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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)
Modos e lugares de consumo da arte moderna à contemporânea: espaços ilimitados e os consumidores de rupturas. 1
Márcio G. Casarotti 2
Pesquisador integrante do Grupo de Pesquisas “Comunicação, Consumo e Arte”
do PPGCom-ESPM (CNPq)
Resumo
Este artigo proporciona o acompanhamento e a reflexão sobre as historicidades da exibição e do consumo da arte moderna e contemporânea nas sociedades ocidentais. Observa as transformações nas relações de produção e exposição, desde o início do século passado até o presente, caracterizado pelo adensamento das sociedades em grandes metrópoles, a diversificação dos espaços expositivos e as mudanças significativas nas subjetividades e coletividades. Aponta o entrelaçamento da cultura advinda da intensa industrialização e atividade mercantil e a expressão artística em seus sucessivos movimentos. Também aborda o consumo de arte interpelado por novos discursos, os hábitos, espaços e modalidades de visitação, midiatização e mediação. E como a produção artística em diversos suportes e linguagens gera, em igual medida, discursos comunicacionais híbridos, que definem e propõe novos modos e protagonismos de se interagir, comunicar e consumir o que é produzido hoje em arte e em torno dela.
Palavras-chave: Historicidades do consumo de arte; Comunicação da arte; Sociologia do consumo; Arte contemporânea.
Desde os tempos em que esteve mais restrita a ser escolhida, contratada,
comprada e contemplada pela realeza, pela Igreja e pela aristocracia, a arte na cultura
ocidental vem passando por significativos fenômenos até que chegasse ao seu atual
papel nas sociedades contemporâneas. Mudaram as suas motivações, os seus lugares, 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação e Consumo: periodizações e perspectivas históricas , do 6º Encontro de GTs de Pós-Graduação - Comunicon, realizado nos dias 14 e 15 de outubro de 2016. 2 Marcio Geraldo Casarotti, Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pelo PPGCom ESPM-SP. Pesquisador das interfaces da comunicação, arte e consumo na contemporaneidade. E-mail: [email protected].
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as suas linguagens, a subjetividade de seus autores, os seus assuntos, a maneira de se
fazer ver e ser vista, de ser representada, referenciada e de ser consumida. Para que se
possa atingir o território das reflexões aqui objetivado é necessário trilhar um percurso,
mesmo que rápido, de entendimento destas transformações. Assim será possível traçar
correlações entre as modificações sociais e seus entrelaçamentos com os movimentos
artísticos: como produtos e mercados foram surgindo, se diferenciando e definindo
seus modos de consumo material e simbólico. E então encontrar o tempo presente da
arte contemporânea3, seus diálogos e tensões na atual sociedade globalizada da
informação e do consumo.
Partimos então, dos séculos anteriores ao século XIX, nos quais a maior parte
da produção, contemplação e consumo esteve mais circunscrita à nobreza e ao clero,
quando a arte respondia a agenciamentos de motivações e estéticas estreitamente
ligados à ideologia destas hegemonias. E em seus espaços permanecia em exibição.
1 2 3 Fig. 1 Um dos salões do Palácio de Buckinghan, Londres, Inglaterra; Fig.2 Capela Sistina, Vaticano, Itália; Fig.3 Jardins do Palais du Luxembourg, Paris, França
Os assuntos da pintura, escultura, poesia e música eram os grandes feitos, as
conquistas, as posses. O poderio que se pudesse ostentar, ornamentar e simbolizar.
Assim, era contemplada em seus espaços institucionais limitados, de modo a servir de
comunicação e reforço a seus sistemas de crenças e onde era raramente facultada a
visitação àquele que não era fidalgo, clérigo ou membro da realeza. A visitação e
3 neste artigo, a arte moderna inicia-se com a arte após Cezanne em fins do sec XIX, e a arte contem-porânea será considerada como a produção artística das últimas décadas, iniciada no pós II Guerra.
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permanência nesses espaços obedecia à políticas de visibilidade, que atuavam de
maneira a consolidar sobre os visitantes, os institutos daqueles poderes. Tudo - obras,
espaços e modos de ver - era voltado à solene celebração da tradição. O contemplar e o consumir arte, desde fins do século XIX
O avanço da industrialização e o desenvolvimento mercantil na segunda metade
do século XIX criou as condições para o enfraquecimento da realeza, a pulverização da
aristocracia e, sobretudo, o aparecimento de uma burguesia industrial e mercantil. Com
ela, um comércio mais forte expandiu-se entre as cidades levando a infinidade de
novos produtos a serem comercializados em mercados cada vez mais distantes. Na
virada do século XIX para o XX, a indústria e os mercados locais e internacionais
firmemente constituídos, proporcionam as bases para o surgimento da futura sociedade
do consumo. São fatos que vão se relacionar organicamente com os modos de
produção, visibilidade e consumo da arte.
Intelectuais destas épocas acompanhavam criticamente os acontecimentos. Max
Weber (1864-1920) sublinha como a consolidação da ética protestante deixaria os
indivíduos e sobretudo as novas classes ascendentes, mais libertas dos pesos morais
das convicções religiosas antigas, insuflando energia de produção e consumo ao que
denominou de “espírito do capitalismo”. As mercadorias se multiplicavam e se
misturavam à vida das cidades e das pessoas e começavam a instaurar uma nova lógica
das trocas, da acumulação e da ostentação simbólica. Uma nova classe ascendia, mas
que curiosamente reproduzia alguns referenciais de ostentação da realeza. Em sua obra,
publicada em 1900, “A teoria da classe ociosa”, Veblen (1857-1929) atesta as
características destas mudanças nas sociedades de classes, com essa nova burguesia
assumindo modos de consumo e de relações que tinham como a posse e a ostentação
de objetos, mercadorias e serviços como expressões de distinção, prestígio e
pertencimento.
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“Alcançado o estágio quase-pacífico de indústria, com a escravidão como sua instituição fundamental, o princípio geral, mais ou menos rigorosamente observado é que a classe servil industrial deve consumir somente o que é necessário a sua subsistência. Pela própria natureza das coisas, os luxos e os confortos da vida pertencem à classe superior. (...) Estes artigos de consumo são dispendiosos e portanto nobres e honoríficos.” (VEBLEN, 1965. p .76)
O autor evidencia o fenômeno social crescente no qual mercadorias e serviços,
para além de suas funções primárias, servem de sinais de uma comunicação de posição
social, poderio econômico e pertencimento.“ Para o homem ocioso, o consumo
conspícuo de bens é um instrumento de respeitabilidade”. (VEBLEN, 1965.p .80). A
burguesia queria então ter e ostentar como a realeza, a nobreza e o clero. Ao abraçar a
ética protestante o fazia com o beneplácito de renovados sistemas morais e
simbologias. E aí entende-se que assim como os produtos, a arte, seus agendamentos e
assuntos, seus públicos consumidores e os locais onde seria contemplada também
mudariam. A arte também se libertaria e se projetaria para compartilhar das mudanças
e maneiras de interpelar a sociedade.
O consumo, advindo de uma forte produção industrial em massa de produtos,
começa a se expandir, solicitando uma comunicação publicitária em larga escala. São
as bases que engendrariam o aparecimento da chamada “indústria cultural” que só
poderia acontecer pelo estágio de amadurecimento alcançado e então tornado contínuo,
“de uma tríade representada pela conjugação de: meios de comunicação de massa,
cultura de massa e sociedade de consumo”.(TEIXEIRA COELHO, 1986, p.8-14).
Uma sociedade que se adensava em grandes cidades, com novas classes de burguesia e
assalariados começou a originar novas relações entre os artistas, produtores de arte, e
os espaços de exibição. Arte, artistas e negociantes de arte, começaram a sair dos
palácios e igrejas e ir ao encontro dos olhares – e bolsos – desses novos integrantes do
tecido social. O “ver” também começa a cada vez mais ser uma forma de consumir,
tanto os conteúdos artísticos das obras, quanto no ecoar das informações e discursos
que em torno dela gravitam. Assim, os espaços e lugares onde era comercializada e
exibida foram se multiplicando e alterando seus limites.
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8 9 Os espaços de exibição da arte: expansões e rupturas de limites. Fig.4. Vista da Exposição Universal de 1900, Paris; Fig. 5 Um dos salões do MET, NY, USA; Fig. 6 Átrio central do Guggenheim NY, USA; Fig. 7 Homepage do site ArtProject, do Google, onde o visitante escolhe e visita virtualmente dezenas de museus e galerias do mundo inteiro Fig. 8 Street Art Graffitti, de Ricardo AKn, São Paulo, Brasil. Fig. 9 Tilt Brush Google, programa onde o usuário pode “entrar” em espaço virtual 3D, pintando, esculpindo e animando suas criações. E onde “visitantes” podem transitar entre essas obras .
A figura abaixo, descreve esta expansão de lugares de exibição através dos
dois últimos séculos. A intencional inversão de alguns dos lugares e espaços de uma
coluna à outra objetiva em alguma medida a refletir como o porte e relevância de
certos locais vão perdendo importância no decorrer no tempo, sobretudo em função de
uma medida de “audiência’ e fluxo de pessoas e visibilidade, tanto real quanto, nas
últimas duas décadas, virtualmente. O que era antes visto por poucas centenas de
pessoas, cada vez mais era levado ao acesso de centenas de milhares4 .
4 Para que se tenha uma idéia mais atual, a 29ª Bienal de São Paulo, de 2010, em seus 85 dias de exposição, recebeu mais de meio milhão de pessoas.
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Fig. 10. O “local” de exibição da obra de arte com o passar do tempo. (envolvendo, mais recentemente as informações sobre ela, a contemplação e o consumo) ( figura do autor)
A arte se misturava cada vez mais às cidades. Retratava e simbolizava outros
sinais de valor e se adicionava de uma nova característica: os processos e máquinas
agora permitiam que fossem reproduzidas. Mais uma vez limites eram quebrados e
permitia-se às obras que tivessem a visibilidade5 multiplicada para muito além do
entorno físico da obra original. Sendo mais contemplada e aumentava suas
possibilidades de consumo.
Com os assuntos e estéticas apostando nas rupturas, inovações e
tensionamentos, a arte desprendia-se do convencional, do tradicional. E a produção
artística dos diversos movimentos avançava entrelaçando-se com a dialética das
questões da sociedade moderna agora acelerada pelos combustíveis da expansão de
mercados, meios de comunicação globais e forte consumo. Como comenta Heinich
(2001), em seu livro Sociologia da Arte, não se trata mais de “ considerar a arte e a
5 Visibilidade aqui usada no sentido mais afeito as artes visuais. O mesmo fenômeno aconteceu à musica e ao cinema por exemplo.
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sociedade, como os teóricos da primeira geração, nem a arte na sociedade, como os
historiadores da segunda geração, mas a arte como sociedade”(HEINICH, 2001, p.28).
A filósofa da arte Anne Cauquelin (1909-1992) acompanhou essas transformações
pelas quais passaram a arte moderna (a partir das rupturas promovidas por Cézanne em
fins do séc XIV) até a arte contemporânea, pontuando que elas podem ser entendidas
como a passagem de arte de um “regime” para outro. Como rompeu limites dos
espaços expositivos e expandiu a produção de suas materialidades, a arte moderna para
ela podia ser compreendida como existindo num “regime de consumo”. Podia agora ser
mais exibida, apregoada, comercializada. E, com o crescimento e multiplicação dos
meios de comunicação, também em infovias digitais, a arte contemporânea, a partir do
pós guerras, sem perder algumas das características do regime de consumo, se
desenvolveria num substrato de relações que ela chamou de “regime da informação”. A
figura 19, mais à frente, auxilia na compreensão desta caracterização.
O fenômeno da obra de arte assim mais exibida, reproduzida em
múltiplos,conduziria o cientista social da Escola de Frankfurt, Walter Benjamin (1892 -
1940) a ver oportunidades nesta multiplicação. “A reprodutibilidade técnica das obras
de arte sobretudo possibilitou que ela se emancipasse de uma existência parasitária que
lhe era imposta pela função ritual, tornando-se mais numerosas as ocasiões em que
poderiam ser expostas. Em lugar de repousar e se limitar a essa função, ela agora,
expandindo seu valor ao expositivo, se fundaria em outra forma de práxis: a práxis
política.“ (BENJAMIN, 1985, p 171). O autor captura de maneira singular a surpresa e
o encantamento dos habitantes das grandes cidades ocidentais à época, com a
quantidade e variedade de novos produtos e mercadorias a serem vistas e consumidas.
Destaca as Exposições Universais, grandes mostras em grandes espaços, que dão lugar,
visibilidade e comércio à infinidade produtos, máquinas, processos, inovações e
produção artística. Agora abertas a um público maior, são lugares de ir, ver e adquirir.
Em suas palavras, as Exposições Universais eram o centro de peregrinação ao fetiche
da mercadoria. Pesavento (1997) estabelece as relações motivadoras históricas como
estas primeiras grandes exposições, além de engendrarem uma multiplicação ainda na
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atualidade das feiras e grandes eventos do comércio e da indústria, também
contribuíram para dar forma às grandes feiras e exibições de arte.
O surgimento do consumidor de arte moderna: um consumidor de rupturas
O que se passava no campo das artes e dos movimentos artísticos à época era
igualmente marcante. Ainda no final do século XIX, o Impressionismo e o
Expressionismo proporcionaram rupturas fundamentais ao libertarem a arte dos
cânones clássicos, e levarem a produção artística a ganhar novos assuntos, estéticas, e
lugares. Os assuntos da arte desprendiam-se do passado e iam às ruas capturar as
subjetividades que surgiam, o homem da multidão, os trabalhadores simples, o bas
fond, as cidades em transformação e os ritmos da nova sociedade. As transformações
refletiam esteticamente o avanço de uma sociedade de ritmo fabril frenético gerando
uma grande diversidade de produtos, comercializado em diversas localidades. O
zeitgeist da virada do século XIX para o XX era o da inovação. Da proposição do
novo, e sobre esse novo ainda nem bem entendido, em poucos anos uma outra
proposição de ruptura estética e ou de conteúdo. A despeito do establishment não
aceitar de imediato6 essas ondas inovadoras que artistas traziam, individualmente ou
em grupos, os olhares mais atentos começavam a perceber os valores desse espírito
artístico e até filosófico da inovação. Um público, ilustrado e amador, foi surgindo para
essas irrupções. Obras, exposições, performances que geravam comentários, opiniões
em embates. Geravam curiosidade de ver, de dizer algo sobre. Geravam expectativas,
negócios, novos profissionais nesse campo, galeristas, marchands, colecionadores do
novo. Um campo, e um público sedento pelo próximo “novo”, a próxima ruptura: o
nascimento do consumidor da “arte moderna”. Um consumidor de rupturas.
Naquelas épocas, o Futurismo, a Bauhaus e o Cubismo, refletiam e
tensionavam a realidade de uma sociedade industrializada, da ansiedade produtiva e de 6 Em 1863, foi realizada uma mostra paralela ao Salon de Paris, com as obras de arte recusadas da mostra principal: no Salon des Refusés ( Salão dos Recusados), estavam Manet e Cézanne entre outros. Cézanne era considerado por Picasso e Matisse, entre outros, como “o pai de todos nós”.
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consumo. Assim, para um olhar que se tornava multifacetado, o Cubismo trouxe o
objeto multifacetado, bem como os tempos e os espaços em multiplicação. Da
bidimensionalidade da tela ganhava-se a tridimensionalidade e mais a dimensão do
tempo. A rupturas com cânones, a proposição de novas estéticas e valores passou a ser
o comportamento típico dos artistas de vanguarda. O movimento Dada assinala a
primeira saturação estética a esta produção incansável de materialidades e visualidades
e trazia os não-objetos, os não-sentidos, os não-significados. Uma lógica do caos que
as grandes guerras trouxeram, em que pluralidades explodidas numa relação que é
não-relação, sinalizava também o descrédito nas utopias que esse novo mundo
mercantil vendido pela publicidade como redentor, traria. O fluxo e expressão amoral
de idéias e signos que propunha definia, entre outras coisas, o prenúncio do
Surrealismo.
11 12 13
14 15
16 17 18 Representações do feminino na pintura, nos quatro séculos recentes. Fig 11: Sir Francis Grant (1803-1878). Portrait of Queen Victoria, 1843; Fig.12 Giovanni Battista Tiepolo, Saint Catherine of Siena,
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1746, Fig. 13. La maja vestida, Goya, cerca de 1800; Fig.14. La maja desnuda, Goya, cerca de 1800; Fig. 15. Olympia, E. Monet, 1863; Fig. 16. Nu couché jouant avec un chat, P. Picasso, 1964; Fig 17. Madame Recamier, R. Magritte, 1951; Fig. 18. Four Marilyns, Andy Warhol, 1962.
Uma reflexão relevante acerca desses fenômenos é o que acontecia nas
subjetividades do visitante e consumidor desta arte “moderna”, que começou a ser
produzida e exposta década apos década. E que quase sempre continha elementos de
rupturas com cânones, convenções. Ruptura com o antigo, com o que era velho,
celebrando um “novo”. Assim, o consumidor das materialidades, discursos e
proposições de sentido dessa nova arte que sempre se inovava, tornava-se de certa
forma, um consumidor de rupturas, o que por extensão o fazia se distanciar e denegar o
que era velho e ultrapassado. E em numa relação instigante, este indivíduo, mesmo que
avançando em idade cronológica, - envelhecendo cronologicamente por uma medida –
por outra, ao consumir as visualidades e discursos da arte moderna, convidava-se a “se
renovar”, se inovar, a estar contemporâneo com as discussões propostas pela arte às
suas visões de mundo. Quer como indíviduo quer como participante da sociedade. Pois
a nova arte interpelava a razão e a sensibilidade a todos esses assuntos. Vale notar que
esse convite feito pela arte moderna, a arejar-se com as rupturas e proposições
começava a operar uma dimensão de descolamento do convite que produtos
tecnológicos – automóveis, eletrodomésticos, etc – faziam. A inovação tecnológica,
espetacular e crescente, interpelava para territórios de imersão nas lógicas de produção
da sociedade global de consumo. Os chamamentos da arte moderna e suas rupturas
propositivas não se acomodavam naturalmente no establishment. Muitas vezes, os
artistas e movimentos propunham - e continuamente propõe -dialogias, críticas,
denegações. Poderiam ser citados centenas de referencias, mas Marcel Duchamp
(1887-1968) e suas obras, exemplifica estas características apontadas.
A comunicação da arte: parte de um composto que também pode ser consumido
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A indústria e o comércio, cada vez mais atuaram como alavancadores e
patrocinadores dos meios de comunicação deste mundo globalizado, recheando as
emissões de mensagens publicitárias acerca das características e vantagens de seus
produtos e marcas. Expande-se a sociedade global de consumo, na trajetória inexorável
que a levará a ser a atual sociedade global da informação. Nessa etapa do capitalismo,
os meios de comunicação de massa e a publicidade - a midiatização que promovem e
as mediações entre os sujeitos dos discursos trocados pelas plataformas de
comunicação - tornam-se vetores de articulação onipresentes do sistema e em mesma
medida alvos preferidos da análise crítica de cientistas sociais. Roland Barthes (1982)
aponta como “o discurso publicitário subjacente aos produtos são expandidos em
verdadeiras mitologias. Fornecem ao público os signos da coisa e não a coisa em
si”.(BARTHES, 1982. p131-132). Silverstone(2005), aponta entre as suas
características, o fato de que começava-se a consumir, para além das materialidades
(objetos, obras de arte e afins) também os próprios discursos em torno delas.
(...) “com efeito, consumo e mediação são, em inúmeros aspectos, fundamentalmente interdependentes. Consumimos a mídia. Consumimos pela mídia. Aprendemos como e o que consumir pela mídia. Somos persuadidos a consumir pela mídia. A mídia, não é exagero dizer, nos consome. E, como já opinei e continuarei a argumentar, o consumo é, ele mesmo uma forma de mediação, a medida que os valores e significados, dados de objetos e serviços, são traduzidos e transformados nas linguagens do privado, do pessoal e do particular. Consumimos objetos. Consumimos bens. Consumimos informação.(...) ” (SILVERSTONE, 2005. p. 150)
Assim, desde as primeiras décadas do século XX, com o aporte dos meios de
comunicação, e o conhecimento e informação cultural valorizados, como capital
simbólico e distintivo, consumir arte passou a tomar uma dimensão mais ampliada do
que especificamente comprar a obra de arte. Começou-se a consumir o podemos
denominar de “composto artístico”, ou seja, um território de materialidades, discursos
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e referências simbólicas que contém a obra, mas a expande enquanto informação e
consumo. A figura abaixoexemplifica.
Fig. 19 . A obra de arte como um “composto” (de materialidades e discursos relacionados) dedicados à sua exibição, informação, visibilidade e consumo material e simbólico. (figura do autor)
O consumo desse “composto” pode se dar de diversas maneiras, isolada ou
articuladamente. Os públicos podem ser atingidos pela comunicação, imagens e
informações sobre as obras de determinado artista; podem ir à exposição
presencialmente; ou podem visitar a exposição ou contemplar as obras virtualmente;
podem comprar reproduções das obras; podem comprar objetos com reproduções das
obras; podem se informar pela publicidade que dela se faz; podem consultar ou
adquirir material editorial sobre elas; podem freqüentar cursos específicos sobre o
artista e suas obras; podem colecionar informações coletadas do consumo de diversos
meios de informação sobre seus artistas e obras preferidas; podem trocar, multiplicar e
retransmitir informações e imagens sobre artista e obra a sua rede de contatos. E,
finalmente mas não em menor grau de importância, podem comprar a obra
originalmente colocada à venda pelo artista ou espaço de exposição e comercialização.
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Considerações finais
A arte se expandiu para uma infinidade de novos locais, espaços e
materialidades e assim também expandiu as dimensões de significação de seus
discursos e nos modos de ser consumida, para além da dimensão material. Mais do que
em toda a história da humanidade, há mais arte hoje misturada aos objetos, às
embalagens, ao design , à arquitetura dos interiores e exteriores, nas casas de todas as
classes, nas ruas, na moda, no corpo. Nos laptops, nos iPods e tablets. Arte exposta,
arte em produção, arte arquivada. Arte como linguagem simbólica, como identidade de
grupo, como distinção, como referencial de status, como decoração plácida , arte que
cultua o belo e arte que tem o belo como mais um de seus assuntos. Arte nas jóias, nos
perfumes, na publicidade, no saco de pipocas. Produzida, trocada como mercadoria ou
discurso, consumida. A atualidade convive com todo o passado da arte, retomado,
reproduzido, retransformado, com o presente e com as possibilidades de futuro. Mais
livre para exercer suas escolhas, os indivíduos e grupos podem escolher e consumir a
arte que lhes convém, onde lhes convém. Há, por certo, os consumidores de arte
clássica, ou artesanato. Mas na atualidade a expressiva parcela de indivíduos, de todas
as idades e origens, adquiriram o hábito de acompanhar, aguardar e reagir às
interpelações dos compostos, as indagações não convencionais da arte contemporânea.
Os “consumidores de rupturas”, como denominamos aqui. Exposições, bienais,
performances, e uma série de intervenções possíveis entre os lugares e as plataformas
de expressão do mundo atual. Augé (2010) comenta sobre esta nova topografia dos
“lugares” e “espaços”, neste artigo tratados nossos palcos de contemplação e consumo,
dizendo que se um lugar pode se definir pelo que tem de identitário, relacional e
histórico. E um espaço que não pode ainda se definir por nenhum desses aspectos,
definirá um não-lugar. E defende a hipótese de que essa “ supermodernidade é
produtora de não lugares (...) Acrescentemos que existem os não lugares como lugares:
lugares se recompõe nele, relações se reconstituem nele.(...) O lugar e o não lugar são,
antes, polaridades fugidias: o primeiro nunca é completamente apagado e o segundo
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nunca se realiza totalmente – palimpsestos em que reinscreve, sem cessar, o jogo
embaralhado da identidade e da relação.” (AUGÉ, 2010. p 73-74) Nessas dimensões,
materiais, digitais, híbridas, transitam atualmente os compostos artísticos. Em busca
das atenções dos consumidores das novas delimitações que buscam transpor, e das
proposições de sentido (r)evolucionárias – mesmo que transitórias - que o espírito da
arte sempre faz surgir na próxima dobra sutil do tempo.
Referências
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