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1 Submarinos para a Marinha do Brasil JOSÉ ALVES DANIEL FILHO, Bacharel em Ciências Econômicas – UPIS – DF, Pós-Graduado em Auditoria Pública pela Faculdade Projeção – DF [email protected] Introdução Com o aumento da carteira de exportações brasileiras nos últimos anos, a principal porta de saída de nossos produtos são os portos. Em 2006 cerca de 95% das exportações, o equivalente a US$ 228 bilhões, saíram por via marítima. Some-se ainda as reservas de petróleo descobertas no decorrer do ano, que tem despertado grande interesse internacional sobre a prospecção e o tamanho total de sua reserva, que ainda não foi confirmada. Até alguns países asiáticos, têm demonstrado interesse em ajudar na exploração dessa riqueza, mas em contrapartida participarão nos lucros que serão auferidos futuramente. Diante desses fatos, a Marinha do Brasil (MB) sempre possuiu relevância no cenário militar nacional, na tentativa de manter seus meios disponíveis para cumprir suas tarefas de patrulha e defesa da costa, mas por forças alheias aos seus desejos (leia-se falta de recursos), tem-se mostrado incapaz de prestar bons serviços. Em 1979 foi lançado o Plano de Reequipamento da Marinha (PRM), que deu forma a vários projetos sendo um deles de grande importância estratégica: a fabricação de submarinos em território nacional. Hoje nos deparamos com a mesma situação, onde a finalidade foi fechar um contrato para a aquisição de submarinos convencionais (SSK) com cláusulas de transferência de tecnologia, visando à futura construção de submarinos com propulsão nuclear (SSN) em território nacional, para a defesa de nosso litoral.

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Submarinos para a Marinha do Brasil

JOSÉ ALVES DANIEL FILHO, Bacharel em Ciências Econômicas – UPIS – DF,

Pós-Graduado em Auditoria Pública pela Faculdade Projeção – DF [email protected]

Introdução

Com o aumento da carteira de exportações brasileiras nos últimos anos, a principal porta de saída de nossos produtos são os portos. Em 2006 cerca de 95% das exportações, o equivalente a US$ 228 bilhões, saíram por via marítima.

Some-se ainda as reservas de petróleo descobertas no decorrer do ano, que tem despertado grande interesse internacional sobre a prospecção e o tamanho total de sua reserva, que ainda não foi confirmada. Até alguns países asiáticos, têm demonstrado interesse em ajudar na exploração dessa riqueza, mas em contrapartida participarão nos lucros que serão auferidos futuramente.

Diante desses fatos, a Marinha do Brasil (MB) sempre possuiu relevância no cenário militar nacional, na tentativa de manter seus meios disponíveis para cumprir suas tarefas de patrulha e defesa da costa, mas por forças alheias aos seus desejos (leia-se falta de recursos), tem-se mostrado incapaz de prestar bons serviços.

Em 1979 foi lançado o Plano de Reequipamento da Marinha (PRM), que deu

forma a vários projetos sendo um deles de grande importância estratégica: a fabricação de submarinos em território nacional.

Hoje nos deparamos com a mesma situação, onde a finalidade foi fechar um contrato para a aquisição de submarinos convencionais (SSK) com cláusulas de transferência de tecnologia, visando à futura construção de submarinos com propulsão nuclear (SSN) em território nacional, para a defesa de nosso litoral.

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Situação Geopolítica

O país entrou em uma onda de reestruturação das Forças Armadas (FA) após os recentes acontecimentos geopolíticos da região e o reequipamento com material bélico moderno por outros países nos últimos anos. Essa situação fez com que nossas autoridades mudassem de postura e começaram a delinear uma alteração e planejamento de nossas FA para o médio e longo prazo, apesar de possuirmos alguns problemas prementes para serem solucionados no curto prazo.

Com os vultuosos investimentos a Venezuela adquiriu diversos equipamentos proveniente principalmente da Rússia, bem como o Chile, com material de origem americana e européia. Com isso, o Brasil se viu na necessidade de retomar os investimentos e de tentar nacionalizar o máximo da produção em seu país, evitando ficar refém de fornecedores estrangeiros e possuir condições de no futuro, desenvolver soluções próprias.

Entre as medidas a serem tomadas estão previstos a nova família de blindados média sobre rodas (VBTP-MR) numa parceria Exército Brasileiro (EB) e IVECO DEFENSE BRASIL, a compra de blindados Leopard 1A5 de origem alemã, a produção do radar antiaéreo SABER M-60 (Sistema de Acompanhamento de alvos aéreos Baseado em Emissão de Radiofreqüência) de projeto inteiramente nacional, bem como o míssil anti-carro MSS 1.2, entre outros projetos. Para a Força Aérea (FAB) os principais contratos são o da aquisição de caças (FX-2), o desenvolvimento de uma nova aeronave de transporte estratégico para substituir os longevos C-130 Hércules (EMBRAER C-390), a produção do helicóptero de transporte EC-725 que poderá atender as três forças, com cerca de 17 unidades para cada uma delas.

Para a MB está previsto um grande número de projetos para reestabelecer a capacidade perdida nas últimas décadas, pois se essas medidas não fossem tomadas provavelmente em 2015 a MB não teria condições de realizar sua missão primária.

Após a descoberta de petróleo na camada pré-sal, o governo voltou os olhos para a MB, visando colocar em pratica o PRM (Plano de Reequipamento da Marinha), que busca defender a grande riqueza que também possuímos em nossa “Amazônia Azul”.

O Brasil também solicitou junto a ONU o aumento do mar territorial. Outro ponto importante que incomoda o Palácio do Planalto foi à reativação da 4ª Frota americana, que tem como função patrulhar o Atlântico Sul, mais para o AFRICON, no intuito de conter a expansão chinesa naquele continente.

Dentro desse plano, estão previstas as aquisições e/ou fabricação de navios de

patrulha, cerca de 40 unidades ao custo total estimado de US$ 2,37 bilhões, a aquisição de torpedos, modernização de helicópteros, entre outros projetos, mas nenhum desperta mais atenção que a fabricação do submarino convencional para receber a transferência de tecnologia na busca de conhecimentos para produzir seu próprio submarino nuclear.

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Com o espaço que ganhou na mídia e o envolvimento de tantas autoridades defendendo sua fabricação, podemos até chamá-lo de Projeto “S-X”, em alusão ao Projeto “F-X1” da FAB, onde o lobby e os interesses alheios contribuíram para seu fim. E parece ser o mesmo que influência as decisões nesse processo naval, onde observamos mais interesse político que técnico na decisão.

O presente artigo irá tratar até que ponto será vantajoso a fabricação do

submarino nuclear para defesa de nosso litoral e qual é a melhor opção entre os submarinos convencionais oferecidos ao país.

Forças submarinas da América do Sul

A Guerra Naval é uma das mais complexas que existe para ser travada, onde uma simples emissão eletromagnética pode denunciar sua posição e colocar a embarcação ou a esquadra em perigo.

Atualmente, uma das principais armas de dissuasão nesse ambiente são os

submarinos. Como são de difícil detecção (nem satélites conseguem localizá-los quando submersos) é possível coletar dados e informações para formular táticas que busquem neutralizar os inimigos, aumentando de sobremaneira sua importância estratégica. Podem ser considerados “uma agulha perdida no palheiro”, com relação a sua detecção no mar.

As FA para defender a contento dessas ameaças precisam investir em uma

grande estrutura anti-submarina, o que acarreta um alto custo com material e pessoal para ser mantida.

As principais nações do mundo se valem dessa arma para compor sua força de

defesa naval. Na América do Sul, seis países possuem forças submarinas, conforme tabela abaixo:

País Qtdo Modelos Total Argentina 2/21 TR 1700/IKL 209-1200 4 Brasil 5/52 IKL 209-1400/? 10 Chile 2/2 Scòrpene/IKL 209-1400 4

Colômbia 2/2 IKL 209-1400/SX-506 4 Peru 6 IKL 209 6

Venezuela 2/43 IKL 209-1300/tipo 636 6 Dessa força de submarinos que existe na região, nenhum é propulsado por AIP e

muito menos por propulsão nuclear, somente submarinos convencionais.

1 Um IKL 209 não está operacional por falta de recursos para modernizá-lo; 2 Conforme anúncio do Min. da Defesa em set/2008, onde constam 4 submarinos convencionais e um de propulsão nuclear a serem produzidos;

3 Encomendados;

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Submarino com AIP ou sem AIP?

Uma das principais discussões sobre a compra dos submarinos para a MB reside se eles devem ser adquiridos com a tecnologia AIP ou sem ela. Mas qual a importância de um submarino possuir o AIP ou não?

AIP4 é um moderno sistema usado em submarinos para recarregar suas

baterias elétricas com menor necessidade de vir à tona que os diesel-elétricos habituais. É uma propulsão híbrida, independente da atmosfera. Com isso os riscos de detecção são bem menores se comparada a utilização de snorkel. Nesse caso o submarino tem que subir para ter condições de recarregar suas baterias, tornando fácil sua detecção conforme podemos verificar na foto abaixo, atentando para a quantidade de fumaça sendo emitida:

Submarino esnorqueando para recarregar suas baterias

Foto: www.naval.com.br/blog

Observe no infográfico abaixo, a diferença entre a autonomia de um

submarino com AIP e outro sem o mesmo. Dá para ter uma noção melhor do aumento da vulnerabilidade do aparelho quando o mesmo sobe para recarregar seus sistemas de propulsão.

4 Air Independent Propulsion – Propulsão Independente do Ar;

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Infográfico de SSK com AIP e sem AIP

Fonte: www.naval.com.br/blogl

Os submarinos sul-coreanos da classe IKL 214, que estão equipados com o

AIP, bateram o recorde de permanência submerso para submarinos convencionais (SSK), ficando 19 dias nessas condições. Essa tecnologia permite uma maior autonomia ao submarino como podemos perceber na ilustração abaixo do alcance de um SSK sem AIP e outro equipado com o AIP partindo do Rio de Janeiro – RJ, operando submerso.

Autonomia de um submarino submerso com e sem o AIP

Fonte: UFJF/Defesa

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A MB discutiu o preço de aquisição e operação dessa tecnologia e concluíram que será elevado. Esse fato não deixa de ser contraditório para uma nação que almeja um submarino nuclear, que possui o custo pelo menos três vezes maior que aquele para ser operado.

Outrossim diversas nações hoje que utilizam somente os SSN, estão estudando

a volta dos SSK devido sua furtividade por causa do baixíssimo nível de ruído emitido. Nossa MB obteve grande sucesso na operação Linked Seas 97 com a OTAN, onde conseguiu burlar a cobertura anti-submarina e de vigilância daquela Organização e “afundou” o porta-aviões espanhol Príncipe das Astúrias. Poderíamos ter melhores condições de enfrentar o inimigo, se adotássemos essa tecnologia, que reduz ainda mais a possibilidade de ser detectado.

A transferência de tecnologia

A indústria nacional busca formas de obter conhecimento para a produção nacional de equipamentos militares. Essa decisão é muito importante para nosso parque industrial militar que durante a década de 1980 teve uma grande importância em pesquisa e desenvolvimento de produtos que contribuíram muito para aumentar a nossa balança comercial com exportação principalmente para o Oriente Médio.

O problema é que ninguém que possui tecnologia militar está disposto a transferi-la, isso só ocorre por força de cláusulas contratuais, e ainda assim, o máximo que irá ocorrer é uma disponibilização de informações que proporcionar delinear os requerimentos a serem seguidos por nossa indústria e alguma especialização na produção final. Ainda assim, não será em sua totalidade, pois o contratado poderá ter em um futuro próximo mais um concorrente no mercado internacional e isso não é interessante para eles.

A finalidade de absorção de tecnologia é para a produção do casco do Submarino Nuclear Brasileiro (SNB). A parte de tecnologia nuclear a Marinha vem desenvolvendo o reator desde 1979 e pretende concluir o primeiro até 2012.

Para o desenvolvimento do casco para o Submarino Nuclear Brasileiro (SNB) será necessário um conhecimento tecnológico para deslocamento próximo a 3.000t, e a empresa que foi contratada (DCNS) não possui, mas que ainda não está definido como será efetuada essa transferência.

A tecnologia que conseguimos absorver com os SSK alemães, nos possibilitou incorporar um bom conhecimento e treinar mão-de-obra na fabricação desses equipamentos, experiência esta que não possuíamos anteriormente.

O parque industrial foi desenvolvido para fabricar e manter parte das peças

estruturais de submarinos com essa origem. Além disso, o fabricante alemão também tem experiência em fabricação de submarinos de alta tonelagem de deslocamento, inclusive em águas profundas e não somente em mares fechados como vem sendo comentado.

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Com relação à transferência de tecnologia por parte da indústria francesa, não temos boas referências. A Índia reabriu o processo de aquisição de submarinos para equipar sua esquadra, pelo não cumprimento de cláusulas de repasse de tecnologia por parte da indústria naval francesa. Isso acarretou um grande atraso em seu programa de submarinos, por conseqüência a Índia talvez vá alugar submarinos da Rússia até o seu primeiro submarino entrar em operação. O Paquistão também abandonou a França para adquirir esses equipamentos com a Alemanha, onde citam que o produto é de qualidade superior.

Para a MB atingir total capacidade de operação de seus submarinos em território tupiniquim, também é necessário o investimento para a fabricação de armamentos a serem utilizados nessas embarcações como fez durante a década de 1950. Nesse período o país produziu torpedos para equipar seus navios e submarinos. Segundo a MB, hoje não é possível, devido à baixa demanda pelo equipamento. Mas se a idéia é possuir nove submarinos convencionais e um nuclear. Seria melhor repensar sobre a produção desse armamento, pois nós passaremos a ter demanda, além de criar uma cultura de estoques de armas em tempo de paz, para eventuais conflitos, o que não é bem difundido nos dias atuais.

Mesmo com a implementação da Estratégia Nacional de Defesa (END) do país, divulgada no dia 18/12/2008, ainda não ficou explicitado de onde vamos tirar tantas verbas para conduzir os projetos e planos de reequipamento de nossas FA. Estava previsto para 2007 o início da construção do SMB-10 (Submarino Médio Brasileiro), totalmente desenvolvido aqui com base na tecnologia transferida pelos alemães. Mas devido a falta de verbas não foi adiante.

A partir do SMB seria desenvolvido o projeto para a produção do casco do SNA (Submarino Nuclear de Ataque, atualmente denominado SNB, Submarino Nuclear Brasileiro), que também não vingou. Então hoje nos vemos diante de uma grande mudança de projeto, saindo da escola alemã e indo para a escola francesa, necessitando de grandes investimentos para adequação do parque industrial sem, contudo possuir a certeza da provisão de verbas para conduzir esse projeto nos próximos anos e perdendo boa parte do aprendizado nesta mudança.

Outrossim, o investimento nos centros de pesquisa nacional é importante para dar um salto em qualidade de produtos e formação de mão-de-obra especializada, sem necessitar tanto de auxílio estrangeiro. Hoje é possível ver os frutos obtidos com os investimentos no maior centro de formação de engenharia aeronáutica do país, o ITA, com os projetos e profissionais oriundos daquele renomado Centro, fruto de investimentos no passado.

Pelo cenário econômico mundial que está projetado para o próximo ano será

difícil mudar alguma coisa. Com os cortes no orçamento da Defesa de cerca de R$ 900 milhões, que já foram aprovados, não permitirá grandes mudanças a curto prazo de projetos e reequipamento militar.

Abaixo podemos observar o orçamento aprovado para o Ministério da Defesa

no ano-fiscal de 2009:

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Orçamento do Ministério da Defesa aprovado para 2009

Fonte: http://www.estadao.com.br/ext/especiais/2008/08/orcamento_2009.pdf - pg 23

Está previsto no texto da END, incentivos fiscais para as empresas do setor de

defesa. Será importante também definir quais serão esses incentivos concedidos, para dar maior transparência aos setores contábeis das empresas, permitindo um planejamento melhor da aplicação dos seus recursos. Com o regime próprio de tributação proposto o governo poderá ter que abrir mão de uma parcela de impostos que provavelmente não está em seus planos para o próximo ano. Com a isenção de IPI de carros 1.0 e caminhões e a redução do imposto nos demais segmentos, até março de 2009, será um golpe de pelo menos nove bilhões de reais na arrecadação vindoura.

Com a definição desses incentivos e o incentivo de linhas de financiamento pelo o BNDES para a condução desses projetos de médio e longo prazo, que poderia ser proposto pelo governo, será de extrema importância na retomada da industrialização militar nacional.

Os concorrentes do programa de reequipamento - submarino nacional

Para equipar a MB com mais quatro submarinos estavam concorrendo o alemão U-214 e o francês Scòrpene. Segue abaixo detalhes de cada competidor:

O U-214

De origem alemã e fabricado pela HDW (Howaldtswerke-Deutsche Werft GmbH), é uma evolução do modelo 209, que encontrou no mercado internacional uma grande demanda por esse tipo de aparelho.

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Ao longo de sua existência o modelo 209 sofreu modificações visando atender

da melhor forma os anseios de seus clientes. Surgiram cinco variantes (1100/1200/1300/1400/1500, onde o número indica a tonelagem de deslocamento), foram vendidos cerca de sessenta submarinos dessa classe, sendo a Turquia o maior operador mundial.

Operadores do U-209 pelo mundo

Fonte: wikipedia

Com o batismo de fogo nas operações do Atlântico Sul com a Marinha Argentina durante a Guerra das Ilhas Malvinas, os U-209 contribuiu para o desenvolvimento da nova classe “212 e 214”, além de terem dado muito trabalho para serem localizados pela frota anti-submarina inglesa.

No inicio da década de 1980, o Brasil fechou um contrato de aquisição de cinco unidades do U-209 para nossa frota submarina. Alguns dessas unidades foram produzidas em nosso território, capacitando nossa indústria no desenvolvimento e produção de partes dos sistemas empregados. A adoção desse modelo traria como vantagem a racionalidade logística, além da possibilidade de modernização desses modelos com AIP, obtendo uma frota mais furtiva para operação em nossos mares.

Com uma boa carteira de exportação, o U-214 venceu todas as concorrências que participou ao lado do Scòrpene. Seus clientes são a Grécia (quatro unidades), Coréia do Sul (três unidades, com opção de adquirir mais seis), Portugal (dois U-209PN), Paquistão (três) e a Turquia (seis).

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U-214

Arte: ThyssenKrupp Marine Systems

O U-214 é equipado com casco de alta resistência HY 100 (mais resistente que o HY 80, utilizado no Scòrpene), que permite mergulhar a mais de 400m de profundidade. Com várias aplicações de materiais especiais no casco, permitiram que reduzissem ainda mais a sua emissão de ruído, tornando-o praticamente indetectável quando submerso.

Com a evolução do casco e sistemas do U-214 em relação as suas gerações

anteriores, garante uma melhor capacidade de ficar inerte sem ser percebido pelo inimigo. Quanto maior a profundidade de operação que um submarino pode ir, melhor será para ele se esconder, devido às características físicas e químicas do meio (como temperatura, salinidade e pressão da água) que possuem caráter sazonal e geográfico, o que facilita sua “camuflagem”.

Esse modelo é a versão exportação do U-212, que é operado pela Alemanha e

Itália. Com um custo de aquisição e operação menor e fez muito sucesso no mercado internacional.

Com referência a comentários do alto custo de operação e falta de peças para

mantê-los em disponibilidade, parece ser falácia, uma vez que não justifica uma arma se manter tantos anos e em diversas marinhas como seu principal vetor submarino, possuindo essa fama.

A literatura mostra que submarinos da classe Oberon (ingleses), por ter sua operação muito custosa, logo foram descomissionados e substituídos por outros modelos, inclusive desse fabricante alemão. A própria MB em um dos seus relatórios, cita que o Scòrpene sofre com problemas de fornecimento de peças para os países que o operam, como o Chile.

Com a finalidade de futuramente desenvolver o casco do SNB, pesa contra esse modelo, a falta experiência do fabricante no desenvolvimento de estrutura para esse fim. O Scòrpene leva vantagem por ter casco hidrodinâmico proveniente do submarino

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nuclear da Classe Rubis/Améthyste, mas é derivado de um projeto antigo, cerca de dez anos e que pode acarretar o repasse de uma tecnologia já defasada para instalarmos em nossos estaleiros. Será vantajoso? Não seria melhor continuarmos na escola alemã, que já possibilitou o aprendizado que temos hoje e com o auxilio de nossos centros de pesquisas desenvolver nosso próprio casco? Não estamos fazendo isso com o reator, peça fundamental que não tínhamos nenhum conhecimento nem o repasse da tecnologia?

O custo de formação de técnicos para produzir aquele componente naval é menor devido à experiência adquirida por nossa indústria com a construção dos submarinos Tamoio, Timbira, Tapajó e o Tikuna.

Scòrpene, o escolhido.

O Scòrpene é um projeto originado entre estaleiros franceses e espanhóis, mas não é utilizado pela a marinha daquele país. Oferecido pela DNCS e pelo governo francês ao Brasil, esse submarino vem enfrentando grandes problemas para a aceitação no mercado internacional.

As vendas efetuadas ao exterior, foram por meio de acordos de governo a governo, como está ocorrendo aqui no Brasil. Nas concorrências que participou com o alemão U-214 perdeu todas para este modelo.

Para comprometer ainda mais esse equipamento, a parceria com a Espanha está sendo desfeita, por conflitos internos no projeto, onde os espanhóis não aceitaram colocar equipamentos franceses em seus submarinos, optando pelos de origem americana. Isso gerou um grande descontentamento que parece levar ao fim da parceria.

Com isso a marca Scòrpene deve ser extinta e surgir à marca “Marlin”, que é um submarino mais simples e ainda é um conceito, onde nenhum foi fabricado ou vendido. E nós como ficamos? Vamos comprar um submarino que já está tendo problemas de aceitação pelo mundo afora ou vamos comprar o conceito e arcar com os custos de desenvolvimento do mesmo?

Scòrpene Barracuda

Foto: DCNS Foto: DCNS

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Se a intenção da Marinha é adquirir conhecimento para construir o casco do seu futuro SNB, por que não participar do projeto do novo submarino nuclear francês: o Barracuda? Essa sim seria uma decisão acertada onde estaríamos buscando realmente profissionalizar nossa mão-de-obra com o que tem de moderno no segmento de SSN, um projeto novo e que incorpora novas tecnologias. Além de ajudar os franceses a desenvolver esse programa que está esbarrando em problemas orçamentários (está orçado em cerca de € 6 bilhões).

Com referência a tão esperada transferência de tecnologia para nossa indústria, vamos esbarrar em alguns problemas:

• Vamos ter mão-de-obra especializada disponível para essa empreitada? Independente

do estaleiro vencedor da concorrência, a grande demanda do mercado naval no país nesse momento e a escassa quantidade de profissionais disponíveis poderão acarretar atrasos no desenvolvimento do programa. Precisaremos de pelo menos sete anos para formar novos engenheiros e técnicos especializados na área;

• Outro assunto muito importante e este o principal, é a falta de verbas públicas para a

manutenção de uma linha de montagem e desenvolvimento de equipamentos para o longo prazo. Exemplo recente que possuímos é a não fabricação do sexto submarino convencional para nossa marinha com projeto nacional, pelo fato de não possuirmos recursos, como citado anteriormente;

• A transparência no repasse de tecnologia é mister para entrarmos em um programa

que pode ser desastroso e sem volta. Com problemas na nacionalização de peças e equipamentos, podem acarretar futuramente a sua indisponibilidade, como está ocorrendo no Chile e na Malásia, que ressentem a falta de peças e atendimento de suprimentos para a manutenção de sua operacionalidade. Isso se deve ao fato do Scòrpene ser tratado como um produto de segunda linha pela indústria francesa, uma vez que não é comissionado em sua arma naval.

Este também pode ser um dos últimos contratos que a DCNS fechará. O

motivo poderá ser a possibilidade, até no próximo ano, de ser efetuado uma parceria entre essa empresa e a HDW alemã, fabricante do U-214. Segundo um artigo publicado no portal francês Meretmarine5, em 21 de fevereiro de 2006, o presidente da DCNS Jean-Marie Poimboeuf, diz que é um defensor no desenvolvimento de um submarino europeu, que segundo o texto refere-se como o “Airbus naval” e nada mais natural do eixo fluir de Paris para Berlim.

Essa preocupação se deve ao fato do mercado ter poucas encomendas e o reagrupamento de indústrias é fundamental para o desenvolvimento de projetos e redução de custos, visando o aumento de lucros no médio prazo, além da possibilidade de concorrência asiática no setor em breve. Com isso a fusão das empresas é importante para não ficarem em uma concorrência interna na Europa.

5 www.meretmarine.com/article.cfm?id=1303, sítio acessado em 17/12/2008;

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É citado no texto que um projeto franco-alemão em comum vem sendo

discutido há cerca de dois anos (isso em 2006) e que poderia chegar a um acordo em breve. Isso demonstra ainda mais a possibilidade de retirada do Scòrpene da linha de produção, mesmo com a observação feita por ele que “a empresa possui um bom produto, mas é um equipamento concebido há mais de dez anos, herdeiro do casco dos SNA do tipo Rubis, versão Amethyste”, é um produto que não terá muito futuro pela frente.

Com relação à operação de um outro submarino, vai acarretar um aumento dos custos para a manutenção de duas linhas de logística, tanto dos submarinos alemães que operamos e os franceses que virão. Isso irá onerar ainda mais os custos operacionais e comprometer o orçamento raquítico que possuímos e depende em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado para ser aumentado.

Segundo as marinhas que operam o Scòrpene com AIP, ele é problemático e proporciona baixa autonomia. No próximo item tem uma tabela comparativa entre os dois que destaca bem a diferença de desempenho dos submarinos.

Dos 250.000 itens que o compõe, apenas 36.000 serão nacionais, pois é o que

temos condições de produzir localmente.

Comparações entre o U-214 e o Scòrpene.

Designação Scòrpene U 214

Fabricante DCNS (França)/Navantia (Espanha) Howaldtswerke-Deutsche Werft GmbH (HDW)

Deslocamento • Submerso: 1.900t (c/ AIP) • Superfície: 1.700t

• Submerso: 1.980t • Superfície: 1.700t

Dimensões (m) 66,4 (básico)x 6,20 65 x 6,30

Aço do casco HLES 80 (equivalente HY80) HY100

Motorização

Diesel • Chile: 4 diesel MTU • Malásia/Índia: 2 x MTU-396 16V (3.12 MW)

2 x MTU 16V 396 (6.24 MW)(Grécia) 1 MTU 16V 396 (3.12 MW)(Coréia do Sul)

Elétrica • Chile: 1x Jeumont-Schneider 2800 kW (3.808 shp) • Malásia/Índia: 1x Jeumont-Schneider 4 700 shp

1x Siemens Permasyn Type FR6439-3900KW (2.85 MW)

Propulsão Hélice de 7 pás de alta performance e baixo ruído Hélice de 7 pás de alta performance e baixo ruído

AIP

DCN MESMA AIP (opcional) 2 x HDW/Siemens PEM fuel cell 120 kW

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(kW/t) 1.572 1.444

Velocidade submerso (nós)

20 20

Autonomia

• Superfície: 12.000 km a 15 km/h • Submerso: 1.000 km a 7 km/h • AIP: 134 horas / 536 milhas a 4 nós • 50 dias

• Superfície: 14.800 km a 15 km/h • Submerso: 780 km a 15 km/h • AIP: 1.500 milhas a 4 nós • 50 dias

Profundidade Máxima

+300m +400m

Sensores

Sonar suíte

• SUBTICS

• ISUS90

Sonares • DUUA 2ª • DSUV 22 • TSM-2233 Eledone

• CAH array cilíndrico para detecção passiva em médias freqüências; • FAS-3-1 sonar flank array para detecção em baixas/médias freqüências; • TAS 90 towed array de baixa freq. em ambientes de médio ruído; • PRS-3-15 sonar passivo para cálculo de distância do alvo • CTA sonar ativo para determinação de distância do alvo e rumo • Sonar array para detecção de emissões sonar de navios de superfície • MOA 3070 sonar ativo de alta freq. para detecção de minas (opcional)

Radares • DRUA 33 Calypso III • Kelvin Hughes, I-band

• Kelvin Hughes Type 1007 I-band nav.

ESM • AR 900 • TIMNEX II(Elbit)

Optronics • SAGEM APS • SAGEM SMS optronic mast

• Carl Zeiss SERO 14 (FLIR & optical range finder) • Carl Zeiss SERO 15 (laser range-finder)

Contramedidas

• EDO Reco Systems AR-900 electronic support measures/direction-finding (ESM/DF) system • WASS C-303 anti-torpedo system • ASR 900, intercept

• CIRCE anti-torpedo system

Tripulação 31 27 (incluindo 5 oficiais)

Armamento

6 tubos lança-torpedos de 533mm 18 torpedos/mísseis/minas

8 tubos de 533mm (4 tubos p/ sub-harpoon ou similar) 24 torpedos/mísseis/minas

Exportação

• Chile: 2 (US$ 300 cada) • Malásia: 2 (US$ 1 bilhão) mais treinamento no Agosta-70 • Índia 6 (US$ 2 bilhões) mais transferência de tecnologia

• Grécia: 4 (US$ 1,5 bilhão) • Coréia do Sul: 3 (+6?) (US$ 1,12 bilhão) mais transferência de tecnologia; • Portugal: 2 (U209PN); • Paquistão: 3; • Turquia: 6

TOTAL 10 18

Prós e contras

Prós: • Casco hidrodinâmico derivado do submarino nuclear “Rubis/Amethyste”, mas mais compacto; • Algumas tecnologias usadas nos submarinos nucleares franceses “Amethyste/Le Triomphant”, como o SUBTICS;

Prós: • Design baseado na bem sucedida família de submarinos 209, com quase 60 submarinos vendidos, facilitando a manutenção; • Possibilidade de aproveitamento da experiência e das instalações do AMRJ para a construção no Brasil; • Incorporação das tecnologias do 212A da Marinha

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Contras: • Segundo algumas fontes, problemas legais com o ex-sócia Navantia obrigaram a França a reprojetar o submarino; • A manutenção mais cara e mais complexa; • Dificuldades de preço, prazo e fornecimento de peças sobressalentes, por causa de fornecedores fora da França; • Segundo fontes chilenas, problemas nos periscópios, sensores e hardware em geral, com excessiva demora nos reparos, pela dificuldade de acesso aos equipamentos.

Alemã; • Melhor sistema AIP da atualidade Contras: • Propulsão AIP considerada de operação cara para padrões brasileiros, sendo necessária a adaptação de uma versão para o Brasil; • Problemas encontrados nos testes de mar nas primeiras unidades na Grécia e Coréia (atualmente solucionados); • Segundo algumas fontes, insatisfação da MB com o fornecimento de peças para os atuais U-209, por motivos contratuais;

Fonte: www.naval.com.br/blog

Conclusão

Com o anúncio da assinatura do contrato, feito no dia 23/12/2008, entre o Brasil e a França, parece que vamos dar mais um passo para trás. A adoção do submarino francês deve onerar bastante os investimentos e manutenção dos meios futuramente, afinal, tudo será duplicado.

Com a crise mundial que começa a assolar diversos setores da economia mundial, inclusive o de defesa, o lobby e interesses políticos faz com que acatemos cada vez mais produtos que parecem não estarem de acordo com a tendência mundial de racionalização de projetos, diminuição dos custos de operação e comunalidade de equipamentos empregados. Porque adquirir um produto que não está sendo bem aceito no mercado internacional? Se não está bem no mercado é porque tem algum problema a ser corrigido.

Faz-se necessário também a aplicação de recursos em nossos centros de pesquisas e desenvolvimento para estimular o desenvolvimento, formação e permanência da mão-de-obra especializada no país.

Inclusive esse é um fato a ser considerado por nossas indústrias. Como possuímos vários fornecedores de pequeno porte no mercado de defesa, é interessante o governo viabilizar linhas de financiamento para a aquisição ou a incorporação dessas empresas, para a formação de grupos maiores, que teriam mais forças para enfrentar os problemas que assolam a economia mundial, além da retenção dessa mão-de-obra em nosso território. Hoje a maior parte dos nossos bons profissionais, é exportada, para trabalharem em outros países por falta de estímulo profissional e baixos rendimentos pecuniários.

Com relação à construção do SNB é de grande importância para a defesa do nosso país, mas no momento ele se faz necessário? Não será investir uma “montanha” de recursos para a produção de uma arma que sequer temos condições financeiras de manter e operá-lo por vários anos? O nosso porta-aviões que foi comprado por somente US$ 12

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milhões da França não temos recursos para colocá-lo no mar novamente! A modernização não foi concluída por dificuldades financeiras.

Então não seria mais viável inicialmente procurarmos solucionar os problemas que a frota naval possui, como modernizar o que possuímos, fabricar novos submarinos convencionais com projetos nossos, pois conhecimento temos, e depois partirmos para outro patamar operacional?

Levando o exemplo para a aviação, por quais motivos o interesse de projetar e produzir aviões de quinta geração, sendo que estamos voando os de terceira e temos dificuldades financeiras de adquirir uma pequena quantidade dos de quarta geração? Quando estará pronto o “nosso” avião de quinta geração? Quando os UAVs estiverem dominando os céus nos combates aéreos? Os nossos vão ter alguma chance no combate?

Vamos analisar as decisões tomadas, tentar corrigir o que ainda podemos e estudar melhor o que virá para o futuro, na tentativa de evitar erros que podem comprometer ainda mais a capacidade operacional de nossas forças. Temos condições de possuir vários submarinos operando? Mais de um porta-aviões? Até temos, mas primeiramente será necessário estipular a origem dos recursos de forma vinculada, onde o poder público não terá discricionariedade na aplicação dos mesmos. Só assim começaremos a pensar em uma defesa capaz e realmente efetiva do nosso território e litoral.