

mesmas vagas de outro grupo. Há com certeza a perda de uns em benefício de

outros. Por tal razão, para que haja legitimidade nessa perda, os que perdem

devem ter sido aqueles que praticaram o ato discriminatório. Ora, assim sendo, a

teoria compensatória acha-se novamente infundada, posto que aqueles que

praticaram a escravidão não foram os brancos de hoje, porém serão eles os que

efetivamente irão ser prejudicados pelas as cotas18.

Note-se que se está diante de um difícil argumento em favor

da não aplicação das cotas, já que não é difícil de imaginar que a maior parte

daqueles que irão estar no grupo desfavorecido pelas cotas, talvez nunca tenha

praticado nenhum ato discriminatório contra os negros, e mesmo que tivessem,

esses atos discriminatórios precisariam ser provados judicialmente, o que

inviabilizaria a aplicação das cotas na prática.

Apesar desse entrave às cotas, alguns doutrinadores19 têm

argumentado que a questão das cotas raciais não diz respeito somente aos

indivíduos envolvidos diretamente nela, porém a todo um grupo racial. Em outras

palavras, não se está somente a falar daqueles negros beneficiados ou daqueles

supostos brancos desfavorecidos, mas sim dos negros e dos brancos em sua

totalidade, como grupos raciais. Nesse sentido, aqueles que estão envolvidos

diretamente apenas representam os direitos ou deveres dos grupos em questão,

de maneira a poder se concluir, inclusive, que as ações afirmativas são,

sobretudo, um direito e um dever comunitário, e nunca individual; os fins visados

são sempre ponderados consoantes os benefícios sociais que a ascensão de um

determinado grupo excluído irá trazer.

18 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas

raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. p. 61. 19 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,

implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006.

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Considerado o exposto, as cotas encontram fundamento

pelo fato que aqueles que serão prejudicados pela discriminação positiva pagam

pelo grupo como um todo. Isto é, embora possam não ter praticado diretamente

nenhum ato discriminatório, fazem parte do grupo que pratica tais atos e, desse

modo, podem legitimamente figurar no pólo passivo da demanda.

De qualquer maneira, toda essa discussão entre direitos

individuais e comunitários, dado a sua importância, será pormenorizada no

capítulo segundo. Para o momento, o que importa é a conclusão de que a teoria

compensatória segundo a qual as cotas serviriam como compensação aos negros

de hoje em razão do que passaram seus antepassados não encontra fundamento

jurídico que a sustente.

1.3.2 A política de cotas para negros é uma forma de preconceito invertido?

Num primeiro momento, a resposta contrária mais comum (e

impulsiva) à idéia de cotas é a de que elas são uma forma de preconceito contra

os brancos. De modo geral, os que utilizam esse argumento reconhecem, na sua

maioria, o histórico escravocrata brasileiro e, muitas vezes, até mesmo a

existência de preconceitos ainda hoje perceptíveis nos meios sociais, todavia,

acham que as discriminações positivas não são a melhor medida para se reparar

essas desigualdades entre os grupos raciais e de pôr fim ao preconceito.

Basicamente argumentam que as discriminações positivas

ferem o princípio da igualdade, já que se daria tratamento diferenciado entre

negros e brancos, e, por isso, mesmo que reconhecidamente haja preconceito,

não justifica a utilização de discriminações, ainda que positivas.

O que se pode observar é que esta posição parte de uma

concepção formal do princípio da igualdade, pois considera qualquer tratamento

diferenciado entre pessoas como uma afronta ao princípio da igualdade, mesmo

que o tratamento diferenciado em questão vise à igualdade real; isto é,

radicalizam o tratamento igualitário entre os diferentes grupos, mas

desconsideram as diferenças pré-existentes que impossibilitam a igualdade

verdadeira. Em outras palavras, fazem “vista grossa” para o fato de que o

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tratamento igualitário em absoluto muitas vezes mantém ou aprofunda as

desigualdades.

Já numa concepção material do princípio da igualdade, o

processo é o inverso, reconhecem-se as desigualdades pré-existentes e,

especialmente, o que a efetivação da igualdade requer para sanar essas

desigualdades. Se há a necessidade de tratamento diferenciado para a igualdade

real, então que as discriminações (positivas) sejam utilizadas. Esta posição se

enquadra, conforme coloca Alexandre de Moraes20, numa definição do princípio

da igualdade em que as vedações são voltadas apenas para as discriminações

absurdas ou arbitrárias, mas não para o tratamento desigual dos casos desiguais,

pois quando assim realizadas, faz-se jus ao próprio conceito de justiça –

entendido a justiça como a igualdade –, já que o próprio princípio mesmo é quem

requer esse tratamento diferenciado. Em suma, o princípio da igualdade material

requer que se tratem igualmente os iguais e desigualmente os desiguais para que

a igualdade substancial seja sempre atingida.

Assim, por todo o exposto, o argumento de que a política de

cotas implica em racismo contra os brancos parece mais, como aponta o militante

do movimento negro Hélio santos21, em entrevista à revista “Caros Amigos”, ser

uma opinião prematura e geralmente proferida sem uma análise mais cautelosa

da questão. O referido autor faz ainda referência de como esse discurso foi

utilizado pelos grandes veículos da mídia no Brasil, segundo ele contrários à

adoção das cotas raciais, para que se criasse no imaginário brasileiro o falso mito

do “racismo às avessas”.

De fato, a idéia de que supostamente se estaria promovendo

um racismo contra os brancos não encontra fundamento substancial. É que uma

coisa é a discriminação no seu sentido negativo, consubstanciado na idéia de que

existem raças superiores a outras e sendo utilizada para se manter ou aumentar

as desigualdades entre as diferentes raças numa determinada sociedade; para

sobrepor uma raça à outra As discriminações positivas, se utilizadas em

consonância com suas raízes teóricas, não se encaixa em hipótese alguma nessa

descrição, muito pelo contrário, trabalha no sentido inverso.

20 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: editora Atlas. 2005. p. 31. 21 Caros amigos, São Paulo, v. 6, n. 69. p. 31-37, dez. 2002.

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Em primeiro lugar, a justificativa para as discriminações

positivas não partem nunca do pressuposto de que uma raça é superior à outra,

mas sim de que todas as diferentes raças merecem a mesma consideração. Por

outro lado, reconhece-se que existem discriminações reais entre os diferentes

grupos raciais, de modo que muitas vezes há um desequilíbrio na igualdade entre

eles.

Em segundo lugar, as discriminações positivas objetivam

sempre promover a igualdade entre as raças. Sua legitimidade se alicerça no fato

de que a discriminação aqui é feita para fortalecer o grupo historicamente

enfraquecido em face do grupo predominante, sempre com o intuito final de

diminuir a distância social entre os dois, por isso, inclusive, do nome

discriminação positiva, já que visa ascender socialmente uma raça buscando a

igualdade entre todos, e, não a repressão de algum grupo visando o oposto, a

desigualdade.

Em conclusão, as discriminações negativas visam manter o

status quo enquanto que as discriminações positivas intencionam desfazê-lo.

1.3.3 As cotas irão prejudicar a qualidade do ensino nas universidades?

Outra questão também muito debatida no que se refere às

cotas foi a preocupação de que ao se aprovar alunos por meio de cotas sem um

processo seletivo mais amplo, como o vestibular, em tese, estar-se-ia aprovando

alunos menos preparados para o ensino superior e, em razão disso, a qualidade

do ensino iria piorar, já que haveria por parte dos professores uma necessidade

de diminuição do rigor das exigências para que esse novos aluno cotistas

pudessem acompanhar as aulas e não fossem prejudicados em razão de sua pior

formação.

É importante lembrar que no Brasil as cotas foram até o

momento, aplicadas com duplo critério: os alunos cotistas devem ser negros

(incluindo na categoria os pardos) e ao mesmo tempo serem alunos provenientes

de escolas públicas. E, como é do conhecimento de todos, no Brasil o ensino

primário e secundário oferecido nas escolas públicas é de qualidade muito inferior

ao ensino ministrado nas escolas particulares, de modo que ao se reservar cotas

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aos alunos negros somente das escolas públicas se estaria automaticamente

aprovando alunos menos preparados (pelo menos em teoria) do que os alunos

aprovados em um processo seletivo, como é o vestibular.

Ou seja, um aluno (logicamente, negro) aprovado por cota

numa universidade precisa apenas passar por um processo seletivo interno na

sua própria escola pública, portanto, pode se considerar que este processo é mais

fácil, pois em teoria os alunos com quem ele compete também são menos

preparados. Enquanto que sem o auxílio das cotas, um aluno de escola pública

que queira pleitear uma vaga numa universidade precisa necessariamente ser

aprovado no vestibular, que é um processo seletivo mais amplo em que

competem alunos provenientes tanto de escolas públicas como privadas, a exigir,

assim, que este aluno procedente de escola pública supere alunos de qualquer

tipo de escola, independentemente de ser ela pública ou privada e, dessa

maneira, comprove que mesmo que possua uma formação de pior qualidade,

posto que estudasse numa escola pública, ainda assim conseguiu provar que está

apto a acompanhar as exigências universitárias.

Embora esse raciocínio tenha lógica quanto ao seu

fundamento de que as cotas iriam prejudicar a excelência do ensino nas

universidades, os fatos não indicam nessa direção. Consoante o que relata a ex-

Ministra de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil, Matilde

Ribeiro22, segundo opinião sustentada pelos próprios Reitores da Universidade de

Brasília – UnB, os alunos cotistas apresentam um maior grau de aproveitamento e

de inserção do que os alunos aprovados no vestibular, pela própria consciência

da oportunidade que estão tendo.

Ademais, explica a ex-Ministra que a “qualidade do ensino

não é prerrogativa do aluno, e sim do professor e da universidade”. Isto é, a

universidade e os professores são quem tem que estimular o aluno a se

desenvolver conforme as possibilidades oferecidas e de acordo com as condições

de cada aluno em particular. Não é o aluno o responsável pelo nível de excelência

da universidade.

22 Caros amigos, São Paulo, v. 10, n. 116. p. 30-37, nov. 2006.

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Mas existe ainda mais um motivo relevante para se

contrapor à idéia de que as cotas iriam prejudicar o ensino. É que uma

universidade, quanto mais cosmopolita e plural for, mais rica será culturalmente e,

em função disso, maior será a possibilidade de surgirem nela a criação de idéias

inovadoras. Com efeito, uma mescla entre negros e brancos, entre classes sociais

distintas, entre pessoas do centro e da periferia, entre alunos provenientes de

escolas públicas e privadas, só teria a reforçar a qualidade da educação.

Para Hélio Santos23, é justamente a mistura que produz

sinergia para a inovação. O referido autor menciona que um grupo diversificado

entre homens e mulheres, por exemplo, sempre terá resultados mais positivos

que um grupo formado somente por homens ou apenas por mulheres. Ao seguir

esse raciocínio, destarte, poderá dizer-se o mesmo com relação a qualquer tipo

de mistura, seja entre gerações, gênero, raça, classes sociais e ou qualquer outro

tipo de combinação. Nesse sentido, a questão racial no Brasil não é um problema,

porém parte da solução.

Em conclusão, o argumento de que as cotas iriam prejudicar

a excelência do ensino nas universidades não prevalece, já que os relatos de

pessoas envolvidas diretamente na aplicação de políticas de cotas raciais têm

apontado que os alunos cotistas possuem aproveitamento tão bom ou melhor do

que os alunos aprovados pelo vestibular, além ainda de ajudarem a desenvolver

um espaço multicultural dentro das universidades.

1.3.4 O princípio do mérito

Numa sociedade capitalista e de mercado aberto, os

indivíduos estão permanentemente em competição pelos bens escassos. Assim,

o princípio do mérito serve como a afirmação de justiça nesse modelo de

distribuição de bens e serviços: o que justifica a tutela de um bem ou serviço a um

dos diversos pretendentes em detrimento dos outros é o mérito pela qual este

sujeito tutelado conseguiu obter o bem ou o serviço. O mérito, então, está

vinculado ao merecimento de alguém, numa competição em igualdade de

23 Caros amigos, São Paulo, v. 6, n. 69. p. 31-37, dez. 2002.

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condições e com regras pré-estabelecidas, de adquirir determinada pretensão por

ter se sobressaído dos demais.

Note-se, sobretudo, que o mérito requer uma igualdade de

condições e que as regras estejam previamente estabelecidas.

Ninguém poderia defender, por exemplo, que haveria mérito

numa corrida entre dois carros semelhantes, em que um carro saísse alguns

quilômetros à frente do outro. Claro está que não há igualdade de condições entre

os dois concorrentes e por isso não haveria também justiça na vitória do carro que

saiu na frente. Da mesma maneira, poderia se objetar que um jogador que

vencesse outro jogador que não conhecesse as regras previamente, em um

determinado tipo de competição, também obteria uma vitória sem mérito, posto

que o perdedor não conhecia as regras. Ou não haveria como medir se existiu

mérito ou não por não se ter nenhum regra definida para o jogo.

Agora, se por um lado o princípio do mérito exige que as

regras estejam fixadas com antecedência da disputa, nada estabelece no sentido

de definir quais são as regras corretas. Não há regra imutável para qualquer tipo

de disputa, o importante é somente que elas estejam estabelecidas previamente e

que os concorrentes estejam de acordo com elas. Por conseguinte, o princípio do

mérito não impõe abstratamente quais as regras que uma determinada disputa

requer, apenas obriga que estejam pré-fixadas24. A única maneira de se poder

afirmar que as regras para uma disputa tenham que ser exatamente certas regras

e não outras seria partindo de uma concepção jusnaturalista das normas, isto é,

que de um “ser” surgisse um “dever ser” obrigatório25. Entretanto, como muito

bem demonstra Norberto Bobbio em seu livro, “A era dos direitos”, há argumentos

bastante convincentes para se desacreditar as antigas concepções racionais de

Direito26.

Posto isso, pode-se pensar então no princípio do mérito no

que tange às cotas.

24 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2005. p. 446. 25 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 22. ed. São Paulo: Forense. 1994. p. 363. 26 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:

Campus, 1996. p. 16-18.

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Em primeiro lugar, carece de força o argumento, muito

comum nos meios jornalísticos27, de que as cotas seriam uma espécie de

caridade a desfazer o mérito daqueles que possuem notas mais altas. Se o

princípio do mérito exige que as condições sejam as mesmas, e havendo prova

objetivas de que negros de escolas públicas não disputam em igualdade de

condições com brancos de escolas privadas, dado o diferente grau de preparação

de ambos os grupos, em média, não há espaço para se argumentar que se faz

caridade com as cotas e nem que existe mérito daqueles (brancos de escolas

particulares) que são aprovados. É por isso, inclusive, que é muito comum se

ouvir ironicamente de que as cotas já existem há muito tempo: elas estariam

destinadas aos brancos componentes das elites28.

Entretanto, uma ressalva precisa ser feita aqui, pois é

provável que haja também aqueles que reconhecem as condições desiguais entre

os candidatos no vestibular, mas que por força do princípio do mérito, consideram

uma melhor alternativa para o problema, ao invés do uso de cotas, o fomento de

meios para que os negros (de escola pública) possam se educar melhor e assim

disputar em igualdade com os brancos uma vaga na universidade.

Por essa concepção, o princípio do mérito condena uma

ação afirmativa que vise uma igualdade de resultados, mas por outro lado, não se

opõe a uma ação afirmativa que busque materializar a igualdade de condições.

Agora, ser contrário às cotas por elas garantirem uma igualdade de resultados,

mas ao mesmo tempo reconhecer a desigualdade de condições e poder até

mesmo consentir ações afirmativas que visem à igualdade de condições é bem

diferente de alegar que as cotas sejam uma forma de caridade, a desfazerem o

mérito dos alunos com notas mais elevadas.

Ademais, o mérito dos negros aprovados pelas cotas está

em ter que passar também por um processo seletivo, mais restrito, logicamente,

mas precisam superar outros candidatos de qualquer maneira. Aliás, neste

processo, o mérito se constata pela igualdade de condições entre os candidatos.

27 PRATES, Luiz Carlos. Cotas. Diário Catarinense, Santa Catarina, 4 ago 2009. 28 Caros amigos, São Paulo, v. 6, n. 69. p. 31-37, dez. 2002.

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21

Até o momento falou-se em igualdade de condições,

contudo, o ponto mais controvertido está nas regras de seleção.

Destarte, em segundo lugar, só é possível se falar em mérito

uma vez estabelecido as regras na qual ocorrerá a disputa. No caso de seleção a

uma vaga na universidade, portanto, precisam-se fixar antes os critérios pela qual

serão escolhidos os candidatos. Esses critérios, por seu turno, poderão ser os

mais variados, não existindo nenhum critério abstrato que obrigatoriamente tenha

que ser seguido, a não ser que, como antes discutido, se aceite uma concepção

jusnaturalista do Direito. Mas ao se partir do pressuposto que a base de escolha

não seja dada em função de nenhuma formulação metajurídica, mas tão-somente

tendo a Constituição como limite, os critérios deverão ser estabelecidos conforme

os interesses sociais que estejam em jogo e desde que em harmonia com os

preceitos constitucionais.

Assim, uma primeira pergunta a ser feita deve ser qual o

critério usado atualmente? E, em seguida, o critério usado atualmente é para

sociedade o melhor ou o mais correto?

O critério usado é o do mérito intelectual: aqueles mais

capazes intelectualmente para fazer a prova do vestibular são os que serão

aprovados. Poderia então perguntar-se: mas por que o critério de escolha é o

mérito intelectual e não outro?

Para o filósofo australiano Peter Singer29, a agudeza

intelectual tem sido o critério de seleção mais escolhido porque tem se

considerado que é o critério que mais traz benefícios para a sociedade consoante

os fins das universidades. Se os objetivos de uma universidade são produzir

conhecimento e preparar indivíduos intelectualmente mais capacitados para as

respectivas funções de suas áreas de estudo porque assim serão mais eficazes

para o rendimento do país, então a capacidade intelectual como critério de

seleção é condizente com os objetivos últimos das universidades. O importante

dessa conclusão, todavia, é que quando uma universidade seleciona alunos de

maior capacidade intelectual, ela não o faz em consideração ao maior interesse

29 SINGER, Peter. Ética prática. São Paulo: Martins Fontes, 1984. p. 58.

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desses mesmos alunos, mas porque esses alunos lhe servirão melhor conforme

seus próprios interesses, ou, aos interesses da sociedade.

Ora, como mencionado antes, os interesses sociais visados

pelas universidades podem ser alterados dependendo das circunstâncias, de

modo que o critério de seleção também possa sê-lo. E, nada impede que se altere

o critério de “alunos intelectualmente mais capacitados” para o de “alunos de raça

negra”. Bastaria apenas que o novo critério fosse condizente com os objetivos

sociais da universidade. Lógico que alguém sempre poderá alegar que o critério

de seleção com base na capacidade intelectual é um critério melhor ou mais

benéfico para a sociedade do que o critério com base na raça, porém isso não

retira a legitimidade de se poder alterar o critério em si, mesmo que seja pelo de

seleção em função da raça.

Obviamente que isso não significa também que qualquer

critério possa ser utilizado, há de se ter alguma justificativa plausível e que

encontre fundamentos não somente políticos, mas também que consigam ser

argumentados com base na ordem jurídica vigente. Há de se concordar, no

entanto, que o critério de seleção em função da raça, no intuito de se buscar

ascender a raça negra nos meios sociais com o fito de que haja um maior

equilíbrio social, é no mínimo um argumento que pode ser discutido do ponto de

vista não só político como também jurídico.

Contudo, a todo esse raciocínio poderia se alegar que o

critério com base na capacidade intelectual é diferente do critério com base na

raça porque não diferencia ninguém a priori, pois tanto negros como brancos

possuem a mesma capacidade intelectual, o que os diferencia no momento da

prova é tão-somente o fato de uns (os brancos) terem obtido melhor preparo do

que os outros (os negros). Ou seja, uma preparação igual colocaria todos em

igualdade. Já não se pode dizer o mesmo do critério com base na raça, já que os

que nascessem com a pele clara não poderiam em hipótese alguma competir com

os que nascessem com a pele escura. No primeiro caso o respeito ao princípio da

igualdade é garantido em função da possibilidade de tratamento igual a todos

(mesmo que isso não ocorra na prática) enquanto que no segundo caso o

tratamento será sempre diferenciado, a infringir o princípio da igualdade, portanto.

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23

Esse argumento é somente em parte verdadeiro porque não

há nenhuma prova de que todos os sujeitos sejam intelectualmente iguais, isto é,

que todos possuirão sempre o mesmo desenvolvimento intelectual caso tenham a

mesma preparação e se esforcem na mesma medida. Pelo contrário, as

diferenças parecem sim existir, tanto fisicamente quanto intelectualmente. Seria

difícil afirmar, por exemplo, que se todos se esforçassem proporcionalmente e

tivessem os mesmo recursos que o Pelé, conseguiriam jogar futebol como ele, ou,

no mesmo sentido, elaborariam teorias como fez Albert Einstein. Parece que isso

seria improvável. Agora, as diferenças não significam, obviamente, que um sujeito

mais propício a desenvolver determinadas atividades seja superior a outro

indivíduo menos propício a desenvolver aquela mesma atividade, do ponto de

vista do seu valor como ser humano. Até porque de um “ser” não cabe um “dever

ser”. Quiçá a beleza esteja justamente na diversidade.

Mas então uma vez admitido a existência de diferenças

entre as pessoas, poderá se afirmar também que o critério com base na

capacidade intelectual não respeita em absoluto o princípio da igualdade. Ele

simplesmente é um critério mais sutil, já que as diferenças de capacidade

intelectual muito provavelmente são menores do que a diferença entre um negro e

um branco, além de que um sujeito com menor capacidade intelectual ainda

assim poderia talvez conseguir aprovação no vestibular se compensasse essa

deficiência dedicando-se mais do que os outros, enquanto que pelo critério racial,

os que não fossem parte da raça escolhida nunca poderiam conseguir uma vaga.

Porém, não obstante a maior sutileza do critério com base na capacidade

intelectual em comparação com o critério racial, ele também não trata todas as

pessoas em igualdade absoluta. Ele simplesmente, como antes ponderado, é um

critério que até o momento tem encontrado mais aprovação porque atende melhor

aos objetivos das diversas universidades.

Em conclusão, o princípio do mérito não parece ser óbice às

cotas, já que as condições de disputa entre brancos das escolas particulares e

negros das escolas públicas não são as mesmas, além de que as regras de

seleção podem ser alteradas a todo instante, a modificar o que se entenderá por

mérito no caso em concreto.

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CAPÍTULO 2

A AFIRMAÇÃO DOS NEGROS NO BRASIL

2.1 O HISTÓRICO ESCRAVOCRATA

O problema social brasileiro, no que se refere ao acesso dos

negros às universidades, diz respeito a duas questões: ao histórico escravocrata

do País e à situação precária na qual se encontram as escolas públicas do ensino

fundamental. São esse dois fatores que impossibilitam ou dificultam a entrada dos

negros nas universidades brasileiras. O histórico escravocrata explica a

marginalização da maior parte população negra no Brasil, o que tem por

conseqüência o fato de diversos bens considerados essenciais a uma vida digna

serem excluídos deste grupo racial, inclusive o acesso à cultura e à educação de

qualidade. Enquanto que o ensino fundamental no Brasil, dado a sua

precariedade, não é suficiente para funcionar como veículo de afirmação da raça

negra, já que a maior parte da população negra estuda (quando estuda) em

escolas públicas e a má formação educacional fornecida por essas instituições

impossibilita a mobilidade de classes deste grupo racial.

Logicamente que cidadãos brancos, porém pobres, também

irão sofrer as conseqüências de uma má formação educacional. Entretanto, o que

diferencia os dois grupos raciais – brancos e negros – é a constatação, possível

através de pesquisas que mais adiante se mencionará, de que número de negros

pobres é muito mais elevado do que o número de brancos pobres e, no mesmo

sentido, de que o número de negros ricos é muito menor do que o número de

brancos ricos, de modo que as vagas no ensino superior acabam por serem

ocupadas na sua maioria por cidadãos brancos. De qualquer maneira, o que se

quer enfatizar unicamente neste momento são as razões de por que há um

número reduzido de negros nas universidades brasileiras, sendo que as causas

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estão atreladas a esses dois motivos que se fez referência: o histórico

escravocrata do País e a situação precária na qual se encontram as escolas

públicas do ensino fundamental.

Este capítulo trata do tema da afirmação dos negros no

Brasil. Portanto, em primeiro lugar, discutir-se-á a formação étnica e racial no País

e, mais especificamente, dos efeitos da escravidão aqui deixados. Já no segundo

tópico, o foco será traçar de maneira sucinta o processo de seleção e suas

conseqüências quanto ao acesso aos bancos das universidades brasileiras. E por

último, debater-se-á se as cotas se fundamentam somente numa posição de

política de redistribuição de renda ou se num projeto mais amplo, de

reconhecimento e afirmação da raça negra no País.

A começar, então, pela questão da exclusão dos negros e

dos efeitos das máculas da escravidão no Brasil, pode-se afirmar que as

conclusões acadêmicas sobre a questão estão divididas em dois períodos

principais30.

O primeiro período baseava-se na prevalência da idéia de

que a constituição da sociedade do trabalho no País encontrou seu momento

inaugural na imigração européia. O capitalismo moderno brasileiro teria surgido

então dos capitais liberados pela produção de café, sobretudo em São Paulo, e

da vasta imigração de mão-de-obra européia recém chegada para satisfazer a

demanda de produção possível em razão do capital acumulado pela cafeicultura.

Por essa visão, a consolidação do mercado de trabalho e do capitalismo no Brasil

teve um inegável caráter “são-paulocêntrico”31.

De outro vértice, a explicação de que a chave da imigração

estrangeira tenha se dado por causa do fim da escravidão e conseqüentemente

da transição do escravismo para o trabalho livre evidencia uma ruptura cabal

entre o passado escravista e o novo ambiente competitivo, a ensejar, assim, a

30 CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista: um ensaio sobre inércia social.

Novos Estudos, n. 80, p. 71-88, mar. 2008. 31 CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista: um ensaio sobre inércia social.

p. 71-88, 2008.

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perspectiva de que tudo se passou como se a ordem escravocrata tivesse sido

enterrada com a abolição da escravatura (1888), não transferindo ao momento

posterior nada de sua dinâmica (e inércia) mais geral32.

Já no segundo período, faz-se uma releitura mais complexa

da formação capitalista do Brasil, a colocar justamente o histórico escravocrata

como fator proeminente das características posteriores das relações de trabalho

que aqui iriam se desenvolver, a dizer, o preconceito de classe e o demérito dos

trabalhos manuais. Além de que desfigura o modelo paulista de transição para o

trabalho livre - baseado na imigração européia como a única solução possível

para o problema de mão-de-obra - como o modelo típico ou mais representativo

de nossa formação capitalista. Na verdade, para essa nova visão, São Paulo faria

parte de uma exceção ao restante do País, onde a produção já era formada em

boa parte por quadros de mão-de-obra compostos por ex-escravos e seus

descendentes. A transição do modo de produção escravista para o trabalho livre,

portanto, deu-se de uma forma gradual, tendo um marco apenas convencional em

1850, ano da proibição do tráfico negreiro, e em 1888, com a abolição da

escravatura 33.

No entanto, o mais importante desse processo de transição

são os seus estigmas deixados nos inconscientes das elites brasileiras, mais

especificamente na elite paulistana. Combinava uma mistura de preconceito racial

e desprezo pelo trabalhador livre nacional, vistos como homens primitivos,

inconfiáveis e carentes de uma mentalidade burguesa e adepta das regras de

mercado e da acumulação. Consubstanciava-se na idéia de que os trabalhadores

– grande parte deles negros ou mestiços – eram homens pouco civilizados e

propensos à vadiagem, de modo que a única maneira de fazê-los trabalhar seria

pelo meio da repressão ou exploração34.

32 CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista: um ensaio sobre inércia social.

p. 71-88, 2008. 33 CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista: um ensaio sobre inércia social.

p. 71-88, 2008. 34 CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista: um ensaio sobre inércia social.

p. 71-88, 2008.

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Como se pode observar, essa descrição em nada se

assemelha à outra teoria na qual o capitalismo brasileiro iniciou-se

especificamente em São Paulo, baseado numa mão-de-obra européia. Na

verdade, já existiam outros setores de produção no País e muitos deles moldados

com mão-de-obra compostas por ex-escravos, mulatos e pardos. Além disso, a

segunda teoria refuta a versão de que a vinda dos imigrantes europeus e a

inauguração do capitalismo brasileiro tenha se dado sem maiores influências da

escravidão. Pelo contrário, a nova visão da formação capitalista no Brasil chama a

atenção justamente para o fato de que esse novo capitalismo ainda trazia muito

da cultura de repressão e exploração típica do modelo escravista de produção,

em que o preconceito de classe e de cor bem como a desvalorização do

trabalhador de maneira geral eram ainda bastante presentes; e os negros eram

sem dúvida as principais vítimas desse processo antiliberal, muitos deles

marginalizados por serem considerados mão-de-obra inferior aos imigrantes

europeus.

Inclusive foi justamente nesse período de formação

capitalista que o preconceito contra os negros acirrou-se, pois os negros não

eram mais somente vistos como “fatores de produção”, sem quaisquer direitos,

como à época da escravidão, porém como “cidadãos” que disputavam vagas no

mercado de trabalho, embora seja verdade que a maioria acabava não

conseguindo inserir-se e encontrava-se marginalizada35. Mas de qualquer

maneira, o racismo emergiu mais significativamente à medida que os negros iam

adquirindo a afirmação de suas cidadanias, quando começaram a competir nos

meios sociais com os brancos e a lutar pela ampliação de novos direitos36. A

Abolição da escravatura foi seguida, conseqüentemente, à imposição de

instituições jurídicas mantenedoras do processo de exploração racial, que

encontravam sua materialidade na forma de um Estado burguês centralizado, e,

35 BURITY, Joanildo A. Desigualdades e a abolição inconclusa. Impulso: revista de ciências

sociais e humanas, Piracicaba, v. 17, n. 43, p. 21-31, mai-ago. 2006. 36 KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira, necessidade ou

mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa dos negros nos Estados Unidos da América e no Brasil. Porto Alegre: livraria do advogado. 1997. p. 112.

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pouco desenvolvido quanto às garantias liberais. Há um trecho interessante na

obra “A teoria geral do direito e o marxismo”, de Pasukanis37, sobre esta questão:

[...] Por outro lado, o capitalismo transforma precisamente a propriedade fundiária feudal em propriedade fundiária moderna, liberando-a inteiramente das relações de domínio e servidão. O escravo é totalmente subordinado ao seu senhor e é precisamente por esta razão que esta relação de exploração não necessita de nenhuma elaboração jurídica particular. O trabalhador assalariado, ao contrário, surge no mercado como livre vendedor de sua força de trabalho e é por isso que a relação e exploração capitalista se mediatiza sob a forma jurídica de contrato. Eu creio que estes exemplos são suficientes para colocar em evidência a importância decisiva da categoria sujeito na análise da forma jurídica.

Pasukanis refere-se a outro momento histórico, mas

analogamente, pode-se dizer que o surgimento do sujeito portador de direitos

formaliza o processo de luta de classes típica da sociedade moderna, que no

caso brasileiro, adquiriu um novo elemento quando os negros adquiriram suas

alforrias institucionalmente e passaram então a compor os estratos explorados e a

reivindicar sua afirmação como raça igual. E, a contraposição veio na forma da

exacerbação do racismo pela classe dominante.

É importante ressaltar também que a vinda de uma grande

massa de europeus para o Brasil corroborou com uma tentativa de

“embranquecer” a sociedade, firmada no estereótipo do negro como um elemento

incapaz de satisfazer eficazmente a demanda por mão-de-obra que o surgimento

do capitalismo requeria. Essa visão negativa do elemento negro chegou até

mesmo ao ponto de ser inclusive defendida intelectualmente em teses de

eugenia. Não eram raros os trabalhos cujo tema tratava da purificação do sangue

brasileiro mediante processos de seleção racial38. Apenas para ilustrar a

proporção da imigração incentivada de europeus, em 30 anos, de 1880 a 1910,

37 PASUKANIS, Eugeny Bronislanovich. A teoria geral do Direito e o marxismo. Tradução de

Paulo Bessa. Rio de Janeiro: Renovar. 1989. p. 82. 38 SOUZA, Telma Regina de Paula. Relações étnico-raciais: pra que lado mesmo? Impulso:

revista de ciências sociais e humanas, Piracicaba, v. 17, n. 43, p. 7-18, mai-ago. 2006.

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imigraram 4 milhões de pessoas, quantidade igual à de escravizados trazidos em

300 anos (1550-1850)39.

A segunda visão opõe-se também à teoria de que a

escravidão e conseqüentemente o racismo no Brasil tiveram um caráter mais

benigno do que em outras colônias, como por exemplo, a do Caribe inglês. A

atenuação do racismo no Brasil advém da presunção de que a partir da abolição

da escravatura (1888) - ou mesmo antes, posto que já no século XIX muitos

crioulos e mulatos obtinham a alforria e chegavam até mesmo a constituir ramos

da indústria - o elemento negro se integrou à sociedade brasileira, sendo de certa

maneira aceitos pelos então senhores de fazenda ou indústria como seus

companheiros. Ou ainda, encontra ressonância no paternalismo brasileiro, na qual

ensejava a mistura entre brancos e negros e, por sua vez, desenhava a

sociedade brasileira como miscigenada. Tal assertiva, todavia, custou caro à

historiografia brasileira, pois a falsa visão de que o negro (ou pardo) inseriu-se

nos meios sociais veio a se converter, posteriormente, no mito da “democracia

racial”, consubstanciado nas teses de Gilberto Freyre e Frank Tannenbaum40. Ou

seja, converteu-se na sensação de que o Brasil é um país etnicamente e

racialmente miscigenado e de aqui não há o racismo constatado em outros

países, mas sim uma integração multirracial das culturas.

Logicamente que não se nega que a sociedade luso-

brasileira possui um processo único de miscigenação, originado do paternalismo,

clima e aptidões essenciais daqui, porém indaga-se o quanto dessa mistura tem

validade (num pressuposto de exclusividade) para se pensar a questão do negro

no Brasil, pois é cada vez mais flagrante, por conta de dados e mesmo

argumentos históricos e sociológicos, de que o mito miscigenação tem se tornado

39 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade

socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 4. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.

40 MARQUESE, Rafael De Bivar. A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX. Novos estudos, n. 74. p. 107-123, mar. 2006.

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30

uma miragem a esconder muitos preconceitos ainda fortemente presentes na

sociedade brasileira41.

No Brasil, por exemplo, a diferença entre os Índices de

Desenvolvimento Humano (IDH) entre brancos e negros retratam bem o

fenômeno de exclusão dos negros. Elaborado pela Organização das Nações

Unidas (ONU), o IDH abrange a renda, a alfabetização, anos de escolaridade

média e anos de expectativa de vida ao nascer. Conforme o relatório de

desenvolvimento humano do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), de 2005, no ranking do IDH das nações, os brancos

brasileiros estão em 44º lugar enquanto que os negros brasileiros em 105º. Um

contraste de 61 posições42.

Em relação à mortalidade infantil no Brasil, dados do IBGE

de 2003 apontam que os filhos de mulheres negras têm 47% mais chances de

morrer nos primeiros anos de vida, sendo a taxa de 22,9% para mães brancas e

33,7% para negras e pardas. No quesito renda, em que se leva em conta como

indicadores o salário, a aposentadoria, programas sociais e aplicações

financeiras, 74,1% da renda nacional ficam com os brasileiros brancos, enquanto

que dos 25,9% restantes, 4% ficam com os pretos e 21,9% entre os pardos. Isso

está em clara desproporção com a presença dos brancos na população, que é de

53,8%, em geral, e 53,1% dos que possuem rendimentos. Já a expectativa de

vida, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde divulgados em agosto de

2004, a dos negros é de seis anos a menos do que a dos brancos (74 anos)43.

O alarme decorrente do contraste desses números dá-se

principalmente em razão de que se trata de diversos aspectos da vida, o que

dado as diferenças exorbitantes constatadas, pode-se concluir que os negros em

41 GOMES, Flávio; FERREIRA, Roquinaldo. A miragem da miscigenação. Novos estudos, n.

80. p. 141-159. mar. 2008. 42 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade

socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 3. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.

43 BURITY, Joanildo A. Desigualdades e a abolição inconclusa. p. 21-31, 2006.

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31

sua maioria fazem parte de uma camada populacional marginalizada, a sofrer as

conseqüências desse atraso social em diversos aspectos da vida, e não somente

na educação. Ou seja, é um processo de exclusão generalizada de todo um grupo

étnico, a encaixar-se perfeitamente, portanto, nas descrições históricas na qual se

desfaz o mito da “democracia racial”.

2.2 UM RETRATO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

O outro aspecto que impossibilita a ascensão dos negros na

sociedade está inserido no problema educacional brasileiro, isto é, está

diretamente relacionado à pior qualidade das escolas do ensino fundamental

mantidas pelo governo em comparação com as escolas privadas, o que por

conseguinte impede que um número significativo de negros ingresse nas

universidades.

É que de maneira geral a situação de pobreza na qual vivem

a maioria dos negros obriga-os a estudarem nas escolas públicas custeadas pelo

Estado durante o ensino fundamental, enquanto que os bancos das escolas

particulares acabam sendo ocupados pelos brancos. Disso resulta numa disputa

desigual quando do vestibular, já que as escolas particulares fornecem uma

preparação muito mais aprofundada.

Além disso, as universidades públicas no país possuem em

média, ao contrário do que acontece no ensino fundamental, melhor qualidade do

que as universidades particulares, além de logicamente serem custeadas pelo

Estado e conseqüentemente se poder estudar nelas sem a cobrança de qualquer

taxa, o que também aumenta a competição pelas vagas.

Nesse contexto, pode-se concluir que a situação no Brasil

parece ir contra o bom senso, pois contribui para que os indivíduos de menor

poder aquisitivo paguem para estudar nas universidades particulares, já que não

conseguem competir no vestibular em igualdade com os indivíduos vindos das

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32

escolas particulares do ensino fundamental, enquanto os que possuem melhores

condições financeiras estudam de graça nas universidades públicas, por terem

desfrutado de uma melhor preparação durante o ensino fundamental. É lógico que

esse fato se traduz num número reduzido de negros nas universidades, pois estes

não conseguem competir para entrar numa universidade pública e muitas vezes

também não conseguem pagar uma universidade particular.

Em síntese, faz-se um diagnóstico na qual boa parte dos

negros não terminam o ensino secundário ou, terminam, mas não conseguem

entrar numa universidade pública, seja porque não estão preparados para

disputarem o vestibular, seja porque não conseguem manter-se economicamente

e precisam abandonar os estudos para trabalhar. Alguns até conseguem entrar

numa universidade pública, porém raramente num curso em que a concorrência é

mais acirrada. Por fim, alguns estudam em universidades privadas, todavia ao

custo de quase sempre terem que se auto-sustentar, o que os impedem de

poderem se dedicar exclusivamente aos estudos, além de que recebem um

ensino de menor qualidade, já que no Brasil há de se falar também em níveis de

qualidade de ensino consoante as universidades.

Os números no âmbito educacional também só vêm a

reforçar a afirmação da exclusão generalizada dos negros no País. Em relatório

do PNUD, por exemplo, apenas 2,5% da população negra tinham nível superior

no Brasil em 2001, índice próximo ao da África do Sul à época do apartheid e dos

Estados Unidos à época da segregação racial. Ou seja, sem leis racistas a

sociedade brasileira produzia (em época praticamente atual) um quadro de

desigualdade na educação superior igual à de países que possuíam legislações

abertamente discriminatórias. Por outro lado, cerca de 10,5% dos brancos em

2001 tinham diploma de ensino superior. A situação de desequilíbrio é tão grave

que se fossem reservadas 100% das vagas de todos os cursos superiores de

medicina para negros, demorariam 25 anos para que houvesse uma proporção

equivalente entre os médicos negros e brancos no Brasil44.

44 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade

socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação

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Por outro lado, poder-se-ia pensar que o problema é o

oferecimento de poucas vagas, isto é, que uma grande expansão de vagas

poderia reduzir ou eliminar essa desigualdade. Porém, os dados históricos

mostram o contrário: em 1960, 1,4% dos brancos haviam completado o Ensino

Superior contra cerca de zero por cento dos negros. Em 1999, após uma

expansão expressiva do número de vagas, cerca de 10,9% dos brancos tinham

Ensino Superior completo, em face de 2,6% dos negros, de maneira a concluir-se

que apesar do aumento brutal de vagas no período, a desigualdade entre esses

grupos aumentou de 1,4 para 8,4%45.

Além disso, acrescenta-se que essa desigualdade não se

restringe somente ao ensino superior, ela se estende ao longo de toda a trajetória

educacional, desde a educação infantil até o ensino médio. Segundo o Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 10% dos brancos eram analfabetos contra

25% dos negros, no ano de 2000. A população branca tinha em média 6,6 anos

de estudo contra 4,4 anos da população negra. E, haviam concluído o ensino

médio 22,7% dos brancos em face de 13,3% dos negros46.

Como se observa, as constatações empíricas são bastante

conclusivas por si só, de modo que há pelo menos uma certeza possível de ser

extraída: a de que existe de fato uma exclusão generalizada de todo um grupo

racial no País, e, o acesso à educação não está de fora desse processo de

marginalização. Por conseguinte, o ingresso no ensino superior por parte dos

negros é condição essencial para a afirmação da raça, já que a educação é talvez

a forma mais eficiente de mobilidade social, além de que a representação

intelectual por parte de negros aumentaria o prestígio social do grupo como um

do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 4. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.

45 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 4. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.

46 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 4. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.

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todo e proporcionaria também uma maior consciência da questão do negro no

Brasil.

Pois, enquanto os negros não passarem a ocupar

expressivamente cargos importantes na sociedade, especialmente os cargos de

caráter intelectual, dificilmente se eliminará do imaginário coletivo a falsa idéia de

que indivíduos de raça negra são aptos apenas para a música, a dança, os

esportes ou os “trabalhos braçais”, enquanto que os brancos são quem possuem

maior aptidão para a ciência e a intelectualidade. Nesse contexto, destarte, a

educação se torna o ponto-chave para a construção do respeito à raça negra nos

meios sociais.

Em conclusão, o debate na qual existe uma necessidade de

se encontrar mecanismos de inclusão de negros nas universidades, seja pelo

meio de cotas ou outra maneira qualquer, encontra sua legitimidade naquilo que é

fato empírico e precisa ser revertido.

Por último, faz-se importante apresentar alguns dados a fim

de demonstrar em que fase está o programa nacional de cotas para negros nas

universidades brasileiras.

As universidades federais com cotas para negros, neste

momento, são as universidades de Brasília, a Escola Superior de Ciências da

Saúde/DF, do Pará, do Paraná, de Santa catarina, de Juiz de Fora, de Alagoas,

de São Paulo, de Tocantins, da Bahia, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte,

do Piauí, do Maranhão, do Recôncavo da Bahia e do ABC/SP. Nas universidades

estaduais, há cotas para negros nas universidades da Bahia, do Rio de Janeiro,

do norte fluminense, da zona oeste do Rio de Janeiro, a FAETEC/RJ, de

Londrina, de Ponta Grossa, UNICENTRO/PR, de Maringá, a UNIOESTE/PR, do

Maranhão, do Mato Grosso do Sul, do Mato Grosso, de Montes Claros/MG, de

Minas Gerais, do Amazonas, de Feira de Santana, do Rio Grande do Norte, de

Pernambuco, de Campinas, de São Paulo, a FATEC/SP, do Rio Grande do Sul e

de Goiás. O Centro Universitário de São José/SC é municipal e também aplica as

cotas. Além dessas, discutem a adoção de cotas as universidades federais de

São Carlos, de Uberlândia, do Mato Grosso, a Fluminense, do Ceará e do Espírito

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Santo. E, as universidades estaduais do Sudoeste da Bahia, de Santa Cruz/Bahia

e de Santa Catarina (UDESC)47.

E, conforme pesquisa realizada pelo DATAFOLHA de julho

de 2006, 87% dos eleitores brasileiros são favoráveis a cotas nas universidades

públicas e particulares brasileiras para pessoas de baixa renda, enquanto que

65% entende que as cotas deveriam ter critério duplo, isto é, que fossem

destinadas à pessoas de baixa renda, porém também negras48.

Enfim, resta dizer que o programa de cotas para negros no

Brasil já se encontra de certa maneira avançado, posto que está concretizado em

diversas instituições e conta também com o apoio de mais da metade da

população, considerando-se a população aqueles que são eleitores. Números,

destarte, relativamente expressivos.

2.3 DA IGUALDADE INDIVIDUAL À COMUNITÁRIA

Como se pôde notar nas estatísticas citadas, a maior parte

da população brasileira não nega a marginalização dos negros e nem sequer é

contra as ações afirmativas em geral. Acredita-se ser possível afirmar sem

maiores problemas que a grande maioria dos brasileiros não se opõe a

programas de difusão da cultura negra ou a um combate permanente a qualquer

manifestação de racismo. Pelo contrário, evidencia-se na população um senso de

igualdade e justiça consideravelmente desenvolvido.

De outra face, se por um lado não parece haver grandes

47 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 3. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.

48 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 3. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.

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controvérsias quanto à necessidade de intolerância a qualquer perspectiva

intelectual e política na qual a situação dos negros permaneça estagnada, há

muitas dúvidas sobre quais medidas práticas devem ser efetivadas sem que haja

ao mesmo tempo uma cisão naquilo que a maioria das pessoas entende por

igualdade e justiça, posto que toda ação afirmativa implica necessariamente em

algum tipo de restrição à igualdade e, de modo geral, a igualdade é encarada

como o alicerce da justiça, inclusive pela maioria dos pensadores49.

Nessa seara, pode-se dizer que as cotas impõem,

sobretudo, uma reflexão filosófica sobre o que significa a igualdade; ou melhor,

sobre o que requer o princípio da igualdade. Em outras palavras, faz-se

necessário indagar quando o tratamento diferenciado entre pessoas assume ser

medida de justiça? Ou, quando e em que medida a própria igualdade requer a

diferenciação? Como antes dito, positivamente parece estar disseminado na

consciência do brasileiro a idéia de igualdade, a igual consideração por todos,

como fala Ronald Dworkin50. E mais, que por exigência do princípio da igualdade

os negros precisam se integrar na sociedade de forma mais ampla, cabendo ao

Estado tomar as providências para que isso aconteça efetivamente. No entanto, o

que não está claro é uma definição de um processo justo para que isso seja posto

em prática; em outras palavras, se a igualdade pressupõe uma igualdade de

condições, uma igualdade de resultados, ou ainda, um sistema limite que garanta

pelo menos os direitos fundamentais, na linha garantista de Luigi Ferrajoli51. Por

outro lado, o certo é que na conjuntura na qual vivemos a igualdade não é

concretizada em nenhum dessas formas, ela continua a ser concretizada tão-

somente em sua vertente formal, a depender quase sempre das contingências

das leis de mercado.

Não se pretende aqui responder tal questão complexa sobre

49 PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo:

Martins Fontes. 2000. p. 14. 50 Igualdade como ideal: entrevista com Ronald Dworkin. Novos Estudos, n. 77. p. 233-239,

mar. 2007; DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução de Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes. 2005. p. 3.

51 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 682-756.

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a igualdade, sugere-se apenas que novas concepções de igualdade podem e

devem ser discutidas, mormente considerando o inconformismo geral diante do

que a história vem nos escrevendo em termos de desigualdades sociais, a

ensejar, de outra face, que intelectuais dos mais refinados debatam sobre a

imprescindibilidade de se ampliar a noção de igualdade para esferas mais

consistentes e, conseqüentemente, também repensarem uma nova noção de

estado de direito e democracia. O tema é ingrato, claro está, posto que a

concretização da igualdade, como se sabe, muitas vezes adentra a esfera da

liberdade individual, donde o maior problema da democracia num estado de

classes ser o da manutenção dos seus princípios – igualdade e liberdade – sob os

efeitos da desigualdade real52. O paradoxo de tentar harmonizar esta aporia

resultante desses dois princípios constitui o cerne na qual a nova filosofia política

pós-queda do muro de Berlim vem se deparando.

Além disso, o tema da igualdade suscita ainda outras

questões quanto à sua natureza. Até agora se fez referência à igualdade sob o

aspecto econômico ou, pode-se dizer, sob a perspectiva da redistribuição. Tratou-

se de evidenciar que a igualdade pode implicar numa igualdade de condições, de

resultados ou mesmo conforme uma abordagem garantista, porém, todas essas

modalidades encaixam-se num viés liberal-individualista da igualdade, em que a

igual consideração por parte do Estado é materializada através de uma

redistribuição equitativa da renda. Já num outro sentido, a igualdade pode ser

pensada de maneira ainda mais ampla. Uma vertente da igualdade na qual a

faceta do reconhecimento social é quem a sedimenta, de modo que não basta a

redistribuição da renda consoante uma perspectiva liberal-individualista, mas

torna-se peremptório como exigência de igualdade a afirmação do ethos

pertencente a cada indivíduo, a desenvolver, assim, uma sociedade multicultural:

passa-se, então, de uma perspectiva liberal-individualista para outra comunitarista

do princípio da igualdade53. A igual consideração por parte do Estado na versão

comunitarista, destarte, consubstancia-se então em materializar o reconhecimento

52 CONGRESSO SOBRE DIREITOS HUMANOS (2006: Brasília). CHAUÍ, Marilena. Direitos

Humanos e Educação. p. 1-14. 53 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,

implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006.

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de cada cidadão na sociedade consoante a sua origem antropológica.

Assim, o que constitui o paradigma na qual a discussão das

ações afirmativas recai é estabelecer se a igualdade parte do pressuposto de uma

perspectiva puramente liberal-individualista, segundo a qual a emancipação e

transcendência do homem são postas sob o plano da realização individual, de

modo que depende unicamente de cada um realizar-se e encontrar a sua própria

felicidade. E, assim sendo, portanto, a promoção da igualdade enquanto função

do Estado seria sempre pensada restritamente em termos de uma distribuição

dos bens e recursos escassos de maneira mais justa e equitativa, posto que uma

vez dado a cada um o necessário em termos de bens e recursos, o Estado

haveria cumprido sua responsabilidade em oferecer condições a cada cidadão de

se desenvolver como ser humano, além, é lógico, da liberdade individual sem

distinções materializada através dos limites aos poderes do Estado. Ou seja, a

igual consideração por parte do Estado, segundo a perspectiva liberal-

individualista da igualdade, estaria associada tão-somente a uma melhor

distribuição da renda e à ampliação da liberdade individual, porquanto são os

bens e recursos juntamente com a liberdade individual que materializam a

possibilidade de emancipação e transcendência de cada cidadão.

Ou, se a igualdade parte do pressuposto de uma perspectiva

comunitarista, na qual a realização individual depende de uma dimensão ainda

mais elevada, pois estaria diretamente relacionada a uma aceitação social do

indivíduo consoante a sua origem antropológica, de maneira que apenas uma

distribuição mais equitativa dos bens e recursos e a liberdade individual não

seriam suficientes como medidas de igualdade. Isto é, não seria o simples acesso

aos bens e recursos e à liberdade perante o Estado que sustentariam o

reconhecimento do ser individual perante a comunidade, a realização individual

também se vincularia ao reconhecimento social de cada um, que dependeria

automaticamente da aceitação do seu grupo, independentemente das

características dele e da prevalência de suas características serem de ordem

étnica, racial, religiosa, sexual ou qualquer outra que a diferencie. Nesse contexto,

a melhor distribuição da renda e a liberdade, na verdade, constituiriam apenas um

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dos elementos da igualdade54.

Em suma, existem dois aspectos da igualdade. O primeiro

chama a atenção para a necessidade da igualdade do ponto de vista político-

econômica. Nesse sentido, a igualdade se consubstancia na perspectiva liberal-

individualista de inspiração Kantiana, em que a realização individual depende

especialmente das limitações do Estado na esfera do arbítrio individual, devendo

o Estado limitar-se a harmonizar as relações entre os indivíduos a fim de

encontrar um meio-termo em que a liberdade seja sempre preservada, porém

sem que interfira na liberdade do próximo, e, também no acesso aos bens e

recursos necessários para que cada um possa se desenvolver individualmente.

John Rawls e Ronald Dworkin foram talvez os que mais deram continuidade

nesse aspecto do princípio da igualdade, com teorias bastante elaboradas do

ponto de vista de uma justiça redistributiva55.

O segundo aspecto, por outro lado, reivindica a igualdade

sob o âmbito simbólico-cultural, a enfatizar o reconhecimento social do indivíduo

frente à comunidade sem ignorar que o indivíduo acha-se sempre inserido num

grupamento social com características peculiares, e que assim sendo, a aceitação

sem qualquer restrição dos diferentes grupos, destarte, é condição para a

aceitação e realização individual. Reconhece-se que os indivíduos são quase

sempre vistos em associação a algum grupo social e uma vez que as pessoas

são classificadas assim, para o bem ou para o mal, o respeito e a aceitação de

cada grupo são imprescindíveis à aceitação individual. Desse modo, portanto, a

igual consideração por cada cidadão requer como fim a afirmação dos diferentes

grupos nos meios sociais. Esta visão consubstancia-se na perspectiva da

fenomenologia da consciência de Hegel, que foi quem inaugurou o termo

reconhecimento na história da filosofia social. E, Nancy Fraser e Axel Honneth

são provavelmente os grandes expoentes atuais dessa perspectiva mais ampla

54 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,

implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006. 55 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,

implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006.

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da noção de igualdade56.

Essa distinção é basal para o tema das cotas, pois analisar a

reserva de vagas nas universidades a um determinado grupo racial sob o prisma

de uma teoria da igualdade liberal-individualista implica em reconhecer obstáculos

jurídicos instransponíveis à política de cotas.

A dificuldade evidencia-se porque o motivo pela qual os

negros não conseguem ingressar nas universidades não possui relação direta

com a cor de suas peles. Aqueles que corrigem as provas no vestibular nem

sequer sabem se os candidatos das respectivas provas são brancos ou negros. O

que acontece é que os negros compõem de modo geral as camadas mais pobres

e por isso estão menos preparados para o vestibular do que os indivíduos

provenientes de classes sociais mais altas - na sua grande maioria composta por

brancos -, o que resulta em piores notas dos indivíduos negros e

conseqüentemente menor aprovação desse grupo racial nos vestibulares. No

entanto, um negro de classe social mais abastada deverá (em tese) conseguir

também encontrar mais facilidade no vestibular, posto que sua preparação será

melhor. Por outro lado, um branco pobre e excluído socialmente deverá (em tese)

ter também mais dificuldade de ser aprovado num vestibular mais concorrido,

dado a sua pior preparação.

Ora, seguindo esse raciocínio, se as cotas partem do

pressuposto da igualdade no seu sentido liberal-individualista, com o objetivo

apenas de redistribuir a renda retirando de indivíduos brancos e ricos para outros

indivíduos negros e pobres, ela não encontra sentido qualquer sob o âmbito da

igualdade, pois a idéia de redistribuição aqui só beneficia aqueles indivíduos que

receberam os bens e recursos diretamente, aqueles que não adquiriram nada

com a política de redistribuição não podem ser considerados como figurantes do

pólo ativo dessa demanda.

Com efeito, ao se considerar a política de cotas por essa

visão restritiva da igualdade ela se torna bastante injusta, já que abre espaço para

56 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas, implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006.

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o questionamento: o que diferencia os indivíduos brancos e ricos de outros

indivíduos negros e ricos por essa acepção da igualdade? Ou, no mesmo sentido,

qual a diferença entre indivíduos negros e pobres de outros indivíduos brancos e

pobres? Se a política de cotas tem por intuito apenas redistribuir a renda, por que

as cotas são reservadas apenas aos indivíduos negros e pobres e não também

aos indivíduos brancos e pobres, já que não há diferença entre eles dado que

ambos os indivíduos desses grupos vivem na pobreza? Não dá para consentir

que um branco pobre sofra menos que um negro pobre do ponto de vista do

acesso aos bens e recursos se ambos vivem no mesmo estado de miséria. Se a

aflição da marginalização é considerada apenas pelo grau de disposição a

determinados bens e recursos, não há diferença nenhuma entre um branco pobre

e um negro pobre bem como entre um branco rico e um negro rico.

Mas há ainda outros motivos para se refutar as cotas

analisando-as sob a perspectiva liberal-individualista: em primeiro lugar, uma

política redistributiva deveria enfatizar mais o ensino fundamental público, pois

uma educação de qualidade na base da formação serviria para diminuir essa

discrepância entre alunos de escolas públicas e escolas privadas quando do

vestibular.

Além disso, as cotas não irão exatamente redistribuir os

bens e recursos das classes dominantes para as classes inferiores. As crianças

das classes mais baixas muitas vezes nem conseguem terminar o ensino

fundamental e, ademais, na disputa entre os negros pobres para averiguar qual

deles irão se beneficiar com as cotas, considerando que o critério é o de notas, é

muito provável que os negros mais estabilizados socialmente se sobressaiam

sobre os negros menos estabilizados, pois é lógico pressupor que os jovens com

melhores condições de recursos também consigam ir melhor nos estudos. Além

disso, o grupo de indivíduos que será mais prejudicado com as cotas (em tese)

não será o grupo dos mais ricos, porém o segundo grupo mais desprivilegiado: os

últimos que foram aprovados. Os grupos com mais recursos provavelmente irão

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ocupar as primeiras posições e não serão afetados57.

E, por último, há ainda a questão que foi colocada no

primeiro capítulo: só podem figurar no pólo ativo da demanda (só podem receber

as cotas) aqueles que de fato sofreram preconceitos, o que nem sempre irá

acontecer. Muitos que irão se beneficiar com as cotas talvez nunca tenham

sofrido qualquer tipo de preconceito ou podem até ter sofrido, porém menos que

outros que não irão se beneficiar. No mesmo sentido, só poderia fazer parte da

demanda no seu pólo passivo aqueles que praticaram a discriminação e

provavelmente muito daqueles indivíduos que serão prejudicados com as cotas

nunca tenham tido qualquer conduta preconceituosa.

Agora, ao se considerar a igualdade também pelo âmbito do

reconhecimento social, as cotas adquirem outra dimensão, pois neste caso, a

aflição entre um branco pobre e um negro pobre não é exatamente a mesma. Ela

é a mesma ao se considerar o sofrimento causado pela disposição a bens e

recursos, porém a do negro pobre seria maior pelo adicional da marginalização

sofrida em virtude do preconceito racial. Neste passo, Hélio Santos58 traz um

exemplo interessante em sua entrevista à revista “Caro Amigos”. Ele diz que um

branco pobre provavelmente irá ter mais facilidade para conseguir um emprego

na padaria da esquina do que um negro pobre. E, pode-se complementar esse

raciocínio dizendo que provavelmente um branco rico vá conseguir subir mais

facilmente dentro de uma multinacional do que um negro rico. Em síntese, o fator

raça é também causa de aflição, para além da disposição a bens e recursos. Só

assim então se justificam as cotas, com vista a afirmar uma raça socialmente e

pôr fim ao preconceito.

As cotas, nessa esteira, não visam beneficiar alguns

indivíduos no âmbito de seus direitos particulares. Na verdade elas têm por intuito

ascender todo um grupo étnico na sociedade. Logicamente que apenas alguns

indivíduos são beneficiados diretamente - apenas os negros contemplados com

57 MESQUITA, Nuno Coimbra. Cotas, educação e justiça. Impulso: revista de ciências sociais

e humanas, Piracicaba, v. 16, n. 30, p. 107-116, mai-ago. 2005. 58 Caros amigos, São Paulo, v. 6, n. 69. p. 31-37, dez. 2002.

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as cotas -, porém os outros indivíduos do mesmo grupo também são beneficiados

indiretamente, pois à medida que alguns negros consigam ocupar cargos

importantes na sociedade e pouco a pouco a cultura negra vá se inserindo nos

centros de poder nos meios sociais, os outros negros não contemplados

diretamente pelas cotas acabam também se beneficiando uma vez que o

preconceito como um todo vai diminuindo. É a igualdade sob o ponto de vista

comunitarista, da afirmação dos diversos grupos numa sociedade multicultural.

Em epítome, não se aplica as cotas em reconhecimento

àqueles indivíduos negros, pobres e vítimas de preconceito (nem se sabe se eles

sofreram mesmo algum preconceito) que irão ser escolhidos para preencher a

reserva de cotas, aplica-se porque se sabe que o preconceito está impregnado

nos meios sociais e o benefício comum para toda sociedade com a aplicação das

cotas é a diminuição desse preconceito visando à paz social. A sua amplitude é

tão maior ao ponto de se poder dizer que as cotas são também aplicadas em

benefício inclusive dos brancos ricos, já que a extinção do preconceito racial é de

benefício para todos.

Por fim, há mais um ponto que não poderia ser passado sem

discuti-lo. As cotas têm por objetivo último extinguir o preconceito racial.

Entretanto, e se elas ganhassem justamente a outra direção: se ao invés delas

conscientizarem a população de uma maior tolerância racial, acirrassem ainda

mais as avenças entre os diferentes grupos raciais?

Muitos dos que argumentam em desfavor das cotas expõem

justamente este ponto de vista: a de que os malefícios sociais a serem causados

pelo reconhecimento oficial (do Estado) de diferentes raças poderiam ser

desastrosos. Partem da idéia de que é um tema extremamente perigoso a ser

deixado nas mãos do Estado, pois em outros contextos históricos o critério raça

foi usado posteriormente para a supressão de algumas delas em prol de outras. O

sociólogo Demérito Magnoli59, em entrevista à revista “Veja”, ressalva que as

políticas raciais pretendem, na verdade, que seus promotores possam erguer-se

como lideranças políticas no futuro e chega mesmo a afirmar que “querem criar

59 Veja, ano 42, n. 35, p. 88-93, 02 de setembro de 2009.

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um racismo de massas” no Brasil. Na mesma reportagem, argumenta-se ainda

que o critério raça devesse ser superado e extinguido, já que não existem raças

do ponto de vista genético. Cita-se, como exemplo, que dois negros podem ser

geneticamente mais distintos entre si do que a diferença genética constatada

entre um negro e um branco, de maneira que o Estado passar a classificar as

pessoas em raças seria ao mesmo tempo um perigo e um retrocesso.

Não se nega (até por ser um tema fora do alcance das

Ciências Sociais) que geneticamente falando a distinção entre dois negros possa

ser menor do que entre um negro e um branco e nem se discorda que ao se

considerar essa possibilidade realmente o critério raça simplesmente não existe,

pois se não há como fazer distinções genéticas ao ponto de se definir um padrão

para o que seria cada raça, seria impossível de existir qualquer classificação das

pessoas em raças: como haveria de se classificar as pessoas nessa ou naquela

raça sabendo que duas pessoas classificadas numa mesma raça podem ser mais

distintas geneticamente do que duas pessoas classificadas em raças diferentes?

No mesmo sentido, entende-se também que pode até haver

líderes de movimentos negros que estejam a se aproveitar de ações afirmativas

para se fortalecerem politicamente bem como que o critério raça possa adquirir

em algum momento conotação política. Entretanto, com a devida vênia ao

Sociólogo e à reportagem da Veja, há algumas questões a serem consideradas

sucintamente a essas objeções.

O primeiro ponto é que embora possa argumentar-se que

não existem raças no que concerne à genética, não há como defender que elas

não se evidenciam socialmente60. Os judeus discriminados durante o nazismo ou

a escravidão brasileira não se deram com base em elementos da genética de

cada indivíduo, existiram simplesmente como expressão de fatores sociais. O

racismo é, portanto, fato do mundo dos homens, da sociedade, da política, e não

da Biologia. Quando um pai não quer que sua filha se case um negro, não o faz

porque conhece o DNA dele, ele o faz pela cor da pele, pelo estigma de uma

60 KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira, necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa dos negros nos Estados Unidos da América e no Brasil. 1997. p. 239.

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expressão cultural que este negro traz consigo.

Por conseguinte, parece constar não querer se reconhecer

que o racismo está explícito nos meios sociais como resultado cultural. E, o

Estado ignorar a realidade flagrada com o falso argumento ideológico de que as

pessoas não devem ser classificadas, pois formamos uma unidade no seio do

espaço social, enquanto que as diferenças já foram simbolicamente construídas

ao longo da História, não seria a medida cabível para se eliminar de uma vez por

todas o preconceito racial61. É importante dizer que diferentemente da

classificação das pessoas em raças com vista a estabelecer estamentos étnicos

ou raciais, com base em pretensões de superioridade e inferioridade, as ações

afirmativas diferenciam as pessoas, classificando-as neste ou naquele grupo, com

o fim último de buscar a igualdade, de garantir que todos os grupos sejam

respeitados e possuam direitos e deveres em igualdade real. É uma situação bem

diferente, destarte.

A outra questão colocada era de que há líderes de

movimentos negros que estão se aproveitando das políticas de ações afirmativas

para se reforçarem politicamente e que isso pode representar no futuro um risco

de se descambar para um racismo de massas, inclusive, de modo a ameaçar o

estado de direito. O assunto trata da estabilidade, portanto, um tema bastante rico

na Ciência Política e que seria impossível de refleti-lo adequadamente neste

trabalho. No entanto, algumas palavras merecem ser ditas já que adentra a esfera

das ações afirmativas.

O fato é que a possibilidade de que haja líderes de

movimentos negros que possam se aproveitar das ações afirmativas para atingir

fins políticos particulares e de que o tema raça seja politizado, isso não constitui

um aspecto ruim em si e nem ameaça o estado de direito, pelo menos em

consonância com o que se propõe as ações afirmativas.

61 BISOL, Jairo. Dogma e dogmatismo. As ideologias e a filosofia. Direito: positivismo e

jusnaturalismo. Nova ciência antidogmática do direito. (Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos da Nova Escola Jurídica Brasileira – NAIR), Brasília, p. 17 – 19.

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Segundo Luigi Ferrajoli62, o que embasou os Estados

totalitários e ditatoriais na História foram as concepções de Estado definidos em

uma ética a priori: a política que resultou nos regimes antiliberais foram aquelas

que se desenvolveram partindo de uma ética a ser imposta a todos, na qual o

indivíduo e suas garantias eram menos importantes do que o interesse coletivo,

isto é, um modelo de sociedade consubstanciado numa concepção de virtude

anterior e que deveria ser submetida forçadamente às pessoas.

Nessa vereda, Norberto Bobbio63 adverte que a inovação

trazida pela formação dos Estados modernos foi justamente a possibilidade da

pluralidade de culturas e pensamentos e da liberdade individual garantida pelas

limitações do Estado; ou seja, na inversão de um modelo de Estado organicista,

na qual os indivíduos eram vistos de maneira unitária e indivisível, e, o Estado

personificado em ser aquele que deveria impor o modelo de vida adequado, para

um modelo liberal-individualista, em que cada indivíduo é responsável pelo seu

modo de viver consoante seus próprios valores, sem que nenhuma virtude lhe

seja imposta de cima para baixo. O Estado limita-se, nesse aspecto, apenas em

garantir a coexistência pacífica entre as pessoas e coage tão-somente diante

daquelas condutas não condizentes com a possibilidade de um convívio

harmonioso.

Agora, retornando à questão das cotas, elas não se

coadunam com uma virtude a priori a ser imposta, pois somente se o elemento

raça fosse utilizado com base em pretensões de superioridade de uma raça em

prol de outra, de maneira que a raça considerada inferior devesse ser suprimida

ou restringida em direitos, como foi feito no caso do nazismo, da escravidão

brasileira e em muitas outras situações, é que se estaria a formular uma

concepção de moralidade anterior a criação do Estado, a dar um fim último à sua

própria razão de ser. E, inclusive, a vislumbrar novamente uma concepção

metajurídica de Direito, na qual de um “ser” (a diferença da cor da pele das

62 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p.705-708.

63 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 4.

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pessoas) geraria um “dever ser” dogmático (a raça superior deve prevalecer sobre

a inferior). A doutrina nazista partia justamente da desumanização dos judeus e o

mesmo aconteceu com os negros e índios no Brasil, por exemplo.

A moralidade a priori se faz presente, destarte, somente

quando o elemento raça é utilizado com base em pretensões de superioridade e

inferioridade, pois o simples fato de coexistirem negros e brancos no mesmo

ambiente social não traz prejuízo nenhum a cada pessoa dentro de sua

individualidade por si só: a cor da pele do próximo não causa nenhuma aflição à

liberdade do outro, de modo que a formulação de que uma raça deva ser extinta

como parte dos fins último do Estado surge com base na moralidade de alguns (a

de que uma raça é superior à outra) que querem impor aos demais a sua vontade

(extinguir ou limitar a raça inferior). A moralidade criada aqui, invade a esfera de

liberdade daqueles que pertencem à raça a ser excluída. A concepção do que é

correto por parte de alguns, então, impõe restrições sobre o espaço de liberdade

de outros, sem que a simples existência destes traga qualquer prejuízo àqueles

que querem impor seus valores morais.

Por outro lado, as ações afirmativas não se inserem no

vislumbrado, pois elas possuem uma concepção liberal64 em sua origem: elas não

vêm para sobrepor uma raça sobre a outra e nem partem de uma concepção a

priori de que uma raça é superior enquanto outras são inferiores, pelo contrário,

são implementadas para buscar a igualdade entre as raças e afirmarem

justamente que todas elas merecem a mesma consideração independentemente

de suas formas de ser. O que se busca não é suprimir a raça branca ou desfazer

sua cultura, mas tão-somente afirmar a cultura negra nos meios sociais. É por

isso, inclusive, que as ações afirmativas devem ser temporárias, pois servem até

o momento em que a igualdade é atingida.

Em suma, o que fez com que o elemento raça tenha servido

à formação de Estados totalitários e ditatoriais foi a moralidade instituída

percussora dos fins últimos do Estado criado. O Estado era criado com

determinados fins e, entre esses fins, estava a formulação de que uma raça era

64 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2005. p. 293-294.

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superior à outra e que por isso a raça inferior deveria ser extinta ou restringida.

Diferentemente da concepção liberal em que o Estado não possui fim moral

nenhum a ser imposto às pessoas, não há nenhum modelo correto de vida pré-

determinado. O Estado simplesmente é visto como um mal necessário e que

serve para se garantir a liberdade e a igualdade. Assim, as ações afirmativas

enquanto não passarem de um meio na qual sirvam à afirmação da liberdade e da

igualdade não representam perigo nenhum ao estado de direito. Em outras

palavras, a garantia do estado de direito está nas restrições às próprias ações

afirmativas, ou seja, na medida em que elas percam a sua finalidade consoante o

que prescreve um estado de direito, elas também se tornam ilegítimas e devem

ser combatidas com todos os meios possíveis, como qualquer outro tipo de

política que ponha em iminência a desconstrução das liberdades adquiridas.

Claro que se pode objetar que garantir a liberdade e a

igualdade conforme a formulação de um estado de direito já é também uma

formulação a priori, no entanto, como diz Ferrajoli65, defende-se essa formulação

de Estado porque ela não impõe ao próximo nenhum modelo correto de vida:

cada qual vive como bem entender desde que suas condutas não interfiram no

espaço de liberdade de outrem.

Por último, quanto ao fato de que o termo raça adquira

conotação política, isso não é um mal em si desde que se utilize a idéia de raça

consoante um visão liberal, isto é, que não seja embasada em pretensões de

superioridade de uma raça face à outra, mas tão-somente apareça no cenário

político por seus representantes em defesa da afirmação de uma determinada

cultura ou dos direitos do grupo racial respectivo. Nesse sentido, o termo raça não

seria diferente de outras representações tão comuns numa sociedade plural,

como por exemplo, os representantes dos trabalhadores, dos sem-terras, dos

interesses das multinacionais ou dos pequenos empresários, dos homossexuais e

assim por diante. Aliás, esse embate social66 entre os diversos interesses no seio

65 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2002. P. 745. 66 CONGRESSO SOBRE DIREITOS HUMANOS (2006: Brasília). CHAUÍ, Marilena. Direitos

Humanos e Educação. p. 1-14.

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de uma sociedade plural, na qual também se vislumbra ressonância na

representação política, desde que respeitado os limites impostos pelo estado de

direito, só tem a enriquecer a democracia.

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CAPÍTULO 3

ANÁLISE JURÍDICA DAS COTAS ESTUDANTIS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

3.1 DA IGUALDADE FORMAL À MATERIAL

As ações afirmativas estão intimamente vinculadas ao

princípio da igualdade, de maneira que qualquer investigação acerca de sua

possibilidade jurídica há de se iniciar, inevitavelmente, por uma análise do

princípio da igualdade. Até porque foi sempre calcada na restrição deste princípio

a justificativa que tem se dado às ações afirmativas.

Considerando isso, o primeiro objeto a ser investigado é o

de reconhecer a origem jurídica do princípio da igualdade e suas transformações

no decorrer da História, o que nos remete às Revoluções Burguesas ocorridas no

final da Idade Moderna. Porque embora já houvesse no mundo Antigo uma

preocupação sobre a importância da igualdade como ideal de justiça, como nas

obras de diversos pensadores, tais como Sólon, Péricles, Platão, Aristóteles,

Cícero, Sêneca, entre outros, foi somente com a passagem da Idade Moderna

para a Idade Contemporânea que o princípio da igualdade, juntamente com

outros direitos considerados partes do rol dos Direitos Humanos, pôde ser

reconhecido juridicamente67.

Como afirma Bobbio68, foi somente com as Revoluções

Burguesas, com destaque para as experiências inglesa, francesa e americana,

que se deu o início do reconhecimento jurídico dos direitos humanos e, por

conseguinte, da formalização do princípio da igualdade; tendo sido consagrado

67 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas

raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. p. 15. 68 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1996. p. 4.

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pela primeira vez em 1776, quando da edição do Virgínia Bill of Rights, e

posteriormente plasmado na Déclaration des Droits de L’Homme et du Citoyen, de

178969. A nova roupagem política formada após as Revoluções foi o marco de

uma nova concepção do homem frente ao Estado, concepção que tinha na sua

base justamente a igualdade jurídica dos homens.

Foi com as Revoluções Burguesas, portanto, que o princípio

da igualdade adquiriu pela primeira vez um status jurídico e apareceu plasmado

em textos legais. E é provável que dado sua importância e ligação com os ideais

de justiça e da persecução do princípio da dignidade humana, muito dificilmente

hoje se encontrará qualquer Constituição que não vislumbre tal dispositivo.

No entanto, vale a ressalva de que assim como os direitos

humanos não são estáticos, também o princípio da igualdade passou por diversas

acepções.

Inicialmente, era encarado de forma absoluta, no sentido de

que todos os indivíduos deveriam receber o mesmo tratamento por parte do

Estado e estarem submetidos às mesmas regras. As normas tinham sempre um

caráter genérico e abstrato, sem considerar as diferenças entre as posições

sociais dos indivíduos. O princípio visava apenas proibir privilégios de nascença,

típicos da sociedade estamental do período anterior, porém, as diferenças, que

são frutos das próprias relações sociais, não eram reconhecidas conforme esta

acepção do princípio da igualdade. Aliás, era justamente a desconsideração das

leis pelas diferentes posições dos indivíduos numa sociedade heterogênea que

mantinha ou gerava grandes desigualdades70.

Consubstanciado na idéia da prevalência da lei (só há

Direito onde haja norma) e coincidente com aquele momento liberal (o Estado

tratava apenas de questões ligadas à soberania), o princípio da igualdade

acabava por ter, então, um sentido apenas formal. A separação entre Estado e

sociedade, isto é, a abstenção do Estado em regular as relações entre

69 PINTO, Maria da Glória Ferreira. Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou Fórmula “Carregada” de Sentido? Boletim do Ministério da Justiça, Portugal, n. 358. jul. 1986. p. 20.

70 PINTO, Maria da Glória Ferreira. Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou Fórmula “Carregada” de Sentido? 1986. p. 26-27.

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particulares permitia que diversos tipos de preconceitos ainda pudessem ser

admitidos no seio da sociedade, apesar da igualdade de todos perante a lei.

Inclusive, este período – que foi o período imediatamente

pós-Revoluções, ou seja, o período liberal – foi justamente maculado pelas

grandes desigualdades sociais decorrentes dessa interpretação literal do princípio

da igualdade. Era justamente essa limitação do princípio de apenas vedar que o

Estado privilegiasse algum grupo social sem levar em conta as diferenças reais

entre os privados que consentia que aqueles que estivessem nas posições mais

privilegiadas economicamente pudessem explorar os de condições inferiores. Em

suma, a igualdade formal camuflava a desigualdade e era conivente com os

preconceitos enraizados na sociedade.

Mas posteriormente reconheceu-se que não era bem

verdade que todos competiam e relacionavam-se dentro das mesmas

oportunidades. Muito pelo contrário, as diferenças sociais dos indivíduos eram

nítidas, sendo que era justamente a abstenção por parte do Estado nas relações

entre particulares que permitia as grandes desigualdades, de modo que surgiu a

necessidade de uma maior intervenção do Estado, no sentido de compensar os

mais fragilizados dessas relações. Eis que surge, então, o chamado Estado

Providência, já que agora o Estado passava a atuar como provedor direto de

diversos bens e serviços à população71.

Não obstante essa nova função estatal de corrigir as

anomalias sociais, quanto ao princípio da igualdade, o único avanço foi o do

reconhecimento das diferenças entre os indivíduos, da consideração de cada

cidadão conforme a sua posição relativa na sociedade. No entanto, o princípio

continuava a ter uma perspectiva predominantemente formal, já que sua atuação

como mecanismo de conformação social era muito limitada posto que não

permitia discriminações no seio da própria lei.

A possibilidade de igualdade estava vinculada ao Estado

Social que se formava, não cabendo ao princípio da igualdade, através de sua

interpretação, regular os desequilíbrios causados pelas relações econômicas de

forma mais direta. O Estado atuava apenas através dos mecanismos mais

71 PINTO, Maria da Glória Ferreira. Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou Fórmula

“Carregada” de Sentido? 1986. p. 30.

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tradicionais, como as leis trabalhistas e da seguridade social, por exemplo, mas

não conseguia vencer aqueles preconceitos mais sutis, como as questões de

exclusão relacionadas à origem étnica, racial e de gênero72.

Como se nota, embora o princípio tivesse um alcance maior

que no seu estágio absoluto, já que havia uma iniciativa do Estado de compensar

com serviços os descompassos sociais, ainda assim, prevalecia uma concepção

predominantemente formal.

Surgiu, então, a necessidade do alargamento do princípio

para a possibilidade de certas discriminações, de maneira pela qual as diferenças

fossem levadas em consideração no seio da própria lei. Desse modo, passou a

vigorar a idéia de que somente ao se tratar os iguais como iguais e os desiguais

como desiguais seria possível superar os desequilíbrios sociais e chegar-se a

uma igualdade material73.

Foi com a constatação do pluralismo existente nas

sociedades, seja ele decorrente das diferentes características naturais entre as

pessoas, seja pela natureza classista e muitas vezes marginalista do sistema

capitalista, que se imputou ao princípio da igualdade uma aplicabilidade mais

próxima da realidade. Agora, sendo possível – embora não de forma pacífica –

certas discriminações no próprio conteúdo da norma. É no sentido do princípio da

igualdade sob um âmbito material, portanto, que surge uma nova dimensão do

seu alcance, a das chamadas ações afirmativas.

E, as ações afirmativas, nada mais são do que um meio para

a efetivação do princípio da igualdade quando interpretado no seu sentido

material. Ou seja, elas se caracterizam pelo reconhecimento das diferenças entre

as pessoas, devendo ser essas diferenças respeitadas e garantidas, e, também,

pela admissão das desigualdades sociais entre as pessoas, sendo que tais

desigualdades devem ser removidas no sentido de se atingir uma igualdade

substancial: as diferenças devem ser afirmadas e as desigualdades suprimidas74.

72 PINTO, Maria da Glória Ferreira. Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou Fórmula

“Carregada” de Sentido? 1986. p. 32-33. 73 PINTO, Maria da Glória Ferreira. Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou Fórmula

“Carregada” de Sentido? 1986. p. 35. 74 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2002, p. 726-727.

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Por outro enfoque, essa nova dimensão do princípio da

igualdade não veio sem controvérsias, pois é justamente pela especificidade das

distinções agora possíveis onde residem as grandes dificuldades. Não se trata

somente de compreender que é necessário o tratamento igual aos iguais e

desigual aos desiguais para que se atinja a igualdade material, a dificuldade está

também em saber até onde podem ir tais discriminações e quais os seus

parâmetros valorativos. Em outras palavras, faz necessário detalhar mais o que

princípio da igualdade, afinal, permite ou não.

3.2 DA FLEXIBILIDADE DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Como fora constatado, as ações afirmativas implicam em

discriminações legais, mormente quando nelas se utilizam discriminações

positivas. Assim, para que se chegue a alguma conclusão acerca do assunto é

necessários antes estabelecer quais os tipos de diferenciações nos conteúdos da

lei o princípio da igualdade permite.

E, para analisar se uma lei é condizente ou não com o

princípio da igualdade, há dois aspectos da lei que devem ser considerados e

relacionados entre si: a possibilidade ou não de repetição do evento regulado em

lei e a individualização ou não do destinatário no momento da edição da lei75.

Quanto à possibilidade ou não de repetição do evento

regulado em lei, está se ponderando se a situação descrita na norma (sua

hipótese de incidência) pode se repetir constantemente ou não. Por exemplo: uma

norma que estabelecesse a cobrança de uma taxa para se poder trafegar com

automóvel numa determinada estrada seria um tipo de lei em que a conduta que

dá ensejo à aplicação concreta da norma tem por característica a sua

repetibilidade, já que a hipótese de incidência acontecerá sempre que alguém

75 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 3.ed.

São Paulo: Malheiros Editores. 2002. p. 23-35.

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quiser dirigir na estrada na qual se está cobrando o pedágio. Em outras palavras,

o evento poderia se repetir constantemente76.

Diferente seria, de outra face, uma norma que destinasse

um prêmio ao vencedor de determinado concurso realizado na cidade de Itajaí,

numa data específica e sob condições pré-fixadas: a hipótese de incidência nesse

caso não poderia acontecer duas vezes, pois a norma que declara a concessão

do prêmio estabeleceu que ele somente seja dado naquela situação específica e

na qual a repetibilidade do evento é impossível de acontecer. Não haveria outro

concurso na cidade de Itajaí, na mesma data e com as mesmas regras, o que faz

com que a hipótese de incidência só pudesse acontecer uma única vez77.

Assim, há dois tipos de normas quanto à repetibilidade do

evento regulado em lei: as normas abstratas, que abarcam situações

reproduzíveis, e, as normas concretas, que abarcam situações já de antemão e

definitivamente postas e, portanto, não reproduzíveis78.

Já no que se refere à individualização ou não do destinatário

no momento da edição da lei, há também duas situações possíveis. A primeira

espécie de norma é aquela que individualiza o seu destinatário, isto é, quando o

destinatário é reconhecível (ou os destinatários são reconhecíveis)79. Por

exemplo: uma norma que estabelecesse um regime previdenciário especial ao

Presidente Lula estaria destinada a somente uma pessoa específica, dando

preferência a ela em prol dos demais sem uma razão plausível. Logicamente,

esse tipo de norma é vedado pelo princípio da igualdade, pois a norma é

estabelecida para uma pessoa específica (ou algumas pessoas específicas) e

serve para que se implante privilégios ou para que se prejudique alguém (ou

algumas pessoas) em especial.

76 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p.

27-28. 77 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p.

26. 78 SELL, Sandro Cesar. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no

Brasil. 2002. p. 45. 79 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p.

24.

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56

Encaixa-se nessa primeira situação também quando a

norma não define diretamente o(s) destinatário(s), porém aponta características

dele(s) de maneira tão detalhada que na prática se sabe que a norma foi prescrita

visando uma pessoa em particular (ou algumas pessoas)80. Um exemplo dessa

situação seria se uma norma estabelecesse um regime previdenciário especial a

todo presidente que tivesse trabalhado como metalúrgico anteriormente à sua

eleição e fosse reeleito. Nesse caso, a norma não se destinaria somente ao

Presidente Lula, outra pessoa poderia satisfazer os requisitos apontados, todavia,

a chance disso acontecer seria muito pequena, o que faz com que se presuma

que a norma foi emitida, na verdade, visando uma única pessoa, o Presidente

Lula.

Por outro lado, há situações em que a norma possui apenas

um único destinatário e ao mesmo tempo é legítima conforme o princípio da

igualdade81. Seria o caso, por exemplo, de uma lei que concedesse um título de

honra ao mérito a quem escrevesse o melhor livro de literatura no ano de 2009. A

legitimidade da lei se concretizaria aqui em razão de que o beneficiário da norma

não é pré-estabelecido, mas pelo contrário, ele é indeterminado, já que não se

sabe quem escreverá o melhor livro de literatura em 2009, podendo qualquer um

disputar o título. Nesse caso, portanto, a lei não foi promulgada visando uma

pessoa em especial (ou algumas pessoas), mas apenas com a finalidade de

incentivar à prática da literatura no País por meio de recompensas.

A segunda situação quanto à individualização ou não do

destinatário no momento da edição da norma seria quando a norma é genérica o

suficiente para que um número indeterminado de pessoas possa se encaixar no

que ela prevê, em oposição à norma na qual o seu destinatário é reconhecível (ou

seus destinatários são reconhecíveis)82. Por exemplo, uma norma que previsse

um direito a qualquer trabalhador assalariado e celetista. Nessa situação, a norma

80 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002.

p.25. 81 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p.

25-26. 82 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p.

26.

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57

visaria um grupo de pessoas indeterminado e não a um destinatário reconhecível

(ou alguns destinatários reconhecíveis), pois qualquer pessoa pode um dia vir a

ser um trabalhador assalariado e celetista, pelo menos em teoria. E mesmo que

houvesse alguém que nunca pudesse se encaixar na situação descrita, ainda

assim, a norma estaria abrindo espaço para um número indeterminado de

pessoas.

Em suma, relativamente à individualização ou não do

destinatário no momento da edição da lei, existem três classificações possíveis

para a norma: ou ela é geral, quando abrange em seu comando uma classe de

sujeitos na qual é impossível determiná-los, ou é individual, em que tem por

destinatário uma única pessoa reconhecível (ou um grupo de pessoas

reconhecíveis). Ou ainda, a norma é de individualização abstrata, quando o futuro

beneficiário é somente uma pessoa (ou algumas pessoas), porém essa mesma

pessoa destinatária da norma (ou essas pessoas destinatárias da norma) é

indeterminável (ou são indetermináveis), dado a irrepetibilidade da hipótese de

incidência regulado pela lei83.

Desse modo, pode-se sintetizar o que foi dito até agora para

o fim de avaliar se determinada lei é constitucional ou não do ponto de vista do

seu respeito ao princípio da igualdade da seguinte forma:

1. Possibilidade de repetição do evento regulado em lei e

indeterminação do(s) destinatário(s) no momento da

edição da lei: constitucional;

2. Possibilidade de repetição do evento regulado em lei e

determinação do(s) destinatário(s) no momento da

edição da lei: inconstitucional;

3. Impossibilidade de repetição do evento regulado em lei e

indeterminação do(s) destinatário(s) no momento da

edição da lei: constitucional;

83 SELL, Sandro Cesar. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no

Brasil. 2002. p. 45-46.

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4. Impossibilidade de repetição do evento regulado em lei e

determinação do(s) destinatário(s) no momento da

edição da lei: inconstitucional;

Assim sendo, não parece haver obstáculos maiores quanto a

uma lei que estabelecesse reserva de vagas a cidadãos negros nas

universidades, pois embora se saiba que um branco jamais seria abarcado por

uma norma dessa natureza, ela se faz legítima - pelo menos neste ponto em que

se está discutindo – porque estaria destinada a um grupo de pessoas na qual não

há como saber quais serão exatamente os sujeitos a serem beneficiados pela

norma. Ou seja, a lei teria a característica de “possibilidade de repetição do

evento regulado em lei” e “indeterminação do(s) destinatário(s) no momento da

edição da lei”, o que faria com que ela fosse considerada constitucional nesse

aspecto.

Mas além disso, para que uma lei seja considerada

constitucional relativamente ao princípio da igualdade, não é suficiente avaliá-la

apenas sob o aspecto da “possibilidade ou não de repetição do evento regulado

em lei” e da “individualização ou não do destinatário no momento da edição da

lei”. Faz-se importante também que as discriminações acolhidas na lei sejam

condizentes com as diferenças antes constatadas na sociedade; que corrijam, de

maneira efetiva, as desigualdades constatadas a fim de estabelecer uma

igualdade real84.

E há ainda que se balizar essas diferenciações

estabelecidas na lei com outros interesses garantidos constitucionalmente, já que

toda diferenciação no seio da lei implica também numa restrição ao princípio da

igualdade85. Assim, para que uma ação afirmativa seja posta em prática, seus

objetivos finais devem compensar essa restrição à igualdade, ou seja, o fim de

uma ação afirmativa deve estar em consonância com um bem também tutelado

84 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p. 21.

85 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p. 22.

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pela Constituição, para que se possa justificar uma restrição à igualdade. Pois,

como se sabe, em muitos casos a ampliação dos direitos de alguns impõe

restrições aos direitos de outros ou que a atenção maior a um bem

constitucionalmente garantido faça com que outro bem também

constitucionalmente garantido seja menos considerado. Por isso, o ideal é sempre

encontrar um equilíbrio entre os diversos institutos, sendo que esse equilíbrio

deve ser balizado quando da efetivação de uma determinada ação afirmativa.

Para tanto, um dos princípios que servirá a essa ponderação

entre os diversos institutos protegidos constitucionalmente e suas antinomias

decorrentes será o princípio da proporcionalidade, na qual se constituirá na

próxima etapa a ser avaliada quanto à permissão ou não de nossa Constituição

às cotas raciais para negros nas universidades brasileiras.

3.3 DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Conforme já colocado, a aplicação prática do princípio da

igualdade material não se confunde com o puro subjetivismo, pois, ainda que a

efetivação da igualdade prescinda de certa valoração, há determinados critérios

limitantes que devem ser obedecidos, como o da proporcionalidade da conduta. O

princípio da proporcionalidade atua, portanto, como um procedimento mais seguro

na qual se pode restringir ou até mesmo dar preferência a um (ou mais de um)

direito fundamental em prol de outro (ou outros) sem afrontar à ordem jurídica.

Segundo Joaquim Gomes Canotilho86, esse procedimento

requerido pelo princípio da proporcionalidade obedece a três subprincípios: a

adequação, a necessidade ou exigibilidade e a proporcionalidade stricto sensu.

O subprincípio da adequação é o ato de verificar se

determinada medida está em conformidade com o seu fim, isto é, se irá resolver

86 CANOTILHO, J. J Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5º Ed. Coimbra:

Editora Almedina. 2002. p. 269-270.

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um problema constatado na sociedade87. Assim, para o caso de uma ação

afirmativa, pondera-se se ela iria igualar de fato uma determinada desigualdade

encontrada na sociedade. Por exemplo, seria o caso de avaliar se as cotas raciais

para negros nas universidades brasileiras iriam mesmo ajudar ou não a diminuir

as diferenças sociais entre negros e brancos na sociedade e estabelecer uma

harmonia maior entre as diferentes raças.

Já o subprincípio da necessidade ou exigibilidade avalia se a

conduta considerada “adequada”, dentre todas as outras opções que também

resolveriam o problema, e, portanto, também fossem consideradas “adequadas”,

é a que causaria menos dano a terceiros. Parte de raciocínio lógico de que uma

ação que solucione um problema e ao mesmo tempo invade de maneira menos

intensa nos direitos de outros cidadãos, ou traga menos prejuízos sociais, é a

melhor alternativa. Assim, ao percorrer este subprincípio é necessário visualizar

todas as medidas “adequadas” e depois escolher a que traria menos prejuízos à

sociedade88. Seria o caso então de se averiguar se não haveria outros modos de

se diminuir as diferenças sociais entre negros e brancos e se combater o

preconceito racial no País sem que houvesse a necessidade de se aplicar as

cotas; que se encontrassem outras políticas públicas menos incisivas na esfera

dos direitos privados e também que fossem menos polêmicas. O último subprincípio, o da proporcionalidade stricto sensu,

seria comparar os benefícios trazidos ao grupo alvo da ação afirmativa com os

malefícios que tal medida iria ocasionar a terceiros, no intuito de reconhecer qual

seria a opção mais coerente com os valores encontrados na ordem jurídica

vigente. O princípio da proporcionalidade stricto sensu é, destarte, um “juízo de

ponderação” entre meios e fins: ele avalia se os ganhos adquiridos com a

aplicação da ação afirmativa são maiores do que as perdas advindas dela e

desse modo tenta se chegar a uma conclusão se compensa ou não aplicar a ação

afirmativa no caso em concreto89. Para o caso das cotas, haveria de se balizar se

87 CANOTILHO, J. J Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2002. p. 269-

270. 88 CANOTILHO, J. J Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2002. p. 270. 89 CANOTILHO, J. J Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2002. p. 270.

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a reserva de vagas nas universidades brasileiras a cidadãos negros iria trazer

mais benefícios à sociedade do que malefícios.

Consoante Joaquim Gomes Canotilho, portanto, seriam

essas as três etapas requeridas pelo princípio da proporcionalidade a fim de se

justificar se uma determinada política pública pode ser posta em prática ou não.

Nesses termos, no caso das cotas, como se trata de uma política pública que

restringe o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade serviria como

uma espécie de filtro para que se faça um juízo mais coerente contrabalançando

a igualdade final pretendida em relação à diferenciação necessária imposta na lei,

bem como cotejar a ação afirmativa em face de outros princípios constitucionais.

Ora, como se nota, toda essa verificação só poderia ser feita

num caso em concreto, pegando os dados objetivos constatados na sociedade e

deles avaliando se determinada ação afirmativa seria viável de ser posta em

prática ou não. Haveria, então, de se flagrar uma desigualdade social, e, a partir

dela, definir suas causas, a melhor maneira de combatê-la, a ação afirmativa ideal

para saná-la, etc. Em outras palavras, a aplicação prática de uma ação afirmativa

qualquer, bem como a discussão acerca da pertinência de se aplicarem cotas

raciais para negros nas universidades brasileiras, dependem, sobretudo, da

determinação de meio e fins, que, por sua vez, pressupõe um juízo político da

questão90, em que todos aqueles pontos referidos nos capítulo primeiro e

segundo, bem como outras questões que pudessem suscitar, deverão ser

discutidos.

Por isso também que este trabalho se limitou a fazer uma

avaliação teórica do assunto, pois um juízo num caso prático dependeria dos

dados constatados na sociedade detalhadamente. Conforme essa acepção,

portanto, as cotas poderiam ser legítimas e viáveis na Universidade Federal de

Santa Catarina, por exemplo, porém ilegítimas ou inviáveis de serem aplicadas na

Universidade Federal do Paraná. Tudo dependeria de uma avaliação no caso em

concreto.

90 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros

Editores. 2005. p. 421.

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Além disso, é provável que muitos casos práticos fiquem

ainda numa “zona cinzenta”, em que alguns poderiam dizer que as cotas são

legítimas e viáveis, enquanto outros diriam exatamente o contrário. Por exemplo,

numa situação hipotética alguém poderia achar que diante do princípio da

proporcionalidade as cotas atenderiam às três etapas requeridas pelo princípio da

proporcionalidade, enquanto outros poderiam achar que não, que de repente as

cotas não atenderiam ao “subprincípio da necessidade ou exigibilidade”, por

exemplo, alegando que outras políticas públicas pudessem chegar ao mesmo

resultado pretendido pela ação afirmativa em questão de maneira menos maléfica

à sociedade. Assim sendo, a aplicação prática de uma ação afirmativa repousa

em certa dose de subjetivismo, daí de ter se afirmado anteriormente que os

posicionamentos a favor e contra as cotas numa situação prática quase sempre

vêm de uma posição política anterior e, por conseguinte, moral, de quem as

avalia, tema na qual Ronald Dworkin91 trata no seu livro “Uma questão de

princípio”.

De qualquer maneira, mesmo considerando que certa dose

de politização esteja quase sempre presente diante do tema, pois sempre haverá

casos em que tanto uma posição a favor como uma posição contrária às cotas

são argumentáveis do ponto de vista de sua constitucionalidade, ainda assim, os

limites constitucionais à flexibilidade do princípio da igualdade, bem como as

etapas de justificação exigidas pelo princípio da proporcionalidade, fazem com

que esse espaço de arbitrariedade seja diminuído e, por sua vez, condizente com

o que prescreve um estado de direito.

A essa altura do trabalho, já fica evidente que há um

posicionamento genérico a favor da possibilidade jurídica da aplicação das cotas,

ou seja, que embora a legitimidade delas dependa do caso em concreto, há por

parte da Ordem Jurídica brasileira espaço para a sua aplicação, desde que

atendidos os requisitos impostos por nossa Constituição. Por outro lado, ressalva-

se que a afirmação pela possibilidade jurídica de se aplicar a política de cotas não

significa que elas sejam necessariamente viáveis do ponto de vista político-social,

91 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2005. p. 3-39.

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apenas se está dizendo que juridicamente não há vedações à sua aplicação

quando todas as exigências constitucionais forem satisfeitas.

E, resta dizer ainda que para que essa posição genérica a

favor da possibilidade jurídica da aplicação das cotas para negros nas

universidades brasileiras seja mantida de maneira mais sólida, faz-se

imprescindível também analisar o que dispõe exatamente o texto constitucional

acerca do princípio da igualdade e seus limites. Assunto tratado no tópico a

seguir.

3.4 O QUE PRESCREVE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL/88 ACERCA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS?

Como se constatou, a validade constitucional das ações

afirmativas está ligada a admissibilidade de uma restrição ao princípio da

igualdade, já que haverá um favorecimento de uma categoria em face de outras.

Há, portanto, de existir uma maleabilidade constitucional no sentido de

harmonizar suas normas e valores à realidade concreta.

Nesse sentido, a doutrina dispõe de três tipos de normas

restritivas de direitos fundamentais: aquelas plasmadas na própria constituição;

aquelas expressamente autorizadas pela constituição, sobre as quais dependem

de leis infraconstitucionais posteriores; e aquelas implícitas no contexto

sistemático da Constituição92.

No que tange às cotas universitárias para negros, no Brasil,

encaixar-se-ia no terceiro caso, já que não há por parte da Constituição brasileira

nenhuma norma literal que reserve um número de vagas para os negros nas

universidades brasileiras e nem mesmo qualquer preceito que autorize práticas de

discriminação por raça. Pelo contrário, a Constituição93 adota, inclusive, uma

92 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas

raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. p. 134. 93 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,

1988.

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conotação formal do princípio da igualdade no seu artigo 5º, caput, ao afirmar

que:

Art. 5º, caput. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Não obstante tal fato, ao se fazer uma leitura sistemática de

nossa Constituição, é flagrante uma preocupação constante de seu texto em

garantir uma igualdade substancial, bem como um teor socializante, conforme o

seu próprio Preâmbulo94 evidencia:

[...] assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.

O texto constitucional é ainda recheado de passagens que

garantem diversos tipos de discriminação, por vezes definindo seu conteúdo, ou,

pelo menos, autorizando a tais medidas. Apenas para ilustrar algumas dessas

passagens, encontramos no artigo 7º, XX, a “proteção do mercado de trabalho da

mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”95; no artigo 37º, VIII,

que estabelece que “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos

para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua

admissão”96; no artigo 170, IX, que prevê “tratamento favorecido para as

empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua

sede e administração no País”97. Por tais razões, analogicamente, a Constituição

parece validar as discriminações quando não fogem de uma real intenção de

promover uma sociedade mais fraterna e igualitária.

94 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,

1988. 95 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,

1988. 96 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,

1988. 97 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,

1988.

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65

Há também de se considerar as normas de Direito

Internacional quando conjugadas ao artigo 5º, § 2º, de nossa Constituição 98:

Art. 5º, § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte;

Para o caso das cotas para negros nas universidades

brasileiras, então, vale lembrar o artigo 1º, nº 4, da Convenção Internacional sobre

a Eliminaçãos de Todas as Formas de Discriminação Racial, promulgada no

Brasil pelo Decreto nº 65.810/196999:

Art. 1º, nº 4. Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem alcançado seus objetivos.

Como se verifica, a própria Constituição reclama em

diversos trechos a utilização de medidas diferenciadoras quando necessárias à

igualdade de fato, de maneira que se há fundamento para tais discriminações no

próprio texto constitucional e uma abertura constitucional aos Direitos Humanos a

nível internacional, alargar a interpretação do texto constitucional a fim de

satisfazer uma maior igualdade entre os diversos grupos raciais não pode ser

considerado, em absoluto, um desrespeito à Constituição. Principalmente, ao se

atentar para a preocupação constante evidenciada na Constituição em

salvaguardar a cultura afro-brasileira e combater com rigor qualquer manifestação

de racismo. Inclusive, a característica da Constituição brasileira de diferenciar os

diferentes grupos sociais, raciais e étnicos, seja no sentido de proteger, seja no

sentido de incentivar, só vem a reforçar – formalmente - o caráter plural da

98 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,

1988. 99 ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção Internacional sobre a

eliminação de todas as formas de discriminação racial. Adotada pela Resolução 2.106-A (XX), em 21.12.1965. Ratificada pelo Brasil em 27.03.1968.

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66

sociedade brasileira, desfazendo a antiga idéia de unidade do povo brasileiro na

qual as distinções da população em diferentes grupos eram encaradas como uma

afronta à igualdade. Nesse contexto, dispõem os seguintes preceitos

constitucionais100:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

§ 3º - A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:

V - valorização da diversidade étnica e regional.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

Art. 5º, XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei.

100 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,

1988.

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67

Quanto ao fato das cotas promoverem uma igualdade de

resultados, também não parece ser argumento suficiente para sucumbir sua

validade, pois conforme o exposto acima, já há por parte da própria Constituição a

adoção de cotas, como para as pessoas portadoras de deficiência. De resto, para

alguns casos mais extremos urgem-se medidas mais incisivas como a promoção

de uma igualdade de resultados, sob pena de transformar as ações afirmativas

num mecanismo inócuo, apenas parte de uma retórica “politicamente correta”.

Portanto, em conclusão, é possível afirmar, genericamente,

a permissividade da Constituição da República Federativa do Brasil para que se

adotem ações afirmativas no País, mesmo que haja discriminações positivas em

seus conteúdos.

3.5 QUEM SÃO OS NEGROS NO BRASIL?

Há mais um item ainda na qual se faz necessário confrontá-

lo sob pena de tornar todas as conclusões deste trabalho inúteis, a dizer, a

definição de quem é considerado negro ou não no Brasil. De nada adiantaria se

falar em cotas para negros nas universidades brasileiras se não se conseguisse

um meio eficaz de definir quando uma pessoa deve ser classificada como negra e

quando não deve.

Portanto, a pergunta que se faz é a seguinte: existem de fato

características físicas existentes numa pessoa que a diferencia de outra do ponto

de vista político-social? Ou ainda, tais características chegam ao ponto na qual

seja possível classificar uma pessoa como negra nos meios sociais? Fala-se do

“ponto de vista político-social” ou nos “meios sociais” porque como já discutido ao

longo do trabalho, não há certeza nenhuma de que geneticamente seja possível

se classificar as pessoas em raças, pelo contrário, a Biologia tem posto de lado

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este conceito101. E mesmo que fosse possível, não seriam as diferenças

existentes entre os genes das pessoas que resultariam em preconceitos nos

meios sociais, a não ser quando os genes resultassem em características físicas

bastante diferentes. Porém, se as pessoas tivessem genes diferentes e

classificáveis, mas que fisicamente não fossem perceptíveis, não surgiria

preconceitos decorrentes dessas diferentes classificações, até porque, neste

caso, no convívio social as pessoas não teriam como saber em qual classificação

genética cada pessoa se inseriria. Em outras palavras, os preconceitos surgem

com os estereótipos e não de acordo com a configuração genética das pessoas

(WAGLEY, 1995 apud SELL, 2002, p. 60). Assim, por exemplo, um rapaz filho de

mãe negra e pai branco, que por acaso tivesse a cor da pele mais parecida com a

do pai, não sofreria preconceito por ser de certa maneira geneticamente negro (se

essa classificação fosse possível), já que embora fosse filho de mãe negra, o seu

estereótipo é de raça branca. O máximo que poderia ocorrer nessa situação

hipotética seria esse indivíduo sofrer algum tipo de discriminação por pessoas que

soubessem que ele tem a mãe negra, pois do contrário, pelas pessoas que não

soubessem que sua mãe é negra, ele seria sempre tratado como um branco, e,

assim, não sofreria discriminação pelo fato de ser negro geneticamente (repete-

se: não se conhece qualquer classificação na qual possa se afirmar que alguém é

“negro geneticamente”, apenas se supôs hipoteticamente essa classificação para

fins didáticos).

Nesse sentido, uma ação afirmativa para ser condizente com

o propósito de desfazer preconceitos deve beneficiar aqueles que sofrem ou

possam vir a sofrer preconceito por causa de sua raça e se a discriminação racial

surge a partir do estereótipo, a classificação do grupo a ser contemplado com as

cotas também deve se basear nas características físicas do indivíduo e não em

sua ascendência; em suma, as discriminações se dão no seio das relações

sociais e não no âmbito da biologia e da genética (pelo menos não de maneira

direta), de modo que a classificação para efeitos da aplicabilidade das ações

101 TORODOV, Tzvetan. Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana. Rio

de Janeiro: Zahar, 1993. p.108.

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afirmativas deve se pautar em diferenças físicas e determináveis por todos nos

meios sociais.

Mas, voltando à pergunta inicial, toda ação afirmativa, para

que seja posta em prática, necessita que o grupo privilegiado por ela seja

determinável. Há de existir nesse grupo um conjunto de características nas quais

uma pessoa possa ser inserida ou excluída dele. Conforme coloca Renata Vilas-

Bôas (2003 apud PINHEIRO, 2005, p. 82), um dos requisitos às ações

afirmativas, mormente quando há no conteúdo delas discriminações positivas, é

que realmente se possa notar nas pessoas, coisas ou situações características,

traços que sejam diferenciados. Destarte, para o caso das cotas para negros,

haveria de se definir, então, quem seria considerado negro ou não a partir de

características físicas classificáveis: o tipo do cabelo, a cor da pele, a cor dos

olhos etc. Por isso da pertinência das perguntas iniciais: existem de fato

características físicas existentes numa pessoa que a diferencia de outra do ponto

de vista político-social? Tais características chegam ao ponto na qual seja

possível classificar uma pessoa como negra nos meios sociais?

Determinar com precisão características físicas na qual uma

pessoa possa ser classificada como negra ou não seria uma tarefa bastante

complicada no Brasil, já que há muitas pessoas concebidas da mistura entre

diversos tipos étnicos e raciais e por isso não possuem características físicas

extremas, de modo a gerar dúvidas sobre qual grupo étnico ou racial elas se

inseririam caso houvesse uma classificação das pessoas em raças por parte do

Estado brasileiro. Ou seja, haveria um risco de se efetivar grandes injustiças, pois

se estaria abrindo espaço para que duas pessoas bastante semelhantes

fisicamente pudessem ser classificadas em grupos raciais diferentes, de maneira

que talvez uma delas fosse considerada negra e assim lhe fosse permitido os

benefícios das cotas, enquanto a outra fosse impedida dos benefícios das cotas

por não ter sido classificada como negra.

De outro vértice, alegar que no Brasil é impossível aplicar as

cotas para negros nas universidades porque aqui não há como classificar as

pessoas em raças, mesmo no âmbito político-social, parece também não ser

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argumento plausível. Embora o Brasil possua uma população em que o grau de

miscigenação é bastante intenso e que haveria certas pessoas na qual a

classificação racial seria difícil, inclusive, abrindo margem para que injustiças

ocorressem, ainda assim, admitir a impossibilidade de classificação das pessoas

em raças seria o mesmo que dizer que não existe preconceito racial no País: a

discriminação racial só ocorre porque as pessoas conseguem classificar umas as

outras nessa ou naquela raça, porque determinadas características físicas podem

ser reconhecidas e classificadas. Se isso não fosse possível, como um indivíduo

racista identificaria as pessoas na qual ele discrimina? Então, se o Brasil possui

uma população inclassificável quanto à raça, conseqüentemente se estaria

admitindo também que aqui não existe racismo, o que parece ser um argumento

fora de cogitação.

Agora, uma vez admitido que o racismo ocorra no Brasil e

que, por conseguinte, seja possível um indivíduo qualquer classificar as pessoas

nessa ou naquela raça no seu convívio social, e, desse modo, inclusive, ter

condutas preconceituosas, haveria de se admitir também que uma comissão

preparada para avaliar se determinada pessoa poderá ou não ser contemplada

com as cotas consoante a sua raça, também conseguiria obter certo êxito em

classificar as pessoas em grupos raciais. Haveria apenas de se chegar a um

consenso de quais características físicas caracterizariam uma pessoa como

negra.

Em síntese, portanto, conclui-se que o racismo ainda vigora

no País e que em razão disso também pode se falar na possibilidade de

classificar as pessoas em raças no âmbito político-social, ficando preenchido,

assim, o requisito de diferenciação notável nas pessoas para que se aplique as

cotas para negros nas universidades brasileiras, conquanto se admita, por outro

lado, que dado o grau relativamente alto de miscigenação da população brasileira,

haverá pessoas nas quais a classificação nessa ou naquela raça será duvidosa,

abrindo-se margem para que erros de classificação e conseqüentes injustiças

possam ocorrer.

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Sobre a questão, a ex-Ministra de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial do Brasil, Matilde Ribeiro102, deu uma declaração interessante,

que vale ser reproduzida aqui:

Então, por mais que seja difícil identificarmos dentro da mistura quem é negro ou não, acho que a somatória de critérios sociais com os raciais e étnicos dá conta do recado, consegue trabalhar com um marco que não segrega, porque não estamos falando de negro e ponto, estamos falando de, entre os pobres, entre os que a vida inteira estudaram em escola pública atender ao critério social, racial e étnico.

O que se pode notar é que mesmo a Ex-Ministra admite que

a dificuldade em estabelecer quem é negro ou não no País é grande. Embora

faça a ressalva de que “a somatória de critérios sociais com os raciais e étnicos

dá conta do recado”, não afirma que esse conjunto de critérios seja infalível e que

não haverá erros quando da classificação das pessoas nesse ou naquele grupo

racial. Em conclusão, o seu discurso parece sugerir que apesar da dificuldade em

classificar as pessoas em raças, ainda assim compensa aplicar as cotas, pois o

método de classificação baseado nos critérios apontados por ela é suficiente para

se ter um índice de acertos relativamente alto e satisfatório, em que eventuais

falhas no sistema seriam realmente exceções, não obstante, é verdade,

pudessem ocorrer.

Diante de tudo o que foi dito, destarte, novamente a

discussão acerca da possibilidade ou não da aplicabilidade das cotas para negros

nas universidades brasileiras recai sobre um juízo de ponderação entre meios e

fins, que por sua vez, significa dizer que este ponto do tema também será

considerado nas etapas exigidas pelo princípio da proporcionalidade. Pois, se por

um lado é verdade que a população brasileira, de modo geral, é classificável em

diferentes grupos raciais e por isso está preenchida a condição de que haja

diferenciação notável nas pessoas para que se apliquem as ações afirmativas,

por outro lado, há de se ter em mente que erros de classificação podem ocorrer,

mesmo que sejam exceções, e isso servirá como argumento em desfavor da

aplicação das cotas para negros.

102 Caros amigos, São Paulo, v. 10, n. 116. p. 30-37, nov. 2006.

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O fato de reconhecer-se que erros de classificação possam

existir e, principalmente, se caso as cotas sejam aplicadas, esses erros realmente

passem a se concretizar, serve como fator de ponderação para se avaliar se o

programa de cotas realmente compensa ou não, do ponto de vista do ganho

social. Se os benefícios sociais atingidos pelas cotas ainda prevalecerem sobre

essas injustiças decorrentes dela, então as cotas se farão legítimas, caso

contrário, se as injustiças alcançarem tal amplitude que o programa de cotas não

compense em termos de ganhos sociais, então sua aplicação deve ser encerrada.

Mas como se pode observar, essa valoração se compensa ou não pode ser

bastante duvidosa, o que faz com que haja espaço para posições tanto a favor

como contrário às cotas, de maneira a se poder afirmar, inclusive, que este ponto

da discussão também está mergulhado no espaço dos posicionamentos políticos

na qual tanto se enfatizou ao longo do trabalho, já que deverá ser balizado em

conjunto com todos os outros aspectos atinentes ao tema, de modo a se chegar

ao final em uma conclusão se as cotas compensam ou não num caso em

concreto.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo último desta monografia foi averiguar a

possibilidade jurídica da política de cotas para negros nas universidades

brasileiras. Para tanto, buscou-se analisar o tema em três aspectos,

correspondentes aos Capítulos 1, 2 e 3.

O primeiro aspecto está relacionado com o significado social

das políticas de ações afirmativas e constatou-se que elas tratam-se, desde sua

invenção nos Estados Unidos até as aplicações práticas no Brasil, de políticas de

inclusão, visando, sobretudo, a igualdade real entre as pessoas. Partindo do

pressuposto que certas desigualdades surgem dentro da sociedade civil, o Estado

deve também, por isso, utilizar-se de medidas de inclusão a fim de corrigir essas

anomalias sociais e promover, assim, a ascensão dessas categorias

marginalizadas.

Como objetivo do Capítulo 1 foi entender o significado social

das ações afirmativas, nele buscou-se também dar a dimensão histórica delas,

bem como discutir algumas controvérsias de caráter político-social que orbitam

em torno do tema da política de cotas para negros nas universidades brasileiras,

na qual se chegou às seguintes conclusões: as cotas não se legitimam quando

aplicadas no intuito de compensar a população negra atual em razão do histórico

escravocrata brasileiro, elas justificam-se, isso sim, quando aplicadas tão-

somente a fim de atenuar discriminações raciais que ainda hoje podem ser

evidenciadas; elas também não são uma forma de preconceito invertido, posto

que as discriminações feitas numa ação afirmativa não possuem cunho negativo,

não têm o condão de manter o status quo com base em argumentos de

superioridade racial, pelo contrário, possuem justamente a finalidade oposta, de

desfazer o status quo para que a igualdade e o respeito entre as raças sejam

efetivados substancialmente; também não há evidências de que as cotas irão

prejudicar o ensino nas universidades, já que os dados têm apontado na direção

de que os alunos cotistas possuem aproveitamento tão bom ou melhor do que os

alunos aprovados pelo vestibular, além ainda de ajudarem a desenvolver um

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espaço multicultural dentro das universidades; e, por último, as cotas são

condizentes com o princípio do mérito, já que as condições de disputa entre

brancos das escolas particulares e negros das escolas públicas não são as

mesmas, além de que as regras de seleção podem ser alteradas a todo instante,

a modificar o que se entenderá por mérito no caso em concreto.

Já no Capítulo 2, tratou-se da necessidade da afirmação da

raça negra no Brasil. Para tanto, analisou-se sucintamente, em primeiro lugar, a

formação étnica e racial no País e os efeitos da escravidão aqui deixados,

chegando-se à conclusão de que os negros em sua maioria fazem parte de uma

camada populacional marginalizada, a sofrer as conseqüências desse atraso

social em diversos aspectos da vida e não somente na educação. Ou seja, é um

processo de exclusão generalizada de todo um grupo racial, a encaixar-se

perfeitamente, portanto, nas descrições históricas na qual se desfaz o mito da

“democracia racial”.

Em segundo lugar, abordou-se a relação entre a situação de

exclusão dos negros em geral e a educação no Brasil, em que se extraiu a

constatação de que existe de fato uma exclusão generalizada de todo um grupo

racial no País e o acesso à educação não está de fora desse processo de

marginalização. Por conseguinte, o ingresso no ensino superior por parte dos

negros é condição essencial para a afirmação da raça, já que a educação é talvez

a forma mais eficiente de mobilidade social, além de que a representação

intelectual de negros aumentaria o prestígio social do grupo como um todo e

proporcionaria também uma maior consciência da questão do negro no Brasil. Por

essa perspectiva, portanto, o debate na qual existe uma necessidade de se

encontrar mecanismos de inclusão de negros nas universidades, seja pelo meio

de cotas ou outra maneira qualquer, encontra sua legitimidade naquilo que é fato

empírico e precisa ser revertido.

E, o último ponto discutido no Capítulo 2 foi se as cotas se

fundamentam somente numa posição de política de redistribuição de renda ou se

num projeto mais amplo, de reconhecimento e afirmação da raça negra no País,

consoante as duas teorias da igualdade abordadas: liberal-individualista e

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comunitarista. Concluiu-se que a única maneira de legitimar a política de cotas

seria por uma perspectiva comunitarista do princípio da igualdade. Nessa esteira,

as cotas não visam beneficiar alguns indivíduos no âmbito de seus direitos

particulares, mas têm por intuito, na verdade, ascender todo um grupo étnico na

sociedade. Logicamente que apenas alguns indivíduos são beneficiados

diretamente - apenas os negros contemplados com as cotas -, porém os outros

indivíduos do mesmo grupo também são beneficiados indiretamente, pois à

medida que alguns negros consigam ocupar cargos importantes na sociedade e

pouco a pouco a cultura negra vá se inserindo nos centros de poder nos meios

sociais, os outros negros não contemplados diretamente pelas cotas acabam

também se beneficiando uma vez que o preconceito como um todo vai

diminuindo. A legitimidade das cotas se concretiza segundo a teoria comunitarista

da igualdade porque a realização individual, aqui, depende também da aceitação

do grupo na qual cada indivíduo pertence, de maneira que as políticas de inclusão

por meio das ações afirmativas visem, sobretudo, o reconhecimento social desses

diversos grupos dentro de uma sociedade multicultural e não apenas o benefício

do acesso a determinados bens e recursos por aqueles que são contemplados

diretamente pela ação afirmativa num caso em concreto.

No Capítulo 3, abordou-se o tema das cotas para negros nas

universidades brasileiras quando à sua possibilidade jurídica, na qual cinco

aspectos foram considerados.

Em primeiro lugar, analisou-se a dimensão histórica do

princípio da igualdade, que coincide também com a passagem da igualdade em

sentido formal para a igualdade em sentido material, sendo que pela atual

acepção material da igualdade, este princípio se materializa através do tratamento

igual aos iguais e desigual aos desiguais para que se atinja, finalmente, a

igualdade real.

Em segundo lugar, constatou-se que não parece haver

obstáculos maiores, quanto aos limites impostos pelo princípio da igualdade, a

uma lei que estabelecesse reserva de vagas a cidadãos negros nas universidades

brasileiras, pois embora se saiba que um branco jamais seria abarcado por uma

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norma dessa natureza, ela se faz legítima porque estaria destinada a um grupo de

pessoas na qual não há como saber quais serão exatamente os sujeitos a serem

beneficiados pela norma. Ou seja, a lei teria a característica de “possibilidade de

repetição do evento regulado em lei” e “indeterminação dos destinatários no

momento da edição da lei”, o que faria com que ela fosse considerada

constitucional nesse aspecto.

Em terceiro lugar, verificou-se que para que uma ação

afirmativa seja posta em prática num caso em concreto, ela precisa ser balizada

conforme as etapas requeridas pelo princípio da proporcionalidade (adequação,

necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade stricto sensu) que servem de

“filtro” a avaliar se a ação afirmativa é condizente com a Ordem Jurídica vigente.

Em quarto lugar, concluiu-se que o texto da atual

Constituição brasileira “abre espaço” em suas normas para que seja possível

afirmar, genericamente, a permissividade da Constituição da República

Federativa do Brasil para que se adotem ações afirmativas no País, mesmo que

haja discriminações positivas em seus conteúdos.

E, em quinto lugar, quanto à possibilidade de se distinguir

quem é negro ou não no Brasil, conclui-se que o racismo ainda vigora no País e

que em razão disso também pode se falar na possibilidade de classificar as

pessoas em raças no âmbito político-social, ficando preenchido, assim, o requisito

de diferenciação notável nas pessoas para que se aplique as cotas para negros

nas universidades brasileiras, conquanto se admita, por outro lado, que dado o

grau relativamente alto de miscigenação da população brasileira, haverá pessoas

nas quais a classificação nessa ou naquela raça será duvidosa, abrindo-se

margem para que erros de classificação e conseqüentes injustiças possam

ocorrer. Assim, no caso em concreto das cotas raciais, deve-se avaliar se elas

compensam ser efetivadas mesmo sabendo que esses eventuais erros e

injustiças possam vir a acontecer.

Finalmente, resta dizer que se entendeu ao longo desta

pesquisa que as cotas para negros nas universidades brasileiras são passíveis de

ser aplicadas consoante a Ordem Jurídica brasileira, porém, para tanto, a

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efetivação das cotas num caso em concreto dependerá de uma análise das

circunstâncias objetivas constatadas na sociedade quando de sua aplicação, na

qual dependendo das considerações a que se cheguem, elas se justificarão como

políticas públicas viáveis sob o ponto de vista de sua legitimidade. Ou seja, de

maneira genérica, há “abertura” da Ordem Jurídica brasileira para a aplicação das

cotas, mas isso não significa que se pode usá-las de modo indiscriminado, elas

precisam ser justificadas socialmente como promovedoras da igualdade no caso

em concreto.

Assim sendo, o tema das cotas é quase sempre um tema

politizado, pois as circunstâncias objetivas na qual se falava nem sempre são

claras, pelo contrário, geralmente há muitas dúvidas a respeito das

conseqüências sociais desse tipo de política pública, abrindo-se espaço, portanto,

para que tanto opiniões a favor, como opiniões contrário às cotas, sejam

argumentáveis quando de sua aplicação prática, sendo que esses argumentos

são inevitavelmente recheados de ponderações éticas e político-sociais,

escapando de uma análise estritamente jurídica. Todavia, o procedimento jurídico

da qual se falou ao longo do trabalho obtém sua pertinência na medida em que

serve de limite para que qualquer ação afirmativa não perca sua finalidade

principal de promover (ou tentar promover) a igualdade real e chegue ao ponto,

inclusive, de atentar contra o Estado de Direito.

Em suma, a análise jurídica serve para garantir que a

política de cotas não seja usada de maneira camuflada a fim de se instalar um

regime de segregação racial no País, porém, como se disse, os raciocínios

jurídicos não são suficientes para se chegar a uma conclusão absoluta sobre

quando as cotas devem ser aplicadas ou não. Tal conclusão pode variar e ser

argumentável em diversas direções conforme o caso.

Por fim, fica aqui constatado o incentivo à continuação do

debate sobre as cotas para negros nas universidades brasileiras, tanto em razão

da importância do tema em si, como também porque o tema será assunto refletido

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em audiência pública a ser realizada pelo Supremo Tribunal Federal no período

de 3 a 5 de março de 2010, na qual todos são convocados a participarem103.

103 Cfr em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=113555

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REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial. Adotada pela Resolução 2.106-A (XX), em 21.12.1965. Ratificada pelo Brasil em 27.03.1968.

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