artigo semiótica - poesia visual

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A Sintonia Entre O Visual E O Verbal: A (Re)Criao Da Poesia No Espao Digital

OS ENTRELAAMENTOS DA POESIA NA ERA TECNOLGICA: CONSIDERAES SOBRE AS NOVAS MANEIRAS DO FAZER E DO EXISTIR POTICO.Roselene Berbigeier Feil (UFGD/PPGL/CAPES)

RESUMO: Pensar a reformulao da poesia colocando a seu servio as ferramentas tecnolgicas permite ampliar as possibilidades de construo e da interao do poeta, e dos leitores, com as formas poticas. O entrelaamento entre o signo verbal e visual se apresenta mais fortalecido dentro desse contexto eletrnico ganhando a companhia do signo sonoro que passa a fazer parte da poesia no apenas como um sussurro imaginativo que reverbera na mente do leitor, mas como presena significativa na construo. A palavra, o som, o movimento, a cor e a imagem convivem harmoniosamente e se encontram reunidos em um nico suporte: a poesia deixa a materialidade papel e passa a habitar o espao virtual. Este novo espao transcende o espao internalizado da poesia, que at ento residia na virtualidade do inconsciente do leitor. A unio de novos elementos que faz o sentido da obra se revelar e se expandir alm das limitaes de uma existncia apenas textual. Ainda que a existncia de poemas em forma visual no seja um fato recente, as tecnologias digitais aparecem como um suporte inovador que favorece o trnsito visual - verbal. Um sistema de configurao e reconfigurao da era eletrnica corporifica a expresso do poema. PALAVRAS CHAVE: Poesia Concreta; Tecnologia; Entrelaamento; Signo Verbal; Signo Visual.

RESUMEN: Pensar la reformulacin de la poesa ponendo en su servicio las herramientas tecnolgicas puede expandir las possibilidades de construccin y de la interaccin del poeta y, de los lectores, con "las formas poticas". El entrelazamiento de los signos verbales y visuales son ms energa en este contexto, un buen seal de que la empresa se convierte en parte de la poesia no slo como un susurro que resuena en la mente imaginativa del lector, sino como una presencia significativa en la construccin. La palabra, el sonido, el movimiento, el color y la imagen de vivir juntos se renen en una sola plataforma: la poesa sale del fondo "papel" y habita en el espacio virtual. Este nuevo espacio ms all del espacio interiorizado de la poesa, que hasta entonces resida en la virtualidad del inconsciente del lector. La combinacin de nuevos elementos que dan sentido a la obra hacen una revelacin y ampliacin ms all de las limitaciones de una existencia slo textual. A pesar de que la existencia de poemas en forma visual no es un hecho reciente, las tecnologas digitales aparecen como un soporte innovador que promueve el transporte visual - verbal. La configuracin del sistema y la reconfiguracin de la realizacin electrnica de la expresin del poema.

PALABRAS CLAVE: Poesa Concreta; Tecnologia; Entrelazamiento; Signo Verbal; Signo Visual.

O poeta aquele que pensa com imagem.

NovalisO poeta o designer da linguagem.

Dcio Pignatari

A poesia frente s novas tecnologias eletrnicas apresenta alguns elementos que merecem ateno e tem despertado o interesse de estudiosos do hipertexto como expoente da comunicao na modernidade. O computador aparece como uma ferramenta que traz nova materialidade ao corpo da poesia, frisando que esto enganados aqueles que acham que um poema s poema porque se parece com um. A barreira da aparncia j foi transposta h tempos pela iniciativa dos primeiros poetas modernos, dentre eles: Rimbaud, Baudelaire e Mallarm. Materialidade talvez no seja o termo correto a ser utilizado dentro desse espao virtual, o que se pretende dizer que no meio digital o som, a cor, o movimento e os efeitos visuais so incorporados forma potica dando uma nova ordem para as palavras e, no poucas vezes, as dispensando do poema. Em um sistema de simbiose, a palavra e a imagem se entrelaam. As rimas, por exemplo, tradicionais nos poemas mais clssicos, neste novo universo esto ligadas mais ao sentido das palavras e no to somente ao som. O suporte digital, portanto, aparece como um meio facilitador da fuso dos aspectos verbais, visuais e sonoros de um poema.

No h como assumir uma postura tradicional diante da poesia, esperando dela apenas uma distribuio regular em versos, em que fundo e forma, mtrica e a rima estariam presentes como regra. A poesia sai das pginas impressas e ganha tridimensionalidade. Na expanso dos signos a doutrina linear se desfaz em busca de uma espacializao e a visualidade explorada. Assim, sem postular termos hierrquicos pode-se transitar livremente entre o verbal, o sonoro e o visual como pretendido, por exemplo, no projeto Verbivocovisual desenvolvido pelos irmos Haroldo e Augusto de Campos e por Dcio Pignatari. Augusto esclarece alguns pontos do projeto:

Em sincronizao com a terminologia adotada pelas artes visuais e, at certo ponto, pela msica de vanguarda (concretismo, msica concreta), diria eu que h uma poesia concreta. Concreta no sentido em que, postas de lado as pretenses figurativas da expresso (o que no quer dizer posto margem o significado), as palavras nessa poesia atuam como objetos autnomos. Se, no entender de Sartre, a poesia se distingue da prosa pelo fato de que para essa as palavras so signos, enquanto para aquela so coisas, aqui essa distino de ordem genrica se transporta a um estgio mais agudo e literal, eis que os poemas concretos caracterizar-se-iam por uma estruturao tico-sonora irreversvel e funcional e, por assim dizer, geradora da idia, criando uma entidade todo-dinmica, "verbivocovisual" o termo de Joyce de palavras dcteis, moldveis, amalgamveis, disposio do poema. (CAMPOS, 1955, s/p.) inquestionvel que as tecnologias eletrnicas se apresentam como um meio em que a poesia assume caractersticas peculiares e o encontro das diferentes linguagens facilitado. Entretanto, no correto pensar que foi apenas com o advento da era tecnolgica que as experimentaes poticas e a unio da palavra escrita com a imagem e o som se tornaram possvel. Quanto s possibilidades de estruturao da poesia, Stphane Mallarm, desde o final do sculo XIX, em Un coup de ds, j apresentava uma nova maneira de ordenar a poesia e lanar as palavras sobre o papel. A poesia passa a completar, com Mallarm, seu sentido no apenas atravs das palavras, mas na relao entre os signos e o espao, inclusive os espaos em branco das pginas onde os versos so escritos passam a fazer parte do verso.

Na dcada de 50, os poetas concretistas brasileiros, sob a influncia de Stphane Mallarm, Ezra Pound, E. E. Cummings, distanciaram-se da utilizao do verso tradicional e se preocuparam com a organizao do poema no espao. Diante das novas maneiras do uso da linguagem, a poesia concreta passa a explorar o aspecto visual. Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Dcio Pignatari, poetas paulistas, criaram um grupo, em 1952, intitulado Noigandres. A revista, de mesmo nome, servia de suporte para difundir as ideias e os experimentos da linguagem potica. no segundo nmero de Noigandres, 1955, que aparece o termo poesia concreta, no qual Augusto de Campos lanou a srie Poetamenos, trazendo contribuies significativas para a poesia.

Percorrendo ainda o universo mallarmico, no se pode esquecer o relato de Arlindo Machado: O sonho de Mallarm, perseguido durante toda a sua vida, era dar forma a um livro integral, um livro mltiplo que j contivesse potencialmente todos os livros possveis; ou talvez uma mquina potica, que fizesse proliferar poemas enumerveis; ou ainda um gerador de textos, impulsionado por um movimento prprio, no qual palavras e frases pudessem emergir, aglutinar-se, combinar-se em arranjos precisos, para depois desfazer-se, atomizar-se em busca de novas combinaes (MACHADO, 1996, p. 165).

Assim, percebe-se que o sonho de Mallarm revelava a pretenso de no se restringir a uma forma nica e a um modelo fixo de leitura. Imerso em um jogo de combinaes, em que as regras no so determinadas e as frmulas no esto prontas, um campo de experimentaes e possibilidades se abre, os poemas j no tem forma definida, so manipulveis vontade do leitor e aleatoriedade de um lance de dados. Anlogo a um lance de dados, movimentos e combinaes diferentes se estabelecem, permitindo um processo infinito de construo e reconstruo da forma textual. Essas constataes permitem uma reflexo acerca do hipertexto e das possibilidades que o receptor tem de participar de uma obra plstica ou literria. O termo hipertexto apesar de no ser novo, ainda precisa de definies mais claras, resumidamente pode-se dizer que, quanto etimologia o prefixo hiper - (do grego "-", sobre, alm) remete superao das limitaes da linearidade, ou seja, no sequencial do antigo texto escrito, possibilitando a representao do pensamento, bem como um processo de produo e colaborao entre as pessoas, ou seja, uma (re)construo coletiva. No hipertexto diversas barreiras so rompidas e passam a cooperar em simbiose, dentre elas a intertextualidade, a preciso, o dinamismo, a velocidade, a acessibilidade, a estrutura em rede malevel, a interatividade, a organizao multilinear e a transitoriedade, esta ltima talvez seja o grande contributo para o novo modo de fazer poesia. As reflexes encaminham cincia de que o receptor pode ressignificar, recriar e reordenar a obra. Ser apenas um mero contemplador no se enquadra mais dentro das possibilidades e dos caminhos abertos ao apreciador da arte potica. O leitor convocado a participar e, portanto, desempenha uma funo de co-autoria na obra.

Esse espao significativo que o espectador conquistou dentro da obra nos permite refletir acerca do processo criativo, quem cria j no um vrios. Tendo em vista a nova estrutura que se estabelece entre autor e pblico, como, ento, configura-se a criao e como fica a questo dos Direitos Autorais? Frente a essa realidade, possvel dizer que a ideia de criao individual e de obra como fruto da imaginao exclusiva de um autor, perde o seu espao. Outra ideia que cai por terra a de gnio criador e de talento inato, pois a obra revela o seu sentido atravs da interao do receptor. A trade autor-obra-receptor concretiza a ideia de processo e no apenas de projeto nico, de forma fixa e imutvel.

Toda a discusso referente autoria e aos direitos autorais pertinente neste momento. De acordo com Pierre Lvy: [...] at o fim da Idade Mdia, no se considerava necessariamente como autor qualquer pessoa que redigisse um texto original. O termo era reservado para uma fonte de autoridade, como, por exemplo, Aristteles, enquanto o comentarista ou o copista glosador no mereciam essa denominao. Com a impresso, e, portanto, a industrializao da reproduo dos textos, tornou-se necessrio definir de forma precisa o estatuto econmico e jurdico dos redatores. Foi ento, enquanto seu direito ia sendo progressivamente estabelecido, que tomou forma a noo moderna de autor. Em paralelo, a Renascena viu o desenvolvimento do conceito do artista como criador demirgico, inventor ou conceitualizador, e no mais apenas como arteso ou transmissor mais ou menos inventivo de uma tradio (LVY, 1999, p. 152).

O que Pierre Lvy destaca a constituio do estatuto ou dos direitos do autor. A reproduo dos textos concretizou a necessidade de se firmar regras de propriedade exclusiva da obra. O que antes no era considerado como um produto de posse comeou a ganhar limites particulares, isto , o objeto artstico no era, originalmente, concebido como uma propriedade nica, mas aos poucos recebeu autoridade especfica. Frente a essa realidade, necessrio mencionar alguns dados dos direitos autorais que se tornam importantes numa discusso que pretende rever a formar do fazer potico. A Lei n 9.610/98 de 19 de fevereiro de 1998 garante ao autor o direito de assegurar a integridade da obra e conserv-la indita (BRASIL, 1998, art. 24). Ainda nessa mesma Lei atribudo ao autor o direito exclusivo de utilizar e dispor da obra literria, artstica ou cientfica (BRASIL, 1998, art. 28). Ao verificar que o receptor se tornou um co-autor da obra e que o processo de criao no se restringe apenas ao autor, consequentemente se inviabiliza os direitos de utilizao exclusiva da obra: o autor j no mais o mesmo e o pblico assume um novo papel. Neste sentido atribuir valores exclusivos a um nico autor passou a ser uma tarefa complicada; no entrelaamento autor-receptor que a obra se configura, indo alm do que se entendia como Esttica da Recepo, termo cunhado por Wolfgang Iser e Hans-Robert Jauss. Dentro da teoria literria essa corrente afirma que a experincia esttica no se inicia pela compreenso e interpretao do significado de uma obra; menos ainda, pela reconstruo da inteno de seu autor, no caso aqui tratado, pelo poeta. A experincia primria de uma de arte realiza-se na sintonia com seu efeito esttico, isto , na compreenso fruidora e na fruio compreensiva diretamente ligadas ao receptor. A recepo da obra se transforma em participao na obra.Nessas circunstncias, vlido questionar sobre qual o conceito e a funo do autor e, em busca de uma resposta recorre-se a Michel Foucault que assim discorre sobre o assunto: A funo autor est ligada ao sistema jurdico e institucional que encerra, determina, articula o universo dos discursos; no se exerce uniformemente e da mesma maneira sobre todos os discursos, em todas as pocas e em todas as formas de civilizao; no se define pela atribuio espontnea de um discurso ao seu produto, mas atravs de uma srie de operaes especficas e complexas; no reenvia pura e simplesmente para um indivduo real, podendo dar lugar a vrios eus em, simultneo, a vrias posies-sujeitos que classes diferentes de indivduos podem ocupar (FOUCAULT, 1992, p. 56-57).

Foucault nos apresenta uma ideia relevante, na medida em que afirma que a funo e a concepo de autor no so sempre as mesmas. Em uma determinada poca e em um determinado lugar isso se configurar de um modo diferente. Aquilo que o texto atinge no algo pr-dado, mas uma transformao do material pr-dado que contm. Quanto mais o leitor atrado pelos procedimentos a jogar os jogos do texto, tanto mais ele tambm jogado pelo texto. O jogo do texto pode ser cumprido individualmente por cada leitor, que, ao realiz-lo de seu modo, produz um suplemento individual, que considera ser o significado do texto. O significado um suplemento porque prende o processe ininterrupto de transformao e adicional ao texto, sem jamais ser autenticado por ele, uma vez que no h texto finito em si mesmo.

Pode-se conjecturar que as tecnologias eletrnicas so um meio que estreita as relaes entre autor e pblico. Dessa forma, qual seria, portanto, o estatuto da autoria diante das novas mdias digitais? Para responder a essa pergunta, preciso lembrar que, como j atestava Foucault, o conceito de autor se modifica durante os tempos. Se a concepo de autor est em transformao, ento, certamente as normas impostas pela legislao que regula dos Direitos Autorais precisam ser repensadas.

Os textos so lanados num espao virtual e cabe ao receptor interferir sobre eles. Toda gama de textos est disponvel a espera de sugestes, modificaes e continuaes de seu contedo. Alguns autores recebem colaborao dos leitores na construo de suas obras o que as torna uma obra coletiva, que ganha novo flego sempre que um leitor se dispe a participar dela. Cada vez mais os navegadores da internet podem acessar e ressignificar obras, alm de se sentirem vontade para criarem e exporem seus textos.

No que diz respeito interao no mundo digital, Lucia Santaella nos atesta que: O adjetivo interativo surgiu como um termo mais inclusivo para descrever o tipo de arte da era digital, a ciberarte, na qual a rapidez de transformao da tecnologia tem expandido notavelmente o campo de atuao do artista. Estes interagem com as mquinas computacionais, uma interao complexa com um objeto inteligente, tendo em vista criar interaes com os usurios que, graas internet, iro receber a arte em suas prprias mquinas, manipulando essa arte ao participar de rotinas pr-programadas que podem variar e ser modificadas de acordo com seus comandos ou movimentos. Longe de se limitarem ao mero clicar do mouse ou navegao na rede, que tambm so formas de interatividade, os artistas criam trabalhos que so verdadeiramente participativos, levando aos seus extremos o potencial colaborativo das redes e a impermanncia radical da interatividade (2005, p. 63).

Pode-se afirmar que no apenas o campo de atuao do artista que se mostra expansivo com as modificaes da tecnologia, mas tambm a rea de atuao do prprio receptor. A interao com as mquinas no se restringe somente ao autor, pois o pblico manipula e participa da obra. A criao no mais um ato exclusivo do artista; o espectador est a todo o momento criando e recriando o trabalho artstico. Alm de necessitar de uma srie de profissionais que trabalham para que o suporte virtual seja adaptado arte: designers, programadores de mdia e demais funes ligadas rea tcnica. No seria exagero afirmar que a poesia adquiriu uma funo social, no nos moldes de poesia de panfleto ou poesia engajada, mas como geradora de trabalho e renda.Seguindo ainda a ideia de criao e de interao, um fator que merece ateno o da leitura dos textos. O suporte se modificou assim como o modo de ler tambm, ou seja, ler no significa apenas correr os olhos linha a linha sobre o papel ou receber passivamente o contedo da obra, mas escrever um novo texto. A reescritura da obra faz com que, atravs da participao ativa do receptor, o texto receba sentidos diversos e inesgotveis.

No se pode esquecer que a materialidade ou a fisicalidade do texto se transfigurou. O contato entre leitor-texto estabelece uma nova ligao, isto , a relao palpvel e concreta com os materiais impressos se encontra diluda quando se trata da tela do computador. Pensar na maneira como se ordena o texto no espao virtual se mostra relevante em um contexto que se quer moderno a qualquer preo. No hipertexto, texto em formato digital que se liga a outras informaes, o leitor tem a possibilidade de escolher o seu prprio caminho de leitura. De link em link, uma estrutura nova se forma e um percurso diferente trilhado. O carter linear e sequencial do texto se rompe. Incio, meio e fim j no esto mais pr-determinados e dados de antemo; a estruturao da leitura e da escrita do texto so delegadas ao leitor. As ideias esto interligadas e distribudas no ambiente hipertextual. Elos, ns, rede e no-linearidade, eis os conceitos que se manifestam dentro do hipertexto.

Frente a um livro impresso, por mais que suas pginas sejam folheadas aleatoriamente e se tenha a possibilidade de saltar do fim para o comeo com escalas no meio do texto, ainda assim h um sentido de priso a uma sequncia lgica e estruturada. Tentativas de quebrar com a linearidade textual so encontradas no meio impresso, mas so sobremaneira limitadas pela materialidade do texto que, de certa forma, regula o sentido do texto. Mesmo diante dessa busca de uma no-linearidade, os materiais impressos no possuem ferramentas adequadas para que isso se realize. somente com as tecnologias eletrnicas que esse projeto pode se concretizar. Assim, as mdias digitais permitem transpor os limites j estruturados e acessar um campo diverso de leitura. Dentro das inmeras possibilidades de construo textual, Arlindo Machado afirma: A disponibilidade instantnea de todas as possibilidades articulatrias do texto favorece uma arte da combinatria, uma arte potencial, em que, ao invs de se ter uma obra acabada, tem-se apenas seus elementos e as leis de permutao definidas por um algoritmo combinatrio. A obra agora se realiza exclusivamente no ato de leitura e em cada um desses atos ela assume uma forma diferente, embora, no limite, inscrita no potencial dado pelo algoritmo (MACHADO, 1996, p.180).

Com isso, verifica-se que a obra est em construo e no h um vislumbre de finitude para tal empreita. A cada nova combinao, um sentido novo se revela. As molduras fixas que prendem e delimitam as obras so abertas para uma rea de multiplicidade e de articulaes. As leituras diversas, portanto, trazem um dado e uma organizao diferente para a obra.

Pensar em uma permanente modificao e em um distanciamento de uma estrutura nica e fixa da obra, permite-nos refletir acerca do ensaio de Walter Benjamin, A obra de arte na era da sua reprodutibilidade tcnica (1936). As questes postas por Benjamin podem ser transpostas para o campo das novas tecnologias eletrnicas. De acordo com o seu pensamento, as tcnicas de reproduo trouxeram alteraes nas manifestaes artsticas. Assim: Mesmo na reproduo mais perfeita, um elemento est ausente: o aqui e o agora da obra de arte, sua existncia nica, no lugar em que ela se encontra. nessa existncia nica, e somente nela, que se desdobra a histria da obra. Essa histria compreende no apenas as transformaes que ela sofreu, com a passagem do tempo, em sua estrutura fsica, como as relaes de propriedade em que ela ingressou (BENJAMIN, 1994, p. 167).

As reflexes de Benjamin giram em torno da aura e o do carter nico da existncia da obra. Frente reprodutibilidade tcnica, esses dois elementos se desintegram. A perda da do valor aurtico e da unicidade da manifestao artstica, reorganiza a trade autor-obra-pblico. No sculo XXI, h que se pensar a obra de arte no apenas no que se refere era da reprodutibilidade tcnica, mas tambm a era digital.

Como se verifica, as mdias eletrnicas permitem a interligao de ideias e de contextos diferentes. De forma no linear a leitura se concretiza e as combinaes possibilitam gerar novos textos e novas obras. Com isso, por meio das ferramentas tecnolgicas que as tentativas de romper com linearidade no meio impresso e o sonho de Mallarm, de dar forma a um livro mltiplo, podem realmente se efetuar.

As configuraes visuais incorporadas ao poema no um aspecto novo. As vanguardas histricas, do incio do sculo XX, so uma prova de que as formas visuais presentes no poema no um fato recente. O futurismo, o cubismo, o dadasmo e o surrealismo pensavam na relao entre o texto e a imagem. Nessa formao hbrida, podemos citar as obras Page-Objet, de 1934 e Poeme-Objet, de 1935, ambas de Andr Breton, como exemplos desse encontro entre visualidade e signos verbais. Vale lembrar que os poemas citados neste trabalho no esto corporificados no texto devido proteo, ou pseudo-proteo, que a tecnologia impe poesia. Uma proteo questionvel j que o leitor pode interagir com o texto e fazer o poema s suas infinitas maneiras.O poema pode ser configurado sem palavras, de modo que a escrita no apresenta um papel superior ao da imagem. A partir dessa perspectiva, Antero de Alda, em Vocabulrio de inverno 1984Vocabulrio de inverno, de 1984, abdicou dos signos verbais e explorou o aspecto visual. Esta obra interessante, na medida em que subverte os valores da poesia tradicional.

Quando se pensa no cruzamento palavra - imagem, deve-se lembrar que esse binmio passou por um processo de separao e de fuso de seus respectivos conceitos. Essa separao construiu uma forma binria e hierarquizada de conceber o visual e o verbal. Para Foucault (2007), a indistino entre esses dois signos perdurou at o fim do Renascimento. Em suas palavras: A profunda interdependncia da linguagem e do mundo se acha desfeita. O primado da escrita est suspenso. Desaparece ento essa camada uniforme onde se entrecruzavam indefinidamente o visto e o lido, o visvel e o enuncivel. As coisas e as palavras vo separar-se. O olho ser destinado a ver e somente a ver. O ouvido somente a ouvir. O discurso ter realmente por tarefa dizer o que , mas no ser nada mais que o que ele diz (FOUCAULT, 2007, p. 59).

Nessas circunstncias, o entrelaamento entre imagem e escrita se encontra desmanchado, mas esse rompimento no definitivo. Uma busca em restabelecer os vasos comunicantes desfeitos encontrada no final do sculo XIX e incio do XX. Interdependncia, similitudes e aproximaes so termos que voltaram a ser destacados na caracterizao do binmio verbal visual.

Nesse caso, cabe uma questo: o que legitimaria uma obra como literria ou como plstica, j que a imagem no se restringe ao artista e a palavra no se limita apenas ao poeta? Essa uma reflexo importante, tendo em vista que h vrios trabalhos que se encontram nesse limiar entre a obra plstica e a obra potica. Na nova forma de exposio da poesia ocorre no somente uma harmonia sonora, visual e verbal, mas intelectual tambm, essa harmonia deve-se ao fato de haver uma necessidade de horizontes intelectuais ao menos parecidos: autor e leitor devem compartilhar experincias, no mnimo, para que a interao e o efeito catrtico da poesia se realizem em sua amplitude. Para Siegfried J. Schmidt, a poesia visual o espanto do falante perante a prpria lngua, concretizado em evento esttico na frgil fronteira entre percepo tica e lingustica. O poeta visual Heinz Gappamyr distingue a poesia discursiva da poesia visual atravs de alguns tpicos: ponto de partida da poesia discursiva: percepes, experincias, lembranas; ponto de partida da poesia visual: conceitos e signos; forma lingustica da poesia discursiva: frases, estrofes em sequncia convencional, paradigmas integrados no sintagma, metforas, smbolos; forma lingustica da poesia visual: substantivos, verbos, adjetivos, advrbios isolados, slabas; ausncia de sintaxe no sentido convencional; ausncia de metforas. Schmidt considera que do ponto de vista lingustico o texto visual ainda-lngua, e do ponto de vista comunicativo ainda-linguagem; encontra-se na fronteira entre j-lngua e ainda-lngua, j-sentido e ainda-sentido, ou seja, o texto visual opera no nvel metassemntico, no argumentando nem demonstrando, mas sim mostrando o sentido.

Como j fora apontado anteriormente, a presena de formas visuais no poema antiga, entretanto o termo poesia visual mais recente. Segundo Menezes o termo poesia visual mais especfico, refere-se a um fenmeno potico do sculo XX, em que o cruzamento das linguagens decorrncia direta do panorama visual das grandes cidades e dos meios de comunicao (MENEZES, 1998, p. 13-14).

Nas experimentaes poticas, os meios digitais possibilitam no s uma gama de manipulaes, como tambm, geram novas formas, constituindo-se como uma ferramenta de criao, significativo citar o poeta portugus Antero de Alda, nascido em 1961, formado em Artes Plsticas pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto e Mestre em Tecnologias pela Universidade do Minho. O poeta faz um trabalho situado entre o experimentalismo semitico e alguma iconografia lrica documental. O artista considerado pela crtica uma referncia na associao da poesia, da imagem e dos recursos miditicos. Antero de Alda tem aberto caminhos novos no que diz respeito poesia animada por computador, introduzindo vrias tcnicas de interao e multimedialidade. Vrios poemas so apresentados, em uma primeira verso, em forma impressa e s posteriormente ganham uma animao computadorizada. Diante disso, no se pode esquecer que muitos princpios explorados no espao virtual j tinham sido adotados no material impresso. O que essas tecnologias fazem valorizar os princpios concebidos anteriormente, permitindo uma configurao particular da poesia. Assim, encontra-se uma sintonia entre a poesia original, distribuda no papel e a sua traduo para as tecnologias eletrnicas. Ezra Pound, em ABC da Literatura (1981) classifica os poemas em trs tipos fundamentais e essa tripartio passa a ser questionada com o advento da poesia em mdias j que ocorre uma fuso e a separao dos elementos se apresenta, muitas vezes, impossvel. O primeiro tipo, segundo Pound, composto por aqueles em que predomina a fanopeia: imagens, comparaes e metforas. O segundo tipo caracterizado pela presena da melopeia: msica, mesmo dissonante ou antimsica e o terceiro tem predominncia da logopeia: dana das ideias entre as palavras. A poesia concreta estabelece uma tenso de palavras-coisas no espao-tempo citando o plano-piloto para poesia concreta, subscrito, em 1958, por Augusto e Haroldo de Campos e Dcio Pignatari. Com uma estrutura dinmica que se d pela multiplicidade de movimentos concomitantes num realismo total, contra uma poesia de expresso subjetiva. Uma arte da palavra que torna o poema-produto: objeto til. Caracterizado pela linguagem direta, economia e arquitetura funcional do verso: uma mescla entre fundo e forma. Com o poema concreto ocorre o fenmeno da metacomunicao: coincidncia e simultaneidade da comunicao verbal e no-verbal.

Nessas circunstncias, torna-se relevante a reflexo acerca de alguns poemas Poema Bomba e Greve, ambos de Augusto de Campos e Dentro, de Arnaldo Antunes que exemplificam a existncia de uma verso impressa e de uma computadorizada. No Poema Bomba, com sua primeira publicao na dcada de 80, em forma impressa, as letras das palavras bomba e poema encontram-se distribudas no espao de modo a causar uma impresso de exploso. Nessa verso, realizada em preto e branco, a fragmentao dessas duas palavras permite uma inverso das letras, transformando p em b e m em e ou vice-versa. Sua transferncia para o computador foi acrescida de movimento, som e cor. As letras amarelas, a princpio, encontram-se aglomeradas na regio central do espao, depois comeam a se movimentar e se dispersam para fora da tela. Saltando de um fundo vermelho, os signos verbais se apresentam como fragmentos de uma exploso, em uma melodia contnua de desintegrao e reunificao das partes. O som acompanha o movimento das letras, alternando-se na emisso repetida das palavras poema e bomba. Nos poemas apresentam-se variaes ao nvel da expresso que conferem relao sgnica uma motivao pouco usual: assim, o poema-flutuante flutua, o poema-elstico estica, o poema ao vento voa, o poema-reflexo reflete, o poema de passagem passa A programao do poema e do objeto pelo contedo da sua expresso pode estar enraizada na ideia de que h uma coincidncia das palavras com as coisas que a poesia pode revelar.

O outro poema de Augusto de Campos, Greve, foi impresso originalmente em 1961. Sobre uma folha branca encontramos a palavra greve repetida vrias vezes e grafada em letras pretas. O poema se completa na sobreposio da transparncia de uma outra folha preenchida com as seguintes palavras: arte longa vida breve escravo se no escreve escreve s no descreve grita grifa grafa grava uma nica palavra. atravs do encontro das duas pginas que o poema revela o seu sentido. Na verso computadorizada desse mesmo poema, um elemento novo se faz presente: a cor. Com um fundo azul, a mesma seqncia de palavras, que agora se faz com letras brancas, alterna-se entre o aparecimento e desaparecimento, ao fundo, da repetio da palavra greve, grafada em vermelho. O contraste dessa cor, imersa em um movimento de presena e ausncia da palavra, cria um estado de alerta e causa a impresso de uma interdio da situao. A greve converge ateno para os encontros e desencontros dos signos verbais. Vigilante e resistente a greve, portanto, complementa o sentido do poema. Dcio Pignatari diz que: A poesia parece estar mais do lado da msica e das artes plsticas do que da literatura (PIGNATARI, 2005, p. 09) e os concretistas exploram essa interao de maneira maravilhosa. A poesia concreta acaba com o smbolo, o mito, com o mistrio. o mais lcido trabalho intelectual para a intuio mais clara da poesia, acaba com as aluses, com os formalismos nirvnicos da poesia pura, tornando a beleza ativa, no feita para a contemplao, mas para a interao. A poesia concreta comea por tomar conhecimento do espao grfico como agente estrutural. A mudana no suporte, ligada evoluo da poesia cantada na Grcia pelos Aedos e Rapsodos, ganha materialidade com a escrita e com a imprensa, no momento sai do papel e ganha outro espao mdia, publicidade, etc.

J o poema Dentro, de Arnaldo Antunes, foi publicado primeiramente no livro Tudos, 1990, em branco e preto. Na composio e decomposio da palavra dentro e centro o poema se estrutura de dentro, entro, centro sem centro. As palavras se encontram em um processo de distoro. Neste momento, nota-se uma tentativa de se criar um volume circular para a forma do poema e uma preocupao em explorar o aspecto tridimensional. Em trs novas verses, presentes no livro Nome, o poema sofre transformaes. Os limites que o plano bidimensional do papel pode manifestar so superados no mundo digital. Diante das novas tecnologias eletrnicas, Arnaldo Antunes relata: O que mais me seduz na relao com o computador em si no a maior facilidade ou a maior velocidade de poder realizar coisas que eu podia realizar sem o computador, e sim o novo repertrio mesmo de recursos disponveis. So recursos que no poderiam existir se no fossem a partir daquele advento. Coisas que voc nunca poderia realizar se no fosse com o auxlio do computador. Isto o mais fascinante e o que me fascina: fazer, criar realmente a partir dele (ANTUNES, apud ARAJO, 1999, p. 108).

Dessa maneira, percebe-se como o suporte digital apresenta ferramentas singulares para a ordenao do poema. Atravs do computador possvel criar, recriar e unir em um mesmo suporte a imagem, a palavra, o som, o movimento e a profundidade.

Os poemas citados acima so exemplos da transposio da obra de um suporte impresso para um meio digital. Assim, frente s novas possibilidades de criao, o poema ganha novos recursos e assume novas formas. No entanto, muitos ideais preconizados no poema impresso so conservados pelo suporte eletrnico. Com isso, pode-se dizer que nesse entrelaamento de ideais, os suportes digitais se apresentam como uma extenso dos princpios pr-concebidos na forma impressa. O novo corpo que o poema ganha sistematiza as variadas possibilidades de experimentao que essas novas ferramentas permitem estruturar. A poesia que sempre foi considerada o gnero lrico agora pode ser lida como gnero usual: poemas objetos recolocam a poesia dentro da realidade, tiram a poesia da estante empoeirada e a levam para o contato corpo a corpo com o leitor. O apelo que se d atravs da interatividade traz o no-usual para o mundo de hoje. O poema interativo ser sempre novo, a dimenso potica do autor jamais ser alcanada pela proeminncia de um nmero infinito de aes, leituras e re-leituras. Percebe-se um vale-tudo com muita criatividade, uma abertura na percepo das coisas que permite novos sentidos moda do leitor. A sensao do momento criar, romper, ter opinio diante do potencial potico lanado rede mundial de computadores todos os dias, cada poema se torna nico e porque ele diferente do que aquele que o poeta fez.Antes de uma concluso, importante lembrar que no se pode pensar a poesia a partir de uma perspectiva evolucionista, ou seja, em compreend-la sob um espectro contnuo e progressivo de desenvolvimento, pois, do contrrio, se cometeria no equvoco de acreditar que a tecnologia eletrnica seria o pice do processo de evoluo. Uma prova disso, que muitas ideias j foram postas anteriormente, tanto no que diz respeito ao convvio mtuo da linguagem verbal e visual, quanto na tentativa de criar um volume dentro da bidimensionalidade do papel. O que se permite pensar, por fim, no advento da era digital como um meio capaz de agregar novos elementos e de potencializar a forma potica. Para finalizar um assunto que ainda engatinha coloca-se uma questo a ser respondida interativamente: Como seria cooperar com Cames refazendo Os Lusadas no computador? A proposta est lanada.Referncias bibliogrficas: ARAJO, Ricardo. Poesia visual, vdeo poesia. Perspectiva: So Paulo, 1999.

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