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322 RESBCAL, São Paulo, v.1 n.4, pg. 322-335, set./out./nov. 2012 ISSN 2238-1589 RESUMO ARTIGO ORIGINAL 1. Laboratório de Biologia Celular – Instituto Oswaldo Cruz/FIOCRUZ – Rio de Janeiro. 2. Centro de Experimentação Animal - Instituto Oswaldo Cruz/FIOCRUZ – Rio de Janeiro. 3. Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Biofilmes - Instituto Oswaldo Cruz/ FIOCRUZ – Rio de Janeiro. 4. Laboratório de Fronteiras em Neurociência – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro. Autor para correspondência: Gabriel Melo de Oliveira Av. Brasil 4365, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ. CEP: 21045-900, Brasil. Telefone: +55-21-2598-4448 Fax: +55-21-2598 4577 Endereço para correspondência: [email protected] Recebido para publicação: 02/01/2012 Aceito para publicação: 20/12/2012 ESTUDO DO COMPORTAMENTO AGRESSIVO DE CAMUNDONGOS EM BIOTÉRIO: APLICAÇÃO DO MODELO ESPONTÂNEO DE AGRESSIVIDADE (MEA) Wanderson Silva Batista 1 , Luiz Cesar C. Pereira da Silva 2 , Kelly Cristina Demarque 1 , Fabio Souza de Oliveira 3 , Mariana Acquarone 4 , Frederico Villas Bôas 4 , Gabriel Melo de Oliveira 1 A agressividade, ou a violência, é um grave problema de saúde pública. Anualmente milhares de pessoas vão a óbito em consequência deste fenômeno. Os diversos modelos de estudo de agressividade são baseados na indução das agressões, por apenas dois indivíduos e em um período curto de tempo. Nosso objetivo é estruturar e aplicar um modelo que seja capaz de determinar o surgimento de episódios agressivos (não induzido - espontânea) e que possibilite o acompanhamento comportamental de um mesmo indivíduo desde sua infância até a idade adulta. Realizamos um esquema de agrupamento e reagrupamento e aplicamos metodologias comportamentais como etograma, teste do campo aberto, teste de suspensão da cauda (TSC) e caixa de pre- ferência. Nossos resultados demonstram que 90% dos grupos apresentam padrões de comportamento agressivo (PCA) e em 10% dos indivíduos pudemos observar graves lesões e ferimentos decorrentes de agressões. Interessantemente, em 10% dos grupos não observamos PCA. Nesses grupos a atividade motora e exploratória foi superior aos grupos agressivos. Além disso, o TSC demonstrou ser um eficiente método para definir o perfil de atividade de cada animal, sua possível posição hierárquica e sua influência no surgimento de PCA. Desta maneira, podemos concluir que o MEA demonstrou ser eficaz na reprodutibilidade da identificação e avaliação do surgimento de agressividade em grupos de camundongos em biotério. CEUA Nº LW 5/12. Palavras-chave: Camundongos. Comportamento. Agressividade. 1 INTRODUÇÃO Segundo a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS) considera-se agressão como o(s) ato(s) em que um indivíduo prejudica ou lesa outro(s) de sua própria espécie de forma intencional. A violência descreve-se como o uso de força (ou poder), real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo. Caracteriza-se pela possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de de- senvolvimento (físico ou emocional) e privação 1 . A cada ano, a violência está relacionada ao óbito de aproximadamente 1,6 milhões de pessoas no mundo. Além disso, na faixa etária entre 15 a 44 anos, a violência foi responsável por 14% do total de mortes em homens e 7% nas mulheres 2 . No Brasil, em 2010, 8.686 crianças e adolescentes foram vítimas de homicídios, sendo 90% deste nú- mero relacionado ao sexo masculino 3 . Em relação ao total de mortalidade por causas violentas 43,3%

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  • 322 RESBCAL, São Paulo, v.1 n.4, pg. 322-335, set./out./nov. 2012

    ISSN 2238-1589

    RESUMO

    artIgo orIgINal

    1. Laboratório de Biologia Celular – Instituto Oswaldo Cruz/FIOCRUZ – Rio de Janeiro.

    2. Centro de Experimentação Animal - Instituto Oswaldo Cruz/FIOCRUZ – Rio de Janeiro.

    3. Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Biofilmes - Instituto Oswaldo Cruz/FIOCRUZ – Rio de Janeiro.

    4. Laboratório de Fronteiras em Neurociência – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro.

    Autor para correspondência: Gabriel Melo de OliveiraAv. Brasil 4365, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ. CEP: 21045-900, Brasil.Telefone: +55-21-2598-4448 Fax: +55-21-2598 4577Endereço para correspondência: [email protected]

    Recebido para publicação: 02/01/2012Aceito para publicação: 20/12/2012

    EStUdO dO COMPORtAMEntO AgRESSivO dE CAMUndOngOS EM BiOtéRiO: APLiCAçãO dO MOdELO ESPOntânEO dE AgRESSividAdE (MEA)

    Wanderson Silva Batista1, luiz Cesar C. Pereira da Silva2, Kelly Cristina Demarque1, Fabio Souza de oliveira3, Mariana acquarone4, Frederico Villas Bôas4, gabriel Melo de oliveira1

    A agressividade, ou a violência, é um grave problema de saúde pública. Anualmente milhares de pessoas vão a óbito em consequência deste fenômeno. Os diversos modelos de estudo de agressividade são baseados na indução das agressões, por apenas dois indivíduos e em um período curto de tempo. Nosso objetivo é estruturar e aplicar um modelo que seja capaz de determinar o surgimento de episódios agressivos (não induzido - espontânea) e que possibilite o acompanhamento comportamental de um mesmo indivíduo desde sua infância até a idade adulta. Realizamos um esquema de agrupamento e reagrupamento e aplicamos metodologias comportamentais como etograma, teste do campo aberto, teste de suspensão da cauda (TSC) e caixa de pre-ferência. Nossos resultados demonstram que 90% dos grupos apresentam padrões de comportamento agressivo (PCA) e em 10% dos indivíduos pudemos observar graves lesões e ferimentos decorrentes de agressões. Interessantemente, em 10% dos grupos não observamos PCA. Nesses grupos a atividade motora e exploratória foi superior aos grupos agressivos. Além disso, o TSC demonstrou ser um eficiente método para definir o perfil de atividade de cada animal, sua possível posição hierárquica e sua influência no surgimento de PCA. Desta maneira, podemos concluir que o MEA demonstrou ser eficaz na reprodutibilidade da identificação e avaliação do surgimento de agressividade em grupos de camundongos em biotério. CEUA Nº LW 5/12.

    Palavras-chave: Camundongos. Comportamento. Agressividade.

    1 intROdUçãO

    Segundo a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS) considera-se agressão como o(s) ato(s) em que um indivíduo prejudica ou lesa outro(s) de sua própria espécie de forma intencional. A violência descreve-se como o uso de força (ou poder), real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo. Caracteriza-se pela possibilidade de resultar em

    lesão, morte, dano psicológico, deficiência de de-senvolvimento (físico ou emocional) e privação1.

    A cada ano, a violência está relacionada ao óbito de aproximadamente 1,6 milhões de pessoas no mundo. Além disso, na faixa etária entre 15 a 44 anos, a violência foi responsável por 14% do total de mortes em homens e 7% nas mulheres2. No Brasil, em 2010, 8.686 crianças e adolescentes foram vítimas de homicídios, sendo 90% deste nú-mero relacionado ao sexo masculino3. Em relação ao total de mortalidade por causas violentas 43,3%

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    está relacionada a homicídios; 27,2% a acidentes de trânsito e 19,7% a diversas causas relacionadas a episódios violentos3.

    Em animais, vários estudos etológicos rela-cionam a agressividade ao caráter ontogenético e a adaptabilidade filogenética deste tipo de comportamento4,5,6. Desde 1960 pudemos ob-servar estudos sistemáticos do comportamento de camundongos (e outros modelos animais) em ambiente laboratorial7. Em relação a(s) causa(s) da agressividade nos animais de laboratório ainda não há um consenso. Há uma complexa rede de fatores relacionados a genética, bioquímica, fisio-logia, neuroanatomia que determinam a presença de episódios agressivos entre os indivíduos de um determinado agrupamento.

    Brodkin e seus colaboradores, em 2002, identificaram e sugeriram duas possíveis regiões cromossômicas relacionados ao comportamento agressivo. As regiões Aggr1 e Aggr2 foram rela-cionadas a porção distal do cromossoma 10 e pro-ximal do cromossoma X8. Outros genes também estão sendo estudados, como os relacionados a re-ceptores de andrógenos, sistema de serotonina9,10, vias de resposta ao estresse11,12, hipoglicemia13 e outros. Em relação a bioquímica e a identificação pelo sistema vômero-nasal, bulbo olfatório e hi-potálamo, parece haver uma grande influência da secreção e percepção de ferormônios e secreção de hormônios gonadais14,15. Além disso, aumento da expressão de proteínas e neurotransmissores como o Nerve growth factor (NGF)16, vasopressina17 e óxido nítrico18. Este último está intimamente ligado ao sistema de serotonina, atualmente alvo de diversos novos fármacos no controle da depres-são, ansiedade e também da agressividade19. Por sua vez este sistema está contrabalanceado com a expressão de dopamina e GABA20,21. Os níveis de hormônios esteróides, como a testoterona, tam-bém estão intimamente relacionados ao sistema de serotonina22. Contudo nenhum destes fatores, isoladamente, conseguiu explicar o surgimento do comportamento agressivo.

    Tradicionalmente os modelos experimentais para o estudo da agressividade são obtidos por manipulações comportamentais, farmacológicas

    e genéticas23,24. Porém questionamos estes mode-los pelos seguintes motivos: a) utilizam número reduzido de animais (regularmente somente dois) desprezando as interações com outros indivíduos; b) a agressão gerada, principalmente por indução comportamental (ex. teste residente/intruso), possui característica principalmente reativa e a agressividade é diretamente induzida; c) deter-minam somente duas posições hierárquicas, o dominante e o subordinado, relacionando quem agride e quem é agredido; d) o evento agressivo é avaliado num curto espaço de tempo (ex. 5 mi-nutos/teste); e) não são capazes de descrever as características comportamentais intrínsecas a cada indivíduo antes do agrupamento, principalmente no período da puberdade, como por exemplo, os transtornos de depressão (depression-like) ou ansiedade (anxiety-like)25.

    O objetivo principal do nosso estudo é de-senvolver e aplicar um modelo para estudo da agressividade que não induza o fenômeno descrito anteriormente, baseado nas características com-portamentais de cada indivíduo desde o desmame, no agrupamento dos animais durante a infância, na avaliação do perfil de atividade de cada ani-mal pelo teste de suspensão da cauda (TSC) e no reagrupamento aleatório na idade adulta. Desta maneira, desenvolvemos, aplicamos e demons-tramos a eficiência do modelo de agressividade espontânea (MEA).

    2 MAtERiAiS E MétOdOS

    Animais: Requisitamos ao Centro de Criação de Animais de Laboratório da Fundação Oswaldo Cruz (CECAL/FIOCRUZ) para cada ensaio (n=3) 100 camundongos da linhagem Swiss Webster, machos com três semanas de vida. Recebemos estes animais no Setor de Experimentação Animal dos Laboratórios de Biologia Celular e Inovações em Terapias, Ensino e Biofilmes do Instituto Oswaldo Cruz (SEA LBC/LITEB) e adaptamos estes animais ao novo ambiente por uma semana. Esta adaptação foi realizada em estantes ventila-

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    das com a temperatura, umidade e fotoperíodo controlados segundo os padrões e normatizações ambientais vigentes. Foi oferecido água e ração a vontade e a rotina de higienização foi realizada duas vezes por semana. Os procedimentos desse projeto foram realizados sob licença número LW-5/12 da Comissão de Ética para o Uso de Animais (CEUA/FIOCRUZ).

    Modelo Espontâneo de Agressividade (MEA): Estruturamos nosso modelo (Esquema 1) através do agrupamento dos camundongos, individual-mente identificados (c1 a c10), em grupos de 10 animais e em 10 grupos (A1 ao A10) que denomi-namos de agrupamentos. Realizamos as avaliações comportamentais em todos os grupos entre a 4ª e a 8ª semana de vida. Na 10ª semana de vida realizamos o reagrupamento de todos os animais (R1 ao R10) através do sorteio dos indivíduos do agrupamento e formando os novos grupos do rea-grupamento. Desta maneira, conseguimos compor um reagrupamento aleatório sem que ocorresse qualquer forma de escolha pessoal. Realizamos novamente as avaliações comportamentais em todos os indivíduos entre a 12ª e a 16ª semana de vida. Escolhemos, do último ensaio, dois grupos do reagrupamento R1 (constituído dos seguintes animais do agrupamento: A1c2, A2c1, A3c7, A3c10, A5c5, A6c5, A6c4, A7c3, A8c10 e A10c9) e R2 (constituído dos animais: A1c7, A4c8, A5c8, A6c6, A6c10, A7c1, A8c9, A8c2, A9c8 e A10c4) como representativos dos fenótipos: a) altamente agressivo e b) não agressivo, respectivamente.

    2.1 testes comportamentais

    Etograma: Realizamos a filmagem (vista su-perior) nos agrupamentos (4ª, 6ª e 8ª semana de vida) e posteriormente nos reagrupamentos (12ª, 14ª e 16ª semana de vida) de cada grupo por 60 minutos contínuos através de uma câmera Canon PowerShot SX20 IS® (Lake Sucess, NY – EUA). Conseguimos um total de 3.600 minutos de grava-ção para cada ensaio e registramos por fotografia as alterações mais representativas de cada grupo. A partir destas filmagens determinamos os quesitos avaliados em nosso etograma: a) identificação do

    padrão de comportamento agressivo (PCA), como mordidas, ferimentos e lesões ocasionadas por lutas nos indivíduos de cada grupo; b) intensidade do PCA de 1 a 4+ correspondente a cada grupo e a cada indivíduo (Figura 1). Determinamos que o escore zero (0) está relacionado aos grupos com a ausência e/ou presença de vocalizações e per-seguições, contudo, não apresentavam sinais de mordidas ou lesões no corpo do animal (Fig. 1A). O escore de uma cruz (1+) a presença de eventos agressivos reduzidos, com ou sem caráter sexual (tentativa de coito entre os indivíduos) e a presença de pequenas mordidas ou ferimentos em algum lugar do corpo do animal (Fig. 1B). Para o escore duas cruzes (2+) para os grupos, correlaciona-mos a presença de reduzidos eventos agressivos sem caráter sexual e discretos sinais de mordidas na região da cauda, dorso ou bolsa escrotal dos indivíduos (Fig. 1C). O escore três cruzes (3+) está relacionado a presença de eventos agressivos moderados no grupo (com ou sem especificidade entre os indivíduos) e a observação de ferimentos e lesões moderadas na cauda, dorso e bolsa escro-tal nos animais (Fig. 1D). Finalizando, o escore quatro cruzes (4+) alta frequência (ou intensidade) de eventos agressivos (com ou sem especificidade entre os indivíduos) e a presença de marcantes le-sões e ferimentos na cauda, dorso e bolsa escrotal (Fig. 1E). Em alguns casos, os ferimentos podem ocorrer com variáveis intensidades, em outros pontos do corpo como tórax, abdome (Fig. 1F) e patas dianteiras24.

    Teste da suspensão da cauda (TSC): Descrito por Steru e colaboradores, em 1985, esta metodo-logia possibilitou determinar a característica de atividade individual do animal para reagir a uma situação de estresse. Além disso, foi desenvolvida e aplicada para a avaliação pré-clínica na eficiên-cia de antidepressivos e ansiolíticos. Esse teste consiste em prender verticalmente o animal pelo terço final da cauda em uma estrutura circular de modo que seu focinho fique a aproximadamente vinte centímetros do piso26. Realizamos este método nos agrupamentos (4ª, 6ª e 8ª semana de vida), posteriormente nos reagrupamentos (12ª,

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    Wanderson Silva Batista, Luiz Cesar C. Pereira da Silva, Kelly Cristina demarque, fabio Souza de Oliveira, Mariana Acquarone, frederico villas Bôas, gabriel Melo de Oliveira

    14ª e 16ª semana de vida) e quantifi camos o tempo que o animal manteve sua postura de imobilidade durante cinco minutos/teste. Esta imobilidade caracterizou-se pela ausência de movimentos de torção, rotação ou tentativa de levantamento do corpo. Defi nimos três categorias de atividade comportamental relacionada a reação física do animal desafi ado ao estresse: a) baixa atividade (depression-like), com 104 a 150 segundos de imobilidade; b) atividade mediana, entre 51 e 103 segundos de imobilidade e c) alta atividade (anxiety-like), com 0 e 50 segundos de imobilidade (Tabela 1).

    Teste do campo aberto: Para caracterizar a atividade espontânea e o perfi l emocional dos camundongos, foi utilizada esse teste adaptado a ferramenta de rastreamento de vídeo Noldus Etho-Vision® XT6 (Noldus – Wegeningen, Holanda). A arena foi defi nida por 12 retângulos divididos em quadrantes laterais e centrais. Na arena total, os retângulos foram calibrados para conter dimensões iguais e garantir a confi abilidade dos parâmetros através do qual o sistema de rastreamento foi capaz de mensurar os movimentos do animal27. Esta análise foi usada nos agrupamentos (4ª, 6ª e 8ª semana de vida) e posteriormente nos rea-grupamentos (12ª, 14ª e 16ª semana de vida) para quantifi car os seguintes parâmetros: (a) a atividade locomotora, defi nida como a distância percorrida (metros) e a velocidade média (cm/s) e (b) ativi-dade exploratória, quantifi cada pela frequência (número de eventos) e o tempo de permanência nos quadrantes centrais (Qc – segundos) durante 5 min de cada teste. O vídeo foi gravado com uma câmera colocada 1,0 m de distância da área de observação.

    Caixa de preferência: O aparelho foi feito a partir de três milímetros de acrílico (Insight – São Paulo, Brasil). As dimensões totais foram de 14 x 55 x 14 centímetros e dividido em três comparti-mentos. Duas áreas (uma branca e uma preta) me-dindo 12,5 x 15,5 x 14 cm e uma área neutra com 9,5 x 10 x 14 cm. O conjunto do aparelho é fechado por uma tampa feita de acrílico transparente e as

    Figura 1: Determinação do escore de PCA individual: Através da observação da intensidade (extensão) das lesões e local do corpo, realizamos uma tipifi cação do PCA nos animais. Defi nimos como escore 0 (A) o camundongo que, no agrupamento ou reagrupamento, não apresentou ferimentos ou lesões em decorrência de lutas e mordidas. O escore 1+ (B) é determinado pela presença de pequenas mordidas ou ferimentos em algum lugar do corpo do animal. O escore 2+ (C) foi relacionado aos indivíduos que apresentaram discretos sinais de mordidas na região da cauda, dorso ou bolsa escrotal dos indivíduos. Em relação ao escore 3+ (D) foi relacionada a observação de ferimentos e lesões moderadas na cauda, dorso e bolsa escrotal nos animais. Já o escore 4+ (E), o de maior gravidade, foi defi nido pela presença de marcantes lesões e ferimentos na cauda, dorso e bolsa escrotal. Também pudemos observar que, em alguns animais, as regiões das patas dianteiras e do abdome apresentam lesões decorrentes de lutas e mordidas (F).

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    áreas ligadas por aberturas que foram mantidas abertas. O objetivo deste teste foi mensurar na 16ª semana de vida, apenas nos reagrupamentos, a interação entre os animais agressores, agredidos e entre os indivíduos na ausência de PCA. Em cada teste, na área neutra colocamos dois indivíduos de um mesmo agrupamento e mudamos a com-binação de animais (em pares) de forma com que todos os animais pudessem interagir. A avaliação propriamente dita consistiu em medir os seguintes quesitos: a) tempo de permanência (segundos) entre os indivíduos em uma mesma área da caixa; b) número de frequência de ambos os animais na área clara (AC) ou escura (AE) e c) relação entre o tempo de permanência e a frequência dos animais em cada área (frequência vs tempo).

    Análises estatísticas: Aplicamos diversos testes estatísticos dependendo da metodologia aplicada. Em relação a qualificação do PCA, após determinar os escores de 1 a 4 cruzes, realizamos a quantificação conjunta dos três ensaios (n=300 animais/totais) determinando o percentual de cada escore no total de animais. Na estruturação da ta-bela com as categorias de atividade determinadas pelo TSC usamos os valores dos 300 animais, estabelecendo a média, o desvio padrão (±SD) e calculado o desvio padrão médio (DesvMed). A partir deste, determinamos a diferença de valores entre as categorias. Para o teste do campo aberto e da caixa de preferência, utilizamos o teste T student aplicando um valor de significância para p≤0,05 entre todos os grupos estudados e confir-mamos com o teste de MannWhitney (não para-métrico) utilizado para comparar todos os grupos de dados (software SPSS versão 8.0) e os valores de significância definido por p≤0,05 e expressos por símbolos em cada figura.

    3 RESULtAdOS

    Calculamos um valor percentual para a classi-ficação do etograma nos três ensaios (ntotal=300 animais). Observamos que durante o agrupa-

    Esquema 1: Estruturação de um modelo espontâneo para avaliação de PCA: Descrevemos este esquema como modelo para a possível observação e avaliação dos PCAs nos grupos de camundongos. Requisitamos animais machos da linhagem Swiss Webster na idade de três semanas e com peso variável. Realizamos o agrupamento aleatório dos animais recebidos, identificados individualmente (c1 a c10) e pelos agrupamentos (A1 ao A10) a partir da 4ª até a 8ª semana de vida. Realizamos o etograma, o teste do campo aberto (atividade motora e exploratória) e o TSC em todos os animais semanalmente. Na 10ª semana de vida, realizamos o reagrupamento dos animais dos respectivos agrupamentos, através de um sorteio dos indivíduos que iriam compor os novos grupos (R1 ao R10). Consequentemente, misturamos animais de vários agrupamentos na mesma gaiola do reagrupamento, evitando influir de qualquer maneira na composição dos reagrupados. Entre a 12ª e a 16ª semana de vida, realizamos novamente os mesmos parâmetros.

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    mento os animais demonstraram um escore zero para PCA entre a 4ª e a 8ª semana de vida (dados não mostrados). Em relação ao reagrupamento, destacamos que o sistema de formação de grupos aleatórios por sorteio demonstrou ser eficaz para o surgimento de reagrupamentos com e sem PCA, tanto para os grupos como para os indivíduos (Fig. 2). Observamos que aproximadamente 10% dos grupos não apresentaram eventos agressivos mesmo quando reagrupados em idade adulta. Além disso, podemos classificar com reduzida presença de agressividade em 60% dos reagru-pamentos, pois, 20% são descritos como 1+ com presença de caráter sexual e 40% com escore 2+ pela ausência na tentativa de coito entre os seus indivíduos. Porém em 30% dos reagrupamentos apresentaram uma alta agressividade, sendo 25% classificada por 3+ e 5% por 4+ (Fig. 2A). No caso da classificação de PCA entre os indivíduos podemos observar que em 60% dos animais não há presença de ferimentos, lesões por mordidas e lutas (escore 0). Em 26% dos animais houve a presença de ferimentos no dorso, cauda e bolsa es-crotal com intensidade reduzida à moderada (13% com escore 1+ e 13% com escore 2+). Aproxima-damente 10% demonstram lesões de alta extensão e gravidade, 6% com 3+; e 4% com 4+ do total de animais reagrupados nos três ensaios (Fig. 2B).

    Durante o reagrupamento do terceiro ensaio se-lecionamos dois grupos que foram mais represen-tativos em relação aos fenótipos correspondentes ao nosso objeto de estudo (Fig. 3). Na 16ª semana de vida, podemos observar que o reagrupamento 1 (R1, n=10) demonstrou alto nível de agressividade com 4+ para classificação de PCA do grupo. No R1, apenas dois animais demonstraram escore 0 e um animal com escore 1+ para a classificação individual de PCA. Completando o grupo, quatro animais com escore 2+, 1 animal com escore 3+ e 2 animais com escore 4+ (Fig. 3A). O reagru-pamento 2 (R2, n=10), ao contrário do anterior, apresentou reduzidos eventos agressivos podendo ser classificado como 1+, em relação ao PCA do grupo. Entre os indivíduos, 8 animais apresenta-ram escore 0 e apenas dois animais apresentaram escore 1+ (Fig. 3B).

    Acreditamos que o TSC possa ser utilizado para identificar a dinâmica da formação de hie-rarquias e, talvez, preditivo para o surgimento do PCA (Fig. 4). Cada animal durante o agrupamento apresentou um valor constante de TSC durante as três semanas estudadas (dados não mostrados). Observamos um percentual de 10 a 40% de baixa atividade, 40 a 60% de atividade mediana e 20 a 30% de alta atividade. No reagrupamento há uma mudança neste perfil, havendo um aumento do percentual de hipoativos (40 a 60%), diminuição dos medianos (20 a 40%) e dos hiperativos (10 a 20%) (dados não mostrados). Por exemplo, no grupo R1, os respectivos animais (durante o agru-

    Figura 2: Incidência de PCA entre os reagrupamentos: através da determinação dos escores 1+ a 4+ classificamos a intensidade do PCA. Além disso, calculamos a incidência pelos valores percentuais (%) dos respectivos escores em relação ao grupo (A) e para os indivíduos (B). Estes valores são relativos a 3 ensaios com cem animais cada (n=300) avaliados, uma vez por semana, entre a 4ª e a 16ª semana de vida.

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    pamento) apresentavam o seguinte perfil de TSC: 3 hipoativos, 5 medianos e 2 hiperativos. No reagru-pamento houve uma alteração dos valores com a diminuição de TSC de dois animais medianos para hipoativos. Então, demonstrando uma relação 5-3-

    2 entre as categorias definidas, respectivamente (Fig. 4A). No R2, durante o agrupamento, o TSC dos respectivos animais demonstravam o seguinte perfil: 2 hipoativos, 6 medianos e 2 hiperativos. Neste caso, a mudança de perfil ocorreu de um

    cgo PCAc1 2+c2 2+c3 0c4 0c5 3+c6 4+c7 1+c8 2+c9 2+c10 4+

    cgo PCAc1 0c2 0c3 0c4 0c5 0c6 0c7 1+c8 1+c9 0c10 0

    Figura 3: Comparação de PCA entre os grupos agressivo e não agressivo: No final do terceiro ensaio selecionamos dois grupos que reproduzissem e ilustrassem a diferença de agressividade entre os grupos. O grupo R1 (A) apresentou moderado a intenso PCA no grupo e em seus indivíduos (relacionado ao escore 3+). O grupo R2 (B) não apresentou PCA determinando tanto em seu grupo quanto em seus indivíduos um escore zero. No detalhe (canto inferior direito) um indivíduo com escore 4+ que apresentou lesões marcantes em sua cauda promovidas por mordidas.

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    Wanderson Silva Batista, Luiz Cesar C. Pereira da Silva, Kelly Cristina Demarque, Fabio Souza de Oliveira, Mariana Acquarone, Frederico Villas Bôas, Gabriel Melo de Oliveira

    dos animais com alta atividade, sugerindo um estabelecimento de hierarquia, que submetido, apresentou um perfil hipoativo. Então durante o reagrupamento observamos uma relação de 3-6-1 entre as categorias definidas (Fig. 4B).

    Na avaliação das atividades motora e explora-tória, em resumo, observamos que no reagrupa-mento de animais que apresentavam PCA houve uma diminuição de todos os parâmetros estudados (Fig. 5). Os animais que constituíam o R1 percor-reram uma distância total de 2,1±0,1 m durante o agrupamento. No reagrupamento estes mesmos animais demonstraram uma queda do respectivo valor para 1,6±0,1 m. Em comparação ao R2, tanto no agrupamento (2,6±0,2 m) quanto no reagrupa-mento (1,9±0,1 m) apresentaram valores seme-lhantes, sem diferenças significativas (Fig. 5A) e superiores ao R1. Entre o reagrupamento do R1, em relação a velocidade, durante o agrupamento

    os animais do R1 apresentaram um valor médio de 7,1±0,2 cm/s, enquanto que no reagrupamento este valor diminuiu para 4,5±0,1 cm/s. Os animais do R2 também mantiveram seu valores tanto no agrupamento (7,5 cm/s) quanto no reagrupamento (7,1±0,1) de forma similar. Porém apresentando valores superiores ao R1. Nos parâmetros relativos a exploração do ambiente (Fig. 5B), os animais do R1 demonstraram 10±1 presenças no Qc com um tempo médio de 8,5±0,5 segundos. Já no reagru-pamento estes valores foram de 6,8±0,4 presenças no Qc com um tempo gasto de 6,5±0,5 s, respec-tivamente. Os animais do R2, durante o agrupa-mento, tiveram 9,8±0,8 presenças no Qc com um tempo médio de 9,0±0,5 s de permanência nesta área. No entanto, no reagrupamento, os animais do R2 demonstraram um aumento do interesse exploratório, aumentando o número de presenças (14,1±0,5 eventos) e do tempo (10,5±0,5 seg) no

    Figura 4: Perfil de atividade individual determinado pelo TSC: Avaliamos durante o agrupamento (4ª, 6ª e 8ª semana de vida) e o reagrupamento (12ª, 14ª e 16ª semana de vida) a avaliação do perfil de atividade de cada indivíduo. Em relação ao TSC do grupo R1 observamos que no agrupamento (A) o perfil de atividade de cada animal determinou uma proporção de 3 animais hipoativos, 5 medianos e 2 hiperativos (3-5-2). Após o reagrupamento (B) esta proporção modificou-se para 5-3-2, aumentando a incidência de hipoativos. O grupo R2 no agrupamento (C) apresentou uma proporção de 2 animais com perfil hipoativo, 6 medianos e 2 hiperativos. Esta proporção modificou-se para 3-6-1 durante o reagrupamento (D).

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    Estudo do comportamEnto agrEssivo dE camundongos Em biotério: aplicação do modElo EspontânEo dE agrEssividadE (mEa)

    Qc. Em ambos os quesitos os valores de R2 foram superiores ao de R1.

    O ensaio com a caixa de preferência foi adapta-do para quantificar a interação entre os indivíduos dos reagrupamentos (Fig. 6). Interessantemente, o tempo de interação entre os animais do reagrupa-mento com alta intensidade de agressividade (R1) foi de 110±15 seg. enquanto que o R2 interagiram

    num tempo significativamente menor levando um tempo de aproximadamente 50±10 seg (Fig. 6A). Esse resultado foi similar à relação entre o tempo de interação e a presença na AE. Os animais do R1 demonstraram um índice de 0,25±0,02, conse-quentemente passando mais tempo juntos na AE do que os animais do R2 que apresentaram um índice de apenas 0,20±0,01 (Fig. 6B).

    Figura 5: Alteração nas atividades motora e exploratória promovida pela agressividade: Através do teste do campo aberto mensuramos, no agrupamento (barra branca) e no reagrupamento (barra cinza), o deslocamento horizontal (atividade motora) pela distância percorrida (metros) (A) e a velocidade média (cm/s) (B). A atividade exploratória foi determinada pela frequência no quadrante central (número de eventos) (C) e o tempo de permanência do animal neste mesmo quadrante (segundos) (D). Comparamos os mesmos animais do R1 e R2 no agrupamento (barra branca) e no reagrupamento (barra cinza) na 8ª e 16ª semana de vida, respectivamente. O asterisco indica uma diferença significativa (p≤0,05) entre os valores de agrupamento e reagrupamento dos animais do R1. O quadrante indica uma diferença (p≤0,05) entre os valores de agrupamento e reagrupamento dos animais do R2. A arroba representa a significância estatística (p≤0,05) entre o reagrupamento do R1 e do R2.

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    5 diSCUSSãO

    Nossa principal crítica aos atuais modelos experimentais no estudo da agressividade em camundongos é o fato de que esses métodos indu-zem (ou promovem) os eventos agressivos, tanto de forma comportamental, quanto farmacológica ou genética23,24. A meta principal desse estudo foi de desenvolver um modelo para o estudo da agressividade de forma espontânea. Através do conjunto dos nossos resultados, podemos afirmar que o MEA alcança este objetivo. Além disso, dois outros fatores são extremamente relevantes e positivos neste modelo. O primeiro baseia-se na possibilidade de avaliar o animal, o seu perfil de comportamento (ou categoria de atividade) e acompanhá-lo desde seu desmame, sua infância, sua juventude e consequentemente na sua idade adulta28. O segundo é a formação de grupos e a interação entre vários indivíduos. Nas metodo-logias atualmente utilizadas, utilizam-se um par de animais onde existe apenas a possibilidade de identificar a relação agressor/agredido, ou hierar-quicamente definida como dominante/submisso

    em um determinado instante de observação29. Desta maneira, através dos nossos resultados, podemos afirmar que o MEA demonstrou ser eficaz, principalmente na capacidade de observar o surgimento de agressividade espontânea e pos-sibilitar o desenvolvimento e a aplicabilidade de metodologia capaz de quantificar e qualificar os padrões de comportamentos agressivos, ou PCAs.

    Os PCAs foram categorizados em relação ao grupo e em relação ao indivíduo. Não encontra-mos dados na literatura correspondente a nossa classificação. Observamos que as lesões e os ferimentos decorrentes das lutas e principalmente pelas mordidas apresentam uma dinâmica variá-vel29. Iniciam-se pela cauda (da base até a ponta) e concentram-se, após um tempo, na região posterior do dorso, base da cauda e bolsa escrotal. Podemos observar lesões em outras partes do corpo, como membros anteriores e abdômen, porém acredita-mos que esta localização está relacionada a postura e a capacidade de defesa do indivíduo agredido. Nossos resultados demonstram que durante o agrupamento não é observável a presença de PCA. Estes dados estão de acordo com descrito por vários autores demonstrando a capacidade

    Figura 6: Interação entre animais agressores e agredidos: Adaptamos o teste de caixa de preferência para avaliar a interação dos indivíduos agressores e agredidos. Mensuramos o tempo que os animais, do R1 e R2, passavam juntos (segundos) em qualquer área da caixa (A). Além disso, montamos uma relação entre o tempo de interação e a área escura da caixa (B) e montamos um índice de permanência (frequência vs tempo) para compararmos os animais do R1 e R2. O asterisco indica significância estatística (p≤0,05) entre os animais dos grupos R1 em relação ao R2.

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    Estudo do comportamEnto agrEssivo dE camundongos Em biotério: aplicação do modElo EspontânEo dE agrEssividadE (mEa)

    de reconhecimento familiar ou fraternal entre os grupos de camundongos28,30,31. Porém no reagru-pamento na idade adulta podemos observar a pre-sença significativa de PCA. Contudo, estes eventos agressivos apresentam intensidade variável, sendo um percentual reduzido de casos graves (de 3 a 4+) principalmente para o PCA individual. Porém, um significativo percentual apresenta pequena a moderada presença de agressividade (60%), e contrariamente ao esperado, um grande número de animais (mesmo compondo agrupamentos agressivos), não possui sinais de lutas, mordidas ou lesões (também de 60%). Ressaltamos que o MEA foi capaz de promover a agressividade de forma espontânea entre os indivíduos, mas também foi capaz de demonstrar em 10% dos reagrupamentos, mesmo em idade adulta, que os animais convivem sem a presença de PCA durante o período estudado. Não encontramos na literatura dados que possamos comparar com a qualificação e quantificação dos eventos agressivos e também os possíveis motivos para a característica harmô-nica do reagrupamento de machos adultos.

    Então, realizamos a comparação comporta-mental entre o R1 (fenótipo agressivo) e R2 (não agressivo). A presença de agressividade com-promete o bem estar animal por promover um estresse permanente no convívio do respectivo grupo32,33,34. Nossos resultados demonstram que a atividade motora e exploratória dos animais foi significativamente alterada. Em resumo, o animal sadio (físico e emocional) busca explorar o ambiente, deslocando-se pelas áreas laterais da arena e frequentando a sua área central35,36. Nossos resultados demonstram que os animais do grupo com PCA apresentam sintomas de estresse crônico, descrito pela queda nos níveis das atividades motora e exploratória após serem reagrupados e o surgimento do comportamento agressivo dos indivíduos. Além disso, também podemos comparar com os grupos não agressivos. Os animais destes reagrupamentos mantêm seus níveis de deslocamento horizontal e aumentam sua curiosidade em relação ao ambiente descrita pelo aumento da presença na área central da arena quando comparado com os animais do R135,36.

    Através da adaptação da caixa de preferência, buscamos avaliar a interação entre os indivíduos tanto do grupo agressivo, quanto do não agressivo. Segundo Pascalle e colaboradores, o surgimento da agressividade é relativa às reduzidas dimensões da gaiola e a falta de possibilidade de fuga do ani-mal agredido. A caixa de preferência possibilita a divisão de espaço e consequentemente o esconde-rijo do animal. Porém, os animais do R1 apresen-taram maior tempo de interação e principalmente no lado escuro da caixa. Acreditamos que pelo estresse crônico o animal diminua sua curiosida-de natural, perdendo seu interesse exploratório e passando mais tempo em um mesmo ambiente, mesmo estando junto do animal agressor.

    Esta relação entre agressor e agredido é des-crita em outros testes como dominante e subordi-nado numa tentativa de estruturar a hierarquia em um grupo de camundongos24. Porém, alguns pon-tos são discutíveis nesta tentativa de se determinar as posições hierárquicas de um agrupamento: a) a necessidade de um método que possibilite des-crever o perfil de "personalidade" de cada animal e possa identificá-lo na hierarquia do grupo; b) os testes em pares não identificam as possíveis interações entre os outros indivíduos; c) em agru-pamentos que não há presença de agressividade, como identificamos os animais dominantes e os subordinados? A partir destas questões, adap-tamos o TSC, comumente utilizado para testes de antidepressivos26. Categorizamos em baixa (depression-like), média e alta (anxiety-like) atividade do animal desafiado a uma situação de estresse. Observamos que cada animal, durante todas as semanas estudadas, apresentavam um valor relativamente constante de TSC. Além disso, os valores de TSC do agrupamento, em alguns animais, mudam para o reagrupamento em alguns perfis de atividade. Contudo, este método demonstrou-se interessante para o rastreamento individual e a categorização das posições hierár-quicas dentro de um grupo.

    Diversas hipóteses estão relacionadas às causas da agressividade como genéticas8, neuroquímicas9,10,11,12, bioquímicas13, neuro-anatômicas16,17,18,20,21 e hormonais22. Porém,

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    nenhuma delas isoladamente é capaz de explicar o surgimento dos episódios agressivos. Além disso, até o presente momento não há nenhum teste (ou método) capaz de predizer ou rastrear os PCAs. Através da observação dos resultados do MEA, sugerimos que a ocorrência da agres-sividade esteja relacionada a dificuldade dos indivíduos no estabelecimento de uma hierarquia linear, harmônica e constante. Acreditamos que aumenta a possibilidade de um reagrupamento harmônico a constituição do grupo com uma proporção de 3 animais hipoativos, 6 medianos e apenas 1 indivíduo hiperativo. No caso de ocor-rer o reagrupamento de dois ou mais indivíduos hiperativos apenas um poderá ser o dominante e os outros devem se submeter, mudando seu per-fil para mediano ou hipoativo. Se esse fato não ocorrer, há a presença de agressividade por parte do dominante, mas também, em alguns casos, do subordinado. Além disso, alguns dos animais que tiverem apresentado alterações comportamentais pré-existentes como estereotipias ou atitudes re-petitivas (dados não mostrados) em sua juventude aumentam a chance de haver PCA. Somando--se a estas informações, recentes resultados do nosso grupo, demonstram que o reagrupamento seletivo de animais das categorias hipoativos ou hiperativos aumenta significantemente a inten-sidade de agressões entre os indivíduos (dados não mostrados).

    Não excluímos a existência de agressividade em reagrupamento seletivo de animais com ativi-dade mediana. Acreditamos que isto ocorra porque outros fatores, além do perfil de atividade, como o cuidado materno24 (fêmeas jovens, pouca habilida-de materna com os filhotes e desmame precoce), a liberação de ferormônios e o seu reconhecimento, principalmente em nível do eixo bulbo olfatório-

    -hipotálamo14,15, também estejam envolvidos no surgimento de PCA.

    6 COnCLUSõES

    O MEA demonstrou ser eficaz na reprodutibi-lidade da identificação e avaliação do surgimento de agressividade em grupos de camundongos da linhagem Swiss Webster, machos, em idade adulta. O esquema de manejo, observação do agrupamen-to e reagrupamento dos animais possibilitou o estudo de todos os indivíduos desde sua infância e sua evolução na juventude e idade adulta. A partir disto pudemos rastrear o comportamento de um mesmo animal, suas características intrínsecas de comportamento e sua influência nos mecanis-mos de interação entre outros indivíduos, como também sua inserção na estrutura hierárquica do grupo. Além disso, a aplicação (e adaptação) da metodologia comumente para o estudo com-portamental (Teste do campo aberto, caixa de preferência e TSC) ao nosso objetivo de estudo, a agressividade, foi importante para desenvolver-mos uma medição do perfil de atividade de cada indivíduo e as consequências da agressividade na capacidade motora e exploratória desses animais.

    7 AgRAdECiMEntOS

    À Dra Maria de Nazaré Corrêa Soeiro, Chefe do Laboratório de Biologia Celular / IOC pelo apoio logístico para os ensaios e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio finaceiro.

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    Estudo do comportamEnto agrEssivo dE camundongos Em biotério: aplicação do modElo EspontânEo dE agrEssividadE (mEa)

    StUdy Of thE AggRESSivE BEhAviOR Of MiCE in thE ExPERiMEntAL LABORAtORy: APPLiCAtiOn Of MOdEL Of

    SPOntAnEOUS AggRESSiOn (MEA)

    The aggressiveness or violence is a serious public health issue. Annually, thousands of people will die as a result of this phenomenon. The various animal models of aggression study are based on the induction of injuries, by only two individuals and a short period of time. Our goal is to structure and implement a model that is able to determine the emergence of aggressive episodes (not induced - spontaneous) and enabling the monitoring behavior of a single individual from childhood to adulthood. We carry out a scheme of grouping and regrouping and applied behavioral metho-dologies as ethogram, open field test, tail suspension test and box preference. Our results described that 90% of groups showed pattern of aggressive behavior and 10% of individuals was observed serious injuries and injuries resulting from attacks or fight. Interestingly, 10% of the groups did not observe PCA. In respective group, the motor and exploratory activity was significantly superior to aggressive group. In addition, the TSC has proved an efficient method to set the activity profile of each animal, their hierarchical position and their possible influence on the genesis of PCA. Thus, we conclude that the MEA has proven effective in identifying and assessing the onset of aggression in groups of mice in laboratory.

    Keywords: Mice. Animal behaviour. Agressive behaviour.

    ABStRACt

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