arte urbana e discurso social em banksy

14
Arte Urbana e Discurso Social em Banksy Por Vanessa Chanice Magalhães¹ Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar os discursos político e social presentes nas obras do artista de rua inglês, ativista político e diretor de cinema conhecido pelo pseudônimo de Banksy, bem como refletir sobre de que maneira seus posicionamentos políticos em outros ambientes mais particulares contribuem para fortalecer ou não esses discursos. As análises realizadas neste trabalho partiram da seleção de algumas imagens recorrentes em seu portfólio, como a figura do rato e do macaco, além de outras obras mais notórias do artista. Também foram extraídos alguns trechos que compõem o livro de sua autoria, “Guerra e Spray”. O arcabouço teórico utilizado baseia-se principalmente nos preceitos de Fairclough sobre a Análise do Discurso Crítica (ADC) . Palavras-Chave: arte urbana; banksy; discurso. Abstract: This article aims to analyze the political and social discourse in the works of the English street artist, political activist and film director known by the pseudonym Banksy, as well as reflect on how their political thought in other private placements contribute to strengthen or not these discourses. The analyzes performed in this study left the selection of some famous images of symbols and imbued

Upload: vanessa-chanice-magalhaes

Post on 14-Dec-2015

13 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Artigo produzido para disciplina de Análise do Discurso ofertada na Universidade de Brasília

TRANSCRIPT

Page 1: Arte Urbana e Discurso Social em Banksy

Arte Urbana e Discurso Social em Banksy

Por Vanessa Chanice Magalhães¹

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar os discursos político e social

presentes nas obras do artista de rua inglês, ativista político e diretor de cinema

conhecido pelo pseudônimo de Banksy, bem como refletir sobre de que maneira seus

posicionamentos políticos em outros ambientes mais particulares contribuem para

fortalecer ou não esses discursos. As análises realizadas neste trabalho partiram da

seleção de algumas imagens recorrentes em seu portfólio, como a figura do rato e do

macaco, além de outras obras mais notórias do artista. Também foram extraídos alguns

trechos que compõem o livro de sua autoria, “Guerra e Spray”. O arcabouço teórico

utilizado baseia-se principalmente nos preceitos de Fairclough sobre a Análise do

Discurso Crítica (ADC).

Palavras-Chave: arte urbana; banksy; discurso.

Abstract: This article aims to analyze the political and social discourse in the works of

the English street artist, political activist and film director known by the pseudonym

Banksy, as well as reflect on how their political thought in other private placements

contribute to strengthen or not these discourses. The analyzes performed in this study

left the selection of some famous images of symbols and imbued his vast portfolio, like

the rat, monkey, and excerpts from other works. Were also extracted some of the

writings that make up the book "Wall and Piece" by Banksy. The theoretical framework

used is mainly based on the precepts of Fairclough on Critical Discourse Analysis

(CDA).

Key-Words: street art; bansky; discourse.

Page 2: Arte Urbana e Discurso Social em Banksy

1. Introdução

A Arte que vemos é feita apenas por poucos selecionados. Um pequeno grupo cria, promove, adquire, exibe e decide o sucesso da Arte. Apenas umas poucas centenas de pessoas ao redor do mundo têm voz ativa. Quando você visita uma galeria de Arte você é apenas um turista observando a vitrine de troféus de uns poucos milionários. (BANKSY, 2005, p.144)

Essas são as palavras de que Banksy se utiliza para descrever a ainda atual e

mais tradicional situação da arte. Um produto do capitalismo que é colocado a venda e

muitas vezes disponibilizado entre quatro paredes para aqueles que tiverem dinheiro

suficiente para apreciá-las ou se dispuser de um tempo considerável para passar o dia

dentro de algum museu gratuito. É aí que a arte urbana entra em cena como um

movimento artístico que tem o propósito de mudar a maneira de se pensar os espaços

públicos e de colocar em pauta a democratização da arte. Não é mais necessário ir ao

encontro da arte, não é mais necessário ter dinheiro. A arte se torna acessível a todos e a

qualquer momento, e não só para aqueles que se encontram na posição de

consumidores, mas também para os que possuem o desejo de fazê-la. Qualquer um pode

comprar uma lata de tinta, imprimir uma quantidade considerável de estêncis a preços

baixíssimos e sair para as ruas. A arte se tornou democrática em todos os níveis

possíveis.

Ao adotar essa postura de ir para a rua e utilizá-las como matéria prima das suas

obras, os artistas de rua também problematizaram o uso dos espaços públicos e

passaram a questionar as formas de exploração desses ambientes, tornando-os um lugar

não somente de construção social, mas também fomentador de conflitos.

No seu surgimento, a arte urbana foi vista por muitos como um movimento

marginalizado constituído por atos de vandalismo executados por jovens rebeldes,

anarquistas e demais variantes sempre associadas à criminalidade. Até os dias de hoje

ainda encontramos muitas pessoas com pensamentos similares, mas cada dia esse

número se torna menor à medida que esse movimento se consolida como uma

ramificação sólida da arte contemporânea. Entretanto, mesmo com a crescente

consolidação desse movimento, essa arte sempre estará beirando os limites entre a

legalidade e a ilegalidade, ela sempre estará - literalmente falando - nas margens, uma

vez que esse é o seu objetivo: se opor àquilo que é ditado pelo sistema, questionar,

Page 3: Arte Urbana e Discurso Social em Banksy

problematizar e, nesse processo, desafiar algumas leis. Ela a é, na essência, uma arte de

confrontos políticos e sociais.

Sobre o conflito acerca do uso dos espaços urbanos, Banksy trata em seu livro,

Guerra e Spray (2005), da seguinte forma:

Quem realmente desfigura nossos bairros são as empresas que rabiscam slogans gigantes em prédios e ônibus tentando fazer com que nos sintamos inadequados se não comprarmos seus produtos. Elas acreditam ter o direito de gritar sua mensagem na cara de todo mundo em qualquer superfície disponível, sem que ninguém tenha o direito de resposta. Bem, elas começaram a briga e a parede é a arma escolhida para revidar. (2005, p. 8)

Nesse contexto Banksy adicionou mais um objeto a ser criticado pelo

movimento da arte urbana: o capitalismo. Ele se torna um dos maiores alvos a ser

criticado pelos artistas de rua e inclui-se nessa mesma vertente ataques a tudo aquilo que

envolve o mundo publicitário. Se algo é feito com a intenção de venda e lucro, ele será

condenado pelos artistas. Campanhas publicitárias, pôsteres de divulgação e outdoors

são frequentemente modificados para se tornarem instrumentos da ideologia desses

artistas.

2. O artista anônimo

Como dito anteriormente, Banksy é um pseudônimo de um dos mais notórios

artistas urbanos do mundo, cuja verdadeira identidade permanece desconhecida. Essa

foi uma maneira criada pelo artista de se proteger contra possíveis consequências legais

que seu trabalho poderia trazer, uma vez que ele está sempre invadindo ambientes

particulares para expor sua obra. Esse anonimato acabou contribuindo de maneira

considerável para sua ascensão no meio artístico, a partir do momento em que começou

a despertar o interesse e a curiosidade de todos quando seus trabalhos se tornaram

comercialmente valorizados. Outras implicações surgiram do anonimato de Banksy,

como a impossibilidade do artista ter seu discurso analisado através de atitudes privadas

da vida do mesmo. Não temos como saber qual estilo de vida de que Banksy faz uso,

que lugares que ele frequente, que marcas de roupa ele veste, que carro ele dirige. Tudo

isso que poderia contribuir para o fortalecimento do seu discurso ou, talvez, enfraquece-

lo consideravelmente podendo chegar até a invalidá-lo completamente. Enquanto

Page 4: Arte Urbana e Discurso Social em Banksy

permanece nessas condições de anonimato, a voz artística de Banksy reúne uma força

que não pode ser contestada.

2.1 A obra

Banksy é um artista em atividade há mais de uma década e por esse motivo é

possuidor de um vasto portfólio. A figura do macaco e do rato são duas figuras

recorrentes em seu trabalho ao longo dos anos e por esse motivo receberão maior

enfoque na análise. Além das figuras dos dois animais, também selecionei algumas de

suas obras que se tornaram internacionalmente conhecidas devido ao debate que

originaram.

2.2 O rato

Page 5: Arte Urbana e Discurso Social em Banksy

“Eles existem sem permissão. São odiados, caçados e perseguidos. Vivem no

lixo em um desespero silencioso. E, mesmo assim, são capazes de fazer com que

civilizações inteiras caiam de joelhos. Se você é sujo, insignificante e indesejável, então

os ratos são o seu melhor modelo de comportamento.” – Banksy. Guerra e Spray, 2005.

Banksy enxerga uma grande identificação não apenas pessoal com esse animal,

mas também a amplia para todos os artistas de rua. O rato é aquela figura histórica que

sempre foi indesejada pela sociedade, sempre foi perseguida e caçada numa tentativa de

exterminá-los por completo, mas por décadas a sociedade continua falhando no seu

objetivo. Por mais perseguidos que os ratos sejam, eles continuam voltando, aparecendo

e reaparecendo nos lugares mais inesperados. Eles são temidos. Eles estão à margem da

sociedade da mesma maneira que a arte de rua está à margem do circuito artístico

tradicional.

Nos desenhos de Banksy os ratos são os portadores da voz insatisfeita com o

governo, insatisfeita com a situação social atual. Ele incita a revolução através de

pensamentos extremamente irônicos e afiados. Em uma das imagens acimas podemos

ler os dizeres “If graffiti changed anything it would be ilegal”, o que traduzindo para o

português seria algo parecido com “Se o grafite mudasse alguma coisa, ele seria ilegal”.

E, de fato, o grafite é ilegal. Mas ao contrário do motivo utilizado pela lei para explicar

essa proibição (que se sustenta em aspectos que envolvem a questão da propriedade

privada) Banksy diz que o grafite é ilegal porque ele é capaz de causar uma mudança na

estrutura da sociedade. E esse é um risco que o Estado não quer correr.

2.3 O macaco

Page 6: Arte Urbana e Discurso Social em Banksy

O macaco, por sua vez, é portador de um discurso completamente diferente do

que o rato carrega. Aqui, Banksy levanta a discussão da exploração animal feita pelo

homem. Em uma de suas exposições mais famosas sobre o assunto, intitulada de “The

Village Pet Store and Charcoal Grill” Banksy exibiu não apenas macacos, mas também

golfinhos, galinhas, coelhos, peixes e outra série de animais em situações que

criticavam o sistema pecuário atual.

Apesar de se utilizar algumas vezes de outros animais para reforçar sua crítica, o

macaco definitivamente foi escolhido como orador principal desse posicionamento

político. Os seus macacos mais famosos são aqueles que carregam uma placa pendurada

no pescoço onde Bansky escreve seus pensamentos como “ria agora, mas um dia

estaremos no comando”. Um desses macacos carrega um código de barras em sua placa,

reforçando o sentido de que os animais são tratados como objetos à venda.

Muitos de seus macacos também carregam em si um sentimento de revolta

contra a situação em que encontram. Estão sempre carregando objetos de destruição

Page 7: Arte Urbana e Discurso Social em Banksy

como detonadores e armas, aludindo ao pensamento anterior de Banksy de que “um dia

eles estarão no comando” e que a revolução já começou.

Quando os macacos de Banksy não estão segurando placas ou destruindo coisas,

muitas vezes eles são colocados em situações mais humanizadas. Existem imagens de

macacos pensando, indo à lua, brincando, enfim... O que pode servir tanto pra ilustrar

que os macacos estão se tornando cada vez mais inteligentes e sendo capazes de

substituir os humanos ou lembrar que as atitudes humanas estão se tornando cada vez

mais primitivas e nós é que estamos nos aproximando mais dos macacos.

Outra peça bastante conhecida, foi vendida pelo valor de 1 milhão de libras

esterlinas, configurando como uma das obras mais cara do autor e se chama “Simple

Intelligence Testing”, que pode ser vista abaixo.

Essa imagem condensa várias das críticas do autor. Tanto a sua oposição à

exploração de animais de qualquer tipo, quanto a afirmação de que os animais estão se

tornando cada vez mais inteligentes e capazes de se virarem contra nós estão presentes

na obra.

Page 8: Arte Urbana e Discurso Social em Banksy

2.4 As figuras do capitalismo

De todas as bandeiras que Banksy levanta, definitivamente aquela que é contra o

capitalismo é a que ele defende com mais ferocidade. O artista não poupa esforços para

demonstrar seu desprezo por esse sistema. As quatro imagens selecionadas acima

ilustram de maneira bastante realística o seu posicionamento.

Na primeira linha nós temos, à esquerda, a imagem do Mickey Mouse – um dos

maiores símbolos do entretimento infantil – e Ronald McDonald – personagem criado

por uma das maiores redes de comida do sistema capitalista mundial para atrair o

público infantil – segurando os braços de Kim Phuc. A imagem de Kim foi retirada de

uma fotografia no dia que os Estados Unidos jogaram uma bomba de Napalm no Vietnã

e Kim, com nove anos na época, saía pela rua, nua e gritando de desespero. Enquanto

ela chora, Mickey e Ronald acenam e sorriem olhando na nossa direção. Eles são, como

símbolos do sistema em que vivemos, responsáveis pela dor de Kim. Banksy não

permite que nos esqueçamos desse detalhe.

Page 9: Arte Urbana e Discurso Social em Banksy

Ao lado dessa imagem temos um Jesus Cristo crucificado ainda segurando suas

sacolas de compra. Em uma qualidade melhor, podemos ver que dentro de uma das

sacolas que carrega encontra-se um boneco de Mickey Mouse. Aqui Banksy procura

criticar o consumismo desenfreado que acontece durante a época do Natal e como até as

datas religiosas se transformaram em um objeto capitalista.

Já na linha debaixo temos uma fila de pessoas esperando para comprar uma

blusa vermelha com os dizeres “Destrua o Capitalismo”. O artista crítica esse

posicionamento hipócrita que muitas pessoas costumam assumir. Em seu livro, Banksy

fala: “Parece que as pessoas sempre pensam que, ao se vestirem como um

revolucionário, elas não precisam agir como um de fato.” (p. 41). As pessoas não só

deixam de agir como revolucionárias como também passam a fazer exatamente aquilo

que condenam.

Pra finalizar, uma imagem que representa o sistema desigual em que vivemos:

um casal de turistas se diverte às custa das condições deploráveis que uma criança

precisa se submeter para sobreviver.

3. Considerações Finais

Ao trazer o discurso da arte para o meio da rua e coloca-la presente para o um

público que muitas vezes não tem consciência ao que serão expostos, os artistas

constroem uma prática social com um alcance muito grande. As obras desses artistas

contribuem de maneira significativa para a construção da identidade social dos espaços

que e tem um efeito nas pessoas muito maior do que elas imaginam.

Banksy, sendo uma das maiores vozes desse movimento, tendo resguardado sua

verdadeira identidade há mais de uma década, se exime não só das consequências legais

da sua arte, mas também de ser julgado pelas suas atitudes privadas que possam

invalidar o que ele veio construindo até hoje. Isso resulta num discurso muito mais forte

e dificilmente questionável. Essa condição especial de Banksy o torna um dos poucos

exemplos que temos de alguém que conseguiu, efetivamente, desenvolver um discurso

artístico e profissional à parte do seu discurso particular.

4. Referências Bibliográficas

Page 10: Arte Urbana e Discurso Social em Banksy

BANKSY. Wall and Piece. Alemanha: Editora Century, 2005.

FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: UnB, 2001.

SCHNEEDORF, José. A LENDA URBANA DE BANKSY NO NOMADISMO E

NA ABSORÇÃO DOS MUROS EXPOSITIVOS. In: Revista Palídromo 2. Minas

Gerais. Disponível em

<http://ppgav.ceart.udesc.br/revista/edicoes/2processos_artisticos/

2_palindromo_schneedorf.pdf>

SOUZA E SILVA, Rudrigo Rafael. A Arte, o Discurso e a Cidade. Disponível em

<http://www.ppgau.ufba.br/urbicentros/2012/ST150.pdf>