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Poder Local e Planeamento A complexidade da sociedade humana que agrega uma teia formidável de divisão de actividades, funções e tarefas que interagem num mundo cada vez mais aberto, interdependente e sujeito a profundas mutações de ordem social, económica, tecnológica, cultural e política, exige formas superiores de organização, tendentes à prossecução de múltiplos objectivos operacionais e estratégicos, com o dispêndio de menores recursos em contraposição ao aumento da eficácia, eficiência e produtividade. Esta regra geral não foge à lógica de qualquer núcleo organizacional quer seja a família, a empresa pública/privada, a associação/instituição, a administração central ou a administração local que, confrontado com a evidência omnipresente e intemporal da escassez de meios humanos, materiais e financeiros, e as necessidades crescentes e ilimitadas dos seus membros ou clientes, não lhe resta outra solução senão incutir modelos de gestão, organização e planeamento sob pena da entrada em rotura, desequilíbrio ou insolvência A problemática de muitos municípios portugueses relaciona- se com a precária aplicação dos instrumentos de gestão e planeamento que por poupança de espaço situaria em dois patamares: (i) económico-financeiro; e (ii) urbanístico. No âmbito da gestão financeira é por demais conhecido da opinião pública a maneira casuística, desregrada - por desprovida de critério e prioridade, com que a despesa é assumida em largo número de autarquias. As figuras do plano e do orçamento anuais não são levadas a sério, enquanto

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Page 1: Artigo poderlocalplaneamentotr dez09

Poder Local e Planeamento

A complexidade da sociedade humana que agrega uma teia formidável de divisão de

actividades, funções e tarefas que interagem num mundo cada vez mais aberto,

interdependente e sujeito a profundas mutações de ordem social, económica,

tecnológica, cultural e política, exige formas superiores de organização, tendentes à

prossecução de múltiplos objectivos operacionais e estratégicos, com o dispêndio de

menores recursos em contraposição ao aumento da eficácia, eficiência e produtividade.

Esta regra geral não foge à lógica de qualquer núcleo organizacional quer seja a família,

a empresa pública/privada, a associação/instituição, a administração central ou a

administração local que, confrontado com a evidência omnipresente e intemporal da

escassez de meios humanos, materiais e financeiros, e as necessidades crescentes e

ilimitadas dos seus membros ou clientes, não lhe resta outra solução senão incutir

modelos de gestão, organização e planeamento sob pena da entrada em rotura,

desequilíbrio ou insolvência

A problemática de muitos municípios portugueses relaciona-se com a precária aplicação

dos instrumentos de gestão e planeamento que por poupança de espaço situaria em dois

patamares: (i) económico-financeiro; e (ii) urbanístico. No âmbito da gestão financeira é

por demais conhecido da opinião pública a maneira casuística, desregrada - por

desprovida de critério e prioridade, com que a despesa é assumida em largo número de

autarquias. As figuras do plano e do orçamento anuais não são levadas a sério, enquanto

outros instrumentos de planeamento e controlo financeiro não são aplicados com

regularidade. Só assim se entende que se viabilizem orçamentos anuais cujos montantes

nominais são o dobro dos valores reais que se verificam um ano mais tarde e que os

compromissos financeiros não possam ser cumpridos atempadamente. Desbarata-se o

potencial do planeamento cujos inegáveis méritos se centram na previsão rigorosa e

detalhada de objectivos, valores adequados, formas/estratégia e tempo para os alcançar.

Subestima-se a vantagem de saber antecipar os problemas e as soluções, e prevenir as

roturas e percalços, trabalhando com a necessária tranquilidade e a certeza que tal forma

de operar transmite a qualquer gestor ou decisor.

No âmbito da gestão urbanística os municípios fazem uso de diversos instrumentos de

planeamento/planos municipais de ordenamento do território (PMOT) que sintética e

hierarquicamente, abarcam o Plano Director Municipal (PDM), o Plano de Urbanização

(PU) e o Plano de Pormenor (PP), aqui discriminados a partir do nível superior para o

nível inferior. A par dos indiscutíveis avanços nesta área do planeamento há atrasos

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visíveis no concelho de Silves. O próprio PDM entrou em vigor em 4 de Dezembro de

1995 e os seus 10 anos de prazo de vigência estão largamente ultrapassados, sem que o

processo de revisão fosse concluído. Não é descabido realçar que o PDM é um passo

adiante em termos de construção do modelo de ocupação espacial do território

concelhio, ao definir estratégias de desenvolvimento e pôr ordem na esfera do

ordenamento, embora, seja justo também afirmar que não raras vezes é um factor de

bloqueio ao progresso das zonas mais interiores do município, por efeito,

designadamente, das excessivas restrições em sede de REN e RAN. No cômputo dos

instrumentos de execução, PU e PP, é justo valorizar – não obstante os grandes atrasos

verificados – a existência do PU da cidade de Silves que aguarda entrada em vigor e o

PP de Armação de Pêra, aprovado pela AM de Silves em 2007. Que se encontram,

porém, manifestamente aquém das necessidades concelhias, lacuna que favoreceu

processos de descaracterização urbanística, a destruição de identidades locais, a

perpetração de atentados ao ambiente e ao património, como também impediu o surto de

novos pólos de desenvolvimento (centros históricos, parques empresariais).

A elaboração de planos e a sua efectiva aplicabilidade no quadro das políticas

autárquicas, ainda carece de longo caminho a percorrer. Os dirigentes de não poucos

municípios, com a cumplicidade da opinião pública local (!), concentram-se no

imediatismo da acção política e na gestão casuística em detrimento das acções de fundo

e das estratégias que alterariam qualitativamente os níveis de bem-estar mas que não

dão votos por só produzirem efeitos no médio/longo prazo.

Francisco Martins

Economista, Professor do Ensino Secundário