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www.revistadae.com.br :: 57 N ão parece ser a engenharia campo propício para divagações filosóficas. Filha deserdada da mãe ciência, no tocante a maiores preocupações especulativas, a engenharia caracteriza-se em geral pelo imediatismo e praticidade a todo custo. Tentar, pois, ligar engenharia à filosofia parece ser, à primeira vista, uma tarefa inglória. Na verdade há um problema filosófico inerente por que interfere em todo projeto e edificação de uma obra de engenharia e, como de resto, em cada ação humana. Quando o ser responsável pela ação está vinculado a uma corrente filosófica fica mais fácil constatar e entender a influência da posição especulativa sobre seus atos diários. É o que ocorre com Francisco Rodrigues Saturnino de Brito (1864-1929), o maior dos engenheiros sanitaristas brasileiros. Saturnino de Brito, nascido em Campos (RJ), marcou toda a engenharia sanitária brasileira, sendo, com justiça, considerado seu patrono. Atuou com destaque em todos os campos do saneamento urbano e nas maiores cidades brasileiras. Sob sua direção fez obras de regularização de rios em Poços de Caldas (MG) e obras de captação, adução e tratamento de água para Recife (1919), onde pela primeira vez no Brasil se instalou o tratamento químico de água (adição de cal e sulfato de alumínio). Em Santos (1905), Saturnino conseguiu melhorar consideravelmente a salubridade da cidade através da abertura de canais de extremo a extremo da ilha, ainda hoje em operação, que rebaixam o nível de água dos terrenos, eliminando os alagados, focos de mosquito. Também em Santos e São Vicente projetou e construiu um modelar sistema de coleta de esgotos sanitários composto por uma rede de recebimento e estações de bombeamento que levava as águas residuárias por meio de tubulações até a então deserta Praia Grande (Ponta de Itaipu-Boqueirão), fazendo aí o lançamento subaquático dos esgotos. Por surpreendente que pareça, a Ponte Pênsil não é ponte. Trata-se de uma estrutura metálica especialmente construída (importada) para vencer um braço de mar, suportando tubos de esgotos, e pela qual se deixava passar o pequeno tráfego local que se dirigia para a Praia Grande. Saturnino de Brito atuou com destaque em todos os campos do saneamento urbano. Ao se analisar, todavia, com mais detalhes, qual foi sua atuação no campo específico do tratamento de esgotos, veremos que suas ideias aí foram pelo menos reticentes ou mesmo curiosas, pois nunca recomendou nenhuma estação de tratamento de esgotos Saturnino de Brito e o Saneamento Urbano Por Manoel Henrique Campos Botelho DOI 10.4322/dae.2014.136 Corte de uma residência do começo do século XX, onde se destacam as instalações hidráulicas. Acervo Memória Sabesp

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  • www.revistadae.com.br :: 57

    No parece ser a engenharia campo propcio para divagaes filosficas. Filha deserdada da me cincia, no tocante a maiores preocupaes especulativas, a engenharia caracteriza-se em geral pelo imediatismo e praticidade a todo custo. Tentar, pois, ligar engenharia filosofia parece ser, primeira vista, uma tarefa inglria. Na verdade h um problema filosfico inerente por que interfere em todo projeto e edificao de uma obra de engenharia e, como de resto, em cada ao humana. Quando o ser responsvel pela ao est vinculado a uma corrente filosfica fica mais fcil constatar e entender a influncia da posio especulativa sobre seus atos dirios. o que ocorre com Francisco Rodrigues Saturnino de Brito (1864-1929), o maior dos engenheiros sanitaristas brasileiros.

    Saturnino de Brito, nascido em Campos (RJ), marcou toda a engenharia sanitria brasileira, sendo, com justia, considerado seu patrono. Atuou com destaque em todos os campos do saneamento urbano e nas maiores cidades brasileiras. Sob sua direo fez obras de regularizao de rios em Poos de Caldas (MG) e obras de captao, aduo e tratamento de gua para Recife (1919), onde pela primeira vez no Brasil se instalou o tratamento qumico

    de gua (adio de cal e sulfato de alumnio). Em Santos (1905), Saturnino conseguiu melhorar consideravelmente a salubridade da cidade atravs da abertura de canais de extremo a extremo da ilha, ainda hoje em operao, que rebaixam o nvel de gua dos terrenos, eliminando os alagados, focos de mosquito. Tambm em Santos e So Vicente projetou e construiu um modelar sistema de coleta de esgotos sanitrios composto por uma rede de recebimento e estaes de bombeamento que levava as guas residurias por meio de tubulaes at a ento deserta Praia Grande (Ponta de Itaipu-Boqueiro), fazendo a o lanamento subaqutico dos esgotos. Por surpreendente que parea, a Ponte Pnsil no ponte. Trata-se de uma estrutura metlica especialmente construda (importada) para vencer um brao de mar, suportando tubos de esgotos, e pela qual se deixava passar o pequeno trfego local que se dirigia para a Praia Grande.

    Saturnino de Brito atuou com destaque em todos os campos do saneamento urbano. Ao se analisar, todavia, com mais detalhes, qual foi sua atuao no campo especfico do tratamento de esgotos, veremos que suas ideias a foram pelo menos reticentes ou mesmo curiosas, pois nunca recomendou nenhuma estao de tratamento de esgotos

    Saturnino de Britoe o Saneamento Urbano

    Por Manoel Henrique Campos Botelho DOI 10.4322/dae.2014.136

    Corte de uma residncia do comeo do sculo XX, onde se destacam as instalaes hidrulicas. Acervo Memria Sabesp

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    RicaRdo Toledo Silva

    58 :: O saneamento na cidade de So Paulo: fatos e personagens

    Saturnino de Britoe o Saneamento urBano

    por via biolgica, processo esse que, j na sua poca, era o dominante e preferido e que corresponde atualmente a mais de 95% dos tipos de tratamento de esgotos existentes em todo o mundo. Saturnino preferia recomendar tratamentos fsicos extensivos (irrigao de terrenos, disposio no mar) ou tratamentos estritamente qumicos. Notemos que sua obra de disposio de esgotos de Santos e So Vicente na Praia Grande baseou-se em critrios de projetos ligados disperso e diluio no mar, ou seja, processos fsicos e qumicos, fazendo abstrao dos aspectos microbiolgicos envolvidos. Por que essa omisso e oposio do mestre maior ao tratamento biolgico de esgotos?

    Acontece que Saturnino de Brito era positivista, e essa talvez parece ser a chave para que se compreenda o porqu de ter conduzido seus projetos da forma como o fez.

    Saturnino de Brito como voluntrio do Batalho benjamin Constant, na rebelio de 1893. (ALVARENGA, Octavio Mello. Grandes Vultos da Engenharia Brasileira - Saturnino de Brito. Rio de Janeiro: Clube de Engenharia, 1979)

    direita, planta do saneamento da cidade de Santos, produzida por Saturnino de Brito. Acervo Memria Sabesp

  • 60 :: O saneamento na cidade de So Paulo: fatos e personagens

    SatUrnino de Britoe o Saneamento UrBano manoel HenriqUe CampoS BotelHo

    Os positivistas e as teoriasmicrobianasLouis Pasteur (1822-1895) conseguiu, a partir de 1880, demonstrar comunidade cientfica europeia sua teoria de que os microrganismos so o agente fundamental dos processos de degradao da matria orgnica e no resultado ou meros colaboradores ou espectadores destes.

    A existncia de microrganismos j era aceita desde o sculo XVIII. A glria devida a Pasteur foi a de atribuir a eles a ao de desenvolver os fenmenos de putrefao. Comeou-se a aceitar, a partir de ento, que so os microrganismos que decompem um pedao de carne exposta ao tempo. A teoria de Pasteur revolucionou o conhecimento humano ao tambm negar a teoria da gerao espontnea, at ento, a mais aceita.

    Na segunda metade do sculo XIX, uma das correntes filosficas que passaram a influenciar o pensamento europeu foi o positivismo, criado por Augusto Comte (1798-1857), ainda na primeira metade daquele sculo, perodo de maravilhoso relacionamento entre filosofia e cincia.

    Muitos pensavam, e desses o positivismo foi o arauto maior, que com o desabrochar da cincia resolveria todos os problema da humanidade. A economia, a sociologia e a moral, desde que vistas dentro de um mundo ordenado, lgico e racional poderiam ser colocadas a servio do homem que pela primeira vez superaria, de modo cientfico, a maior parte de seus problemas. Ante o problema da existncia de Deus, o positivismo o resolve atravs da posio agnstica, abstraindo-se de tentar abord-lo pois a existncia ou no de Deus no interferia, na prtica, nos problemas do homem. Para o positivismo, sem dvida a cincia poderia se desenvolver a partir do castelo lgico e ordenado por Augusto Comte, mas desde que obediente

    s diretrizes at ento vlidas. A teoria de Pasteur negava e mudava por completo a cincia biolgica at ento vigente. Dificilmente os positivistas poderiam aceit-la com facilidade, como no aceitaram outros desdobramentos revolucionrios da cincia da poca.

    A partir da teoria de Pasteur, a comunidade cientfica dividiu-se. Muitos relutavam em abandonar a teoria de gerao espontnea, recebeu ento dos positivistas seu apoio e em troca dava aos positivistas o respaldo cientfico para negar a hiptese pasteuriana da importncia fundamental do micrbio. Antoine Bchamp (1816-1908) foi um dos cientistas que, opondo-se a Pasteur atravs de sua teoria do microzyma, foi eleito pelos positivistas como seu aliado cientfico.1

    A partir da oposio de alguns positivistas franceses da poca, alguns positivistas brasileiros a levaram s

    ltimas consequncias. interessante destacar que Comte influenciou parte da inteligncia europeia nos aspectos estritamente filosficos de sua teoria. A parte restante de sua filosofia, em que Comte cria uma religio sem Deus e tendo como seu substituto a humanidade (Igreja Positivista), no encontrou maior eco na Europa.2 No Brasil, ao contrrio, a posio religiosa de Comte foi levada risca com a fundao do Apostolado Positivista no Rio de Janeiro (1881), que defendia com um extremo rigor as posies ortodoxas de Comte. Esse apostolado, ainda hoje existente e atuante, a partir da posio dos positivistas franceses de negao das teorias de Pasteur, desenvolveu intensa campanha contra essa teoria. Sucede que, durante o governo Rodrigues Alves (1902-1906), tornou-se obrigatria a vacinao contra a varola (Lei de 31/10/1904).

    Comisso de Saneamento de Santos, 1907. No centro da imagem (sentado) est Saturnino de Brito. Acervo de documentos da Sabesp em Santos, Superintendncia da Baixada Santista

    1 A teoria de Bchamp, em suma, atribua o fenmeno da degradao da matria orgnica aos microzymas que seriam os microrganismos em forma de vida latente nos corpos sadios e que se tornam doentes. Pasteur atribua a ao de microrganismos que podiam estar externos a esses corpos.

    2 Praticamente s no Brasil e no Chile ocorrem as fundaes de Igrejas Positivistas com culto baseado nos aspectos formais do catolicismo romano. Na Europa no ocorreu esse fato. Explica-se por isso a expresso dos positivistas sobre Paris, essa Meca descrente. Quando explode a 1 Guerra Mundial, os positivistas brasileiros entendem esse fato como uma deficincia da propaganda positivista na Frana. t anos atrs o positivismo na Frana resumia -se na preservao da casa de Augusto Comte na Rua Monsieur Le Prince, n10, Paris, tarefa essa feita na poca por um brasileiro.

    Ilustrao de um sistema de tanques fluxveis. Esse equipamento, idealizado por Saturnino de Brito, consiste em um reservatrio subterrneo de gua cuja funo evitar obstrues por sedimentao progressiva por meio de descargas peridicas em alguns trechos da rede de esgotos, onde comum o entupimento por acmulo de material slido. Acervo Memria Sabesp

  • www.revistadae.com.br :: 6362 :: O saneamento na cidade de So Paulo: fatos e personagens

    Planta da Estao Elevatria Distrital de Santos, elaborada por Saturnino de Brito. Acervo Memria Sabesp

  • 64 :: O saneamento na cidade de So Paulo: fatos e personagens www.revistadae.com.br :: 65

    Manoel Henrique CaMpos BotelHosaturnino de Britoe o saneaMento urBano

    A obrigatoriedade da vacina, por si s, era um atentado a um dos mais caros princpios positivistas, o da liberdade espiritual total. Para eles, a obrigatoriedade da vacina era uma violao liberdade do indivduo, mesmo que para sanar doenas transmissveis.

    A juno da obrigatoriedade da vacina aceitao de que a vacina era uma tcnica agora reconhecida como microbiana, fizeram dos positivistas seus maiores adversrios.

    Vejamos alguns extratos das opinies de um dos mais destacados membros do positivismo brasileiro, Agliberto Xavier, professor de Filosofia e Lgica do Colgio D. Pedro II, sobre as teorias de Pasteur Da fermentao Theoria Microbiana, por Agliberto Xavier Rio de Janeiro 1907.

    Sobre a doutrina microbianaTal denominao no convm semelhante doutrina, porque o seu principal carter consiste na natureza para-sitaria dos pretendidos micrbios especficos. Ns porm, no alteramos essa denominao, porque no vemos ne-cessidade de mudar o nome de uma teoria que h de fi-gurar eternamente como uma das maiores aberraes dos cientistas modernos e tambm porque d a conhecer mais prontamente o assunto de que nos ocupamos. (p. VI)Partindo de uma teoria incompleta de fermentao alco-lica e interpretando suas experincias sobre putrefao contra a verdadeira lgica, Pasteur concluiu que toda a fermentao ptrida dos tecidos animaes e dos lquidos de economia provm exclusivamente de fermento carre-ados pelo ar atmosfrico; ou em outros termos, que taes substncias, ao abrigo desses microrganismos, no se pu-trefazem. Semelhante concluso, fundamentalmente er-rada, o piv em torno do qual giram todos os absurdos da teoria microbiana.

    Paralelamente posio de Agliberto Xavier, Bagueira Leal e outros muitos positivistas ortodoxos ligados diretamente Igreja Positivista tomaram uma posio francamente oposicionista teoria de Pasteur, a partir da posio contra a vacina obrigatria. Outros positivistas, entretanto, reconheceram e aceitaram as teorias de Pasteur, como mostra Ivan Lins, no livro Histria do Positivismo no Brasil.(LINS, 1967, p. 84 e 438).

    O mais famoso positivista que aceitava tanto a eficcia como a obrigatoriedade da vacina foi o mdico Pereira

    Barreto. Saturnino de Brito foi um dos positivistas que cerrou fileiras com a ala mais ortodoxa da Religio da Humanidade, motivo pelo qual entende-se sua oposio ao tratamento biolgico de esgotos.

    Interpretao bioqumicada poluioO apogeu de Saturnino de Brito vai de 1910 at sua morte em 1929. Nessa poca a teoria de Pasteur j era totalmente aceita, mas Saturnino nunca a pde aceit-la, como veremos numa srie de pareceres seus. (BRITO, 1944).

    Brito (1944) cita Travis, inventor de um tipo de fossa sptica (v. 2, p. 310 1909): Muitos dos que projetaram obras de acordo com a teoria dominante (microbiana) no tm tido a coragem bastante para confessarem que erraram em teoria ou na prtica.

    Em 1909, na Memria apresentada ao IV Congresso Mdico Latino-Americano (v. 2, p.309), l-se sobre a escolha de processos de tratamento de esgotos:

    Qual ser esse processo? Constituir simplesmente um aperfeioamento do processo chamado biolgico ou resultar de melhor aplicao de processos abandonados depois que a doutrina microbiana da afastou a ateno dos higienistas?

    A resposta no pode ser dada de um modo racionalmente decisivo, e isto ser bastante para justificar a nossa pro-posta quanto ao ttulo do tema. Mas mesmo que a so-luo provenha do desenvolvimento prtico do processo artificial em questo, a denominao de biolgico pode ser prudentemente retirada ou substituda pela artificial.

    Com efeito, alm das dvidas ou contestaes feitas pe-los que esto fora da moda cientista preferindo ver nos organismos quaisquer, maiores ou menores, existentes nas impurezas, um simples fator comum de coexistncia biolgica, ou de bilise, mui oportuno lembrar que a doutrina de Hampton, segundo profissionais competen-tes, atribui a depurao ao fsica, quanto a funo dos septiktanks.

    Continuando a citao de Travis: A doutrina deste modo nega que o processo de depurao em qualquer sentido da palavra ou sob quaisquer circunstncias, seja o resultado de uma ao bacteriana.

    Na carta de 29/6/1913 endereada ao Dr. Emlio Ribas (1862-1925) sobre a disposio de esgotos provenientes do Hospital de Isolamento de So Paulo, Saturnino de Brito declara (v.16, p. 38):

    Acresce que, no caso do servio de Santos, no me parece dever causar preocupaes a depurao da contribuio do hospital, o meu humilde critrio pessoal se no deixou at hoje possuir do terrorismo microbiano, embora no oferea a menor resistncia para, na prtica, me conduzir de acordo com as recomendaes da maioria dos cientistas, quando hei de atender aos desejos e receios de outrem e no o caso de me caber exclusivamente a responsabilidade do que fizer.

    Fazendo a comparao do processo bioqumico e do trmico (processo fsico-qumico) para o tratamento de esgotos do hospital, Saturnino, opta pela segunda tipi (trmico). Em 1923, ele d um parecer (Destino dos Esgotos, v. 16, p.177) que hoje seria totalmente criticado, mas que s poder ser entendido luz da poca, quando a poluio hdrica apenas comeava e luz de suas dificuldades em relao tcnica do tratamento de esgotos.

    Ao recente Congresso Internacional de Engenharia, reu-nido na Capital federal, foi apresentado um trabalho de autoridade sanitria nos EU da Amrica do norte, que se refere ser hoje opinio seguida neste pas, que melhor descarregar os esgotos nos rios e nos lagos e purificar a gua que tenha de tirar para bebida, visto que a soluo da purificao das guas para servio potvel mais simples, segura e barata que a depurao dos despejos de esgotos.

    Nos ltimos anos de vida, Saturnino parece ter comeado a rever suas posies, mais ainda com srias restries. No trabalho Melhoramentos do Rio Tiet, de 1925, declara que (v.19, p.188):

    No processo moderno de lodo ativado (activated slud-ge) ou do ar difuso ainda se atribui certa importncia

    aos microrganismos nitrificadores, mas sob a ao do oxignio do ar injetado no Sewage (esgoto N.A) fresco, os anaerbios (microrganismos N.A) j esto definiti-vamente aposentados.

    Saturnino de Brito morreu sem tornar pblico, por escrito, sua eventual aceitao tardia da teoria bioqumica. Naquela poca, no Brasil, pelo menos uma estao de tratamento de esgotos j funcionava com esse processo e nela baseada para projeto.

    Especulao filosficae engenhariaA especulao filosfica que ao longo de sua histria abriu trincheiras ao conhecimento e evoluo do homem, pode, s vezes, e por algum espao de tempo, sustar esse mesmo desenvolvimento, chegando, como foi visto, a influenciar uma ultratecnolgica aplicao, como no caso do tratamento de esgotos sanitrios.

    No se atribua, entretanto, responsabilidade de Saturnino de Brito o atual estgio do Brasil no campo do tratamento de esgotos. Depois de sua morte, suas objees filosficas ao tratamento biolgico foram esquecidas e os novos tcnicos que o sucederam no mais questionavam a consagrada teoria de Pasteur. Se hoje o Brasil no tem estaes de tratamento de esgotos, em nmero sequer beirando o mnimo, outras so as causas.

    Saturnino de Brito morreusem tornar pblico, por escrito, sua eventual aceitao tardia da teoria bioqumica. Nessa poca, no Brasil, pelo menos uma estao de tratamento de esgotos j funcionava com esse processoe nela baseada para projeto.

  • Quiosque da Subestao elevatria de esgotos, localizadona Praa Azevedo Junior em Santos, s.d. Acervo Memria Sabesp

  • SatUrnino de Britoe o Saneamento UrBano

    68 :: O saneamento na cidade de So Paulo: fatos e personagens www.revistadae.com.br :: 69

    manoel HenriqUe CampoS BotelHo

    Cronologia

    1798

    Nasce Augusto Comte.

    1804

    Introduo da vacina antivarilica no Brasil, atravs de sucessivas inoculaes de escravos transportados em navios (tcnica brao a brao).

    1815

    autorizado, em Londres, o lanamento de esgotos sanitrios nas galerias de guas pluviais da cidade.

    1822

    Nasce, na Frana, o qumico Louis Pasteur.

    Sc. XVii

    Kircher prope a teoria de partculas infecciosas dotadas de vida.

    1840-1850

    A teoria vigente atribua a fermentao a uma reao qumica, sendo os microrganismos mera consequncia dessa reao.

    1854

    Augusto Comte institui a Religio da Humanidade, religio positivista.

    1854

    Aplicao de cal clorada nos esgotos de Londres, com o objetivo de desodorizao dos mesmos (entendida hoje como uma ao bactericida).

    1857

    Morre Augusto Comte.

    1861

    Estabelecida por Pasteur a teoria da fermentao.

    1864

    Nasce em Campos (RJ) Saturnino de Brito.

    1865

    Pasteur consegue sucesso parcial no combate pebrina (doena da larva do bicho-de-seda)

    1868

    Primeiras experincias de disposio de esgotos por irrigao no terreno.

    1880

    Descobrimento do bacilo da febre tifoide por Karl Joseph Eberth.

    1881

    Instala-se a primeira Igreja Positivista no Brasil.

    1882

    Descoberta emprica das vantagens de se aerar o esgoto pela sua passagem por leitos de areia.

    1889

    Proclamada a Repblica no Brasil, marcada por forte influncia positivista.

    1895

    Morre Louis Pasteur.

    1901

    Primeira instalao de estao biolgica de esgotos via biolgica nos EUA (Madison- Wisconsin).

    1907

    Obras de saneamento em Santos (coleta e disposio de esgotos), por Saturnino de Brito.

    1910

    Inaugurado o primeiro canal de Santos.

    1928

    Execuo de moderna Instalao de tratamento de esgotos em Santo ngelo (SP).

    1929

    Morre Saturnino de Brito, em Pelotas (RS).

    1932

    Construo de estao experimental de tratamento de esgotos do Bairro da Ponte Pequena, em So Paulo (SP), com tratamento biolgico, digesto de lodo e aproveitamento do gs residual produzido, em motor a exploso.

    Referncias BibliogrficasBRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Melhoramentos do Rio Tiet Relatrio. Seo de Obras do Estado de So Paulo. So Paulo: [s.n.], 1926.

    BRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Obras Completas de Saturnino de Brito. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional Instituto Nacional do livro, 1944, v. 16.

    LINS, Ivan. Histria do Positivismo no Brasil. So

    Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.

    RIBAS, Emlio. A hygiene no Estado de So Paulo. Communicao apresentada ao IV Congresso Mdico Latino-americano. So Paulo, Typ. Brzil de Rothschild & Comp., 1909.

    Xavier, Agliberto. Da fermentao Theoria Microbiana. Rio de Janeiro: Typ. Besnard Frres, 1907.