artes visuais: desenho e pintura

8
Introdução As artes visuais na educação infantil ganham cada vez mais seu espaço, pois os estudos apontam a necessidade da criança ser entendida como um ser biopsicossocial e a arte clama pelo ser humano completo, que se entregue de corpo e alma, pois a arte para a criança possibilita reconhecer-se e expressar-se. Na sociedade contemporânea o tempo é outro, às vezes torna-se imperceptível, falta tempo! As crianças já não recebem educação apenas de seus pais, essa educação é compartilhada com a escola. A estrutura familiar não é homogênea, há muita diversidade no Brasil e sob todos os aspectos: sociais, econômicos, culturais, etc. O tempo de “fazer nada” não existe na escola, não é concebível. E como fica o aspecto emocional? Precisamos de tempo para parar, para pensar, sentir, perceber-se. As crianças também. Elas passam por diversos conflitos, estão conhecendo e tentando explorar o mundo que a cerca, há dificuldades motoras, próprias de seu desenvolvimento, a aquisição da fala, o seu próprio tamanho e a necessidade de aprender a cuidar de si é extremamente necessária. A influência da t ecnologia e da informação quase que instantânea afeta as suas “teorias”, as suas ideias. E o desenho, a pintura, a escultura, o recorte, a colagem, para que servem, então? O objetivo desse trabalho é demonstrar o impacto na vida de uma criança que tem oportunidade de se expressar, de brincar com diversos materiais, de explorar o mundo, de alfabetizar-se visualmente, e que nada está fragmentado, pois o processo único que as artes visuais proporcionam, facilita o aprendizado de outros conhecimentos como o científico, que experimenta, argumenta, expõe ideias, que usa a criatividade, reinventa, imita, memoriza, aprende. Alguns autores como Moreira, Derdyk e Richter fizeram parte do referencial teórico para esta reflexão. O ser humano comunica-se e as artes visuais são mais uma forma de expressão e manifestação de sua inteligência. Desenho O desenho é para criança uma forma natural de expressão. É brincadeira, descoberta, admiração, prazer. É reconhecimento de mundo, é percepção de espaço. Segundo Moreira (2010), o espaço do desenho é amplo, entendido não só pela sua expressão gráfica, mas pelo desenho de seu espaço lúdico, pela maneira de se projetar e

Upload: lechemi

Post on 18-Dec-2014

4.301 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Artes visuais: desenho e pintura

Introdução

As artes visuais na educação infantil ganham cada vez mais seu espaço, pois os

estudos apontam a necessidade da criança ser entendida como um ser biopsicossocial e a

arte clama pelo ser humano completo, que se entregue de corpo e alma, pois a arte para a

criança possibilita reconhecer-se e expressar-se.

Na sociedade contemporânea o tempo é outro, às vezes torna-se imperceptível, falta

tempo! As crianças já não recebem educação apenas de seus pais, essa educação é

compartilhada com a escola. A estrutura familiar não é homogênea, há muita diversidade

no Brasil e sob todos os aspectos: sociais, econômicos, culturais, etc. O tempo de “fazer

nada” não existe na escola, não é concebível. E como fica o aspecto emocional? Precisamos

de tempo para parar, para pensar, sentir, perceber-se. As crianças também. Elas passam por

diversos conflitos, estão conhecendo e tentando explorar o mundo que a cerca, há

dificuldades motoras, próprias de seu desenvolvimento, a aquisição da fala, o seu próprio

tamanho e a necessidade de aprender a cuidar de si é extremamente necessária. A influência

da tecnologia e da informação quase que instantânea afeta as suas “teorias”, as suas ideias.

E o desenho, a pintura, a escultura, o recorte, a colagem, para que servem, então? O

objetivo desse trabalho é demonstrar o impacto na vida de uma criança que tem

oportunidade de se expressar, de brincar com diversos materiais, de explorar o mundo, de

alfabetizar-se visualmente, e que nada está fragmentado, pois o processo único que as artes

visuais proporcionam, facilita o aprendizado de outros conhecimentos como o científico,

que experimenta, argumenta, expõe ideias, que usa a criatividade, reinventa, imita,

memoriza, aprende. Alguns autores como Moreira, Derdyk e Richter fizeram parte do

referencial teórico para esta reflexão.

O ser humano comunica-se e as artes visuais são mais uma forma de expressão e

manifestação de sua inteligência.

Desenho

O desenho é para criança uma forma natural de expressão. É brincadeira,

descoberta, admiração, prazer. É reconhecimento de mundo, é percepção de espaço.

Segundo Moreira (2010), o espaço do desenho é amplo, entendido não só pela sua

expressão gráfica, mas pelo desenho de seu espaço lúdico, pela maneira de se projetar e

Page 2: Artes visuais: desenho e pintura

pela necessidade de utilizá-lo como linguagem numa possibilidade de ver-se e rever-se

unindo pensamento e sentimento.

A criança passa por um processo de reconhecimento de si e do mundo e todas as

formas de expressão podem se tornar aliadas neste momento. “Desenhar objetos, pessoas,

situações, animais, emoções, ideias são tentativas de aproximação com o mundo. Desenhar

é conhecer, é apropriar-se”. Derdyk (2010, p.29). O desenho faz parte de um conjunto de

atividades plásticas e assume grande importância para o desenvolvimento emocional e

intelectual, pois, “é fonte original de criação e invenção é exercício da inteligência

humana”. Derdyk (2010, p.44).

Assim que o desenvolvimento motor permite às crianças bem pequenas manusear

objetos é possível oferecer materiais que possibilitem a marca no papel. A modificação, a

princípio sem intenção, torna-se um ato intencional quando ela percebe que pode fazer um

registro, isto é, visualizá-lo no papel ou em qualquer outro suporte. Surgem as garatujas,

prazer motor a partir de um jogo de repetição onde inicia o desenvolvimento gráfico da

criança repleto de significações que para nós pode não ser compreensível, mas como afirma

Derdyk:

A excitação motora conduz a outros gestos. Já está implícita aí uma

atividade mental, na medida em que a criança associa, relaciona, subtrai

ou adiciona um gesto a outro. O desenho é indecifrável para nós, mas

provavelmente, para a criança, naquele instante, qualquer gesto, qualquer

rabisco, além de ser uma conduta sensório-motora, vem carregado de

conteúdos e de significações simbólicas. (2010, p.55).

A consciência do papel do professor de educação infantil frente ao desenvolvimento

do grafismo poderá desencadear a posição de si mesmo, enquanto desenhista, reafirmando

uma crença de não conseguir desenhar, e da criança em relação ao desenho, tornando-se

meros copistas que não acreditarão que são capazes de aprender atrofiando o

desenvolvimento natural do mesmo, ou compreenderão que existe arte massificada que

caminha na contramão do ideal considerando que “A arte é separada da vida e não mais

manifestação da vida”. Moreira (2010, p.54).

Os desenhos pedagógicos prejudicam as crianças pequenas, eles a retiram do

processo de criação, proíbem o desenvolvimento da criação, da maneira de interpretar. Para

Moreira (2010, p.87), os desenhos pedagógicos são muito simplificados e atendem a uma

Page 3: Artes visuais: desenho e pintura

ideia abstrata do objeto e o que é compreensível para o adulto, muitas vezes não o é para a

criança, e assim, o desenho vai perdendo em significação para ela.

O professor deve oportunizar um espaço de vivências expressivas com uma grande

variedade de materiais, de acordo com a realidade de cada instituição, para que a criança

possa escolher e encontrar o seu próprio caminho, o que mais a satisfaz durante a criação

reconhecendo que “A vivência é a fonte do crescimento, o alicerce da construção de nossa

identidade. Fornece um leque de repertório, amplia a possibilidade expressiva”. Derdyk

(2010, p.17).

Infelizmente encontra-se ainda na educação concepções de ensino que não

concordam com a teoria citada acima e na prática: “A escola, porta-voz de uma visão do

mundo, pode subliminarmente aprisionar a capacidade de a criança perceber e compreender

o mundo por si mesma: este lhe é dado, apresentado e assinado”. Derdyk (2010, p.101).

Para a autora supracitada, o desenho é a projeção do espaço no papel da percepção

vivida pela criança (p.81) e que copiar é ensinar estereotipia, é esvaziar o sentido da

pesquisa natural (p. 105) e acrescenta:

O desenho não é mera cópia, reprodução mecânica do original. É sempre

uma interpretação, elaborando correspondências, relacionando,

simbolizando, significando, atribuindo novas configurações ao original.

O desenho traduz uma visão porque traduz um pensamento, revela um

conceito. Derdyk (2010, p.110).

O professor de educação infantil tem papel fundamental no desenvolvimento global

das crianças e em relação ao desenho pode-se dizer que: “As crianças são extremamente

vulneráveis aos comentários dos adultos, especialmente quando sabemos que o desenho

expressa a criança inteira”. Moreira (2010, p.87).

Para enriquecer alguns pontos, segue o relato de uma entrevista com Denis Garcia

Mandarino1 sobre artes visuais:

1 Denis Mandarino (nascido em São Paulo, em 7 de maio de 1964) é compositor, escritor, artista

plástico e geômetra.[10] Discípulo do maestro Hans-Joachim Koellreutter em regência coral e Estética.[2]

Escreveu em 1995 uma teoria sobre a percepção quadridimensional[11], sob o nome de Crítica da Teoria das

Projeções, onde afirma que os conceitos por detrás da perspectiva renascentista envolvem quatro

dimensões, ao invés da tridimensionalidade que comumente lhe é atribuída.[12]

Em 2007 propôs o

Versatilismo[13]

através do Manifesto Versatilista.[14]

Page 4: Artes visuais: desenho e pintura

Como você descreve o desenho?

O desenho é tudo (Gombrich – História da Arte). Desenho, numa abordagem mais

ampla, é o próprio projeto. Tanto é que a melhor tradução para a palavra design seria

“desenho enquanto projeto”. Um administrador desenha o organograma de uma empresa,

uma sinfonia é o desenho do roteiro musical, uma obra de arquitetura parte do desenho de

um espaço. Quando você planeja, você desenha. A boa organização, provavelmente partiu

de um desenho.

As linguagens visuais se comunicam entre si?

Não da forma de uma nota fá representar uma cor vermelha, por exemplo, mas as

linguagens têm correlações entre si. Existem elementos que são comuns às linguagens

artísticas, tais como: predomínio, contraste, pontos de interesse, tensão, monotonia, ritmo,

espaço...

E qual a relação da pintura com o desenho?

Vulgarmente as pessoas entendem o desenho como a fase que antecede a hora de

colorir, mas a pintura é mais que isso. Eu por exemplo já inicio com as manchas na tela

(algumas vezes, nem sempre) e o desenho é aquela imagem que está na minha mente, que

tento expressar através de linhas, configurações e cores. Todos os desenhistas e pintores

(digamos artistas plásticos) têm apenas as linhas, as configurações e as cores (incluindo-se

aqui as tonalidades que vão do mais claro, para o mais escuro).

O artista faz um esboço antes de criar uma pintura na tela ou em outro suporte?

Alguns fazem outros não. Mais é mais comum fazerem esboços e estudos.

Esboço seria o desenho de algo que eu quero visualizar para criar outra coisa, como

uma escultura?

Também pode ser. Tanto é que o desenho do Leonardo da Vinci é mais o de um

pintor, que se preocupa com luz e sombra. Já o desenho de Michelângelo é o de um escultor

que aperta mais o lápis nas partes em que a pedra seja mais desgastada. São abordagens

completamente diferentes. Tente perceber essas diferenças.

Pintura

"A pintura é uma importante forma de interação entre a criança e o mundo"

Richter, 2002

Page 5: Artes visuais: desenho e pintura

Na pintura assim como no desenho, que é uma linguagem única das crianças, muitas

vezes a mesma manuseia materiais artísticos e produz formas por puro prazer, não havendo

intencionalidade de representação, mas à medida que vai crescendo, o que se percebe é que

os gestos anteriormente desordenados e exagerados vão pouco a pouco dando forma a

expressões mais definidas, organizadas e controladas. A criança passa gradativamente a

gerir seus atos, comanda o traço e o desenho, aperfeiçoa cada vez mais seus gestos, sua

evolução gráfica e psicomotora perante a construção artística.

Para Richter (2002, p.11), é na interação da criança com os objetos de

conhecimento, (desenho, pintura, modelagem, etc) que o processo expressivo se constitui.

Sendo então, o caminho da construção gráfico-plástica pela criança pequena passa

necessariamente pela exploração livre dos materiais, pela construção das hipóteses sobre

estes e pela capacidade imaginativa e investigativa de cada uma. Por isso, é preciso

ambientes desafiadores e estimulantes, auxiliando as crianças nesse percurso, no qual elas

se utilizam dos recursos simbólicos do meio artístico para construir representações

significativas específicas que só a arte é capaz de proporcionar.

Sendo que, existem várias formas de trabalhar com a pintura: a leitura e a

releitura de obras de arte, a partir de histórias, fotos, etc; utilizando diversos materiais,

explorando gestos, linhas, claro e escuro, quente e frio, cores e misturas, tonalidades,

sensações, através de técnicas que devem ir de acordo com os objetivos propostos pelo

educador a ser alcançado pelos alunos.

Artes Visuais no contexto Escolar

Como não existe uma formula para ser aplicada em sala de aula, pois cada

realidade é única e suas necessidades tem que ser respeitadas, muitos profissionais da

educação pensa e se questionam sobre qual proposta em Artes será a melhor para a sua

turma de Educação Infantil?

Como citado anteriormente, não há receita, entretanto, o Referencial Curricular

Nacional de Ed. Infantil vol.3, trás indicadores que auxiliam a prática deste profissional.

O mesmo inicia narrando como os trabalhos das crianças eram pouco ou nada

valorizados e tratados como, passatempo, de cunho decorativo, para reforçar conteúdos

Page 6: Artes visuais: desenho e pintura

trabalhados em outros eixos temáticos, entre outros, mas que no início do século, com os

estudos e pesquisas, a mesma passa a ser valorizada em níveis psicológicos,

psicopedagógicos, filosóficos, etc, tendo em vista o desenvolvimento das crianças.

Mas essa valorização da produção e criação infantil evoluiu muito pouco,

passando a ver as expressões das crianças, como algo automático delas, necessitando de

uma mudança no ensino da arte, que considere a influência da cultura na arte da criança e

que a mesma, reflete e age sobre suas produções.

Sendo assim, as Artes Visuais devem ser concebidas, como uma linguagem que

tem estrutura e características próprias e sua aprendizagem se dá no âmbito prático e

reflexivo, articulando os aspectos: fazer artístico, apreciação e reflexão.

É necessário também pensar em outros aspectos como:

1 - Organização do Tempo: que pode ser organizado em;

- Atividade permanente - Que acontece regularmente, diária ou semanalmente, na

rotina das crianças.

- Sequência de atividades - Constitui em uma série planejada e orientada de tarefas,

que objetiva promover um aprendizado específico e definido.

- Projetos - Forma de trabalho que envolve diferentes conteúdos, em torno de um

produto final, este por sua vez, geram novas aprendizagens e projetos, lembrando que os

projetos partem das escolhas e com a participação dos alunos.

2 - Espaços: Adequado, confortável, com mobiliário, espaços fixos e moveis, locais

para guardar materiais e produções, torneiras, etc, tudo sempre ao alcance das crianças.

4 - Materiais: Os mais variados possíveis, adequados e tomando cuidado de não

oferecer riscos as crianças.

Quanto à atuação do professor entre outros o mesmo deve, estimular o

desenvolvimento da imaginação criadora; respeitar as peculiaridades de cada criança, já que

o percurso de criação e construção é individual; enriquecer a ação educativa intencional; e

nunca deixando de lado a observação - que visa conhecer melhor o aluno individualmente

e em grupo; o registro - como fonte de orientação de seu trabalho; e a avaliação formativa

- que mostra ao aluno suas conquistas e criação e ao professor uma reflexão e estruturação

do cotidiano.

Page 7: Artes visuais: desenho e pintura

Conclusão

Uma das maneiras de o adulto romper suas formas cristalizadas é

resgatar seu próprio processo expressivo, voltando a brincar com os

materiais, não tendo medo de mostrar suas próprias descobertas

formais, espaciais e coloristas, lançando se junto com as crianças na

aventura de criar o inusitado, acompanhando o processo expressivo

infantil junto com o seu próprio processo. (RICHTER, 2002, p.10)

Portanto, podemos concluir que com a escola sofre influência da sociedade. O

que ela considera, valoriza tem grande impacto na educação, mas como a sociedade nem

sempre age com sensibilidade para os que fazem parte dela, cabe a nós não ceder

completamente a esse pedido que vem de fora para dentro da escola. Devemos sim permitir

que nossas crianças conquistem liberdade de expressão com respeito ao próximo que

aprendam de forma global, através de múltiplas linguagens sem desfavorecer nem

supervalorizar nenhuma delas como já nos ocorre outros níveis de ensino, talvez a educação

infantil seja a única oportunidade de explorar, captar, ganhar, multiplicar, paralisar o seu

precioso tempo com dedicação total de corpo e alma, com sensibilidade e racionalidade

para que futuramente a criança se torne capacitada para resolver os problemas que

encontrar no caminho, pensando por si mesmo, buscando as mais variadas estratégias para

viver melhor, para se conhecer, para se respeitar e respeitar o outro com todas as

diversidades que existem, sensibilizando-se, sentindo, chocando-se, inventando, criando e

recriando modos de viver.

Com as artes visuais podemos oferecer as crianças oportunidade de criar a realidade.

Realidades de vivências diferenciadas.

Referências

CUNHA, Susana Rangel Vieira. Cor, som e movimento: a expressão plástica,

musical e dramática no cotidiano da criança. Porto Alegre: Mediação, 2002.

DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo

infantil. Porto Alegre: ZouK, 2010.

MOREIRA, Ana Angélica Albano. O espaço do desenho: a educação do educador.

São Paulo: Loyola, 2010.

MCDONNELL, Patrick. Artur faz arte. São Paulo: Girafinha, 2007.

REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Page 8: Artes visuais: desenho e pintura

(1988). Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, vol.3.

Mandarino, Denis Garcia. Entrevista realizada em setembro de 2012.