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  • 7/22/2019 Artigo de Vera Dodebei

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    MEMRIA E INFORMAOuma proposta de modelizao discursivo-conceitual

    Vera DodebeiProfessora Associada III

    UNIRIO

    [email protected]

    Evelyn Goyannes Dill OrricoProfessora Associada I

    [email protected]

    Resumo

    Considerando as fronteiras conceituais entre memria e informao discutem-se, nesta comunicao,categorias consideradas fundamentais para a representao do campo terico da memria social, utilizando-se um conjunto terico-metodolgico interdisciplinar e experimental, que denominamos de modelizaodiscursivo-conceitual. O estudo tem por justificativa principal servir de instrumento terico de organizaodo conhecimento tanto para o campo da informao, quanto para o da memria. Utilizou-se a combinao de

    dois conjuntos tericos de anlise: Anlise Documentria, ou de Contedo (AC), e Anlise do Discurso (AD)para a obteno de conceitos e categorias representativas do campo da memria social, bem como de sua redede sentidos. Como resultados, so apresentados dois mapas discursivo-conceituais: o primeiro composto porseis categorias paradigmticas, suas subcategorias e a possibilidade de estabelecer redes de sentido; o segundo o resultado do exerccio de representao feito no pr-texto da obra de Paul Ricoeur.

    Rsum

    Considrant les limites conceptuelles entre la mmoire et l'information, il sont discutes, dans la prsentecommunication, les catgories considres comme essentielles la reprsentation du champ thorique de lammoire sociale, en utilisant un cadre thorique et mthodologique interdisciplinaire et exprimentale, quenous appelons modlisation discursive-conceptuelle. L'tude a pour principale justification de pouvoir treutilise comme un instrument thorique de lorganisation des connaissances la fois pour le domaine de

    l'information, et pour la mmoire. Nous avons utilis une combinaison de deux sries d'analyses thoriques:LAnalyse Documentaire, o de Contenu (AC), et lAnalyse du Discours (AD) pour obtenir des conceptset des catgories reprsentant le domaine de la mmoire sociale, ainsi que son rseau de significations. Lesrsultats prsents se posent sur deux cadres discursive-conceptuel: le premier se compose de six catgories

    paradigmatiques, des sous-catgories et de la possibilit d'tablir des rseaux de sens ; et, le deuxime est lersultat de l'exercice de rpresentation fait sur la partie pr-textuelle de loeuvre de Paul Ricur.

    Abstract

    Considering the conceptual boundaries between memory and information it is discussed, in thiscommunication, categories considered critical to the representation of the theoretical field of social memory,using a theoretical and experimental interdisciplinary methodology, which we call discursive-conceptualmodeling. The study has as main purpose to be a theoretical knowledge organization instrument for both thefield of information, and of memory. It is used a combination of two sets of theoretical analysis: DocumentaryAnalysis, or Content (AC) and Discourse Analysis (DA) to obtain representative concepts and categories forthe social memory field, as well for its meanings network. As main results, it is presented two conceptual-discourse maps: the first consists of six paradigmatic categories, subcategories and the possibility ofestablishing some meaning networks; and, the second is the result of a representative exercise which was donefrom the pre-textual part of Paul Ricoeurs work.

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    1 INTRODUO

    Em continuidade s nossas pesquisas sobre as fronteiras conceituais entre memria

    e informao discutem-se, nesta comunicao, categorias consideradas fundamentais para

    a representao do campo terico da memria social, utilizando-se um conjunto terico-

    metodolgico experimental, que denominamos de modelizao discursivo-conceitual.O estudo apresentado tem por justificativa principal servir de instrumento terico de

    organizao do conhecimento tanto para o campo da informao, quanto para o da

    memria.

    Para responder, ainda que provisoriamente, - o que a memria da humanidade?

    como ela se organiza entre o individual e o coletivo? de que modo ela se constitui e se

    apresenta em patrimnio nas redes de informaes digitais? e como os pesquisadores dos

    campos da Cincia da Informao e da Memria Social organizam suas redes de referncias

    autorais, conceituais e discursivas? (Dodebei; Orrico, 2011) utilizamos como campo

    emprico deste estudo dois conjuntos de dados.

    O primeiro construdo por meio das anlises documentrias (Coyaud, 1972) e de

    contedo (Bardin, 1991) obtidas pela indexao dos trabalhos apresentados ao GT10 da

    Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Cincia da Informao e reas afins

    ANCIB que foi objeto de comunicao no segundo colquio da Rede Mussi em 2011. Os

    resultados daquele estudo apontaram para 11 categorias obtidas por inferncias de classes,

    segundo os pressupostos das abordagens tericas da anlise conceitual (Dahlberg, 1978;

    Dodebei, 2005).

    As categorias obtidas por induo, a partir da literatura indexada, representavam

    os seguintes temas: colees de memria, suportes de memria, procedimentos terico-

    metodolgicos; memria; cultura; ensino e pesquisa; polticas da informao e do

    patrimnio; informao; espaos da memria; aes informacionais e memorialsticas; e,

    temas de pesquisa.

    O segundo conjunto de dados tem como campo de observao o programa dadisciplina Memria Social e Instituio(MSI) oferecida aos cursos de mestrado e

    doutorado em Memria Social e sua evoluo nos 5 ltimos anos. A observao ocorre sob

    dois focos: o primeiro, de carter geral ou extensivo tem por base metodolgica, igualmente

    ao estudoanterior, a Anlise Documentria ou de contedo (AC) e modeliza os conceitos

    tericos a partir dos itens que compem o contedo programtico do curso, conforme sua

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    ementa:

    Memria social e processos de institucionalizao. Relaes de poder e sabercomo prticas sociais e institucionais. Instituio como processo. Documento eInstituio: materiais da Memria Coletiva e da Histria. Estatutos do Documento:fonte, prova, expresso da verdade e superfcie de inscrio. As instituies-memria: arquivos, bibliotecas, museus. Documento e Monumento

    O contedo programtico de MSI compe-se de numerosos pontos de vista pelos

    quais podemos observar as relaes da memria com as instituies sociais. A experincia

    de mais de cinco anos coordenando e orientando as discusses acadmicas nesse tema

    nos indicou que a organizao desses tpicos da ementa, recortados de um campo de

    conhecimento transdisciplinar, exigiria que definssemos com maior rigor os contextos

    tericos dos discursos autorais que julgssemos fundamentais para obter o equilbrio entre:

    extenso, intenso (compreenso) e consistncia conceitual do programa do curso.

    Ao produzir snteses dos discursos autorais para compor os itens do programa da

    disciplina compreendeu-se que essas snteses discursivas poderiam gerar as inferncias

    que ligam os conceitos, compondo-se, assim, um mapa inicial do domnio dos estudos em

    memria social, como no exemplo: .

    Na verdade, ao extrairmos esses termos do contexto textual em que esto imersos,

    atribuirmos a eles o papel de descritores dos referidos textos, e ainda ao agrup-los no

    escopo do conjunto de textos de uma disciplina, estabelecemos um conjunto simblicoque acaba por constituir uma rede de sentidos. O mapa conceitual, abaixo, gerado a partir

    dessas snteses foi objeto de comunicao submetida ao XIII ENANCIB (Dodebei, V;

    Orrico, E., 2012).

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    Fig. 1 Mapa conceitual sobre a memria. Fonte: as autoras

    O segundo foco, de carter especfico ou intensivo, tem por base a Anlise de

    Discurso (AD) em Pcheux (1993) e lana sua lente de aumento para o conceito de justa

    memria (iluminado do mapa fig. 1) de um dos autores referenciados no programa docurso, o filsofo francs Paul Ricouer. Selecionamos ento como corpus intensivo para este

    experimento os segmentos pr-textuais de sua obra Memria, histria e esquecimento

    (2007).

    2 ANLISE DOCUMENTRIA, OU DE CONTEDO (corpus extensivo para ocontexto conceitual)

    Os resultados do estudo empreendido por Dodebei e Orrico (2011) apontaram para

    11 categorias conceituais obtidas por inferncias de classes, segundo os pressupostos das

    abordagens tericas da anlise conceitual (Dahlberg, 1978; Dodebei, 2002). As categorias

    obtidas por induo, a partir da literatura indexada, representavam os seguintes temas:

    colees de memria, suportes de memria, procedimentos terico-metodolgicos;

    memria; cultura; ensino e pesquisa; polticas da informao e do patrimnio; informao;

    espaos da memria; aes informacionais e memorialsticas; e, temas de pesquisa.

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    Figura 2 Categorias temticas obtidas por indexao livre e de nuvensFonte: Dodebei; Orrico, 2011

    O quadro conceitual (fig. 2) foi fruto de uma classificao preliminar para os173 conceitos obtidos pela indexao automtica dos 35 trabalhos apresentados, com 58

    autores/co-autores participantes e 459 autores citados nas listas de referncias. Com relao

    aos conceitos atribudos a cada trabalho foram utilizadas as palavras-chave selecionadas em

    lngua natural pelo autor, acrescidas por palavras simples obtidas por indexao automtica

    dos resumos de cada trabalho realizada pelo programa Wordle

    A deciso de utilizar nuvens, que so a sntese imagtica de contedos utilizada

    em quase todos os programas de construo de blogs e outros stios na internet, foi a de

    aumentar o grau de exaustividade da indexao para os autores que indexaram seus textos e

    de criar palavras-chave para aqueles que no os indexaram. Utilizamos o limite de criao

    de 15 palavras e ainda retiramos aquelas que julgamos no significativas. Apresentamos um

    exemplo com um dos resumos:

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    Fig 3 Indexao por nvens. Fonte: Dodebei; Orrico, 2011

    Com esta metodologia de anlise documentria, ou de contedo, obtivemos um

    conjunto de conceitos categorizados por paradigmas ou subordinaes, mas a metodologia

    no nos permitiu determinar as relaes associativas ou de coordenao entre os conceitos

    para a formao dos sintagmas representativos dos discursos fundamentais que enquadram

    o domnio da memria social. Sabemos que essas relaes sintagmticas s podem ser

    construdas pelo contexto discursivo, o que lhes dar garantia literria (Dodebei, 2002) e

    representatividade no domnio.

    3 PAUL RICOEUR E O CAMPO DA MEMRIA (corpus intensivo para o contextodiscursivo)

    Para darmos incio anlise do contexto discursivo, optamos por nos pautar em

    um autor reconhecidamente importante para o campo da memria, sobretudo por uma desuas publicaes considerada como o extrato de sua obra, o livro Memria, Histria e

    esquecimento(2007). Nesse livro ele apresenta um debate em torno das grandes questes

    sobre esses temas, ao procurar estabelecer um dilogo com uma grande rede de autores que

    se dedicaram ao tema da memria.

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    importante ressaltar que vamos trabalhar com a traduo para a lngua portuguesa,

    admitindo que no Brasil contemporneo que estamos procurando enquadrar o domnio

    da memria social. Nesse sentido, mais vale o enunciado produzido em portugus, j que

    ele que vai ajudar a construir o universo conceitual da temtica, do que o enunciado

    exato utilizado pelo autor em sua lngua materna. Evidentemente a linha discursiva por eleutilizada vai estar condicionada ao perodo scio-histrico em que foi produzida, o que

    imperioso considerar para uma anlise do discurso. No entanto, importa-nos pensar em

    como os campos conceituais da memria e da informao esto sendo construdos, ou seja,

    por quais cadeias parafrsticas as redes de sentido esto sendo formuladas, j que estamos

    pensando no campo terico conceitual brasileiro contemporneo.

    O autor que nos guia pela anlise Ricoeur, que viveu ao longo do sculo XX,

    de 1913 a 2005, tendo se sobressado como grande pensador francs no perodo que se

    seguiu Segunda Guerra Mundial, lanando mo de um largo espectro terico que abrangia

    lingustica, psicanlise, estruturalismo e hermenutica. Desde cedo ele se interessou pela

    histria a partir de uma perspectiva filosfica, objetivando definir a natureza do conceito

    de verdade em histria e diferenciar a objetividade no campo da histria da objetividade

    no campo das cincias exatas. Mais tarde ele se dedicar s questes culturais e histricas

    a partir de uma perspectiva fenomenolgica e hermenutica, fomentando uma discusso

    sobre a memria e a memria cultural.

    A escolha de Ricoeur para esta anlise deve-se tanto por sua posio referencial no

    campo, mas porque sua obra traz um grande balano de autores, o que nos faz pensar que,

    ao analis-lo, no estamos olhando uma rede de sentidos particular, mas, ao contrrio, uma

    sntese de variadas correntes tericas.

    Ao focalizarmos o texto de Ricoeur que norteia a disciplina Memria e Instituio,

    inicialmente decidimos selecionar as partes iniciais de cada unidade de captulo, porque

    nessas partes ele se dirige diretamente ao leitor, orientando-os na leitura do ponto de

    vista tanto estrutural, que diz respeito organizao do texto propriamente dito, quantoconceitual, que diz respeito fundamentao terica que sustenta sua argumentao. Ele

    intitula esse segmento de texto de Nota de orientao.

    Dito isso, percebemos que o autor, no incio do texto, explica a organizao que

    faz de sua obra. Alm disso, ele define o enunciador de suas materialidades verbais da

    seguinte forma: ao utilizar a primeira pessoa do singular o pronome eu ele afirma que

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    assume o argumento; ao utilizar a primeira do plural o pronome ns ele espera arrastar

    o leitor com ele. Tendo isso como pressuposto, vamos ao que ele diz.

    Ao adentrarmos a obra propriamente dita, no incio desta nossa anlise, percebemos

    que h um rico material discursivo na parte pr-textual que se encontra nas primeiras

    pginas do livro: dedicatria e epgrafes. O livro apresenta uma dedicatria, Em memriade Simone Ricoeur, esposa do autor, seguido, na pgina seguinte, de uma frase de

    Vladimir Jankelevich, filsofo, que teve aulas com Bergson, e musiclogo francs, filho

    de pais mdicos russos, cujo pai foi um dos primeiros tradutores de Freud na Frana,

    que diz Aquele que foi j no pode mais no ter sido: doravante, esse fato misterioso,

    profundamente obscuro de ter sido o seu vitico para a eternidade. Ressalte-se que

    ilustramos a relao com Bergson, tendo em vista a dedicao que esse filsofo dirigiu ao

    tema da memria em sua obra.

    Interessante observar a relao entre a funo da dedicatria e das epgrafes para

    uma obra e dessas em particular com as propostas da prpria obra. A comear, a obra

    foi dedicada memria da esposa falecida e se apropria da fala de outrem para dizer que

    quem j foi no pode ter a sua existncia questionada. A nova materialidade discursiva que

    utiliza para dialogar com a anterior utiliza a palavra vitico, retomando uma concepo da

    igreja catlica para quem esse termo liga-se ideia de proviso para o caminho, em que

    o caminho no s o da terra, mas o do cu, o da vida eterna. Se, por um lado, aquele que

    foi sem questionamento foi mesmo, por outro acabar por desafiar o tempo, pois ficar para

    sempre na vida eterna.

    Ora, o livro abre-se para o tema da memria - e por via de consequncia para o do

    esquecimento - memria que, embora obscura, a condio sine qua non de sua prpria

    permanncia e continuidade.

    Em contrapartida, estabelecendo um elo com o outro tema do ttulo, Histria, o

    autor, ainda como epgrafe, se apropria de uma imagem que se encontra no Mosteiro de

    Wiblingen, na cidade de Ulm, Alemanha, cuja descrio :Num lugar escolhido da biblioteca do mosteiro ergue-se a magnfica escultura

    barroca. a figura dupla da histria. Na frente, Cronos, o deus alado. um anciocom a fronte cingida; a mo esquerda segura um imenso livro do qual a direita tentaarrancar uma folha. Atrs, e em desaprumo, a prpria histria. O olhar srio e

    perscrutador; um p derruba uma cornucpia de onde escorre uma chuva de ouro eprata, sinal de instabilidade; a mo esquerda detm o gesto do deus, enquanto a direitaexibe os instrumentos da histria; o livro, o tinteiro e o estilo. (Ricoeur, 2007, p. 15)

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    Essa imagem emblemtica para o que se vai ler nas materialidades discursivas que

    compem o texto de Ricoeur. A figura do tempo, tentando eliminar parte do que existiu (a

    pgina de um livro), sendo impedido pela figura da histria que, se por um lado instvel,

    por outro possui instrumentos no suscetveis destruio: livro, o suporte da informao;

    tinteiro, instrumento de registro dessa informao, a tinta; e o estilo, modo personalssimode registrar e narrar os fatos.

    De fato, esses itens pr-textuais nos introduzem no universo temtico-conceitual

    com que Ricoeur constri a sua narrativa. Ao iniciar o livro propriamente dito, Ricoeur

    apresenta um texto que ele intitula de Advertncia. Nesse texto, ele adverte o seu leitor,

    dizendo que o que se vai ler uma pesquisa que tem origem em diversas preocupaes:

    umas pessoais, outras profissionais, e outras que ele chamaria de pblicas.

    Nas primeiras pessoais - ele diz que vai dirigir o seu olhar para a sua longa

    vida, na qual teria ficado uma lacuna na problemtica do Tempo e Narrativa e Si mesmo

    como um outro, escritos em itlico porque nos faz remontar a duas de suas obras que,

    segundo o prprio autor, so obras em que h um enfrentamento direto entre a experincia

    temporal e a operao narrativa, deixando impasse sobre a memria e, ainda pior, sobre o

    esquecimento, duas dimenses que ele denomina de nveis intermedirios entre tempo e

    narrativa. Lanar mo dessa forma de identificar o conceito de memria dimenso

    qualific-lo como escala gradativa entre dois nveis: memria, em um deles; esquecimento,

    no outro. Assim, do ponto de vista pessoal, foi oportuno dedicar a obra memria da

    esposa falecida, de quem no se pode mais nada questionar, at mesmo a prpria existncia,

    impedindo-a de adentrar a dimenso do esquecimento.

    Permanecer por toda a eternidade dialogar com a divindade grega do tempo,

    Cronos. Ao longo de toda a obra, Cronos vai estar ligado figura descrita no Mosteiro de

    Ulm: aquele que detm a ocorrncia dos fatos, o livro, mas que quer eliminar alguns deles,

    a pgina a ser arrancada. o que se pode compreender quando, no interior do livro, v-se

    que Ricoeur est preocupado com de que h lembrana? em uma tentativa de alcanar ajusta memria.

    Em relao s segundas profissionais Ricoeur retoma o personagem que se situa

    atrs de Cronos na escultura do Mosteiro de Ulm: a Histria. O autor quer dar continuidade

    ao debate estabelecido entre os profissionais da rea, sempre confrontados com os vnculos

    entre memria e histria. Descrever uma imagem em que a Histria situa-se atrs do tempo

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    (Cronos), tentando-o impedir de arrancar alguns fatos do que haveria de ser registrado

    (a pgina do livro) ilustrar o embate entre a narrativa do tempo (memria) e o registro

    documental (histria).

    Por fim, pelas terceiras pblicas ele expressa claramente que quer exercer o seu

    dever cvico ao buscar a poltica da justa memria. uma preocupao do autor que, nosatisfeito em se perguntar De que h lembrana?, tambm quer buscar saber De quem a

    memria? Quem seriam aqueles que, por trs da Histria, a estariam produzindo?

    Mais uma vez, essas perguntas tm relao estreita com a escultura de Ulm, em que

    Cronos, ao mesmo tempo que detm o livro dos fatos, quer arrancar uma pgina do livro;

    alm disso, supervisionado pela histria, que, por um lado, desestabiliza a cornucpia,

    por outro, evidencia os instrumentos do registro. Um dos instrumentos, estilo, serve

    para nos dizer que os registros esto submetidos ao crivo estilstico do ser humano. Em

    ltima instncia um ser humano que vai registrar os fatos, da maneira que lhe aprouver.

    Sabendo-se que o autor tem na psicanlise uma das fontes tericas de sustentao de seus

    argumentos, de se prever que a maneira de registrar est impregnada da subjetividade

    (estilo) de quem registra.

    As snteses discursivas do corpus analisado acabaram por compor um novo mapa,

    ligado quele apresentado (fig. 1) cujo elo se encontra no foco direcionado ao conceito

    de justa memria que embala as discusses sobre memria e esquecimento na obra

    de Ricoeur. Vale ressaltar que o mapa atende aos preceitos da lgica classificatria,

    principalmente no que se refere s hierarquias e instncias conceituais, mas em nenhum

    momento pretendeu atender regra da completude, quer dizer, abarcar todos os sentidos

    discursivos possveis no corpus analisado.

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    Figura 4 Mapa discusivo-conceitual. Fonte: as autoras

    Verifica-se na disposio dos conceitos que Ricoeur vale-se das discusses

    fundantes da filosofia de Plato e Aristteles para dimensionar os tempos da memria e, a

    partir destes, analisar fenomenologicamente a memria sob dois ngulos: a memria como

    objeto na ideia da lembrana e a memria como processo, exerccio ou o que podemos

    denominar de memorao. A justa memria, seu conceito organizador do discurso,

    aparece na rede de sentidos dos usos e abusos da memria e ilustrada pela imagem

    daquele que lembra (o deus do Tempo), e daquele que o pode controlar (a Histria) . Quanto

    ao esquecimento, conceito que fecha a sua obra como um todo, este se encontra, neste

    momento, apenas subentendido por oposio ao objeto lembrana. Ao valer-se de

    dilogos principalmente com Henri Bergson e Freud, Ricoeur se resguarda de expor esse

    par de oposio, em funo do carter psicolgico que sustenta o discurso dos dois

    filsofos, ilustrado pelo estilo que um dos instrumentos de registro da memria.

    4 ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE OS USOS DAS ANLISES DECONTEDO E DO DISCURSO

    O trabalho anterior (Dodebei; Orrico, 2011) do qual depreendemos as categorias,

    nos permitiu perceber que h dois caminhos metodolgicos que tm crescido muito

    na abordagem desse campo de interface entre informao e memria: anlise de

    contedo (AC) e anlise do discurso (AD). Em que pese as especificidades de cada

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    arcabouo metodolgico, e sem querer contemplar uma ampla discusso entre o que os

    aproxima ou diferencia, queremos to somente indicar que optamos por experimentar

    metodologicamente a AD neste trabalho e apresentar sucintamente a justificativa da opo.

    A AC tem como pressuposto norteador buscar uma realidade construda a priori,

    ou seja, procura alcanar uma significao profunda ou estvel que seria conferida peloenunciador de determinado enunciado, cabendo ao analista desvelar o que estivesse por

    debaixo da enunciao. Desse modo, cabe a ela identificar alguns termos que serviriam

    para traduzir o significado do texto inteiro, como utilizado, por exemplo, nas palavras-

    chave. Ao contrrio disso, a AD procura articular a linguagem, especificamente o discurso,

    com o contexto scio-histrico em que foi produzida, o que significa dizer que a AD leva

    em conta as condies de produo das materialidades discursivas em anlise. Dessas

    condies de produo faz parte a memria discursiva, isto , o saber discursivo que torna

    possvel todo o dizer e que retorna sob a forma de preconstrudo, o j-dito que est na base

    do dizvel, sustentando cada tomada de palavras (ORLANDI, 1999, p.31).

    Isso posto, podemos dizer que interessa menos AD o que foi dito, e mais como

    o foi. Desse modo, no lhe basta identificar um termo que resumiria um significado

    complexo e amplo que, do ponto de vista positivista j estaria dado, mas o modo como

    determinados conceitos vo sendo formulados por sujeitos scio-historicamente situados,

    que acabam por construir redes de sentido.

    A partir dessa observao, podemos dizer sucintamente que, enquanto a AC estaria

    a servio de revocao, identificando uma grande quantidade de textos que possam estar

    relacionados a um determinado termo selecionado, a AD pode estar servio da preciso,

    visto que se dedica a compreender como um determinado conjunto de materialidades

    discursivas produz sentido. Dessa forma, apresentamos a proposta de anlise da categoria

    nuclear memria e de outras que lhe so complementares, a partir do texto de Paul

    Ricoeur debatido na disciplina Memria e Instituio, do programa de Ps-Graduao

    em Memria Social. Acreditamos, por fim, que a combinao das duas metodologiasaplicadas ao processo de representao do conhecimento pode auxiliar inmeras atividades

    de organizao deste conhecimento tanto para o campo da informao como para o

    enquadramento do domnio em memria social.

    REFERNCIAS

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    BARDIN, Laurence. Anlise de contedo. Trad. Lus Antero Reto e Augusto Pinheiro.Lisboa, Edies 70, 1991.

    COYAUD, Maurice. Analyse et recherche documentaire. In: __________. Linguistic etdocumentation: les articulations logiques du discours. Paris: Larousse, 1972. p130.

    DAHLBERG, Ingetraut. Teoria do conceito. Ci. Inf., Rio de Janeiro, v. 7, n.2, p.101-107,

    1978.DODEBEI, V. L. D. Tesauro: linguagem de representao da memria documentria.Niteri: Intertexto, Rio de Janeiro: Intercincia, 2002.

    DODEBEI, Vera; ORRICO, Evelyn. La mmoire sociale et linformation : unecartographie de la recherche au Brsil. In: Colquio Internacional da Rede MUSSI:mediaes e hibridaes: construo social dos saberes e da informao, 2, UniversitPaul Sabatier, Toulouse 3, Toulouse, Fr. 2011.

    DODEBEI, Vera; ORRICO, Evelyn. Informao e Memria: um modelo conceitualpossvel. In: XIII ENANCIB, Rio de Janeiro, 2012.

    ORLANDI, Eni.Anlise do discurso: princpios e procedimentos. Campinas, Pontes, 1999.

    PCHEUX, Michel. A anlise de discurso: trs pocas (1983) IN: GADET. F. E HAK T(org.)Por uma anlise automtica do discurso: uma introduo obra de Michel Pcheux.Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1993.

    RICOEUR, Paul. Da memria e da reminiscncia. In: __________. Memria, Histriae esquecimento. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007. P. 25-70 (Memria eimaginao I)

    NOTAS