artigo conectivismo crisneto

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Cristina Neto Mestrado em Pedagogia do e-Learning Universidade Aberta Página | 1 CONECTIVISMO – Ensinar e Aprender no século XXI RESUMO: Este artigo pretende oferecer uma visão genérica dos princípios do Conecti- vismo e das suas implicações na Educação, particularmente na Educação à Distância (EaD), a partir da revisão da literatura. É igualmente apresentada a minha visão, simultaneamente, no prisma de professora do Ensino Básico e Secundário e no de e-estudante, concluindo no senti- do de que os princípios desta teoria se revelam em muitas das práticas dos professores do ensino formal não superior, embora inconscientemente, pelo que seria importante incluí-los explicitamente na sua formação inicial e contínua, para que fiquem mais despertos e os pos- sam transmitir aos alunos. PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem, conectivismo, conhecimento, educação à distância ABSTRACT: This article intends to present a global view of Conectivism principles and its implications on Education, particularly on Distance Education, from literary review. It is also presented my insight, simultaneously, as a secondary teacher and as an e-student concluding by indicating that those principles are often present on teachers’ practices in formal secondary education, although unconsciously, which denotes the necessity to be explicitly included in initial and continuous teacher’s training, so they may become more aware and be able to pass them on to their students. KEYWORDS: Conectivism, distance education, knowledge, learning INTRODUÇÃO A maioria das teorias da aprendizagem preocupa-se com o processo da aprendizagem mas não com o valor do que é aprendido. Embora as pedagogias tenham acompanhado e se tenham adaptado à evolução da tecnologia, a certa altura as alterações introduzidas eram tais, que se tornou necessária uma nova abordagem (Siemens, 2004). O conceito de Conectivismo surge com o intuito de procurar respostas para as expetativas e preferências dos estudantes do séc. XXI, em plena era digital. A alteração radical do paradigma tecnológico que envolve a sociedade atual, requer novas abordagens educacionais mais con- sonantes com as possibilidades que agora a tecnologia oferece à aprendizagem. Não havendo aqui lugar a uma abordagem profunda às teorias da aprendizagem surgidas no séc. XX, importa referi-las sucintamente para que se possam compreender os fundamentos do Conectivismo. Assim, começamos por fazer uma análise das teorias cognitivo-behavioristas e socioconstrutivistas considerando o destaque dado ao papel do aprendente, do conteúdo e do professor, em cada uma delas, como Anderson e Dron (2011) propuseram.

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Page 1: Artigo conectivismo crisneto

Cristina Neto Mestrado em Pedagogia do e-Learning Universidade Aberta

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CONECTIVISMO – Ensinar e Aprender no século XXI

RESUMO: Este artigo pretende oferecer uma visão genérica dos princípios do Conecti-

vismo e das suas implicações na Educação, particularmente na Educação à Distância (EaD), a

partir da revisão da literatura. É igualmente apresentada a minha visão, simultaneamente, no

prisma de professora do Ensino Básico e Secundário e no de e-estudante, concluindo no senti-

do de que os princípios desta teoria se revelam em muitas das práticas dos professores do

ensino formal não superior, embora inconscientemente, pelo que seria importante incluí-los

explicitamente na sua formação inicial e contínua, para que fiquem mais despertos e os pos-

sam transmitir aos alunos.

PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem, conectivismo, conhecimento, educação à distância

ABSTRACT: This article intends to present a global view of Conectivism principles and

its implications on Education, particularly on Distance Education, from literary review. It is also

presented my insight, simultaneously, as a secondary teacher and as an e-student concluding

by indicating that those principles are often present on teachers’ practices in formal secondary

education, although unconsciously, which denotes the necessity to be explicitly included in

initial and continuous teacher’s training, so they may become more aware and be able to pass

them on to their students.

KEYWORDS: Conectivism, distance education, knowledge, learning

INTRODUÇÃO

A maioria das teorias da aprendizagem preocupa-se com o processo da aprendizagem mas não

com o valor do que é aprendido. Embora as pedagogias tenham acompanhado e se tenham

adaptado à evolução da tecnologia, a certa altura as alterações introduzidas eram tais, que se

tornou necessária uma nova abordagem (Siemens, 2004).

O conceito de Conectivismo surge com o intuito de procurar respostas para as expetativas e

preferências dos estudantes do séc. XXI, em plena era digital. A alteração radical do paradigma

tecnológico que envolve a sociedade atual, requer novas abordagens educacionais mais con-

sonantes com as possibilidades que agora a tecnologia oferece à aprendizagem.

Não havendo aqui lugar a uma abordagem profunda às teorias da aprendizagem surgidas no

séc. XX, importa referi-las sucintamente para que se possam compreender os fundamentos do

Conectivismo. Assim, começamos por fazer uma análise das teorias cognitivo-behavioristas e

socioconstrutivistas considerando o destaque dado ao papel do aprendente, do conteúdo e do

professor, em cada uma delas, como Anderson e Dron (2011) propuseram.

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Apresenta-se também a visão de que os princípios do Conectivismo estão subjacentes a muitas

das estratégias utilizadas pelos estudantes e pelos professores do ensino básico e secundário,

embora de forma inconsciente relativamente ao conceito. Sendo esta uma prática generaliza-

da, seria interessante incluir explicitamente na formação, inicial e contínua, de professores a

perspectiva do Conectivismo, de forma a alertar estes professores para os benefícios da pro-

moção destes princípios e para a necessidade urgente de preparar para o Aprender a Apren-

der, no novo paradigma sociocultural e educacional. Uma vez que vivemos a era dos digital

natives (Prensky, 2001a; 2001b), seria também interessante aproveitar as capacidades desen-

volvidas por esta nova geração para fomentar precocemente uma nova visão da educação e,

porque não, saber a opinião dos estudantes sobre o assunto.

TEORIAS COGNITIVO-BEHAVIORISTAS E SOCIO-CONSTRUTIVISTAS

Segundo Anderson e Dron (2011), as teorias cognitivo-behavioristas consideram a aprendiza-

gem como um processo individual, com objetivos e processos previamente bem definidos,

independentemente do aprendente e do contexto de estudo. Na EaD, a presença do professor,

de um modo geral, só é pressuposta para indicações e avaliação. Assistimos, portanto, a um

modelo de educação tradicional em que o professor transmite conhecimentos académicos e o

aluno recebe-os passivamente devendo assimilá-los e demonstrar a sua aprendizagem através

da alteração de comportamentos observáveis, privilegiando-se, desta forma o Aprender a Fa-

zer. Este paradigma revelava-se adequado ao modelo de Educação à Distância da época, devi-

do às limitações da tecnologia então existente.

Anderson e Dron (2011) referem que, nas teorias socioconstrutivistas, a enfase do processo de

ensino-aprendizagem passa do conteúdo para o aprendente e o meio social que o rodeia. Te n-

do estas teorias sido desenvolvidas paralelamente às tecnologias da comunicação bidirecional,

é natural que tenham ganho expressão com o seu alargamento. Promove-se o envolvimento

ativo dos aprendentes, o conhecimento é construído em interação com os pares, através da

experimentação, com tarefas reais em contextos autênticos, com mediação do professor que é

um guia e um construtor de intervenções educacionais. Cada aprendente cria meios para cons-

truir o seu conhecimento e integrá-lo com o já existente, com o apoio e a colaboração do pro-

fessor, tornando-se mais importante o processo de construção do conhecimento do que o

resultado final.

O CONECTIVISMO – O CONCEITO

O Conectivismo é um quadro teórico para a compreensão da aprendizagem, desenvolvido por

George Siemens e Stephen Downes (Kop & Hill, 2008). Baseia-se num modelo construtivista

com o aprendente no centro do processo de aprendizagem. Segundo Anderson e Dron (2011),

a presença do professor desenvolve-se através da construção de caminhos de aprendizagem e

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pela promoção e apoio às interações para que os aprendentes façam conexões a existentes e

novos recursos de aprendizagem; professores e aprendentes colaboram para criar o objeto de

estudo e, no processo, recriam esse objeto para futura utilização por outros. O importante não

é saber, mas sim saber onde procurar, criar e manter conexões que permitam encontrar o

conhecimento necessário e saber mobilizá-lo para utilização em situações concretas, assim

como criar e partilhar novos recursos de aprendizagem que sirvam outros aprendentes. Sie-

mens (2004) afirma: “Knowing where to find information is more important than knowing in-

formation.” No Conectivismo, as conexões que nos permitem aprender são mais importantes

que o nosso estado atual de conhecimento: “What we know is less important than our capac i-

ty to continue to learn more. The connections we make (between individual specialized com-

munities/bodies of knowledge) ensure that we remain current.” (Siemens, 2003).

O Conectivismo não substitui as teorias cognitivo-behavioristas e socioconstrutivistas, antes as

complementa e adapta à nova realidade tecnológica. Aliás, Anderson e Dron (2011) defendem

que todas as três teorias de aprendizagem referidas se complementam para abarcar o unive r-

so das necessidades e expetativas de aprendizagem dos aprendentes do séc. XXI.

Devido à ligação indissociável entre o estado atual da tecnologia e a teoria conectivi sta, esta

defende que o conhecimento está distribuído nas pessoas e na tecnologia, sendo a aprendiza-

gem o processo de estabelecer conexões em rede, mantê-las e mobilizá-las de acordo com as

necessidades (Siemens & Tittenberger, 2009). A noção de conhecimento distribuído é referida

por Downes (2005) - distributed knowledge - e pode ser descrito como conhecimento conecti-

vo: aquele que conduziu à produção de novo conhecimento por outrem, através da rede de

conexões. Deste modo, a aprendizagem, reconhecida como conhecimento acionável, pode

residir fora dos indivíduos, e até em dispositivos não humanos (Siemens, 2004) e requer várias

competências: a compreensão de que as decisões são tomadas sobre uma realidade em cons-

tante mutação, a capacidade para sintetizar e reconhecer ligações e padrões, para selecionar a

informação relevante e atual e para reconhecer quando a nova informação altera os cenários

sobre os quais se tomaram decisões (idem).

Downes (2005) afirma que aprender é o processo de se tornar algo. Também Cormier (2011)

refere que conhecer é um longo processo em que o modo como o individuo perceciona as

coisas se altera, baseado em novos conhecimentos, conduzindo à mudança e ao crescimento

pessoal, refletindo aqui o princípio do Aprender a Ser.

CONECTIVISMO NA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA

Na Educação à Distância, o Conectivismo parece ser um caminho óbvio, dadas as possibilida-

des criadas pelo avanço da tecnologia. A informação é inesgotável e o papel do aprendente

não é memorizar e perceber tudo, mas encontrar e aplicar conhecimento onde e quando for

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necessário (Anderson & Dron, 2011), pelo que o estabelecimento de redes de aprendizagem e

a comunicação síncrona e assíncrona são ferramentas indispensáveis proporcionadas, agora,

com muito mais simplicidade e eficácia, pela Web 2.0. Os modelos conectivistas assentam na

omnipresença na rede das pessoas, dos artefactos e do conteúdo (idem) para análise e discus-

são, reutilização, transformação e redistribuição.

CONECTIVISMO NOS NÍVEIS DE ENSINO FORMAL NÃO SUPERIOR

A perspetiva do Conectivismo foca-se nas aprendizagens informais, no Ensino Superior e na

Aprendizagem ao Longo da Vida, mas as questões ligadas a esta teoria parecem ter também

pertinência noutros níveis de ensino, nomeadamente no terceiro ciclo e ensino secundário,

dada a nova geração de digital natives (Prensky, 2001a e 2001b) - e às novas competências

cognitivas que estes desenvolveram graças às novas tecnologias, como o multitasking

(Prensky, 2001b).

Enquanto professora do ensino básico e secundário, a minha experiência é testemunha das

alterações que têm vindo a ocorrer nas preferências, expetativas e competências das novas

gerações de estudantes. Estes têm, agora, a informação ao alcance de um clique e de forma

mais apelativa e, na verdade, estabelecem as redes e procuram a informação do seu interesse.

Essencial é preparar os estudantes para a urgente necessidade de Aprender a Aprender, alcan-

çada através das competências referidas por Siemens (2004) e atrás mencionadas.

Como Kop & Hill (2008) referem, Downes e Siemens não limitam o Conectivismo ao ambiente

online nem reduzem as redes de comunicação aos ambientes digitais. A tecnologia apenas

facilita a sua construção e a comunicação.

CONCLUSÃO

No ensino formal não superior, compreender os princípios do Conectivismo, não é mais do que

dar nomes a muitas das ações, estratégias e objetivos já existentes na prática dos estudantes e

professores. Importa agora alertá-los para que tomem consciência de esse é o modelo da Edu-

cação do futuro. Por outro lado, o Conectivismo fomenta o valor do individuo enquanto fonte

de conhecimento e elo de ligação na rede. Nos tempos difíceis que atravessamos, poderá advir

uma era em que se reconheça a riqueza do individuo, em vez do indivíduo/número?

Como estudante em regime de EaD, é minha constatação de que o estabelecimento de cone-

xões na rede é imprescindível para a atualização constante do conhecimento, dado o encurta-

mento do seu ciclo de vida, pois rapidamente nos apercebemos que estamos em permanente

processo de atualização e isto é tão válido para adultos, como para adolesce ntes e jovens.

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REFERÊNCIAS

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ço 2013, em: http://www.slideshare.net/grainne/pedagogical-models-and-their-

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