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Eng. sanit. ambient. 435 Vol.13 - Nº 4 - out/dez 2008, 435-442 Viabilidade ambiental no licenciamento de empreendimentos perigosos ARTIGO TÉCNICO A VIABILIDADE AMBIENTAL NO LICENCIAMENTO DE EMPREENDIMENTOS PERIGOSOS NO ESTADO DE SÃO PAULO ENVIRONMENTAL VIABILITY AT HAZARDOUS PROJECTS IN SÃO PAULO STATE, BRAZIL MARCELO MONTAÑO Engenheiro Mecânico, Mestre e Doutor em Hidráulica e Saneamento pela EESC/USP. Professor no curso de Engenharia Ambiental da UNICOC – Ribeirão Preto MARCELO PEREIRA DE SOUZA Professor Titular do Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC/USP Recebido: 03/12/07 Aceito: 23/10/08 RESUMO A verificação da viabilidade ambiental de empreendimentos e atividades previamente à sua implantação constitui a fi- nalidade do licenciamento ambiental como instrumento de política e gestão do meio ambiente, o que confere à etapa de licenciamento prévio uma posição de destaque na aplicação deste instrumento. Tal pressuposto deve ser aplicado a todos os tipos de empreendimentos potencialmente impactantes, notadamente àqueles que oferecem risco à população. O presente trabalho apresenta uma discussão dos principais aspectos relacionados à viabilidade ambiental de empreendi- mentos perigosos frente aos procedimentos de licenciamento adotados no Estado de São Paulo. A partir da descrição de dois processos distintos de licenciamento ambiental para sistemas de distribuição de gás natural, questiona-se a eficácia deste instrumento e da Avaliação de Risco Ambiental na análise de viabilidade ambiental deste tipo de empreendimento. PALAVRAS-CHAVE: Licenciamento ambiental, viabilidade ambiental, avaliação de risco ambiental. ABSTRACT The environmental licensing is an instrument that holds the analysis of environmental viability applied to projects and activities. It must be applied, obviously, before their implementation. This prerogative must be extended to all types of projects, especially those which offer some kind of risk. The present paper discuss some aspects of environmental viability related to the environmental licensing of hazardous projects as it occurs in Sao Paulo State, Brazil. Considering two different licensing processes of natural gas distribution systems, the paper questions the efficacy of this instrument and environmental risk assessment as instruments of environmental viability analysis. KEYWORDS: Environmental licensing, environmental viability, environmental risk assessment. INTRODUÇÃO A natureza coletiva do meio am- biente impõe ao Poder Público o dever de orientar o uso dos recursos naturais em níveis tais que seja mantida a capaci- dade produtiva dos diferentes sistemas e compartimentos ambientais. Em outras palavras, significa que o Estado tem a prerrogativa de avaliar as propostas de intervenção no meio e estabelecer as condições para que estas se tornem ambientalmente viáveis. A capacidade dos países em pro- mover o crescimento econômico junta- mente com a proteção ao meio ambien- te começa pelo estabelecimento, por parte de seus tomadores de decisão, de prioridades e políticas compatíveis entre si. Conforme observa Hecht (1999), a incorporação da sustentabilidade ambiental como um paradigma a ser observado pelos administradores du- rante o processo de tomada de decisão não é uma tarefa fácil, considerando a urgência por resultados de curto prazo imposta por conflitos de natureza eco- nômica, social e ambiental. Por sua vez, incorporar a dimensão da viabilidade ambiental nos processos de tomada de decisão tem sido um gran- de desafio para planejadores e adminis- tradores públicos e privados, uma vez que demanda ações que incidem sobre os horizontes espacial e temporal e, por conseguinte, potencialmente confli- tantes (especialmente considerando-se interesses puramente econômicos). A esse respeito, no âmbito das po- líticas públicas voltadas para as questões de meio ambiente e desenvolvimento, têm sido criados e aprimorados diversos instrumentos que podem contribuir para a compatibilização entre as ativi- dades antrópicas e a capacidade do meio em suportá-las, maximizar a qualidade de vida das populações humanas e mini- mizar os impactos ambientais negativos, observados os padrões de qualidade previamente estabelecidos. Na perspectiva moderna de gestão, desenvolvimento (em sentido amplo) e meio ambiente são entendidos como elementos indissociáveis e, segundo Sachs (2006), as estratégias de cresci- mento econômico devem ser reformu- ladas em torno de novos alicerces que não os da externalização dos custos sociais e ambientais e da ampliação da desigualdade social e econômica. Nas

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Artigo sobre Licenciamento Ambiental

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  • Eng. sanit. ambient. 435 Vol.13 - N 4 - out/dez 2008, 435-442

    Viabilidade ambiental no licenciamento de empreendimentos perigosos

    Artigo tcnico

    A viAbilidAde AmbientAl no licenciAmento de empreendimentos perigosos no estAdo de so pAulo

    EnvironmEntal viability at hazardous projEcts in so paulo statE, brazil

    Marcelo MontaoEngenheiro Mecnico, Mestre e Doutor em Hidrulica e Saneamento pela EESC/USP. Professor no curso de Engenharia

    Ambiental da UNICOC Ribeiro Preto

    Marcelo Pereira de SouzaProfessor Titular do Departamento de Hidrulica e Saneamento da EESC/USP

    Recebido: 03/12/07 Aceito: 23/10/08

    RESUMO

    A verificao da viabilidade ambiental de empreendimentos e atividades previamente sua implantao constitui a fi-nalidade do licenciamento ambiental como instrumento de poltica e gesto do meio ambiente, o que confere etapa de licenciamento prvio uma posio de destaque na aplicao deste instrumento. Tal pressuposto deve ser aplicado a todos os tipos de empreendimentos potencialmente impactantes, notadamente queles que oferecem risco populao. O presente trabalho apresenta uma discusso dos principais aspectos relacionados viabilidade ambiental de empreendi-mentos perigosos frente aos procedimentos de licenciamento adotados no Estado de So Paulo. A partir da descrio de dois processos distintos de licenciamento ambiental para sistemas de distribuio de gs natural, questiona-se a eficcia deste instrumento e da Avaliao de Risco Ambiental na anlise de viabilidade ambiental deste tipo de empreendimento.

    palavras-chave: Licenciamento ambiental, viabilidade ambiental, avaliao de risco ambiental.

    ABSTRACT

    The environmental licensing is an instrument that holds the analysis of environmental viability applied to projects and activities. It must be applied, obviously, before their implementation. This prerogative must be extended to all types of projects, especially those which offer some kind of risk. The present paper discuss some aspects of environmental viability related to the environmental licensing of hazardous projects as it occurs in Sao Paulo State, Brazil. Considering two different licensing processes of natural gas distribution systems, the paper questions the efficacy of this instrument and environmental risk assessment as instruments of environmental viability analysis.

    keywords: Environmental licensing, environmental viability, environmental risk assessment.

    INTRODUO

    A natureza coletiva do meio am-biente impe ao Poder Pblico o dever de orientar o uso dos recursos naturais em nveis tais que seja mantida a capaci-dade produtiva dos diferentes sistemas e compartimentos ambientais. Em outras palavras, significa que o Estado tem a prerrogativa de avaliar as propostas de interveno no meio e estabelecer as condies para que estas se tornem ambientalmente viveis.

    A capacidade dos pases em pro-mover o crescimento econmico junta-mente com a proteo ao meio ambien-te comea pelo estabelecimento, por parte de seus tomadores de deciso, de prioridades e polticas compatveis entre si. Conforme observa Hecht (1999),

    a incorporao da sustentabilidade ambiental como um paradigma a ser observado pelos administradores du-rante o processo de tomada de deciso no uma tarefa fcil, considerando a urgncia por resultados de curto prazo imposta por conflitos de natureza eco-nmica, social e ambiental.

    Por sua vez, incorporar a dimenso da viabilidade ambiental nos processos de tomada de deciso tem sido um gran-de desafio para planejadores e adminis-tradores pblicos e privados, uma vez que demanda aes que incidem sobre os horizontes espacial e temporal e, por conseguinte, potencialmente confli-tantes (especialmente considerando-se interesses puramente econmicos).

    A esse respeito, no mbito das po-lticas pblicas voltadas para as questes

    de meio ambiente e desenvolvimento, tm sido criados e aprimorados diversos instrumentos que podem contribuir para a compatibilizao entre as ativi-dades antrpicas e a capacidade do meio em suport-las, maximizar a qualidade de vida das populaes humanas e mini-mizar os impactos ambientais negativos, observados os padres de qualidade previamente estabelecidos.

    Na perspectiva moderna de gesto, desenvolvimento (em sentido amplo) e meio ambiente so entendidos como elementos indissociveis e, segundo Sachs (2006), as estratgias de cresci-mento econmico devem ser reformu-ladas em torno de novos alicerces que no os da externalizao dos custos sociais e ambientais e da ampliao da desigualdade social e econmica. Nas

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    palavras do autor, enquanto couber coletividade a responsabilidade pelas per-das e pela despoluio, nenhuma empresa se preocupar com isso.

    Na verdade, esse custo tem sido repassado sociedade por conta de uma deficincia alocativa do mercado, conforme argumentaes oriundas da teoria econmica neoclssica, estimu-ladas pela conivncia de um Estado negligente quanto necessidade de am-pliar o alcance de suas aes de proteo ambiental a comear por uma maior efetividade do licenciamento ambiental enquanto instrumento de poltica e gesto ambiental. (Jacobs, 1991).

    Para Snchez (2001), o acmulo de danos ambientais que devem ser reparados a fim de que seja mantida a qualidade ambiental de um determi-nado local est associado ao conceito de passivo ambiental. Macedo (1994) entende que os passivos ambientais constituem-se, genericamente, nos pro-cessos e efeitos adversos, permanentes ou temporrios, decorrentes do uso e da ocupao do solo realizados de maneira incorreta. Sob ambos os pontos de vista, mais uma vez, destaca-se a figura do licenciamento ambiental como papel central na resoluo dessa questo.

    Para os autores mencionados, tanto a gesto de organizaes quanto a gesto de territrios deveriam ideal-mente incorporar, em suas diretrizes de aes e processos, a busca pela elimina-o do passivo ambiental. Uma gesto comprometida com tal objetivo deve estar fundada sobre atitudes, princpios e compromissos capazes de demonstrar aos atores legitimamente interessados (vizinhos, funcionrios, clientes, poder pblico, sociedade, acionistas) os limites e as expectativas da gesto com relao ao uso, apropriao e transformao dos fatores ambientais bsicos.

    Com relao gesto voltada para objetivos de natureza ambiental, Souza (2000) indica que esta deve ser prioritariamente focada na anlise de viabilidade ambiental das aes hu-manas (instrumentalizadas por meio de planos, programas ou atividades), que por sua vez observa os seguintes fundamentos (Figura 1):

    determinada a partir da confron-determinada a partir da confron-tao das caractersticas do meio que ser afetado pela ao com as caracte-rsticas das aes que sero realizadas, considerando um horizonte temporal amplo, procurando-se determinar a intensidade dos efeitos sobre o meio;

    com base em padres ambientais de referncia, considera a necessidade de adoo de medidas mitigadoras como requisito para a manuteno da viabilidade ambiental;

    amparada de modo contnuoamparada de modo contnuo pelo monitoramento dos efeitos sobre o meio, aps a realizao da ao pro-posta, para verificao das condies reais de qualidade ambiental e aferio da efetividade das medidas de mitigao de efeitos.

    Estendendo tais fundamentos gesto ambiental realizada pelo Poder Pblico, majoritariamente conduzida por aes que incidem sobre o ordena-mento das atividades sobre o territrio, ou sobre o modo como estas podero ser realizadas (a partir do estabelecimento de requisitos de desempenho ambien-tal), a anlise de viabilidade ambiental s encontra efetividade plena quando empregada de forma preventiva (ou seja, antes da implementao da ao) e voltada para a avaliao de alternativas (tecnolgicas e locacionais).

    Dessa maneira, a anlise de via-bilidade ambiental de um empreendi-mento deve envolver a indicao, por parte do empreendedor, das melhores alternativas tecnolgicas e locacionais para a obra ou atividade, consideradas as melhores tcnicas disponveis para avaliar tais alternativas com relao aos impactos ambientais que sero causados, e considerada a opinio da sociedade envolvida (Snchez, 2006; Souza, 2000; Wood, 2002).

    No contexto do desenvolvimento sustentvel, as decises que envolvem a utilizao de recursos ambientais devem incorporar os pressupostos apontados anteriormente, verificando-se a com-patibilidade entre os efeitos decorrentes

    das aes sobre o meio ambiente e a manuteno da produtividade dos di-ferentes sistemas ambientais, procuran-do-se identificar a existncia de limites s solicitaes sobre o meio de modo a garantir a disponibilidade de bens e servios providos por tais sistemas.

    O presente trabalho apresenta uma discusso dos principais aspectos relacionados viabilidade ambiental de empreendimentos perigosos, para posterior anlise e considerao frente aos procedimentos do licenciamento ambiental adotados no Estado de So Paulo.

    A partir da anlise dos procedi-mentos de licenciamento ambiental aplicados a dois empreendimentos distintos para implantao de sistemas de distribuio de gs natural, cuja tra-mitao se deu no mbito da Secretaria do Estado de Meio Ambiente de So Paulo, procurou-se avaliar os principais aspectos relacionados eficcia deste instrumento (licenciamento ambien-tal) e da Avaliao de Risco Ambiental como elementos determinantes para a viabilidade ambiental de empreendi-mentos perigosos.

    O licenciamento ambiental e a viabilidade ambiental

    No mbito das aes de Estado, uma das maneiras de demonstrar a incorporao dos limites relacionados capacidade de suporte do meio e do de-senvolvimento sustentvel remete ava-liao prvia da viabilidade ambiental das aes propostas, realizada no Brasil eminentemente por meio do licencia-mento ambiental de atividades.

    O sistema de licenciamento am-biental brasileiro fundamentado

    Figura 1 fundamentos da gesto ambiental (modificado de Souza [2000])

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    no exerccio do poder de polcia por parte do Estado, em que se destacam a legitimidade e a necessidade de se restringir a ao do agente particular a fim de resguardar o interesse coletivo (Granziera, 2003; Machado, 1996). Tal sistema prev a necessidade dos empreendimentos terem seus projetos submetidos avaliao do Poder P-blico, desde a sua concepo, a entrada em operao, e continuamente aps essa etapa.

    A funcionalidade do licencia-mento ambiental como instrumento de gesto est vinculada existncia de instrumentos que atuem de modo complementar durante o processo de tomada de deciso que garantam des-de a fundamentao tcnica da deciso propriamente dita at a sua sustentao jurdico-institucional. A estruturao de um sistema de licenciamento am-biental eficiente, amparado por tais instrumentos, condio fundamental para o desempenho satisfatrio das aes do Estado relacionadas tutela do meio ambiente (conforme estabe-lece a Constituio Federal de 1988), associada necessria porm ainda pouco instrumentalizada co-respon-sabilizao da sociedade no trato da questo ambiental.

    Com relao aos fundamentos do licenciamento ambiental, cabe destacar os seguintes conceitos:

    o licenciamento ambiental um instrumento de poltica e gesto ambientais que se pauta pelos objetivos da Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), com destaque para a compatibilizao do crescimento econmico com a manuteno da qualidade ambiental;

    trata-se de um instrumento de tomada de deciso, fundamentada pela aplicao de outros instrumentos conforme o caso, como a avaliao de impacto ambiental, os parmetros de qualidade ambiental e outros instru-mentos e requisitos legais.

    Isso se reflete especialmente nas normas que orientam o processo de licenciamento ambiental atualmente em vigor. O processo de licenciamento, conforme institudo no Pas, se desen-volve a partir de trs etapas, cada qual com a sua finalidade especfica, con-forme dispe a Resoluo CONAMA 237/97 em seu artigo 8:

    a Licena Prvia (LP), na qual sea Licena Prvia (LP), na qual se atesta a viabilidade ambiental dos em-preendimentos e atividades submetidas

    ao licenciamento, aps aprovao de sua localizao e concepo tecnolgica;

    a Licena de Instalao (LI), que aprova o detalhamento tecnolgico ao nvel do projeto executivo, com espe-cial ateno s medidas de controle de poluio e mitigao de impactos (inclusive as que eventualmente tiverem sido acordadas a partir dos processos de participao pblica); e

    a Licena de Operao (LO), quea Licena de Operao (LO), que concedida aps verificao da efetiva implantao de todas as medidas de controle e de mitigao de impactos definidas nas etapas anteriores, inclusive com a realizao de testes para aferio de sua funcionalidade, se for o caso.

    A viabilidade ambiental pode ser entendida como uma propriedade fundamental das aes exercidas sobre o meio, que expressa a adequabilidade das atividades antrpicas sobre o meio ambiente frente aos padres de qua-lidade (estabelecidos formalmente ou negociados com as partes interessadas), levando-se em considerao a capacida-de do meio em assimilar um certo nvel de alteraes (impactos) provocadas por estas atividades. Sendo assim, concor-rem para a viabilidade ambiental de modo pleno as caractersticas do meio (fsico, bitico e antrpico) e as carac-tersticas (tecnolgicas) da atividade ou empreendimento que se pretende implantar, considerando o nvel de qualidade ambiental estabelecido para o momento da implantao e requerido ao longo do tempo.

    Verifica-se, portanto, que a estru-tura adotada no Brasil promove uma estreita ligao entre o licenciamento ambiental de atividades e a anlise de viabilidade ambiental. Assim, atestar a viabilidade ambiental dos projetos de empreendimentos e atividades previa-mente sua implantao constitui a finalidade precpua do licenciamento como instrumento de poltica e gesto do meio ambiente, o que confere etapa de licenciamento prvio toda a responsabilidade pela efetividade da aplicao deste instrumento. Afinal, no h anlise de viabilidade ambiental sem a considerao especfica do aspecto lo-cacional, cuja discusso ocorre somente ao longo da etapa de licenciamento prvio.

    As etapas posteriores (licencia-mento de instalao e de operao) apresentam, a rigor, uma relao dife-renciada com a componente locacional da viabilidade ambiental, vez que so

    focadas essencialmente nos aspectos tec-nolgicos relacionados incorporao pelos projetos de medidas de controle de poluio e mitigao de efeitos am-bientais estabelecidas inicialmente, em funo da localizao do empreendi-mento em pauta.

    Os empreendimentos perigosos e a viabilidade ambiental

    O termo empreendimentos peri-gosos aplicado no presente trabalho como referncia a instalaes e ativida-des consideradas perigosas, que podem colocar em risco a sade e a segurana da populao, conforme terminologia adotada pelos rgos ambientais no es-tado de So Paulo (CETESB, 2003).

    O tema do risco ambiental tem sido abordado de diferentes modos, segundo diferentes mtodos e por diferentes disciplinas. Com relao incluso do risco no campo da gesto pblica, destacam-se pelo menos duas abordagens complementares, associadas aos domnios das cincias sociais e da engenharia.

    Do ponto de vista das cincias sociais, o risco tem sido tratado como um elemento presente no cotidiano das sociedades modernas, que tm no risco um elemento intrnseco ao pro-cesso de desenvolvimento tecnolgico (Beck, 1992) e, portanto, reagem e se adaptam conforme sua influncia. De acordo com Veyret (2007), trata-se de um objeto social inicialmente percebido individualmente, associado a elementos de ordem natural, bem como s diversas atividades executadas pelo homem e aos empreendimentos em geral. A esse respeito, Jacobi (2004) destaca que a categoria de riscos ambientais pode englobar uma grande variedade de aci-dentes, com dimenses diversificadas, especialmente no contexto urbano.

    A gesto do risco passa por uma fase de transio em que se verifica a diminuio da influncia do campo tcnico, que a partir dos anos de 1980 consolidou um posicionamento dos gestores direcionado para a segurana ambiental e para o perigo das instala-es industriais. No momento atual, aquilo que Veyret (2007) chama de fantasias cientficas do a entender que o risco pode ser eliminado a ponto de restar apenas um elemento residual, a ser integrado s praticas de gesto.

    O risco passaria, portanto, a ser

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    algo que carece de uma construo a ser compartilhada entre diferentes atores sociais, especialistas e administradores. Um dos principais problemas decorren-tes desse entendimento remete como em outras situaes relacionadas ges-to do meio ambiente consolidao de canais de participao eficientes que permitam sociedade compartilhar o processo decisrio.

    Ocorre que, no campo da avalia-o de risco ambiental, verifica-se um amplo domnio do aspecto tcnico, o que reduz o risco a um elemento de origem essencialmente tecnolgica que, de acordo com Sanchez (2006) pode ser classificado como crnico (em que a exposio ao risco ocorre de forma con-tnua ao longo do tempo, como o lan-amento de um determinado poluente atmosfrico) ou agudo (exposio imediata ao fator de risco, ocasionada por algum tipo de acidente).

    Sob esse ponto de vista, sua mate-rializao objetiva est sempre associada ao humana, seja por conta de uma falha de projeto (de um determinado equipamento ou dispositivo de segu-rana) ou operacional (por impercia ou pela inobservncia de um determinado protocolo de segurana).

    O risco tecnicamente definido como o resultado do produto entre a probabilidade de ocorrncia de um evento considerado potencialmente perigoso e a extenso dos danos pro-vocados (que variam entre prejuzos materiais, financeiros, danos sade e aos ecossistemas ou, no limite, a perda de vidas humanas). Segundo a Society for Risk Analysis (SRA)1, risco o potencial da realizao de uma conseqncia adversa e indesejada vida humana, sade, propriedade, ou ao meio ambiente. Vista dessa forma, a avaliao de risco proporciona uma forma prtica de anlise do problema, segundo regras estatsticas, que expressa as probabilidades de todos os possveis valores de cada parmetro avaliado.

    Snchez (2001) destaca que, metodologicamente, a avaliao de risco tem incio com a identificao do perigo ou definio do problema. De-finidos os perigos, a prxima etapa a identificao das populaes receptoras potenciais e os locais de exposio. Pos-teriormente, na etapa de caracterizao do risco, so caracterizadas a natureza e

    a magnitude das conseqncias de tal exposio.

    Kirchhoff (2004) ressalta ainda que a caracterizao do risco a etapa em que os riscos so determinados e estimados. Para tal, os resultados das anlises de probabilidade e de conse-qncias so integrados. A estimativa do risco geralmente desenvolvida para ambos os riscos individuais e sociais (ou populacionais), sendo que o risco individual a probabilidade de ferimento, fatalidade ou doena no caso de indivduos expostos a um evento intenso, dentro de uma populao. O risco social, por sua vez, est relacionado a uma estimativa da incidncia dentro de uma populao total potencialmente exposta.

    Em termos prticos, diversos pases adotam o estabelecimento de critrios de aceitabilidade das diferen-tes modalidades de risco (individual e social) como parmetro indicativo do que se convencionou como o limite entre o risco aceitvel, gerencivel (ou negocivel) e inaceitvel.

    O Brasil adota como referncia os critrios estabelecidos pela Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Ambiental CETESB, rgo ambien-

    tal vinculado Secretaria de Estado do Meio Ambiente de So Paulo (SMA-SP). De acordo com as orien-taes deste rgo (CETESB, 2003), o critrio de aceitabilidade empregado para a avaliao do risco individual expressa o nmero de fatalidades por ano considerado aceitvel para empre-endimentos perigosos.

    Observando-se os critrios de acei-tabilidade de risco individual em vigor em diferentes pases, verifica-se que os limites adotados no Brasil para atividades industriais so idnticos aos utilizados no Reino Unido (para instalaes de pequeno porte) e Austrlia com relao aos patamares para risco aceitvel, geren-civel e inaceitvel (Figura 2).

    Os critrios brasileiros para ins-talaes fixas so, ainda, similares aos critrios em vigor na Holanda (con-siderando instalaes j existentes poca de seu estabelecimento) e Hong Kong, com relao ao limite de risco inaceitvel, e ficam muito aqum dos limites adotados no Reino Unido (para empreendimentos de grande porte), na Holanda (para novas instalaes) e na Venezuela (que tem tradio na avalia-o de risco para refinarias de petrleo e dutos de combustvel).

    1Trata-se de uma instituio profissional interdisciplinar, fundada em 1981 nos EUA, voltada anlise, gerenciamento e comunicao dos riscos.

    Fonte: modificado de Kirchhoff (2004)Figura 2 critrios de aceitabilidade de risco individual (no de fatalidades por ano) aplicados em diversos pases

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    Diferentemente dos pases apon-tados, que no fazem distino entre os critrios adotados para instalaes fixas ou empreendimentos lineares, os tcnicos brasileiros optaram por tra-balhar com valores diferenciados para o risco individual aplicados a dutos, assumindo que esse tipo de empreen-dimento apresenta um risco inferior s instalaes fixas.

    A anlise do documento tcnico que orienta a realizao de anlises de risco ambiental no Estado de So Paulo (CETESB, 2003), no deixa claro quais foram os fundamentos cientfi-cos para este tratamento diferenciado entre dutos e instalaes fixas, o que d margem a uma srie de questio-namentos. Vale lembrar que a cena poltica poca ainda se mostrava fortemente influenciada pela polmica possibilidade do apago, em funo do risco de colapso no fornecimento de energia eltrica no pas chamando a ateno para o fato da soluo apon-tada pelo governo brasileiro indicar um aporte significativo de gs natural na matriz energtica do pas.

    A partir de informaes obtidas junto CETESB foi constatado que, poca da determinao de tais critrios, no havia consenso em torno do melhor valor a ser adotado e, temendo invia-bilizar a instalao de dutos no Estado de So Paulo, foi adotado o critrio com uma ordem de grandeza menor que para outras atividades industriais. Nas palavras de Xavier (2003) apud Kirchhoff (2004):

    Na elaborao do Termo de Refe-rncia, acordou-se entre os membros do grupo tcnico que o elaborou, a reduo do valor de Risco Individual (RI) em uma ordem de grandeza. Naquele momento no havia experincia concreta na esti-mativa do RI para dutos, mesmo fora do pas. Receava-se que a adoo dos mesmos valores de RI para instalaes fixas pudesse ser altamente restritivo, inviabilizando esse tipo de empreendimento. Passados trs anos do uso do termo de referncia, e aps diversos licenciamentos de dutos ocorridos no estado de So Paulo, o que se observa que os novos dutos atendem ao critrio vigente com folga.

    De fato, os critrios brasilei- ros para dutos so os mais permissi-vos dentre todos os pases apontados anteriormente (dentre os quais no se verifica a distino realizada pela CETESB entre instalaes industriais e dutos).

    Licenciamento de empreendimentos perigosos no Estado de So Paulo

    A despeito das tcnicas desenvol-vidas para o estabelecimento do risco ambiental, sua definio envolta em aspectos bastante polmicos, levando em conta, inclusive, o grau de subjetivi-dade relacionado ao estabelecimento de patamares de risco. Contudo, associa-do ao risco h uma parcela objetiva de modificao das condies ambientais no entorno dos empreendimentos que, independentemente de parmetros pro-babilsticos, provocam restries quanto ao uso do solo. So, portanto, impactos ambientais contemplados pela definio formalmente adotada no Brasil, dada pela Resoluo CONAMA 01/86, e de-vem ser avaliados de modo prvio im-plantao de empreendimentos. Sendo assim, a anlise de viabilidade ambiental de empreendimentos perigosos envolve, necessariamente, a realizao de uma avaliao de risco ambiental.

    Tal instrumento deve cumprir uma dupla funo: alm de fornecer subsdios para que os tomadores de deciso definam quais medidas de mi-tigao iro adotar com relao ao risco do empreendimento, deve ser emprega-do na definio de sua localizao o que, no Estado de So Paulo, no tem sido praticado, conforme observado em diferentes casos prticos de licencia-mento ambiental de empreendimentos perigosos.

    No mbito do licenciamento ambiental, empreendimentos poten-cialmente causadores de degradao ambiental so sujeitos ao processo de avaliao de impacto ambiental, confor-me dispem as Resolues CONAMA 01/86 e 237/97 (federal) e SMA 54/04 (para o Estado de So Paulo). Sendo assim, tm sua viabilidade ambiental avaliada com base em estudos tcnicos, elaborados a partir das orientaes le-gais de carter geral e pelas orientaes especficas formalizadas pelo rgo ambiental competente, dependendo do caso.

    Pela legislao em vigor no Estado de So Paulo, tais estudos compreendem o Estudo Prvio de Impacto Ambiental EIA/RIMA, o Relatrio Ambiental Preliminar RAP e os Estudos Am-bientais Simplificados EAS, em ordem decrescente de complexidade e detalha-mento, que podem ser fundamentados por outros estudos especficos, como a prpria Avaliao de Risco Ambiental, entre outros.

    Portanto, para que a avaliao do risco ambiental seja empregada como subsdio para a anlise de viabilidade am-biental de empreendimentos perigosos, deve ser vinculada ao processo de Avalia-o de Impacto Ambiental instruindo o licenciamento prvio, a fim de orientar a discusso de alternativas locacionais. Nesse caso, os critrios de aceitabilidade de riscos devem ser empregados, em conjunto com os padres de qualidade ambiental, como referncia para a ve-rificao da viabilidade ambiental das propostas (Figura 3).

    Figura 3 insero dos critrios de aceitabilidade de risco na anlise de viabilidade ambiental e licenciamento.

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    Caso determinado efeito (ou im-pacto) sobre o meio seja causador de uma desconformidade ambiental, leva-se em considerao a possibilidade de adoo de medidas para sua mitigao. No sendo possvel, deve-se considerar uma nova alternativa na concepo do projeto, procurando-se eliminar tal efeito, ou uma nova alternativa locacional, em direo a um local que apresente capacidade de assimilao dos impactos.

    No Estado de So Paulo, a op-o pelo emprego indiscriminado de licenciamentos simplificados e a falta de regulamentao definitiva quanto aplicao da avaliao de risco tm provocado uma situao bastante des-confortvel para as partes interessadas, com a realizao dos estudos de risco num momento posterior anlise de viabilidade ambiental dos empreendi-mentos, ou seja, aps a definio de sua localizao.

    De fato, a norma que regulamenta a elaborao de anlises de risco no estado de So Paulo (CETESB, 2003) apenas menciona que, para sistemas de dutos, externos a instalaes industriais, destinados ao transporte de petrleo e seus derivados, gases ou outras substncias qumicas, sempre dever ser solicitada a elaborao de estudos de anlise de riscos durante o processo de licenciamento am-biental, sem esclarecer em que fase do licenciamento tal procedimento deve ser realizado.

    Assim, nos casos em que os estu-dos de anlise de risco ambiental so solicitados aps a emisso da licena prvia, esse instrumento tem sido empregado apenas para a identificao de medidas de mitigao de efeitos ambientais, sem que o risco associado aos empreendimentos exera qualquer influncia na definio de sua localiza-o, posto que j est definida.

    Tal postura, associada extrema permissividade dos critrios de aceita-bilidade de risco adotados no Estado (acompanhados pelo restante do pas), tem gerado situaes que se mostram em desacordo com os fundamentos da viabilidade ambiental descritos ante-riormente o que ser ilustrado a partir dos casos apresentados a seguir.

    ESTUDOS DE CASO

    Discute-se a seguir em que me-dida a viabilidade ambiental de dois empreendimentos para transporte de

    gs natural foi devidamente avaliada no processo de licenciamento ambiental para dois trechos implantados recente-mente no Estado de So Paulo.

    Destaca-se que os dois empreendi-mentos, implementados entre So Car-los e Porto Ferreira, e entre Araraquara e Ribeiro Preto, foram licenciados com base no Relatrio Ambiental Preliminar, uma modalidade de estudo ambiental significativamente mais simplificada em comparao com os requisitos para elaborao de EIA/RIMA, e cujo pro-cedimento apresenta srias limitaes participao da sociedade no processo decisrio.

    Alm disso, em ambos os casos, a avaliao do risco ambiental foi exi-gida apenas para instruir a solicitao da Licena de Instalao (LI), em que a sociedade praticamente no tem oportunidade de se manifestar, aps a aprovao (na LP) da localizao (no caso, o traado do duto) e da concepo tecnolgica do empreendimento.

    Trata-se de empreendimentos bas-tante similares em termos de concepo tecnolgica e porte, e que adotaram critrios muito parecidos para a defi-nio de seu traado. Sinteticamente, ambos os trechos foram implantados ao longo de rodovias estaduais e mu-nicipais, admitindo um afastamento apenas para uma adequao do rumo do duto, em direo s localidades de maior demanda pelo gs. Alm disso, em determinadas situaes, houve um ajuste no traado para evitar a travessia de fragmentos de vegetao nativa, a partir da manifestao do Departamen-to Estadual de Proteo aos Recursos Naturais DEPRN, rgo ambiental estadual que autoriza as solicitaes de supresso de vegetao nativa e interferncia em reas de preservao permanente e em reservas legais.

    Sem a realizao da avaliao de risco ambiental para a instruo da solicitao de Licena Prvia, a viabili-dade ambiental do empreendimento foi determinada quase que exclusivamente a partir da anlise dos impactos provo-cados sobre os meios fsico e bitico. Os empreendimentos foram tratados como obras convencionais de engenharia, com solues consagradas para a mitigao de seus efeitos que no envolvem, neces-sariamente, uma alterao no traado (travessias de corpos hdricos com furo dirigido, adoo de elementos de conten-o de eroso, compensao para as reas de vegetao nativa desmatada etc.).

    A no incluso de uma avaliao referente ao risco induzido pelo empre-endimento implica em negligenciar, na anlise de viabilidade ambiental, os im-pactos potenciais causados ao longo de sua etapa de operao especialmente os impactos relacionados materiali-zao dos riscos ambientais, fruto de condies anormais de operao.

    At esse momento, os impactos sobre o meio scio-econmico foram avaliados por uma abordagem que tam-bm se mostrou bastante simplificada desapropriao de uma faixa nas reas particulares atravessadas pelo duto, estabelecimento de uma faixa de servi-do para acesso e manuteno, adoo de medidas de gerenciamento de risco como sinalizao vertical, programas de orientao da populao etc.

    Tal abordagem permitiu a aprova-o dos traados propostos pelo empre-endedor sem a considerao dos riscos associados aos empreendimentos, o que culminou em situaes incongruentes com sua viabilidade ambiental. Em ambos os casos, possvel identificar trechos crticos em funo do risco associado ao empreendimento que de-veriam ser revistos pelo rgo ambiental antes da emisso da licena prvia, que ignoram as zonas de perigo associadas ao duto.

    O traado implementado sujeita a sociedade a um fator de risco que seria evitado com a adoo de critrios de localizao relacionados ao risco, conforme apresentado por Kirchhoff et al (2004) e Souza, Montao & Oliveira (2007). Ambos os trabalhos apresentam traados diferenciados para os empreendimentos discutidos no presente trabalho, considerados economicamente viveis, definidos a partir do estabelecimento de critrios para os meios fsico, bitico e antrpico, com afastamento das regies de aglome-rao de pessoas e de reas consideradas ambientalmente sensveis passagem do duto.

    Para ilustrar a situao encontrada, a Figura 4 apresenta um dos trechos considerados crticos entre So Carlos e Porto Ferreira. Nota-se que a zona de perigo calculada para o caso de rompi-mento do gasoduto neste trecho envolve boa parte de rea residencial, sujeita a um adensamento futuro e no conside-rado pela avaliao de risco elaborada pelo empreendedor. Para este trecho em especfico, a soluo apontada pelo empreendedor e acatada pelo rgo

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    Viabilidade ambiental no licenciamento de empreendimentos perigosos

    Vol.13 - N 4 - out/dez 2008, 435-442

    licenciador implicou no revestimen-to do duto com material reforado (conhecido como tubo-camisa) a fim de minimizar a possibilidade de rompimento do duto e suas eventuais conseqncias.

    No outro caso, no municpio de Ribeiro Preto, nota-se uma incompa-tibilidade locacional do traado e o uso do solo com agricultura intensiva, em que os implementos agrcolas empre-gados oferecem risco permanente ao duto, alm da proximidade com reas residenciais (Figura 5). Vale reforar que todos os trechos identificados como crticos apresentavam alternativas de traado economicamente viveis ao empreendimento.

    CONCLUSES

    Empreendimentos perigosos, como os gasodutos, devem levar em considerao as condies de ocupao do territrio durante o processo de de-finio de seu traado. To importante quanto avaliar os impactos sobre o meio fsico, nesses casos, a avaliao das modificaes impostas aos usos consoli-dados e s restries aos usos planejados, a fim de procurar minimizar tambm os conflitos decorrentes de incompatibili-dades associadas implantao destes empreendimentos.

    H que se considerar, ainda, a questo dos riscos associados ao em-preendimento. Em funo da grande

    Fonte: Kirchhoff (2004)Figura 4 incompatibilidades entre a zona de perigo e o uso do solo nas proximidades do duto, para um trecho do

    empreendimento implantado entre So Carlos e Porto Ferreira

    Fonte: Souza, Montao & Oliveira (2007), modificado de UMAH (2001)Figura 5 incompatibilidades com o uso do solo nas proximidades do duto, para um trecho do

    empreendimento implantado em Ribeiro Preto

    Uso agrcola intensivo - equipamentos de irrigao - e incompatibildiade do uso do solo e risco ao duto.

    Em processo de urbanizao.

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    Montao, M. & Souza, M. P.

    Vol.13 - N 4 - out/dez 2008, 435-442

    Endereo para correspondncia:

    Marcelo MontaoCentro Universitrio UNICOC Ribeiro PretoAv. Abraho Issa Hallack, 980 Ribeirnea14096-160 Ribeiro Preto - SPRibeiro Preto - SP - BrasilTel: (16) 3603-9998Fax: (16) 3603-9999E-mail: [email protected]

    permissividade dos critrios adotados no Brasil para a aceitao de riscos oriun- dos de gasodutos, qualquer que seja o traado proposto, este risco dificilmente ser inaceitvel. No mximo se apresen-tar como negocivel e o empreendedor ir afirmar em todos os casos sem exceo e por mais que exponha a popula- o ao risco que est atuando confor-me os padres que lhe foram fornecidos.

    Quanto ao processo de licencia-mento ambiental adotado no estado de So Paulo, a simplificao de seus procedimentos no pode desconsiderar os fundamentos tcnicos relacionados viabilidade ambiental, especialmente no caso de empreendimentos que possam ocasionar significativo impacto (como o caso de gasodutos), sob risco de des-conformidade ambiental das propostas e desconformidade jurdica dos processos de licenciamento.

    Sendo assim, fundamental que os estudos de anlise de risco ambien-tal sejam realizados durante a etapa de avaliao da solicitao de licena prvia para que suas constataes sejam adotadas como critrios orientadores do traado. Evidentemente, no se trata de ignorar o significado das avaliaes de risco, mas sim de entender suas limitaes conceituais e aplic-las com bom senso o que envolve, na prtica, o reconhecimento do risco como fator objetivo de impacto ambiental, acom-panhado por uma reviso dos critrios de aceitabilidade e uma adequao dos parmetros empregados para o clculo dos riscos individual e social.

    Os casos apresentados e discutidos no presente trabalho indicam que a localizao de atividades perigosas no tem sido discutida com base no risco associado a estes empreendimentos. Trata-se de um desvio significativo dos fundamentos conceituais que orientam a anlise de viabilidade ambiental de empreendimentos, que por sua vez constitui a finalidade precpua do licen-ciamento ambiental, em sua primeira etapa LP. Discutir o risco nas etapas posteriores do licenciamento (LI ou LO), como tem sido praticado, implica em admitir que esse aspecto no cons-titui um fator associado viabilidade ambiental, o que restringe sobremaneira o carter preventivo do licenciamento ambiental, seu alcance e eficcia.

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