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  • 21/09/2015 Marcassa

    http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/rt/printerFriendly/94/2379 1/7

    PensaraPrtica,v.7,n.2(2004)

    METODOLOGIA DO ENSINO DA GINSTICA: NOVOS OLHARES,NOVAS PERSPECTIVAS

    LUCIANA MARCASSA*

    RESUMO

    Este artigo busca sistematizar uma proposta metodolgica para o ensino da Ginstica escolar ecomunitria, que vem sendo construda a partir de experincias realizadas junto aos projetos deensino, pesquisa e extenso vinculados ao Grupo de Estudo, Pesquisa e Experimentao emGinstica (GEPEGIN), da Faculdade de Educao Fsica da UFG. A proposta indica algunsprincpios, contedos e estratgias de ao que possam contribuir para o processo de formaohumana crtica, na tentativa de apontar uma nova perspectiva para o ensino, a prtica e oconhecimento da Ginstica.

    PALAVRASCHAVE: metodologia da ginstica formao humana linguagem corporal.

    INTRODUO

    Sem dvida alguma, as diferentes e crescentes propostas que vm sendo construdas nos ltimosvinte anos no campo da Educao Fsica trouxeram importantes contribuies para o constanterepensar sobre a prtica pedaggica, entendendo que esta deve vir acompanhada da teoria daEducao, que lhe sustenta e que lhe d sentido. Entretanto, no obstante os avanos contadosneste mbito, ainda sentimos a necessidade de discutir e aprofundar o debate acerca dos seuscontedos especficos, sobre os temas da cultura corporal, cuja manifestao transcende aouniverso da escola, mas estabelece com esta vnculos determinantes.

    Queremos aqui refletir sobre a Ginstica, visto ser este um importante contedo da EducaoFsica escolar e expressivo componente da cultura corporal. Alm disso, a abordagem deste temajustificase tambm porque, contraditoriamente, sua concepo e manifestao tm empobrecidomuito na atualidade1, embora seja hoje uma das atividades mais procuradas, como tambm umadas mais diversificadas, com visvel proliferao de modalidades, vises e mtodos de ensino,variadas inseres, origens, finalidades e possibilidades de acesso e experimentao.

    Nesse sentido, nossa preocupao apontar pistas para o trato pedaggico da Ginstica naescola, mas tambm lanar novos olhares que permitam recolocla sob outras perspectivasconceituais e prticas, possibilitando a ampliao das experincias e dos saberes corporais sobree a partir desta manifestao, nos diversos ambientes educacionais em que ela pode se fazerpresente. Para tanto, buscamos a compreenso da Ginstica como uma linguagem corporal e,como tal, veculo e objeto de comunicao. E nesta procura, encontramos na experimentao eregistro de diferentes prticas educativas envolvendo o movimento expressivo, juntamente como estudo da Ginstica Geral, interessantes respostas para a elaborao e sistematizao de umaproposta metodolgica que intenta avanar, tambm, no conhecimento da corporalidade e dagestualidade essenciais linguagem gmnica.

    Nosso ponto de partida nesta proposta situa o corpo e as prticas corporais no centro doprocesso de ensino e aprendizagem como elementos tanto constitudos pela produo culturalque os envolve, quanto constitutivos da ao educativa presente na vida cotidiana, na mediaoe construo de valores, saberes, comportamentos e prticas que eles se revertem/retornam namedida mesma em que so produzidos seus significados. o que sugere Soares (2001, p. 110):Os corpos so educados por toda realidade que os circunda, por todas as coisas com as quaisconvivem, pelas relaes que estabelecem em espaos definidos e delimitados por atos deconhecimento.

    Estamos convencidos, como Gonalves (1994), de que o corpo um meio de comunicaoemptica com o mundo, participante ativo dos processos de sociabilidade, da produo materiale simblica e das experincias culturais. Ora, as prticas corporais so tambm partcipes dessemovimento, j que os gestos, as posturas e os movimentos contm sentidos e significados quenos educam constantemente, bem como smbolos e signos de linguagem que dizem muito sobrea nossa formao cultural e revelam aspectos da dimenso social e subjetiva que fundamentam onosso modo de ser, viver e compreender a realidade. Recorrendo novamente a Soares:

    O gesto contm foras reveladoras de um poder de persuaso impossvel para apalavra. Ele pe em jogo todos os sentidos no s de quem o executa, mas tambmde quem o observa. Os gestos permitem um reconhecimento da pessoa em suasdimenses moral e psicolgica, pois conforme Revel, sendo signos, podemorganizarse numa linguagem (2001, p. 111112).

    Quando nos referimos ao corpo e s prticas corporais, estamos falando de uma linguagemmuda, porm carregada de sons, imagens, palavras, cores, odores, sensaes, percepes,valores, conhecimentos, sentidos e significados. Estamos pensando um tipo de gramtica queemana do corpo, uma narrativa composta de movimentos, gestos, posturas e expresses no

    verbais que, articuladas e seqenciadas, configuram o que podemos chamar de linguagem

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    verbais que, articuladas e seqenciadas, configuram o que podemos chamar de linguagemcorporal, intimamente vinculada ao corpo e s suas possibilidades de comunicao.

    Em nossa perspectiva, a linguagem corporal o objeto da Educao Fsica que, na escola, tempor objetivo:

    [...] desenvolver uma reflexo sobre o acervo de formas de representao do mundoque o homem tem produzido no decorrer da histria, exteriorizadas pela expressocorporal: jogos, danas, lutas, exerccios ginsticos, esporte, malabarismo,contorcionismo, mmica e outros, que podem ser identificados como formas derepresentao simblica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadase culturalmente desenvolvidas (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 38).

    assim que pensamos a Ginstica no contexto da Educao Fsica escolar, isto , como um temaque se insere na chamada cultura corporal e que, portanto, deve ser tratado, experimentado,problematizado, conhecido e transformado. Entre outros temas como a dana, os jogos, as lutas,a capoeira e o esporte, a Ginstica manifestase de modo articulado com as aspiraes, projetos erelaes existentes em nossa sociedade e, em qualquer circunstncia, uma forma de expressono verbal de valores, idias, concepes, saberes e prticas sociais. Para Coletivo de Autores(1992), a expresso corporal uma linguagem, um conhecimento universal, patrimnio dahumanidade e, como tal, precisa ser transmitido e assimilado pelos alunos na escola, pois a suaausncia impede que o homem e a realidade sejam compreendidos em sua totalidade.

    No corpo e nas suas manifestaes so gravadas as impresses da cultura e, assim, como meiosde inscrio e revelao do processo social e educativo de uma dada sociedade, o corpo, osgestos, os movimentos e as prticas corporais se tornam um campo frtil atravs do qualpodemos conhecer e intervir sobre a realidade. Desse modo, a corporalidade uma dimensohumana que precisa ser considerada quando da elaborao de uma proposta de educao que sepretenda crtica, criativa e integral, em que todos os domnios e capacidades humanas sejampromovidos e ampliados.

    Parecenos, entretanto, que somente uma formao omnilateral capaz de dar conta datotalidade do ser humano e de suas expresses, relaes, produes e prticas. O conceito deomnilateralidade, cunhado primeiramente por Marx e depois por Gramsci, retoma a idia dehomem integral, j utilizada por Aristteles, mas para este ltimo, a educao odesenvolvimento de potncias ou potencialidades humanas preexistentes no homem, bastandoapenas atualizlas, coloclas em ato. Para este pensamento, de acordo com uma concepoessencialista de homem, esta a tarefa da educao: desenvolver no homem habilidades ecompetncias inatas referentes a uma idia absoluta, habitante numa realidade metafsicachamada de Mundo das Idias.

    Para Marx e Gramsci, no entanto, a ominilateralidade no o desenvolvimento depotencialidades humanas inatas. a criao dessas potencialidades pelo prprio homem, naprtica social, no Mundo do Trabalho. Nessa perspectiva, a educao est vinculada produo social total, bem como a todas as dimenses da existncia e da ao humanas. Econsiderando a luta e a desigualdade instalada numa sociedade de classes, tal proposta objetivaoportunizar a todos o acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade, qualificando asrelaes sociais e intensificando as trocas e experincias que ampliam/enriquecem a forma deler, de compreender e de viver a realidade. A formao omnilateral deseja, ento, a criao e odesenvolvimento das capacidades humanas em si mesmas e, ancorada num compromissopoltico, deve instrumentalizar2 o homem para que possa enfrentar as mudanas, conflitos,contradies e exigncias que o mundo do trabalho lhe impe, superando, assim, as condiesde opresso e dominao existentes. Enfim, a omnilateralidade :

    [...] o chegar histrico do homem a uma totalidade de capacidades e, ao mesmotempo de gozo (desfrute, fruio), em que se deve considerar sobretudo o usufruiros bens espirituais, alm dos materiais de que o trabalhador tem estado excludoem conseqncia da diviso do trabalho (MANACORDA, apud GADOTTI, 1984).

    Dentro desta viso de educao, a Educao Fsica pode se inserir, pelo menos, de duasmaneiras. Primeiro, colocando disposio de todos os grupos e classes sociais osconhecimentos, experincias, bens simblicos e materiais que, ligados ao corpo e culturacorporal, foram produzidos historicamente pela humanidade, postura que pode colaborar noprocesso de democratizao da cultura e das riquezas. E em segundo lugar, pela superao dasconcepes e prticas relacionadas ao corpo e s suas manifestaes, na direo da construo deoutros alicerces em que as expresses, produes e relaes humanas se ampliem e se (re)signifiquem, fornecendo novas referncias para os demais campos de conhecimento, bem comopara toda a sociedade.

    Mas, como contribuir efetivamente para ampliarmos nossa compreenso sobre o corpo e asatividades corporais, apontando novas perspectivas para o redimensionamento dos valores,aes, interesses e possibilidades de nos relacionarmos com eles e de nos comunicarmos com omundo, permitindo, tambm, experimentar novas e diferentes formas de convivncia esociabilidade?

    Essa tem sido a questo que nos orienta quando da elaborao de uma Metodologia daGinstica. Desse modo, com base no princpio de que a corporalidade uma dimensoconstruda culturalmente e que constitui todo e qualquer processo educativo, acreditamos que o

    conhecimento e a experimentao da Ginstica como linguagem pode ser uma das

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    conhecimento e a experimentao da Ginstica como linguagem pode ser uma daspossibilidades para a ascenso a uma formao omnilateral. Formao esta que, como jdissemos, pressupe o desenvolvimento humano em todos os seus domnios: moral, afetivo,corporal, cognitivo, tico, esttico, poltico, etc. Concebendoa como uma forma de expresso ecomunicao o que se contrape prtica da Ginstica no mundo do esporte e do fitness ,temos pensado a Ginstica como uma manifestao pertencente ao universo das linguagensartsticas contemporneas.

    Ao lado da dana, do circo novo, das performances, da msica, das artes cnicas e visuais, aGinstica se apresenta hoje como um campo vasto, rico em contedos, variado em formaesplsticas e quase inesgotvel em possibilidades de expresso, criao e transformao, pois composto por um denso registro de saberes que permitem ampliar, interagir e mesclar aGinstica a outras expresses, tendncias e sistematizaes, e tambm identificla e caracterizla como uma prtica especfica e singular. recuperando e fortalecendo a sua identidade e seussignificados historicamente construdos que procuramos conceber a Ginstica.

    Queremos afirmar com isso que a Ginstica no pode ser compreendida se no considerarmosalguns aspectos: seu contedo, ou seja, os movimentos gmnicos, tambm chamados defundamentos bsicos da ginstica, que compreendem um rol de aes, posturas, movimentos egestos que historicamente foram associados, combinados e sistematizados em torno dos mtodosginsticos e lies de educao fsica e que, mais tarde vieram a se desdobrar nos elementosespecficos das modalidades que conhecemos hoje como a Ginstica Artstica, Rtmica, Natural3,Aerbica, Acrobtica, Calistnica, etc sua forma, isto , os movimentos e seqncias ginsticaspossuem uma esttica prpria, uma configurao plstica, um conjunto de posturas e gestos quepodem ser traduzidos e representados pelos signos da retido e verticalidade (SOARES, 1998).

    Tudo isso supe, portanto, que consideremos sua histria, porque todos os saberes relativos aocorpo e a este conjunto sistematizado de exerccios corporais foram construdos historicamente,o que implica que seus sentidos e seus significados s podem ser visualizados e interpretados nae atravs da histria. Importante tambm seu objetivo, que representa a intencionalidade daproposta pedaggica e o direcionamento a ser dado, na prtica, para que as finalidadeseducativas sejam alcanadas e por fim sua orientao metodolgica e as estratgias atravs dasquais a Ginstica pode ser praticada, conhecida, refletida e recriada.

    Fundamentandose nestes princpios, temos defendido a proposta da Ginstica Geral comoaquela capaz de garantir a identidade da ginstica, mantendo seu contedo e forma, mastranscendendo aos aspectos meramente tcnicos que predominam nas concepes maistradicionais. Tal proposta amplia o universo dos exerccios e atividades ginsticas para umacompreenso de que o movimento gmnico tambm expressivo, e de que a expresso umapossibilidade, no s, de comunicao interna, referente ao conhecimento e percepo que ossujeitos tm das suas prprias qualidades corporais, mas tambm de comunicao e contatoentre as pessoas que partilham ou no do mesmo meio social ou de uma mesma sociedade ecultura.

    A Ginstica Geral, que se apresenta como uma leitura contempornea da Ginstica, abarca oconjunto das vrias modalidades ginsticas, bem como elementos da dana, do circo, dacapoeira, dos jogos, das lutas, enfim, das diversas manifestaes da cultura corporal que,todavia, ao serem apropriadas e interpretadas pelos movimentos ginsticos, so transformadas eincorporadas linguagem gmnica. Queremos dizer com isso que o eixo fundamental daGinstica Geral continua sendo a Ginstica, a qual, embora possa dialogar e interagir com outrasprticas e outros elementos da cultura corporal, contm uma narrativa prpria, constituda pelossignos e caracteres (contedo, forma, histria, objetivos e orientao metodolgica) queconfiguram e materializam a seu tipo de linguagem.

    Isto significa que a GG precisa conquistar a sua identidade e buscar a sua amplitudee diversidade tendo como base a ginstica, compreendida como uma prticacorporal que, marcadamente desde o incio do sculo XIX, sofreu um processointensivo de sistematizao em diferentes pases europeus, o qual foi responsvelpela configurao de um conjunto de elementos caractersticos que constituem aginstica os gestos gmnicos , que, apesar da multiplicidade de enfoques e dadiversidade de manifestaes gmnicas existentes na atualidade, podem sersubdivididos em: elementos corporais, exerccios acrobticos e exerccios decondicionamento fsico (sem, com e em aparelhos). Nesse sentido, o processo desistematizao e codificao da ginstica permitenos diferenciar uma manifestaogmnica de outras formas de manifestao, ou seja, distinguir a ginstica de outrostemas da cultura corporal. Da podermos perceber as diferenas entre um saltocaracterstico da ginstica artstica, um salto caracterstico do bal clssico ou umsalto caracterstico do voleibol. O salto, como gesto, ganha significado no contextoda atividade que o caracteriza (AYOUB, 2003, p. 7374).

    Eliana Ayoub uma das autoras que tambm se preocupam com a adequada assimilao daGinstica Geral pelo campo da Educao Fsica, ou seja, que a ginstica seja pensada eexperimentada em sua inteireza, inclusive na escola. Em seus textos, chama a ateno para queesse esforo de diferenciao da Ginstica de outras prticas corporais no signifiquecompartimentalizar os conhecimentos, uma vez que nenhuma prtica corporal pode sercompreendida de forma isolada, mas na totalidade da cultura corporal. E apesar das influnciasrecprocas que as diferentes manifestaes corporais exercem e exerceram umas sobre as outras(a relao entre a dana, a ginstica e o circo no nos deixa mentir), parece importante concordarcom ela no que diz respeito necessria distino entre tais prticas, sem, contudo, apartlas

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    com ela no que diz respeito necessria distino entre tais prticas, sem, contudo, apartlasabsolutamente.

    Assim, segundo Ayoub (2003), a Ginstica Geral carrega consigo alguns traos que merecem serdestacados. Sem finalidade competitiva, est situada num plano diferente das modalidadescompetitivas, com abertura para o divertimento, o prazer, a simplicidade de movimentos, aparticipao irrestrita seu principal alvo o sujeito que a pratica e a meta a integrao entre aspessoas e grupos, desenvolvendo a criatividade e o interesse pela ginstica a liberdade deexpresso, a criao e o componente ldico so elementos marcantes desta prtica ela ampla,diversificada e no tem regras rgidas preestabelecidas, o que implica em respeito aos limites epossibilidades de cada um os festivais so sua principal forma de manifestao, o que nosignifica desconsiderar o processo em detrimento do produto final, mas sim valorizar aexpresso artstica que se vincula composio coreogrfica, apresentao e ao espetculo.

    Alm disso, a GG prev a confeco, a explorao e o desenvolvimento de aescorporais/gmnicas com materiais alternativos porm no substitutivos aos equipamentosoficiais como bastes, cordas grandes, jornal, elstico, sombrinhas, bambus, toalhas de rosto,lenol, caixas de refrigerante, travesseiros, etc, que so manipulados de acordo com osfundamentos especficos da Ginstica e com outros movimentos que podem ser criados emfuno das propriedades internas do material, o qual tambm se torna um componente cnicodo processo de composio coreogrfica.

    Quanto a estes aspectos, da explorao de materiais e da composio coreogrfica, cabe salientarque deve ser experimentado individual e coletivamente, por meio da pesquisa, da criao e daexpresso de movimentos que resgatam tanto as referncias individuais como as coletivamentepartilhadas. Chamamos este momento de revelao e reconstruo das narrativas corporais e seupropsito refletir, identificar, compreender e superar os padres, as prticas e a culturacorporal internalizadas4, recuperando as experincias mais significativas e os saberes corporaisprvios, numa tentativa de reviso da histria do corpo em movimento, tanto no plano daindividualidade como no plano da economia, da sociedade e da cultura mais amplas. Essemomento indispensvel nesta proposta, uma vez que os limites, preconceitos e dispositivos decontrole que nos so impostos cotidianamente impedem ou, pelo menos, dificultam um contatoe um conhecimento mais apurado de nossas qualidades corporais. Alm disso, os saberes queenvolvem o domnio da corporalidade e das caractersticas inerentes ao corpo e ao movimentode cada um, so cruciais na construo da autonomia dos sujeitos, de novas descobertas sobre simesmo e de criativos desfechos em expresso corporal.

    Em nossa proposta, o processo de criao a chave da ao pedaggica na medida em que serealiza a partir das referncias anteriores que os indivduos e grupos trazem para o contexto daaula, mas por meio de um envolvimento coletivo no trato do contedo e da forma coreogrfica aser alcanada. Esse processo orientado pela tematizao, que constitui um momento mpar deproblematizao e teorizao de situaes vividas ou dados concretos que compem a realidadena qual estamos inseridos, conduzindo leitura, interpretao e ao conhecimento do mundoque nos cerca. O momento da tematizao deve ser norteado por uma pesquisa ou investigaoque permita aos alunos aprofundar os saberes que j possuem sobre determinada questo paraalm das informaes que trazem consigo, das imagens primeiras, ou dos dados que estodisponveis no plano das aparncias. Um outro momento deste mesmo processo diz respeito seleo dos conhecimentos obtidos e codificao dos mesmos em signos de linguagem, ou seja,a sua transformao em movimentos gmnicoexpressivos. Depois, tratase de combinar,seqenciar e contextualizar as aes, gestos e posturas em um texto, ou seja, na coreografiatemtica que dar sentido ao contedo a ser comunicado. Essa possibilidade de expressar,atravs do corpo e da linguagem da ginstica, os dados da realidade que nos cerca tornase,ento, um caminho interessante para conhecermos melhor a ns mesmos, a nossa situao real eatual, como para a compreenso e interpretao da histria vivida ou projetada.

    Sobre a tematizao, importante dizer ainda que so variados os temas que podem ser tratadose investigados como eixos articuladores da produo e apropriao de saberes, da interpretaocrtica, da significao e da expresso corporal. As experincias que temos realizado nestembito nos indicam que as composies podem falar sobre questes que se articulam ao prpriouniverso da ginstica, como seus contedos, fundamentos e variaes, bem como de outroselementos que habitam a realidade material ou simblica, definidos a partir de fatos oucircunstncias especficas, ou ainda do contexto histrico e cultural mais amplo, que ao seremtrazidos para o mbito da coreografia, ganham um tratamento peculiar a partir da linguagemdos movimentos ginsticos.

    Esse processo da composio coreogrfica que resulta numa performance temtica, ao expressare comunicar contedos intrnsecos histria da vida de cada um e dinmica cultural queperpassa toda a sociedade, configurase numa linguagem que, inclusive, possui quase asmesmas estruturas da linguagem escrita. Costumamos dizer que a coreografia como um texto.E se para um texto escrito necessrio ter contedo, narrativa, coerncia interna, situalizao,intencionalidade, coeso, contextualizao, intertextualidade, etc, na linguagem corporalgmnica alguns desses elementos tambm esto presentes. O contedo o tema a serproblematizado a narrativa possui uma lgica e se manifesta por meio de movimentos, gestos,aes motoras, posturas, expresses que, por sua vez, so como as palavras, signos delinguagem pela investigao temtica e pesquisa de movimentos buscamos a coerncia interna,que tambm se traduz pela harmonia e sincronizao na execuo das formaes e figurasadotadas na composio j a contextualizao e a intencionalidade indicam de onde areflexo/ao partiu e aonde ela quer chegar, embora, como toda obra de arte, a coreografia finalpossa ser interpretada de acordo com os recursos e com a viso social de mundo que os

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    possa ser interpretada de acordo com os recursos e com a viso social de mundo que osespectadores possuem. Enfim, acreditamos ser este o momento de sntese do trabalho, o qualpode levar desde uma nica aula, at meses ou anos de dedicao, dependendo do objetivo a serconquistado.

    Assim, a presena da ginstica no programa [de Educao Fsica] se faz legtima namedida em que permite ao aluno a interpretao subjetiva das atividadesginsticas, atravs de um espao amplo de liberdade para vivenciar as prpriasaes corporais. [...] A abordagem problematizadora, anteriormente exemplificada,assegura a globalidade das aes das crianas e a compreenso dosentido/significado da prpria prtica (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 7779).

    Quanto dimenso propriamente artstica da proposta, temos defendido que a criao,expresso, interpretao de signos gestuais, pesquisa de movimentos e composio decoreografias temticas na Ginstica Geral culminam numa mescla de linguagens. Acreditamosque a linguagem corporal gmnica prescinde, se funde e se articula s linguagens artsticascomo a msica (na produo de sons atravs do corpo e da construo de instrumentosmusicais, ou ainda no trabalho permanente com ritmo), as artes plsticas ou visuais (na criaode cenrios, figurinos e, especialmente, na elaborao de uma linguagem/imagem visualrevelada na coreografia), e das artes cnicas, j que, atravs da tematizao, da investigaoterica e da pesquisa de movimentos, realizase, constantemente, interpretao e representaode personagens, idias e sentimentos, comportamentos etc. (MARCASSA, 2002).

    Para que tudo isso se torne possvel, necessrio, porm, implementar uma alternativa didticae uma orientao metodolgica em que prevalea o envolvimento coletivo na discusso etratamento dos conflitos e situaes que decorrem da difcil tarefa de criar, aprender e seexpressar em conjunto, mas respeitando os limites e as possibilidades de cada um.Comungamos, ento, da concepo de ensino respaldada pelas Aulas Abertas Experincia,cujo objetivo a participao coletiva na direo do processo ensinoaprendizagem ao passoque os sujeitos vo reorganizando suas referncias em relao aos conhecimentos do corpo, daGinstica e da prpria realidade, a construo da autonomia, da capacidade de crtica e decomunicao entre eles vai tambm se ampliando e se enriquecendo.

    As concepes de ensino so abertas quando os alunos participam das decises emrelao aos objetivos, contedos e mbitos de transmisso dentro deste complexode deciso. O grau de abertura depende do grau de possibilidade de codeciso. Aspossibilidades de deciso dos alunos so determinadas cada vez mais pela decisoprvia do professor (HILDEBRANDT, 1986, p. 15).

    No que concerne aos objetivos da proposta, procuramos incentivar a construo de um maiorgrau de autonomia e de interferncia dos sujeitos participantes nas decises e aes a seremdesencadeadas pelo coletivo, promovendo uma reflexo sobre a cultura corporal em seus nexoscom a realidade social mais ampla, o que se d de maneira at bastante verticalizada e complexa,chegando os grupos a fazerem coreografias inteiras sobre a sua interpretao dos problemasconcretos vividos pela sociedade brasileira, por exemplo. Por meio de situaes ldicas, jogosdramticos, pesquisa de movimentos, oficinas de expresso corporal e explorao de sons emateriais, buscase a experimentao das aes e gestos gmnicos, como os saltos, giros,rolamentos, inverses, formas de equilbrio, acrobacias, suspenses, apoios, lanamentos,manipulao de objetos outros, almejando a maior diversidade possvel das experincias, masrespeitando as dificuldades postas e o alcance manifestado pelo grupo. Assim, diferentespossibilidades de movimento vo, aos poucos, formando e complexificando o vocabulriocorporal de maneira que o conhecimento sobre o corpo, a Ginstica e a linguagem corporalparece ser construdo espontaneamente.

    Entretanto, no so deixados de lado, em nenhum momento, conforme sugere Snyders (1988), ocompromisso com a diretividade, o sistemtico, o difcil, o obrigatrio e a necessria organizaodo saber que, neste caso, contm um duplo carter. Segundo Bracht (1997, p. 18), um saber quese traduz por um saberfazer e um saber sobre esse fazer corporal, cujas relaes perpassama tecem o universo da Ginstica e todas as suas vinculaes, ramificaes, contradies eambigidades. Queremos dizer com isso que existem dimenses da aprendizagem relacionadas linguagem corporal que somente so passveis de serem propiciadas pela execuo de gestos,pelo ato de movimentarse e que, portanto, dificilmente podem ser descritas, explicadas ouracionalizadas. assim que, retomando Bracht (1997), podemos falar em uma tentativa deampliao do conceito de linguagem corporal para aquele que no nem s pensamento, nem smovimento, mas movimentopensamento.

    Nesse sentido, os fundamentos bsicos da Ginstica Geral no so de forma algumadesprezados, mas sim considerados no sentido dado por Mauss (1974) s tcnicas corporais5.Entretanto, nenhum movimento trabalhado de forma isolada ou descontextualizado, emboratenhamos, sim, uma preocupao com a esttica do movimento gmnico, compreendendo queesta uma qualidade, sempre superior e muito diversificada, que pode ser adquirida e atribudaao gesto com o tempo, o conhecimento e a experincia. Como o treinamento no o objetivocentral da proposta, a prtica e a tcnica so experimentadas como possibilidades de melhorar eampliar a qualidade e a harmonia dos movimentos e da criao coreogrfica.

    O processo de comunicao intra e interpessoal se d constantemente por meio de umavariedade enorme de atividades expressivas que envolvem, ento, aes de resgate ereconstruo dos saberes prvios, vivncia dos fundamentos e aparelhos oficiais da ginstica,pesquisa e explorao de movimentos com base nas referncias individuais e coletivas, criao e

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    pesquisa e explorao de movimentos com base nas referncias individuais e coletivas, criao eexpresso de seqncias e composies temticas, oficinas de construo de materiais,instrumentos musicais, cenrio e figurino, dramatizao e significao de narrativas corporais aserem representadas pela linguagem da Ginstica.

    Esta proposta capaz de promover um conhecimento aguado sobre o corpo, suas qualidades eas manifestaes gmnicas, bem como em termos de expresso cnica e capacidade decomunicao dos contedos desejados. Ademais, acreditamos que as dificuldades, contradiese limites presentes na ao pedaggica so, aos poucos, superados, na medida em que os prconceitos existentes entram em confronto com as novas concepes de corpo, homem, mundo esociedade construdos pela prtica da Ginstica e pelas discusses que ocorrem nodesenvolvimento das atividades.

    Assim como temos procurado fazer com a Ginstica, a Educao Fsica comprometida com umaformao crtica necessita da construo e da sistematizao qualificada de novas metodologiasenvolvendo outros elementos da cultura corporal, pois um projeto de educao ampliada,omnilateral, requer uma preocupao com todos os domnios do ser humano, inclusive ocorporal. nesta perspectiva que apostamos e inserimos a proposta apresentada, objetivando,com base em Saviani (1996, p. 38), tornar o homem cada vez mais capaz de conhecer oselementos de sua situao para intervir nela transformandoa, no sentido de uma ampliao daliberdade, da comunicao e da colaborao entre os homens. para este projeto de sociedadeque procuramos dar a nossa contribuio, colaborando para a formao humana crtica etransformadora.

    Gym teaching methodology: new approaches, new perspectives

    ABSTRACT

    This article aims at systematizing a methodological approach for the teaching of gym in schoolsand communities, which is being built from the experiences held with teaching, research, andextension (communitybound) projects linked to GEPEGIN the Study, Research, and GymExperimentation Group, from the Physical Education Department Pensar a Prtica 7/2: 171186,Jul./Dez. 2004 at UFG the Federal University of Goias. This approach indicates someprinciples, contents, and strategies for action that might contribute to the process of humaneducation in a critical way, in an attempt to point towards a new perspective for the teaching,the practice, and the knowledge of Gymnastics.

    KEYWORDS: gymnastics methodology human education body language.

    Metodologa de enseanza de la gimnasia: Nuevos horizontes, nuevas perspectivas

    RESUMEN

    Este artculo busca sistematizar una propuesta metodolgica para la enseanza de la Gimnasiaescolar y comunitaria, que viene siendo construida a partir de experiencias realizadas junto a losproyectos de enseanza, pesquisa y extensin vinculados al Grupo de Estudio, Pesquisa yExperimentacin en Gimnasia (GEPEGIN), de la Facultad de Educacin Fsica de la UFG. Lapropuesta indica algunos principios, contenidos y estrategias de accin que puedan contribuirpara el proceso de formacin humana crtica, intenta sealar una nueva perspectiva para laenseanza, la prctica y el conocimiento de la Gimnasia.

    PALABRASCLAVE: metodologa de la gimnasia formacin humana lenguaje corporal.

    NOTAS

    * Mestre em Educao pela Faculdade de Educao da Universidade Federal de Gois,Professora da Faculdade de Educao Fsica da Universidade Federal de Gois, Pesquisadora doColgio Brasileiro de Cincias do Esporte e Coordenadora do Grupo de Estudo, Pesquisa eExperimentao em Ginstica da Faculdade de Educao Fsica da Universidade Federal deGois.

    1 O empobrecimento da ginstica referese aqui aos modismos que reduzem os saberes e avivncia da ginstica a mera atividade fsica, cujo objetivo o alcance de um padro corporaldisseminado pela Indstria Cultural, presente na mdia, nas academias de ginstica e fitness, nomercado da moda, dos cosmticos e da medicina esttica. Tais modismos abarcam e suprimemtanto as possibilidades de prtica da ginstica, como tambm as idias, os valores e oscomportamentos que a ela se vinculam.

    2 A instrumentalizao aqui tomada em sua dimenso poltica, como uma ferramenta para quea classe trabalhadora tenha acesso aos bens materiais e simblicos produzidos pela humanidade,o que lhe permite acessar os conhecimentos e as tcnicas necessrias para a superao da suacondio de explorao e dominao. tambm considerada conforme Snyders (1984) quandoproblematiza as pedagogias no diretivas.

    3 A Ginstica Natural uma modalidade que surgiu no sculo XIX compondo o chamado

  • 21/09/2015 Marcassa

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    3 A Ginstica Natural uma modalidade que surgiu no sculo XIX compondo o chamadoMovimento Ginstico Europeu. Foi originalmente sistematizado por Georges Hbert e secaracteriza pela execuo de uma seqncia de movimentos ou aes motoras como andar,correr, marchar, suspender, carregar, lanar, saltar, etc movimentos estes passveis de seremobservados no cotidiano das pessoas. Por isso, no se confunde com aquela modalidade demesmo nome que hoje vem se afirmando nas academias de ginstica, cuja proposta a execuode movimentos que imitam os animais. Para maiores informaes, consultar Marinho (s/d) eSoares (1994, 2003).

    4 Em nossas pesquisas e experincias, quando solicitamos a recuperao das aprendizagenscorporais prvias e discutimos a origem, o sentido e o contexto em que essas prticas e saberesforam gerados, freqentemente o que nos aparece so referncias fortemente marcadas pelacultura esportiva, inclusive no domnio da ginstica.

    5 Consideramos aqui a noo de tcnicas corporais como um constructo histrico, tradicional eeficaz, de alguma forma ordenado conforme a educao, os valores, as idias e os simbolismosque compem uma determinada sociedade e cultura.

    REFERNCIAS

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    SOARES, Carmen. Georges Hbert e o mtodo natural: nova sensibilidade, nova educao docorpo. Revista Brasileira de Cincias do Esporte, v. 25, n. 1, p.2139, Campinas: CBCE: AutoresAssociados, setembro, 2003.

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    ____. A alegria na escola. So Paulo: Manole, 1988.

    Recebido: 30 de abril 2004Aprovado: junho de 2004

    Endereo para correspondncia:Faculdade de Educao Fsica, Universidade Federal de Gois, Campus II Setor Samambaia

    Goinia GoisCEP 74001970

    Email: [email protected]

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