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    INFLUÊNCIA DE DESCONTINUIDADESGEOLÓGICAS NA ESTABILIDADE DEUMA ENCOSTA EM SÃO JOSÉ – SC

     MARCELO HEIDEMANN (Centro de Engenharias de Mobilidade - Universidade Federal de Santa Catarina, Joinville, SC, Brasil

    & Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil -Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil  

    E-mail: [email protected]

    LUIZ ANTôNIO BRESSANI Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil  E-mail: [email protected] 

     JUAN ALTAMIRANO FLORESUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil 

    E-mail: [email protected] 

    RESUMO

    Na porção leste de Santa Catarina é predominante aocorrência de rochas graníticas, e consequentemen-

    te de solos residuais de granito. No entanto, o estudode um escorregamento no município de São José, naRegião Metropolitana de Florianópolis, tem indicadoa ocorrência de litotipos espacialmente menos repre-sentativos em zonas de descontinuidades dos maciçosgraníticos. Nesta área foi vericada a presença de mi-lonitos e pseudotaquilitos, que evidenciam a existênciade descontinuidades no local. Assim, outros solos quenão os residuais de granito tipicamente ocorrentes naárea foram identicados. Estes materiais têm compor-tamento geotécnico distinto dos solos residuais de gra-nito, em termos de características físicas e resistência

    ao cisalhamento, o que conduz à possibilidade de queo movimento de massa seja condicionado não pelo soloresidual de granito, mas por estes outros materiais.Nesse sentido, o presente trabalho visa descrever o ce-nário geotécnico e geológico em que ocorre o caso deinstabilidade citado e apresentar aspectos do compor-tamento geotécnicos dos solos envolvidos no mesmo.

    Palavras-chave: Instabilidade de encosta; solos tropi-cais; granitos, descontinuidades

    ABSTRACT

    Granites are the most common rocks in the easternpart of Santa Catarina state, and consequently,

    residual soils of granite are there frequently found.However, the study of a landslide in São Josemunicipality, in Metropolitan Region of Florianopolisshows the occurrence of other rocks, with minorrepresentativeness in a spatial point of view, in faultand joint zones of the granitic batholith. In this area wasnoticed the presence of mylonites and pseudotachyliteswhich indicate the existence of discontinuities in thelocal. Then, residual soils different from those formedthrough granite weathering were identied. Thesematerials exhibit distinct geotechnical behavior ifcompared with residual soils of granites, concerningto physical characteristics and shear strength. Thissituation suggest the possibility that the landslidecould be conditioned not by the residual soil of granite,but by these other materials. In this way, the objectivesof this work are the description of the geotechnical andgeological scenario where occurs the mentioned slopeinstability case and to present some aspects related tothe geotechnical behavior which concerns to the soilsinvolved in such landslide.

    Keywords: slope instability, tropical soils, granites,discontinuities

    INFLUENCE OF GEOLOGICAL DISCONTINUITIESON THE STABILITY OF A SLOPE IN SÃO JOSÉ-SC 

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    RESUMEN

    En la parte oriental del estado de Santa Catarinaes predominante la aparición de rocas graníticas, yconsecuentemente, de suelos residuales de granito. Sinembargo, el estudio de un deslizamiento en el municipio

    de São José, en la Región Metropolitana de Florianópolis,ha indicado la aparición de litotipos espacialmentemenos representativos en zonas de discontinuidadesde los macizos graníticos. En esta área fue vericadala presencia de milonitos y pseudotaquilitos, queevidencian la existencia de discontinuidades en ellocal. De esta forma, fueron identicados otros suelosdiferentes a los residuales de granito típicamenteencontrados en el área. Estos materiales tienen elcomportamiento geotécnico distinto al de los suelosresiduales de granito, en términos de característicasfísicas y resistencia al cizallamiento, lo que conducea la posibilidad de que el movimiento de masa sea

    condicionado, no por el suelo residual de granito, mássi por los otros materiales. En este sentido, el presentetrabajo busca describir el escenario geotécnico ygeológico en que ocurre el caso de inestabilidad citado ypresenta aspectos del comportamiento geotécnico de lossuelos envueltos en el mismo. Palabras llave: Inestabilidad de taludes; suelostropicales; granitos; discontinuidades

    1 INTRODUÇÃO

    Em Santa Catarina os processos de instabili-dade de encostas incidem principalmente na por-ção leste do Estado, onde se situa uma sequênciade elevações rochosas relacionadas às Serras do

    Mar, do Leste Catarinense e Geral. Nesta regiãoocorrem rochas magmáticas e metamórcas,

    oriundas dos processos orogenéticos, que compõeo Cinturão Dom Feliciano.

    O Cinturão Dom Feliciano é dominado porassociações de rochas graníticas que são discre-tizadas em diferentes segmentos designados:

    Batólito Pelotas no Escudo Sul-rio-grandense,Batólito Florianópolis no Escudo Catarinensee Batólito Aiguá no Escudo Uruguaio (HORNFILHO, 2003). Embora o Batólito Florianópolispossa ser representado como uma grande uni-dade litológica, o mesmo se caracteriza como umcomplexo, constituído por diferentes plútons, quede acordo com CPRM (2000) são emplacados comintrusões sucessivamente mais jovens. Em rela-ção a esta divisão, de acordo com autores como

    Basei et al., (2000) os diferentes segmentos mos-tram características isotópicas e geocronológicassucientemente diferentes para justicar sua de-signação independente. Basei (1985) detalhou aporção catarinense do Cinturão Dom Feliciano.

    Por conta da história geotectônica da região exis-tem zonas de intensa heterogeneidade e muitasdescontinuidades, o que contribui para a forma-ção de um cenário bastante complexo do ponto devista geológico-geotécnico.

    É nesta região de complexa geologia e geo-tecnia que se concentram boa parte das maiorescidades do Estado. Como decorrência do proces-so de expansão destas cidades tem ocorrido umaacelerada ocupação de diversas áreas em encostasconsideradas de risco, com possível ocorrência de

    movimentos de massa, seja pelo relevo acidenta-do marcado por encostas íngremes, seja pela com-plexidade geológica local.

    Esta situação é bastante visível na RegiãoMetropolitana de Florianópolis, especialmenteno Município de São José, o qual experimentouforte crescimento populacional nos últimos anos,com consequente aumento na demanda por áreasurbanizadas. Nesse cenário está inserido o bair-ro Potecas, que se caracteriza como uma área deexpansão do município de São José e palco de

    movimentos de massa que têm sido registradosdesde 2002. Entre eles cita-se um deslizamentode grandes proporções, de baixa velocidade, queacumula deformações desde 2009 e que provocoua demolição e a interdição de moradias.

    Este movimento de massa desenvolve-se aolongo de uma descontinuidade do maciço graníti-co. Nesta descontinuidadeocorrem rochas do tipomilonito e pseudotaquilito, cabendo destacar tam-bém a abundante presença de água. Assim, ape-sar de serem os granitos o litotipo dominante na

    área, a ocorrência do escorregamento em questãoaparenta estar associada aos materiais presentesao longo da falha, mais especicamente aos solos

    residuais formados a partir destas rochas, o quechama a atenção para a importância destas zonasna compreensão dos agentes predisponentes demovimentos de massa na região. A descrição des-ta situação é o tema deste trabalho, que apresentaainda informações relativas ao comportamentogeotécnico de alguns solos presentes no local.

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    2 INTRODUÇÃO

    2.1 Movimento de massa estudado

    A área de estudo corresponde a uma encostaem processo de instabilidade localizada no bairro

    Potecas, no município de São José, região Metro-politana de Florianópolis em Santa Catarina. Ascoordenadas médias da área são UTM: 732.279Ee 6.948.068S. A Figura 1 mostra uma imagem desatélite do local.

    Figura 1 – Imagens de satélite para localização (A e B) e modelo digital doterreno da área estudada (C)

    A

    B

    C

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    A área à jusante da encosta é ocupada por

    diversas edicações. Estas moradias compõem

    um condomínio residencial com 130 residênciase que foi atingido pelo solo mobilizado no desli-zamento. Os primeiros movimentos de massa na

    área, embora lentos, ocorreram em janeiro de 2002e, desde então, diversos outros movimentos têmsido registrados. Os registros mais recentes inicia-ram-se quando, entre os dias 22 e 24 de novem-bro de 2008, chuvas intensas atingiram a regiãoe causaram a deagração de um movimento de

    massa no local. Este movimento foi evidenciadopelo aparecimento de fendas no solo, trincas emuma construção localizada a montante do lotea-mento e deslocamentos do pavimento próximo à

    esta edicação. Este movimento se deu de forma

    lenta e logo foi suspenso, não deslocando a massamobilizada encosta abaixo.

    Posteriormente, em setembro daquele ano,chuvas intensas (307 mm no mês) promoveramnovas deformações e o risco de novos escorre-gamentos resultou na ordem de interdição de17 moradias. Em maio de 2010 o talude junto aocondomínio no pé da elevação sofreu instabiliza-ção e o material mobilizado invadiu a rua, aproxi-mando-se das residências.

    A partir deste evento medidas de estabiliza-ção foram propostas e executadas, desde cortinas

    temporárias de madeira, até retaludamento daencosta. No entanto, todas estas intervenções aca-baram por sucumbir diante das deformações que,embora lentas, mantém-se recorrentes.

    2.2 Caracterização geológica

    A área de estudo está localizada, de acordocom Geobank-CPRM (2013) e Bitencourt et al.(2008), sobre granitos foliados, calcialcalinos dealto K. A área estudada encontra-se também mui-to próxima à transição entre os Granitos e a uni-dade Ortognaisse Águas Mornas, o que indica ohistórico de metamorsmo nesta região.

    Na encosta estudada, imersos na matriz desolo residual, foram encontrados diversos blocosde rocha (matacões) de variáveis dimensões epredominantemente graníticos, embora corpos deoutros litotipos tenham também sido encontrados.

    Na área do talude foram identicados, a par-tir de uma avaliação expedita feita em campo,três tipos de rochas, sendo elas: granito, miloni-to e pseudotaquilito. Os granitos são de formageral rochas mais bem descritas. Por outro lado,enquanto os extensos corpos graníticos predomi-nantes na área são abordados de forma mais am-pla nos mapeamentos existentes, menos comunssão as referências à ocorrência de pseudotaquili-tos e milonitos na região.

    Os milonitos são rochas dinamicamente me-tamorsadas e constituem-se um indicativo da

    existência de falhas e descontinuidades na áreaem questão, assim como o são em diversas outrasregiões, como descreve Shelley (1983). Os miloni-tos são produzidos pela pulverização de rochas,envolvendo não apenas tensões de cisalhamentoextremamente altas, mas também tensões de con-namento consideráveis, que ocorrem em zonas

    de falhas importantes (BELL, 1993).O pseudotaquilito, de acordo com Fossen

    (2012) é uma rocha escura, densa, vítrea ou mi-crocristalina, que se forma pela fusão local das

    paredes da rocha pelo atrito do deslizamento.Ainda segundo o autor, o pseudotaquilito podeapresentar injeções de veios em suas laterais, frag-mentos de rocha encaixante e estrutura vítrea, esua formação pode se dar tanto na parte superiorda crosta bem como em profundidades maiores. 

    A existência de milonitos e pseudotaquili-tos na área corrobora a caracterização geológicada região apresentada na literatura, não apenasem relação à predominância dos granitos, como

    também acerca da existência de zonas de contato

    e descontinuidades. A Figura 2 mostra o aspectodas rochas encontradas no local juntamente com aimagem das mesmas em lâminas delgadas.

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    Figura 2 – Rochas encontradas na área de estudo – amostras coletadas e lâminas

    Enquanto que os granitos formam a litologiaprincipal, a existência de pseudotaquilitos e mi-lonitos indicam a ocorrência de movimentos de

    cisalhamento na região. Estes movimentos estãoassociados às tensões elevadas que provocaram

    metamorsmo das rochas aí existentes e caracte-rizam a região como uma zona de ocorrência defalhas e contatos, como já indicado em Bitencourtet al. (2008), que relacionam estas falhas ao Cintu-rão de Cisalhamento Sul Brasileiro.

    A deformação dos corpos graníticos é evi-denciada na Figura 3 (A), onde se mostra a de-formação sofrida pela rocha ao longo de uma

    superfície bem denida. Também neste sentidoa Figura 3 (B) mostra uma descontinuidade entreum corpo de rocha granítica alterada e o solo re-sidual, com pouco menos de 90o de inclinação eorientação ortogonal aos movimentos de massaregistrados no local.

    Figura 3 – Indicativos da ocorrência de descontinuidades observados na área: (A) deformação em rocha, (B) falha

    A B

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    2.3 Caracterização geotécnica

    Como é possível observar na Figura 4, os solos que ocorrem na encosta apresentam grande varia-ção em termos de coloração. Esta variabilidade se reete também na textura dos mesmos.

    Figura 4 – Vista geral da encosta com indicação da zona de falhamento (pontilhado) e da ocorrência do solo residual de pseu-dotaquilito (polígono)

    Por conta da litologia dominante, os solosmais abundantemente encontrados na área de es-tudo são os residuais de granito. Estes têm colora-ção variando entre amarelo e vermelho, havendoocorrências pontuais de coloração cinza. Nas ime-diações da descontinuidade existente observa-sea ocorrência de solos com signicativa presença

    de minerais mácos, mais especicamente biotita.

    A biotita, assim como outras micas, tem es-trutura foliada composta por diversas camadasque, entre si, tem fraca ligação, condicionandouma perfeita clivagem basal resultando em partí-culas com formato de nas placas. De acordo com

    Mitchell e Soga (2005) areias e siltes, mesmo quecontendo pequeno percentual de mica, podem

    exibir alta compressibilidade quando carregadose signicativa expansibilidade. Além disso, solos

    ricos em micas, mesmo que pouco plásticos, ten-dem a apresentar baixa resistência ao cisalhamen-to em condições residuais, como exposto em Rigoet al. (2006).

    Diante deste cenário optou-se por concentrara investigação no solo residual de granito mais re-presentativo espacialmente, apesar de variaçõesem coloração e textura observadas. Salienta-se

    aqui que é importante avaliar o comportamentodos demais solos oriundos de granito que ocor-rem na área, pois aspectos mineralógicos podeminuenciar de forma signicativa no comporta-mento geotécnico destes materias.

    Além destes materiais, ocorre um solo deno-minado residual de pseudotaquilito e um terceiromaterial denominado argila de preenchimento.

    O solo residual de pseudotaquilito tem colo-ração avermelhada e textura argilosa. Pelo fato deser um material oriundo de rochas que existem ti-picamente em áreas de tectonismo, o mesmo temimportância no comportamento de maciços emque ocorrem contatos, caso a textura mais argilosadeste solo reita em menor resistência ao cisalha-

    mento e zonas de gradiente de condutividade hi-dráulica. Segundo Reid (1997), mesmo pequenoscontrastes (uma ordem de magnitude ou menos)na condutividade hidráulica dos solos em encos-tas podem modicar as condições de tensões efe-tivas atuantes no maciço, elevando o potencial deinstabilidade.

    O solo denominado argila de preenchimentotem pequena representatividade em termos de vo-lume, mas a condição em que se dá sua ocorrência

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    pode ser bastante importante para o entendimen-to do comportamento da encosta como um todo.Este material foi encontrado em fendas abertasno terreno como mostra a Figura 5, sob a formade nas camadas com espessura inferior a 1 cm,

    feição típica de áreas submetidas à atividade hi-drotermal. O material encontra-se aderido ao soloresidual amarelo de granito, mas nas imediaçõesda área é abundante a ocorrência de blocos rocho-sos de milonito.

    Figura 5 – Registros da ocorrência de argila de preenchimento em campo

    A presença destas argilas em zonas dedescontinuidade remete ainda à questão da

    resistência ao cisalhamento residual, que é um

    fator predisponente ou controlador de muitosmovimentos de massa em solos tropicais do suldo Brasil, como reportado por Pinheiro (1997) eRigo (2000; 2005).

    3 COMPORTAMENTO GEOTÉCNICO DOSSOLOS ESTUDADOS

    Os solos encontrados na área de estudo fo-ram submetidos a ensaios de laboratório. Estesensaios foram executados para avaliação de parâ-

    metros de comportamento geotécnico de interesseao problema de instabilidade de encostas.

    Foram executados ensaios de caracterizaçãofísica básica, análises mineralógicas e ensaios decisalhamento direto e ring shear , que visam à deter-minação da resistência ao cisalhamento dos solos.

    O ensaio de cisalhamento direto é a técnicamais utilizada na determinação dos parâmetrosde resistência ao cisalhamento de solos por ser umensaio rápido, relativamente simples e de baixo

    custo. O equipamento e os procedimentos utili-zados nos ensaios são descritos com minúcia porHead (1982). A utilização do ensaio de cisalha-

    mento direto permite a obtenção de resultados,em geral, bastante conáveis em termos de resis-tência drenada nas condições de pico e última.

    O ensaio ring shear  é a técnica mais aplicadano estudo da resistência ao cisalhamento residualde solos, tendo sido utilizado largamente no es-tudo de movimentos gravitacionais de massa. Aresistência residual desempenha um papel impor-tante na estabilidade de antigos movimentos gra-vitacionais de massa, no comportamento de de-pósitos de solo que contém superfícies de ruptura

    pré-existentes e no entendimento do risco de rup-turas progressivas (LUPINI et al., 1981). O equi-pamento ring shear  foi desenvolvido com o intuitode superar algumas limitações apresentadas peloensaio de cisalhamento direto na determinação daresistência residual. Neste ensaio o corpo de pro-va é moldado em uma célula anelar e por meio deum cabeçote é aplicada a tensão normal desejada.Aplica-se então um torque que provoca o giro daparte inferior da célula, enquanto que o cabeçote

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    permanece xo. Isto provoca o cisalhamento docorpo de prova de forma contínua, em uma únicadireção, atingindo qualquer magnitude de deslo-camento e possibilitando a orientação das partícu-las de argila, e consequente desenvolvimento da

    condição de resistência residual.A Tabela 1 apresenta resumidamente os re-sultados obtidos nos ensaios geotécnicos de labo-ratório, em termos de índices físicos e parâmetrosde resistência ao cisalhamento em condição inde-formada. Já a Figura 6 mostra as curvas granulo-métricas dos materiais estudados.

    Tabela 1 – Índices físicos e parâmetros de resistênciados solos investigados.

    Material SoloResidualde Granito

    Solo Residual dePseudotaquilito

    Argilade Preenchimento

    γ (kN/m³) 17,9 15,0 -

    e 0,93 1,23 -

    w (%) 32 24 25

    Sr (%) 89 54 -

    LL 38 60 60

    IP 17 25 30

    c’pico (kPa) 21 3,3 -

    φ’pico (º) 26 31 -

    φ’residual (º) 15 13 8

    Onde: γ – peso especíco aparente natural; e – índice de va-zios; w – teor de umidade; Sr – grau de saturação; c’ – coe-são; φ – ângulo de atrito; LL – limite de liquidez; limite deplasticidade.

    Figura 6 – Curvas Granulométricas dos solos estudados

    Os solos residuais de granito são menos po-rosos que os de pseudotaquilito e encontravam-semuito próximos da saturação quando da extração

    de amostras indeformadas. O solo residual degranito apresenta menor limite de liquidez e índi-ce de plasticidade que o solo de pseudotaquilito eargila de preenchimento. Este comportamento emtermos de plasticidade está associado à granulo-

    metria dos mesmos, uma vez que os granitos sãocompostos por uma quantidade signicativamente

    menor de nos que os demais materiais investiga-dos (Figura 6). Chama-se ainda atenção para a se-melhança em termos de plasticidade entre a argilade preenchimento e o solo de pseudotaquilito.

    Em relação à resistência ao cisalhamento, os

    dados disponíveis de resistência de pico dos solosde granito estudados indicam valores semelhantesaos encontrados em outros solos residuais de gra-nito investigados no sul do Brasil (BASTOS, 1991;

    HIGASHI, 2006; BEVILÁQUA, 2004). Para os de-mais materiais investigados não foram encontra-das na literatura referências a trabalhos pregressos.

    Contudo, os resultados obtidos em termosde resistência em condição residual são bastanteinteressantes porque mostram valores de ângulode atrito muito mais baixos que os obtidos emcondição de pico. Nesse sentido é de destaqueo resultado obtido na argila de preenchimen-to, onde se mediu ângulo de atrito residual daordem de 8º. Este valor é da mesma ordem dosmais baixos medidos em solos residuais do suldo País, tendo-se como referência uma compila-ção de dados de resistência residual apresentadoem Rigo et al. (2006).

    O baixo ângulo de atrito encontrado para aargila de preenchimento chama a atenção para apossibilidade de que este material controle ou in-uencie o mecanismo de ocorrência da instabili-dade estudada.

    Estes resultados mostram a importância que

    as zonas de descontinuidades, e mais especi-camente os materiais que as preenchem, podemter na deagração dos movimentos de massa em

    solos residuais de granito. Tal cenário mostra-seespecialmente relevante para o estado de SantaCatarina, tendo em vista as complexas condiçõesgeológicas do leste do Estado, como reportadopor Scheibe (1986), onde descontinuidades, falhase planos reliquiares são abundantes.

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    4 CONCLUSÃO

    O movimento estudado tem mecanismocomplexo, ainda não totalmente denido. Con-tudo, inspeções em campo permitiram identicarmateriais e estruturas importantes para a futuradenição de um modelo geomecânico capaz deexplicar o escorregamento.

    Este movimento de massa ocorre em umaárea onde os granitos são a rocha predominan-te, e a ocorrência de solos residuais de granito éabundante. No entanto, embora os granitos carac-terizem-se como o litotipo predominante na áreaestudada, foram identicadas outras rochas, nestecaso milonito e pseudotaquilito, cuja presença re-mete à existência de descontinuidades geológicasna área estudada.

    Nas imediações de uma falha que atravessa

    a área do escorregamento foi encontrado um soloresidual oriundo do intemperismo de pseudota-quilitos, além de se vericar a ocorrência de umaargila que preenche descontinuidades na massade solo residual, provavelmente formada por ati-vidade hidrotermal, que por sua textura remete àpossibilidade de mobilização de resistência resi-dual, sendo este aspecto controlador da ocorrên-cia da instabilidade.

    Em relação à investigação geotécnica de la-boratório, dentre os resultados até aqui obtidos,destaca-se a baixa resistência ao cisalhamento na

    condição residual apresentada pelo solo residualde pseudotaquilito, e principalmente, da argila depreenchimento. Para este material obteve-se ân-gulo de atrito da ordem de 8º, o qual é da mesmaordem de grandeza que os mais baixos ângulosmedidos em solos residuais do sul do País, sejamde basaltos (RIGO, 2000; PINHEIRO, 1997), ou degranulitos (HEIDEMANN, 2011).

    Estes resultados mostram a importância queas zonas de descontinuidades, e mais especica-mente os materiais que as preenchem, podem terna deagração dos movimentos de massa em so-

    los residuais de granito, especialmente no leste doEstado de Santa Catarina, onde descontinuidades,falhas e planos reliquiares são abundantes.

    Agradecimentos 

    Os autores agradecem a CAPES e CNPq pelo fomentoà pesquisa e às bolsas de pesquisa, e ao Instituto deGeociências da UFSC e o PPGEC-UFRGS pelo supor -te oferecido.

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