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OS PROTOCOLOS COMUNITÁRIOS COMO INSTRUMENTOS DA AGROECOLOGIA
PARA A PROTEÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS DOS AGRICULTORES
FAMILIARES .
Ana Paula Brudnicki Barbosa; Igor Alexandre Pinheiro Monteiro
Estudante de Especialização em Direito Ambiental pela PUCPR e Pesquisadora no Grupo de
Pesquisa PRO-POLIS da UFPR; Acadêmico de Direito da Faculdade de Castanhal.
[email protected], [email protected]
Ecologia e Biodiversidade
Resumo: O presente estudo visa analisar o fomento à agricultura familiar pela agroecologia, onde os protocolos comunitários podem ser utilizados como instrumentos à proteção dos saberes tradicionais da comunidade onde o agricultor, em sua maioria familiar, está inserido. Para tanto, utilizou-se o método indutivo, a fim de analisar o panorama geral da agricultura familiar no Brasil, bem como as possíveis alternativas para fomentar tal produção. Deste modo, foi realizado um apanhado do contexto histórico e geral da agricultura familiar no Brasil, abordando a agroecologia, como meio de preservar os saberes tradicionais dos agricultores e, a partir de tal premissa, instrumentos que poderiam viabilizar esta prática, razão pela qual foi adotada a aplicação de protocolos comunitários. A agricultura familiar engloba a maioria da população rural e é a responsável pelo abastecimento do mercado nacional. Contudo, o fomento da produção foi negligenciado por vários anos, o que gerou o êxodo rural e o abandono do cultivo das áreas, aumentando as áreas urbanas e a poluição. Como meio de brecar esta lógica danosa, busca-se a implantação da agroecologia, a qual busca o manejo adequado da terra, a diminuição e até mesmo a não utilização de defensivos químicos, bem como a proteção dos saberes tradicionais, os quais hoje são importantes como recurso genético. Desta maneira, com a implantação de protocolos comunitários, tais recursos genéticos e a própria produção agrícola familiar serão protegidas, uma vez que a sua formação empodera os atores locais a regular a sua relação com os agentes externos à comunidade, a fim de garantir o seu meio de produção próprio, bem como a forma de acesso aos recursos genéticos ali cultivados, os quais tem por escopo a garantia dos conhecimentos tradicionais e proteção dos recursos genéticos adquiridos, a fim de regularizar o acesso dos agentes externos, como forma a evitar a biopirataria.Palavras chave: Agricultura Familiar, agroecologia, saberes tradicionais, protocolos comunitários.
Abstract: This study aims to analyze the promotion of family farming by agroecology, where community protocols can be used as instruments for the protection of traditional knowledge community where the farmer in his most familiar, is inserted. For this, we used the inductive method in order to analyze the production of family farming in Brazil, as well as possible alternatives to foster such production. Thus, there was a glimpse of the historical and general context of family farming in Brazil, addressing agroecology as a means to preserve traditional knowledge of farmers and from such a premise, instruments that could facilitate this practice, which is why it was adopted the application of Community protocols. Family farming encompasses the majority of the rural population and is responsible for supplying the national market. However, the
development of production has been neglected for several years, which led to the rural exodus and the abandonment of farming areas, increasing the urban areas and pollution. As a means to put the brakes on this harmful logic, seeks the implementation of agroecology, which seeks proper land management, reduction and even the non-use of agrochemicals, as well as the protection of traditional knowledge, which today are important as genetic resource. Thus, with the implementation of community protocols such genetic resources and their own family farm will be protected, since their training empowers local actors to regulate its relationship with agents external to the community in order to ensure your own production environment, as well as how to access to genetic resources grown here, which has the scope to guarantee protection of traditional knowledge and genetic resources acquired in order to regulate the access of external agents as a way to prevent biopiracy .Key-wods: Family agriculture, agroecology, traditional knowledge, community protocols.
1. Introdução
A presente pesquisa visa a análise da utilização dos protocolos comunitários como instrumento para
o fomento da agroecologia na agricultura familiar.
Hoje a maioria da população que vive na área rural tem sua subsistência calcada na agricultura
familiar que, no entanto, são negligenciados e estão à margem da produção tecnológica,
dependendo de apoio técnico, científico e financeiro dos entes públicos para a sua produção, o que
acaba gerando o aumento da população da área urbana e consequentemente, o aumento desenfreado
da poluição.
Como meio a tentar afastar a dependência total do Estado, hoje os grandes centros de estudo
agrícolas como a EMBRAPA e demais entes civis tem considerado a agroecologia como meio dos
pequenos agricultores possam utilizar boas práticas agrícolas e ecológicas que viabilize a sua
produção e que traga um diferencial ao produtor. A agroecologia busca a proteção dos saberes
tradicionais a fim de buscar meios de difundir a agricultura sustentável, a qual traga ao produtor a
manutenção dos seus conhecimentos e meios pelos quais ele possa subsistir com a sua produção,
seja pelo seu trabalho por meio da ostensiva produção de alimento ou pelo repasse dos seus
conhecimentos em busca da proteção dos seus recursos genéticos, a fim de preservar a
biodiversidade.
Como meio a se alcançar tais objetivos, verifica-se a possibilidade de se utilizar os protocolos
comunitários, os quais foram criados como meio a proteção da biodiversidade, a fim de empoderar
as comunidades tradicionais a regular as suas formas de aplicação e gestão de seus saberes
tradicionais, a fim de proteger os recursos naturais e os recursos genéticos ali utilizados.
2 . Agricultura moderna e os prejuízos para as gerações futuras
Desde o início dos tempos o ser humano utilizou sistematicamente o solo. Suas funções cingem-se
em: servir como meio básico para a sustentação da vida e de habitat para pessoas, animais, plantas e
outros organismos vivos; manter o ciclo da água e dos nutrientes; servir como meio para a
produção de alimentos e outros bens primários de consumo; agir como filtro natural, tampão e meio
de absorção, degradação e transformação de substancias químicas e organismos; proteger as águas
superficiais e subterraneas; servir como fonte de informação quanto ao patrimonio natural, histórico
e cultural; constituir fonte de recursos minerais e como meio básico para a ocupação territorial,
práticas recreacionais e propiciar outros usos públicos e economicos”(CONAMA, 420/2009).
Com o direito à propriedade e a necessidade da população buscar os bens da vida e, diante da
necessidade de produção cada vez maior, nasceu a Revolução Industrial, a qual trouxe a produção
de bens em grande escala, onde, mais tarde, trouxe a produção em massa, no inicio do Século XX.
A Revolução Industrial teve sua relevancia na atividade agrícola e sobre a produção de produtos
químicos. Ante ao aumento da produção, aumentou também a população, em especial nas grandes
cidades, bem como a necessidade de maior produção de alimentos, pois diminuiu a agricultura de
subsistência. “Assim, os agricultores pararam de produzir seus próprios insumos e passaram a
comprar de indústrias manufatureiras” (GRIGG, 1987, p. 93).
Nesta toada, a agricultura moderna nasce no início nos séculos XVIII e XIX, tendo em vista o
aumento da produção agrícola e pecuária em várias regiões da Europa, o qual foi entitulado como
Primeira Revolução Agrícola. Contudo, segundo Ehlers (1994, p. 10), no século XIX, há uma série
de descobertas científicas e de avanços na tecnologia, como os fertilizantes químicos, o
melhoramento genético das plantas e os motores via combustão interna, o que possibilitaram o
progressivo afastamento da produção animal e vegetal, marcando a Segunda Revolução Agrícola.
Nesta fase, destaca-se como padrão produtivo o emprego dos insumos industriais, denominado
como agricultura "convencional" ou "clássica", o qual se intensificou após a Segunda Guerra
Mundial culminando, à década de 1970, a Revolução Verde.
Segundo Venancio (2015, p. 46), cada vez mais ocorreu o aumento do mercado tecnológico no
campo, o que abarca a mecanização, novas técnicas de cultivo, ampla utilização de defensivos
químicos agrícolas e sementes geneticamente modificadas, sob o pretexto de erradicação da fome e
a melhora da qualidade de vida da população. Ao longo dos anos, a produção ligada a agricultura de
subsistência calcada nos saberes tradicionais foram alterados por práticas tecnológicas mais
homogêneas.
Tal cenário fica evidente no Brasil após a década de 60, onde buscou-se a maior produção, com
foco na produção para o exterior, sob o argumento do desenvolvimento e da necessidade de
expansão.Com a crise do petróleo no Oriente Médio, a produção agrícola não tinha mais somente a
visava somente a produção de alimentos, mas também devia oferecer matrizes energéticas capazes
de substituir o petróleo, o que adveio o programa PROALCOOL do governo federal, o que,
evidentemente, “estimularia o advento da indústria agrícola de monocultura” (TEIXEIRA, 2015, p.
28). Tal cenário gerou o maior êxodo rural já apresentado no Brasil, uma vez que os agricultores
familiares não tinham condições de subsistir com a própria terra, sendo a migração para as cidades
uma alternativa a miséria apresentada, o que gerou o aumento de quase “20% da população dos
grandes centros urbanos” (ALVES, et al., 2015, p. 83).
No que tange as áreas agrícolas, ficou evidente a divisão de produção agropecuária no Brasil, pois
os “grandes produtores destinam sua produção ao mercado externo e os produtores familiares cabe
o abastecimento do mercado nacional” (DELGADO, 2015).
Nestes últimos dez anos o que se vislumbra acerca da produção agropecuária é uma área cultivada
de, aproximadamente, 69,2 milhões de hectares no Brasil no ano de 2012 (IBGE, 2012). No Censo
Agropecuário de 2006, verifica-se que “4.367.902 estabelecimentos de agricultores familiares, o
que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros” (FRANÇA, 2009), o que evidencia o total
descaso com a agricultura familiar.
Para tanto, um primeiro passo é apresentar políticas que fomentem a fixação do agricultor em sua
propriedade, demonstrando a viabilidade da produção de forma sustentável, atentando ao disposto
na legislação ambiental. Um dos meios que poderá ser utilizado é a aplicação da agroecologia para
a aplicação da agricultura sustentável. Sua definição consiste na aplicação dos princípios ecológicos
que, segundo a EMBRAPA (2009), define o entendimento e desenvolvimento de agroecossistemas
sustentáveis.
3. A agroecologia e os saberes tradicionais
Uma das possíveis formas que poderiam brecar a extensão danosa que se vislumbrou nos últimos 50
anos é o fomento da agroecologia, a qual busca “estilos de agricultura de base ecológica que
atendam a requisitos de solidariedade entre as gerações atuais e destas para com as futuras
gerações” (VENANCIO, 2015, p. 54). Tem como requisitos a preservação e reconstrução da
fertilidade do solo, prevenindo sua erosão e mantendo sua saúde ecológica; o baixo impacto sobre o
meio ambiente; a utilização racional de água, de forma a possibilitar a recarga dos aquíferos; a
utilização dos recursos dos próprios agrossistemas, reduzindo o uso de insumos externos; a
valoração e conservação da diversidade biológica; garantia da equidade no acesso às práticas
agrícolas, aos conhecimentos e às tecnologias, permitindo o controle local dos recursos agrícolas.
Gutierres et. al. (2006, p. 24-26). afirmam que seu escopo é a recuperação da fertilidade do solo por
meio do seu manejo ecológico; acabar com a produção com agrotóxicos; aumentar as culturas
produzidas; fomentar a agricultura de subsistência; dominar os saberes tradicionais, a fim de
difundir tais conhecimentos, reconquistando o patrimonio cultural e buscar novos conhecimentos;
bem como edificar uma infraestrutura própria
Desta maneira, a agrocoecologia primaria pelas boas práticas agrícolas e pela preservação dos
recursos naturais, “a fim de empoderar comunidades de pequeno porte e de comunidades
tradicionais com conhecimentos que fomentem sistemas sustentáveis de conservação de uso da
agrobiodiversidade” (NODARI; GUERRA, 2014, p. 287).
Os conhecimentos tradicionais adquiriram particular importancia para a indústria da biotecnologia,
principalmente de produtos farmacêuticos, químicos e agrícolas, uma vez que 120 princípios ativos
atualmente isolados de plantas superiores, e largamente utilizados na medicina moderna, 75% têm
utilidades que foram identificadas pelos sistemas tradicionais. Menos de doze são sintetizados por
modificações químicas simples, o resto é extraído diretamente de plantas e depois purificado. Com
essas palavras, Juliana Santili, (2004, p. 345), simplifica a relevancia da proteção aos
conhecimentos tradicionais, sua catalogação e regulamentação do acesso e repartição de benefícios
dos saberes empíricos associados à biodiversidade, que, à época, ainda estava em discussão. A
bioprospecção ou biopirataria era - e é - o maior pesadelo de quem se dispunha a catalogar e
publicar os saberes tradicionais amplamente.
Sem um regime jurídico de proteção terceiros mal-intencionados poderiam facilmente se apropriar
de técnicas arduamente trabalhadas durante décadas ou séculos para fins economicos sem repartir
devidamente os benefícios. Por outro lado, quando se discutia a repartição de benefícios os termos
eram ridiculamente benéficos aos usuários em prol dos provedores.
Portanto, o que pode se verificar é que a agroecologia tem por diretriz buscar meios de difundir a
agricultura sustentável, a qual traga ao produtor a manutenção dos seus conhecimentos e meios
pelos quais ele possa subsistir com a sua produção, seja empregando força motriz na produção de
alimento ou na difusão dos seus conhecimentos em busca da proteção dos seus recursos genéticos a
fim de preservar a biodiversidade.
Como instrumento da agroecologia, podemos nos utilizar dos Protocolos Comunitários, os quais
visam a preservação dos recursos naturais e genéticos, senão vejamos.
4. Os Protocolos Comunitários
A biodiversidade, de uma maneira geral, requer o uso equilibrado dos recursos naturais e uma visão
integral do conceito de território a ser entendido, o que implica em dizer que as formas comunitárias
de ordenamento e uso dos recursos naturais, bem como as práticas tradicionalmente exercidas
contribuem para conservar a natureza.
Para tanto, são criados os Protocolos Comunitários (PC), o qual ganha sua primeira aparição no
texto do Protocolo de Nagoia (PN), editado em 2010, o qual não foi aqui ratificado. O Protocolo de
Nagoia entrou em debate com o condão de complementar a Convenção da Diversidade Biológica
(CDB), no que tange a um de seus pilares máximos, qual seja, a repartição equitativa de benefícios.
Deste modo, engloba a proteção ao acesso ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade,
bem como o acesso e a repartição de benefícios.
Edis Milaré (2013, p. 1023), contextualiza a importancia da proteção do patrimonio genético
prevista já na Constituição da República de 1988:
No ambito internacional, como já anotado, a matéria foi disciplinada pela
Convenção sobre Biodiversidade e pelo recente Protocolo de Nagoya sobre
o Acesso aos Recursos Genéticos e a Repartição Justa e Equitativa dos
Benefícios Decorrentes de sua Utilização. No Brasil, a temática mereceu a
atenção do constituinte de 1988, o qual estabeleceu, no inciso II do §1.º do
art. 225 da Carta Magna que a proteção do patrimonio genético nacional é
um dos instrumentos que garantem o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
O artigo 12 do PN, que trata sobre Conhecimento Tradicional Associado a Recursos Genéticos,
discorre timidamente sobre o Protocolo Comunitário (MILARÉ, 2013, p. 1023):
Ao implementarem suas obrigações ao abrigo do presente Protocolo, as
Partes levarão em consideração, em conformidade com sua legislação
doméstica, as leis costumeiras de comunidades indígenas e locais,
protocolos e procedimentos comunitários, conforme aplicável, com respeito
ao conhecimento tradicional associado a recursos genéticos.
Entretanto, a doutrina internacional majoritária já desdobra este conceito em outras possibilidades,
tal como a gestão territorial e consulta prévia visando abranger os demais pilares da CDB, que são a
conservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos genéticos.
A Lei de Biodiversidade, Lei nº. 13.123, lançada em maio deste ano, deu um grande passo no
reconhecimento da importancia dos PCs, bem como no caráter múltiplo desse instrumento. No art.
2º, VI e art. 9º, §1º, IV, já expõe a possibilidade de terem definidas as regras para a consulta prévia
por meio dos PCs.
A lei conceitua os PCs no art. 2º, VII:
Norma procedimental das populações indígenas, comunidades tradicionais
ou agricultores tradicionais que estabelece, segundo seus usos, costumes e
tradições, os mecanismos para o acesso ao conhecimento tradicional
associado e a repartição de benefícios de que trata esta Lei;
Com essa conjuntura, os PCs ganham vigor e se adequam às reais necessidades dos povos e
comunidades tradicionais que, além de diminuir drasticamente as chances de “biopirataria”, previne
ações não adequadas ao uso sustentável do território. Cria-se um terreno fértil para o diálogo,
seguro para a comunicação e para a ação de pesquisadores e comunitários, sendo garantida a
participação de todos.
O Protocolo Comunitário, portanto, vem para empoderar os povos e comunidades tradicionais de
uma coerção não existente anteriormente, indo além do previsto em Nagoia ao conceber um sistema
robusto de codificação para a proteção dos conhecimentos e modo de vida tradicional, onde a
própria população produzirá seus regulamentos, a fim de criar normas que satisfaçam os seus
interesses locais.
Seu objetivo é a repartição justa e equitativa dos benefícios gerados pelo uso de conhecimentos
tradicionais em produtos comerciais constitui a base de um instrumento de mercado que visa
reconhecer o papel desempenhado por povos indígenas e comunidades tradicionais na manutenção,
reprodução e desenvolvimento, de saberes únicos sobre a biodiversidade.
Podemos citar dois exemplos claros de Protocolos Comunitários que exprimem esta visão
sustentável de manejo florestal construída através de práticas tradicionais e saberes empíricos de
respeito à biodiversidade que são o Protocolo Comunitario Biocultural Alto San Juan, na Colombia
e o Protocolo Comunitário do Bailique, no Amapá, Brasil.
O PC Alto San Juan traz um tópico específico para tratar da relação da comunidade com os recursos
naturais, no qual afirma que (2012, p. 11).
o sistema tradicional de produção comunitária se refere a um sistema multi-
opcional, baseado na combinação de trabalhos agrícolas, pesqueiras,
minerais, aproveitamento florestal, criação de animais, caça e trabalhos
artesanais. Estas práticas de uso do território se estabelecem de acordo com
o conhecimento tradicional conforme a oferta natural das condições da
paisagem.
O PC Alto San Juan continua tecendo detalhes sobre cada um desses sistemas de produção e
subsistência, explicando como se dá sua relação sustentável com o meio ambiente e seu sistema
agrícola baseado na agroecologia.
Com certa semelhança, o PC do Bailique guarda um tópico para tratar do Uso de Recursos Naturais,
no qual define direitos e deveres dos comunitários ao explorar os recursos naturais do território,
garantindo o uso destes recursos, mas também exigindo que respeitem as regras definidas pelas
comunidades envolvidas na construção do protocolo, que são expostas em uma linguagem simples
(COMITÊ GESTOR DO PROTOCOLO COMUNITÁRIO DO BAILIQUE, 2015, 14):
Deve-se fazer o manejo do açaí;
Pesca para algumas espécies é proibida no defeso;
Não fazer queimadas;
Não pode fazer o corte sem controle de madeiras já que algumas árvores
estão faltando, por exemplo a andiroba;
Não é permitido matar caça com filho e a grande matança de animais da
floresta;
Só se pode tirar o palmito com o manejo adequado;
Respeitar o acordo de convivência que muitas vezes pode conter regras de
uso. Por exemplo, o acordo de convivência pode estipular uma quantidade máima
de recursos por família, tanto para venda quanto para consumo familiar.
Além das regras, o PC afirma acreditar na importancia da estipulação das mesmas para preservar a
biodiversidade e os recursos naturais, pois, dessa forma, garantem um uso adequado às necessidades
das comunidades e um modo de vida sustentável, mas que “a criação de novas regras é algo
essencial, uma vez que novos problemas precisarão de novas regras para lidar com eles” (COMITÊ
GESTOR DO PROTOCOLO COMUNITÁRIO DO BAILIQUE, 2015, 14)
5. Considerações Finais
A utilização do solo foi ostensiva desde o início da humanidade, a qual foi utilizada para diversos
fins, em especial para a produção de alimentos. A utilização para a agricultura teve um aumento
exponencial no início da Revolução Industrial e perdura até os dias de hoje, onde verifica-se o
aumento da produção em massa e a utilização desenfreada de defensivos agrícolas e Organismos
Geneticamente Modificados, os quais destroem o conhecimento tradicional adquirido pelos
agricultores familiares, bem como as comunidades tradicionais, pois tais práticas trazem uma nova
metodologia de produção que visa o consumo de seus insumos, prejudicando a diversidade genética
e natural.
No entanto, o aumento da produção e fomento de práticas agrícolas exponenciais não foram
fomentadas à agricultura familiar, sendo esta negligenciada no Brasil desde a década de 60 até os
dias atuais. Com isso, vislumbramos a baixa da produção de alimentos para o mercado interno, o
inchaço das cidades e o aumento da poluição desenfreada ante a diminuição das áreas de
preservação.
Como uma alternativa a produção agrícola familiar, destaca-se a agroecologia, a qual tem por
escopo a produção por meio de práticas agrícolas que visam a preservação ambiental e genética.
Como a aplicação deste instrumento, cita-se a utilização dos Protocolos Comunitários, onde podem
ajudar a entender a dinamica dos povos e comunidades tradicionais que os constroem e a auxiliar os
agentes externos a desenvolver a melhor política de relacionamento com estes.
Os PCs passam a gerir as relações com terceiros, assumindo o controle dos procedimentos e tendo a
possibilidade de ter voz ativa no processo de tomada de decisões e negociações, a fim de garantir
aos atores locais o acesso à contrapartida dos frutos que os saberes tradicionais geraram por meio de
exploração dos agentes externos, bem como a proteção aos recursos naturais e genéticos.
A ideia de reconhecimento ganha força com a implementação dos PCs em razão de se demonstrar
um meio capaz de ampliar os horizontes daqueles que não pertencem àquelas minorias culturais
tradicionais, bem como aos agricultores familiares que demandam da terra para subsistir sua família
que tem uma identificação com o local há gerações.
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