artigo 38 rolezinho

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III Congresso Jurídico e III Encontro Técnico-Científico em Direito no Mato Grosso do Sul Campo Grande, 26 a 30 de maio de 2014. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT “ROLEZINHOS”: UMA ANÁLISE JURÍDICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM JOGO 1 Pedro Augusto Pereira 2 Resumo: O presente artigo representa uma análise jurídica dos chamados “rolezinhos”. Procurou-se delimitar os direitos fundamentais envolvidos, sobretudo a liberdade e o direito à propriedade, ambos assegurados pela Constituição Federal de 1988. Por meio da um exercício da ponderação de princípios fundamentais desenvolvida por Robert Alexy, buscou-se uma solução viável ao conflito de normas, sobretudo diante da jurisprudência conflitante a respeito do tema. Palavras Chave: rolezinhos”, direitos fundamentais, conflito de normas, Robert Alexy, liberdades individuais e coletivas, direito de reunião, liberdade de expressão, direito à propriedade. Abstract: This paper is a legal analysis of so-called "rolezinhos". We sought to define the fundamental rights involved, especially freedom and the right to property, both guaranteed by the Constitution of 1988. Through an exercise of balancing fundamental principles developed by Robert Alexy, seeking a viable solution to the conflict of laws, mainly because of the conflicting case law on the subject. Key Words: "rolezinhos", fundamental rights, conflict of laws, Robert Alexy, individual and collective freedoms, freedom of assembly, freedom of expression, right to property. Introdução O presente artigo tem como objeto de estudo os recentes movimentos sociais ocorridos entre dezembro de 2013 e início de 2014, os chamados “rolezinhos”. A efervescência de tais movimentos no início deste ano pautou a escolha do tema, uma vez que demonstrou-se importante fenômeno social regulado pelo Direito no que tange às políticas públicas. 1 Direito e políticas públicas. 2 Acadêmico do 10º semestre da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul [UFMS]; [email protected]

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Artigo 38 rolezinho

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  • III Congresso Jurdico e III Encontro Tcnico-Cientfico em Direito no Mato Grosso do Sul

    Campo Grande, 26 a 30 de maio de 2014. Realizao: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

    ROLEZINHOS: UMA ANLISE JURDICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    EM JOGO1

    Pedro Augusto Pereira2

    Resumo: O presente artigo representa uma anlise jurdica dos chamados rolezinhos.

    Procurou-se delimitar os direitos fundamentais envolvidos, sobretudo a liberdade e o direito

    propriedade, ambos assegurados pela Constituio Federal de 1988. Por meio da um exerccio

    da ponderao de princpios fundamentais desenvolvida por Robert Alexy, buscou-se uma

    soluo vivel ao conflito de normas, sobretudo diante da jurisprudncia conflitante a respeito

    do tema.

    Palavras Chave: rolezinhos, direitos fundamentais, conflito de normas, Robert Alexy,

    liberdades individuais e coletivas, direito de reunio, liberdade de expresso, direito

    propriedade.

    Abstract: This paper is a legal analysis of so-called "rolezinhos". We sought to define the

    fundamental rights involved, especially freedom and the right to property, both guaranteed by

    the Constitution of 1988. Through an exercise of balancing fundamental principles developed

    by Robert Alexy, seeking a viable solution to the conflict of laws, mainly because of the

    conflicting case law on the subject.

    Key Words: "rolezinhos", fundamental rights, conflict of laws, Robert Alexy, individual and

    collective freedoms, freedom of assembly, freedom of expression, right to property.

    Introduo

    O presente artigo tem como objeto de estudo os recentes movimentos sociais ocorridos

    entre dezembro de 2013 e incio de 2014, os chamados rolezinhos. A efervescncia de tais

    movimentos no incio deste ano pautou a escolha do tema, uma vez que demonstrou-se

    importante fenmeno social regulado pelo Direito no que tange s polticas pblicas.

    1 Direito e polticas pblicas. 2 Acadmico do 10 semestre da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul [UFMS]; [email protected]

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    Os rolezinhos demonstraram ser fenmeno novo (quanto as propores) e que

    necessita uma melhor anlise jurdica dos direitos envolvidos, o que tambm pautou a escolha

    do tema e enfoque da pesquisa, diante da jurisprudncia conflitante.

    De incio, buscou-se compreender a dimenso social do movimento e suas causas

    mediatas e imediatas. Aps, uma anlise dos direitos fundamentais envolvidos e, pelo exerccio

    da ponderao sobre os mesmos, a busca daquele que sobressai e deve ser preservado (as

    liberdades ou o direito propriedade). Amparando a pesquisa, tambm buscou-se a posio da

    jurisprudncia sobre o tema, de modo a auxiliar a melhor concluso quanto ao conflito existente.

    Metodologia

    A metodologia utilizada, dita, cientfica, fundamentou-se na anlise do fenmeno

    social dos rolezinhos, primeiro por um enfoque do prprio fato social, depois, atravs da

    anlise dos direitos envolvidos. Foi feita a pesquisa, alm da prpria lei constitucional que

    ampara o tema, em doutrina, artigos cientficos e jurisprudncia.

    Discusso e Resultados

    1. A origem e fenmeno social dos rolezinhos

    O fenmeno dos rolezinhos, com incidncia maior nas grandes capitais, a exemplo

    de So Paulo e Rio de Janeiro, tem se caracterizado pela ida de grandes massas populares,

    sobretudo de baixa renda, a shoppings centers e outros lugares de grande fluxo de pessoas. At

    a, nada de novo. Entretanto, a figura comeou a tomar um contorno diferente devido a

    proporo de tais eventos. Isso deveu-se, em grande parte, at mesmo ao contraste das suas

    ideologias dos manifestantes e os locais escolhidos para tanto shoppings muitas vezes

    voltados uma nica classe social.

    Inicialmente, o movimento foi resposta uma lei municipal em So Paulo que proibiu

    os bailes funks nas ruas da capital Paulista. Era organizado pelos cantores e levou milhares de

    pessoas, principalmente jovens de classe baixa, aos principais shoppings da cidade para

    demonstrar sua insatisfao com a medida. Eles queriam visibilidade, e conseguiram. O

    problema que se haviam aqueles que usavam do movimento apenas como uma manifestao

    pacfica, tambm havia aqueles que se aproveitaram do movimento para realizar pequenos

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    furtos, o que culminou, por exemplo, que o shopping Aricanduva, na Zona Leste, tivesse de

    baixar a porta de suas lojas durante um dos protestos3.

    O prefeito Fernando Haddad, em janeiro deste ano, acabou por vetar o projeto de lei

    que deu origem aos conflitos, o que, entretanto, no impediu que movimentos sociais

    semelhantes se multiplicassem; agora absorvendo diversas outras ideologias. As passeatas,

    ento, antes adeptas de uma asseio puramente ligada ao gosto musical, passaram a ser

    identidade de toda uma classe social que estava alheia queles locais e, de certa forma, distante

    do governo e dos mais abastados: os de baixa renda. Os rolezinhos, assim, continuaram e

    foram disseminados por diversas outras capitais e cidades do pas, agora como um grande brado

    de independncia dos excludos, que viram no movimento uma forma de se fazer ver e ouvir.

    A continuidade dos rolezinhos, agora, auxiliados por comunidades do Facebook e

    outros meios de comunicao de massas, reuniam cada vez mais adeptos. A exemplo, cite-se o

    dia 07/12/2013, em que cerca de seis mil jovens ocuparam o estacionamento do Shopping Metr

    Itaquera, em So Paulo, e foram reprimidos pela Polcia Militar, sob o argumento de que no

    havia autorizao prvia para o encontro. A repercusso foi imediata e fez com que os

    comerciantes dos shoppings principais locais de protesto se vissem ameaados e passassem

    a buscar maneiras semelhantes para protegerem seus interesses de tais movimentos, inclusive a

    via judicial.

    O apelo dos comerciantes deu razo a um verdadeiro boom de liminares que vetaram

    as manifestaes, na mesma medida que, entretanto, uma srie de outras no concederam as

    tutelas judiciais pleiteadas, estas vindas principalmente do Rio de Janeiro. Das favorveis, por

    exemplo, cite-se a que concedeu em favor do Shopping JK Iguatemi (um dos mais luxuosos de

    So Paulo), a liminar para que todo aquele, flagrado causando tumulto, respondesse por uma

    multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais)4. V-se, portanto, a disparidade no entendimento

    jurisprudencial sobre o tema, o que refora a necessidade de estudar o fenmeno social em

    questo sob a tica do direito.

    2. Do conflito entre direitos fundamentais

    3 Dirio Catarinense. Entenda o que so os rolezinhos e a repercusso que causaram na internet. Disponvel em: Acesso em: 23-03-2014 4 Site de Notcias Terra. SP: shopping de luxo obtm liminar para barrar 'rolezinho'. Disponvel em: Acesso em: 23-03-2014.

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    Diante do panorama desenvolvido, fica mais fcil distinguir os interesses sociais e o

    direito posto em conflito, para, a partir da, propor uma soluo. De um lado, temos uma enorme

    quantidade de pessoas, sedentas por real representatividade social e poltica, que viram, nos

    rolezinhos, uma maneira de lutar por seus interesse, ou mesmo, to somente darem

    visibilidade a sua marginalidade social (no sentido, propriamente, de viverem margem da

    sociedade, estando excludas do processo poltico e de desenvolvimento das grandes cidades).

    De outro, temos os comerciantes dos shoppings centers, representados na forma da pessoa

    jurdica de direito privado, que veem nos movimentos uma ameaa ao seu espao de comrcio

    e consequentemente aos seus lucros.

    O direito no qual se pousam os manifestantes encontra-se insculpidos na Constituio

    Federal em seus art. 5, IV, XV, XVI. Trata-se, em suma, do direito liberdade, tanto a

    liberdade individual de locomoo e expresso de pensamento, como, coletivamente,

    liberdade de reunio pacfica em local aberto ao pblico. De fato, os direitos mostram-se

    presentes no caso em concreto, entretanto, coexistem outros em questo, donde nasce o aparente

    embate de normas, o direito propriedade da pessoa jurdica do shopping center, igualmente

    protegidos no art. 5, XX, da Constituio Federal.

    Primeiro, preciso tomar em conta que os direitos fundamentais vinculados ao tema

    nada mais so que princpios expressamente previstos na Constituio Federal. Isso nos deve

    recordar que, como lecionado por Andr Ramos Tavares, tais dispositivos constitucionais que

    enunciam direitos fundamentais no comportem somente uma fora normativa, mas, por seu

    valor, encarnem verdadeira carga de princpio (TAVARES, 2010:413). O que existe no caso

    dos rolezinhos, portanto, um verdadeiro caso de conflito de princpios.

    Os princpios, conforme Robert Alexy, so espcies normativas que representam

    mandamentos de otimizao. So normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida

    possvel, dentro das possibilidades jurdicas e reais existentes, sendo estas possibilidades

    determinadas pelos princpios e regras em oposio. Segundo o mesmo autor, os princpios

    possuem uma carga geral que somente completada no caso em concreto. Assim, ao contrrio

    das regras, puramente geradoras de um dever ser quando preenchidos todos os requisitos nela

    insculpidos, os princpios tem sua razo dependente das circunstncias do caso concreto

    (ALEXY, 2002:99).

    Disso extrai-se, principalmente, que os princpios fundamentais previstos

    expressamente na Constituio Federal, dado seu carter geral, so espcies normativas

    includas no ordenamento jurdico para salvaguardar os direitos de maior relevncia. Tanto

    assim que, diferentemente das to somente normas, quando h um conflito entre princpios, a

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    soluo encontra-se na valorao dos mesmos e escolha daquele mais preponderante no caso

    concreto. Um princpio no exclu outro, mas apresenta maior fora vinculante, de dever ser,

    portanto, a depender da circunstncia moldada pelo caso concreto.

    No caso estudado, portanto, o exerccio a se fazer ser o de ponderao dos princpios

    em jogo para s ento conhecer qual aquele mais relevante.

    2.1 O direito fundamental dos manifestantes: das liberdades

    Os primeiros princpios a ampararem os protestantes so o direito liberdade de

    locomoo, de manifestao de pensamento e, por ltimo, o direito reunio. Tais direitos

    compe parte do rol das chamadas liberdades pblicas. Quanto a estes, o principal caractere a

    ser tomado em conta a limitao. As liberdades, sejam individuais ou coletivas, no podem

    ser exercidas de maneira ilimitada, sob pena de ferir-se direito alheio, comprometendo a vida

    em sociedade e a existncia do prprio Estado Democrtico de Direito. Exerce, assim, o Estado,

    importante papel como limitador das liberdades, no sentido de o fazendo contribuir para que

    todos, e no somente um ou outro indivduo, possa dar vazo aos seus projetos de vida, bem

    individual ultimo protegido pela liberdade, a saber, o direito de buscar a felicidade (MARTINS

    FILHO, 2010:289).

    Faz parte do homem o direito de expressar seus pensamentos, e este mesma uma

    caracterstica nica deste se comparado a outros seres vivos. Faz parte do homem expor suas

    ideias e, o fazendo, unir-se a outros, politicamente ou no, para com isto buscar mudanas ou

    benefcios para o interesse de uma classe ou grupo de pessoas. Nada mais o que ocorre no

    caso dos rolezinhos: o que temos em tais reunies o encontro pacfico para expresso,

    mesmo que sem palavra alguma, do forte desejo de representao de uma classe

    economicamente e socialmente pouco valorizada.

    O direito dos comerciantes, doutro norte, tambm encontra-se amparado na

    Constituio Federal no mesmo rol de direitos fundamentais, art. 5, XXII, que garante a todos

    o direito de propriedade. Assim como o direito liberdade, o caractere de relevo desta garantia

    tambm a limitabilidade, no caso, a limitao da propriedade sua funo social. Nas palavras

    de Jos Miguel Garcia Medina: A garantia constitucional, assim, envolve a proteo

    propriedade privada (o que manifestao do direito fundamental liberdade), mas tambm a

    sujeio da propriedade privada a uma destinao social5. Tal funo social, nas palavras do

    5 Jos Miguel Garcia Medina, Constituio Federal Comentada, p.82.

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    mesmo autor, no significa retirar do proprietrio o direito de exercer a propriedade fosse

    assim a propriedade restaria deturpada, pois o direito correspondente inexistiria.6

    este, a nosso ver, o ponto crucial do trabalho: conhecer se a est havendo a devida

    compatibilidade entre o direito de reunio e s liberdades de locomoo e expresso com a

    propriedade privada e sua funo social.

    2.2 O direito propriedade privada

    Os shoppings centers so propriedades privadas, e como tal, tambm devem obedecer

    funo social. Trata-se de verdadeiro condomnio sui generis, no qual as regras a serem

    observadas pelos lojistas encontram-se no contrato normativo do shopping, que funciona como

    conveno condominial (VENOSA, 2011:405). Assim, enquanto cada lojista a tem a posse ou

    propriedade da unidade autnoma (seja por aquisio ou mesmo contrato de locao) vinculada

    a toda estrutura do shopping, existem tambm as reas comuns, destinadas ao trnsito de

    pessoas, mas sempre vinculada por meio do affectio societatis (em sentido amplo) do

    empreendimento. Fica claro, neste ponto, que a natureza jurdica dos espaos comuns dos

    shoppings continua a ser privada, ainda que diante de uma aparncia de espao pblico.

    No h como separar uma parte do shopping das demais, sendo seu conjunto voltado

    ao fornecimento de produtos e servios de maneira mais cmoda aos seus consumidores. Nas

    palavras de Joo Carlos Pestana de Aguiar:

    O Shopping center, anglicanismo de origem norte-americana, consiste

    num empreendimento de construo dispendiosa, destinada a um

    conjunto comercial composta de vrias lojas de maior (ncoras) e

    menor dimenso (satlites), todas voltadas para galerias internas

    confortveis, sendo as lojas logicamente localizadas quanto aos

    negcios nelas explorados (tenant mix), fornecendo ao consumidor

    facilidades de acesso (estacionamento), requintes na apresentao do

    conjunto, qualidade dos produtos, segurana, conforto e lazer, atrativos

    que sustentam o sucesso do empreendimento.7

    A inteno daqueles que organizam-se nesta forma de empreendimento justamente

    potencializar seus lucros, por meio da unio de lojas de diversos setores em um ambiente

    agradvel e seguro, agindo como um facilitador para que o cliente encontre aquilo que deseja e

    6 Ibidem 7 Joo Carlos Pestana de Aguiar, Nova Lei das Locaes Comentadas, p.96

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    at, como se sabe, aquilo que no procurava, mas, por estar ali em seu caminho, acaba

    adquirindo. Aderem os corredores e espaos comuns dos shoppings ao prprio empreendimento

    principal, como j foi constatado em simpsio realizado em 1983 sobre o tema pela ESMN

    (Escola Superior da Magistratura Nacional), que ao alencar os elementos fundamentais dos

    shoppings, apontou a necessidade de existirem corredores e espaos que permitam o

    consumidor deslocar-se de uma loja a outra e, consequentemente, ao observar lojas

    desconhecidas ou que no tinham interesse em visitar, sejam estimulados compra (SLAIBI

    FILHO, 1986:344)

    O que os manifestantes fazem, ento, por mais que revestido da adequada justificativa,

    seja para a expresso de sua opinio poltica ou mesmo cultural, fere o direito propriedade

    dos comerciantes que, constitudos na forma do Shopping Center, sofrem prejuzos no pleno

    exerccio da sua propriedade e at mesmo no exerccio de sua profisso comercial. Como

    exposto, os espaos e corredores dos Shoppings Centers so essenciais ao exerccio do comrcio

    e sucesso do empreendimento como um todo. No caso, como ambos os direitos apresentados

    no comportam o exerccio ilimitado, mas sim limitado frente a outros interesses sociais, deve-

    se questionar: razovel a garantia das liberdades de expresso e reunio, ainda que ferindo

    outras? No parece.

    2.3 Da anlise dos direitos fundamentais e ponderao dos princpios

    Como todo conflito entre princpios, nos casos em que ambos possuam sua relevncia,

    como o caso, a soluo deve pautar-se no exerccio de um julgamento de razoabilidade na

    ponderao, permitindo a escolha dobre qual direito fundamental deve ser preservado frente a

    outro. No razovel a invaso de propriedade privada, ainda que em nome de um interesse

    pblico, sem um motivo de importncia tal que torne aquele o nico meio para o seu exerccio.

    , por exemplo, o que ocorre com as desapropriaes, em que a invaso da propriedade privada

    s realizada em ltima instncia, diante de esgotados outros meios para a satisfao do

    interesse pblico que se quer tutelar. No caso dos protestos, no o que ocorre, de maneira que

    irrazovel o prejuzo que os protestos, ora realizados em propriedade privada, uma vez que

    existem outros locais, de fato pblicos e de livre acesso, em que os mesmos podem ocorrer.

    Retomando assim o conceito de Robert Alexy de ao realizar-se a ponderao a escolha

    deve pautar-se no princpio de maior fora vinculante, esta encontra-se representada no direito

    propriedade que cumpre sua funo social. Como se viu, a funo social da propriedade dos

    shoppings eminentemente privada e no compatvel com a liberdade de expresso e reunio,

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    de igual modo constitucionais, mas que so exercidas com abuso no caso dos rolezinhos, uma

    vez que os shoppings no so o nico local passvel de acontecer tais encontros, muito menos

    essenciais para que os protestos tenham o efeito pretendido.

    3. A Jurisprudncia em conflito

    Neste sentido tem sido algumas decises a respeito do tema, que embora ainda em

    sede de cognio sumria, vez que foram concedidas em deciso antecipatria dos efeitos da

    tutela, mostram a tendncia dos tribunais para buscarem a coexistncia dos direitos em jogo e

    a preservao da propriedade, observando o exerccio da liberdade individual e de reunio

    dentro dos limites da razoabilidade. A este respeito, o interessante julgado do desembargador

    Rmulo Russo, no qual abordou alguns temas do que aqui discutiu-se:

    (..) Dar um role no shopping no novidade. Jovens, adolescentes e pr-adolescentes, desde os anos 90, encontram-se passeando em shoppings. Vo

    a esses centros de compras (varejo/atacado) para conversar, paquerar, ouvir

    msica, etc.

    O agora denominado rolezinho, portanto, no fato social novo. A novidade que se verifica est localizada em sua dimenso (material e social), o que lhe

    repassa outra face.

    Registre-se que, desde a promulgao da Carta da Repblica de 05/10/1988,

    a sociedade civil vive um momento de real efervescncia social e jurdica,

    particularmente em relao ao exerccio de direitos constitucionais que

    durante a ditadura militar eram desconhecidos dos cidados, os quais

    passaram a fazer valer seus direitos e assim em nmeros impressionantes -

    vieram ao Poder Judicirio.

    Contudo, a vigncia da nossa carta republicana no alterara e no poderia

    modificar imediatamente o quadro social.

    Isto tudo dito porque vivemos uma sociedade complexa, na qual se encorpa

    o declnio dos valores morais, a degradao da educao e o pouco respeito

    ao direito alheio. Falta-nos, pois, madureza democrtica.

    A par disto, marque-se que o exerccio de um direito, fundamental ou no,

    implica, ordinria e necessariamente, no dever de apreo ao direito dos

    outros seres humanos.

    necessria, portanto, a coexistncia das liberdades de um para que

    sobreviva a liberdade do outro.

    Assim sendo, do senso democrtico o dever de no proibir, direta ou

    indiretamente, o exerccio dos direitos e liberdades de um em prol dos outros,

    particularmente porque no existem direitos absolutos, salvo, ao que penso, o

    direito constitucional garantido pelo sufrgio universal e pelo voto direto e

    secreto com peso idntico.

    Nessa linha de raciocnio, vive-se um Estado Democrtico de Direito, tpico

    das sociedades e democracias modernas, nas quais os direitos e garantias

    pblicas se autolimitam e assim permitem a harmonia de todos na vida com

    dignidade humana (art. 1, 3, da Constituio Federal).

    (...)

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    A estabilizao e harmonia do exerccio da cidadania, luz da Constituio

    Federal e das leis em geral, depende, portanto, que cada um exera seu direito

    sem perturbar o direito do outro, em justa medida para o bem estar social de

    todos, harmonizando-se, assim, a funo til dos direitos em confronto. Em

    outras palavras: lcito o rolezinho desde que efetivamente no venha a perturbar, abafar, causar temor, ou restringir idntico direito

    substantivo de quem quer estar pacificamente naquele mesmo espao.

    Na dvida, h de prevalecer o direito liberdade de todos, ainda mais

    porque o constitucionalismo brasileiro emana de constituio ecltica e

    pluralismo axiolgico. consectrio da prpria noo de liberdade, portanto,

    que as aes humanas sejam limitadas, a fim de viabilizar-se a coexistncia

    pacfica dos indivduos.

    Como nem sempre tal ocorre, o processo a via adequada para que se realize

    acomodao hermenutica dos diversos direitos protegidos pela Carta da

    Repblica, lanando-se mo da interpretao sistemtica, axiolgica e da

    teoria da argumentao, o que justifica a incidncia do princpio da

    razoabilidade em prol da ponderao cautelar do exerccio do direito ao

    rolezinho. Posto isto, com amparo axiolgico nos valores humanos contidos na CF,

    fundamental salvaguardar a vida, a integridade fsica, a paz pblica e o

    patrimnio material, moral e intelectual de todos, sobretudo, porque o que a

    sociedade constata at agora que tais movimentos crescem como uma onda

    e acabam tendo a adeso de vndalos. Assim sendo, a prudncia recomenda e

    a razo ilumina que no se homologue a criao de riscos provveis e evitveis

    vedados pelo ordenamento jurdico penal.

    Por outro lado, de rigor fixar que os shoppings centers so constitudos

    por ambientes peculiares de acesso ao pblico, no qual pobres e ricos

    podem aproveitar seu tempo til de lazer, compras e servios.

    Nestes centros comerciais, os quais no foram idealizados e construdos

    para a recepo de grandes massas humanas em um nico momento, no

    h a possibilidade real e concreta de dar segurana juno dos

    rolezeiros com os demais consumidores que l j estejam. Os shoppings, em seu espao interno (corredores e lojas) no tm

    condies materiais de receber nenhuma multido, nem mesmo

    movimentos multitudinrios, sobretudo quando as redes sociais j tm

    por confirmadas quase 800 pessoas.

    Por isso no vivel a admissibilidade do rolezinho nos shoppings, ainda mais porque a experincia mostra que so poucas as sadas de emergncia e

    que normalmente no h rotas de fuga, o que torna superlativa a cautela deste

    caso.

    Alis na capital de So Paulo, o rolezinho pode dar-se em praas e parques pblicos, no sambdromo, eventualmente em estacionamentos de shoppings,

    talvez no Anhembi, circunstncias estas que os organizadores devem

    diligenciar junto Municipalidade de So Paulo. (...) (grifos acrescidos)8

    No obstante, tambm encontram-se julgados em sentido contrrio, que, em que pesem

    os conflitos envolvidos, consideram que o teor dos rolezinhos, como movimento social, no

    ilegal nem mesmo comporta restrio pelo judicirio. Os que defendem tal entendimento

    fazem-no considerando a questo como meramente de segurana pblica, visto que, apesar de

    8 11 Cm. Civ., AgrI n 2011268-32.2014.8.26.0000, Rel. Des. Rmulo Russo, j.06.02.2014.

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    em alguns eventos constatar-se a ocorrncia de efetivos prejuzos aos shoppings centers, no

    o que ocorre na maioria dos casos, em que os movimentos so pacficos e no fornecem riscos

    comunidade local ou ao empreendimento. Seria, portanto, dever do executivo, por meio da

    polcia militar, zelar pela segurana tanto dos manifestantes quanto dos lojistas e frequentadores

    dos shoppings, no prestando os interditos possessrios para tanto. A exemplo, vejamos parte

    da deciso proferida pelo TJRJ, que abordou o tema:

    (...) O documento de fls.36 noticia o evento marcado para a data de sbado,

    presumindo-se ser em 18 de janeiro de 2014, com a finalidade de: em apoio

    galera de So Paulo, contra toda forma de opresso e discriminao aos

    pobres e negros, em especial contra a brutal e covarde ao diria da polcia

    militar Concentrao na entrada principal!!!, se verificando o registro de 305

    confirmaes de presena.

    No se encontram presentes, porm, os requisitos legalmente exigidos para a

    concesso da tutela jurisdicional pleiteada, em sede liminar, nos moldes

    previstos pelo Cdigo Civil. Isto porque no houve demonstrao

    inequvoca de que este movimento, que sequer tem seus componentes

    identificados nos autos, possam praticar atos que, por si s, sejam aptos

    a despertar o justo receio de turbao ou esbulho iminentes, nos termos

    das alegaes constantes da exordial. Inexiste qualquer comprovao

    nestes autos de que os participantes deste movimento iro praticar atos

    criminosos ou mesmo que iro provocar tumultos, badernas ou mesmo

    manifestaes nas dependncias do empreendimento ru.

    Os interditos possessrios so instrumentos jurdicos para a defesa da posse,

    no sendo admissvel que o juiz se esquea da situao ftica real existente no

    local, onde no se luta pela posse, mas por outros valores, cuja Constituio

    Federal e o Estatuto da Criana e do Adolescente protege. O Cdigo Civil,

    dessa forma, no pode se prestar a socorrer a parte autora, como se ali

    existisse, meramente, uma questo possessria.

    O movimento, que vem se verificando com alguma frequncia em outros

    empreendimentos comerciais no Estado de So Paulo e de outros Estados da

    Federao no visa expropriao ou posse dos bens mveis e imveis da parte

    autora. Busca, isso sim, a realizao de encontro de jovens em grande nmero,

    para fins de darem um rolezinho ou seja, um passeio no shopping, o que vem

    assustando, nem sempre com razo, comerciantes e frequentadores habituais

    desses locais. Com efeito, se correto afirmar que distrbios se verificaram

    em eventos semelhantes em outras cidades, tambm cedio que muitos deles

    transcorreram de forma pacfica, sem a ocorrncia de crimes, nada justificando

    o cerceamento prvio dos jovens.

    A questo refere-se, essencialmente, aos eventuais excessos,

    caracterizadores de atos ilegais, e o papel do prprio Estado, atravs de

    seus agentes de segurana, a qual cumpre velar pela segurana da

    populao e represso da criminalidade, nos eventos em tela, e no de

    proteo possessria. Observe-se, ademais, que a natureza do

    empreendimento comercial da parte autora visa atrair pessoas e possveis

    consumidores, em ambiente propcio e agradvel, para fins de

    comercializarem os produtos e servios oferecidos. Desta forma, embora seja

    tal empreendimento comercial uma propriedade privada, trata-se tambm de

    local aberto ao pblico em geral, com possibilidade de livre circulao de

  • III Congresso Jurdico e III Encontro Tcnico-Cientfico em Direito no Mato Grosso do Sul

    Campo Grande, 26 a 30 de maio de 2014. Realizao: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

    pessoas, respeitados inclusive os direitos dos consumidores. (...)9 (grifos

    acrescidos)

    Em que pese o posicionamento desta correte de julgados, observados principalmente

    no estado do Rio de Janeiro, at mesmo tendo em vista todo aqui discutido e a amplitude dos

    direitos fundamentais envolvidos, parece limitador restringir o conflito de normas (em sentido

    lato) dos rolezinhos mera lide possessria, como se deu. Pelo contrrio, e em que pese no

    haver posicionamento em deciso definitiva sobre o tema na jurisprudncia ptria, seguindo a

    linha de raciocnio aqui apresentada, o conflito entre os princpios fundamentais em jogo pende

    para a limitao das liberdades, uma vez que esto sendo exercidas em flagrante abuso por parte

    dos manifestantes.

    Concluso

    A pesquisa permitiu notar a amplitude dos temas envolvidos e, principalmente, quando

    se trata da de direitos fundamentais, a necessidade de ponderar diversos fatores da situao de

    fato que envolve o tema. No caso dos rolezinhos, pode-se notar que o embate dos direitos

    fundamentais envolvidos, no que tange ao exerccio das liberdades consideradas e o regular

    exerccio do direito de propriedade, vai muito alm de um confronto entre um direito pblico

    (no sentido de pertencer a uma coletividade) e um direito particular. Representa, sim, uma

    discusso sobre os limites das liberdades perante o direito de propriedade.

    Depois de uma adequada qualificao dos direitos envolvidos de cada uma das partes

    (manifestantes e lojistas dos shoppings centers), concluiu-se pelo abuso no exerccio das

    liberdades individuais e coletivas consideradas no movimento em questo. Pde-se ver, em que

    pese a existncia de julgamentos em sentido contrrio (nenhum deles em definitivo, entretanto),

    que o movimento se mostra incompatvel com o espao pblico dos shoppings centers. Em

    importante nota, ainda, que os direitos fundamentais de modo geral, como princpios superiores

    institudos pela Constituio Federal de 1988 na regulao do Estado Democrtico de Direito,

    devem, ao mximo, serem mantidos em harmonia, nenhum se sobrepondo a outro,

    principalmente quando se trata das liberdades.

    Referncias Bibliogrficas

    9 1 V. Civ., AC 0000523-80.2014.8.19.0207, j. 21/01/2014.

  • III Congresso Jurdico e III Encontro Tcnico-Cientfico em Direito no Mato Grosso do Sul

    Campo Grande, 26 a 30 de maio de 2014. Realizao: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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