artigo estabilizacao da demanda in universidade de lisboa
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Estabilização da demanda no novo e no atual CPCTRANSCRIPT
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Ano 2 (2013), n 12, 14189-14232 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
A ESTABILIZAO DA DEMANDA NO
PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: MAIS UMA
OPORTUNIDADE PERDIDA?1
Andre Vasconcelos Roque2
Sumrio: 1. Aspectos gerais sobre o tema 2. A estabilizao da demanda no Cdigo de Processo Civil em vigor 3. A torre de Babel no atual processo civil brasileiro 4. A proposta ori-ginal do anteprojeto 5. O giro de 360 graus: voltando para o mesmo lugar 6. Consideraes finais: desconfiana do Judi-cirio? 7. Referncias bibliogrficas
1. ASPECTOS GERAIS SOBRE O TEMA
processo caracteriza-se intrinsecamente, con-
forme clssica formulao em doutrina, por ser
uma relao jurdica complexa e progressiva, que
avana por vrios estgios com vistas entrega
da prestao jurisdicional3. Para que isso ocorra,
porm, necessrio que as alegaes e pedidos das partes este-
jam razoavelmente definidos, a fim de que se possa delimitar o
objeto litigioso suscetvel de apreciao. Por isso, em todo tipo
de procedimento, ocorrer em algum momento a estabilizao 1 Artigo originalmente publicado, com pequenas modificaes, em ROQUE, Andre
Vasconcelos. A estabilizao da demanda no projeto do novo CPC: mais uma opor-
tunidade perdida? in ADONIAS, Antonio, DIDIER JR., Fredie (Coord.). O projeto
do novo Cdigo de Processo Civil (2 Srie). Salvador: Juspodivm, 2012, p. 49-82. 2 Doutorando e mestre em Direito Processual (UERJ). Professor de Direito Proces-
sual Civil em cursos de ps-graduao lato sensu. Membro do Instituto Brasileiro de
Direito Processual (IBDP), do Comit Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e do Institu-
to dos Advogados Brasileiros (IAB). Advogado no Rio de Janeiro. Contato: an-
[email protected] 3 V., entre outros, CINTRA, Antonio Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegri-
ni; DINAMARCO, Cndido Rangel, Teoria Geral do Processo. So Paulo: Malhei-
ros, 2001, p. 290.
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da demanda, que nada mais do que o estgio processual a
partir do qual no mais se admite a insero de novas alegaes
que acarretem alterao de seus elementos fundamentais.
Sem embargo das crticas formuladas teoria da trplice
identidade da demanda, cuja anlise extrapolaria os limites do
presente estudo4, correto afirmar que, de acordo com a con-
cepo cristalizada no art. 301, 2 do Cdigo de Processo
Civil, a demanda possui trs elementos bsicos, sendo um deles
de natureza subjetiva (partes) e os outros dois de ordem objeti-
va (causa de pedir e pedido). A noo de estabilizao da de-
manda, todavia, costuma ser discutida em doutrina apenas no
que se refere aos seus elementos objetivos5, fato este agravado
no direito brasileiro pela circunstncia de que o Cdigo de Pro-
cesso Civil em vigor, embora com certa falta de sistematicida-
de, disciplina alguns aspectos da modificao subjetiva da de-
manda em dispositivos parte (art. 41 e segs.), separados da-
queles que regulam a estabilizao objetiva da demanda. Como
ser visto oportunamente, no entanto, no possvel separar
totalmente os dois fenmenos, ainda que se possa conferir mai-
or destaque estabilizao dos elementos objetivos6.
Os sistemas processuais no Direito Comparado costu-
mam ser classificados em rgidos e flexveis, conforme permi-
4 Como observa CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio. A causa petendi no processo civil.
So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 80, a principal crtica teoria da trplice
identidade da demanda, proveniente de fontes romanas, originou-se da teoria da
identidade da relao jurdica, tambm com razes no direito romano e revisitada por
Savigny. Por isso, conclui ainda CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio, cit., p. 233, a teoria
da trplice identidade no pode ser considerada um critrio absoluto, mas sim uma
boa hiptese de trabalho. Na doutrina italiana, demonstrando certa perplexidade com os critrios de identificao da demanda, entre outros, SATTA, Salvatore,
Domanda giudiziale (Diritto processuale civile) in Enciclopedia del diritto. Milano:
Giuffr, 1958, v. XIII, p. 825/826. 5 V. PIC I JUNOY, Joan. La modificacin de la demanda en el proceso civil.
Valencia: Tirant lo Blanch, 2006, p. 16-17. 6 Sobre o ponto, v. o item 3 do presente estudo, especialmente no que se refere ao
regime da estabilizao da demanda no direito brasileiro e o instituto da oposio
interventiva (art. 59 do CPC).
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tam ou no a modificao da demanda aps limites temporais
mais ou menos estreitos para a apresentao das alegaes e
pedidos das partes. Cada modelo possui vantagens e inconve-
nientes, no havendo uniformidade na disciplina da matria.
Assim, por exemplo, sistemas h como o italiano em que o tratamento flexvel que lhe era tradicional vem dando espao a
um modelo mais rgido, em um esforo de assegurar maior
celeridade processual7. H, de forma inversa, outros sistemas
trilhando caminho oposto, qual seja, partindo de um modelo
rgido e adotando maior flexibilidade atravs de sucessivas
reformas, como o portugus8. A tendncia parece ser, no entan-
to, a busca de um equilbrio razovel entre os dois sistemas, em
que se busque maximizar as vantagens e mitigar os inconveni-
entes de cada um.
Um sistema processual rgido em termos de estabilizao
da demanda apresenta as seguintes vantagens9-10
: 7 Sobre a evoluo da matria no direito italiano, entre outros, v. LEONEL, Ricardo
de Barros, Causa de pedir e pedido O direito superveniente. So Paulo: Mtodo, 2006, 163/185; GUEDES, Cintia Regina, A estabilizao da demanda no Direito
Processual Civil in FUX, Luiz (Coord.), O novo processo civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, 2011, p. 253/259 e PINTO, Junior Alexandre Moreira. A causa
petendi e o contraditrio. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 112/120. 8 Sobre a evoluo da matria em Portugal, entre outros, v. CRUZ E TUCCI, Jos
Rogrio, A causa petendi no novo CPC portugus in CRUZ E TUCCI, Jos Rog-
rio; BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos (Coord.), Causa de pedir e pedido no
processo civil. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 269/277; LEONEL, Ri-
cardo de Barros, cit., 186/197 e GUEDES, Cintia Regina, cit., p. 271/275. 9 H pelo menos um fundamento dos sistemas rgidos que costuma ser invocado em
doutrina e que no ser abordado no texto: a proteo da litiscontestatio, ou seja, a
estabilizao da demanda como um efeito necessrio da litispendncia sob o argu-
mento, originrio do direito romano, de que neste momento seria estabelecido um
quase contrato entre os litigantes, que se comprometeriam a respeitar os limites da
demanda submetida ao Judicirio. Como hoje no se concebe mais o processo como
um quase contrato entre as partes, tal fundamento no mais se justifica. Nesse senti-
do, entre outros, FAIREN GUILLN, Victor, La transformacin de la demanda en
el proceso civil. Santiago de Compostela: Porto, 1949, p. 109/111; LIEBMAN,
Enrico Tullio, O despacho saneador e o julgamento do mrito in Estudos sobre o
processo civil brasileiro. So Paulo: Saraiva, 1947, p. 109/110; PIC I JUNOY,
Joan, cit., p. 45/46 e GUEDES, Cntia Regina, cit., p. 244. 10 Referncias a estes fundamentos podem ser encontradas em PIC I JUNOY,
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a) assegura o amplo direito de defesa do demandado, na
medida em que ele no ser surpreendido com eventuais modi-
ficaes da demanda no curso do processo e nem ter a oportu-
nidade adequada de se manifestar sobre todos os fatos alegados
pelo autor, produzindo as provas que entender necessrias11
;
b) alinha-se com o princpio da precluso, permitindo que
o processo percorra fases bem delimitadas, previsveis e orde-
nadas em direo sentena, exigindo que os atos processuais
sejam praticados em determinado lapso temporal e impedindo
que se retroceda na marcha processual12
;
c) garante a durao razovel do processo, impedindo a
eternizao de demandas judiciais mediante sucessivas altera-
es do objeto litigioso;
d) impede manobras dilatrias e preserva a boa-f pro-
cessual e a lealdade entre as partes, exigindo que apresentem,
de uma s vez, todos os argumentos que possam deduzir, im-
pedindo que as partes guardem cartas na manga para as fases processuais posteriores com o objetivo de surpreender o adver-
srio ou mesmo que possam buscar modificar os fatos alegados
ou os pedidos, a partir do momento em que vislumbrarem, di-
ante das provas j produzidas, provvel deciso contrria a seus
interesses.
Por outro lado, como fundamentos de um sistema proces-
sual de modificao da demanda mais flexvel poderiam ser
relacionados os seguintes fatores13-14
: Joan, cit., p. 50/63; FERRI, Corrado, Struttura del processo e modificazione della
domanda. Padova: Cedam, 1975, p. 3/12 e 116/119 e GUEDES, Cntia Regina, cit.,
p. 244/247. 11 Para FERRI, Corrado, cit., p. 118, o elemento surpresa decorrente de uma radical
alterao da demanda poderia criar desigualdade entre as partes. 12 Nesse sentido, embora no se referindo explicitamente questo da modificao
da demanda, sustenta OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de, Do formalismo no
processo civil. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 170, que a ameaa de precluso constitui
princpio fundamental de organizao do processo, sem o qual nenhum procedimen-
to teria fim. 13 Segundo PIC I JUNOY, Joan, cit., p. 72/75, os modelos flexveis ainda apresen-
tam outro fundamento no explicitado no texto, qual seja, a flexibilidade dos proce-
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a) permite a correo de eventuais omisses ou de erros
no maliciosos, a fim de que se possa adequar a demanda for-
mulada pelo autor s alegaes do ru;
b) promove a economia processual, na medida em que
evita o ajuizamento de novas demandas destinadas formula-
o de causas de pedir ou pedidos supervenientes e possibilita
que o processo resolva o maior nmero de questes possveis
entre as partes, observando-se sempre a exigncia de boa-f e o
direito de defesa do ru;
c) busca a justia material do caso concreto e promove a
efetividade do acesso justia, visto que permite que a presta-
o jurisdicional corresponda o mais prximo possvel ao real
conflito no estado em que se encontra, evitando, assim, a pro-
lao de uma sentena meramente formal, incapaz de resolver a
crise de direito material e que j no traga mais proveito para
as partes, em decorrncia de alteraes fticas ou no bem jur-
dico em discusso durante a tramitao do processo.
Como se pode observar, os dois sistemas apresentam
fundamentos consistentes, que no podem ser simplesmente
desprezados. Trata-se, em definitivo, de opo poltica do le-
dimentos inspirados pela noo de oralidade. Em sentido anlogo, FAIREN GUIL-
LEN, cit., p. 74 (indicando que procedimentos orais no necessitam de escritos
preparatrios substanciais, pois as alegaes das partes somente se desenvolvem por
completo na audincia). Embora tal concluso seja lgica, na medida em que o
dilogo entre as partes permitiria a modificao dos elementos da demanda sem
prejuzo do direito de ampla defesa do ru, possibilitando ainda ao juiz que exami-
nasse de perto se h ou no boa-f no requerimento, tal fundamento no pode ser
diretamente aplicado ao direito brasileiro. Isso porque tanto o CPC em vigor como o
projeto de novo CPC adotaram um procedimento eminentemente escrito. Sobre a
no recepo da oralidade no processo civil brasileiro, exemplificativamente, v.
DINAMARCO, Cndido Rangel, Instituies de direito processual civil. Malheiros:
So Paulo, 2009, v. 2, p. 462/464 e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. O princpio
da oralidade no processo civil. Porto Alegre: Nria Fabris, 2011, p. 199/202. 14 Sobre o ponto, entre outros, v. PIC I JUNOY, Joan, cit., p. 54/75; GUEDES,
Cntia Regina, cit., p. 247/252; LEONEL, Ricardo de Barros, cit., p. 125/128 e
210/211 e MASCIOTRA, Mario, El principio de congruncia en los procesos civi-
les, patrimoniales y de familia, laborales y colectivos ambientales. Buenos Aires:
Ad-Hoc, 2010, p. 63/90.
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gislador15
, que pode validamente prestigiar um ou outro siste-
ma, respeitando as garantias fundamentais do processo. Isso
no significa que o tema apresente importncia secundria,
tendo em vista as relevantssimas conseqncias na prtica
judiciria, como ser exposto ao longo do presente estudo. Por
isso mesmo, a tendncia em muitos pases tem sido buscar um
ponto de equilbrio entre as exigncias de rigidez e flexibilida-
de em termos de estabilizao da demanda no processo16
.
2. A ESTABILIZAO DA DEMANDA NO CDIGO DE
PROCESSO CIVIL EM VIGOR
O direito brasileiro, inicialmente, herdou a tradio lusi-
tana de um sistema de estabilizao da demanda mais rgido17
.
Nesse sentido, os cdigos estaduais editados no incio do
sculo XX, de forma geral, vedavam a modificao do pedido
aps o ingresso do ru na lide18
. O Cdigo de Processo Civil de
15 Sobre o ponto, exemplificativamente, v. PIC I JUNOY, cit., p. 43; PINTO,
Junior Alexandre Moreira, Sistemas rgidos e flexveis: a questo da estabilizao da
demanda in CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio; BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos
(Coord.), cit., p. 54. 16 Tal tendncia vem sendo observada at mesmo no processo civil norte-americano,
tradicionalmente caracterizado por ampla flexibilidade na matria. Nos termos das
Regras 8 (a) e 15 das Federal Rules of Civil Procedure, os elementos objetivos da
demanda vo sendo progressivamente construdos pelas partes at a fase do trial,
exigindo-se do autor apenas uma sumria exposio da controvrsia na petio
inicial, cuja finalidade precpua consiste em comunicar o ru do ajuizamento da
demanda (notice pleading), no j delimitar objetivamente o mbito da atividade
jurisdicional. Nada obstante, h recentes manifestaes da Suprema Corte daquele
pas exigindo maior detalhamento da exposio na petio inicial e, portanto, im-
primindo maior rigidez fixao dos elementos objetivos da demanda nos casos Bell
Atlantic Corp. v. Twombly, 550 US 544 (2007) e Ashcroft v. Iqbal, 556 US __
(2009). O fundamento dessa maior rigidez consiste, em sntese, em inibir o deman-
dismo judicial, que pode submeter o ru a uma fase de discovery invasiva e onerosa
de forma ilegtima. 17 V., referindo-se ao processo das Ordenaes, LIEBMAN, Enrico Tullio, Istituti
del diritto comune nel processo civile brasiliano in Problemi del processo civile.
Napoli: Morano, 1962, p. 494/502. 18 Vejam-se, por exemplo, o art. 113 do Cdigo de Processo Civil e Comercial para
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1939, por sua vez, consagrou em seu art. 157 um modelo ainda
mais inflexvel19
, segundo o qual no se admitiam alteraes do
pedido e da causa de pedir nem mesmo antes da citao do ru.
No havia qualquer possibilidade de aditamento da demanda20
.
Alm disso, estabelecia o art. 181, caput do CPC de 1939 que,
apresentada a contestao, o autor no poderia modificar o pe-
dido ou a causa de pedir, nem desistir da ao, sem o consen-
timento do demandado.
O Cdigo de Processo Civil de 1973, na redao original,
reproduzia a regra do cdigo anterior que vedava o aditamento
da petio inicial para a incluso de novos pedidos antes da
citao do ru (art. 294 original), embora seu art. 264, de forma
um tanto contraditria, j deixasse aberta a possibilidade de
modificao da causa de pedir e do pedido sem a concordncia
do ru antes de seu ingresso na lide, sendo vedada, em qual-
quer caso, a alterao da demanda aps o despacho saneador21
.
Houve, assim, um pequeno avano em direo flexibilidade,
mas o processo civil brasileiro permanecia atrelado a um mo-
delo bastante rgido.
Houve ligeira alterao na redao do art. 264 antes
mesmo da entrada em vigor do CPC de 1973, em virtude da
aprovao da Lei n 5.925/73, quanto ento o aludido dispositi- o Distrito Federal (O autor, depois de proposta a aco, no poder varias, ou alte-rar substancia do pedido, sendo-lhe, todavia, permittido fazer addies, ou emendas
antes da contestao) e o art. 209 do Cdigo de Processo Civil e Comercial de So Paulo (A inicial s poder ser alterada na substancia, mediante nova citao do ro, antes de proposta a aco) . 19 Assim dispunha o art. 157: Quando o autor houver omitido, na petio inicial, pedido que lhe era lcito fazer, s em ao distinta poder formul-lo. 20 V. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentrios ao Cdigo de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1958, t. II, p. 401. 21 Assim dispunham os dispositivos referidos do Cdigo de Processo Civil de 1973,
na redao original: Art. 264. Feita a citao, defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do ru, mantendo-se as mesmas partes,
salvo as substituies permitidas por lei. Pargrafo nico. A alterao do pedido ou
da causa de pedir em nenhuma hiptese ser permitida aps a prolao do despacho
saneador e Art. 294. Quando o autor houver omitido, na petio inicial, pedido que lhe era lcito fazer, s por ao distinta poder formul-lo.
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vo legal ganhou a sua redao atual22
. A redao do art. 294,
por sua vez, somente foi alterada pela Lei n 8.718/93, resol-
vendo a aparente contradio apontada para dispor que o autor
poder aditar o pedido, sem a necessidade de propositura de
uma nova demanda, correndo por sua conta as custas acresci-
das23
.
O processo civil brasileiro, portanto, na sua configurao
atual, determina que a demanda ser estabilizada progressiva-
mente em trs estgios:
a) at o ingresso do ru na lide, ser livremente permitida
a modificao objetiva da demanda, tanto do pedido quanto da
causa de pedir;
b) aps a citao do ru e at a fase de saneamento do
processo, a alterao da demanda somente ser permitida com
a concordncia do ru;
c) aps a fase de saneamento, a demanda estar estabili-
zada e no ser permitida a sua modificao, nem mesmo com
o consentimento de ambas as partes24
.
Ainda que tenha havido pequeno avano em relao ao
regime absolutamente inflexvel do Cdigo de Processo Civil
de 1939, o processo civil brasileiro consagra um modelo bas-
tante rgido em termos de estabilizao da demanda. Tal afir- 22 Assim estabelece o art. 264 do CPC, na redao atual: Art. 264. Feita a citao, defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do ru,
mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituies permitidas por lei. Pargrafo
nico. A alterao do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hiptese ser permi-
tida aps o saneamento do processo. 23 Veja-se, nesses termos, a redao atual do art. 294 do CPC: Art. 294. Antes da citao, o autor poder aditar o pedido, correndo sua conta as custas acrescidas em
razo dessa iniciativa. 24 Isso no afasta a possibilidade, por certo, de modificao restritiva da demanda,
ou seja, a possibilidade de desistncia de um dos pedidos ou de um dos fundamentos
apontados como causa de pedir, mesmo aps o despacho saneador. Ainda nesse
caso, todavia, uma vez decorrido o prazo para a resposta do ru, exige-se sua con-
cordncia, nos termos do art. 267, 4 do CPC. Exceo a este regime se encontra
na regra especfica do processo de execuo, disciplinada no art. 569 do CPC que,
ainda assim, pode exigir o consentimento do executado que j tenha oferecido em-
bargos fundados sobre questes de direito material.
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mao se torna ainda mais evidente quando se compara a disci-
plina vigente no direito ptrio sobre a matria com os regimes
contemporneos na Europa continental que, como j exposto,
buscam, de forma geral, encontrar o equilbrio entre a rigidez e
a flexibilidade, criando vlvulas de escape para que a demanda
possa se conformar ao conflito no estado em que se encontra,
sem prejuzo do direito de ampla defesa e contraditrio.
A rigidez do Cdigo de Processo Civil brasileiro com-
plementada, ainda, por um regime rgido de precluses, pela
previso do princpio da eventualidade25
(segundo o qual as
partes devem apresentar, de uma s vez, todas as alegaes que
possurem, ainda que contraditrias entre si) e pelo entendi-
mento dominante em doutrina, segundo o qual o art. 282, III do
CPC teria representado a adeso do processo civil ptrio teo-
ria da substanciao, de tal modo que a causa de pedir engloba-
ria simultaneamente os fatos constitutivos alegados e os fun-
damentos jurdicos invocados26
.
25 Em relao ao ru, o princpio da eventualidade no processo civil foi consagrado
expressamente no art. 300 do CPC: Art. 300. Compete ao ru alegar, na contesta-o, toda a matria de defesa, expondo as razes de fato e de direito, com que impu-
gna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir. A definio de eventualidade, porm, no pode ser limitada ao ru, estando o autor tambm
submetido a tal princpio, como exposto por TEIXEIRA, Guilherme Freire de Bar-
ros. O princpio da eventualidade no processo civil. So Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2005, p. 27. No mesmo sentido, v. LAZZARINI, Alexandre Alves, A causa
petendi nas aes de separao judicial e de dissoluo da unio estvel. So Pau-
lo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 38. 26 Aderindo ao entendimento dominante, entre outros, MARQUES, Jos Frederico,
Manual de direito processual civil. So Paulo: Saraiva, 1990, v. 1, p. 173; SANTOS,
Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil. So Paulo: Saraiva, v.
2, 2011, p. 176; CALMON DE PASSOS, Jos Joaquim, Comentrios ao Cdigo de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. III, p. 192; CINTRA, Antonio
Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cndido Rangel,
cit., p. 262; NERY JR., Nlson; NERY, Rosa Maria de Andrade, Cdigo de Proces-
so Civil comentado e legislao processual em vigor. So Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2010, p. 575; ASSIS, Araken de, Cumulao de aes. So Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 138 (chegando a afirmar que reina total harmonia, na doutrina brasileira, no reconhecimento da adeso do CPC teoria da substanciao). No se concorda integralmente com tal posio, todavia, porque, embora o art. 282, III do
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Uma das consequncias da adeso teoria da substancia-
o, como se percebe, que qualquer modificao em fatos
essenciais suscitados pelas partes fora das hipteses contem-
pladas nos arts. 264 e 294 do CPC seria vedada no processo
civil brasileiro, por importar alterao da prpria causa de pe-
dir.
Assim, no processo civil brasileiro, pode haver grande di-
ficuldade, sobretudo do ponto de vista do demandante27
, em
garantir que a controvrsia que ser apreciada pelo juiz ainda
corresponda real crise de direito material no estado em que se
encontra, condio necessria para a efetividade da prestao
jurisdicional.
Eventual apreciao de novos fatos simples, que sejam
acessrios s alegaes essenciais de fato e supervenientes
instaurao do processo, garantida nos termos do art. 131 do
CPC, mas nesta hiptese no h verdadeiramente alterao da
causa de pedir, nem de qualquer outro elemento da demanda.
CPC exija a indicao tanto dos fatos quanto dos fundamentos jurdicos como requi-
sitos da petio inicial, tal norma no estabeleceu o nvel de detalhamento necessrio
quanto aos fatos constitutivos alegados, sendo possvel, por exemplo, exigir do autor
uma carga maior de substanciao quanto s demandas heterodeterminadas (tipica-
mente envolvendo direitos obrigacionais e direitos reais de garantia) e apenas o
mnimo indispensvel para uma demanda autodeterminada (envolvendo direitos
reais de gozo e direitos da personalidade, que somente podem existir uma nica vez
com o mesmo contedo entre os mesmos sujeitos, independentemente do fato cons-
titutivo invocado). V., em atitude crtica posio dominante, BOTELHO DE
MESQUITA, Jos Igncio, cit, p. 197, BOTELHO DE MESQUITA, Jos Igncio.
Contedo da causa de pedir, Revista dos Tribunais, v. 564, 1982, p. 48 e, ainda,
SILVA, Ovdio Baptista da, Limites objetivos da coisa julgada no direito brasileiro
atual in Sentena e coisa julgada. Porto Alegre: Srgio Fabris, 1979, p. 166. 27 Em relao ao ru, admite o ordenamento jurdico que sejam deduzidas novas
alegaes em hipteses um pouco mais amplas, nos termos do art. 303 do CPC,
quando relativas a direito superveniente, sempre que competir ao juiz conhecer delas
de ofcio e no caso em que existir expressa disposio legal, tal como ocorre, por
exemplo, com a decadncia convencional, que no pode ser apreciada de ofcio, mas
pode ser suscitada a qualquer momento (art. 211 do Cdigo Civil). No h previso
neste dispositivo, porm, de introduo de novas alegaes relativas a fatos super-
venientes, matria disciplinada apenas no art. 462 do CPC, que ser objeto de consi-
derao neste estudo logo a seguir.
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RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14199
Assim, a mera reformulao da narrativa ftica de circunstn-
cias acidentais permitida no processo civil brasileiro, mesmo
aps ultrapassadas as etapas progressivas para a estabilizao
da demanda28
. Tal no se verifica, entretanto, em relao a fa-
tos essenciais supervenientes, que repercutam decisivamente
sobre a causa de pedir ou o pedido, o que seria vedado, em
princpio, em um sistema rgido como o brasileiro.
Uma possvel vlvula de escape contra inconvenientes
atribudos a um modelo rgido de estabilizao da demanda
poderia ser encontrada no art. 462 do CPC, segundo o qual
caber ao juiz tomar em considerao qualquer fato constituti-
vo, modificativo ou extintivo, desde que superveniente pro-
positura da ao. A doutrina, no entanto, na ausncia de par-
metros de compatibilizao entre esta norma e o tradicional
princpio da estabilizao da demanda, no tem chegado a um
consenso29
.
Assim, h quem sustente interpretao restritiva, limitan-
do a aplicabilidade do art. 462 do CPC a situaes que no
alterem o ncleo da prpria causa de pedir30
, de tal modo que 28 Entre outros, v. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil.
Tocantins: Intelectos, 2003, p. 168; BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos, O novo
processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 17; CRUZ E TUCCI,
Jos Rogrio, A causa petendi no processo civil..., cit., p. 196/197. Na jurisprudn-
cia, tambm entre outros, v. STJ, REsp 202.079/SP, Terceira Turma, rel. Min. Ant-
nio de Pdua Ribeiro, j. 28.5.2002, DJ 24.6.2002 (A simples explicitao dos fun-damentos da ao no constitui alterao da causa de pedir) e REsp 55.083/SP, Quarta Turma, rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j. 20.5.1997, DJ 4.8.1997
(A narrativa de circunstncias acidentais feita aps a contestao com intuito de esclarecer a petio inicial, sem modificao dos fatos e fundamentos jurdicos
delineados na pea de ingresso, no importa alterao da causa de pedir). 29 Reconhecendo a insuficincia da disciplina do fato superveniente no art. 462 do
CPC e sustentando que a norma se aplica tambm aos fatos de conhecimento super-
veniente, embora j ocorridos ao tempo do ajuizamento da demanda, v. DEGENS-
ZAJ, Daniel Raichelis. Alterao dos fatos no curso do processo e os limites da
modificao da causa petendi. 2010. Dissertao (Mestrado em Direito Processual)
Universidade de So Paulo, So Paulo, p. 91 e segs. 30 V., nesse sentido, FUX, Luiz, Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p. 179/180 e 419/420 (afirmando que o art. 462 do CPC apenas se
aplica a causas de pedir alegadas inicialmente, mas verificadas supervenientemente,
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14200 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
seu mbito de incidncia praticamente coincidiria com o art.
131 do CPC, que se refere apreciao de fatos no alegados pelas partes. H, por outro lado, quem lhe confira interpreta-o mais ampla, permitindo que quaisquer fatos supervenientes
sejam introduzidos no processo, j que o art. 462 do CPC no
prev qualquer restrio nesse sentido31
. Esta seria, segundo a
viso desses autores, verdadeira exceo estabilizao da
demanda. H, por fim, quem adote posio intermediria, ad-
mitindo que o art. 462 do CPC introduza alteraes em fatos
essenciais, mas apenas para as demandas que so consideradas
autodeterminadas e desde que se trate de fatos da mesma fatis-
pcie, ou seja, com idnticas caractersticas jurdicas dos fatos
alegados inicialmente32
.
A regra do art. 462 tem sido aplicada pela jurisprudncia
no apenas em primeira instncia, mas tambm em sede recur-
sal, at mesmo no mbito dos tribunais superiores, desde que
superados os bices de admissibilidade dos recursos excepcio-
nais33
. H, por outro lado, que se considerar ainda o art. 517 do
como, por exemplo, o transcurso do prazo para o divrcio durante o processo, no
regime anterior EC n 66/2010); ASSIS, Araken de, Doutrina e prtica do proces-
so civil contemporneo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 197/198; JAR-
DIM, Augusto Tanger, A causa de pedir no direito processual civil. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2008, p. 120/121. Em sentido semelhante, embora conferin-
do interpretao mais ampla e relacionando o art. 462 do CPC necessidade de que
as condies da ao, sobretudo o interesse de agir, estejam presentes desde o ajui-
zamento da ao at a sentena, CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio, cit., p. 202/207. 31 Entre outros, LACERDA, Galeno. O cdigo e o formalismo processual, Revista
da Associao dos Juzes do Rio Grande do Sul, v. 28, jul/1983, p. 12 (sustentando
que a norma do art. 462 do CPC seria revolucionria, mexendo com tantos dogmas
processuais que a doutrina, temerosa de avanar em mundo desconhecido, se enco-
lhe vacilante); BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do processo e
tcnica processual. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 136; PINTO, Junior Alexandre
Moreira, cit., p. 68/76. 32 V. GRECO, Leonardo, cit., p. 205/207. 33 O Superior Tribunal de Justia, de longa data, tem prestigiado tal entendimento,
como se verifica em STJ, REsp 2041/RJ, Quarta Turma, rel. Min. Slvio de Figuei-
redo Teixeira, j. 3.4.1990, DJ 7.5.1990 e, mais recentemente, em EDcl nos EDcl no
REsp 425.195/PR, rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 12.8.2008, DJe 8.9.2008
e REsp 327.004/RJ, Quarta Turma, rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j.
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RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14201
CPC, que permite suscitar questes de fato inditas na apela-
o, desde que se prove que a parte no a alegou anteriormente
por motivo de fora maior. A doutrina tem considerado que
essas questes de fato, assim como ocorre em relao ao art.
131 do CPC, no podem introduzir inovao causa de pedir34
,
tratando-se, mais uma vez, de fatos secundrios, acessrios.
Eventuais fatos essenciais supervenientes apenas podero ser
invocados nos limites do art. 462 do CPC, que, como se viu,
apresenta interpretao controvertida.
Independentemente da ampliao ou da restrio de seu
mbito de aplicao, absolutamente imprescindvel, de todo
modo, que os dispositivos ora analisados sejam revisitados
luz do contraditrio participativo e do dever de dilogo entre as
partes no processo e o rgo judicial. Nos termos do art. 131 do
CPC, o julgador pode conhecer de fatos e circunstncias no
alegadas pelas partes. O art. 462 do CPC permite, por sua vez,
que o juiz conhea de fatos essenciais, mesmo de ofcio. Isso
no significa, porm, que o juiz possa surpreender as partes,
decidindo com base em fatos no debatidos nos autos ou, pior
ainda, em causa de pedir sequer alegada.
A doutrina contempornea tem destacado a proibio das
chamadas decises surpresa, fundadas em questo de fato ou de
direito no debatidas no processo, como decorrncia do contra-
ditrio em sua dimenso participativa, do dever de boa-f com
que devem proceder os poderes pblicos ou, ainda, do dever de
14.8.2011, DJ 24.9.2001. No se pode, porm, utilizar o fato novo como fundamento
para o prprio recurso excepcional, que precisa ser admitido por outro motivo devi-
do exigncia de prequestionamento, como j se decidiu, por exemplo, em STJ,
AgRg no Ag 1.355.283/MS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 26.4.2011, DJ 4.5.2011. Em
doutrina, v. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de, cit., p. 181/182. 34 V., entre outros, BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos, Comentrios ao Cdigo de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. V, p. 456; SOUSA, Everardo de,
Do princpio da eventualidade no sistema do Cdigo de Processo Civil, Revista
Forense, v. 251, ago./set. 1975, p. 112; RUBIN, Fernando, A precluso na dinmica
do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 215/216.
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14202 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
colaborao no processo civil35
. Em boa hora, o projeto do no-
vo Cdigo de Processo Civil, que hoje se encontra na Cmara
dos Deputados (Projeto de Lei n 8.046/2010) explicita tal ve-
dao em seu art. 10, caput36
, caminhando na mesma direo
que outros cdigos processuais, em que a proibio das deci-
ses surpresas tambm expressa37
.
Mesmo na vigncia do CPC atual, que no contm regra
explcita a este respeito, o juiz no pode surpreender as partes
com fundamentos de fato ou de direito que no foram submeti-
dos ao crivo do contraditrio, sob pena de incorrer em flagrante
violao s garantias fundamentais do processo.
3. A TORRE DE BABEL NO ATUAL PROCESSO CIVIL
BRASILEIRO
A observao da atual disciplina da estabilizao da de-
manda no processo civil brasileiro demonstra que, quando o
legislador impe rgidas proibies, no demoram a surgir in-
consistncias em seu modelo aparentemente ideal. Alm disso,
a inexistncia de vlvulas de escape adequadamente dimensio-
35 Na doutrina estrangeira, o assunto no novo, como se observa, por exemplo, em
TROCKER, Nicol. Processo civile e costituzione Problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffr, 1974, p. 723/724 e em COMOGLIO, Luigi Paolo. La
garanzia costituzionale dellazione ed il processo civile. Padova: Cedam, 1970, p. 145/146. Entre os autores brasileiros, sobre o tema, destacam-se BEDAQUE, Jos
Roberto dos Santos, Os elementos objetivos da demanda luz do contraditrio in
CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio; BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos (Coord.), cit.,
p. 38/42; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de, cit., passim, especialmente p.
164/168; NERY JR., Nelson, Princpios do processo na Constituio Federal. So
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 221/230 e MITIDIERO, Daniel, Colaborao
no processo civil. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 149/156. 36 Assim prev o art. 10, caput do projeto do novo CPC: O juiz no pode decidir, em grau algum de jurisdio, com base em fundamento a respeito do qual no se
tenha dado s partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trata de matria
sobre a qual tenha que decidir de ofcio. 37 Nesse sentido, por exemplo, vejam-se o 139, 2 e 3 da ZPO alem, o art. 16 do
Noveau Code de Procdure Civile francs e o art. 3, n. 3 do Cdigo de Processo
Civil portugus.
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RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14203
nadas na legislao cria alguns pontos de estrangulamento para
os casos difceis, o que acaba estimulando a jurisprudncia a
criar algumas aberturas, mas de forma imprevisvel e casusti-
ca.
O Cdigo de Processo Civil em vigor abre espao para
inconsistncias com um modelo rgido de estabilizao da de-
manda em pelo menos dois pontos.
O primeiro aspecto inconsistente consiste na previso da
oposio interventiva, disciplinada no art. 59 do CPC38
. Como
se sabe, a oposio consiste em demanda por miro da qual ter-
ceiro deduz pretenso incompatvel com os interesses de autor
e ru de um processo de conhecimento pendente. Trata-se de
modalidade de interveno de terceiro que amplia subjetiva e
objetivamente os limites da demanda: o terceiro poder, at a
audincia de instruo e julgamento39
, ingressar no processo e
agregar-lhe novo pedido, formulado pelo opoente contra o au-
tor e o ru, a ser apreciado conjuntamente com os pedidos ori-
ginrios pela mesma sentena.
A contradio evidente: impede-se que o autor, por
exemplo, acrescente novo pedido ou causa de pedir aps o sa-
neamento do processo e mesmo com a concordncia do ru,
mas se permite livremente que terceiro, sem o consentimento
de nenhuma das partes originrias, ingresse em processo alheio
formulando novo pedido at a audincia de instruo e julga-
mento. Por isso que j se afirmou, logo no incio do presente
estudo, que no se mostra possvel separar totalmente os
fenmenos da modificao objetiva e subjetiva da demanda,
muito embora regulados em dispositivos separados no Cdigo
de Processo Civil em vigor, sob pena de incorrer em inconsis-
tncia.
38 Assim prev o art. 59 do CPC: A oposio, oferecida antes da audincia, ser apensada aos autos principais e correr simultaneamente com a ao, sendo ambas
julgadas pela mesma sentena. 39 Aps a audincia, haver lugar apenas para a oposio autnoma, nos termos do
art. 60 do CPC, que consiste em processo incidental proposto por terceiro.
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14204 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
O segundo ponto inconsistente diz respeito ao instituto da
conexo. Diante de um modelo rgido de estabilizao da de-
manda e vislumbrada, no curso do processo, a necessidade de
introduo de uma nova causa de pedir ou pedido relacionados
queles j deduzidos, mesmo aps superados os lapsos tempo-
rais previstos no art. 264 do CPC, o que fazer? Simples: bastar
propor uma nova demanda conexa, a ser distribuda por depen-
dncia ao processo originrio (art. 253, I do CPC). A depender
da fase processual em que a demanda originria se encontre,
ser possvel inclusive o julgamento conjunto de todas as cau-
sas de pedir e pedidos formulados (art. 105 do CPC).
O resultado dessa estratgia, como se percebe, conduzi-
ria, por via transversa, a resultado vedado pelo princpio da
estabilizao da demanda40
. Seria possvel ampliar os limites
do objeto litigioso a ser apreciado na sentena, ainda que, do
ponto de vista estritamente formal, tenham sido instauradas
duas aes conexas.
Em outras palavras, o legislador trancou a porta da frente
para a modificao da demanda, mas deixou escancarada a
porta dos fundos...
Ademais, existem ainda outras aberturas mais especficas
criadas pelo legislador, intencionalmente ou no, que igual-
mente possibilitam a alterao da demanda alm das hipteses
delineadas no art. 264 do CPC. Admite-se, por exemplo, a in-
cluso de matria fora dos limites postos na petio inicial e na
contestao a todo e qualquer momento no processo para fins
de homologao de transao (art. 475-N, III do CPC)41
. Da
mesma forma, a Lei de Execuo Fiscal permite, em seu art. 2,
8, que a Fazenda emende ou substitua a Certido de Dvida
40 V. LEONEL, Ricardo de Barros, cit., p. 246 e BUENO, Cssio Scarpinella, Curso
sistematizado de direito processual civil. So Paulo: Saraiva, 2011, v. 2, t. 1, p. 134. 41 E, por isso mesmo, j houve quem sustentasse que tal dispositivo teria atenuado o
rigor da estabilizao da demanda, como se verifica, por exemplo, em DIDIER JR.,
Fredie, Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodvm, 2009, v. 1, p.
435/436.
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RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14205
Ativa at a prolao de sentena nos embargos do executado, o
que corresponde a uma modificao da causa de pedir admitida
pela lei de forma excepcional, mesmo para fases mais avana-
das do processo, como j reconhecido expressamente em acr-
do do Superior Tribunal de Justia42
.
Continuando, assim, a ilustrao proposta anteriormente,
o Cdigo de Processo Civil em vigor fechou a porta da frente
para a modificao da demanda aps a fase de saneamento,
mas no apenas permitiu que ficasse escancarada a porta dos
fundos, como tambm deixou abertas vrias janelas pela casa
inteira.
A previso dessas aberturas, em si mesma, elogivel
por atenuar os rigores de um sistema excessivamente rgido. O
que se critica, entretanto, a absoluta ausncia de sistematici-
dade no tratamento da matria. H a certa hipocrisia normati-
va: o legislador apresenta um discurso de estabilizao rpida
da demanda para preservar a celeridade processual e o direito
de defesa do ru, mas sabe que no possvel isolar totalmente
o processo dos efeitos do tempo, bem como de eventuais alte-
raes fticas ou normativas. Elaboram-se, ento, sadas proce-
dimentais casusticas, sem preocupao em estabelecer um
sistema harmnico que possa conferir segurana jurdica.
A situao se agrava ainda pelo fato de que no esto cla-
ramente definidos, no processo civil brasileiro, os limites para
a aplicao do tradicional brocardo jurdico do iura novit curia,
segundo o qual o juiz conhece o direito, devendo aplic-lo de
ofcio aos fatos alegados pelas partes43
. H quem sustente in-
terpretao ampliativa, permitindo que o juiz varie a qualifica- 42 V. STJ, REsp 504.168/SE, Segunda Turma, rel. Min. Franciulli Netto, j.
19.8.2003, DJ 28.10.2003 (Extrai-se da ementa do acrdo a afirmao de que a Fazenda Pblica tem a prerrogativa de alterar a causa petendi no curso da ao
executiva). O mesmo entendimento se encontra em ASSIS, Araken de. Manual do processo de execuo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 813. 43 Sobre os aspectos histricos do iura novit curia, v. amplamente BAUR, Fritz, Da
importncia da dico iura novit curia, Revista de Processo, v. 3, jul./set. 1976, v.
169/177.
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14206 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
o jurdica apresentada, desde que se atenha aos fatos que
foram trazidos ao processo pelas partes44
. Autores h, por outro
lado, que sustentam que o juiz est autorizado somente a corri-
gir a indicao dos dispositivos legais apontados pelas partes,
mas no alterar a relao jurdica de direito material invoca-
da45
.
Parece correto, no entanto, que se limite a incidncia do
iura novit curia apenas ao dispositivo legal invocado pelas
partes, sob pena de vulnerar no somente o princpio do con-
traditrio, como tambm o princpio da demanda. O juiz no
pode surpreender as partes com uma nova qualificao jurdica
sequer suscitada e as partes tm o direito de delimitar, subjetiva
e objetivamente, os limites em que ser exercida a jurisdio,
no se devendo permitir que o Estado interfira arbitrariamente
na esfera de liberdade individual dos litigantes sem a sua pro-
vocao46
. No se pode desprezar a previso, no art. 282, III do
CPC, de que o autor indique na inicial os fundamentos jurdi-
cos do pedido, sendo o contraditrio o principal motivador des-
se requisito47
. O iura novit curia deve, assim, ser limitado
correo do nomen iuris ou dos dispositivos legais invocados48
.
44 V., entre outros, BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos, Os elementos objetivos...,
cit., p. 32. 45 V. GRECO, Leonardo, cit., p. 204; PINTO, Junior Alexandre Moreira, cit., p.
83/87 (afirmando, porm, que o juiz poderia considerar causa de pedir diversa, desde
que antes consultasse as partes); JARDIM, Augusto Tanger, cit., p. 121; CRUZ, Jos
Raimundo Gomes da, Causa de pedir e interveno de terceiros, Revista dos Tribu-
nais, v. 662, dez. 1990, p. 48. 46 Sobre a relao entre o princpio da demanda e a proteo da liberdade individual
contra interferncias arbitrrias do Estado, v. GRECO, Leonardo, cit., p. 537/539. 47 V. PINTO, Junior Alexandre Moreira, cit., p. 87. 48 Alcana-se, assim, soluo que parece semelhante delineada no art. 218.1 da
LEC espanhola, segundo o qual o tribunal sin apartarse de la causa de pedir acu-diendo a fundamentos de hecho o de Derecho distintos de los que las partes hayan
querido hacer valer, resolver conforme a las normas aplicables al caso, aunque no
hayan sido acertadamente citadas o alegadas por los litigantes. Mesmo assim, dada a abertura dos termos utilizados no aludido dispositivo, a matria ainda bastante
controvertida na doutrina daquele pas, como se observa em SNCHEZ, Guillermo
Ormazabal, Iura novit curia La vinculacin del juez a la calificacin jurdica de la
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RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14207
Dessa forma, por exemplo, em uma reintegrao de posse
sob o fundamento de que o autor teria cedido o imvel ao ru
em regime de comodato, o juiz pode corrigir o dispositivo legal
invocado na petio inicial se o demandante, por equvoco,
referiu-se a alguma norma sobre locao. O julgador no pode-
r, entretanto, acolher o pedido do autor, caso entenda que a
relao jurdica de direito material existente entre as partes era
de locao e estaria presente algum dos motivos para a sua re-
soluo. Nessa hiptese, alm de exercer jurisdio sobre causa
de pedir diversa da invocada na petio inicial, o juiz surpreen-
deria o ru com uma nova qualificao jurdica.
Nada obstante, ainda h muita controvrsia sobre todos
esses pontos. O resultado de um modelo que adota um discurso
formal excessivamente rgido, mas com aberturas pouco defi-
nidas, um sistema processual contraditrio, inconsistente e
com previso de vlvulas de escape insuficientes.
Mesmo a possibilidade de reunio de aes conexas, que
aparenta ser a abertura mais geral no sistema de estabilizao
da demanda regulado no Cdigo de Processo Civil atual, en-
contra limites. Se a ao originria estiver em fase avanada, a
reunio dos processos para julgamento conjunto poder no
mais ser vivel, sobretudo se j tiver sido proferida sentena
em um deles49
. Alm disso, tal alternativa no ser capaz de
lidar com possveis erros no maliciosos cometidos pelo autor
no incio do processo quanto causa de pedir ou ao pedido,
nem com eventual necessidade de ajuste de suas alegaes s
teses defensivas apresentadas pelo ru.
demanda. Madrid: Marcial Pons, 2007, p. 48/58 (relacionando autores que sustentam
uma menor amplitude do iura novit curia, respeitando a qualificao jurdica apre-
sentada pelas partes, como Andrs de la Oliva Santos e Isabel Tapia Fernndez; e
outros que admitem a alterao da qualificao jurdica pelo juiz, desde que obser-
vados os limites dos fatos jurgenos alegados no processo, como Juan Montero
Aroca e Manuel Ortells Ramos). 49 Aplica-se, neste caso, o entendimento consolidado na Smula 235 do Superior
Tribunal de Justia: A conexo no determina a reunio dos processos, se um deles j foi julgado.
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14208 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
No surpreende, diante desse quadro, que a jurisprudn-
cia promova aberturas casusticas ao regime de estabilizao da
demanda disciplinado na legislao vigente, at mesmo em
prestgio ao princpio da efetividade da jurisdio, aproveitan-
do-se, entre outros fundamentos, das controvrsias doutrinrias
sobre os limites de aplicabilidade do art. 462 do CPC e do ad-
gio iura novit curia. Relativamente freqentes so tambm os
casos de interpretao compreensiva do pedido, ou seja, inter-
preta-se de forma ampla o pedido formalmente deduzido, a fim
de extrair dele o pedido que realmente deveria ter sido subme-
tido apreciao do julgador50
, para alm dos casos de pedidos
considerados implcitos (como os juros legais de mora e a cor-
reo monetria), colocando em risco as garantias do contradi-
trio e da ampla defesa asseguradas ao ru51
.
Assim, j se pode questionar at que ponto, na prtica, o
direito brasileiro pode continuar a ser enquadrado como um
sistema absolutamente rgido de estabilizao da demanda.
Nesse sentido, recentes estudos sobre a jurisprudncia do Supe-
rior Tribunal de Justia corroboram tal constatao.
Um dos primeiros estudos sobre a matria no mbito do
Superior Tribunal de Justia foi realizado por Daniela Monteiro
Gabbay para a sua dissertao de mestrado defendida em 2007
na Universidade de So Paulo. Publicada em formato comerci-
al no ano de 201052
e abrangendo um total de duzentos e seten-
ta e um julgados proferidos por aquele tribunal no perodo 50 Nesse sentido, entre outras hipteses, o Superior Tribunal de Justia tem conside-
rado que pedidos genricos de indenizao (condenao nas perdas e danos) auto-rizam a condenao do ru em danos materiais e morais ou, tratando-se de questo
que envolva apenas danos materiais, em danos emergentes e lucros cessantes. V.,
exemplificativamente, STJ, AgRg no Ag 1332176/PR, Quarta Turma, rel. Min.
Joo Otvio de Noronha, j. 2.8.2011, DJe 9.8.2011; AgRg no REsp 994827/RS,
Primeira Turma, rel. Min. Halmilton Carvalhido, j. 28.9.2010, DJe 4.11.2010; REsp
779.805/DF, Quarta Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 14.11.2006; DJ
12.2.2007. 51 V., no mesmo sentido do texto, GUEDES, Cintia Regina, cit., p. 281. 52 V. GABBAY, Daniela Monteiro, Pedido e causa de pedir. So Paulo: Saraiva,
2010.
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RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14209
compreendido entre agosto de 1989 e setembro de 2006, a pes-
quisa chegou s seguintes concluses relevantes para o presen-
te trabalho:
a) a regra da correlao da sentena ao pedido tem sido
formalmente observada, mas so muito frequentes os casos em
que sua aplicao ocorre de forma no estrita, ou seja, o jul-gado considera que no houve extrapolao do pedido, mas
admite uma interpretao ampliativa dos elementos objetivos
delimitados na inicial. Os julgados que aplicaram a regra da
correlao de forma no estrita atingiram 60,71% no caso de direitos tidos como disponveis e impressionantes 75,94% para
os casos que envolveram direitos considerados indisponveis53
;
b) em conseqncia disso, possvel afirmar que a regra
da correlao costuma ser observada com menor rigor para os
direitos indisponveis, mas tambm em nmero bastante ex-
pressivo de casos envolvendo direitos disponveis possvel
observar uma interpretao consideravelmente flexvel da re-
gra;
c) a observncia do contraditrio e a ausncia do prejuzo
so fatores que podem atenuar a observncia da regra da corre-
lao. Nesse sentido, um dos julgados analisados considerou
expressamente que a alterao da qualificao jurdica pelo juiz
no poder ocorrer se houver prejuzo ao direito de defesa;
entretanto, se a nova qualificao se adequar perfeitamente s
pretenses deduzidas, sem qualquer influncia na instruo do
53 V. GABBAY, Daniela Monteiro, cit., p. 147/148. Mais frente, o estudo indica
que os percentuais so aproximadamente os mesmos em todas as seis turmas do
Superior Tribunal de Justia, variando entre 64% (Quarta Turma) e 82% (Segunda
Turma), afastando possvel suposio de idiossincrasia de alguns de seus rgos
fracionrios. At mesmo a pequena diferena apontada, por exemplo, entre as Pri-
meira e Segunda Turmas, com os maiores percentuais encontrados (74% e 82%) e as
Terceira e Quarta Turmas, com os menores percentuais (67% e 64%) decorre das
matrias de competncia dos rgos fracionrios, j que as matrias envolvendo
direito pblico em geral, de competncia das duas primeiras turmas do Superior
Tribunal de Justia, frequentemente envolvem direitos indisponveis.
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14210 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
processo, no haver limite para a atuao do juiz54
;
d) h hipteses de pedidos implcitos que so admitidos
de forma pacfica pelo Superior Tribunal de Justia55
.
A autora do estudo em anlise conclui, a partir desses da-
dos empricos, que a quebra da rigidez procedimental e a flexi-
bilidade na interpretao da regra da correlao da sentena ao
pedido que vem sendo aplicada pela jurisprudncia do Superior
Tribunal de Justia revelam a necessidade de se repensar os
elementos objetivos da demanda no direito brasileiro, o que
dependeria sobretudo, em sua viso, de uma considerao mais
dinmica e dialogal do objeto do processo56
.
Outro estudo ainda mais amplo sobre o tema foi apresen-
tado na dissertao de mestrado de Elias Gazal Rocha, defen-
dida em 2009 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro57
.
A pesquisa, que analisou um nmero substancialmente maior
de julgados do Superior Tribunal de Justia, indica que, apesar
da aparente singeleza das normas contidas nos arts. 264 e 294
do CPC, a estabilizao da demanda suscita muitos debates em
todos os estgios processuais.
Nas fases processuais que antecedem o ingresso do ru
no processo, aponta a pesquisa que pode haver restries alte-
rao da demanda nos seguintes casos:
a) indeferimento de medidas liminares inaudita altera
parte, em que o autor por vezes acresce s suas razes recursais
argumentos que modificam a causa de pedir ou o pedido, o que
poder, eventualmente, prejudicar o direito de defesa do ru,
visto que o prazo de resposta para o recurso costuma ser inferi-
or ao da contestao58
; 54 V. GABBAY, Daniela Monteiro, cit., p. 156/157. 55 V. GABBAY, Daniela Monteiro, cit., p. 157/159. 56 V. GABBAY, Daniela Monteiro, cit., p. 159/160. 57 V. ROCHA, Elias Gazal. Modificao do pedido e da causa de pedir, na juris-
prudncia do Superior Tribunal de Justia, como instrumento do acesso justia.
2009. Dissertao (Mestrado em Direito Processual) Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 58 V. ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 60/66 (apresentando consideraes semelhantes
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RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14211
b) indeferimento da inicial de ao rescisria, caso que o
Superior Tribunal de Justia, quando se considera incompeten-
te para o processamento e julgamento do feito, costuma extin-
guir o processo, sem resoluo de mrito, em vez de encami-
nhar os autos ao tribunal competente59
;
c) opo pelo rito dos Juizados Especiais Cveis e renn-
cia ao valor excedente ao limite de quarenta salrios mnimos
(art. 3, 3 da Lei n 9.099/95), o que acarreta, ainda que de
modo indireto, modificao do pedido formulado antes mesmo
do ingresso do ru na lide60
.
Entre a citao do demandado e a fase de saneamento, o
estudo apresenta ainda algumas consideraes a respeito da
relativizao da exigncia de anuncia do ru para a modifica-
o da demanda. Considerou-se que a jurisprudncia do Supe-
rior Tribunal de Justia tem admitido a anuncia tcita do ru,
quando este se limita a impugnar os novos fundamentos trazi-
dos pelo autor61
. Apontou-se, ainda, que o consentimento do
ru tem sido dispensado sempre que a modificao da demanda
no lhe acarretar prejuzo, ou no decorrer da conduta do autor,
mas das circunstncias dos autos ou de qualquer outra razo
atribuda ao prprio ru62
. A anuncia do ru tem sido dispen-
sada tambm em alguns procedimentos especiais de interesse tambm para o caso de sentena liminar de improcedncia disciplinado no art. 285-
A do CPC). 59 V. ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 66/69. Curioso observar que, no mbito dos
mandados de segurana de sua competncia originria, os tribunais superiores tam-
bm determinavam a sua extino sem resoluo de mrito, em vez de encaminhar
os autos ao rgo competente. No entanto, a partir do julgamento do Supremo Tri-
bunal Federal no caso MS ED 25.087/SP, Pleno, rel. Min. Carlos Britto, j.
21.9.2006, DJe 11.5.2007, a orientao se alterou e atualmente tem prevalecido o
entendimento, com o qual se concorda, de encaminhamento do processo ao rgo
competente. Sobre a discusso, entre outros, ROQUE, Andre Vasconcelos; DUAR-
TE, Francisco Carlos, Mandado de segurana. Curitiba: Juru, 2011, p. 27/28. 60 V. ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 69/72. 61 V., nesse sentido, STJ, REsp 21.940/MG, Terceira Turma, rel. Min. Eduardo
Ribeiro, j. 9.2.1993, DJ 8.3.1993. 62 V., sobre o ponto, os diversos julgados do Superior Tribunal de Justia relaciona-
dos por ROCHA, Elias Gazal, cit., p.79/81 (notas 148 a 154).
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14212 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
pblico, sendo ainda permitida a alterao da causa de pedir ou
do pedido na hiptese de litisconsrcio passivo, quando apenas
alguns rus j tenham oferecido contestao, at que seja reali-
zada a citao do ltimo ru, sob o entendimento de que o pra-
zo para a resposta ainda no se iniciou63
.
Ainda nesta fase processual, o estudo aponta que a juris-
prudncia do Superior Tribunal de Justia tem permitido a
emenda da petio inicial aps a apresentao de contestao
quando tal providncia for necessria para sanar eventual inp-
cia ou, ainda, decorrer da prpria legislao processual, tal co-
mo se verifica no caso de incluso de litisconsorte necessrio,
nos termos da regra contida no art. 47, pargrafo nico do
CPC. A razo fundamental para estas excees regra geral
estabelecida no art. 264 do CPC, segundo o autor da pesquisa,
est na possibilidade de o autor propor nova ao, quando a
anterior houver sido extinta sem resoluo de mrito64
.
Um dos dados mais impressionantes neste estudo, toda-
via, se refere s fases que sucedem o saneamento do processo,
em relao s quais o Cdigo de Processo Civil vigente faria
supor, como regra geral, a estabilizao definitiva da demanda,
ainda que as partes concordassem em modificar seus elemen-
tos. Nesse sentido, a pesquisa aponta nada menos que onze
possibilidades de modificao da demanda aps o saneador,
quais sejam: a) continncia da ao por outra, mais recente; b)
reduo do elemento objetivo da demanda; c) correo da cer-
tido de dvida ativa em execuo fiscal; d) aplicao da lei
tributria mais benfica; e) inexistncia de precluso pro judi-
cato; f) modificao no intencional da demanda, desde que
com respeito ampla defesa e ao contraditrio; g) homologa-
o de transao sobre matria no trazida ao Judicirio; h)
converso da tutela especfica em indenizao pecuniria e 63 V. STJ, REsp 804.255/CE, Terceira Turma, rel. Min. Humberto Gomes de Barros,
j. 14.2.2008, DJe 5.3.2008 e REsp 482.087/RJ, Quarta Turma, rel. Min. Barros
Monteiro, j. 3.5.2005, DJ 13.6.2005. 64 V. ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 82/88.
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RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14213
adequao do meio executivo originrio ao caso concreto; i)
mudana da forma de liquidao do julgado; j) prolao de
sentena ilquida para pedido certo e sentena lquida para pe-
dido genrico; l) ocorrncia de fatos supervenientes, mediante
interpretao ampliativa do art. 462 do CPC65
.
Conclui o autor, assim, que o Superior Tribunal de Justi-
a no tem afastado de forma absoluta a modificao da de-
manda fora dos casos previstos em lei, em prestgio do direito
material efetivamente discutido no processo, e procurando res-
peitar o direito ao contraditrio e ampla defesa do demanda-
do66
.
Ainda que se possa discutir se todas as inmeras hipte-
ses trazidas nos estudos ora indicados representam efetivamen-
te modificao da demanda fora do regime geral que se encon-
tra delineado nos arts. 264 e 294 do CPC, inegvel que a ju-
risprudncia vem realizando flexibilizaes mais ou menos
amplas no modelo rgido de estabilizao da demanda origi-
nalmente delineado pelo legislador67
. O problema que essas
aberturas so realizadas de forma absolutamente casustica, de
tal maneira que atualmente j no se tem muita certeza de quais
hipteses admitem ou no alterao da causa de pedir ou do
pedido fora dos casos regrados em lei.
Quando possvel a modificao da demanda aps a ci-
tao? E aps a fase de saneamento? Como se percebe pela
exposio apresentada acima, no possvel, luz do processo
civil brasileiro contemporneo, responder a tais questionamen-
tos de forma objetiva. Chega-se, assim, a uma verdadeira torre
de Babel, marcada pela insegurana jurdica e instabilidade,
65 V., amplamente, ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 88/133. 66 V. ROCHA, Elias Gazal, cit., p. 359/360. 67 Nesse sentido, GRECO, Leonardo, cit., v. II, p. 34/35 (Estou convencido de que o sistema brasileiro cuja origem remonta tradio da litiscontestao quase con-tratual do Direito Romano e ao qual se contrapem outros sistemas como o alemo apresenta mais desvantagens do que vantagens, o que tem levado a jurisprudncia
brasileira a abrir-lhe inmeras excees...).
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14214 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
colocando em risco importantes garantias processuais, tais co-
mo o contraditrio, a lealdade processual e a durao razovel
do processo.
Por isso mesmo, embora haja quem sustente que uma in-
terpretao ampliativa das normas do atual Cdigo de Processo
Civil seria suficiente para conformar eventuais pontos de es-
trangulamento de estabilizao da demanda68
, vozes na doutri-
na surgiram defendendo a necessidade de alterao legislativa
na matria69
.
4.A PROPOSTA ORIGINAL DO ANTEPROJETO
Ao final de setembro de 2009, por meio do Ato n 379,
do Presidente do Senado Federal, constituiu-se uma Comisso
de Juristas encarregada de elaborar um anteprojeto de novo
Cdigo de Processo Civil. Entre os objetivos principais do an-
teprojeto, podem ser enumerados os seguintes: estabelecer ver-
dadeira sintonia fina do processo civil com a Constituio da
Repblica, criar condies para o julgamento de forma mais
rente realidade ftica subjacente causa; simplificar subsis-
temas do processo civil, como, por exemplo, o sistema recur-
sal; otimizar o rendimento de cada processo e, por derradeiro,
imprimir maior coeso e organicidade ao sistema processual70
.
No que interessa ao tema do presente estudo, interes-
68 V., sobre o ponto, entre outros, BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos, Os elemen-
tos objetivos..., cit., p. 35/36 e PINTO, Junior Alexandre Moreira, cit., p. 68/76
(sustentando a possibilidade de modificao de elementos objetivos da demanda
aps o marco temporal delimitado no art. 264 do CPC, desde que garantidos o con-
traditrio e a ampla defesa do demandado). 69 V. MITIDIERO, Daniel, cit., p. 130; RUBIN, Fernando, cit., p. 224/225; TEI-
XEIRA, Guilherme Freire de Barros, cit., p. 303/310 e DEGENSZAJ, Daniel Rai-
chelis, cit., p. 171/172 (embora sustentando que, mesmo sem a edio de lei nova,
recomendvel para proporcionar segurana e estabilidade, seria possvel interpretar
as regras processuais vigentes conforme a Constituio para assegurar certa flexibi-
lidade). 70 Esses objetivos esto todos relacionados na exposio de motivos apresentada
pela Comisso de Juristas ao Presidente do Senado Federal, Senador Jos Sarney.
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RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14215
sante analisar como surgiu a proposta original do anteprojeto,
que promovia maior flexibilidade na matria.
Analisando-se a ata da 1 reunio da Comisso de Juris-
tas, realizada em 30 de novembro de 2009, observa-se que a
proposta de ampliar as possibilidades de alterao dos elemen-
tos objetivos da demanda surgiu no de forma autnoma, mas
incorporada em outra proposta mais ampla, de incremento dos
poderes do juiz no processo.
Para melhor visualizar a questo, cumpre destacar a se-
guinte passagem da ata da 1 reunio, na qual se falou pela
primeira vez neste assunto: ORADOR NO IDENTIFICADO [02:24:52]: Tem,
quase todos eles. Eu botei alguns poderes, alguns... Por
exemplo, adequar s fases e atos processuais as especifica-
es do conflito, de modo a conferir maior efetividade tutela
do bem jurdico, respeitando-se o contraditrio e ampla defe-
sa. Seria como uma possibilidade de variao de procedimen-
to. Eu acho isso importante hoje para no ficar apegado
forma.
(...)
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Ampliar
os poderes do juiz?
ORADOR NO IDENTIFICADO [02:25:28]: Am-
pliao dos poderes do juiz, primeiro para adequar fase e
atos processuais as especificaes do conflito, se necessrio,
respeitando os contraditrios e ampla defesa; para permitir
alterao do pedido na causa do pedido em determinadas hi-
pteses, assegurando sempre ampla defesa. Os processos
chegam no final todo pronto, mas tem um detalhe da causa de
pedido que faltou, voc vai extinguir o processo mesmo no
pedido... Possibilitar que o juiz faa essa adequao tambm.
(...)71
Infelizmente, pela transcrio da ata, no foi possvel de-
terminar de quem partiu a proposta de maior flexibilidade na
modificao da demanda. Nada obstante, o fato de que ela sur-
71 SENADO FEDERAL, Comisso de Juristas Novo Cdigo de Processo Civil Ata da 1 reunio, p. 64, obtida em www.senado.gov.br (acessado em 18 de setem-
bro de 2011). Grifos nossos.
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14216 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
giu inserida em uma proposta mais abrangente de ampliao
dos poderes do juiz no processo no deixa de conferir certa
razo aos ensinamentos de Corrado Ferri, para quem os siste-
mas processuais com maior carga de inquisitoriedade, ou seja,
que concedessem ao juiz maior iniciativa em matria de inves-
tigao ftica e determinao dos meios de prova a serem pro-
duzidos, admitiriam a alterao da demanda em maior amplitu-
de que um sistema em que predominasse o princpio dispositi-
vo72-73
.
verdade que no existe uma vinculao necessria: sis-
temas processuais com fortes traos de dispositividade poderi-
am, pelo menos em tese, admitir a modificao da demanda de
forma bastante ampla. O contrrio tambm seria verdadeiro, na
medida em que a ampla iniciativa assegurada ao juiz em mat-
ria ftico-probatria em um modelo inquisitorial poderia estar
limitada aos elementos objetivos da demanda que tenham sido
indicados pelo autor na petio inicial74
. Apesar das ressalvas,
no se pode negar que h certa tendncia de que inquisitorieda-
72 V FERRI, Corrado, cit., p. 49 (analisando o processo civil sovitico na poca e
concluindo que, em um sistema inquisitrio, h espao mais amplo para a modifica-
o da demanda). 73 importante ressalvar, todavia, que no existe na atualidade sistema processual
puramente dispositivo, nem totalmente inquisitorial. O que varia so apenas as
cargas desses dois princpios e o seu equilbrio nos diversos ordenamentos processu-
ais. Sobre o ponto, de forma geral, v. BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos, O pro-
cesso civil contemporneo: um enfoque comparativo in Temas de Direito Processu-
al (Nona Srie). So Paulo: Saraiva, 2007, p. 41/42; JOLOWICZ, J. A., Modelos
adversarial e inquisitorial de processo civil. Trad. Jos Carlos Barbosa Moreira.
Revista Forense, ano 100, n. 372, mar./abr. 2004, p. 135; TROCKER, Nicol; VA-
RANO, Vincenzo, Concluding remarks in TROCKER, Nicol; VARANO, Vincen-
zo. (Org.), The reforms of civil procedure in comparative perspective. Torino: G.
Giappichelli, 2005, p. 245. 74 Tal constatao refora a absoluta correo em se distinguir o princpio da de-
manda ou da iniciativa das partes, que se refere inrcia do juiz quanto s questes
de direito material do princpio dispositivo, que diz respeito diviso de trabalho
entre juiz e partes uma vez j instaurado o processo, sobretudo quanto iniciativa
relativa aos fatos e s provas a serem produzidas. V., sobre a distino apontada,
SANTOS, Moacyr Amaral, cit., v. 2, p. 104 e 106/107 e GRECO, Leonardo, cit., v.
1, p. 546.
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RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14217
de e maior amplitude da modificao da demanda caminhem
juntas e o anteprojeto do novo CPC refora essa concluso.
O assunto voltou a ser debatido de forma mais aprofun-
dada por ocasio da 10 reunio da comisso de juristas, reali-
zada em 22 de abril de 2010. Neste momento, j se discutia a
redao final dos artigos no anteprojeto e a anlise da ata evi-
dencia que a principal preocupao da comisso de juristas
consistiu em estabelecer em quais casos a modificao da de-
manda passaria a ser permitida, sem que se estimulasse a eter-
nizao dos conflitos e a deslealdade das partes no processo: SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Poder
o autor aditar ou modificar o pedido ou a causa do pedir, des-
de que o faa de boa-f, isso a um... e o aditamento ou al-terao no seja suscetvel e causar excessiva demora no pro-
cesso... Isso a... Ou vai ou no vai, ou deixa ou no deixa. Esses critrios abertos...
SR. ADROALDO FURTADO FABRCIO: Fui eu que
mandei essa observao para a Teresa.
SR. JOS MIGUEL GARCIA MEDINA: Olha, eu en-
tendo o seguinte. Eu vou falar uma coisa...
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: muito
salamaleque. Aqui no d.
SR. JOS MIGUEL GARCIA MEDINA: No, no.
Mas eu acho que um freio tem que colocar, porque de repente
vem o autor, est chegando a hora de proferir a sentena e ele
quer acrescentar um pedido. Ou at o prprio ru. No, no
seria o caso...
SR. ADROALDO FURTADO FABRCIO: Se tiver
pedido contraposto pode.
SR. JOS MIGUEL GARCIA MEDINA: Da o Juiz,
me parece que o Juiz vai ter que ter a condio de dizer as-
sim: No, aqui no d, voc que mova outra ao. 75
A discusso sobre o tema na comisso conduziu a uma
soluo de compromisso. A modificao da demanda seria
admitida at a sentena, como se buscava na proposta original,
75 SENADO FEDERAL, Comisso de Juristas Novo Cdigo de Processo Civil Ata da 10 reunio, p. 2026/2027, obtida em www.senado.gov.br (acessado em 18 de
setembro de 2011)
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14218 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
mas desde que isso no ampliasse o objeto da prova, conforme
se depreende das passagens abaixo destacadas: SR. HUMBERTO THEODORO JNIOR: Eu acho
que podia fazer, seria um freio, dizer que essas mudanas
no sejam aquelas que exijam novas provas, que sejam...
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: No am-
pliem o objeto da prova.
SR. JOS MIGUEL GARCIA MEDINA: Perfeito.
SR. HUMBERTO THEODORO JNIOR: Isso, por-
que s vezes...
SR. JOS ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE:
Ah, sim.
SR. JOS MIGUEL GARCIA MEDINA: A timo.76 (...)
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Ento vamos l.
SR. ADROALDO FURTADO FABRCIO: Eu acho
que essa restrio interessante.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Vamos
comear. interessante.
SR. ADROALDO FURTADO FABRCIO: Essa pos-
sibilidade da restringir a que no afete em nada na matria de
fato.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Ento
vamos aqui. Vamos botar diferente: O autor poder, at o saneamento. At o saneamento, no foi?
SR. ADROALDO FURTADO FABRCIO: No, eu
at acharia que at, com essa restrio que o Humberto pro-
pe, eu acho que at poderia ficar.
SRA. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER: Eu
tambm acho.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Ficar as-
sim, ento fica assim: O autor poder at o momento da pro-lao da sentena aditar ou modificar o pedido ou a causa de
pedir, desde que no amplie o objeto da prova.77
Na ata da 12 reunio da comisso de juristas, realizada
em 27 e 28 de abril de 2010, ainda que o tema da modificao
da demanda no tenha sido discutido de forma especfica, en- 76 SENADO FEDERAL, cit., p. 2027/2028. 77 SENADO FEDERAL, cit., p. 2029.
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RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14219
contra-se nova referncia ao assunto, dando conta de que a
proposta de permitir novas hipteses de alterao dos elemen-
tos objetivos da demanda estava ligada ao princpio da econo-
mia processual que, como j visto neste estudo, constitui um
dos fundamentos dos sistemas processuais flexveis na matria: SRA. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER: E
colocssemos nos poderes do Juiz, se for o caso, dentro de
certos limites, a possibilidade de correo da legitimao pas-
siva. Por que eu estou dizendo isso? Eu estou colocando nas
entrevistas que eu estou dando, e mesmo na exposio de mo-
tivos, que depois vou mostrar para vocs o esboo que eu es-
tou fazendo, essa ideia de que na economia processual est
includa a necessidade de se extrair do processo tudo aquilo
que ele pode dar. Ento, na verdade, o processo pode ficar
um pouquinho mais complicado, mas compensa, porque a
no tem outro. Ento, no fundo essa a ideia de todas as in-
tervenes de terceiro, assim como a ideia embutida na
possibilidade de mudar o pedido, mudar a causa de pedir.
Ento as pessoas esto me perguntando: Mas no vai ficar o processo mais complicado? Vai, mas em compensao aquele e acabou. Todas as complicaes, entre aspas, que ns
criamos para recursos especiais e para recurso extraordinrio
so para isso. Porque se fica a ao decidida por um funda-
mento s, vai ter outra. Lgico. Ento essa uma ideia inte-
ressante que a gente poderia, digamos, reforar do ponto de
vista dela estar efetivamente presente no nosso Cdigo, colo-
cando a nomeao autoria nesses termos.78
Ao longo das atas disponibilizadas pelo Senado Federal,
no se encontra mais nenhuma outra discusso sobre o tema da
modificao da demanda.
Surpreendentemente, todavia, o anteprojeto do novo CPC
apresenta uma norma sobre o tema com modificaes bastante
78 SENADO FEDERAL, Comisso de Juristas Novo Cdigo de Processo Civil Ata da 12 reunio, p. 23/24, obtida em www.senado.gov.br (acessado em 18 de
setembro de 2011). Essa foi tambm a tnica encontrada na exposio de motivos do
anteprojeto elaborada pela comisso: O novo sistema permite que cada processo tenha maior rendimento possvel. (...) As partes podem, at a sentena, modificar
pedido e causa de pedir, desde que no haja ofensa ao contraditrio. De cada proces-
so, por esse mtodo, se obtm tudo o que seja possvel.
-
14220 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
substanciais em relao ao que ficou discutido nas atas. A limi-
tao imposta quanto ao objeto da prova, que tinha sido a solu-
o de compromisso alcanada na 10 reunio da comisso, j
no mais estava mais presente. Alm disso, assegurou-se ex-
pressamente, de forma elogivel, o direito de a parte contrria
se manifestar sobre a modificao da demanda e produzir pro-
va suplementar, resguardando-se o princpio do contraditrio.
Ao que tudo indica, portanto, a discusso avanou na
comisso de juristas sem que isto tivesse sido registrado em
qualquer ata de reunio.
De todo modo, assim ficou redigido o art. 314 do ante-
projeto, que tratava da modificao dos elementos objetivos da
demanda: Art. 314 O autor poder, enquanto no proferida a
sentena, alterar ou aditar o pedido e a causa de pedir, desde
que o faa de boa-f e que no importe em prejuzo para o
ru, assegurado o contraditrio mediante a possibilidade de
manifestao deste no prazo mnimo de quinze dias, facultada
a produo de prova suplementar.
Pargrafo nico. Aplica-se o disposto neste artigo ao
pedido contraposto e respectiva causa de pedir.
O dispositivo em anlise certamente promoveria maior
flexibilidade na matria e, dados os relevantes fundamentos
tanto de um sistema de maior rigidez quanto de um modelo
mais flexvel, a adequada soluo somente pode ser encontrada
em um ponto de equilbrio, que envolver necessariamente a
anlise do caso concreto. No parece, desse modo, ser possvel
fugir de conceitos jurdicos indeterminados (por exemplo,
aboa-f) como se tentou na 10 reunio da comisso de juris-tas. Entendimento contrrio acabaria por engessar o juiz nos
casos difceis, criando pontos de tenso a exigir novas vlvulas
de escape, ainda que em menor escala, como j se observa no
regime atual.
Isso no quer dizer, todavia, abertura absoluta e irrestrita.
O dispositivo original do anteprojeto pecava por estabelecer
apenas um nico critrio de avaliao para o juiz, absolutamen-
-
RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14221
te aberto, que consistia na boa-f da parte que desejasse alterar
a demanda. Outros critrios poderiam ter sido previstos no an-
teprojeto, inclusive com inspirao na experincia acumulada
em ordenamentos jurdicos estrangeiros, a fim de conferir mai-
or objetividade, sem prejudicar a necessria abertura e flexibi-
lidade na matria79
.
A simples previso de obedincia ao contraditrio, por si
s, no seria capaz de afastar os inconvenientes de um sistema
excessivamente flexvel, no apenas pelo bvio motivo de se
abrir a possibilidade de frustrao do princpio da durao ra-
zovel do processo, mas tambm porque o ru pode ser coloca-
do em uma situao bastante difcil se a modificao vier a
acontecer aps a fase instrutria. A nova estratgia defensiva a
ser praticada por conta da alterao da demanda pode ser at
mesmo incompatvel com a instruo processual j realizada80
.
Se o ru imaginasse que isso ocorreria, ele poderia ter adotado
outra estratgia desde o incio para no prejudicar sua defesa.
O que se deveria ter feito, assim, seria aprimorar o dispo-
sitivo em anlise, a fim de estabelecer mais alguns parmetros
abertos, no exaustivos e que no prejudicassem a maior flexi-
bilidade desejada para a estabilizao da demanda no direito
brasileiro, mas que pudessem conferir maior objetividade na
apreciao da matria.
O anteprojeto tambm previa, no art. 475, norma idntica
ao art. 462 do CPC em vigor, mas com uma modificao rele-
vantssima em seu pargrafo nico. Ainda que o juiz continuas-
se autorizado a considerar novos fatos jurgenos de ofcio
(constitutivos, modificativos ou extintivos), seria necessrio 79 Nesse sentido, j se apontou a necessidade de que se levassem em considerao
outros fatores alm da simples boa-f prevista no art. 314 do anteprojeto, tais como:
a) possibilidade de evitar o ajuizamento de novas demandas; b) busca da verdade
material que possa conduzir melhor soluo da relao de direito material; c)
inexistncia de grave risco de prolongamento excessivo do procedimento; d) neces-
sidade ou no se de reabrir a fase instrutria. V. GUEDES, Cintia Regina, cit., p.
291/292. 80 V., entre outros, PICO I JUNOY, Joan, cit., p. 57/58.
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14222 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
nesse caso que, antes do julgamento da lide, o juiz ouvisse as
partes sobre o fato novo. Refora-se, assim, como analisado ao
final do segundo item deste estudo, a vedao s decises sur-
presa j estabelecida de forma ampla no art. 10 do anteprojeto,
mesmo que fundadas em matria cognoscvel de ofcio, em
prestgio ao princpio fundamental do contraditrio.
5. O GIRO DE 360 GRAUS: VOLTANDO PARA O MESMO
LUGAR
O anteprojeto do novo CPC foi apresentado ao Senado
Federal em junho de 2010, passando a tramitar como Projeto
de Lei do Senado (PLS) n 166/2010. O projeto recebeu 217
propostas de emendas por vrios Senadores, algumas das quais
tiveram acolhimento parcial ou total, resultando, ento, no
Substitutivo ao PLS n 166/2010, do Senador Valter Pereira,
aprovado em Sesso do Senado Federal de 15 de dezembro de
2010 e encaminhado Cmara dos Deputados.
O projeto atualmente tramita na Cmara dos Deputados
como Projeto de Lei n 8.046/2010, tendo sido constituda Co-
misso Especial com o objetivo de analisar o texto e as propos-
tas de emendas, sob a presidncia do Deputado Fbio Trad e
relatoria geral do Deputado Srgio Barradas Carneiro81
.
No que se refere ao assunto discutido no presente estudo,
houve um verdadeiro giro de 360 graus, na medida em que se reverteu a proposta original do anteprojeto de ampliao dos
casos de modificao da demanda. Voltou-se ao lugar de onde
se saiu, ou seja, ao sistema rgido de estabilizao da demanda
do atual CPC.
O art. 314 do anteprojeto apresentado pela comisso, j
analisado acima, recebeu cinco propostas de emendas dos se-
81 At o final de setembro de 2011, j haviam sido apresentadas 91 propostas de
emendas ao projeto, conforme informaes disponibilizadas em
www.camara.gov.br.
-
RIDB, Ano 2 (2013), n 12 | 14223
nadores82
.
A discusso no Senado Federal sobre a estabilizao da
demanda, entretanto, se revelou reducionista, limitando-se ba-
sicamente sua possvel influncia negativa sobre a celeridade
processual. Houve, ainda, meno aos princpios fundamentais
do devido processo legal, do contraditrio e da ampla defesa na
primeira proposta de emenda ao art. 314 do anteprojeto apre-
sentada pelo Senador Adelmir Santana83
.
No se considerou, entretanto, nenhum dos fundamentos
de um sistema mais flexvel em termos de modificao da de-
manda, tais como a economia processual (e a celeridade pro-
porcionada, ao se dispensar o ajuizamento de uma segunda
demanda), a possibilidade de correo de eventuais omisses
ou de erros no maliciosos, a busca pela justia material do
caso concreto ou o fortalecimento da efetividade da jurisdio,
j analisados no primeiro item do presente estudo.
Ao final, foi aprovada a proposta de emenda n 43, do
Senador Adelmir Santana, sendo as demais propostas rejeita-
das, nos seguintes termos: II.4.43 Emenda n 43 A Emenda n. 43 (similar emenda n. 123) merece
acolhimento porque, em relao possibilidade de alterao
do pedido e da causa de pedir, reintroduz as regras previstas
no art. 264 e 294 do Cdigo em vigor. A nica diferena
que no Substitutivo optamos por dividir o tema em incisos e
no em pargrafos como fez a Emenda. Tambm fizemos al-
guns ajustes de redao.84
Como se pode observar, o propsito inequvoco da
emenda aprovada consistiu em manter o sistema rgido de esta-
82 SENADO FEDERAL, Parecer n 1.624/2010, rel. Sen. Valter Pereira, p. 91/93 e
116, disponibilizado em www.senado.gov.br (acessado em 27 de setembro de 2011). 83 Pelo que consta no parecer, o Senador Adelmir Santana teria apresentado duas
propostas de emenda ao art. 314 do anteprojeto que, entretanto, so incompatveis
entre si. No se conseguiu verificar, pela anlise do texto do relatrio, se houve erro
material na indicao do senador responsvel por alguma dessas duas propostas ou
se realmente foram apresentadas duas propostas inconciliveis pelo mesmo senador. 84 SENADO FEDERAL, Parecer n 1.624/2010, cit., p. 206.
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14224 | RIDB, Ano 2 (2013), n 12
bilizao da demanda consubstanciado nos arts. 264 e 294 do
CPC atual. Assim foi que, aprovado o substitutivo ao PLS n
166/2010, consta a seguinte regra em seu art. 304: Art. 304. O autor poder:
I at a citao, modificar o pedido ou a causa de pe-dir, independentemente do consentimento do ru;
II at o sane