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Estabilização da demanda no novo e no atual CPC

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  • Ano 2 (2013), n 12, 14189-14232 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567

    A ESTABILIZAO DA DEMANDA NO

    PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: MAIS UMA

    OPORTUNIDADE PERDIDA?1

    Andre Vasconcelos Roque2

    Sumrio: 1. Aspectos gerais sobre o tema 2. A estabilizao da demanda no Cdigo de Processo Civil em vigor 3. A torre de Babel no atual processo civil brasileiro 4. A proposta ori-ginal do anteprojeto 5. O giro de 360 graus: voltando para o mesmo lugar 6. Consideraes finais: desconfiana do Judi-cirio? 7. Referncias bibliogrficas

    1. ASPECTOS GERAIS SOBRE O TEMA

    processo caracteriza-se intrinsecamente, con-

    forme clssica formulao em doutrina, por ser

    uma relao jurdica complexa e progressiva, que

    avana por vrios estgios com vistas entrega

    da prestao jurisdicional3. Para que isso ocorra,

    porm, necessrio que as alegaes e pedidos das partes este-

    jam razoavelmente definidos, a fim de que se possa delimitar o

    objeto litigioso suscetvel de apreciao. Por isso, em todo tipo

    de procedimento, ocorrer em algum momento a estabilizao 1 Artigo originalmente publicado, com pequenas modificaes, em ROQUE, Andre

    Vasconcelos. A estabilizao da demanda no projeto do novo CPC: mais uma opor-

    tunidade perdida? in ADONIAS, Antonio, DIDIER JR., Fredie (Coord.). O projeto

    do novo Cdigo de Processo Civil (2 Srie). Salvador: Juspodivm, 2012, p. 49-82. 2 Doutorando e mestre em Direito Processual (UERJ). Professor de Direito Proces-

    sual Civil em cursos de ps-graduao lato sensu. Membro do Instituto Brasileiro de

    Direito Processual (IBDP), do Comit Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e do Institu-

    to dos Advogados Brasileiros (IAB). Advogado no Rio de Janeiro. Contato: an-

    [email protected] 3 V., entre outros, CINTRA, Antonio Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegri-

    ni; DINAMARCO, Cndido Rangel, Teoria Geral do Processo. So Paulo: Malhei-

    ros, 2001, p. 290.

  • 14190 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    da demanda, que nada mais do que o estgio processual a

    partir do qual no mais se admite a insero de novas alegaes

    que acarretem alterao de seus elementos fundamentais.

    Sem embargo das crticas formuladas teoria da trplice

    identidade da demanda, cuja anlise extrapolaria os limites do

    presente estudo4, correto afirmar que, de acordo com a con-

    cepo cristalizada no art. 301, 2 do Cdigo de Processo

    Civil, a demanda possui trs elementos bsicos, sendo um deles

    de natureza subjetiva (partes) e os outros dois de ordem objeti-

    va (causa de pedir e pedido). A noo de estabilizao da de-

    manda, todavia, costuma ser discutida em doutrina apenas no

    que se refere aos seus elementos objetivos5, fato este agravado

    no direito brasileiro pela circunstncia de que o Cdigo de Pro-

    cesso Civil em vigor, embora com certa falta de sistematicida-

    de, disciplina alguns aspectos da modificao subjetiva da de-

    manda em dispositivos parte (art. 41 e segs.), separados da-

    queles que regulam a estabilizao objetiva da demanda. Como

    ser visto oportunamente, no entanto, no possvel separar

    totalmente os dois fenmenos, ainda que se possa conferir mai-

    or destaque estabilizao dos elementos objetivos6.

    Os sistemas processuais no Direito Comparado costu-

    mam ser classificados em rgidos e flexveis, conforme permi-

    4 Como observa CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio. A causa petendi no processo civil.

    So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 80, a principal crtica teoria da trplice

    identidade da demanda, proveniente de fontes romanas, originou-se da teoria da

    identidade da relao jurdica, tambm com razes no direito romano e revisitada por

    Savigny. Por isso, conclui ainda CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio, cit., p. 233, a teoria

    da trplice identidade no pode ser considerada um critrio absoluto, mas sim uma

    boa hiptese de trabalho. Na doutrina italiana, demonstrando certa perplexidade com os critrios de identificao da demanda, entre outros, SATTA, Salvatore,

    Domanda giudiziale (Diritto processuale civile) in Enciclopedia del diritto. Milano:

    Giuffr, 1958, v. XIII, p. 825/826. 5 V. PIC I JUNOY, Joan. La modificacin de la demanda en el proceso civil.

    Valencia: Tirant lo Blanch, 2006, p. 16-17. 6 Sobre o ponto, v. o item 3 do presente estudo, especialmente no que se refere ao

    regime da estabilizao da demanda no direito brasileiro e o instituto da oposio

    interventiva (art. 59 do CPC).

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14191

    tam ou no a modificao da demanda aps limites temporais

    mais ou menos estreitos para a apresentao das alegaes e

    pedidos das partes. Cada modelo possui vantagens e inconve-

    nientes, no havendo uniformidade na disciplina da matria.

    Assim, por exemplo, sistemas h como o italiano em que o tratamento flexvel que lhe era tradicional vem dando espao a

    um modelo mais rgido, em um esforo de assegurar maior

    celeridade processual7. H, de forma inversa, outros sistemas

    trilhando caminho oposto, qual seja, partindo de um modelo

    rgido e adotando maior flexibilidade atravs de sucessivas

    reformas, como o portugus8. A tendncia parece ser, no entan-

    to, a busca de um equilbrio razovel entre os dois sistemas, em

    que se busque maximizar as vantagens e mitigar os inconveni-

    entes de cada um.

    Um sistema processual rgido em termos de estabilizao

    da demanda apresenta as seguintes vantagens9-10

    : 7 Sobre a evoluo da matria no direito italiano, entre outros, v. LEONEL, Ricardo

    de Barros, Causa de pedir e pedido O direito superveniente. So Paulo: Mtodo, 2006, 163/185; GUEDES, Cintia Regina, A estabilizao da demanda no Direito

    Processual Civil in FUX, Luiz (Coord.), O novo processo civil brasileiro. Rio de

    Janeiro: Forense, 2011, p. 253/259 e PINTO, Junior Alexandre Moreira. A causa

    petendi e o contraditrio. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 112/120. 8 Sobre a evoluo da matria em Portugal, entre outros, v. CRUZ E TUCCI, Jos

    Rogrio, A causa petendi no novo CPC portugus in CRUZ E TUCCI, Jos Rog-

    rio; BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos (Coord.), Causa de pedir e pedido no

    processo civil. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 269/277; LEONEL, Ri-

    cardo de Barros, cit., 186/197 e GUEDES, Cintia Regina, cit., p. 271/275. 9 H pelo menos um fundamento dos sistemas rgidos que costuma ser invocado em

    doutrina e que no ser abordado no texto: a proteo da litiscontestatio, ou seja, a

    estabilizao da demanda como um efeito necessrio da litispendncia sob o argu-

    mento, originrio do direito romano, de que neste momento seria estabelecido um

    quase contrato entre os litigantes, que se comprometeriam a respeitar os limites da

    demanda submetida ao Judicirio. Como hoje no se concebe mais o processo como

    um quase contrato entre as partes, tal fundamento no mais se justifica. Nesse senti-

    do, entre outros, FAIREN GUILLN, Victor, La transformacin de la demanda en

    el proceso civil. Santiago de Compostela: Porto, 1949, p. 109/111; LIEBMAN,

    Enrico Tullio, O despacho saneador e o julgamento do mrito in Estudos sobre o

    processo civil brasileiro. So Paulo: Saraiva, 1947, p. 109/110; PIC I JUNOY,

    Joan, cit., p. 45/46 e GUEDES, Cntia Regina, cit., p. 244. 10 Referncias a estes fundamentos podem ser encontradas em PIC I JUNOY,

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    a) assegura o amplo direito de defesa do demandado, na

    medida em que ele no ser surpreendido com eventuais modi-

    ficaes da demanda no curso do processo e nem ter a oportu-

    nidade adequada de se manifestar sobre todos os fatos alegados

    pelo autor, produzindo as provas que entender necessrias11

    ;

    b) alinha-se com o princpio da precluso, permitindo que

    o processo percorra fases bem delimitadas, previsveis e orde-

    nadas em direo sentena, exigindo que os atos processuais

    sejam praticados em determinado lapso temporal e impedindo

    que se retroceda na marcha processual12

    ;

    c) garante a durao razovel do processo, impedindo a

    eternizao de demandas judiciais mediante sucessivas altera-

    es do objeto litigioso;

    d) impede manobras dilatrias e preserva a boa-f pro-

    cessual e a lealdade entre as partes, exigindo que apresentem,

    de uma s vez, todos os argumentos que possam deduzir, im-

    pedindo que as partes guardem cartas na manga para as fases processuais posteriores com o objetivo de surpreender o adver-

    srio ou mesmo que possam buscar modificar os fatos alegados

    ou os pedidos, a partir do momento em que vislumbrarem, di-

    ante das provas j produzidas, provvel deciso contrria a seus

    interesses.

    Por outro lado, como fundamentos de um sistema proces-

    sual de modificao da demanda mais flexvel poderiam ser

    relacionados os seguintes fatores13-14

    : Joan, cit., p. 50/63; FERRI, Corrado, Struttura del processo e modificazione della

    domanda. Padova: Cedam, 1975, p. 3/12 e 116/119 e GUEDES, Cntia Regina, cit.,

    p. 244/247. 11 Para FERRI, Corrado, cit., p. 118, o elemento surpresa decorrente de uma radical

    alterao da demanda poderia criar desigualdade entre as partes. 12 Nesse sentido, embora no se referindo explicitamente questo da modificao

    da demanda, sustenta OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de, Do formalismo no

    processo civil. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 170, que a ameaa de precluso constitui

    princpio fundamental de organizao do processo, sem o qual nenhum procedimen-

    to teria fim. 13 Segundo PIC I JUNOY, Joan, cit., p. 72/75, os modelos flexveis ainda apresen-

    tam outro fundamento no explicitado no texto, qual seja, a flexibilidade dos proce-

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14193

    a) permite a correo de eventuais omisses ou de erros

    no maliciosos, a fim de que se possa adequar a demanda for-

    mulada pelo autor s alegaes do ru;

    b) promove a economia processual, na medida em que

    evita o ajuizamento de novas demandas destinadas formula-

    o de causas de pedir ou pedidos supervenientes e possibilita

    que o processo resolva o maior nmero de questes possveis

    entre as partes, observando-se sempre a exigncia de boa-f e o

    direito de defesa do ru;

    c) busca a justia material do caso concreto e promove a

    efetividade do acesso justia, visto que permite que a presta-

    o jurisdicional corresponda o mais prximo possvel ao real

    conflito no estado em que se encontra, evitando, assim, a pro-

    lao de uma sentena meramente formal, incapaz de resolver a

    crise de direito material e que j no traga mais proveito para

    as partes, em decorrncia de alteraes fticas ou no bem jur-

    dico em discusso durante a tramitao do processo.

    Como se pode observar, os dois sistemas apresentam

    fundamentos consistentes, que no podem ser simplesmente

    desprezados. Trata-se, em definitivo, de opo poltica do le-

    dimentos inspirados pela noo de oralidade. Em sentido anlogo, FAIREN GUIL-

    LEN, cit., p. 74 (indicando que procedimentos orais no necessitam de escritos

    preparatrios substanciais, pois as alegaes das partes somente se desenvolvem por

    completo na audincia). Embora tal concluso seja lgica, na medida em que o

    dilogo entre as partes permitiria a modificao dos elementos da demanda sem

    prejuzo do direito de ampla defesa do ru, possibilitando ainda ao juiz que exami-

    nasse de perto se h ou no boa-f no requerimento, tal fundamento no pode ser

    diretamente aplicado ao direito brasileiro. Isso porque tanto o CPC em vigor como o

    projeto de novo CPC adotaram um procedimento eminentemente escrito. Sobre a

    no recepo da oralidade no processo civil brasileiro, exemplificativamente, v.

    DINAMARCO, Cndido Rangel, Instituies de direito processual civil. Malheiros:

    So Paulo, 2009, v. 2, p. 462/464 e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. O princpio

    da oralidade no processo civil. Porto Alegre: Nria Fabris, 2011, p. 199/202. 14 Sobre o ponto, entre outros, v. PIC I JUNOY, Joan, cit., p. 54/75; GUEDES,

    Cntia Regina, cit., p. 247/252; LEONEL, Ricardo de Barros, cit., p. 125/128 e

    210/211 e MASCIOTRA, Mario, El principio de congruncia en los procesos civi-

    les, patrimoniales y de familia, laborales y colectivos ambientales. Buenos Aires:

    Ad-Hoc, 2010, p. 63/90.

  • 14194 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    gislador15

    , que pode validamente prestigiar um ou outro siste-

    ma, respeitando as garantias fundamentais do processo. Isso

    no significa que o tema apresente importncia secundria,

    tendo em vista as relevantssimas conseqncias na prtica

    judiciria, como ser exposto ao longo do presente estudo. Por

    isso mesmo, a tendncia em muitos pases tem sido buscar um

    ponto de equilbrio entre as exigncias de rigidez e flexibilida-

    de em termos de estabilizao da demanda no processo16

    .

    2. A ESTABILIZAO DA DEMANDA NO CDIGO DE

    PROCESSO CIVIL EM VIGOR

    O direito brasileiro, inicialmente, herdou a tradio lusi-

    tana de um sistema de estabilizao da demanda mais rgido17

    .

    Nesse sentido, os cdigos estaduais editados no incio do

    sculo XX, de forma geral, vedavam a modificao do pedido

    aps o ingresso do ru na lide18

    . O Cdigo de Processo Civil de

    15 Sobre o ponto, exemplificativamente, v. PIC I JUNOY, cit., p. 43; PINTO,

    Junior Alexandre Moreira, Sistemas rgidos e flexveis: a questo da estabilizao da

    demanda in CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio; BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos

    (Coord.), cit., p. 54. 16 Tal tendncia vem sendo observada at mesmo no processo civil norte-americano,

    tradicionalmente caracterizado por ampla flexibilidade na matria. Nos termos das

    Regras 8 (a) e 15 das Federal Rules of Civil Procedure, os elementos objetivos da

    demanda vo sendo progressivamente construdos pelas partes at a fase do trial,

    exigindo-se do autor apenas uma sumria exposio da controvrsia na petio

    inicial, cuja finalidade precpua consiste em comunicar o ru do ajuizamento da

    demanda (notice pleading), no j delimitar objetivamente o mbito da atividade

    jurisdicional. Nada obstante, h recentes manifestaes da Suprema Corte daquele

    pas exigindo maior detalhamento da exposio na petio inicial e, portanto, im-

    primindo maior rigidez fixao dos elementos objetivos da demanda nos casos Bell

    Atlantic Corp. v. Twombly, 550 US 544 (2007) e Ashcroft v. Iqbal, 556 US __

    (2009). O fundamento dessa maior rigidez consiste, em sntese, em inibir o deman-

    dismo judicial, que pode submeter o ru a uma fase de discovery invasiva e onerosa

    de forma ilegtima. 17 V., referindo-se ao processo das Ordenaes, LIEBMAN, Enrico Tullio, Istituti

    del diritto comune nel processo civile brasiliano in Problemi del processo civile.

    Napoli: Morano, 1962, p. 494/502. 18 Vejam-se, por exemplo, o art. 113 do Cdigo de Processo Civil e Comercial para

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14195

    1939, por sua vez, consagrou em seu art. 157 um modelo ainda

    mais inflexvel19

    , segundo o qual no se admitiam alteraes do

    pedido e da causa de pedir nem mesmo antes da citao do ru.

    No havia qualquer possibilidade de aditamento da demanda20

    .

    Alm disso, estabelecia o art. 181, caput do CPC de 1939 que,

    apresentada a contestao, o autor no poderia modificar o pe-

    dido ou a causa de pedir, nem desistir da ao, sem o consen-

    timento do demandado.

    O Cdigo de Processo Civil de 1973, na redao original,

    reproduzia a regra do cdigo anterior que vedava o aditamento

    da petio inicial para a incluso de novos pedidos antes da

    citao do ru (art. 294 original), embora seu art. 264, de forma

    um tanto contraditria, j deixasse aberta a possibilidade de

    modificao da causa de pedir e do pedido sem a concordncia

    do ru antes de seu ingresso na lide, sendo vedada, em qual-

    quer caso, a alterao da demanda aps o despacho saneador21

    .

    Houve, assim, um pequeno avano em direo flexibilidade,

    mas o processo civil brasileiro permanecia atrelado a um mo-

    delo bastante rgido.

    Houve ligeira alterao na redao do art. 264 antes

    mesmo da entrada em vigor do CPC de 1973, em virtude da

    aprovao da Lei n 5.925/73, quanto ento o aludido dispositi- o Distrito Federal (O autor, depois de proposta a aco, no poder varias, ou alte-rar substancia do pedido, sendo-lhe, todavia, permittido fazer addies, ou emendas

    antes da contestao) e o art. 209 do Cdigo de Processo Civil e Comercial de So Paulo (A inicial s poder ser alterada na substancia, mediante nova citao do ro, antes de proposta a aco) . 19 Assim dispunha o art. 157: Quando o autor houver omitido, na petio inicial, pedido que lhe era lcito fazer, s em ao distinta poder formul-lo. 20 V. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentrios ao Cdigo de

    Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1958, t. II, p. 401. 21 Assim dispunham os dispositivos referidos do Cdigo de Processo Civil de 1973,

    na redao original: Art. 264. Feita a citao, defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do ru, mantendo-se as mesmas partes,

    salvo as substituies permitidas por lei. Pargrafo nico. A alterao do pedido ou

    da causa de pedir em nenhuma hiptese ser permitida aps a prolao do despacho

    saneador e Art. 294. Quando o autor houver omitido, na petio inicial, pedido que lhe era lcito fazer, s por ao distinta poder formul-lo.

  • 14196 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    vo legal ganhou a sua redao atual22

    . A redao do art. 294,

    por sua vez, somente foi alterada pela Lei n 8.718/93, resol-

    vendo a aparente contradio apontada para dispor que o autor

    poder aditar o pedido, sem a necessidade de propositura de

    uma nova demanda, correndo por sua conta as custas acresci-

    das23

    .

    O processo civil brasileiro, portanto, na sua configurao

    atual, determina que a demanda ser estabilizada progressiva-

    mente em trs estgios:

    a) at o ingresso do ru na lide, ser livremente permitida

    a modificao objetiva da demanda, tanto do pedido quanto da

    causa de pedir;

    b) aps a citao do ru e at a fase de saneamento do

    processo, a alterao da demanda somente ser permitida com

    a concordncia do ru;

    c) aps a fase de saneamento, a demanda estar estabili-

    zada e no ser permitida a sua modificao, nem mesmo com

    o consentimento de ambas as partes24

    .

    Ainda que tenha havido pequeno avano em relao ao

    regime absolutamente inflexvel do Cdigo de Processo Civil

    de 1939, o processo civil brasileiro consagra um modelo bas-

    tante rgido em termos de estabilizao da demanda. Tal afir- 22 Assim estabelece o art. 264 do CPC, na redao atual: Art. 264. Feita a citao, defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do ru,

    mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituies permitidas por lei. Pargrafo

    nico. A alterao do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hiptese ser permi-

    tida aps o saneamento do processo. 23 Veja-se, nesses termos, a redao atual do art. 294 do CPC: Art. 294. Antes da citao, o autor poder aditar o pedido, correndo sua conta as custas acrescidas em

    razo dessa iniciativa. 24 Isso no afasta a possibilidade, por certo, de modificao restritiva da demanda,

    ou seja, a possibilidade de desistncia de um dos pedidos ou de um dos fundamentos

    apontados como causa de pedir, mesmo aps o despacho saneador. Ainda nesse

    caso, todavia, uma vez decorrido o prazo para a resposta do ru, exige-se sua con-

    cordncia, nos termos do art. 267, 4 do CPC. Exceo a este regime se encontra

    na regra especfica do processo de execuo, disciplinada no art. 569 do CPC que,

    ainda assim, pode exigir o consentimento do executado que j tenha oferecido em-

    bargos fundados sobre questes de direito material.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14197

    mao se torna ainda mais evidente quando se compara a disci-

    plina vigente no direito ptrio sobre a matria com os regimes

    contemporneos na Europa continental que, como j exposto,

    buscam, de forma geral, encontrar o equilbrio entre a rigidez e

    a flexibilidade, criando vlvulas de escape para que a demanda

    possa se conformar ao conflito no estado em que se encontra,

    sem prejuzo do direito de ampla defesa e contraditrio.

    A rigidez do Cdigo de Processo Civil brasileiro com-

    plementada, ainda, por um regime rgido de precluses, pela

    previso do princpio da eventualidade25

    (segundo o qual as

    partes devem apresentar, de uma s vez, todas as alegaes que

    possurem, ainda que contraditrias entre si) e pelo entendi-

    mento dominante em doutrina, segundo o qual o art. 282, III do

    CPC teria representado a adeso do processo civil ptrio teo-

    ria da substanciao, de tal modo que a causa de pedir engloba-

    ria simultaneamente os fatos constitutivos alegados e os fun-

    damentos jurdicos invocados26

    .

    25 Em relao ao ru, o princpio da eventualidade no processo civil foi consagrado

    expressamente no art. 300 do CPC: Art. 300. Compete ao ru alegar, na contesta-o, toda a matria de defesa, expondo as razes de fato e de direito, com que impu-

    gna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir. A definio de eventualidade, porm, no pode ser limitada ao ru, estando o autor tambm

    submetido a tal princpio, como exposto por TEIXEIRA, Guilherme Freire de Bar-

    ros. O princpio da eventualidade no processo civil. So Paulo: Revista dos Tribu-

    nais, 2005, p. 27. No mesmo sentido, v. LAZZARINI, Alexandre Alves, A causa

    petendi nas aes de separao judicial e de dissoluo da unio estvel. So Pau-

    lo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 38. 26 Aderindo ao entendimento dominante, entre outros, MARQUES, Jos Frederico,

    Manual de direito processual civil. So Paulo: Saraiva, 1990, v. 1, p. 173; SANTOS,

    Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil. So Paulo: Saraiva, v.

    2, 2011, p. 176; CALMON DE PASSOS, Jos Joaquim, Comentrios ao Cdigo de

    Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. III, p. 192; CINTRA, Antonio

    Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cndido Rangel,

    cit., p. 262; NERY JR., Nlson; NERY, Rosa Maria de Andrade, Cdigo de Proces-

    so Civil comentado e legislao processual em vigor. So Paulo: Revista dos Tribu-

    nais, 2010, p. 575; ASSIS, Araken de, Cumulao de aes. So Paulo: Revista dos

    Tribunais, 2002, p. 138 (chegando a afirmar que reina total harmonia, na doutrina brasileira, no reconhecimento da adeso do CPC teoria da substanciao). No se concorda integralmente com tal posio, todavia, porque, embora o art. 282, III do

  • 14198 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    Uma das consequncias da adeso teoria da substancia-

    o, como se percebe, que qualquer modificao em fatos

    essenciais suscitados pelas partes fora das hipteses contem-

    pladas nos arts. 264 e 294 do CPC seria vedada no processo

    civil brasileiro, por importar alterao da prpria causa de pe-

    dir.

    Assim, no processo civil brasileiro, pode haver grande di-

    ficuldade, sobretudo do ponto de vista do demandante27

    , em

    garantir que a controvrsia que ser apreciada pelo juiz ainda

    corresponda real crise de direito material no estado em que se

    encontra, condio necessria para a efetividade da prestao

    jurisdicional.

    Eventual apreciao de novos fatos simples, que sejam

    acessrios s alegaes essenciais de fato e supervenientes

    instaurao do processo, garantida nos termos do art. 131 do

    CPC, mas nesta hiptese no h verdadeiramente alterao da

    causa de pedir, nem de qualquer outro elemento da demanda.

    CPC exija a indicao tanto dos fatos quanto dos fundamentos jurdicos como requi-

    sitos da petio inicial, tal norma no estabeleceu o nvel de detalhamento necessrio

    quanto aos fatos constitutivos alegados, sendo possvel, por exemplo, exigir do autor

    uma carga maior de substanciao quanto s demandas heterodeterminadas (tipica-

    mente envolvendo direitos obrigacionais e direitos reais de garantia) e apenas o

    mnimo indispensvel para uma demanda autodeterminada (envolvendo direitos

    reais de gozo e direitos da personalidade, que somente podem existir uma nica vez

    com o mesmo contedo entre os mesmos sujeitos, independentemente do fato cons-

    titutivo invocado). V., em atitude crtica posio dominante, BOTELHO DE

    MESQUITA, Jos Igncio, cit, p. 197, BOTELHO DE MESQUITA, Jos Igncio.

    Contedo da causa de pedir, Revista dos Tribunais, v. 564, 1982, p. 48 e, ainda,

    SILVA, Ovdio Baptista da, Limites objetivos da coisa julgada no direito brasileiro

    atual in Sentena e coisa julgada. Porto Alegre: Srgio Fabris, 1979, p. 166. 27 Em relao ao ru, admite o ordenamento jurdico que sejam deduzidas novas

    alegaes em hipteses um pouco mais amplas, nos termos do art. 303 do CPC,

    quando relativas a direito superveniente, sempre que competir ao juiz conhecer delas

    de ofcio e no caso em que existir expressa disposio legal, tal como ocorre, por

    exemplo, com a decadncia convencional, que no pode ser apreciada de ofcio, mas

    pode ser suscitada a qualquer momento (art. 211 do Cdigo Civil). No h previso

    neste dispositivo, porm, de introduo de novas alegaes relativas a fatos super-

    venientes, matria disciplinada apenas no art. 462 do CPC, que ser objeto de consi-

    derao neste estudo logo a seguir.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14199

    Assim, a mera reformulao da narrativa ftica de circunstn-

    cias acidentais permitida no processo civil brasileiro, mesmo

    aps ultrapassadas as etapas progressivas para a estabilizao

    da demanda28

    . Tal no se verifica, entretanto, em relao a fa-

    tos essenciais supervenientes, que repercutam decisivamente

    sobre a causa de pedir ou o pedido, o que seria vedado, em

    princpio, em um sistema rgido como o brasileiro.

    Uma possvel vlvula de escape contra inconvenientes

    atribudos a um modelo rgido de estabilizao da demanda

    poderia ser encontrada no art. 462 do CPC, segundo o qual

    caber ao juiz tomar em considerao qualquer fato constituti-

    vo, modificativo ou extintivo, desde que superveniente pro-

    positura da ao. A doutrina, no entanto, na ausncia de par-

    metros de compatibilizao entre esta norma e o tradicional

    princpio da estabilizao da demanda, no tem chegado a um

    consenso29

    .

    Assim, h quem sustente interpretao restritiva, limitan-

    do a aplicabilidade do art. 462 do CPC a situaes que no

    alterem o ncleo da prpria causa de pedir30

    , de tal modo que 28 Entre outros, v. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil.

    Tocantins: Intelectos, 2003, p. 168; BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos, O novo

    processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 17; CRUZ E TUCCI,

    Jos Rogrio, A causa petendi no processo civil..., cit., p. 196/197. Na jurisprudn-

    cia, tambm entre outros, v. STJ, REsp 202.079/SP, Terceira Turma, rel. Min. Ant-

    nio de Pdua Ribeiro, j. 28.5.2002, DJ 24.6.2002 (A simples explicitao dos fun-damentos da ao no constitui alterao da causa de pedir) e REsp 55.083/SP, Quarta Turma, rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j. 20.5.1997, DJ 4.8.1997

    (A narrativa de circunstncias acidentais feita aps a contestao com intuito de esclarecer a petio inicial, sem modificao dos fatos e fundamentos jurdicos

    delineados na pea de ingresso, no importa alterao da causa de pedir). 29 Reconhecendo a insuficincia da disciplina do fato superveniente no art. 462 do

    CPC e sustentando que a norma se aplica tambm aos fatos de conhecimento super-

    veniente, embora j ocorridos ao tempo do ajuizamento da demanda, v. DEGENS-

    ZAJ, Daniel Raichelis. Alterao dos fatos no curso do processo e os limites da

    modificao da causa petendi. 2010. Dissertao (Mestrado em Direito Processual)

    Universidade de So Paulo, So Paulo, p. 91 e segs. 30 V., nesse sentido, FUX, Luiz, Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro:

    Forense, 2005, p. 179/180 e 419/420 (afirmando que o art. 462 do CPC apenas se

    aplica a causas de pedir alegadas inicialmente, mas verificadas supervenientemente,

  • 14200 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    seu mbito de incidncia praticamente coincidiria com o art.

    131 do CPC, que se refere apreciao de fatos no alegados pelas partes. H, por outro lado, quem lhe confira interpreta-o mais ampla, permitindo que quaisquer fatos supervenientes

    sejam introduzidos no processo, j que o art. 462 do CPC no

    prev qualquer restrio nesse sentido31

    . Esta seria, segundo a

    viso desses autores, verdadeira exceo estabilizao da

    demanda. H, por fim, quem adote posio intermediria, ad-

    mitindo que o art. 462 do CPC introduza alteraes em fatos

    essenciais, mas apenas para as demandas que so consideradas

    autodeterminadas e desde que se trate de fatos da mesma fatis-

    pcie, ou seja, com idnticas caractersticas jurdicas dos fatos

    alegados inicialmente32

    .

    A regra do art. 462 tem sido aplicada pela jurisprudncia

    no apenas em primeira instncia, mas tambm em sede recur-

    sal, at mesmo no mbito dos tribunais superiores, desde que

    superados os bices de admissibilidade dos recursos excepcio-

    nais33

    . H, por outro lado, que se considerar ainda o art. 517 do

    como, por exemplo, o transcurso do prazo para o divrcio durante o processo, no

    regime anterior EC n 66/2010); ASSIS, Araken de, Doutrina e prtica do proces-

    so civil contemporneo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 197/198; JAR-

    DIM, Augusto Tanger, A causa de pedir no direito processual civil. Porto Alegre:

    Livraria do Advogado, 2008, p. 120/121. Em sentido semelhante, embora conferin-

    do interpretao mais ampla e relacionando o art. 462 do CPC necessidade de que

    as condies da ao, sobretudo o interesse de agir, estejam presentes desde o ajui-

    zamento da ao at a sentena, CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio, cit., p. 202/207. 31 Entre outros, LACERDA, Galeno. O cdigo e o formalismo processual, Revista

    da Associao dos Juzes do Rio Grande do Sul, v. 28, jul/1983, p. 12 (sustentando

    que a norma do art. 462 do CPC seria revolucionria, mexendo com tantos dogmas

    processuais que a doutrina, temerosa de avanar em mundo desconhecido, se enco-

    lhe vacilante); BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do processo e

    tcnica processual. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 136; PINTO, Junior Alexandre

    Moreira, cit., p. 68/76. 32 V. GRECO, Leonardo, cit., p. 205/207. 33 O Superior Tribunal de Justia, de longa data, tem prestigiado tal entendimento,

    como se verifica em STJ, REsp 2041/RJ, Quarta Turma, rel. Min. Slvio de Figuei-

    redo Teixeira, j. 3.4.1990, DJ 7.5.1990 e, mais recentemente, em EDcl nos EDcl no

    REsp 425.195/PR, rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 12.8.2008, DJe 8.9.2008

    e REsp 327.004/RJ, Quarta Turma, rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14201

    CPC, que permite suscitar questes de fato inditas na apela-

    o, desde que se prove que a parte no a alegou anteriormente

    por motivo de fora maior. A doutrina tem considerado que

    essas questes de fato, assim como ocorre em relao ao art.

    131 do CPC, no podem introduzir inovao causa de pedir34

    ,

    tratando-se, mais uma vez, de fatos secundrios, acessrios.

    Eventuais fatos essenciais supervenientes apenas podero ser

    invocados nos limites do art. 462 do CPC, que, como se viu,

    apresenta interpretao controvertida.

    Independentemente da ampliao ou da restrio de seu

    mbito de aplicao, absolutamente imprescindvel, de todo

    modo, que os dispositivos ora analisados sejam revisitados

    luz do contraditrio participativo e do dever de dilogo entre as

    partes no processo e o rgo judicial. Nos termos do art. 131 do

    CPC, o julgador pode conhecer de fatos e circunstncias no

    alegadas pelas partes. O art. 462 do CPC permite, por sua vez,

    que o juiz conhea de fatos essenciais, mesmo de ofcio. Isso

    no significa, porm, que o juiz possa surpreender as partes,

    decidindo com base em fatos no debatidos nos autos ou, pior

    ainda, em causa de pedir sequer alegada.

    A doutrina contempornea tem destacado a proibio das

    chamadas decises surpresa, fundadas em questo de fato ou de

    direito no debatidas no processo, como decorrncia do contra-

    ditrio em sua dimenso participativa, do dever de boa-f com

    que devem proceder os poderes pblicos ou, ainda, do dever de

    14.8.2011, DJ 24.9.2001. No se pode, porm, utilizar o fato novo como fundamento

    para o prprio recurso excepcional, que precisa ser admitido por outro motivo devi-

    do exigncia de prequestionamento, como j se decidiu, por exemplo, em STJ,

    AgRg no Ag 1.355.283/MS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 26.4.2011, DJ 4.5.2011. Em

    doutrina, v. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de, cit., p. 181/182. 34 V., entre outros, BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos, Comentrios ao Cdigo de

    Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. V, p. 456; SOUSA, Everardo de,

    Do princpio da eventualidade no sistema do Cdigo de Processo Civil, Revista

    Forense, v. 251, ago./set. 1975, p. 112; RUBIN, Fernando, A precluso na dinmica

    do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 215/216.

  • 14202 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    colaborao no processo civil35

    . Em boa hora, o projeto do no-

    vo Cdigo de Processo Civil, que hoje se encontra na Cmara

    dos Deputados (Projeto de Lei n 8.046/2010) explicita tal ve-

    dao em seu art. 10, caput36

    , caminhando na mesma direo

    que outros cdigos processuais, em que a proibio das deci-

    ses surpresas tambm expressa37

    .

    Mesmo na vigncia do CPC atual, que no contm regra

    explcita a este respeito, o juiz no pode surpreender as partes

    com fundamentos de fato ou de direito que no foram submeti-

    dos ao crivo do contraditrio, sob pena de incorrer em flagrante

    violao s garantias fundamentais do processo.

    3. A TORRE DE BABEL NO ATUAL PROCESSO CIVIL

    BRASILEIRO

    A observao da atual disciplina da estabilizao da de-

    manda no processo civil brasileiro demonstra que, quando o

    legislador impe rgidas proibies, no demoram a surgir in-

    consistncias em seu modelo aparentemente ideal. Alm disso,

    a inexistncia de vlvulas de escape adequadamente dimensio-

    35 Na doutrina estrangeira, o assunto no novo, como se observa, por exemplo, em

    TROCKER, Nicol. Processo civile e costituzione Problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffr, 1974, p. 723/724 e em COMOGLIO, Luigi Paolo. La

    garanzia costituzionale dellazione ed il processo civile. Padova: Cedam, 1970, p. 145/146. Entre os autores brasileiros, sobre o tema, destacam-se BEDAQUE, Jos

    Roberto dos Santos, Os elementos objetivos da demanda luz do contraditrio in

    CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio; BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos (Coord.), cit.,

    p. 38/42; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de, cit., passim, especialmente p.

    164/168; NERY JR., Nelson, Princpios do processo na Constituio Federal. So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 221/230 e MITIDIERO, Daniel, Colaborao

    no processo civil. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 149/156. 36 Assim prev o art. 10, caput do projeto do novo CPC: O juiz no pode decidir, em grau algum de jurisdio, com base em fundamento a respeito do qual no se

    tenha dado s partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trata de matria

    sobre a qual tenha que decidir de ofcio. 37 Nesse sentido, por exemplo, vejam-se o 139, 2 e 3 da ZPO alem, o art. 16 do

    Noveau Code de Procdure Civile francs e o art. 3, n. 3 do Cdigo de Processo

    Civil portugus.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14203

    nadas na legislao cria alguns pontos de estrangulamento para

    os casos difceis, o que acaba estimulando a jurisprudncia a

    criar algumas aberturas, mas de forma imprevisvel e casusti-

    ca.

    O Cdigo de Processo Civil em vigor abre espao para

    inconsistncias com um modelo rgido de estabilizao da de-

    manda em pelo menos dois pontos.

    O primeiro aspecto inconsistente consiste na previso da

    oposio interventiva, disciplinada no art. 59 do CPC38

    . Como

    se sabe, a oposio consiste em demanda por miro da qual ter-

    ceiro deduz pretenso incompatvel com os interesses de autor

    e ru de um processo de conhecimento pendente. Trata-se de

    modalidade de interveno de terceiro que amplia subjetiva e

    objetivamente os limites da demanda: o terceiro poder, at a

    audincia de instruo e julgamento39

    , ingressar no processo e

    agregar-lhe novo pedido, formulado pelo opoente contra o au-

    tor e o ru, a ser apreciado conjuntamente com os pedidos ori-

    ginrios pela mesma sentena.

    A contradio evidente: impede-se que o autor, por

    exemplo, acrescente novo pedido ou causa de pedir aps o sa-

    neamento do processo e mesmo com a concordncia do ru,

    mas se permite livremente que terceiro, sem o consentimento

    de nenhuma das partes originrias, ingresse em processo alheio

    formulando novo pedido at a audincia de instruo e julga-

    mento. Por isso que j se afirmou, logo no incio do presente

    estudo, que no se mostra possvel separar totalmente os

    fenmenos da modificao objetiva e subjetiva da demanda,

    muito embora regulados em dispositivos separados no Cdigo

    de Processo Civil em vigor, sob pena de incorrer em inconsis-

    tncia.

    38 Assim prev o art. 59 do CPC: A oposio, oferecida antes da audincia, ser apensada aos autos principais e correr simultaneamente com a ao, sendo ambas

    julgadas pela mesma sentena. 39 Aps a audincia, haver lugar apenas para a oposio autnoma, nos termos do

    art. 60 do CPC, que consiste em processo incidental proposto por terceiro.

  • 14204 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    O segundo ponto inconsistente diz respeito ao instituto da

    conexo. Diante de um modelo rgido de estabilizao da de-

    manda e vislumbrada, no curso do processo, a necessidade de

    introduo de uma nova causa de pedir ou pedido relacionados

    queles j deduzidos, mesmo aps superados os lapsos tempo-

    rais previstos no art. 264 do CPC, o que fazer? Simples: bastar

    propor uma nova demanda conexa, a ser distribuda por depen-

    dncia ao processo originrio (art. 253, I do CPC). A depender

    da fase processual em que a demanda originria se encontre,

    ser possvel inclusive o julgamento conjunto de todas as cau-

    sas de pedir e pedidos formulados (art. 105 do CPC).

    O resultado dessa estratgia, como se percebe, conduzi-

    ria, por via transversa, a resultado vedado pelo princpio da

    estabilizao da demanda40

    . Seria possvel ampliar os limites

    do objeto litigioso a ser apreciado na sentena, ainda que, do

    ponto de vista estritamente formal, tenham sido instauradas

    duas aes conexas.

    Em outras palavras, o legislador trancou a porta da frente

    para a modificao da demanda, mas deixou escancarada a

    porta dos fundos...

    Ademais, existem ainda outras aberturas mais especficas

    criadas pelo legislador, intencionalmente ou no, que igual-

    mente possibilitam a alterao da demanda alm das hipteses

    delineadas no art. 264 do CPC. Admite-se, por exemplo, a in-

    cluso de matria fora dos limites postos na petio inicial e na

    contestao a todo e qualquer momento no processo para fins

    de homologao de transao (art. 475-N, III do CPC)41

    . Da

    mesma forma, a Lei de Execuo Fiscal permite, em seu art. 2,

    8, que a Fazenda emende ou substitua a Certido de Dvida

    40 V. LEONEL, Ricardo de Barros, cit., p. 246 e BUENO, Cssio Scarpinella, Curso

    sistematizado de direito processual civil. So Paulo: Saraiva, 2011, v. 2, t. 1, p. 134. 41 E, por isso mesmo, j houve quem sustentasse que tal dispositivo teria atenuado o

    rigor da estabilizao da demanda, como se verifica, por exemplo, em DIDIER JR.,

    Fredie, Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodvm, 2009, v. 1, p.

    435/436.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14205

    Ativa at a prolao de sentena nos embargos do executado, o

    que corresponde a uma modificao da causa de pedir admitida

    pela lei de forma excepcional, mesmo para fases mais avana-

    das do processo, como j reconhecido expressamente em acr-

    do do Superior Tribunal de Justia42

    .

    Continuando, assim, a ilustrao proposta anteriormente,

    o Cdigo de Processo Civil em vigor fechou a porta da frente

    para a modificao da demanda aps a fase de saneamento,

    mas no apenas permitiu que ficasse escancarada a porta dos

    fundos, como tambm deixou abertas vrias janelas pela casa

    inteira.

    A previso dessas aberturas, em si mesma, elogivel

    por atenuar os rigores de um sistema excessivamente rgido. O

    que se critica, entretanto, a absoluta ausncia de sistematici-

    dade no tratamento da matria. H a certa hipocrisia normati-

    va: o legislador apresenta um discurso de estabilizao rpida

    da demanda para preservar a celeridade processual e o direito

    de defesa do ru, mas sabe que no possvel isolar totalmente

    o processo dos efeitos do tempo, bem como de eventuais alte-

    raes fticas ou normativas. Elaboram-se, ento, sadas proce-

    dimentais casusticas, sem preocupao em estabelecer um

    sistema harmnico que possa conferir segurana jurdica.

    A situao se agrava ainda pelo fato de que no esto cla-

    ramente definidos, no processo civil brasileiro, os limites para

    a aplicao do tradicional brocardo jurdico do iura novit curia,

    segundo o qual o juiz conhece o direito, devendo aplic-lo de

    ofcio aos fatos alegados pelas partes43

    . H quem sustente in-

    terpretao ampliativa, permitindo que o juiz varie a qualifica- 42 V. STJ, REsp 504.168/SE, Segunda Turma, rel. Min. Franciulli Netto, j.

    19.8.2003, DJ 28.10.2003 (Extrai-se da ementa do acrdo a afirmao de que a Fazenda Pblica tem a prerrogativa de alterar a causa petendi no curso da ao

    executiva). O mesmo entendimento se encontra em ASSIS, Araken de. Manual do processo de execuo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 813. 43 Sobre os aspectos histricos do iura novit curia, v. amplamente BAUR, Fritz, Da

    importncia da dico iura novit curia, Revista de Processo, v. 3, jul./set. 1976, v.

    169/177.

  • 14206 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    o jurdica apresentada, desde que se atenha aos fatos que

    foram trazidos ao processo pelas partes44

    . Autores h, por outro

    lado, que sustentam que o juiz est autorizado somente a corri-

    gir a indicao dos dispositivos legais apontados pelas partes,

    mas no alterar a relao jurdica de direito material invoca-

    da45

    .

    Parece correto, no entanto, que se limite a incidncia do

    iura novit curia apenas ao dispositivo legal invocado pelas

    partes, sob pena de vulnerar no somente o princpio do con-

    traditrio, como tambm o princpio da demanda. O juiz no

    pode surpreender as partes com uma nova qualificao jurdica

    sequer suscitada e as partes tm o direito de delimitar, subjetiva

    e objetivamente, os limites em que ser exercida a jurisdio,

    no se devendo permitir que o Estado interfira arbitrariamente

    na esfera de liberdade individual dos litigantes sem a sua pro-

    vocao46

    . No se pode desprezar a previso, no art. 282, III do

    CPC, de que o autor indique na inicial os fundamentos jurdi-

    cos do pedido, sendo o contraditrio o principal motivador des-

    se requisito47

    . O iura novit curia deve, assim, ser limitado

    correo do nomen iuris ou dos dispositivos legais invocados48

    .

    44 V., entre outros, BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos, Os elementos objetivos...,

    cit., p. 32. 45 V. GRECO, Leonardo, cit., p. 204; PINTO, Junior Alexandre Moreira, cit., p.

    83/87 (afirmando, porm, que o juiz poderia considerar causa de pedir diversa, desde

    que antes consultasse as partes); JARDIM, Augusto Tanger, cit., p. 121; CRUZ, Jos

    Raimundo Gomes da, Causa de pedir e interveno de terceiros, Revista dos Tribu-

    nais, v. 662, dez. 1990, p. 48. 46 Sobre a relao entre o princpio da demanda e a proteo da liberdade individual

    contra interferncias arbitrrias do Estado, v. GRECO, Leonardo, cit., p. 537/539. 47 V. PINTO, Junior Alexandre Moreira, cit., p. 87. 48 Alcana-se, assim, soluo que parece semelhante delineada no art. 218.1 da

    LEC espanhola, segundo o qual o tribunal sin apartarse de la causa de pedir acu-diendo a fundamentos de hecho o de Derecho distintos de los que las partes hayan

    querido hacer valer, resolver conforme a las normas aplicables al caso, aunque no

    hayan sido acertadamente citadas o alegadas por los litigantes. Mesmo assim, dada a abertura dos termos utilizados no aludido dispositivo, a matria ainda bastante

    controvertida na doutrina daquele pas, como se observa em SNCHEZ, Guillermo

    Ormazabal, Iura novit curia La vinculacin del juez a la calificacin jurdica de la

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14207

    Dessa forma, por exemplo, em uma reintegrao de posse

    sob o fundamento de que o autor teria cedido o imvel ao ru

    em regime de comodato, o juiz pode corrigir o dispositivo legal

    invocado na petio inicial se o demandante, por equvoco,

    referiu-se a alguma norma sobre locao. O julgador no pode-

    r, entretanto, acolher o pedido do autor, caso entenda que a

    relao jurdica de direito material existente entre as partes era

    de locao e estaria presente algum dos motivos para a sua re-

    soluo. Nessa hiptese, alm de exercer jurisdio sobre causa

    de pedir diversa da invocada na petio inicial, o juiz surpreen-

    deria o ru com uma nova qualificao jurdica.

    Nada obstante, ainda h muita controvrsia sobre todos

    esses pontos. O resultado de um modelo que adota um discurso

    formal excessivamente rgido, mas com aberturas pouco defi-

    nidas, um sistema processual contraditrio, inconsistente e

    com previso de vlvulas de escape insuficientes.

    Mesmo a possibilidade de reunio de aes conexas, que

    aparenta ser a abertura mais geral no sistema de estabilizao

    da demanda regulado no Cdigo de Processo Civil atual, en-

    contra limites. Se a ao originria estiver em fase avanada, a

    reunio dos processos para julgamento conjunto poder no

    mais ser vivel, sobretudo se j tiver sido proferida sentena

    em um deles49

    . Alm disso, tal alternativa no ser capaz de

    lidar com possveis erros no maliciosos cometidos pelo autor

    no incio do processo quanto causa de pedir ou ao pedido,

    nem com eventual necessidade de ajuste de suas alegaes s

    teses defensivas apresentadas pelo ru.

    demanda. Madrid: Marcial Pons, 2007, p. 48/58 (relacionando autores que sustentam

    uma menor amplitude do iura novit curia, respeitando a qualificao jurdica apre-

    sentada pelas partes, como Andrs de la Oliva Santos e Isabel Tapia Fernndez; e

    outros que admitem a alterao da qualificao jurdica pelo juiz, desde que obser-

    vados os limites dos fatos jurgenos alegados no processo, como Juan Montero

    Aroca e Manuel Ortells Ramos). 49 Aplica-se, neste caso, o entendimento consolidado na Smula 235 do Superior

    Tribunal de Justia: A conexo no determina a reunio dos processos, se um deles j foi julgado.

  • 14208 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    No surpreende, diante desse quadro, que a jurisprudn-

    cia promova aberturas casusticas ao regime de estabilizao da

    demanda disciplinado na legislao vigente, at mesmo em

    prestgio ao princpio da efetividade da jurisdio, aproveitan-

    do-se, entre outros fundamentos, das controvrsias doutrinrias

    sobre os limites de aplicabilidade do art. 462 do CPC e do ad-

    gio iura novit curia. Relativamente freqentes so tambm os

    casos de interpretao compreensiva do pedido, ou seja, inter-

    preta-se de forma ampla o pedido formalmente deduzido, a fim

    de extrair dele o pedido que realmente deveria ter sido subme-

    tido apreciao do julgador50

    , para alm dos casos de pedidos

    considerados implcitos (como os juros legais de mora e a cor-

    reo monetria), colocando em risco as garantias do contradi-

    trio e da ampla defesa asseguradas ao ru51

    .

    Assim, j se pode questionar at que ponto, na prtica, o

    direito brasileiro pode continuar a ser enquadrado como um

    sistema absolutamente rgido de estabilizao da demanda.

    Nesse sentido, recentes estudos sobre a jurisprudncia do Supe-

    rior Tribunal de Justia corroboram tal constatao.

    Um dos primeiros estudos sobre a matria no mbito do

    Superior Tribunal de Justia foi realizado por Daniela Monteiro

    Gabbay para a sua dissertao de mestrado defendida em 2007

    na Universidade de So Paulo. Publicada em formato comerci-

    al no ano de 201052

    e abrangendo um total de duzentos e seten-

    ta e um julgados proferidos por aquele tribunal no perodo 50 Nesse sentido, entre outras hipteses, o Superior Tribunal de Justia tem conside-

    rado que pedidos genricos de indenizao (condenao nas perdas e danos) auto-rizam a condenao do ru em danos materiais e morais ou, tratando-se de questo

    que envolva apenas danos materiais, em danos emergentes e lucros cessantes. V.,

    exemplificativamente, STJ, AgRg no Ag 1332176/PR, Quarta Turma, rel. Min.

    Joo Otvio de Noronha, j. 2.8.2011, DJe 9.8.2011; AgRg no REsp 994827/RS,

    Primeira Turma, rel. Min. Halmilton Carvalhido, j. 28.9.2010, DJe 4.11.2010; REsp

    779.805/DF, Quarta Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 14.11.2006; DJ

    12.2.2007. 51 V., no mesmo sentido do texto, GUEDES, Cintia Regina, cit., p. 281. 52 V. GABBAY, Daniela Monteiro, Pedido e causa de pedir. So Paulo: Saraiva,

    2010.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14209

    compreendido entre agosto de 1989 e setembro de 2006, a pes-

    quisa chegou s seguintes concluses relevantes para o presen-

    te trabalho:

    a) a regra da correlao da sentena ao pedido tem sido

    formalmente observada, mas so muito frequentes os casos em

    que sua aplicao ocorre de forma no estrita, ou seja, o jul-gado considera que no houve extrapolao do pedido, mas

    admite uma interpretao ampliativa dos elementos objetivos

    delimitados na inicial. Os julgados que aplicaram a regra da

    correlao de forma no estrita atingiram 60,71% no caso de direitos tidos como disponveis e impressionantes 75,94% para

    os casos que envolveram direitos considerados indisponveis53

    ;

    b) em conseqncia disso, possvel afirmar que a regra

    da correlao costuma ser observada com menor rigor para os

    direitos indisponveis, mas tambm em nmero bastante ex-

    pressivo de casos envolvendo direitos disponveis possvel

    observar uma interpretao consideravelmente flexvel da re-

    gra;

    c) a observncia do contraditrio e a ausncia do prejuzo

    so fatores que podem atenuar a observncia da regra da corre-

    lao. Nesse sentido, um dos julgados analisados considerou

    expressamente que a alterao da qualificao jurdica pelo juiz

    no poder ocorrer se houver prejuzo ao direito de defesa;

    entretanto, se a nova qualificao se adequar perfeitamente s

    pretenses deduzidas, sem qualquer influncia na instruo do

    53 V. GABBAY, Daniela Monteiro, cit., p. 147/148. Mais frente, o estudo indica

    que os percentuais so aproximadamente os mesmos em todas as seis turmas do

    Superior Tribunal de Justia, variando entre 64% (Quarta Turma) e 82% (Segunda

    Turma), afastando possvel suposio de idiossincrasia de alguns de seus rgos

    fracionrios. At mesmo a pequena diferena apontada, por exemplo, entre as Pri-

    meira e Segunda Turmas, com os maiores percentuais encontrados (74% e 82%) e as

    Terceira e Quarta Turmas, com os menores percentuais (67% e 64%) decorre das

    matrias de competncia dos rgos fracionrios, j que as matrias envolvendo

    direito pblico em geral, de competncia das duas primeiras turmas do Superior

    Tribunal de Justia, frequentemente envolvem direitos indisponveis.

  • 14210 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    processo, no haver limite para a atuao do juiz54

    ;

    d) h hipteses de pedidos implcitos que so admitidos

    de forma pacfica pelo Superior Tribunal de Justia55

    .

    A autora do estudo em anlise conclui, a partir desses da-

    dos empricos, que a quebra da rigidez procedimental e a flexi-

    bilidade na interpretao da regra da correlao da sentena ao

    pedido que vem sendo aplicada pela jurisprudncia do Superior

    Tribunal de Justia revelam a necessidade de se repensar os

    elementos objetivos da demanda no direito brasileiro, o que

    dependeria sobretudo, em sua viso, de uma considerao mais

    dinmica e dialogal do objeto do processo56

    .

    Outro estudo ainda mais amplo sobre o tema foi apresen-

    tado na dissertao de mestrado de Elias Gazal Rocha, defen-

    dida em 2009 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro57

    .

    A pesquisa, que analisou um nmero substancialmente maior

    de julgados do Superior Tribunal de Justia, indica que, apesar

    da aparente singeleza das normas contidas nos arts. 264 e 294

    do CPC, a estabilizao da demanda suscita muitos debates em

    todos os estgios processuais.

    Nas fases processuais que antecedem o ingresso do ru

    no processo, aponta a pesquisa que pode haver restries alte-

    rao da demanda nos seguintes casos:

    a) indeferimento de medidas liminares inaudita altera

    parte, em que o autor por vezes acresce s suas razes recursais

    argumentos que modificam a causa de pedir ou o pedido, o que

    poder, eventualmente, prejudicar o direito de defesa do ru,

    visto que o prazo de resposta para o recurso costuma ser inferi-

    or ao da contestao58

    ; 54 V. GABBAY, Daniela Monteiro, cit., p. 156/157. 55 V. GABBAY, Daniela Monteiro, cit., p. 157/159. 56 V. GABBAY, Daniela Monteiro, cit., p. 159/160. 57 V. ROCHA, Elias Gazal. Modificao do pedido e da causa de pedir, na juris-

    prudncia do Superior Tribunal de Justia, como instrumento do acesso justia.

    2009. Dissertao (Mestrado em Direito Processual) Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 58 V. ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 60/66 (apresentando consideraes semelhantes

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14211

    b) indeferimento da inicial de ao rescisria, caso que o

    Superior Tribunal de Justia, quando se considera incompeten-

    te para o processamento e julgamento do feito, costuma extin-

    guir o processo, sem resoluo de mrito, em vez de encami-

    nhar os autos ao tribunal competente59

    ;

    c) opo pelo rito dos Juizados Especiais Cveis e renn-

    cia ao valor excedente ao limite de quarenta salrios mnimos

    (art. 3, 3 da Lei n 9.099/95), o que acarreta, ainda que de

    modo indireto, modificao do pedido formulado antes mesmo

    do ingresso do ru na lide60

    .

    Entre a citao do demandado e a fase de saneamento, o

    estudo apresenta ainda algumas consideraes a respeito da

    relativizao da exigncia de anuncia do ru para a modifica-

    o da demanda. Considerou-se que a jurisprudncia do Supe-

    rior Tribunal de Justia tem admitido a anuncia tcita do ru,

    quando este se limita a impugnar os novos fundamentos trazi-

    dos pelo autor61

    . Apontou-se, ainda, que o consentimento do

    ru tem sido dispensado sempre que a modificao da demanda

    no lhe acarretar prejuzo, ou no decorrer da conduta do autor,

    mas das circunstncias dos autos ou de qualquer outra razo

    atribuda ao prprio ru62

    . A anuncia do ru tem sido dispen-

    sada tambm em alguns procedimentos especiais de interesse tambm para o caso de sentena liminar de improcedncia disciplinado no art. 285-

    A do CPC). 59 V. ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 66/69. Curioso observar que, no mbito dos

    mandados de segurana de sua competncia originria, os tribunais superiores tam-

    bm determinavam a sua extino sem resoluo de mrito, em vez de encaminhar

    os autos ao rgo competente. No entanto, a partir do julgamento do Supremo Tri-

    bunal Federal no caso MS ED 25.087/SP, Pleno, rel. Min. Carlos Britto, j.

    21.9.2006, DJe 11.5.2007, a orientao se alterou e atualmente tem prevalecido o

    entendimento, com o qual se concorda, de encaminhamento do processo ao rgo

    competente. Sobre a discusso, entre outros, ROQUE, Andre Vasconcelos; DUAR-

    TE, Francisco Carlos, Mandado de segurana. Curitiba: Juru, 2011, p. 27/28. 60 V. ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 69/72. 61 V., nesse sentido, STJ, REsp 21.940/MG, Terceira Turma, rel. Min. Eduardo

    Ribeiro, j. 9.2.1993, DJ 8.3.1993. 62 V., sobre o ponto, os diversos julgados do Superior Tribunal de Justia relaciona-

    dos por ROCHA, Elias Gazal, cit., p.79/81 (notas 148 a 154).

  • 14212 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    pblico, sendo ainda permitida a alterao da causa de pedir ou

    do pedido na hiptese de litisconsrcio passivo, quando apenas

    alguns rus j tenham oferecido contestao, at que seja reali-

    zada a citao do ltimo ru, sob o entendimento de que o pra-

    zo para a resposta ainda no se iniciou63

    .

    Ainda nesta fase processual, o estudo aponta que a juris-

    prudncia do Superior Tribunal de Justia tem permitido a

    emenda da petio inicial aps a apresentao de contestao

    quando tal providncia for necessria para sanar eventual inp-

    cia ou, ainda, decorrer da prpria legislao processual, tal co-

    mo se verifica no caso de incluso de litisconsorte necessrio,

    nos termos da regra contida no art. 47, pargrafo nico do

    CPC. A razo fundamental para estas excees regra geral

    estabelecida no art. 264 do CPC, segundo o autor da pesquisa,

    est na possibilidade de o autor propor nova ao, quando a

    anterior houver sido extinta sem resoluo de mrito64

    .

    Um dos dados mais impressionantes neste estudo, toda-

    via, se refere s fases que sucedem o saneamento do processo,

    em relao s quais o Cdigo de Processo Civil vigente faria

    supor, como regra geral, a estabilizao definitiva da demanda,

    ainda que as partes concordassem em modificar seus elemen-

    tos. Nesse sentido, a pesquisa aponta nada menos que onze

    possibilidades de modificao da demanda aps o saneador,

    quais sejam: a) continncia da ao por outra, mais recente; b)

    reduo do elemento objetivo da demanda; c) correo da cer-

    tido de dvida ativa em execuo fiscal; d) aplicao da lei

    tributria mais benfica; e) inexistncia de precluso pro judi-

    cato; f) modificao no intencional da demanda, desde que

    com respeito ampla defesa e ao contraditrio; g) homologa-

    o de transao sobre matria no trazida ao Judicirio; h)

    converso da tutela especfica em indenizao pecuniria e 63 V. STJ, REsp 804.255/CE, Terceira Turma, rel. Min. Humberto Gomes de Barros,

    j. 14.2.2008, DJe 5.3.2008 e REsp 482.087/RJ, Quarta Turma, rel. Min. Barros

    Monteiro, j. 3.5.2005, DJ 13.6.2005. 64 V. ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 82/88.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14213

    adequao do meio executivo originrio ao caso concreto; i)

    mudana da forma de liquidao do julgado; j) prolao de

    sentena ilquida para pedido certo e sentena lquida para pe-

    dido genrico; l) ocorrncia de fatos supervenientes, mediante

    interpretao ampliativa do art. 462 do CPC65

    .

    Conclui o autor, assim, que o Superior Tribunal de Justi-

    a no tem afastado de forma absoluta a modificao da de-

    manda fora dos casos previstos em lei, em prestgio do direito

    material efetivamente discutido no processo, e procurando res-

    peitar o direito ao contraditrio e ampla defesa do demanda-

    do66

    .

    Ainda que se possa discutir se todas as inmeras hipte-

    ses trazidas nos estudos ora indicados representam efetivamen-

    te modificao da demanda fora do regime geral que se encon-

    tra delineado nos arts. 264 e 294 do CPC, inegvel que a ju-

    risprudncia vem realizando flexibilizaes mais ou menos

    amplas no modelo rgido de estabilizao da demanda origi-

    nalmente delineado pelo legislador67

    . O problema que essas

    aberturas so realizadas de forma absolutamente casustica, de

    tal maneira que atualmente j no se tem muita certeza de quais

    hipteses admitem ou no alterao da causa de pedir ou do

    pedido fora dos casos regrados em lei.

    Quando possvel a modificao da demanda aps a ci-

    tao? E aps a fase de saneamento? Como se percebe pela

    exposio apresentada acima, no possvel, luz do processo

    civil brasileiro contemporneo, responder a tais questionamen-

    tos de forma objetiva. Chega-se, assim, a uma verdadeira torre

    de Babel, marcada pela insegurana jurdica e instabilidade,

    65 V., amplamente, ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 88/133. 66 V. ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 359/360. 67 Nesse sentido, GRECO, Leonardo, cit., v. II, p. 34/35 (Estou convencido de que o sistema brasileiro cuja origem remonta tradio da litiscontestao quase con-tratual do Direito Romano e ao qual se contrapem outros sistemas como o alemo apresenta mais desvantagens do que vantagens, o que tem levado a jurisprudncia

    brasileira a abrir-lhe inmeras excees...).

  • 14214 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    colocando em risco importantes garantias processuais, tais co-

    mo o contraditrio, a lealdade processual e a durao razovel

    do processo.

    Por isso mesmo, embora haja quem sustente que uma in-

    terpretao ampliativa das normas do atual Cdigo de Processo

    Civil seria suficiente para conformar eventuais pontos de es-

    trangulamento de estabilizao da demanda68

    , vozes na doutri-

    na surgiram defendendo a necessidade de alterao legislativa

    na matria69

    .

    4.A PROPOSTA ORIGINAL DO ANTEPROJETO

    Ao final de setembro de 2009, por meio do Ato n 379,

    do Presidente do Senado Federal, constituiu-se uma Comisso

    de Juristas encarregada de elaborar um anteprojeto de novo

    Cdigo de Processo Civil. Entre os objetivos principais do an-

    teprojeto, podem ser enumerados os seguintes: estabelecer ver-

    dadeira sintonia fina do processo civil com a Constituio da

    Repblica, criar condies para o julgamento de forma mais

    rente realidade ftica subjacente causa; simplificar subsis-

    temas do processo civil, como, por exemplo, o sistema recur-

    sal; otimizar o rendimento de cada processo e, por derradeiro,

    imprimir maior coeso e organicidade ao sistema processual70

    .

    No que interessa ao tema do presente estudo, interes-

    68 V., sobre o ponto, entre outros, BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos, Os elemen-

    tos objetivos..., cit., p. 35/36 e PINTO, Junior Alexandre Moreira, cit., p. 68/76

    (sustentando a possibilidade de modificao de elementos objetivos da demanda

    aps o marco temporal delimitado no art. 264 do CPC, desde que garantidos o con-

    traditrio e a ampla defesa do demandado). 69 V. MITIDIERO, Daniel, cit., p. 130; RUBIN, Fernando, cit., p. 224/225; TEI-

    XEIRA, Guilherme Freire de Barros, cit., p. 303/310 e DEGENSZAJ, Daniel Rai-

    chelis, cit., p. 171/172 (embora sustentando que, mesmo sem a edio de lei nova,

    recomendvel para proporcionar segurana e estabilidade, seria possvel interpretar

    as regras processuais vigentes conforme a Constituio para assegurar certa flexibi-

    lidade). 70 Esses objetivos esto todos relacionados na exposio de motivos apresentada

    pela Comisso de Juristas ao Presidente do Senado Federal, Senador Jos Sarney.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14215

    sante analisar como surgiu a proposta original do anteprojeto,

    que promovia maior flexibilidade na matria.

    Analisando-se a ata da 1 reunio da Comisso de Juris-

    tas, realizada em 30 de novembro de 2009, observa-se que a

    proposta de ampliar as possibilidades de alterao dos elemen-

    tos objetivos da demanda surgiu no de forma autnoma, mas

    incorporada em outra proposta mais ampla, de incremento dos

    poderes do juiz no processo.

    Para melhor visualizar a questo, cumpre destacar a se-

    guinte passagem da ata da 1 reunio, na qual se falou pela

    primeira vez neste assunto: ORADOR NO IDENTIFICADO [02:24:52]: Tem,

    quase todos eles. Eu botei alguns poderes, alguns... Por

    exemplo, adequar s fases e atos processuais as especifica-

    es do conflito, de modo a conferir maior efetividade tutela

    do bem jurdico, respeitando-se o contraditrio e ampla defe-

    sa. Seria como uma possibilidade de variao de procedimen-

    to. Eu acho isso importante hoje para no ficar apegado

    forma.

    (...)

    SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Ampliar

    os poderes do juiz?

    ORADOR NO IDENTIFICADO [02:25:28]: Am-

    pliao dos poderes do juiz, primeiro para adequar fase e

    atos processuais as especificaes do conflito, se necessrio,

    respeitando os contraditrios e ampla defesa; para permitir

    alterao do pedido na causa do pedido em determinadas hi-

    pteses, assegurando sempre ampla defesa. Os processos

    chegam no final todo pronto, mas tem um detalhe da causa de

    pedido que faltou, voc vai extinguir o processo mesmo no

    pedido... Possibilitar que o juiz faa essa adequao tambm.

    (...)71

    Infelizmente, pela transcrio da ata, no foi possvel de-

    terminar de quem partiu a proposta de maior flexibilidade na

    modificao da demanda. Nada obstante, o fato de que ela sur-

    71 SENADO FEDERAL, Comisso de Juristas Novo Cdigo de Processo Civil Ata da 1 reunio, p. 64, obtida em www.senado.gov.br (acessado em 18 de setem-

    bro de 2011). Grifos nossos.

  • 14216 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    giu inserida em uma proposta mais abrangente de ampliao

    dos poderes do juiz no processo no deixa de conferir certa

    razo aos ensinamentos de Corrado Ferri, para quem os siste-

    mas processuais com maior carga de inquisitoriedade, ou seja,

    que concedessem ao juiz maior iniciativa em matria de inves-

    tigao ftica e determinao dos meios de prova a serem pro-

    duzidos, admitiriam a alterao da demanda em maior amplitu-

    de que um sistema em que predominasse o princpio dispositi-

    vo72-73

    .

    verdade que no existe uma vinculao necessria: sis-

    temas processuais com fortes traos de dispositividade poderi-

    am, pelo menos em tese, admitir a modificao da demanda de

    forma bastante ampla. O contrrio tambm seria verdadeiro, na

    medida em que a ampla iniciativa assegurada ao juiz em mat-

    ria ftico-probatria em um modelo inquisitorial poderia estar

    limitada aos elementos objetivos da demanda que tenham sido

    indicados pelo autor na petio inicial74

    . Apesar das ressalvas,

    no se pode negar que h certa tendncia de que inquisitorieda-

    72 V FERRI, Corrado, cit., p. 49 (analisando o processo civil sovitico na poca e

    concluindo que, em um sistema inquisitrio, h espao mais amplo para a modifica-

    o da demanda). 73 importante ressalvar, todavia, que no existe na atualidade sistema processual

    puramente dispositivo, nem totalmente inquisitorial. O que varia so apenas as

    cargas desses dois princpios e o seu equilbrio nos diversos ordenamentos processu-

    ais. Sobre o ponto, de forma geral, v. BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos, O pro-

    cesso civil contemporneo: um enfoque comparativo in Temas de Direito Processu-

    al (Nona Srie). So Paulo: Saraiva, 2007, p. 41/42; JOLOWICZ, J. A., Modelos

    adversarial e inquisitorial de processo civil. Trad. Jos Carlos Barbosa Moreira.

    Revista Forense, ano 100, n. 372, mar./abr. 2004, p. 135; TROCKER, Nicol; VA-

    RANO, Vincenzo, Concluding remarks in TROCKER, Nicol; VARANO, Vincen-

    zo. (Org.), The reforms of civil procedure in comparative perspective. Torino: G.

    Giappichelli, 2005, p. 245. 74 Tal constatao refora a absoluta correo em se distinguir o princpio da de-

    manda ou da iniciativa das partes, que se refere inrcia do juiz quanto s questes

    de direito material do princpio dispositivo, que diz respeito diviso de trabalho

    entre juiz e partes uma vez j instaurado o processo, sobretudo quanto iniciativa

    relativa aos fatos e s provas a serem produzidas. V., sobre a distino apontada,

    SANTOS, Moacyr Amaral, cit., v. 2, p. 104 e 106/107 e GRECO, Leonardo, cit., v.

    1, p. 546.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14217

    de e maior amplitude da modificao da demanda caminhem

    juntas e o anteprojeto do novo CPC refora essa concluso.

    O assunto voltou a ser debatido de forma mais aprofun-

    dada por ocasio da 10 reunio da comisso de juristas, reali-

    zada em 22 de abril de 2010. Neste momento, j se discutia a

    redao final dos artigos no anteprojeto e a anlise da ata evi-

    dencia que a principal preocupao da comisso de juristas

    consistiu em estabelecer em quais casos a modificao da de-

    manda passaria a ser permitida, sem que se estimulasse a eter-

    nizao dos conflitos e a deslealdade das partes no processo: SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Poder

    o autor aditar ou modificar o pedido ou a causa do pedir, des-

    de que o faa de boa-f, isso a um... e o aditamento ou al-terao no seja suscetvel e causar excessiva demora no pro-

    cesso... Isso a... Ou vai ou no vai, ou deixa ou no deixa. Esses critrios abertos...

    SR. ADROALDO FURTADO FABRCIO: Fui eu que

    mandei essa observao para a Teresa.

    SR. JOS MIGUEL GARCIA MEDINA: Olha, eu en-

    tendo o seguinte. Eu vou falar uma coisa...

    SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: muito

    salamaleque. Aqui no d.

    SR. JOS MIGUEL GARCIA MEDINA: No, no.

    Mas eu acho que um freio tem que colocar, porque de repente

    vem o autor, est chegando a hora de proferir a sentena e ele

    quer acrescentar um pedido. Ou at o prprio ru. No, no

    seria o caso...

    SR. ADROALDO FURTADO FABRCIO: Se tiver

    pedido contraposto pode.

    SR. JOS MIGUEL GARCIA MEDINA: Da o Juiz,

    me parece que o Juiz vai ter que ter a condio de dizer as-

    sim: No, aqui no d, voc que mova outra ao. 75

    A discusso sobre o tema na comisso conduziu a uma

    soluo de compromisso. A modificao da demanda seria

    admitida at a sentena, como se buscava na proposta original,

    75 SENADO FEDERAL, Comisso de Juristas Novo Cdigo de Processo Civil Ata da 10 reunio, p. 2026/2027, obtida em www.senado.gov.br (acessado em 18 de

    setembro de 2011)

  • 14218 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    mas desde que isso no ampliasse o objeto da prova, conforme

    se depreende das passagens abaixo destacadas: SR. HUMBERTO THEODORO JNIOR: Eu acho

    que podia fazer, seria um freio, dizer que essas mudanas

    no sejam aquelas que exijam novas provas, que sejam...

    SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: No am-

    pliem o objeto da prova.

    SR. JOS MIGUEL GARCIA MEDINA: Perfeito.

    SR. HUMBERTO THEODORO JNIOR: Isso, por-

    que s vezes...

    SR. JOS ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE:

    Ah, sim.

    SR. JOS MIGUEL GARCIA MEDINA: A timo.76 (...)

    SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Ento vamos l.

    SR. ADROALDO FURTADO FABRCIO: Eu acho

    que essa restrio interessante.

    SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Vamos

    comear. interessante.

    SR. ADROALDO FURTADO FABRCIO: Essa pos-

    sibilidade da restringir a que no afete em nada na matria de

    fato.

    SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Ento

    vamos aqui. Vamos botar diferente: O autor poder, at o saneamento. At o saneamento, no foi?

    SR. ADROALDO FURTADO FABRCIO: No, eu

    at acharia que at, com essa restrio que o Humberto pro-

    pe, eu acho que at poderia ficar.

    SRA. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER: Eu

    tambm acho.

    SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Ficar as-

    sim, ento fica assim: O autor poder at o momento da pro-lao da sentena aditar ou modificar o pedido ou a causa de

    pedir, desde que no amplie o objeto da prova.77

    Na ata da 12 reunio da comisso de juristas, realizada

    em 27 e 28 de abril de 2010, ainda que o tema da modificao

    da demanda no tenha sido discutido de forma especfica, en- 76 SENADO FEDERAL, cit., p. 2027/2028. 77 SENADO FEDERAL, cit., p. 2029.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14219

    contra-se nova referncia ao assunto, dando conta de que a

    proposta de permitir novas hipteses de alterao dos elemen-

    tos objetivos da demanda estava ligada ao princpio da econo-

    mia processual que, como j visto neste estudo, constitui um

    dos fundamentos dos sistemas processuais flexveis na matria: SRA. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER: E

    colocssemos nos poderes do Juiz, se for o caso, dentro de

    certos limites, a possibilidade de correo da legitimao pas-

    siva. Por que eu estou dizendo isso? Eu estou colocando nas

    entrevistas que eu estou dando, e mesmo na exposio de mo-

    tivos, que depois vou mostrar para vocs o esboo que eu es-

    tou fazendo, essa ideia de que na economia processual est

    includa a necessidade de se extrair do processo tudo aquilo

    que ele pode dar. Ento, na verdade, o processo pode ficar

    um pouquinho mais complicado, mas compensa, porque a

    no tem outro. Ento, no fundo essa a ideia de todas as in-

    tervenes de terceiro, assim como a ideia embutida na

    possibilidade de mudar o pedido, mudar a causa de pedir.

    Ento as pessoas esto me perguntando: Mas no vai ficar o processo mais complicado? Vai, mas em compensao aquele e acabou. Todas as complicaes, entre aspas, que ns

    criamos para recursos especiais e para recurso extraordinrio

    so para isso. Porque se fica a ao decidida por um funda-

    mento s, vai ter outra. Lgico. Ento essa uma ideia inte-

    ressante que a gente poderia, digamos, reforar do ponto de

    vista dela estar efetivamente presente no nosso Cdigo, colo-

    cando a nomeao autoria nesses termos.78

    Ao longo das atas disponibilizadas pelo Senado Federal,

    no se encontra mais nenhuma outra discusso sobre o tema da

    modificao da demanda.

    Surpreendentemente, todavia, o anteprojeto do novo CPC

    apresenta uma norma sobre o tema com modificaes bastante

    78 SENADO FEDERAL, Comisso de Juristas Novo Cdigo de Processo Civil Ata da 12 reunio, p. 23/24, obtida em www.senado.gov.br (acessado em 18 de

    setembro de 2011). Essa foi tambm a tnica encontrada na exposio de motivos do

    anteprojeto elaborada pela comisso: O novo sistema permite que cada processo tenha maior rendimento possvel. (...) As partes podem, at a sentena, modificar

    pedido e causa de pedir, desde que no haja ofensa ao contraditrio. De cada proces-

    so, por esse mtodo, se obtm tudo o que seja possvel.

  • 14220 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    substanciais em relao ao que ficou discutido nas atas. A limi-

    tao imposta quanto ao objeto da prova, que tinha sido a solu-

    o de compromisso alcanada na 10 reunio da comisso, j

    no mais estava mais presente. Alm disso, assegurou-se ex-

    pressamente, de forma elogivel, o direito de a parte contrria

    se manifestar sobre a modificao da demanda e produzir pro-

    va suplementar, resguardando-se o princpio do contraditrio.

    Ao que tudo indica, portanto, a discusso avanou na

    comisso de juristas sem que isto tivesse sido registrado em

    qualquer ata de reunio.

    De todo modo, assim ficou redigido o art. 314 do ante-

    projeto, que tratava da modificao dos elementos objetivos da

    demanda: Art. 314 O autor poder, enquanto no proferida a

    sentena, alterar ou aditar o pedido e a causa de pedir, desde

    que o faa de boa-f e que no importe em prejuzo para o

    ru, assegurado o contraditrio mediante a possibilidade de

    manifestao deste no prazo mnimo de quinze dias, facultada

    a produo de prova suplementar.

    Pargrafo nico. Aplica-se o disposto neste artigo ao

    pedido contraposto e respectiva causa de pedir.

    O dispositivo em anlise certamente promoveria maior

    flexibilidade na matria e, dados os relevantes fundamentos

    tanto de um sistema de maior rigidez quanto de um modelo

    mais flexvel, a adequada soluo somente pode ser encontrada

    em um ponto de equilbrio, que envolver necessariamente a

    anlise do caso concreto. No parece, desse modo, ser possvel

    fugir de conceitos jurdicos indeterminados (por exemplo,

    aboa-f) como se tentou na 10 reunio da comisso de juris-tas. Entendimento contrrio acabaria por engessar o juiz nos

    casos difceis, criando pontos de tenso a exigir novas vlvulas

    de escape, ainda que em menor escala, como j se observa no

    regime atual.

    Isso no quer dizer, todavia, abertura absoluta e irrestrita.

    O dispositivo original do anteprojeto pecava por estabelecer

    apenas um nico critrio de avaliao para o juiz, absolutamen-

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14221

    te aberto, que consistia na boa-f da parte que desejasse alterar

    a demanda. Outros critrios poderiam ter sido previstos no an-

    teprojeto, inclusive com inspirao na experincia acumulada

    em ordenamentos jurdicos estrangeiros, a fim de conferir mai-

    or objetividade, sem prejudicar a necessria abertura e flexibi-

    lidade na matria79

    .

    A simples previso de obedincia ao contraditrio, por si

    s, no seria capaz de afastar os inconvenientes de um sistema

    excessivamente flexvel, no apenas pelo bvio motivo de se

    abrir a possibilidade de frustrao do princpio da durao ra-

    zovel do processo, mas tambm porque o ru pode ser coloca-

    do em uma situao bastante difcil se a modificao vier a

    acontecer aps a fase instrutria. A nova estratgia defensiva a

    ser praticada por conta da alterao da demanda pode ser at

    mesmo incompatvel com a instruo processual j realizada80

    .

    Se o ru imaginasse que isso ocorreria, ele poderia ter adotado

    outra estratgia desde o incio para no prejudicar sua defesa.

    O que se deveria ter feito, assim, seria aprimorar o dispo-

    sitivo em anlise, a fim de estabelecer mais alguns parmetros

    abertos, no exaustivos e que no prejudicassem a maior flexi-

    bilidade desejada para a estabilizao da demanda no direito

    brasileiro, mas que pudessem conferir maior objetividade na

    apreciao da matria.

    O anteprojeto tambm previa, no art. 475, norma idntica

    ao art. 462 do CPC em vigor, mas com uma modificao rele-

    vantssima em seu pargrafo nico. Ainda que o juiz continuas-

    se autorizado a considerar novos fatos jurgenos de ofcio

    (constitutivos, modificativos ou extintivos), seria necessrio 79 Nesse sentido, j se apontou a necessidade de que se levassem em considerao

    outros fatores alm da simples boa-f prevista no art. 314 do anteprojeto, tais como:

    a) possibilidade de evitar o ajuizamento de novas demandas; b) busca da verdade

    material que possa conduzir melhor soluo da relao de direito material; c)

    inexistncia de grave risco de prolongamento excessivo do procedimento; d) neces-

    sidade ou no se de reabrir a fase instrutria. V. GUEDES, Cintia Regina, cit., p.

    291/292. 80 V., entre outros, PICO I JUNOY, Joan, cit., p. 57/58.

  • 14222 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    nesse caso que, antes do julgamento da lide, o juiz ouvisse as

    partes sobre o fato novo. Refora-se, assim, como analisado ao

    final do segundo item deste estudo, a vedao s decises sur-

    presa j estabelecida de forma ampla no art. 10 do anteprojeto,

    mesmo que fundadas em matria cognoscvel de ofcio, em

    prestgio ao princpio fundamental do contraditrio.

    5. O GIRO DE 360 GRAUS: VOLTANDO PARA O MESMO

    LUGAR

    O anteprojeto do novo CPC foi apresentado ao Senado

    Federal em junho de 2010, passando a tramitar como Projeto

    de Lei do Senado (PLS) n 166/2010. O projeto recebeu 217

    propostas de emendas por vrios Senadores, algumas das quais

    tiveram acolhimento parcial ou total, resultando, ento, no

    Substitutivo ao PLS n 166/2010, do Senador Valter Pereira,

    aprovado em Sesso do Senado Federal de 15 de dezembro de

    2010 e encaminhado Cmara dos Deputados.

    O projeto atualmente tramita na Cmara dos Deputados

    como Projeto de Lei n 8.046/2010, tendo sido constituda Co-

    misso Especial com o objetivo de analisar o texto e as propos-

    tas de emendas, sob a presidncia do Deputado Fbio Trad e

    relatoria geral do Deputado Srgio Barradas Carneiro81

    .

    No que se refere ao assunto discutido no presente estudo,

    houve um verdadeiro giro de 360 graus, na medida em que se reverteu a proposta original do anteprojeto de ampliao dos

    casos de modificao da demanda. Voltou-se ao lugar de onde

    se saiu, ou seja, ao sistema rgido de estabilizao da demanda

    do atual CPC.

    O art. 314 do anteprojeto apresentado pela comisso, j

    analisado acima, recebeu cinco propostas de emendas dos se-

    81 At o final de setembro de 2011, j haviam sido apresentadas 91 propostas de

    emendas ao projeto, conforme informaes disponibilizadas em

    www.camara.gov.br.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14223

    nadores82

    .

    A discusso no Senado Federal sobre a estabilizao da

    demanda, entretanto, se revelou reducionista, limitando-se ba-

    sicamente sua possvel influncia negativa sobre a celeridade

    processual. Houve, ainda, meno aos princpios fundamentais

    do devido processo legal, do contraditrio e da ampla defesa na

    primeira proposta de emenda ao art. 314 do anteprojeto apre-

    sentada pelo Senador Adelmir Santana83

    .

    No se considerou, entretanto, nenhum dos fundamentos

    de um sistema mais flexvel em termos de modificao da de-

    manda, tais como a economia processual (e a celeridade pro-

    porcionada, ao se dispensar o ajuizamento de uma segunda

    demanda), a possibilidade de correo de eventuais omisses

    ou de erros no maliciosos, a busca pela justia material do

    caso concreto ou o fortalecimento da efetividade da jurisdio,

    j analisados no primeiro item do presente estudo.

    Ao final, foi aprovada a proposta de emenda n 43, do

    Senador Adelmir Santana, sendo as demais propostas rejeita-

    das, nos seguintes termos: II.4.43 Emenda n 43 A Emenda n. 43 (similar emenda n. 123) merece

    acolhimento porque, em relao possibilidade de alterao

    do pedido e da causa de pedir, reintroduz as regras previstas

    no art. 264 e 294 do Cdigo em vigor. A nica diferena

    que no Substitutivo optamos por dividir o tema em incisos e

    no em pargrafos como fez a Emenda. Tambm fizemos al-

    guns ajustes de redao.84

    Como se pode observar, o propsito inequvoco da

    emenda aprovada consistiu em manter o sistema rgido de esta-

    82 SENADO FEDERAL, Parecer n 1.624/2010, rel. Sen. Valter Pereira, p. 91/93 e

    116, disponibilizado em www.senado.gov.br (acessado em 27 de setembro de 2011). 83 Pelo que consta no parecer, o Senador Adelmir Santana teria apresentado duas

    propostas de emenda ao art. 314 do anteprojeto que, entretanto, so incompatveis

    entre si. No se conseguiu verificar, pela anlise do texto do relatrio, se houve erro

    material na indicao do senador responsvel por alguma dessas duas propostas ou

    se realmente foram apresentadas duas propostas inconciliveis pelo mesmo senador. 84 SENADO FEDERAL, Parecer n 1.624/2010, cit., p. 206.

  • 14224 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12

    bilizao da demanda consubstanciado nos arts. 264 e 294 do

    CPC atual. Assim foi que, aprovado o substitutivo ao PLS n

    166/2010, consta a seguinte regra em seu art. 304: Art. 304. O autor poder:

    I at a citao, modificar o pedido ou a causa de pe-dir, independentemente do consentimento do ru;

    II at o sane