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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM LINGUÍSTICA APLICADA DISCURSO DA VIOLÊNCIA URBANA E AGENDAMENTO NA MÍDIA RADIOFÔNICA: UM ESTUDO DO CASO MARCELO PESSEGHINI RICELLE FERNANDES QUEIROZ TINTIN NATAL/RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM LINGUÍSTICA APLICADA

DISCURSO DA VIOLÊNCIA URBANA E AGENDAMENTO NA MÍDIA RADIOFÔNICA: UM ESTUDO DO CASO MARCELO PESSEGHINI

RICELLE FERNANDES QUEIROZ TINTIN

NATAL/RN 2017

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RICELLE FERNANDES QUEIROZ TINTIN

DISCURSO DA VIOLÊNCIA URBANA E AGENDAMENTO NA MÍDIA RADIOFÔNICA: UM ESTUDO DO CASO MARCELO PESSEGHINI

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, na linha de pesquisa em Estudos de Práticas Discursivas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada. ORIENTADOR: Prof. Dr. Adriano Lopes Gomes

NATAL/RN 2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas,

Letras e Artes - CCHLA

Tintin, Ricelle Fernandes Queiroz.

Discurso da violência urbana e agendamento na mídia radiofônica : um estudo do

caso Marcelo Pesseghini / Ricelle Fernandes Queiroz Tintin. - 2017.

86 f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de

Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos da

Linguagem, 2017.

Orientador: Prof. Dr. Adriano Lopes Gomes.

1. Linguagem e línguas - Estudo e ensino. 2. Linguística aplicada. 3. Comunicação

de massa. 4. Pesseghini, Marcelo. 5. Violência urbana. I. Gomes, Adriano Lopes. II.

Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'42

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RICELLE FERNANDES QUEIROZ TINTIN

DISCURSO DA VIOLÊNCIA URBANA E AGENDAMENTO NA MÍDIA RADIOFÔNICA: UM ESTUDO DO CASO MARCELO PESSEGHINI

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, na linha de pesquisa em Estudos de Práticas Discursivas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada.

Aprovada em: ____/____/_____

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Prof. Dr. Adriano Lopes Gomes

Orientador

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

________________________________________

Prof. Dr. Sebastião Faustino Pereira Filho

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

_________________________________________

Prof. Dr. José Ricardo da Silveira

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

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Dedico este trabalho

Aos meus pais pelo incentivo e apoio em todos os momentos.

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AGRADECIMENTOS

É importante agradecer a todos que contribuíram com minha formação

acadêmica, o que inclui não só os colegas de curso, como também os docentes do

Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte (PPGEL/UFRN), sempre empenhados em sistematizar o

conhecimento da melhor maneira possível.

Agradeço especialmente ao meu orientador, professor Adriano Lopes Gomes,

que guiou meus passos desde a elaboração do Projeto de Pesquisa até a produção

da versão final da presente dissertação. Conjuntamente, aos integrantes do Grupo

de Pesquisa “Comunicação, Cultura e Mídia” (COMÍDIA), cuja participação envolveu

momentos de aprendizado significantes e discussões acerca de diversas temáticas

de total relevância.

Agradeço a Deus, por ter me ajudado a manter a calma, a tranquilidade e a fé

em todos os momentos dessa jornada.

Aos meus pais e demais amigos, agradeço pelo apoio obtido durante o tempo

em que estive envolvido com este trabalho. Enfim, a todos que direta ou

indiretamente me deram subsídios na pesquisa ou auxiliaram de algum modo em

sua realização.

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“[...] o discurso não é simplesmente aquilo que

traduz as lutas ou os sistemas de dominação,

mas aquilo pelo que se luta, o poder de que

queremos nos apoderar”.

(Michel Foucault)

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RESUMO

Este trabalho aborda a questão relacionada à influência e poder da mídia radiofônica, destacando um episódio de repercussão na imprensa nacional: o “Caso Marcelo Pesseghini”. Ao lançar um olhar sobre o episódio em questão, nos surge o questionamento sobre qual seria o alcance dessa influência midiática, e se estaria a cobertura jornalística atuando como ordenadora de valores e comportamentos, ou até mesmo direcionando a tomada de decisões por parte do público. Para investigar esse fenômeno, analisamos um corpus constituído de notícias veiculadas na mídia radiofônica acerca do referido caso, com o objetivo de demonstrar como ocorre o agendamento da mídia radiofônica e como entram em cena os discursos da mídia nas notícias de violência urbana. Também buscamos identificar os elementos que compõem a construção do discurso radiofônico sobre um caso específico de violência urbana, além de mapear as formações discursivas que se apresentam nos trechos de notícias tomados como corpus. Por fim, procuramos estabelecer possíveis relações entre o agendamento da mídia radiofônica, a construção do discurso da violência urbana e a formação da opinião pública. Como resultado desta pesquisa, surgiram algumas categorias que foram elencadas como decorrência do discurso midiático subjacente ao episódio em tela. Nossa metodologia envolve o uso de elementos presentes na análise de discurso (AD) francesa, tal qual a formação discursiva (FD), atrelados aos pressupostos da agenda-setting, se utilizando de uma abordagem qualitativa e, especificamente, o estudo de caso. Nosso referencial teórico abrange desde pressupostos das teorias do rádio e do jornalismo, utilizando-se de autores como Prado (1985), Haye (2005), McCombs e Shaw (1972) e Shoemaker (2011), até a teoria linguística amparada na análise do discurso (AD) de linha francesa, embasando-se em autores como Foucault (2008), Pêcheux (1993) e Orlandi (2015). Ao final, concluímos que as notícias escolhidas e os elementos destacados comprovam a influência da mídia radiofônica e o direcionamento de ideias tendo em vista aquilo que foi noticiado a respeito do caso em questão. Revelam, ainda, como a mídia radiofônica incute um valor de verdade aos pré-julgamentos e investigações a cargo do próprio jornalismo. Palavras-chave: Estudos da linguagem, Linguística aplicada, Discurso midiático, Agenda-setting, Violência urbana.

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ABSTRACT This work addresses the issue related to the influence and power of radio media, highlighting an episode of repercussion in the national press: the Marcelo Pesseghini case. When we look at the present episode, the question arises as to the scope of this media influence, whether the journalistic coverage is acting as a source of values and behaviors, or even directing public decision-making. In order to investigate this phenomenon, we analyzed a corpus consisting of news broadcast in the radio media about the mentioned case, with the purpose of demonstrating how the scheduling of radio media occurs and how media discourses in the news of urban violence come into the picture. We also sought to identify the elements that compose the construction of radiophonic discourse on the specific case of urban violence, in addition to mapping the discursive formations that are presented in news snippets taken as a corpus. Finally, we try to establish possible relations between the scheduling of radio media, the construction of the discourse of urban violence and the formation of public opinion. As a result of this research emerged some categories that were listed as the continuation of the media discourse underlying the specific episode. Our methodology involves the use of elements present in French discourse analysis (DA), such as discursive formation (DF), linked to the agenda-setting assumptions, using a qualitative approach and, specifically, the case study. Our theoretical references range from assumptions of radio and journalism theories, using authors such as Prado (1985), Haye (2005), McCombs and Shaw (1972) and Shoemaker (2011), to linguistic theory supported by the discourse analysis (DA), based on authors such as Foucault (2008), Pêcheux (1993) and Orlandi (2015). In the end, we conclude that the chosen news and the highlighted elements proves the influence of radio media and the direction of ideas considering what has been reported about the case in question. They also reveal how the radio media incites a truth value to the pre-judgments and investigations carried out by journalism itself. Key-words: Language studies, Applied linguistics, Media discourse, Agenda-setting, Urban violence.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Família Pesseghini .................................................................................49

Figura 02 - Nuvem de palavras – “Caso Marcelo Pesseghini”...................................59

Figura 03 - Personagem principal do jogo “Assassin’s Creed” ao centro, com sua

vestimenta típica.........................................................................................................65

Figura 04 - Anotações de Marcelo Pesseghini...........................................................67

Figura 05 - Residência da família Pesseghini, na zona norte de SP.........................77

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 - Resumo de regras adotadas nas transcrições........................................54

Tabela 02 - Agendamento do “Caso Marcelo Pesseghini”.........................................57

Tabela 03 - Classificação das notícias relacionadas ao “Caso Marcelo

Pesseghini”.................................................................................................................58

Tabela 04 - Categorias de análise do “Caso Marcelo Pesseghini”............................60

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AD Análise de Discurso Francesa

CBC Companhia Brasileira de Cartuchos

CBN Central Brasileira de Notícias

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FBP Frente Brasil Popular

FD Formação Discursiva

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LA Linguística Aplicada

MBL Movimento Brasil Livre

PEC Proposta de Emenda Constitucional

PM Polícia Militar

PPP Parceria Público-Privada

ROTA Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar

SP Estado de São Paulo

UERN Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

VPR Movimento Vem Pra Rua

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12

1.1. ESTADO DA ARTE ............................................................................................. 16

1.2. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ....................................................................... 22

2. AGENDA PARA UM DISCURSO MIDIÁTICO ...................................................... 24

2.1. MÍDIA E GÊNERO RADIOFÔNICO .................................................................... 24

2.2. TECENDO A NOTÍCIA: O AGENDAMENTO EM FOCO ..................................... 28

2.3. DISCURSO E PODER MIDIÁTICO ..................................................................... 31

3. O ESPETÁCULO RADIOFÔNICO ........................................................................ 36

3.1. MÍDIA E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO .......................................................... 36

3.2. VIOLÊNCIA URBANA: A CULTURA DO MEDO ................................................. 38

3.3. VIESES POLÍTICAS DO SENSACIONALISMO URBANO .................................. 40

3.4. POR UMA COMPREENSÃO DO RADIOJORNALISMO ..................................... 45

4. VIOLÊNCIA E AGENDAMENTO NO CASO MARCELO PESSEGHINI: ANÁLISE

DO DISCURSO ......................................................................................................... 48

4.1. CONTEXTUALIZANDO O EPISÓDIO ................................................................ 49

4.2. METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................................................ 50

4.3. O AGENDAMENTO EM FOCO ........................................................................... 56

4.4. O PAPEL DE INVESTIGAÇÃO: A MÍDIA DEMONSTRA SEU PODER ............... 61

4.5. VIOLÊNCIA E PERSUASÃO MIDIÁTICA ........................................................... 71

5. CONCLUSÕES ..................................................................................................... 80

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 82

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1. INTRODUÇÃO

Esta dissertação insere-se na área de estudos da Linguística Aplicada (LA),

mais especificamente na linha de pesquisa da Linguística Aplicada e Prática Social,

cuja proposta é a de aliar os estudos da linguagem às práticas sociais na

contemporaneidade. Nesse contexto, pretendemos estudar o discurso da violência

urbana a partir da mídia radiofônica, adotando um estudo de caso para melhor

compreender os mecanismos de formação discursiva e suas implicações na

construção da realidade social no tocante ao agendamento da mídia radiofônica, a

construção do discurso da violência urbana e a formação da opinião pública.

Considerando que nossos estudos pressupõem uma incursão a um discurso

construído dentro do universo midiático, convém ressaltar que a mídia, desde seu

surgimento até os dias atuais, vem servindo para moldar ideias e pensamentos, para

dar suporte à propagação de ideologias e também para subsidiar a transformação

social. Boa parte desse impacto advém de seu elevado grau de inserção, já que não

se concebe a sociedade atual sem a circulação de notícias e informações perante o

grande público.

Nesse vasto território, restringiremos nosso escopo à mídia radiofônica

principalmente por ser, dentre as vertentes midiáticas de maior abrangência, uma

das menos exploradas quanto aos estudos da análise do discurso da violência

urbana. No que se refere à penetração domiciliar do rádio, dados da pesquisa mais

recente realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam

um índice de 75,4% de domicílios com a presença do rádio1. Lembramos que a

pesquisa se refere à existência do aparelho. Se levarmos em consideração o

alcance do rádio proporcionado pelos novos meios de acesso (internet, celular),

esse índice, provavelmente, chegaria muito próximo dos 100%.

Antes de abordarmos o contexto do rádio na atualidade, convém

mencionarmos um pouco a respeito de seu surgimento. Surgida logo após a 1ª

Guerra Mundial, a primeira emissora de rádio nasce por iniciativa de Frank Conrad,

um engenheiro da Westinghouse Eletric, empresa fabricante das rádios utilizadas

para comunicação dos militares no período da guerra. Frank começou a transmitir

músicas e notícias lidas de um jornal local. Com o sucesso de sua iniciativa e um

1 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2013.

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grande estoque de equipamentos encalhados após o término da guerra, a empresa

decidiu investir nas transmissões comerciais e implantar a emissora KDK-A, em 02

de novembro de 1920, na cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, vendendo

aparelhos de rádio aos cidadãos interessados.

No Brasil, a primeira transmissão oficial parte de um transmissor da

Westinghouse Eletric instalado no alto do Corcovado, no Rio de Janeiro. Tratava-se

de um discurso do Presidente Epitácio Pessoa, em plena comemoração do

centenário da Independência do Brasil, no dia 07 de setembro de 1922. A primeira

estação comercial, entretanto, só viria a ser instalada em 20 de abril de 1923 (Rádio

Sociedade do Rio de Janeiro), uma iniciativa de Edgard Roquete Pinto (considerado

o “pai” da rádio brasileira) e Henry Morize, engenheiro civil/industrial e geógrafo

francês, naturalizado brasileiro.

Enquanto Roquete Pinto tinha o ideal de democratizar a informação, Henry

tinha o capital necessário para fazer com que a rádio continuasse no Brasil. Surge

com eles o conceito de “rádio clube”, no qual os ouvintes eram associados e

contribuíam mensalmente para a manutenção da emissora. Este conceito foi

adotado, na época, para manter as emissoras funcionando e propagar as

transmissões em um país no qual os aparelhos de rádio existentes ainda eram

escassos. Em poucos anos, contudo, o cenário muda. Entra em cena a publicidade,

que ajuda a manter e organizar as emissoras enquanto empresas, e provoca a

popularização desse meio de comunicação.

No momento atual, a mídia radiofônica assume um novo papel, não só de

informação, mas também de entretenimento em tempo real. Seu alcance não se

restringe às ondas de rádio, já que temos rádios online que se utilizam da tecnologia

streaming (a qual envia informações multimídia, através da transferência de dados),

tornando-se acessíveis a partir de qualquer lugar do mundo via conexão de internet.

Dada sua abrangência, o que é noticiado na rádio circula em diferentes meios

sociais, atingindo grande parte da população, além de ser reforçado por outros

meios de comunicação, já que os conglomerados comunicacionais controlam

diversas mídias simultaneamente.

Nesse panorama de amplo acesso e inserção na sociedade, devemos ter em

mente que a mídia radiofônica possui o mesmo potencial de alcance que as demais

mídias (televisiva, impressa, digital), especialmente no que se refere ao jornalismo

noticioso. Um tipo de jornalismo que assume para si um papel de divulgação

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atualizado e que se centra nas mesmas notícias que podem ser vistas em outras

mídias de alcance público, tal como ocorre com a transmissão de notícias

relacionadas à violência urbana em sua pauta diária.

Este papel vem sendo tão explorado que, não raro, ouvimos falar de casos

nos quais determinada empresa de comunicação manipula informações no intuito de

levar à população uma visão dos fatos que lhe seja mais aprazível ou conveniente. É

o que ocorreu, por exemplo, no episódio da divulgação das manifestações pró e

contra o governo Dilma Rousseff, ocorridas no ano de 20152, quando observamos

que grande parte da mídia preteriu com veemência as manifestações de apoio ao

governo. Ao mesmo tempo, ressaltou de maneira exacerbada as manifestações

contra o governo, deixando patente seu posicionamento frente aos acontecimentos.

Diante das pesquisas por nós arroladas, pensando em contribuir e lançar um

olhar acerca da influência e poder da mídia radiofônica, optamos por estudar a

construção do discurso da violência urbana nesse meio de comunicação. Mais

especificamente, nos deteremos a duas emissoras de abrangência nacional: Rádio

CBN (Central Brasileira de Notícias) AM/FM e Jovem Pan AM. Além de estudar as

características desse discurso nas emissoras em comento, iremos exemplificar e nos

direcionar a um caso específico bastante representativo, o denominado “Caso

Marcelo Pesseghini”, a ser contextualizado no decorrer dos estudos.

Tal viés temático partiu da observação e constatação de como o objeto de

estudo é relevante para suscitar um debate a respeito do discurso utilizado como

manifestação da subjetividade e embate de valores. A escolha do domínio

radiofônico se justifica pela pouca atenção que se tem dado a esse domínio em

específico, apesar de o rádio ser um veículo de comunicação de enorme alcance em

nosso país.

Além disso, destacamos que a pesquisa acadêmica na área da linguística

aplicada, na qual o presente trabalho se insere, direciona suas análises a problemas

sociais nos quais a linguagem possua um papel central. Nesse sentido, nosso

estudo torna-se de relevância social principalmente por nos alertar para uma forma

de manifestação de poder na sociedade contemporânea. A partir do momento que

2 Em 2015, diversas manifestações populares foram organizadas no Brasil após denúncias de corrupção no governo Dilma Rousseff. De um lado, movimentos como o Vem Pra Rua (VPR) e o Movimento Brasil Livre (MBL) organizaram protestos contra o Governo Dilma Rousseff e a corrupção. De outro, movimentos como a Frente Brasil Popular (FBP) organizaram manifestos de apoio ao governo. As manifestações reuniram milhões de pessoas em datas agendadas no decorrer do ano.

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ficamos cientes de como a elaboração das notícias e sua divulgação no mundo atual

representam um jogo de interesses, podemos agir para que não sejamos

influenciados tão facilmente.

Nossa pesquisa, portanto, apresenta como foco as seguintes problemáticas:

de que modo a mídia radiofônica agendou o “Caso Marcelo Pesseghini” e como

entram em cena os discursos da mídia presentes nas notícias de violência urbana?

Que elementos linguísticos atuam na construção de um discurso de violência

urbana? Que formações discursivas atuam nesse jogo midiático? A influência da

mídia radiofônica em determinada cobertura jornalística atua como uma ordenadora

de valores e comportamentos, direcionando a opinião e a tomada de decisões por

parte do público?

As hipóteses inicialmente levantadas apontam para a mídia radiofônica

enquanto um instrumento capaz de influenciar e direcionar as opiniões a partir de

uma apresentação simplória e sensacionalista dos fatos, o que denotaria evidente

manipulação. Ao observar a indústria da comunicação do rádio, notamos que existe

uma estrutura voltada ao lucro e aos interesses de seus mantenedores, atuando

como verdadeiro sustentáculo do discurso hegemônico, o que aponta diretamente

para o uso do discurso como ferramenta de poder.

Diante do exposto e das problemáticas apontadas, nossos objetivos foram

delineados do seguinte modo:

Objetivo Geral

• Demonstrar como ocorre o agendamento da mídia radiofônica e como

entram em cena os discursos da mídia nas notícias de violência

urbana, pondo em foco, especificamente, o “Caso Marcelo Pesseghini”.

Objetivos Específicos

• Identificar os elementos que compõem a construção do discurso

radiofônico sobre um caso específico de violência urbana;

• Mapear as formações discursivas que se apresentam nos trechos de

notícias tomados como corpus;

• Estabelecer possíveis relações entre o agendamento da mídia

radiofônica, a construção do discurso da violência urbana e a formação

da opinião pública no “Caso Marcelo Pesseghini”.

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Para atingir tais objetivos, iremos ancorar nosso trabalho em um referencial

teórico que abrange desde pressupostos das teorias do rádio e do jornalismo, até a

teoria linguística amparada na análise do discurso de linha francesa (AD). No que se

refere às teorias do rádio, adotaremos as perspectivas expostas por Prado (1985) e

Haye (2005), que abordam a construção da “imagem acústica” a partir de signos

orais, bem como da capacidade de sugestionar o público.

Quanto às teorias do jornalismo, concentraremo-nos na hipótese da agenda-

setting (agendamento) proposta por McCombs e Shaw (1972), que afirmam que a

mídia é a principal responsável por incutir a forma pela qual enxergamos o mundo,

bem como na teoria do gatekeeping (“portão”) proposta por Shoemaker (2011), que

aborda o fazer jornalístico como um processo seletivo e influenciador. Por fim, no

que se refere à análise do discurso, embasaremo-nos nas ferramentas da formação

discursiva e do interdiscurso, expostos por Foucault (2008), Pêcheux (1993) e

Orlandi (2015), na perspectiva de articulação do linguístico com o social.

Nossa metodologia envolve os elementos presentes na AD francesa atrelados

aos pressupostos da agenda-setting, enquanto mecanismo de construção da notícia

na perspectiva de formação de uma narrativa social. Nesse contexto, utilizaremos

uma abordagem qualitativa e, especificamente, o estudo de caso enquanto método

capaz de avaliar um discurso a partir de uma unidade (caso particular) significativa

do todo.

1.1. ESTADO DA ARTE

Os pesquisadores ressaltam a intrínseca afinidade entre mídia e política, a

exemplo de Charaudeau (2013) e Piovezani Filho (2003), o que se reflete no

estabelecimento de uma relação de poder. Também podemos aplicar essa

característica do discurso midiático no que se refere a outros temas tais como a

violência. Essa relação de poder e influência estabelecida entre a mídia e o público

ouvinte é uma relação na qual o público é o grande atingido por estar do lado mais

fraco dessa balança.

Com relação ao poder de influência, especialmente na esfera política, Romão

(2013) afirma que é um poder histórico que se manifesta pela relação entre mídia e

política presente na atualidade:

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Essa vinculação entre poder midiático e poder político, é importante frisar, não pertence apenas ao nosso passado. Sua atualidade fica clara quando avaliamos alguns outros dados. A quantidade de parlamentares eleitos que são concessionários de rádio ou TV, por exemplo, não deixa dúvidas sobre quão intricadas essas duas esferas ainda estão. (ROMÃO, 2013, p. 27)

De fato, a vinculação entre poder midiático e poder político nos remete a

outros contextos relacionais decorrentes da estrutura e do funcionamento da mídia.

Um ponto que nos chama bastante atenção é o tratamento dado pela mídia, em

especial a radiofônica, na divulgação de casos de violência urbana. Ao divulgar

episódios de violência, a mídia demonstra uma faceta da realidade voltada ao

sensacionalismo e à busca pela resolução dos fatos, por vezes assumindo para si o

papel de apuração, investigação e condenação.

Quando se está em jogo o agendamento midiático de episódios de violência,

o sensacionalismo e a apuração dos fatos em primeira mão contam como fatores

primordiais na busca pela audiência. Não é por outro motivo que há um número

considerável de programas policiais em todo o Brasil voltados para esse segmento,

expondo uma representação da violência urbana em nosso cotidiano.

Essa representação midiática ganha contornos tão verossímeis que chega a

modificar hábitos, como a adoção de cercas elétricas nas residências ou a mudança

para condomínios fechados e monitorados nas grandes cidades, e incutir sensações

na população a ela submetida, como a de sentir insegurança ao andar à noite ou em

certos locais apontados como perigosos. O alcance dessa representação é bastante

abrangente, segundo Araújo (2013) nos aponta:

Diariamente, milhares de pessoas por todo o mundo estabelecem algum tipo de relação com a violência social ou com a sua representação midiática, especialmente através do acesso que possuem aos meios de comunicação: pela televisão na sala, no quarto ou na cozinha, pelo jornal entregue ainda pela manhã, nos e-mails que recebem, nas redes sociais, nos portais de notícias etc. (ARAÚJO, 2013, p. 12)

É justamente esse alcance que superlativiza o poder de influência da mídia,

fazendo com que ideologias e julgamentos, revestidos de uma aparência de

verdade, sejam facilmente assimilados pelo público. Podemos identificar, portanto, a

existência de uma relação entre o discurso midiático e o pensamento predominante,

fator que torna a mídia um poder simbólico visivelmente presente no cotidiano da

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população. Essa relação, por diversas vezes oculta, procura se valer da

habitualidade para que passe despercebida aos espectadores, ligada diretamente à

audiência a todo custo e ao atendimento de interesses escusos dos poderes

dominantes.

Apesar de essa influência ser ampla, voltaremos nosso foco para a

representação midiática da violência urbana, conforme anteriormente exposto.

Notamos como a representação que a mídia faz da violência tende a banalizar esse

tema e a fazer uma especulação mercadológica dos fatos. É o que Araújo (2013)

nos afirma:

Considerando, portanto, os meios de comunicação de massa, em especial a televisão, o rádio e o jornal as mais abrangentes fontes de informação de milhares de pessoas por todo o mundo, percebe-se uma forte tendência à banalização de certos temas a partir do elevado grau de informações lançadas diariamente. Faz-se importante perceber, então, a violência enquanto fenômeno social, ter tornado-se algo natural e objeto de especulação mercadológica por força da atuação midiática. (ARAÚJO, 2013, p. 41)

Como observado, a violência tem se tornado alvo da especulação

mercadológica e motivo de preocupação exacerbada decorrente do poder de

influência em jogo. É a apresentação constante de uma temática que a torna

automaticamente de interesse da comunidade, alertando-nos quanto a uma

sensação de medo iminente e nos tornando subjugados a essa violência constante.

Esse lançamento diário de informações, inclusive, pode ser visto como um

agendamento de interesses daqueles que controlam a mídia. No dizer de

Szpacenkopf (2003, p. 174), “[...] nessa rede de poderes, a atualidade é agendada,

construída e mantida em função de interesses múltiplos, que vão desde os dos

detentores do poder, passando pelos dos intermediários, que funcionam como

instrumentos daqueles”.

Ao reforçar essa situação de agendamento midiático, autores como Araújo

(2003) defendem que o agendamento constante da violência auxilia na construção

de uma representação simbólica de tom alarmista. Nessa representação, temos a

sociedade como vítima constante de um poder criminoso fora do controle

governamental, conforme assevera o autor:

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A violência simbólica vai se colocar no topo da agenda-setting dos mass média – demonstrado mais adiante, ao se discutirem as representações sociais da violência –, especialmente, devido ao seu poder de fascinação potencializado por sua espetacularização e pelo processo de repetição midiática. (ARAÚJO, 2003, p. 12)

Todo esse processo contribui para que a representação simbólica da violência

se consolide no imaginário popular, fazendo com que as pessoas se sintam acuadas

em seu cotidiano diante de uma ameaça sempre presente. Trata-se de uma

violência alimentada diretamente pelas mídias e por quem as controla, com o intuito

de moldar e aproveitar para si aquela determinada realidade. Assim nos exemplifica

Szpacenkopf (2003), ao mencionar acerca dos detentores do poder no contexto da

atualidade:

Aquele que é detentor de um título, seja em medicina, direito, ou mesmo que ocupe uma posição de autoridade delegada (podemos pensar também os que ocupam posição de autoridade na mídia), [...] tem influência fundamental na construção do mundo social, seja pelas classificações, pelas designações que emite, seja pelo ordenamento a que obedece e faz obedecer. O poder simbólico não só reproduz as relações de poder, mas também possibilita maneiras de fazer e de mudar o mundo pela imposição de uma determinada visão que permita que os fatos, os acontecimentos e a própria história sejam por ela construídos. (SZPACENKOPF, 2003, p. 65)

Em outras palavras, não são somente os fatores da massificação e do

agendamento que intensificam esse discurso. Existe ainda o poder discursivo, o qual

a mídia radiofônica usa ao produzir seus conteúdos. Para reforçar esse discurso, a

mídia se utiliza de estratégias, tais como o uso da palavra de autoridade e a

entonação, que as qualificam como detentora da verdade absoluta. É o que reforça

Araújo (2003, p. 126), segundo o qual “o que é dito e como é dito pelo comunicador

tem o sentido de expressão de verdade e de inquestionabilidade”.

Ao aplicar os pressupostos acima apontados ao jornalismo policial televisivo,

Romão (2013) faz a seguinte constatação:

[...] o programa ocupa a posição de intérprete da realidade para o sujeito incapaz de compreendê-la. Credenciado por recursos como o hiper-realismo, o depoimento de autoridades, a produção de proximidade, seu dinamismo e, principalmente, pelo tom autoritário dos apresentadores, o Jornalismo Policial aparece como o lócus da Verdade indiscutível sobre o mundo. (ROMÃO, 2013, p. 144)

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Observamos que suas conclusões são perfeitamente aplicáveis à mídia

radiofônica quando o destaque são os noticiários policiais e de violência urbana, já

que a maioria dos recursos citados são adaptados e empregados também no

radiojornalismo policial. A entonação autoritária utilizada, por exemplo, bem como as

músicas e demais recursos audíveis são usados para repassar um tom de seriedade

e de verdade absoluta. Tudo com a finalidade de apresentar-se enquanto uma mídia

séria que faz a interpretação fiel dos fatos e repassa ao ouvinte a representação da

verdade, ainda que seja a “verdade” dos editores de conteúdo.

Além dos recursos mencionados, é comum que as notícias policiais

(relacionadas diretamente à violência urbana) veiculadas na mídia radiofônica se

utilizem de linguagem técnica própria das esferas policial e jurídica, para elevar o

grau de credibilidade do que se é noticiado. Termos como “inquérito” ou “oitiva de

testemunhas” são de utilização constante, assim como as entrevistas com policiais,

delegados e peritos, no intuito de se inserir naquela esfera discursiva e se utilizar do

argumento de autoridade, reforçando a imposição de seu discurso.

De todo o exposto, observamos como a violência urbana é veiculada se

utilizando de instrumentos de manipulação, haja vista seu poder de atração

suscitado pelo próprio agendamento midiático. Não se pode chegar a outra

conclusão senão aquela exposta por Szpacenkopf (2003, p. 21), segundo a qual a

“violência seduz e vende, e justificamos o porquê de seu excesso e de sua

disseminação, sobretudo na mídia”.

Trata-se de uma temática que nos remete a um problema presente na

sociedade e que afeta a todos. Logo, torna-se de interesse geral e um chamariz de

público para a mídia que dela se aproveita. E se aproveita não só para atrair, como

para seduzir e impor ideias e pré-conceitos, banalizando o crime e firmando um

sentimento de temor. É o que Barbosa (2014) nos alerta em sua pesquisa:

Os profissionais da indústria da violência produzem publicações coalhadas de cadáveres e tintas de sangue para as empresas jornalísticas nas quais trabalham. A morte, o crime, o atentado terrorista que culminou em certo número de vítimas realmente aconteceu, porém, o recorte do fato, sua amplificação e banalização dão o tom do noticiário que atenta contra a ética profissional e a função da imprensa. (BARBOSA, 2004, p. 4)

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Fica o alerta ao se analisar o recorte imposto pela mídia, que nos apresenta

os fatos do modo que lhe é mais conveniente. Como será exposto no decorrer do

trabalho, a mídia proporciona um contato com o real que não foi vivenciado

diretamente por nós e, como tal, não temos um parâmetro para apurar quão

relevante ou não determinados fatos foram ou estão sendo naquele momento para a

sociedade. Na verdade, a própria mídia acaba controlando o que se torna (ou não)

destaque pela ênfase que dá ou deixa de dar a determinadas notícias.

Chega-se ao ponto de se importar mais com o destaque do que com a ética

jornalística, fator que deveria preponderar face ao cunho social que desempenha o

jornalismo radiofônico. Consequência disso é a atribuição de verdade às

investigações e aos posicionamentos da mídia ao noticiar o curso de investigações

criminais relacionados a episódios de violência urbana. Frequentemente, ocorre a

imputação de culpa a suspeitos e o julgamento antecipado de acusados sem a

chance de defesa, caindo sobre estes o peso da opinião pública influenciada.

Os principais desfechos dessa pesquisa, quando nos deparamos com essa

relação intrínseca entre a mídia radiofônica e o poder de influência e de persuasão,

se relacionam justamente a esses dois vieses: o papel de investigação atrelado ao

aspecto de poder midiático; e a construção de um discurso de violência urbana

atrelado à persuasão midiática. Nesse sentido, Barbosa (2004) nos alerta que:

A retórica da notícia calcada no sensacionalismo sugere espraiar-se por toda a grande imprensa como modelo vigente. O aporte no espetacular, grotesco, bizarro, dá o tom onde se produziria uma espécie de “vitimidiação” com a desculpa de que isso atende ao “gosto do público”. (BARBOSA, 2004, p. 78)

É justamente essa abordagem espetacularizada e que aporta enquanto

modelo vigente que nos interessa nessa pesquisa. Um modelo que explora a

“vitimidiação” dos sujeitos. Diferente da vitimização, conceito genérico que diz

respeito à ação de vitimizar (tornar alguém vítima ou tornar-se vítima), a vitimidiação

é um neologismo criado pelo professor Cid Pacheco, da Escola de Comunicação da

UFRJ, e diz respeito à vitimização cometida pela mídia quando, na busca pela

audiência, desrespeita a imagem, a honra ou a intimidade do cidadão, reforçando

traumas e sentimentos negativos vivenciados. É quando observamos o jornalismo se

aproveitando da situação para se impor e mostrar todo seu poder.

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1.2. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Para que possamos construir uma linha de pensamento a respeito do

discurso da violência urbana agendada pela mídia, aliada à perspectiva da AD

francesa, organizamos a dissertação em quatro capítulos, incluindo a

INTRODUÇÃO. Nesta, buscamos ofertar um panorama geral do assunto a ser

abordado, tanto do ponto de vista metodológico quanto teórico. Após apresentar ao

leitor a justificativa, os objetivos e a metodologia empregada, expomos o atual

estágio de pesquisa da temática do discurso da violência urbana na mídia.

No segundo capítulo – AGENDA PARA UM DISCURSO MIDIÁTICO,

apresentamos uma noção de como as notícias são formuladas e divulgadas no meio

midiático, caracterizando em especial o gênero radiofônico com suas peculiaridades.

Focado no embasamento teórico, o capítulo mostra, ainda, alguns autores da AD,

tais como Foucault (2008) e Pêcheux (1993), que apontam o discurso enquanto um

elemento influenciador, utilizado como forma de poder por parte daqueles que detêm

seu controle.

No terceiro capítulo – O ESPETÁCULO RADIOFÔNICO, apresentamos um

pouco acerca de como os discursos culturais da contemporaneidade apontam para

uma sociedade plural permeada por valores que são explorados pela mídia em um

tom de espetacularização, e que denotam um nítido exercício de poder. Tal

espetáculo induz a população a uma cultura do medo, com aspectos políticos

visíveis aos quais buscamos exemplificar. Tal cultura será analisada sob a

perspectiva do discurso radiofônico e levando em consideração as categorias

empregadas pelas emissoras ao abordar notícias relacionadas a crimes e ao

universo policial.

No quarto capítulo – O DISCURSO DA VIOLÊNCIA E O AGENDAMENTO NO

CASO MARCELO PESSEGHINI, buscamos aplicar a teoria a um caso de discurso

de violência urbana agendado pela mídia. Optamos por, primeiramente, situar o

leitor quanto ao contexto do caso em análise (“Caso Marcelo Pesseghini”), bem

como no que tange ao delineamento da pesquisa e aos métodos aplicados. Em um

segundo momento, esmiuçamos o agendamento da mídia radiofônica no que se

refere ao caso. Por fim, destacamos o papel de influência dessa mídia na

investigação e na percepção da violência urbana por parte da população.

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Ao final, tecemos nossas CONSIDERAÇÕES FINAIS, nas quais buscamos

responder às nossas perguntas de pesquisa, apontando conclusões e

direcionamentos no intuito de contribuir para os estudos da análise do discurso da

violência urbana em nossa sociedade. Em suma, análises sobre conceitos de mídia

radiofônica, agendamento e discurso, em especial no que se refere à construção de

um discurso de violência urbana, bem como o estudo do espetáculo radiofônico

atrelado ao papel de persuasão midiática permearão este estudo.

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2. AGENDA PARA UM DISCURSO MIDIÁTICO

[...] os veículos noticiosos podem não ser bem-

sucedidos em dizer às pessoas o que dizer, mas

são surpreendentemente bem-sucedidos em dizer

às audiências sobre o que pensar.

Bernard Cohen (apud McCOMBS, 2009)

2.1. MÍDIA E GÊNERO RADIOFÔNICO

Em nossa incursão ao estudo das mídias, devemos ter em mente que todo

gênero midiático possui o poder de alcance e influência perante seu público. No que

diz respeito ao gênero radiofônico, em especial, ele se utiliza da oralidade para

exercer essa função, estando presente em nosso cotidiano desde meados da

década de 1920. Desde então, tem ampliado seu alcance incorporando o uso de

novas tecnologias, tais como a web rádio, e se consolidado enquanto um gênero

midiático capaz de incutir sensações e emoções em seus ouvintes.

Partindo de uma visão ampla, seria interessante caracterizarmos o que vem a

ser um gênero midiático, marcado por sua relação com a área da comunicação de

um modo geral. Nessa área, a noção de gênero se relaciona com “[...] unidades de

informação que, estruturadas de modo característico, diante de seus agentes,

determinam as formas de expressão de seus conteúdos, em função do que

representam num determinado momento histórico” (BARBOSA FILHO, 2009, p. 61).

Trata-se, pois, de um agrupamento de unidades de informações que possuem

características semelhantes e cujo fim é o de repassar conteúdo em um determinado

contexto histórico e social.

Dentro desse escopo, podemos restringir uma classe de gêneros que se

acomodam em um modelo concebido de programação radiofônica. Os chamados

gêneros radiofônicos são vistos como “[...] exemplos dinâmicos de modelos de

expressão da realidade da programação radiofônica” (BARBOSA FILHO, 2009, p.

70). São gêneros que se adaptam ao modelo de transmissão radiofônica, cuja marca

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é a oralidade. Destacamos as seguintes subdivisões: gênero jornalístico, gênero

educativo-cultural, gênero de entretenimento, gênero publicitário, gênero

propagandístico, gênero de serviço e gênero especial.

Em nossos estudos, ateremo-nos ao gênero jornalístico, já que nosso corpus

se constitui de notícias de cunho jornalístico-informativo. Para melhor

compreendermos esse gênero, utilizaremo-nos da classificação proposta por Melo

(2003), na qual as notícias se enquadram na subdivisão que ele denomina de

jornalismo informativo. Vejamos uma breve descrição exposta pelo referido autor no

que tange aos diversos formatos adotados no jornalismo informativo:

A distinção entre a nota, a notícia e a reportagem está exatamente

na progressão dos acontecimentos, sua captação pela instituição

jornalística e a acessibilidade de que goza o público. A nota

corresponde ao relato de acontecimentos que estão em processo de

configuração e por isso é mais frequente no rádio e na televisão. A

notícia é o relato integral de um fato que já eclodiu no organismo

social. A reportagem é o relato ampliado de um acontecimento que já

repercutiu no organismo social e produziu alterações que são

percebidas pela instituição jornalística. Por sua vez, a entrevista é um

relato que privilegia um ou mais protagonistas do acontecer,

possibilitando-lhes um contato direto com a coletividade. (MELO,

2003, p. 65-66)

A utilização desses formatos se aplica perfeitamente ao gênero radiofônico,

haja vista a caracterização desse gênero enquanto um meio de comunicação que

tem como uma de suas finalidades a divulgação de acontecimentos de interesse

público. Nesse contexto, é importante frisarmos que o rádio se utiliza do gênero

jornalístico justamente por lhe possibilitar a divulgação, o acompanhamento e a

análise dos fatos que são de interesse de seus editores. Nesse momento,

poderíamos pensar em como essa análise pode envolver critérios subjetivos, tal qual

a percepção pessoal do editor quanto à importância de determinado fato, fazendo-o

chegar (ou não) até o público final.

Quando nos referimos especificamente ao rádio e à nossa pesquisa,

observamos a predominância dos formatos notícia e entrevista na sua variante

entrevista de especialista (ou expertise), que se caracteriza por possuir um

“propósito técnico concernente a diversos aspectos da vida social, econômica e

científica” (CHARAUDEAU, 2013, p. 2015). Em outras palavras, a entrevista de

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especialista se caracteriza por expor um ponto de vista de uma pessoa de

conhecimento notório, cuja competência seja reconhecida ou suposta, e que legitime

a opinião exposta pela mídia acerca de determinado aspecto em pauta.

Além de observarmos as especificidades do rádio e dos formatos nele

contidos, devemos considerar, também, que se trata de mídia de alto grau de

alcance perante a população, sendo detentora de uma responsabilidade perante seu

público. Essa informação pode ser constatada em pesquisas recentes tal qual o

“Book de Rádio” − 2016, um panorama do perfil e hábito do ouvinte, consumo do

meio em diferentes locais e plataformas, dentre outras informações a respeito do

rádio em nosso país, conforme dados coletados pela Kantar IBOPE Média3.

Dentre os dados coletados, destacamos a apuração de que 89% das pessoas

escutam rádio habitualmente nas 13 regiões metropolitanas brasileiras (São Paulo,

Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Salvador,

Fortaleza, Florianópolis, Goiânia, Campinas e Vitória) onde o consumo é aferido, o

que equivale a 52 milhões de ouvintes nas áreas pesquisadas. Além de se utilizarem

de rádios comuns (58%), muitos têm ouvido as emissoras por plataformas

alternativas como celular (15%) e computador (5%).

Diante do exposto, não poderíamos deixar de observar o grau de influência de

uma mídia que possui um alcance tão amplo. Tal poder exercido por este gênero

midiático é tratado como uma moeda de dupla face, que pode servir tanto aos

interesses dos grupos controladores das emissoras quanto aos interesses da

população. Nas palavras de um estudioso da teoria do rádio, a radiodifusão deveria

“afastar-se dos que a abastecem e constituir os radiouvintes como abastecedores”

(BRECHT, 2005, p. 42).

A possibilidade de servir tanto aos interesses dos editores quanto aos

interesses da população é decorrente da estrutura radiofônica, que caracteriza esse

gênero e que torna o rádio um popular meio de comunicação de massa. Frente a

alguns aspectos já mencionados (linguagem oral, abrangência) somam-se outros,

tais como a mobilidade (pode-se ouvir em casa, no trabalho, no carro), o imediatismo

(os fatos podem ser noticiados no momento em que estão ocorrendo) e o baixo

custo (acesso à programação das rádios em aparelhos de baixo custo ou mesmo por

meio da rede de computadores).

3 Fonte: https://www.kantaribopemedia.com/book-de-radio-2/

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Outra característica marcante no gênero, e que reflete diretamente na

formação da opinião e no grau de influência, é a sensorialidade. Nas palavras de

Ortriwano (1985, p. 80) “[...] o rádio envolve o ouvinte, fazendo-o participar por meio

da criação de um ‘diálogo mental’ com o emissor”. Essa idealização se materializa

por meio da criação de “imagens acústicas”. De acordo com Haye (2005, p. 347),

essas imagens são construídas “[...] a partir de signos orais, verbais, musicais,

sonoros e silêncios. Esses elementos possibilitam que as imagens adquiram uma

forma determinada para transmitir conteúdos de variada espécie”. São essas as

imagens responsáveis pela idealização que cada ouvinte realiza daquilo que está

ouvindo.

Em outras palavras, o modo como a mensagem é transmitida, utilizando-se

de elementos como tom de voz, intervenções sonoras ou até mesmo do silêncio,

tende a criar uma imagem (um cenário) na imaginação do ouvinte que o fará simular

mentalmente o contexto descrito e ser mais receptivo àquele discurso sonoro. Tal

característica advém da inexistência da percepção visual, o que ocasiona a busca

por elementos que supram essa deficiência. Nesse sentido, Prado (1989) atribui um

caráter positivo a esses elementos:

Claro que este inconveniente dá origem a outra característica

positiva, que é a capacidade de sugestão que exerce sobre o

ouvinte, que tem que criar mentalmente a imagem visual transmitida

pela imagem acústica. (PRADO, 1989, p. 18-19)

Essa capacidade sugestiva que a mensagem radiofônica possui abre margem

não apenas para suscitar o debate público, mas também para o exercício da

manipulação e do controle, dependendo do viés que determinado programa ou

emissora deseje dar ao conteúdo que transmite. Barbosa Filho (2009, p. 50) chega a

afirmar que “ele, o rádio, tem a magia de cativar e seduzir os seus ouvintes,

conduzindo-os a atitudes e comportamentos conformes ao padrão estabelecido”. Por

meio dessa capacidade, a rádio pode facilmente induzir o ouvinte a pensar e se

portar conforme espera, além de transpor essa influência a um grande público dado

seu alcance.

Ainda nas palavras de Haye (2005, p. 347), o discurso radiofônico “é o lugar

em que essas imagens alcançam sua ‘forma determinada’, o espaço onde utilizam-

se das regras poéticas e estilísticas e se resolve a expressividade que levará a

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efetivação das mensagens”. É essa efetivação da mensagem que poderá agir para

um fim social, tendo em vista a característica de facilitar o diálogo entre o indivíduo e

o grupo, auxiliando no desenvolvimento de objetivos comuns e opções políticas, ou

para fins específicos de controle da sociedade.

Podemos afirmar, portanto, que o gênero radiofônico é uma vertente midiática

aberta a grandes propósitos, em seu intuito de informar e de dar voz aos problemas

da população, mas com o qual devemos ter grande cuidado dado seu poder de

alcance e influência perante o público. Essa influência, que é uma característica

intrínseca de todos os gêneros midiáticos de grande alcance, é aproveitada pelos

grandes órgãos controladores das mídias. Na rádio, não é diferente. Para melhor

compreendermos como essas forças atuam, veremos a seguir detalhes do processo

de construção e agendamento das notícias que entram em circulação.

2.2. TECENDO A NOTÍCIA: O AGENDAMENTO EM FOCO

Sabemos que existe toda uma gama de processos em torno dos quais gira a

produção e a divulgação de notícias por parte do sistema jornalístico, inclusive no

radiojornalismo. De acordo com Sousa (2002, p. 25), “[...] os acontecimentos são

transformados em notícias pelo sistema jornalístico”. Essa engrenagem cuida de

selecionar os fatos que ocorrem diariamente na sociedade, levando ao público

aqueles que sejam de relevância e interesse, transformando-os assim em notícia

propriamente dita.

É justamente dessa tarefa de seleção que surge uma agenda que direciona

nossas conversas e interesses, já que nossa tendência é a de sempre priorizar

aquilo que está em pauta na mídia do dia. Daí decorre a denominada teoria da

agenda, surgida ainda por volta da década de 1970 nos Estados Unidos, e levada

adiante pelos estudos de McCombs e Shaw (1972), ao assumirem que a mídia

influencia a forma como as pessoas apreendem as informações a elas expostas.

De acordo com McCombs (2009), houve um avanço nos estudos dessa

teoria:

De uma hipótese parcimoniosa sobre os efeitos da comunicação

massiva na atenção do público acerca de temas sociais e políticos,

esta teoria expandiu-se para incluir proposições sobre as condições

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contingentes destes efeitos, as influências que estabelecem a

agenda da mídia, o impacto dos elementos específicos das

mensagens da mídia, e uma variedade de consequências deste

processo de agendamento. A Teoria da Agenda tornou-se um mapa

altamente detalhado da agenda da mídia e de seus efeitos.

(MCCOMBS, 2009, p. 8-9)

De um início preocupado em investigar o poder midiático em dizer às pessoas

sobre o que pensar, a teoria do agendamento tornou-se um estudo complexo que

aborda desde como as notícias nos dizem sobre o que pensar até sobre como

pensar a respeito de temas públicos. Trata-se de uma evolução que coloca em grau

de prioridade a agenda da mídia e seus efeitos, notadamente o poder do jornalismo.

Além de nos mostrar aspectos da realidade na qual vivemos, a notícia é

tecida a partir de uma gama de informações pré-selecionadas que a torna capaz de

construir ou desconstruir “verdades”, dotando o sistema jornalístico de um poder que

pode ou não ser utilizado para fins benéficos à sociedade. Esse poder, na maior

parte das vezes, serve a interesses ligados aos grupos controladores do sistema

midiático.

Esse jogo de forças caracteriza sobremaneira a cadeia de produção das

notícias, conforme nos aponta Sousa (2002):

De qualquer modo, toda a notícia é notícia de determinada maneira

devido à ação informadora de uma série de forças, que, como vimos,

poderão, parece-me, ser categorizadas numa ação pessoal, numa

ação social, numa ação ideológica, numa ação cultural e numa ação

física e tecnológica [...]. (SOUSA, 2002, p. 26)

Conforme mencionado, a elaboração das notícias torna-se algo bastante

complexo quando nos voltamos a observar as ações que interferem nessa cadeia

produtiva. Dentre as ações citadas, destacamos as seguintes: pessoal, que diz

respeito às intenções da pessoa que a produz; social, que reflete o papel das

organizações midiáticas que controlam todo o processo; e cultural, que diz respeito

às limitações impostas pela cultura e ao que é socialmente aceito no meio no qual se

pretende divulgar a notícia.

Em meio a esse processo, vemos esses papéis serem desempenhados por

pessoas que lidam com o universo midiático e que atuam como verdadeiras

mediadoras entre a informação e a notícia que chega até o público. Essas pessoas,

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responsáveis por tomar as decisões nessa cadeia, obedecem a uma estrutura

hierárquica que põe no topo os controladores da mídia. Essa estrutura é estudada

pela teoria do gatekeeping, explorada por Shoemaker e Vos (2011), que assim a

definem:

Gatekeeping é o processo de seleção e transformação de vários pequenos pedaços de informação na quantidade limitada de mensagens que chegam às pessoas diariamente, além de ser o papel central da mídia na vida pública moderna. As pessoas confiam em mediadores para transformar informações sobre bilhões de eventos em um subgrupo gerenciável de mensagens midiáticas. (SHOEMAKER; VOS, 2011, p. 11)

Os mediadores, portanto, são de fundamental importância na seleção de

conteúdo, servindo de filtro para o mundo de informações com as quais somos

bombardeados cotidianamente. No escopo dessa teoria, Traquina (2005) ressalta a

figura desses mediadores e sua função seletiva, conforme vemos a seguir:

Nessa teoria, o processo de produção da informação é concebido como uma série de escolhas onde o fluxo de notícias tem de passar por diversos gates, isto é, “portões” que não são mais do que áreas de decisão em relação às quais o jornalista, isto é, o gatekeeper, tem de decidir se vai escolher essa notícia ou não. (TRAQUINA, 2005, p. 150)

Observamos que o gatekeeper é a peça fundamental no processo de

produção da notícia, haja vista seu poder de decisão quanto ao que é veiculado.

Para tal, ele se utiliza dos critérios de valor de notícia, segundo os quais certas

temáticas são preferidas em detrimento de outras. Notícias que envolvem violência

urbana, relacionadas a tragédias, morte e sofrimento, por exemplo, são

consideradas prioridades pelos gatekeepers, dado seu poder de atrair a audiência

do grande público.

Essa construção midiática, portanto, é responsável pelo modo como

enxergamos o mundo que nos rodeia. Pena (2008) afirma que a mídia é a principal

ligação entre os acontecimentos no mundo e as imagens desses acontecimentos no

nosso imaginário, determinando a pauta (agenda) para a opinião pública ao destacar

determinados temas. Essa predileção desempenha um papel de influência

fundamental naquilo que a opinião pública destaca como relevante, conforme nos

afirma McCombs (2009) ao reforçar a teoria do agendamento:

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A ideia teórica central é que os elementos proeminentes na imagem da mídia tornam-se proeminentes na imagem da audiência. Aqueles elementos enfatizados na agenda da mídia acabam tornando-se igualmente importantes para o público. (MCCOMBS, 2009, p. 111)

Esta constatação feita por McCombs (2009) é a ideia central do agendamento

e da construção da notícia: a noção de que esse processo influencia a opinião

pública a ponto de ditar o que deve ou não ser levado em consideração, o que deve

ou não ser discutido, que problemas merecem ou não nossa atenção. À medida que

estivermos cientes da existência desse processo, podemos observar como as

notícias são constituídas e expostas à sociedade, e que discursos permitem a

construção de dada realidade.

2.3. DISCURSO E PODER MIDIÁTICO

A partir dos pressupostos de como se tece a notícia, devemos nos atentar aos

elementos que nos permitem analisar cientificamente a construção do discurso

midiático no que diz respeito à violência urbana. Neste trabalho, resolvemos procurar

subsídio nos estudos linguísticos, mais especificamente na Análise do Discurso (AD)

Francesa, a qual investiga os mecanismos discursivos que embasam a produção de

sentidos.

Entendida como a junção do linguístico ao social, a Análise do Discurso

Francesa surge nos anos 1960 com o objetivo de refletir sobre a linguagem a partir

de uma proposta ampla que se utiliza dos pressupostos de outras áreas para dar

suporte à interpretação linguística. Os principais teóricos a desenvolverem essa

metodologia foram Pêcheux (1993), que se preocupou em articular o político, a

ideologia e os sentidos na construção do discurso, e Foucault (2014), que conceitua

discurso como prática social.

Para a teoria da AD, a preocupação central de análise, para além da mera

interpretação, é compreender como determinado discurso produz seu sentido a partir

da posição que o sujeito que o profere toma diante de um contexto histórico situado.

Em outras palavras, os analistas do discurso supõem “[...] que não há uma verdade

oculta atrás do texto. Há gestos de interpretação que o constituem e que o analista,

com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender” (ORLANDI, 2015, p. 24).

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Em linhas gerais, esse dispositivo se constitui em métodos que investigam a

relação entre a produção discursiva e o seu exterior, entendido aqui como as

condições e interdiscursos que permeiam e influenciam a produção de um texto. É

com esse enfoque que a AD se utiliza dos mais diversos campos para nos auxiliar

na compreensão do texto, dada a complexidade da língua. Brandão (2004) já nos

afirmava o seguinte:

Essa visão da linguagem como interação social, em que o Outro desempenha papel fundamental na constituição do significado, integra todo ato de enunciação individual num contexto mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o linguístico e o social. (BRANDÃO, 2004, p. 8)

Nesse sentido, uma das principais características da AD é a de aliar o

linguístico ao sócio-histórico, analisando o discurso e a ideologia e verificando como

as relações de poder se estabelecem a partir de determinados textos representativos

de ampla circulação na sociedade. Podemos determinar que os principais conceitos

ou núcleos para o entendimento da AD são dois: ideologia e discurso.

Antes de analisarmos o que representa ideologia para a AD, faz-se importante

situarmos a noção de sujeito para os teóricos da área. Nessa perspectiva, o sujeito é

observado como um ser cindido e interpelado diretamente pelos discursos anteriores

que lhe antecedem, sem os quais não conseguiria construir seu próprio discurso. Em

outras palavras, o sujeito perde a noção de centralidade no “eu” ou no “tu”,

passando a ocupar um espaço central entre os dois. Segundo Brandão (2004, p.

76): “[...] o centro da relação não está nem no eu nem no tu, mas no espaço

discursivo criado entre ambos. O sujeito só constrói sua identidade na interação com

o outro. E o espaço dessa interação é o texto”.

Retomando essa noção de que todo discurso se produz a partir de outros já

reproduzidos na sociedade, o campo de análise da AD valoriza o que se denomina

de memória discursiva, que nada mais é do que esses sentidos já sedimentados na

sociedade. Essa memória, por vezes retomada no intradiscurso, com frequência

sofre um apagamento decorrente de poderes relacionados às ideologias

predominantes. Quando um determinado discurso minoritário vai de encontro ao que

as ideias majoritárias em certa cultura apregoam, os discursos emanados das

ideologias dominantes tentam apagar e se sobrepor àquele. É o denominado efeito

da homogeneidade discursiva.

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Chegamos aqui ao primeiro núcleo da AD. A ideologia, entendida em uma

concepção generalista como um conjunto de ideias ou pensamentos de um grupo ou

indivíduo, para a perspectiva dos analistas do discurso representa muito mais do que

isso, na medida em que serve enquanto definidora dos ideais das classes

dominantes. Referimo-nos a uma concepção crítica da ideologia, a qual amplia a

importância e a significação daquela concepção cotidiana do termo. Podemos

afirmar que “[...] estudar a ideologia é estudar as maneiras como o sentido serve

para estabelecer e sustentar relações de dominação” (THOMPSON, 1995, p. 76).

A ideologia, portanto, serve como um modo de apagamento daquilo que não é

considerado relevante, já que o que predomina é a ideologia da classe dominante. É

a ideologia que constrói a realidade em que vivemos, ao passo que “[...] a ideologia

aparece como efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história

para que haja sentido” (ORLANDI, 2005, p. 48). Em outras palavras, a ideologia

serve para resgatarmos as ideias e concepções que, em determinado contexto, irão

subsidiar nossa interpretação de um determinado discurso.

Para a teoria Foucaultiana, existe uma clara ligação entre a construção

ideológica e a verdade imposta pelos sistemas de poder existentes na sociedade.

Como essa imposição é articulada a partir do discurso, podemos afirmar que a

linguagem é um dos locais onde mais fortemente se materializa a ideologia.

Ao pensarmos na produção jornalística, foco de nosso estudo, podemos

relacionar o discurso jornalístico a uma materialização ideológica por meio do uso da

linguagem escrita. Na medida em que as notícias são produzidas por jornalistas que

incutem, em seus textos, convicções e valores, não podemos conceber um texto

jornalístico sem uma mínima carga ideológica ou valorativa de quem o elaborou.

Devemos nos lembrar, inclusive, que até sua versão final, o texto jornalístico passa

por uma série de intervenções oriundas da estrutura do órgão midiático que o

produziu, o que potencializa o efeito de uma seleção pautada pelos ideais

ideológicos daquele órgão ou, mais especificamente, daqueles que o controlam.

Nesse contexto, chegamos ao segundo tópico nuclear. Dentre as inúmeras

definições existentes, podemos conceituar discurso como “[...] um conjunto de

enunciados, na medida em que se apoiem na mesma formação discursiva”

(FOUCAULT, 2008, p.132). Nessa visão, o discurso é um espaço de saber em que

estão presentes as forças ocultas que determinam o que pode e o que não pode ser

dito. Logo, o discurso está intimamente ligado à ideologia e ao poder.

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Quando percebemos essa ligação, vem à mente a noção de que um discurso

não se compõe de apenas um texto, mas de um conjunto de textos que se inter-

relacionam e que estão de alguma maneira interconectados reforçando certo

pensamento ou ideologia. Por essa razão, Pêcheux (1993) afirma:

[...] é impossível analisar um discurso como um texto, isto é, como uma sequência linguística fechada sobre si mesma, mas que é necessário referi-lo ao conjunto de discursos possíveis a partir de um estado definido das condições de produção. (PÊCHEUX, 1993, p. 79)

É, pois, da colocação de tais questões que vem o conceito de Formação

Discursiva (FD) de Foucault (2008). Para ele, os discursos são uma dispersão, ou

seja, são formados por elementos que não estão ligados por nenhum princípio de

unidade a priori, cabendo à Análise do Discurso descrever essa dispersão,

buscando as “regras de formação” que regem a formação dos discursos.

Nessa mesma perspectiva, Pêcheux (1997) conceitua a formação discursiva

como “[...] aquilo que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga,

de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a partir de

uma posição dada na conjuntura social” (PÊCHEUX, 1997, p. 188). Disso, podemos

concluir que a conjuntura social influencia diretamente a produção discursiva,

ditando as regras do jogo ao qual estamos submetidos e reforçando as posições

dominantes em um embate de ideias no qual o discurso hegemônico predomina

perante os demais.

Para chegarmos até esse atual panorama da AD, que destaca a influência

social na produção discursiva, se faz interessante mencionar que houve uma

evolução da AD por meio da reincidência das questões anteriormente apontadas. É

o que atesta Maingueneau (1997):

O panorama da AD remodelou-se pouco a pouco através da reincidência destas questões. Sucintamente, poder-se-ia dizer que a AD de “primeira geração”, aquela dos fins dos anos 60 e início da década de 70, procurava essencialmente colocar em evidência as particularidades de formações discursivas (o discurso comunista, socialista, etc.) consideradas como espaços relativamente auto-suficientes, apreendidos a partir de seu vocabulário. A AD de segunda geração, ligada às teorias enunciativas, pode ser lida como uma reação sistemática contra aquela que a precedeu. (MAINGUENEAU, 1997, p. 21)

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O panorama da AD atual quebra a noção de um espaço estrutural fechado da

máquina discursiva, ainda que o sujeito do discurso continue sendo concebido como

puro efeito de assujeitamento à máquina da FD com a qual ele se identifica. Caberia

ao analista descrever a dispersão que rege uma FD e estabelecer as regras de

formação dela.

Estabelece-se a chamada heterogeneidade discursiva, já que se conclui que

todo discurso pressupõe a existência de um outro que lhe precede. Percebe-se, com

isso, que a linguagem é fundamentalmente heterogênea. O interdiscurso (ou

memória discursiva), compreendido como um saber discursivo pré-constituído que

afeta o modo como o sujeito compreende uma situação atual, passa a ser visto,

também, como objeto de investigação da análise do discurso.

Na elaboração do discurso jornalístico, a influência anteriormente citada é

observável na construção discursiva das notícias, tendo em vista a característica que

o jornalismo detém de selecionar e direcionar o que publica. É justamente essa

característica da elaboração das notícias que vem sendo largamente utilizada por

seus profissionais como elemento de manipulação por pressões externas e internas,

contrariando sua essência, que é a de informar e promover a interação social.

Quanto a isso Foucault (2014) afirma:

Eis a hipótese que gostaria de apresentar esta noite, para fixar o lugar – ou talvez o teatro muito provisório – do trabalho que faço: suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 2014, p. 8-9)

Ao relacionarmos o fato de que poucas empresas de comunicação de grande

porte controlam realmente as principais fontes de notícias, enquanto muitas outras

apenas retransmitem e retextualizam esses mesmos textos, podemos perceber que

de fato existe uma tendência de uniformização. O que observamos, portanto, é a

manipulação em jogo, o uso do discurso das mídias para valorar aquilo que é de

interesse da elite ou do discurso hegemônico vigente.

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3. O ESPETÁCULO RADIOFÔNICO

No espetáculo, imagem da economia reinante, o fim

não é nada, o desenrolar é tudo. O espetáculo não

deseja chegar a nada que não seja ele mesmo.

Guy Debord (1997)

Na sociedade atual, uma teoria contemporânea que tenta entender os

meandros da indústria midiática e sua relação intrínseca com a sociedade é a teoria

do espetáculo. Ela discute a valorização exacerbada do momento presente e da

espetacularização dos acontecimentos. Em um estudo sobre a construção do

discurso midiático radiofônico inserido no contexto atual, faz-se imprescindível

apontarmos algumas características dessa sociedade midiatizada da qual emergem

discursos, conforme será exposto nos próximos tópicos.

3.1. MÍDIA E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO

Hoje, percebemos cada vez mais a valorização da praticidade e da

velocidade. Tudo passa muito rápido e as pessoas não querem perder tempo. É a

cultura do imediatismo. Como não poderia deixar de ser, o universo midiático

acompanha essa tendência e se torna cada vez mais imediatista, divulgando as

notícias do cotidiano cada vez mais superficialmente e priorizando aquilo que possui

maior valor de venda, que seja surpreendente ou inusitado. Nas palavras de

Piovezani Filho (2003):

Volatilidade e efemeridade nos serviços, nas ideias e nos desejos, e instantaneidade e descartabilidade das mercadorias são duas tendências do refinamento do capitalismo nos tempos pós-modernos. Em detrimento da ética, aflora a estética capitalizada, a era é a da imagem, do parecer e do aparecer. (PIOVEZANI FILHO, 2003, p. 51)

Em suma, ele ressalta a efemeridade do que é produzido e consumido na

sociedade atual capitalista. Observamos a simplificação em curso, uma prática

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inserida em um contexto cultural que direciona a mídia contemporânea à

banalização e à espetacularização em contraposição ao detalhamento que induz à

contextualização e ao entendimento. De acordo com Pena (2008, p. 87), a

velocidade na produção das notícias “[...] pode ser usada para a substituição de uma

possível aproximação da realidade por sua mais longínqua representação”.

Nesse sentido, o autor alerta para como a divulgação das notícias pode nos

levar a uma representação da verdade que nem sempre é correspondente à

totalidade do cenário, remetendo a uma visão limitada e idealizada dos

acontecimentos. Esse contexto de idealização do cenário global dos acontecimentos

é inerente a uma cultura que privilegia o espetáculo e os elementos, tais como a

morte e a violência, que chamam a atenção do grande público. Pena (2008)

evidencia, ainda, o que ele denomina de celebridades produzidas pela mídia:

A mídia produz celebridades para poder realimentar-se delas a cada instante em um movimento cíclico e ininterrupto. Até os telejornais são pautados pelo biográfico e acabam competindo com os filmes, novelas e outras formas de entretenimento. É uma Disneylândia de notícias, como se os redatores-chefes fossem Mickey Mouse e Pateta. (PENA, 2008, p. 88)

Essa produção de celebridades se mostra enquanto uma das faces dessa

sociedade do espetáculo, por meio do qual a mídia sustenta sua audiência lançando

personagens que viram notícia e que lideram a pauta por curtos períodos até

surgirem novas personagens de interesse. Essas personagens podem ser desde

políticos a esportistas, ou até mesmo assassinos ou autores de crimes bárbaros.

Nesse viés, Debord (1997) já caracterizava a sociedade do seguinte modo:

Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação. (DEBORD, 1997, p. 13)

Passamos a viver direcionados pelo espetáculo midiático, entretendo-nos com

a visão de mundo limitada exposta pela mídia. A notícia, tratada aqui com toda sorte

de apelos estéticos e emocionais, vira um produto, e o público, o seu consumidor.

Esse esquema tende a embaralhar o real com a ficção, de modo que Charaudeau

(2013) afirma:

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As exigências de visibilidade e de espetacularização da máquina midiática tendem a construir uma visão obsessiva e dramatizante do espaço público, a ponto de não se saber mais se estamos diante de um mundo real ou de ficção. (CHARAUDEAU, 2013, p. 259)

Outro aspecto que se pode observar é o efeito alienante desse modelo, no

qual o público se entretém com aquilo que vê e aceita o que lhe é imposto. A

espetacularização pode ser vista ainda como um objeto de manipulação social e

conformismo político. Uma espécie de versão moderna da política do “pão e circo”

posta em prática no antigo Império Romano. De acordo com Szpacenkopf (2003):

Na dominação espetacular, desaparece o conhecimento histórico de modo geral, desenvolve-se a eternização do não-importante, do imediatismo, da ausência de mediação. Cada informação será substituída logo em seguida por outra que a suplante, que por sua vez será suplantada pela próxima, e assim por diante. A memória não é solicitada, passando a existir o que está sendo espetacularizado. (SZPACENKOPF, 2003, p. 168)

Como exposto, a preocupação está no entretenimento e no imediatismo, os

quais geram uma relativa alienação. Estamos sempre ocupados com os

acontecimentos imediatos, o que nos faz esquecer de informações históricas

importantes do passado e nos deixa assujeitados à montagem midiática das

informações.

3.2. VIOLÊNCIA URBANA: A CULTURA DO MEDO

A violência urbana é uma temática que há muito tempo nos chama a atenção,

não só pelo clima de medo e insegurança que ronda as cidades brasileiras, mas

também pelo fato de tratar-se de assunto inerente ao nosso cotidiano. Reflexo disso

é a atual condição na qual nos consideramos prisioneiros dentro de nossas próprias

casas (rodeadas de muros, grades e cercas elétricas) e restringimos cada vez mais

nosso convívio a ambientes fechados, tidos como mais seguros, tais como

condomínios e shopping centers.

Apesar da repulsa que a temática da violência causa à primeira vista, já que

se trata de assunto que apresenta alto valor negativo, o fato é que a violência, em

suas mais diversas modalidades, sempre esteve presente na vida em sociedade.

Desde os primórdios, o ser humano se envolve em atos violentos. Guerras e

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barbáries existem a contar de longa data, e o sofrimento e a dor são sentimentos

que nos acompanham desde os princípios.

De acordo com Odália (2012, p. 13), “[...] o viver em sociedade foi sempre um

viver violento. Por mais que recuemos no tempo, a violência está sempre presente,

ela sempre aparece em suas várias faces”. Basta citarmos os exemplos de episódios

violentos de mortes e assassinatos que constam na própria Bíblia, considerada um

“[...] repositório incomum de violências, um abecedário completo e variado, que vai

da violência física à violência sutil e maliciosa, do estupro ao fratricídio, do crime

passional ao crime político” (ODÁLIA, 2012, p. 18). Sendo ou não a violência um

comportamento inerente ao ser humano, o fato é que nunca conseguimos nos

afastar de sua presença.

O comportamento violento tende a ser medido sob diversos aspectos. Dois

elementos inerentes são: o dano, quer seja físico ou moral, que resulte em lesão,

morte ou trauma; e a intencionalidade. Nesse contexto, um conceito inicial de

violência é o exposto por Pinheiro e Almeida (2003, p. 13), segundo os quais a

violência é uma “[...] ação intencional que provoca dano”.

Esse conceito inicial é bastante restritivo e sabemos que existe uma gama de

tipologias relacionadas à violência e suas diversas manifestações na sociedade.

Diante disso, cabe destacar o caráter múltiplo desse fenômeno, conforme nos

aponta o próprio Odália (2012), ao citar as seguintes formas de violência: original,

institucional, social, política e revolucionária. No que tange ao nosso objeto de

estudo, preocupa-nos aqui, em especial, a violência original: aquela que “[...] se

exprime pela agressão. Agressão física que atinge diretamente o homem tanto

naquilo que possui, seu corpo, seus bens, quanto naquilo que mais ama, seus

amigos, sua família” (ODÁLIA, 2012, p. 9).

Essa violência original é uma das que costumam causar mais apelo e

comoção por parte da população, sendo altamente valorada nos meios de

comunicação. Tende-se a realçar um sentimento que há muito se destaca no

universo melodramático: o medo. Esse sentimento, que causa impotência e mexe

com nossos sentidos, serve de elemento de destaque na agenda da

espetacularização promovida pela mídia ao abordar episódios de violência na

sociedade. A esse respeito, Matheus (2011) assevera que:

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O medo é um importante desencadeador e também encadeador de histórias que proporcionam uma experiência simbólica da vida urbana. E a reportagem policial constitui oportunidade privilegiada de conformar mentalmente a cidade em que se vive materialmente. No fluxo do sensacional, o medo é um dos mediadores do relacionamento do público com o jornalismo. (MATHEUS, 2011, p. 43)

A violência urbana, portanto, surge como elemento que realça a cultura do

medo, presente no espetáculo midiático em cena. Trata-se de um espetáculo

encenado não só nas mídias impressas ou online, mas também no radiojornalismo

na medida em que lida com assuntos relacionados à violência. Tais assuntos são

abordados sob a perspectiva do medo e da dor, narrados sob um enfoque dramático

que impõe aos indivíduos a ilustração de um imaginário do real que os mantêm cada

dia mais assustados.

3.3. VIESES POLÍTICAS DO SENSACIONALISMO URBANO

Do exposto até o presente momento, extraímos a noção de que o

sensacionalismo explora, com recorrência, a temática da violência urbana para fins

de audiência e espetacularização de um cenário montado de falta de segurança sem

limites. Tal montagem serve como modo de retroalimentar a violência e favorecer o

clima de medo na sociedade de uma maneira quase contínua, o que remonta a

panos de fundo quase nunca explícitos, mas que os órgãos midiáticos sabem muito

bem explorar.

Dentre alguns desses panos de fundo que poderíamos citar, temos a questão

da liberação da compra e uso de armas. Na medida em que o estado não provê a

segurança devida à população, conforme previsto em nossa Carta Magna

(Constituição), as pessoas buscam cada vez mais meios de autodefesa como

segurança privada, cercas, alarmes, e até mesmo armas para uso pessoal.

O uso das armas de fogo por cidadãos comuns é uma grave ameaça que

impulsiona os índices de criminalidade. Apesar de vigorar no Brasil o chamado

Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003), lei que

dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, um

referendo realizado no país em 23 de outubro de 2005 tornou sem efeito o artigo que

proibia a comercialização de armas de fogo e munição para cidadãos comuns.

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Na época, um amplo debate realizado na sociedade expôs a proposta de

desarmamento da população civil, e indagou se a população era favorável ou não à

proibição da comercialização de armas de fogo e munição para cidadãos comuns.

Cada posicionamento foi amplamente divulgado e midiatizado por meio de duas

frentes denominadas de “Sim” e “Não”. Enquanto a primeira frente argumentava

utilizando-se do direito à vida, a segunda replicava com base no direito da legítima

defesa. Vejamos um dos posicionamentos da frente pelo “sim ao desarmamento”:

No início do debate, a Frente do Sim argumentou que a proibição do comércio salvaria muitas vidas, uma vez que dados estatísticos mostravam que a grande maioria de mortes por armas de fogo no Brasil é causada por armas “leves”, compradas por cidadãos comuns, que causavam acidentes, ou eram utilizadas em desavenças entre casais, amigos e vizinhos ou, ainda, em brigas no trânsito e em bares. Além disso, a Frente do Sim apresentou dados para evidenciar que aproximadamente 80% das armas apreendidas entre os criminosos eram curtas e leves, e que 85% eram de fabricação nacional, roubadas de cidadãos comuns. (MAIA, 2006, p. 25)

Apesar de seu forte argumento, a frente do “não ao desarmamento”

conseguiu, já próximo ao final da campanha, apoio da maioria da população,

auxiliada por uma intensa midiatização e uma campanha que buscava resgatar os

sentimentos de medo e insegurança expostos cotidianamente nos noticiários. Uma

situação que foi esclarecida em tópico anterior de nossa pesquisa e a qual

intitularam de “cultura do medo”.

Não por acaso, os maiores financiadores da campanha pelo “não ao

desarmamento” foram a Forjas Taurus, a maior indústria brasileira de armas, e a

Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), a maior produtora de munições do país4.

Incentivando a visão de que o cidadão precisa se proteger por conta própria, ele

teria o direito de se armar, desde que atendendo aos critérios estabelecidos na

legislação em vigor. Vejamos como esse argumento foi bem trabalhado:

Os adeptos do Não trouxeram para a linha da frente do debate a vulnerabilidade, o risco e o medo em que os cidadãos brasileiros vivem, diante da alta criminalidade existente no país. Nesse contexto, destacou-se a incapacidade de o Estado prover segurança pública e, assim, argumentou-se que a proibição iria deixar os “bandidos” mais

4 Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/o-tiro-que-nao-saiu-pela-culatra

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fortes e mais à vontade para praticar seus crimes, enquanto os cidadãos ficariam ainda mais vulneráveis. (MAIA, 2006, p. 26)

Diante desses argumentos, o “não ao desarmamento” vence, mantendo em

projeção a poderosa indústria brasileira de armas. Tal ideia é retroalimentada

constantemente pela mídia ao enfatizar o medo e a insegurança no imaginário da

população. Ainda que o controle de armas seja item fundamental para a redução da

violência armada, o fato é que a mídia e a indústria de armas conseguiram reverter o

que seria o principal ponto do estatuto do desarmamento em nosso país.

Outro ponto de destaque quando pensamos nas consequências políticas

desse sensacionalismo midiático diz respeito à privatização e terceirização dos

presídios. Quando observamos o contexto de nosso sistema penitenciário, seja a

nível local ou nacional, a realidade que se mostra é a de um sistema falido à beira

do caos, com estabelecimentos prisionais lotados e sem infraestrutura adequada.

Diariamente, chegam até nós notícias de rebeliões e fugas de presídios.

Preliminarmente, faz-se necessário diferenciarmos os dois modelos de

privatização existentes: o modelo americano e o modelo francês. Enquanto no

modelo americano a administração do presídio e dos presos é inteiramente entregue

à iniciativa privada, o que seria considerado inconstitucional no Brasil, no modelo

francês ocorre uma gestão compartilhada, cabendo ao Estado a administração da

pena e ao ente privado a gestão administrativa por intermédio da terceirização.

Esse último modelo vem sendo encaixado ao que denominamos de Parceria

Público-Privada (PPP), por meio da qual a empresa parceira constrói o presídio e é

ressarcida pelo Estado, aos poucos, pelo serviço de gestão administrativa. Nesse

tipo de parceria, cabe ao Estado a fiscalização e o policiamento do entorno do

presídio, além é claro, de gerenciar a determinação de penas e punições aplicáveis

aos detentos. A empresa, por sua vez, gerencia a parte administrativa como

fornecimento de refeições, uniformes, atendimentos de saúde e segurança interna.

Frente a esse cenário, surge a oportunidade daqueles que defendem um

sistema carcerário privatizado como a solução dos problemas apontados. Dentre os

argumentos utilizados, se utilizam da capacidade e versatilidade de uma gestão

privada quanto à resolução dos problemas, a diluição dos custos em um contrato de

longo prazo, e uma suposta economia na medida em que, sob a responsabilidade de

uma gestão privada, o Estado não teria de arcar com os custos da mão de obra.

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Em oposição a esse pensamento, podemos argumentar que o custo não

diminui na prática, pois a experiência tem mostrado que o custo efetivo por preso

tende a ser bem mais elevado em uma licitação, cuja finalidade é a privatização de

um presídio. Além disso, a lógica do lucro em cima do preso tende a privilegiar a

mão de obra do presidiário e deixar de lado a finalidade precípua da ressocialização.

Afinal, quanto mais presos, mais lucros. Nesse sentido, Minhoto (2002) argumenta:

O que se observa na prática, porém, à medida que gradualmente a privatização se aproxima do “núcleo duro” do sistema prisional – o encarceramento de adultos –, é uma espécie de “fertilização cruzada” às avessas, em que mais e mais as prisões privadas se veem às voltas com os mesmos problemas dos estabelecimentos públicos, notadamente a superpopulação, um regime disciplinar desumano e um contexto avesso às estratégias de reabilitação dos condenados, minando assim a promessa privatizante nos exatos termos em que vem sendo advogada. (MINHOTO, 2002, p. 141)

Ora, se os principais benefícios das privatizações não vêm sendo observados

a contento em outros países que adotam esse sistema, porque seria diferente aqui

no Brasil? A lógica que predomina nesses presídios privatizados é a de lucro às

custas dos apenados, de modo que a reabilitação, que seria a finalidade primordial

em um sistema penal administrado pelo Estado, nesse sistema privado fica em

segundo ou terceiro plano. De fato, quem lucra com isso são os investidores desses

presídios, e não a sociedade como um todo.

A ideia das privatizações, contudo, prospera em um cenário cultural no qual

as mídias destacam recorrentemente a ineficiência do Estado em lidar com a gestão

do sistema carcerário. Face aos índices alarmantes de violência e do

sensacionalismo exacerbado, a questão é tratada como se não houvessem outras

saídas. A seguir, Minhoto (2002) aponta como a adoção de um sistema penitenciário

privado prospera em nosso contexto cultural:

Do ponto de vista cultural, as prisões privadas parecem beneficiar-se largamente das incongruências que se verificam no modo como a violência tem sido apreendida simbolicamente e os tomadores de decisão procuram lhe fazer face. A imagem do cidadão crescentemente encurralado, conjugada a uma reorientação da política penal nos anos 80 e 90, que vai rifando o papel reabilitativo da prisão em nome da pura e simples incapacitação dos detentos, pressionam sistematicamente em direção à adoção de políticas penais truculentas, o que, por sua vez, joga água no moinho da superpopulação penitenciária. (MINHOTO, 2002, p. 142-143)

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Em suma, a visão da sociedade ameaçada pela violência sem limites ecoa e

nos faz crer que a solução são as prisões privadas ou a terceirização, capazes de

lidar com a superpopulação carcerária. Ficam no ar os verdadeiros motivos pelos

quais não se capitaneia uma discussão acerca das causas da violência crescente

que incha o sistema carcerário, e acerca de soluções efetivas para cortar o problema

pela raiz. Parece que a solução midiatizada sempre tem de passar pelo caos e pela

punição, de preferência com o aporte dos recursos privados para gerir um sistema

que em tese deveria ser responsabilidade unicamente estatal.

Por fim, citamos um terceiro ponto que pode estar por trás da postura da

mídia em seu tratamento da violência urbana: a redução da maioridade penal. Trata-

se de temática que vez ou outra ressurge na mídia, sempre que entra em pauta a

Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para se reduzir a maioridade penal, hoje

estabelecida em 18 anos. Convém lembrar que essa proposta é antiga e remonta ao

ano de 1993, sendo uma questão controversa que se arrastou por anos na Câmara

dos Deputados (PEC nº 171/1993) e continua em trâmite no Senado Federal (PEC

nº 115/2015).

Em suma, a maioridade penal expressa a idade a partir da qual o indivíduo

passa a responder criminalmente como um adulto. A maioridade penal brasileira foi

estabelecida em 18 anos por seguir os princípios expressos em nossa Constituição

Federal, em especial o que dispõe o caput do artigo 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

Conforme nossa Carta Magna, deve ser prioridade absoluta salvaguardar as

garantias fundamentais das crianças, adolescentes e jovens, motivo pelo qual estes

recebem um tratamento diferenciado dos adultos. Seguindo essa linha de

pensamento, os argumentos a favor de se manter a atual idade para a maioridade

penal são bastante consistentes. Levam em consideração aspectos como o fato do

sistema prisional brasileiro não contribuir para a reinserção dos jovens na sociedade,

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a constatação de que educar é mais eficiente do que punir, ou ainda a preocupação

em uma eventual redução da maioridade penal afetar prioritariamente jovens de

periferia e socialmente vulneráveis.

Os defensores da redução da maioridade, por sua vez, também elencam uma

série de argumentos, tais como: adolescentes de 16 e 17 anos já têm discernimento

para responder por seus atos, a imunidade de menores gera mais violência na

sociedade, as punições do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são brandas

ou ineficazes. Para se ter uma ideia, o ECA prevê punição máxima de três anos de

internação.

Diante de tudo isso, pensamos em como a influência midiática e o

sensacionalismo empregado podem tendenciar um dos lados dessa balança. Ao

exacerbar a violência e a insegurança, incutindo na população a sensação de medo

e impunidade, uma das ideias que nos surge é a de que devemos endurecer as leis

penais para nos proteger. No que diz respeito aos adolescentes, especificamente, a

mídia ressalta cada vez mais os crimes cometidos por menores infratores e a

sensação de que estes não são efetivamente punidos devido a uma aparente

ineficácia do ECA. Todos esses fatores contribuem para que a opinião pública seja

cada dia mais favorável à redução da maioridade penal.

Inúmeras consequências políticas poderiam ser relatadas ao pensar no

sensacionalismo empregado quando lidamos com o noticiário da violência urbana.

Aqui, apenas citamos três exemplos para demonstrar o quão complexo são os

desdobramentos que nosso tema de pesquisa abrange. Isso ilustra como um

discurso pode ter um alcance amplo e refletir um jogo de interesses. No tópico a

seguir, concentraremos nosso foco no poder de influência do radiojornalismo, que

poderá ser constatado, adiante, quando de nossa análise propriamente dita.

3.4. POR UMA COMPREENSÃO DO RADIOJORNALISMO

A atividade radiojornalística, conforme vem sendo abordada, exerce um papel

fundamental na interpretação da realidade para grande parcela da população que

consome essa mídia. Como tal, podemos elencar aqui dois pontos de interesse: a

especialização da atividade da cobertura policial, e o fenômeno da influência na

opinião pública.

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No que se refere ao primeiro tópico, observamos que existe, na atualidade,

uma especialização na atividade da mídia radiofônica em realizar coberturas de fatos

policiais. Segundo Ferraretto (2014), existem basicamente dois tratamentos que se

relacionam a essa especialização: rádio popular e jornalismo tradicional. Na primeira

opção, o fato policial é narrado em tom quase dramático e se utiliza de uma

mensagem de apelo fácil. Por vezes, o comunicador assume uma posição

paternalista e policialesca, na qual predominam os adjetivos e os juízos de valores.

Obtém-se, com isso, uma exploração sensacionalista dos fatos corriqueiros no

intuito de cativar o ouvinte pela emoção e pelo medo.

No outro extremo, teríamos uma versão dos fatos eminentemente

informacional. Nesse viés, a emissora se preocuparia apenas em mencionar os fatos

policiais de maior repercussão de modo a relatar o ocorrido, distanciando-se de

emitir julgamentos. Nessa função, estaria mais preocupada em seguir critérios

informativos que regem a profissão. Em nosso trabalho, observaremos que os

programas jornalísticos das emissoras em análise se apresentam como um misto

entre essas duas vertentes, pois, apesar de não seguirem a linha editorial popular,

utilizam elementos típicos desta, tais como mensagens de fácil apelo, ou seja,

assume-se um tom informativo e ao mesmo tempo sensacionalista.

Ferraretto (2014) ressalta ainda que, em ambos os casos, a emissora se vale

de um trabalho típico de investigação. Para tal, corriqueiramente, mantém repórteres

destacados a entrar em contato telefônico/e-mail com policiais, grupamentos de

bombeiros, vítimas de crimes e outras possíveis fontes em um processo de “ronda

telefônica”, a fim de obter as últimas informações.

Diante desse quadro, chegamos a nos questionar acerca do alcance de todo

esse esforço pela obtenção da informação em primeira mão. Não é difícil perceber

como a mídia radiofônica exerce influência perante a opinião pública, chegando a

ser cogitada como uma característica inerente aos meios de comunicação. Vejamos

o que Melo (1975) tem a nos dizer a respeito:

Concebida como opinião predominante ou opinião majoritária, a Opinião Pública é um produto da atividade social. Por isso mesmo tem um caráter dinâmico, estando submetida à influência dialética das opiniões que refletem as forças vivas da sociedade. (MELO, 1975, p. 43)

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Conforme relatado, a opinião pública é dinâmica e resultado de diversos

fatores, dentre os quais a mídia se faz presente. Sempre com o intuito de repassar

as ideologias às camadas mais importantes da sociedade, a mídia influencia as

decisões dessa sociedade coletivamente. Tuzzo (2005), por sua vez, reforça essa

ideia ao afirmar que:

Vale ressaltar que a opinião pública se forma a partir de valores pessoais de cada indivíduo, ou seja, opiniões e atitudes são fruto de um conjunto de valores adquiridos desde a infância, com a família, reforçado pela sociedade em que se vive. A escola, o trabalho e a mídia também apresentam reflexos diretos sobre as atitudes. Na época da comunicação de massa, a mídia desempenha um papel importantíssimo na formação da opinião das pessoas. O tempo que as crianças passam na escola e na frente da televisão pode ser, muitas vezes, maior do que o tempo que passa com a família. (TUZZO, 2005, p. 61)

Nesse contexto, constatamos que a opinião pública possui um caráter muito

dinâmico, motivado pelas diversas vieses da sociedade. Se escola, trabalho e família

exercem uma influência sobre o indivíduo, a comunicação exerce uma influência

ainda maior, em face da importância que damos aos meios de comunicação na

atualidade. Basta nos lembrarmos do tempo que passamos à frente da TV ou

conectados à internet, nos quais as notícias e novidades nos são apresentadas a

todo instante em um fluxo contínuo de informações sempre atualizadas. Até mesmo

nos smartphones, por meio de aplicativos, temos acesso às informações online, via

TV ou mesmo via rádios adaptadas à nova era das comunicações.

Ademais, convém ressaltarmos que o campo midiático radiofônico, mais do

que um mero cenário de representação do mundo real, é um modo de se afirmar

valores e ideologias. Isso se justifica porque os noticiários radiojornalísticos não só

narram episódios. Eles agem, de fato, ao empregar mecanismos de poder que

interferem no (e sobre o) espaço público. Alguns desses mecanismos, tais como o

uso da palavra de autoridade e a apropriação do discurso policial, serão explorados

no próximo capítulo, em que partiremos para as análises propriamente ditas.

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4. VIOLÊNCIA E AGENDAMENTO NO CASO MARCELO PESSEGHINI: ANÁLISE

DO DISCURSO

O mundo com o qual devemos nos envolver

politicamente está fora do alcance, fora da visão,

indisponível à mente.

Walter Lippmann (apud McCOMBS, 2009)

Iniciando nossos estudos do discurso da violência urbana, devemos ter em

mente que o discurso da violência emerge de dois fatores presentes na relação

entre a mídia radiofônica e a sociedade: a busca pela audiência e a atração pela

barbárie cotidiana. Nesse contexto, a mídia se utiliza do sensacionalismo para

melhor explorar essa violência e para incutir na sociedade uma sensação de medo,

a qual já estamos habituados a enfrentar.

O que surge dessa combinação é uma mídia empoderada que faz uso de sua

característica mais marcante (a influência perante o público) para colocar seu plano

sensacionalista em prática, expondo um discurso de violência urbana que impõe

uma determinada visão da realidade. A utilização desse esquema evidencia o poder

midiático em cena e também mostra como a mídia se vale de um tipo de discurso

para enfatizar aquilo que é de seu interesse.

Para a análise proposta, nossa pesquisa se enquadra em uma perspectiva de

natureza qualitativa, utilizando a descrição e a observação, para averiguar as

condições de formação que possibilitam a constituição do discurso da violência

urbana na mídia radiofônica. Para tal, adotaremos a metodologia do estudo de caso,

focalizando, especificamente, o assassinato da família Pesseghini. Para tanto,

apoiaremo-nos nos pressupostos da AD para inferir os sentidos que advém desse

discurso, conforme será mais bem explicitado nos subtópicos a seguir.

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4.1. CONTEXTUALIZANDO O EPISÓDIO

Para que possamos melhor explorar o caso em análise, convém fazer uma

recapitulação dos fatos ocorridos e do próprio acontecimento em si, a fim de que

possamos rememorar o contexto situacional. O fato em questão ocorreu no dia 05

de agosto de 2013, quando foram descobertos os corpos de cinco pessoas da

mesma família em uma casa no Bairro Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo

(SP). Tratava-se das seguintes pessoas: o sargento da Rondas Ostensivas Tobias

de Aguiar (ROTA), Luís Marcelo Pesseghini, 40 anos; a cabo do 18º Batalhão,

Andréia Regina Bovo Pesseghini, 36 anos; o filho do casal, Marcelo Eduardo Bovo

Pesseghini, 13 anos; a mãe da cabo, Benedita de Oliveira Bovo, 65 anos; e a tia da

cabo, Bernardete Oliveira da Silva, de 55 anos.

Figura 01 - Família Pesseghini

Fonte: Portal Jovem Pan Online - Rádio Panamericana S/A5

Os corpos foram encontrados por policiais em dois ambientes: na sala da

casa, precisamente em um colchão no chão, o pai deitado e a mãe ajoelhada ao

lado do colchão; no quarto, foram encontrados os corpos da avó e da tia-avó. Na

mesma sala onde os pais foram mortos também estava o corpo do Marcelo. Na mão

5 Disponível em: <http://jovempan.uol.com.br/noticias/brasil/policia/garoto-teria-formado-grupo-e-avisado-colegas-sobre-assassinatos.html> Acesso em: 20 out. 2015.

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dele, uma pistola que teria sido utilizada no crime. Todos morreram da mesma

forma: tiro na cabeça.

Abertas as investigações para apurar o ocorrido, a polícia civil chegou à

hipótese de que o garoto de 13 anos seria o autor do crime, tendo matado a família

(pais, avó e tia-avó) no dia 04 de agosto. No dia seguinte, teria pego o carro da

família, ido até a escola e assistido aula normalmente. Ao voltar para casa, teria

cometido suicídio, atirando contra a própria cabeça, com uma pistola calibre 0.40,

que pertencia à mãe dele.

À época dos fatos, familiares apontaram Marcelo como um bom garoto,

incapaz de cometer tal atitude. Os amigos de escola, por outro lado, apontaram-no

como um garoto de comportamento estranho, que falava em matar os pais e fugir

para ser “matador de aluguel”. A polícia afirmou que, no local do crime, não havia

sinais de luta nem de reação por parte das vítimas. Na mochila do Marcelo, havia

outra arma de fogo (pertencente ao avô) e uma faca.

Para embasar a hipótese investigativa, a polícia relacionou os indícios e os

laudos periciais que apontavam que o garoto sofria de doença mental e tinha delírios

que o faziam confundir a realidade com a fantasia. Além disso, o fato de ser fã de

jogos violentos e filho de um casal de PM teria influenciado os delírios surgidos a

partir da doença.

4.2. METODOLOGIA DA PESQUISA

Esta pesquisa, partindo dos pressupostos teóricos abalizados e com o

objetivo de avaliar o discurso da violência urbana, especificamente quanto ao

episódio do “Caso Marcelo Pesseghini”, foi pensada no intuito de esmiuçar um

discurso que possui motivações em suas entrelinhas nem sempre captadas pelo

público. Nesse sentido, investiga um problema social no qual a linguagem ocupa

papel de destaque ao servir como ferramenta de emanação de poder.

No vasto campo da linguística, são os linguistas aplicados que se preocupam

em investigar os problemas sociais nos quais a linguagem tenha um papel central,

como é o caso da manipulação do discurso radiofônico relacionado à violência

urbana. A pesquisa se insere, portanto, no campo da linguística aplicada no sentido

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em que se constitui em modo de pensar acerca de uma problemática que envolve a

linguagem e sua aplicação social, conforme salienta Moita Lopes (2013):

Em um mundo atravessado pelo poder de forma multidirecionada e que apresenta desafios para uma série de significados sobre quem somos, que constituíram o cerne da modernidade, é crucial pensar formas de fazer pesquisa que sejam também modos de fazer política ao tematizar o que não é tematizado e ao dar voz a quem não tem. (MOITA LOPES, 2013, p. 21-22)

Em outras palavras, os estudos da linguagem detêm também uma missão

social de fazer pensar sobre o que não está posto e dar voz a pensamentos e ideias

não abordados cotidianamente, dada a imposição de ideologias por parte da

hegemonia predominante. Isso é o que denominamos de poder estabelecido e

mantido pelo discurso nos mais diversos campos sociais, dentre eles o midiático.

No que se refere à natureza, trata-se de pesquisa qualitativa já que recorre a

métodos e técnicas que não envolvem, necessariamente, a utilização de dados

quantitativos6. Para Chizzotti (2001, p. 28), a pesquisa qualitativa envolve “uma

partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para

extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são

perceptíveis a uma atenção sensível”.

Diante disso, nosso estudo pretende apresentar esse olhar apurado que, ao

investigar fatos ocorridos e noticiados pela mídia, traga à tona as minúcias

envolvidas na linguagem e no modo como ela é empregada para noticiar tais

eventos. Trazendo à tona essas minúcias, espera-se que o leitor perceba o quanto a

mídia se utiliza de estratégias para disseminar determinadas ideologias e como

essas estratégias a colocam em posição de dominância.

Ademais, para atingir tal intento, utilizaremos uma série de técnicas de análise

advindas não só da linguística como do campo da comunicação social, o que denota

a transdisciplinaridade da pesquisa. Ao mencionar essa conjunção de campos

científicos na pesquisa qualitativa, Chizzotti (2001) afirma:

6 Neste trabalho, fazemos breve uso de dados quantitativos, sem maior ênfase, apenas para situar o

leitor da recorrência de vezes em que o caso aparece nos arquivos online contendo a programação

da mídia radiofônica. Sendo assim, a natureza da pesquisa segue qualitativa, posto que a abordagem

centra-se em tal perspectiva.

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A pesquisa qualitativa recobre, hoje, um campo transdisciplinar, envolvendo as ciências humanas e sociais, assumindo tradições ou multiparadigmas de análise, derivadas do positivismo, da fenomenologia, da hermenêutica, do marxismo, da teoria crítica e do construtivismo, e adotando multimétodos de investigação para o estudo de um fenômeno situado no local em que ocorre, e, enfim, procurando tanto encontrar o sentido desse fenômeno quanto interpretar os significados que as pessoas dão a eles. (CHIZZOTTI, 2001, p. 28)

Como visto, a pesquisa qualitativa é considerada multimodal por natureza, no

sentido de estudar um fenômeno a partir de vários pontos de vista e se utilizar de

métodos advindos dos mais diversos campos do saber, assim como ocorre com

nosso objeto de estudo. Tal multimodalidade auxilia no processo de interpretação

desses fenômenos na medida em que passamos a enxergá-los sob diferentes

enfoques, compondo um panorama abrangente e elucidativo.

Diante dos objetivos propostos em nossa introdução, para melhor

delinearmos nossa pesquisa, utilizaremos as quatro dimensões expostas por Bauer

e Gaskell (2012), quais sejam: princípios do delineamento, geração de dados,

análise de dados e interesses do conhecimento. Segundo eles, as dimensões

propostas “[...] descrevem o processo de pesquisa em termos de combinações de

elementos através das quatro dimensões” (BAUER; GASKELL, 2012, p. 19).

A primeira dimensão aponta para o delineamento da pesquisa tomando por

base seus princípios estratégicos. Em nosso caso, para demonstrar como ocorre o

agendamento da mídia radiofônica e como entram em cena os discursos da mídia

nas notícias de violência urbana, recorremos à metodologia do estudo de caso como

estratégia para alcançar o objetivo proposto. Identificando os elementos que compõe

a construção desse discurso em um caso concreto, daremos um vislumbre do que

ocorre na construção desse discurso de uma maneira geral e ampla.

Trata-se, pois, de metodologia empregada quando o objetivo é o de reunir

dados relevantes sobre um objeto de estudo visando um conhecimento mais amplo,

esclarecendo dúvidas e questionamentos relevantes. Portanto, a principal

característica do estudo de caso é a particularização por meio de uma amostra bem

específica ou caso particular, conforme Chizzotti (2001) aponta a seguir:

O estudo de caso é uma caracterização abrangente para designar uma diversidade de pesquisas que coletam e registram dados de um caso particular ou de vários casos a fim de organizar um relatório

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ordenado e crítico de uma experiência, ou avaliá-la analiticamente, objetivando tomar decisões a seu respeito ou propor uma ação transformadora. (CHIZZOTTI, 2001, p. 102)

Em nosso escopo, na escolha do caso, tínhamos em mente que deveria ser

um caso cuja repercussão na mídia radiofônica tivesse sido abrangente e

representativa daquele universo com o qual nos propomos trabalhar, quer seja, o

universo da violência urbana. O próprio Chizzotti (2001, p. 102) ressalva que o caso

necessita ser um elemento representativo do todo e de relevância tal que se torna

“suficiente tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor uma

intervenção”.

Mais especificamente, optamos por investigar o discurso radiofônico

construído por ocasião do episódio do assassinato da família Pesseghini (“Caso

Marcelo Pesseghini”). O referido caso trata-se de crime que ganhou repercussão

nacional por envolver o assassinato de uma família inteira e, principalmente, pelo

fato de o principal acusado de cometer tamanha brutalidade ser o filho único da

família, de apenas 12 anos, que, após ter matado seus familiares, teria se suicidado.

A segunda dimensão diz respeito aos métodos de coleta de dados, ou seja,

as metodologias empregadas para separar os dados que iremos analisar.

Considerando a proposta de se analisarem notícias veiculadas no meio radiofônico,

especificamente relacionadas ao episódio concreto denominado “Caso Marcelo

Pesseghini”, nossa primeira preocupação seria em como obter tais notícias e, para

tanto, contamos com o auxílio da rede mundial de computadores.

Por se tratar de um episódio de alto valor de notícia, alcançando grande

repercussão em todo o país, selecionamos duas emissoras radiofônicas que

atendessem a dois critérios básicos: amplo alcance nacional e disponibilização no

site oficial da programação gravada em formato de arquivo digital. Chegamos, então,

a duas emissoras que estão entre as de maior audiência no Brasil atualmente:

Rádios CBN AM/FM e Jovem Pan AM.

De início, fizemos um apanhado de todas as notícias relacionadas ao caso

em estudo, divulgadas nas emissoras supracitadas no período compreendido entre

agosto/2013 e julho/2014 (período de um ano a partir da data do acontecimento).

Catalogamos um total de 54 notícias, das quais selecionamos as dez mais

relevantes quanto à presença de elementos linguísticos passíveis de interpretação e

discussão, tendo em mente o discurso que pretendíamos abordar.

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Em suma, nosso corpus consiste de dez notícias veiculadas nas emissoras

CBN AM/FM e Jovem Pan AM, e que se relacionam ao “Caso Marcelo Pesseghini”.

Após a seleção, foi realizada uma transcrição literal destas, empregando-se, para

tanto, o método do registro de sons. Trata-se de notícias curtas, de duração média

de três minutos, as quais têm seus elementos principais esmiuçados do ponto de

vista de uma análise linguístico/discursiva.

Nessas transcrições, utilizamos ainda algumas normas expostas por

Marcuschi (2003), para fins de melhor assinalar o que nos convêm na análise.

Segundo ele, devemos seguir a escrita padrão, mas respeitando a produção real

com a utilização de algumas dicas:

Para o formato da conversação, é usual uma sequenciação, com linhas não muito longas, para melhor visualização do conjunto. Importante indicar os falantes com siglas (iniciais do nome ou letras do alfabeto). Não convêm cortar as palavras na passagem de uma linha para outra. É bom evitar as maiúsculas em início de turno. (MARCUSCHI, 2003, p. 10)

Além de adotar as referidas indicações, utilizamos ainda alguns dos sinais

propostos pelo autor no intuito de facilitar a compreensão de nossa transcrição. As

normas que utilizamos estão compiladas na tabela 01:

Tabela 01 - Resumo de regras adotadas nas transcrições

Categorias Sinais Descrição das categorias

Ênfase ou acento forte

MAIÚSCULA Sílaba ou palavras pronunciadas com ênfase ou acento mais forte que o habitual.

Alongamento de vogal

:: Dependendo da duração os dois pontos podem ser repetidos.

Repetições Própria letra Reduplicação de letra ou sílaba.

Pausa preenchida, hesitação ou sinais

de atenção

Usam-se reproduções de sons cuja grafia é muito discutida, mas alguns estão mais ou menos claros, como: eh, ah, oh, ih::, mhm, ahã, e vários outros.

Indicação de transição parcial ou

de eliminação

... ou /.../

O uso de reticências no início e no final de uma transcrição indica que se está transcrevendo apenas um trecho. Reticências entre duas barras indicam um corte na produção de alguém.

Fonte: Adaptado de Marcuschi (2003, p. 10-13)

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Com relação à terceira dimensão do processo de pesquisa, que diz respeito

ao tratamento analítico dos dados, considerando o contexto de inserção na

linguística aplicada, utilizaremos o instrumento de análise de dados que se ocupa

em estabelecer relações entre o texto e o contexto no qual ele foi emitido. Trata-se

da Análise do Discurso (AD) de linha francesa, cujos analistas consideram “[...] os

processos e as condições de produção da linguagem, pela análise da relação

estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em que se

produz o dizer” (ORLANDI, 2015, p. 14).

Por meio dessa perspectiva de análise de discurso, teremos elementos

suficientes para estabelecer uma relação entre o uso da língua e a imposição de

ideias, materializada no corpus. Nesse sentido, fica clara a noção de que “[...] a

linguagem está materializada na ideologia e como a ideologia se manifesta na

língua” (ORLANDI, 2015, p. 15).

Com efeito, se a ideologia se materializa por meio do discurso, e este é

materializado por meio da língua, a análise do discurso está preocupada em

trabalhar essa relação tomando por base o sujeito que a produz. Em nosso corpus,

essa relação é analisada destacando-se o contexto e os sujeitos envolvidos na

produção do discurso midiático radiofônico.

Por fim, temos a quarta dimensão do processo de pesquisa, que se refere aos

interesses do conhecimento segundo a classificação do filósofo Jürgen Habermas.

Segundo Habermas, existem “[...] três interesses constitutivos do conhecimento que

estão na base das ‘ciências empírico-analíticas’, ‘histórico hermenêuticas’ e ‘críticas’”

(BAUER; GASKELL, 2012, p. 31). Em nossa pesquisa, reportamo-nos ao terceiro e

último interesse, que se relaciona diretamente com as ciências críticas.

O interesse ao qual nos referimos é o interesse emancipatório (reflexivo), que

reflete a pesquisa preocupada em revelar e questionar formas de dominação e de

poder. Embora a pesquisa qualitativa não indique necessariamente uma ligação

imediata a esse tipo de interesse emancipatório, de fato é o que ocorre em nossa

pesquisa, a qual busca identificar uma relação de poder estabelecida no meio

radiofônico. Identificada essa relação, o público ouvinte pode agir racionalmente e

minimizar essa dominação imposta por meio do discurso midiático.

O principal viés dessa teoria crítica é justamente identificar esse tipo de

relação ideológica de dependência ou subordinação que possa a vir ser

transformada. Nesse sentido, é importante ressaltar que a metodologia empregada

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reflete diretamente nossa escolha por esse viés, ainda que o principal elemento que

deva se destacar não seja a metodologia em si, mas nosso interesse em pesquisar,

questionar e interpretar os dados no intuito de viabilizar uma ação emancipatória.

4.3. O AGENDAMENTO EM FOCO

Conforme visto, a mídia tem o poder de construir realidades por meio do

discurso que propaga diariamente perante a população, espetacularizando

acontecimentos e direcionando a atenção pública para aquilo que seus detentores

consideram de maior importância. Sobretudo quando se trata da veiculação de

notícias relacionadas a episódios de violência nas grandes cidades, a mídia destaca

um discurso pertinente ao medo e à ineficiência do estado.

Para obter esse efeito, a mídia se utiliza do poder proporcionado pelo

agendamento midiático. Segundo Wolf (2005, p. 63), “O agendamento atribui às

notícias diferentes graus de importância que acabam sendo absorvidos pelo

público”. Desse modo, aquilo que é considerado de maior relevância pelos

mantenedores da mídia ganha destaque e é tido automaticamente como importante

para a população que acompanha essa realidade criada pela mídia.

A violência urbana, dado o alto grau de interesse que desperta no público

consumidor da mídia, é diariamente relatada nos noticiários e programas do gênero,

quer seja no rádio, TV ou jornal. Sobre isso, Szpacenkopf (2003, p. 44) já defendia

que ”[...] a mídia se aproveita da violência existente, justamente porque esta

interessa ou se faz interessar ao espectador, o qual carrega consigo ingredientes

que podem facilitar, a ligação com atos violentos”. Essa ênfase pode tanto servir

como um alerta quanto surtir o efeito de superlativizar a insegurança a graus

alarmantes, incutindo na população uma tensão constante e a incorporação de um

discurso relacionado à violência e ao medo. De fato, a mídia tende a demonstrar

uma escalada constante da criminalidade, amplificando a sensação de impotência e

insegurança vivenciada pela população.

Nesse contexto, detivemo-nos em analisar um episódio de homicídio noticiado

pela grande mídia, especificamente no noticiário veiculado via rádio, e observar as

repercussões nesse meio jornalístico tendo em vista o agendamento. Além disso,

deteremo-nos a analisar como está presente o discurso da violência, e a forma que

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ele foi explorado como sendo um dos elementos deflagradores do crime, dentre

outros elementos extraídos da análise.

Para observarmos como o episódio foi agendado, vejamos a seguir um

quadro comparativo entre as duas emissoras de destaque no cenário

radiojornalístico nacional (Rádio CBN AM/FM e Rádio Jovem Pan AM), das quais

coletamos o nosso corpus de análise. Tal quadro demonstra quantitativamente a

abordagem do “Caso Marcelo Pesseghini” em cada uma das emissoras, a partir da

contagem das notícias disponibilizadas em podcast7 em seus respectivos sites, da

descoberta do homicídio até o rareamento da notícia:

Tabela 02 - Agendamento do “Caso Marcelo Pesseghini”

Emissora de Rádio

Período CBN AM/FM Jovem Pan AM

Agosto/2013 27 notícias 9 notícias

Setembro/2013 8 notícias 5 notícias

Outubro/2013 a Julho/2014 5 notícias -

Fonte: Autoria Própria

Conforme se pode observar, o caso foi amplamente divulgado por ambas as

emissoras logo após a descoberta dos corpos e início das investigações: no dia 05

de agosto. Considerando que a investigação policial apontou o menino, Marcelo

Pesseghini, como culpado já nas apurações iniciais, cerca de dois meses após o

caso entra na fase de rareamento (quando já não existem novos fatos sobre o

episódio). A emissora CBN ainda noticia algumas informações esparsas até o mês

de julho de 2014, referentes ao desenrolar do fechamento das investigações

policiais, tendo sido produzido um relatório final em agosto de 2014 por parte da

Polícia Civil de São Paulo.

No decorrer das análises, observamos outro aspecto relevante quando da

contagem das notícias. Verificamos claramente e, em especial, na rádio Jovem Pan

7 Os podcasts − também chamados de podcastings − são arquivos de áudio transmitidos via internet.

Neles, os internautas oferecem seleções de músicas ou falam sobre os mais variados assuntos −

exatamente como acontece nos blogs. Também podem ser disponibilizados por sites ou portais de

conteúdos como rádios online, nos quais encontramos partes de sua programação. Os arquivos,

baixados em computadores ou tocadores portáteis, podem ser ouvidos a qualquer hora.

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AM, como as emissoras agendam o caso, relacionando-o ao ponto de vista da culpa

do garoto Marcelo Pesseghini. O que ganha destaque são as notícias acusatórias,

em detrimento de notícias ou possíveis fatos que pudessem apontar para a

inocência dele. Observemos a seguinte tabela:

Tabela 03 - Classificação das notícias relacionadas ao “Caso Marcelo

Pesseghini”

Emissora de Rádio

Tipo CBN AM/FM Jovem Pan AM

Notícia (mera exposição do

ocorrido)

7 notícias -

Notícia (acusação Marcelo) 26 notícias 13 notícias

Notícia (defesa Marcelo) 7 notícias 1 notícia

Fonte: Autoria Própria

Ainda que o relatório final da polícia tenha apontado Marcelo Pesseghini

como o responsável pela morte da família e que a maioria das evidências apontem

para tal deslinde, o fato é que não se trata de forma equivalente as demais

possibilidades, optando por evidenciar a linha de investigação acusatória. A Jovem

Pan AM, por sua vez, aborda em apenas uma notícia fatos a favor do garoto,

demonstrando seu nítido posicionamento pela acusação de Marcelo Pesseghini.

Como tal, resta evidente que o agendamento midiático no caso em tela deixa

transparecer a opção pela acusação, reforçando um pré-julgamento e influenciando

seus espectadores a seguirem a mesma linha de raciocínio.

Para uma primeira averiguação do corpus quanto ao discurso agendado,

optamos por utilizar uma nuvem de palavras8, formada a partir do conjunto de todos

os títulos das reportagens coletadas (disponíveis online e em podcast) no intuito de

observar os termos mais empregados. A nuvem foi criada com o auxílio de um site

específico (http://www.wordle.net/), no qual colamos os textos e o algoritmo se

encarrega de formar a nuvem de palavras correspondente. Fazemos apenas a

8 Uma nuvem de palavras é um recurso gráfico (usado principalmente na internet) para descrever os termos mais frequentes de um determinado texto. O tamanho da fonte em que a palavra é apresentada é uma função da frequência da palavra no texto: palavras mais frequentes são desenhadas em fontes de tamanho maior, palavras menos frequentes são desenhadas em fontes de tamanho menor.

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ressalva de que, para fins de melhor visualização das demais palavras, foi omitida a

primeira ocorrência (Pesseghini) já que, por ser a personagem principal do caso,

tratava-se da palavra de destaque em mais de metade dos títulos. Vejamos:

Figura 02 - Nuvem de palavras – “Caso Marcelo Pesseghini”

Fonte: http://www.wordle.net/

O que podemos observar é a predominância de vocábulos relacionados ao

discurso policial, às investigações e à violência em si. Vocábulos como “polícia”,

“morte”, “chacina”, “depoimento”, “assassinados”, dentre outros, demonstram tal

relação. Por outro lado, em destaque mais acentuado ficam as palavras-chave

relacionadas ao caso em si, como o nome do garoto “Marcelo”, o bairro onde

morava, “Brasilândia”, e o termo “família”, já que o caso está relacionado ao

assassinato de membros da família Pesseghini.

O que emerge, portanto, desse agendamento é a predominância de um

discurso policial atrelado à investigação de fatos e o uso do poder da mídia para

influenciar o público. A investigação a cargo da própria mídia reforça o papel de uma

mídia investigativa que divulga apenas verdades pretensamente comprovadas,

influenciando no julgamento prematuro por parte da opinião pública.

Para chegarmos a essa afirmativa, contamos ainda com o auxílio de

categorias que surgiram de nossa análise, decorrentes do discurso midiático da

violência urbana no episódio mencionado. São categorias que apontam para

características tais como: o fato do garoto Marcelo ser experiente, a convivência com

símbolos de violência, e até mesmo a notória repercussão social do caso. Vejamos a

seguir um quadro resumo dessas categorias e a indicação de quais reportagens elas

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se fazem presentes (a numeração indicada corresponde àquela utilizada nas

análises que serão apresentadas nos próximos tópicos):

Tabela 04 - Categorias de análise do “Caso Marcelo Pesseghini

Categoria de análise Reportagens onde está

presente

Marcelo era experiente 01, 06

Fixação psicológica que Marcelo possuía por

personagens violentos de videogame

02, 08, 10

Marcelo gostava de histórias violentas 03

Descrição dramática da cena e busca por respostas 04, 06

Marcelo sofria de doença mental 05, 10

Convívio com símbolos da violência 07

Episódio causa repercussões sociais 09

Fonte: Autoria Própria

Em uma breve leitura, nosso quadro de categorias já resume em poucas

palavras o que o discurso midiático da violência urbana nos impõe enquanto

ouvintes participantes desse processo. A mídia repassa a imagem de um “Marcelo”

inserido em um ambiente de violência urbana cotidiano, o que se reflete em sua

preferência por personagens violentos de videogame e histórias de violência em

geral. Esse contexto é reforçado ainda pelo convívio com símbolos de violência, tais

como armas, haja vista que os pais de Marcelo eram policiais.

A mídia ressalta ainda o fato de Marcelo ser experiente e sofrer de doença

mental. Uma experiência que decorre em grande parte de seus pais, que lhe

ensinavam coisas como dirigir e atirar, conforme será mais bem explorado nas

análises que se seguirão. Quanto à doença mental, destaca-se o fato tendo por base

ser uma das linhas de investigação da polícia, a qual chega a recrutar um

especialista em psiquiatria forense para dar um parecer acerca do referido caso.

Outro ponto de relevância é o destaque à descrição dramática de cena e a

busca por respostas, o que nos permite inferir que o discurso midiático tem uma

predileção pelo sensacionalismo e a investigação como modos de manter a

audiência e ao mesmo tempo ser uma referência formativa de opinião. A busca por

respostas revela o aspecto relacionado à mídia investigativa, na medida em que o

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veículo de comunicação assume um papel investigativo e se reveste da função

própria da polícia para dar credibilidade àquilo que é divulgado.

Como fator decorrente dessa credibilidade assumida, não é difícil

imaginarmos o poder de influência perante seu público. Se a mídia repassa essa

veracidade à sua opinião e à sua visão dos fatos, a opinião pública tende a assumir

tudo que é noticiado como verdade absoluta, o que reflete no comportamento e na

atitude das pessoas. Em um episódio como o do garoto Pesseghini, o local do crime

chega até mesmo a virar ponto de peregrinação, com inúmeras mensagens e

pichações feitas por populares no portão e nos muros da residência.

Nos tópicos a seguir iremos abordar um pouco mais detalhadamente essas

categorias, além de outros aspectos conexos, que emergem das notícias por nós

coletadas, nas quais poderemos observar como é trabalhado esse jogo enunciativo

da investigação e da abordagem da violência na mídia radiofônica. Elementos como

o poder de influência quanto à sensação de medo iminente e a persuasão midiática

farão parte desse contexto.

4.4. O PAPEL DE INVESTIGAÇÃO: A MÍDIA DEMONSTRA SEU PODER

O primeiro viés do discurso da violência urbana a ser posto em evidência diz

respeito ao poder midiático, observado a partir do corpus por nós analisado.

Destacamos aqui o uso do poder estabelecido por parte da mídia radiofônica. Não

raras vezes, visualizamos claramente esse poder demonstrado por meio da

sustentação de um ponto de vista, do uso de argumentos de autoridade e da notória

presunção da mídia enquanto um poder investigativo capaz de elucidar os fatos e

expor seu julgamento ao público com a aura da verdade absoluta.

Para tanto, a mídia radiofônica não mede esforços em se utilizar de

estratégias para focar o público na “verdade” que lhe é exposta, apostando no

espetáculo midiático de uma investigação policial como forma de atração. Nesse

sentido, Szpacenkopf (2003) observa que:

Outra forma de poder, bem atual, é a midiática, que joga com a possibilidade de influenciar e de seduzir um público, modificar comportamentos e promover decisões. [...] O poder da mídia faz funcionar os mecanismos de projeção e de identificação, agindo sobre o imaginário, e nesse sentido, estratégias são usadas para a

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criação de um real no qual fatos estão excluídos enquanto outros viram acontecimentos. (SZPACENKOPF, 2003, p. 78)

Conforme observado, a mídia costuma se utilizar da influência que exerce

para criar uma realidade perante o público, induzindo e provocando

comportamentos. Na produção do discurso da violência urbana, tal poder se

demonstra, sobretudo, no modo como a mídia encara as investigações policiais de

crimes de violência que, por si só, chamam a atenção do público e geram audiência

na mídia, inclusive na mídia radiofônica.

Seria interessante levantarmos a hipótese de que nem sempre o que é

exposto por meio da investigação midiática e a conclusão a que se chega

correspondem à versão encontrada por meio do devido processo legal estabelecido.

Isso decorre principalmente de a justiça trabalhar com todas as possibilidades e se

basear no conjunto de fatos como um todo, enquanto a investigação midiática

costuma focar em pontos centrais e de maior destaque, fazendo como que uma

espécie de julgamento recortado da realidade. É o que Fernandes (2010, p. 4023)

ressalta ao afirmar que “[...] o juiz julga com base nas provas presentes no processo;

o público ‘julga’ com base no que é publicado pela imprensa”.

Vejamos a seguir trechos de notícias veiculadas nas rádios Jovem Pan e CBN

que serão analisadas no intuito de observar os elementos por nós arrolados. No

primeiro trecho, observamos um claro exemplo de justificativa evocada para reforçar

a tese defendida pela polícia e encabeçada pela emissora logo nos primeiros dias

após a notícia inicial do ocorrido.

Reportagem 01 'Marcelo Pesseghini sabia dirigir e atirar', afirma testemunha 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13.

... A: Donato, o delegado:: divisionário do departamento de homicídios e proteção à pessoa: aqui de São Paulo, Itagiba Franco, afirmou que um policial militar identificado como Neto disse: em depoimento hoje aqui no DHPP, que o menino Marcelo, de 13 anos, sabia dirigir e atirar. Segundo a polícia, tudo indica que Marcelo matou o pai, a mãe, a avó e a tia avó, foi para a escola e quando voltou para casa se matou. O crime ocorreu no início dessa semana. De acordo com o delegado Itagiba Franco, o PM Neto, que prestou depoimento hoje, mora na rua onde a família morava e foi o primeiro a chegar no local do crime. B: do policial militar hoje já foi bastante:, trouxe novas

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14. 15. 16. 17. 18.

evidências para nós, no sentido de que, o moleque, o garoto, sabia dirigir sim porque o pai e a mãe ensinava, e sabia atirar também porque o pai ensinou pra ele. ... (RÁDIO CBN AM/FM, 08/08/2013)

Notamos como a reportagem destaca o depoimento segundo o qual o garoto

Marcelo Pesseghini sabia dirigir e atirar, o que traz à tona nossa primeira categoria

de análise: Marcelo era experiente. Essa categoria fica evidente na linha 6 e,

especialmente, no trecho compreendido entre as linhas 15 e 16, reforçando a tese

de que Marcelo teria matado os pais, já que sabia utilizar uma arma, bem como

embasaria o fato de ele ter ido até a escola no dia seguinte, tendo em vista saber

dirigir, antes de cometer suicídio. A afirmação é confirmada pela autoridade policial,

na figura do delegado Itagiba Franco, o que reforça o uso do argumento de

autoridade como elemento que assegura a verdade daquilo que é dito.

Para Maingueneau (1997, p. 100), ao se utilizar de um argumento de

autoridade, “o ‘locutor’ se apaga diante de um ‘Locutor’ superlativo que garante a

validade da enunciação”. Ou seja, a emissora (representativa do ‘locutor’) se utiliza

de uma pessoa de credibilidade (representativa do ‘Locutor’), já que esse tipo de

argumento se constitui em elemento de persuasão bastante acentuado. Ressalte-se,

contudo, que não é qualquer um que, na ordem do discurso, possui a credibilidade

para se revestir da função de autoridade naquele caso. Utilizando uma formação

discursiva policial, quem assume o papel de autoridade nessa FD específica é

justamente o delegado responsável pela condução do caso.

Observamos ainda a escolha da reportagem em ressaltar a contribuição do

“PM Neto”, que colaborou nas investigações e morava, coincidentemente, na rua

onde a família Pesseghini residia, sendo “o primeiro a chegar no local do crime”

(linha 11). Como sabemos, toda escolha preceitua uma espécie de posicionamento

e, ao optar por dar realce a essa informação, a emissora radiofônica destaca a

potencialidade da opinião exposta, já que se baseia em fontes de fidedignidade

diante do caso em análise.

O trecho que se segue, veiculado em 15 de agosto de 2013 na rádio Jovem

Pan AM, aborda uma etapa seguinte das investigações.

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Reportagem 02 Garoto teria formado grupo e avisado colegas sobre assassinatos 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24.

... A: e nesta semana, Uberreich, a polícia conseguiu dados considerados extremamente importantes. E esses dados vieram através do depoimento de algumas testemunhas. O depoimento: destas testemunhas, são colegas de escola do garoto, e todos esses depoimentos acabam é:: trazendo fatos muito semelhantes. E o que mais tem chamado a atenção da polícia foi o fato revelado hoje durante a tarde pela reportagem da rádio Jovem Pan. O garoto Marcelo, de 13 anos, criou um grupo chamado “Os Mercenários”. Segundo esses colegas de escola do garoto Marcelo, este grupo “Os Mercenários” faria parte apenas os garotos que tivessem MUITA coragem. Isso porque no entendimento de Marcelo os garotos teriam que matar os pais ou até mesmo pessoas importantes. O objetivo desta matança, segundo eles, era conseguir energia. Isso tudo mostra para a polícia o perfil de um garoto que acreditava mesmo nas histórias dos seus videogames. O garoto utilizava nessas conversas, nessas reuniões do: grupo “Os Mercenários”. Essas reuniões aconteciam várias vezes nas escolas, na escola em que ele estudava com os amigos, eles utilizavam sempre uma blusa cinza e capuz. Isso também se assemelhando muito: com o videogame. /.../ (RÁDIO JOVEM PAN AM, 15/08/2013)

Nesse recorte, observamos a ênfase que é dada pelo noticiário à suposta

influência que o menino teria recebido dos jogos violentos que costumava jogar.

Encontramos aqui uma categoria de análise que se relaciona, pois, à fixação

psicológica que Marcelo possuía por personagens violentos de videogame. Essa

fixação estaria exposta tanto na criação do grupo (linha 10), inspirado em jogos

violentos nos quais se mata para obter energia e progredir no game, quanto no fato

segundo o qual o garoto “acreditava mesmo nas histórias dos seus videogames”

(linha 18).

Resta explícita a utilização de um discurso negativo com relação à indústria

de games de conteúdo violento e a ênfase dada ao modo de se vestir (linha 22),

fazendo uma clara alusão ao personagem principal do jogo “Assassin’s Creed”, da

empresa Ubisoft, que costuma se vestir com um capuz cinza (vide figura 03). O

referido jogo é uma saga que envolve ação, aventura e estratégia, e cujo

protagonista é um assassino responsável por lutar contra seus rivais históricos, os

corruptos templários.

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Figura 03 – Personagem principal do jogo “Assassin’s Creed” ao centro, com

sua vestimenta

típica

Fonte: Portal TecMundo Games9

Essa hipótese ganha destaque tão relevante que a emissora, em trecho

analisado posteriormente (reportagem 10), divulga a opinião de especialista que

reafirma a relação entre os jogos e o comportamento do garoto. A empresa

responsável pelo jogo, inclusive, dada a elevada repercussão midiática dessa

suposta influência, chegou a emitir um comunicado ressaltando a inexistência de

estudos científicos que comprovem a relação entre jogos violentos e o

comportamento dos jogadores.

Por fim, observamos como a própria rádio ressalta seu papel investigativo ao

citar: “fato revelado hoje durante a tarde pela reportagem da rádio Jovem Pan”

(linhas 8-9). Com tal afirmativa, atribui para si um critério de exclusividade e

notoriedade à descoberta da existência do grupo “Os Mercenários”, do qual o garoto

Marcelo seria o fundador.

9 Disponível em: <http://games.tecmundo.com.br/noticias/assassin-s-creed-tirar-folga-video-games-

2016_822128.htm> Acesso em: 10 nov. 2016.

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Vejamos a seguir a terceira reportagem a ser analisada, posta no ar pela

emissora Jovem Pan AM.

Reportagem 03 Caderno de Marcelo Pesseghini pode explicar personalidade do menino 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22.

... A: a reportagem da Rádio Jovem Pan teve acesso ao caderno do garoto Marcelo Pesseghini na sexta série. Isso está servindo para a polícia tentar traçar um perfil do menino. Dois textos na aula de técnica de redação e um na de geografia chamam muito a atenção. No primeiro, o garoto diz que GOSTA de criar histórias que no final ELE é o herói. Outro ele narra uma tentativa de assalto na Vila Brasilândia, bairro onde ele morava com a família. Até a data do suposto crime o menino criou, e na história, em setembro de 2011, duas mulheres e uma criança foram feitas reféns por assaltantes. Quando a Rota apareceu na frente da residência a criança da redação dele é liberada. Após mais algum tempo as mulheres também são livres. Já na aula de geografia, quando ele é questionado sobre um patrimônio histórico da cidade que deveria ser preservado, ele diz que é o prédio da Rota. O menino conta que o local já foi palco de guerra, e abriga parte da história da cidade. Com isto, os investigadores querem mostrar que o garoto gostava de histórias violentas, e sempre foi muito orientado pelo pai sobre assuntos policiais. (RÁDIO JOVEM PAN AM, 06/09/2013)

No referido trecho, podemos constatar claramente o papel de investigação da

mídia e da divulgação de “verdades”, já que a reportagem destaca o fato da

emissora ter tido acesso ao caderno do garoto (linhas 2-3). Com tal medida, traz ao

público supostas revelações contidas naquele material (vide figura 04), com sua

premissa de portadora da versão oficial dos acontecimentos, e ressalta mais uma

categoria de nossa análise, que aponta para o fato de que Marcelo Pesseghini

gostava de histórias violentas.

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Figura 04 - Anotações de Marcelo Pesseghini

Fonte: Sistema Arapuan de Comunicação − Paraiba.com.br10

Como reflexo dessa categoria, observamos a presença de uma formação

discursiva relacionada ao universo da violência urbana, ressaltando sobremaneira o

modo como o Marcelo Pesseghini estaria influenciado pela violência que o rodeava

cotidianamente. Para Pêcheux (1993), um sujeito só atribui sentido a determinado

discurso quando ele se reconhece como pertencente à determinada formação

discursiva, que relaciona os sujeitos aos lugares em que cada um ocupa na

sociedade. É o que ocorre quando o ouvinte urbano se identifica com aquela

realidade, repleta de elementos, tais como: “tentativa de assalto” (linha 8), “reféns”

(linha 11), “assaltantes” (linha 11), “Rota” (linhas 12 e 17). Isso cria uma empatia

com a realidade do ouvinte e o faz enxergar uma suposta ligação entre o contexto

no qual Marcelo vivia e o desfecho de sua história, quase como uma consequência

inevitável.

Ao ressaltar esses elementos, a emissora atribui um papel a Marcelo e, ao

mesmo tempo, tenta encontrar subsídios para justificar as atitudes do garoto ao

matar sua família e cometer suicídio. Assim como na “reportagem 01”, os subsídios

10 Disponível em: <http://www.paraiba.com.br/2013/09/08/74529-pais-pms-ensinaram-marcelo-

pesseghini-a-burlar-leis-diz-laudo-psicologico> Acesso em: 10 nov. 2016.

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eram os depoimentos afirmando que o garoto sabia dirigir e atirar; na “reportagem

03“, os subsídios são as constatações de que o garoto gostava de histórias violentas

e estava inserido nesse universo policial por influência dos próprios pais.

Ao se utilizar dessas estratégias, a emissora reflete não só a característica

midiática de atribuir “verdades”, como também revela a faceta controladora da mídia.

Por consequência, reforça ainda a ideia de que a tragédia é algo que está muito

próximo de qualquer um de nós, e que estamos submetidos a essa situação de

violência constante, fruto da sociedade em que vivemos.

Observemos no próximo trecho, que foi ao ar em 07 de setembro de 2013 na

emissora CBN, como a construção do discurso continua se valendo de formações

discursivas estratégicas e relacionadas à violência urbana.

Reportagem 04 Laudo da polícia aponta Marcelo Pesseghini como assassino dos pais e parentes 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30.

A: bom dia Lílian, a polícia civil divulgou o resultado dos laudos necroscópicos que mostram como a família Pesseghini foi assassinada na Brasilândia, na zona norte de São Paulo, no início de agosto. Para a polícia Marcelo Pesseghini, de 13 anos, assassinou os pais, a avó e a tia-avó, e depois de algumas horas se suicidou. Os laudos indicam ainda que o pai e a tia-avó do estudante agonizaram antes de morrer. A análise consta no inquérito enviado ontem ao Ministério Público. O laudo do pai, o sargento da Rota Luís Marcelo Pesseghini, aponta que ele foi atingido por um tiro atrás da orelha esquerda, e demorou um pouco para morrer. O exame toxicológico deu negativo. A mãe, a cabo da polícia militar Andreia Pesseghini, foi a segunda a ser baleada. Ela levou um tiro na nuca de cima para baixo e morreu na hora. A avó de Marcelo, Benedita de Oliveira Bovo, que tomava remédios para dormir, levou um tiro na boca e também morreu na hora. Por último, a tia-avó Bernadete Oliveira da Silva, que também tomava remédios, foi alvejada por duas vezes na cabeça. O primeiro disparo foi feito à distância e o segundo mais próximo. Bernadete demorou algum tempo para morrer. Ainda segundo os laudos o garoto que era canhoto se suicidou com um tiro na região da orelha esquerda, com a arma encostada na cabeça, e morreu na hora. Para a polícia os laudos são conclusivos. Os delegados ainda aguardam agora as operadoras de telefonia, da, das operadoras de telefonia o resultado da quebra de sigilo telefônico das vítimas já autorizado pela justiça. O inquérito do caso continua aberto e foi prorrogado por mais trinta dias. Até agora quarenta e oito pessoas foram ouvidas. A polícia não descarta a hipótese de fazer novas diligências e ouvir novos depoimentos. Mesmo após ter acesso aos laudos da polícia

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69

31. 32. 33.

civil na quinta-feira, a família do garoto ainda não está convencida de que o menino cometeu os crimes. Lílian. (RÁDIO CBN AM/FM, 07/09/2013)

Observamos com clareza a presença de uma FD dominante, conforme

exposto a seguir. Em nosso caso, a FD policial e jurídica, utilizadas no discurso

radiojornalístico para promover a intenção investigativa e de credibilidade que a

emissora quer que seu discurso assuma. Além do mais, reforça o poder de influência

e de alcance, de modo que seu discurso de violência urbana recebe o respaldo de

um discurso especializado em lidar com a violência do dia a dia, ainda que a

população pouco saiba sobre as nuances desse discurso eminentemente técnico.

Assumimos aqui, então, uma categoria que se relaciona à descrição

dramática da cena e busca por respostas. Se, por um lado, temos uma descrição

dos fatos de modo a impressionar os ouvintes e manter a audiência, por outro,

temos a busca por respostas na medida em que se mantém essa intenção

investigativa da emissora com o uso das FDs mencionadas.

Basicamente, o discurso policial está bastante destacado pelo emprego dos

seguintes vocábulos: “laudos necroscópicos” (linhas1-2), “inquérito” (linha 8),

“sargento da ROTA” (linha 9), “exame toxicológico” (linhas 11-12), “alvejada” (linha

18), “arma” (linha 22), “diligências” (linha 29) e “depoimentos” (linha 30).

Observamos um amplo uso de termos relacionados a polícia e a investigações, de

modo que nos sentimos como se estivéssemos ouvindo um relatório policial ao qual

temos acesso para que possamos dar nosso parecer.

Ao assumir esse papel de pareceristas por força da emissora que nos coloca

nessa posição, somos levados a emitir um parecer e, então, nos vemos diante do

papel de julgadores do fato. Nesse ponto, as emissoras também não medem

esforços em se assessorar de um vocabulário pertinente à formação discursiva

jurídica, até porque se relaciona diretamente com a formação discursiva policial.

Observamos o emprego de vocábulos, tais quais: “Ministério Público” (linha 08),

“quebra de sigilo telefônico” (linhas 25-26) e “crimes” (linha 32).

No último trecho desse tópico, veiculado em 08 de setembro de 2013, na

rádio Jovem Pan AM, observamos o empenho da emissora em obter informações

antes mesmo de elas estarem sob posse da polícia responsável por investigar o

caso.

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70

Reportagem 05 Psiquiatra diz que doença mental explica motivação de chacina por Marcelo Pesseghini 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27.

... A: o senhor afirma então que:, pelo que foi investigado até agora, foi o menino que matou os pais e a avó? B: não tenho a menor dúvida disso. Isso tá tá tá, isso tá: muito:, é:, tá:, o o: inquérito: policial é muito bem feito. Os dados são sobejos, se encaixam completamente, e nesta análise psicológica, psiquiátrico forense que eu estou fazendo vai:, é mais uma peça que vai encaixar-se em tudo. A: O senhor está indo pela linha da esquizofrenia doutor? B: Olha, eu não vou, eu eu gostaria imensamente de já falar muitas coisas. Porque claro, como eu tô trabalhando, ah, praticamente em tempo integral nisso, então eu tô com:, eh:, com a mente fecunda com tudo isso. Eu gostaria imensamente de de de, falar qualquer coisa sobre isso. Mas eu não vou falar por uma questão de ética com a polícia, que foi ela que me:, eh:, me: me me convidou, eh:, me nomeou para fazer esse esse trabalho, então ela será a primeira a receber o meu trabalho. Mas eh:, eu eu direi depois detalhes, pormenores, como funciona, como não funciona, o que é, o que não é, e porque que foi da forma como foi nele, eh:, no no final do meu trabalho. Então nesse momento, eu não vou comentar sobre nenhum tipo de patologia. A única coisa que eu posso adiantar, que eu venho falando desde: os primeiros momentos que aconteceu esse crime é: este crime é incompreensível do ponto de vista psicológico. Para que nós possamos compreender esse crime é preciso admitir doença mental. (RÁDIO JOVEM PAN AM, 08/09/2013)

Surge aqui uma das principais categorias de análise do caso em questão, a

que ressalta o fato de que Marcelo sofria de doença mental. Essa categoria ressurge

em diversos momentos no corpus selecionado, sempre acompanhada pela palavra

de autoridade, já que foi exposta à época como um dos fundamentos principais da

acusação de Marcelo. A doença mental aparece enquanto explicação lógica para as

atitudes aparentemente desequilibradas do garoto.

Tal categoria aparece logo no título da reportagem, no qual observamos a

presença da figura da autoridade para reforçar a tese de que o menino Marcelo

Pesseghini matou a família e suicidou-se, e ainda ao longo do trecho nas linhas 9 e

24-26. Para tal, a emissora cita uma entrevista exclusiva com o psiquiatra

responsável pelo laudo (no momento da entrevista ainda em elaboração) que iria

apontar a provável doença mental do garoto e que embasaria a tese de que ele

matou a própria família.

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Destaca-se, também, a notória função de investigação dos fatos

desempenhada pela emissora, na medida em que ela busca as respostas antes de

serem oficialmente divulgadas ou analisadas pela polícia. A repórter tenta induzir o

psiquiatra a revelar informações que ele ainda estava elaborando em seu laudo, no

momento em que questiona se o doutor estaria “indo pela linha da esquizofrenia”

(linha 9). O psiquiatra, por sua vez, ressalta que só prestará as informações após o

laudo estar concluso e enviado à polícia, muito embora termine por adiantar uma

hipótese para sua possível conclusão: a de que “é preciso admitir doença mental”

(linha 26).

A FD predominante, mais uma vez, é a policial, que se apresenta por meio de

vocábulos, tais como “inquérito policial” (linha 5), “forense” (linha 7), e “crime” (linhas

24 e 26). Como em todos os demais trechos de notícias analisados, resta nítido o

papel do qual a emissora se reveste: o investigativo. Ela faz denúncia dos fatos,

atribuindo para si esse poder que explora o discurso da violência urbana e do medo

perante a sociedade.

4.5. VIOLÊNCIA E PERSUASÃO MIDIÁTICA

Conforme já apontado por nós anteriormente, a violência atrai o público e a

mídia se aproveita dessa peculiaridade para invocar essa temática de modo

abrangente e manipulador. O público torna-se, assim, um alvo fácil da mídia

controladora e perpetua essa cultura do medo. No que tange a essa atração pela

temática da violência urbana, vejamos o que Costa (2002) afirma:

A compulsão pela novidade informativa e a exploração da curiosidade, do grotesco, acomodando a narrativa dos fatos à determinação da lógica de que tudo deve fluir rapidamente e paradoxalmente de forma repetitiva em diversos canais, meios e circunstâncias, traz comprometimento à formação da sensibilidade em tal ordem que, de modo crescente e cumulativo, o receptor deixa de ser capaz de se sensibilizar quanto ao trágico, à miséria, à dor. A repetição continuada da violência amortiza a indignação e age no sentido de sua banalização. (COSTA, 2002, p. 135)

Como visto, a compulsão pela violência surte um efeito de banalização e,

como consequência, a mídia radiofônica age repassando doses cada vez mais

elevadas de violência cotidiana, como modo de manter o público ouvinte. Essa

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banalização contribui para a sensação de violência arraigada em nossa sociedade,

como em um ciclo vicioso que mantém o discurso da violência desenfreada em cena

para realimentar o interesse e a audiência do público.

Em outras palavras, o sensacionalismo é utilizado como pano de fundo de um

processo de dominação por parte da mídia, que influencia seu público ao agendar

um discurso de medo e violência com intuitos mercadológicos ou até mesmo

políticos. A esse respeito, Barbosa (2004) pondera que:

Para a Psicologia Social, um grande impacto em relação à influência manipuladora no processo de comunicação é a “formação de impressões”, ou seja, de tanto o indivíduo deparar-se com notícias sobre criminalidade e violência acaba por desacreditar no estado democrático de direito como fórum de equacionamento dos problemas. (BARBOSA, 2004, p. 35)

Essa influência é o que sustenta o discurso do medo e é responsável por uma

série de fatores que podem ser observados no estudo de caso por nós arrolado.

Uma influência que faz com que os ouvintes deem credibilidade à versão

apresentada pela mídia e que suscita manifestações e reações por parte do público.

Reações essas que são consequência da superexposição do caso proporcionada

pelo agendamento em estudo.

Vejamos, a seguir, um trecho de notícia veiculada pela rádio Jovem Pan AM,

em 07 de agosto de 2013.

Reportagem 06 Polícia encontra par de luvas em carro de PMs assassinados em São Paulo 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14.

... A: nesta terça-feira, a Polícia Civil apontou Marcelo Eduardo Pesseghini como responsável pelos disparos que mataram as cinco pessoas. B: o menor teria matado o pai, o sargento da Rota Luis Marcelo Pesseghini, e a mãe, a cabo da PM Andréia Regina Pesseghini. A: e ainda atirado na avó e na tia-avó, que dormiam na casa ao lado no mesmo terreno, na madrugada de segunda-feira. B: depois de executar os familiares à queima roupa, Marcelo Eduardo pegou o veículo da mãe e seguiu para a escola, segundo as investigações. A: câmeras de segurança mostram o garoto saindo do carro pela porta do motorista e caminhando TRANQUILAMENTE

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15. 16. 17. 18. 19.

rumo ao colégio. Depois da aula, o menino voltou para a casa E COMETEU SUICÍDIO, com um tiro na cabeça, segundo as investigações. ... (RÁDIO JOVEM PAN AM, 07/08/2013)

Em uma análise inicial, podemos afirmar que a emissora nos direciona mais

uma vez a pistas que apontam o jovem como autor do assassinato de quatro

membros de sua família. Retomamos, pois, a categoria de análise que aponta para o

fato que Marcelo era experiente. Destaca-se sua habilidade com armas (linhas 2-3),

já que teve de efetuar vários disparos à queima roupa, e sua habilidade com

automóveis (linhas 7-10), já que, apesar da pouca idade, dirigiu sozinho o carro da

mãe até a escola na qual estudava.

Sob outro enfoque, o que destacamos é o modo como o cenário é construído

pela narração, fazendo com que imaginemos o desenrolar da tragédia. Fica nítida a

categoria da descrição dramática da cena e busca por repostas. O locutor vai

narrando, resumidamente, o passo a passo do jovem, desde a noite em que matou

sua família até o dia seguinte, no qual teria ido até a escola, assistido aula

normalmente e, na volta à sua residência, teria se suicidado.

Observamos como o locutor faz uma breve entonação nos termos

“tranquilamente” (linha 14) e “cometeu suicídio” (linha 16), como que querendo

ressaltar a incoerência entre ter matado sua família e se manter tranquilo no dia

seguinte, e ao final ter cometido o suicídio. Em outras palavras, ressalta o caráter

psicológico do garoto aparentemente fora de padrão frente às acusações, como que

validando a hipótese antes arrolada pela polícia.

Na sequência do agendamento midiático, a análise se volta ao universo da

violência urbana e sua influência no caso em questão. Vejamos a seguir trecho de

debate transmitido pela rádio Jovem Pan AM, em 07 de agosto de 2013.

Reportagem 07 JOVEM PAN CONFRONTO Atos de violência podem levar uma criança a se transformar em um assassino? 1. 2. 3. 4. 5.

... A: eu eu começo perguntando:: símbolos da violência dentro de casa, como a presença de de armas, e o convívio com os pais policiais militares, como: eh: tivemos aí no caso desse rapaz, desse jovem, Marcelo Eduardo Pesseghini, de 13 ano, podem

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6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21.

ter influenciado o jovem a fazer o que fez? eh: Podemos começar com com o doutor Daniel de Barros. Por favor doutor. B: então, mais do que o símbolo, mais do que a a simbologia, é o: meio, né, é o acesso ao meio letal. Isso tem dados e não é: novidade que: a presença de uma arma em casa aumenta a chance de um adolescente:, aliás de qualquer pessoa cometer suicídio. É o acesso a meios letais aumenta a chance de a pessoa se matar. No caso de adolescentes, os os dados mostram que a presença de uma arma em casa aumenta em 30 vezes a chance daquele adolescente cometer suicídio. Então:, isso não tenho muita dúvida, assim, a a presença de armas em casa, e numa cultura de armas as vezes que o policial tem, etc., isso pode, sem dúvida, ter desempenhado um papel importante nesse caso. ... (RÁDIO JOVEM PAN AM, 07/08/2013)

A reportagem destaca o fato de o garoto ter crescido em um ambiente familiar

no qual seus pais, na condição de policiais, possibilitavam uma convivência direta

com símbolos da violência urbana, o que teria influenciado seu desenvolvimento

desde criança. A categoria explorada aqui é a que denominamos de convívio com

símbolos da violência, na medida em que Marcelo estava inserido nesse ambiente

familiar no qual armas, dentre outros símbolos, eram algo corriqueiro (linhas 2-6).

Nesse contexto, a emissora traz à tona a questão do acesso às armas, articulando

uma resposta positiva ao questionamento se o ambiente violento poderia influenciar

ou não Marcelo Pesseghini a se tornar um assassino.

Ademais, observamos a figura de um especialista, o psiquiatra Daniel de

Barros, reforçando a ideia de que uma arma dentro de casa aumenta a chance de

uma criança se tornar violenta. Por fim, ele conclui que tal fator tenha sido

fundamental no desenrolar dos fatos (linhas 18-19). Trazer à tona essa opinião e

direcionar o ouvinte a relacionar o ambiente violento às atitudes do garoto só nos

remete à reflexão segundo a qual a emissora influencia o julgamento da população

ao se utilizar do argumento de uma autoridade na área da psiquiatria para direcionar

a apreciação que deseja pautar.

Na próxima notícia selecionada, o crime é relacionado, mais uma vez, ao

universo de violência em que o garoto estaria envolto. Dessa vez, fazendo menção

aos games que Marcelo Pesseghini gostava de jogar. A referida notícia foi

transmitida no dia 22 de agosto de 2013 na rádio Jovem Pan AM.

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Reportagem 08 Colegas de Marcelo Pesseghini afirmam que adolescente confessou ter matado família 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14.

/.../ A: amanhã, quem presta depoimento é a psiquiatra contratada pela escola. A médica está acompanhando os alunos desde o dia do crime, e a polícia espera, através dela, entender melhor a cabeça dos garotos. Os investigadores querem que ela passe detalhes da existência do grupo criado por Marcelo Pesseghini, chamado por ele de “os mercenários”. A polícia acredita que os relatos para a médica podem ser ainda mais detalhados do que os de depoimentos. Até agora o que se sabe é que o garoto criou esse grupo porque dizia que matar os pais e pessoas influentes poderia dar a ele energia. Com a psiquiatra o objetivo é entender se os jovens acreditavam que a realidade se misturava com os jogos de vídeo game. (RÁDIO JOVEM PAN AM, 22/08/2013)

A notícia, divulgada no decurso das investigações, menciona Marcelo como

criador de um grupo em sua escola (linhas 6-7), cujo mote seria o universo dos

games. O próprio nome do grupo, “os mercenários”, que significa aquele que

trabalha ou serve por dinheiro, nos remete a uma intertextualidade com o jogo

“Assassin’s Creed”. Conforme mencionado quando da análise da reportagem 02, o

referido jogo possui uma temática ambientada em cenários de lutas e mortes, e não

por coincidência o jogo envolve assassinos (a exemplo do personagem principal),

mercenários, ladrões, dentre outras figuras em sua trama.

Resta evidenciada a categoria da fixação psicológica que Marcelo possuía por

personagens violentos de videogame. Diante dessa aparente fixação, a reportagem

se aprofunda ainda mais e menciona que o garoto teria criado o grupo e afirmava

que matar os pais ou pessoas influentes poderia lhe dar mais energia (linhas 9-11).

A energia que a reportagem menciona é um atributo típico do mundo dos games, por

meio da qual os personagens se mantêm vivos ou obtêm características especiais

que auxiliam na progressão do jogo. Isso nos remete, inclusive, a uma relação com

os rituais de antropofagia praticados por grupos indígenas, nos quais eles comiam a

carne dos guerreiros vencidos no intuito de absorver a energia desses.

Nesse ponto, está plenamente estabelecida a relação entre as atitudes do

garoto e a confusão que, supostamente, ele faria entre a vida real e o imaginário

relacionado ao seu cotidiano de violência e de games violentos. Ainda que tal

relação não estivesse comprovada, a reportagem opta por direcionar para esse

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pensamento ao destacar tal posicionamento das investigações.

Vejamos a seguir mais um trecho, veiculado na rádio CBN AM/FM, em 15 de

agosto de 2013.

Reportagem 09 Vândalos tentam arrombar portão da casa de PMs assassinados em São Paulo

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12.

/.../ A: hoje:, vândalos tentaram arrombar o portão da casa e também de pichar a frente da residência da família Pesseghini. O DHPP prepara: novas intimações para convocar outras testemunhas. Até agora 29 pessoas foram ouvidas neste inquérito policial, sendo policiais próximos do casal e também alunos do colégio: onde o filho do casal estudava. Também a diretora prestou depoimento nestas últimas semanas. A polícia quer traçar ainda o perfil dos policiais mortos e também do filho deles. /.../ (RÁDIO CBN AM/FM, 15/08/2013)

Em muitos fatos que a mídia coloca em sua pauta do dia, mediante o

agendamento, observamos como o papel de influência midiática interfere na opinião

pública, nas investigações, no modo como o público lida com aquele episódio, e até

mesmo nos julgamentos suscitados. A categoria elencada, portanto, diz respeito a

como o episódio causa repercussões sociais.

Essa influência fica muito bem registrada no relato do que acontece em frente

à casa da família Pesseghini. Não somente vândalos tentam arrombar o portão da

casa (linha 2), como picham toda a frente da residência (linha 3) com mensagens

tais qual: “que a verdade seja dita” (vide figura 05). Essa demonstração explícita de

posicionamento se apresenta enquanto um apelo à correta apuração dos fatos, haja

vista a opinião pública ser conduzida a uma única direção – a acusação de Marcelo.

Convém ressaltarmos que a mídia, recorrentemente, aponta fatos em tom

alarmista sem dar subsídios ao leitor para que os interprete. Nesse sentido, Sólio

(2010, p. 39) afirma que a mídia “[...] não se aprofunda nas causas e não aponta

para consequências, embora cause essa falsa impressão, em muitos casos, mais

pelo alarde do que pela investigação adequada”. Essa característica, no

radiojornalismo, leva alguns ouvintes a agirem movidos pela emoção, o que resulta

em episódios como o noticiado na reportagem 09.

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Figura 05 - Residência da família Pesseghini, na zona norte de SP

Fonte: iG Publicidade e Conteúdo11

Outra consideração importante é que, se o caso não ganhasse tanta

repercussão, muito provavelmente poucos teriam acesso a informações como

detalhes do delito ou mesmo o local do ocorrido. Em face da repercussão do crime,

a exploração sensacionalista desse fato com o intuito de manter a audiência reflete

enquanto fator motivador para a ocorrência de episódios, tais como: tentativa de

arrombamento da casa, pichações no muro e portão, ida de populares ao local do

ocorrido direcionados pela curiosidade ou para verificação in loco da cena do crime.

O fenômeno da opinião pública influenciável resta tão evidente nesse fato que

a pichação ganha destaque também em outras emissoras, como é o caso da notícia

veiculada na rádio CBN AM/FM, em 09 de agosto de 2013, cujo título se

denominava: “Casa da família Pesseghini, no bairro Brasilândia, amanhece pichada”.

Revela-se com isso o poder de influência que as mídias radiofônicas detêm perante

seu público ouvinte.

11 Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-08-09/casa-de-familia-morta-na-

zona-norte-de-sp-amanhece-com-pichacoes.html> Acesso em: 10 nov. 2016.

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Vejamos, a seguir, o último trecho por nós pautado, veiculado na rádio CBN

AM/FM, no dia 23 de setembro de 2013.

Reportagem 10 Psiquiatra compara Marcelo Pesseghini com Dom Quixote no delírio 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16.

... A: o documento mostra que Marcelo sofria de encefalopatia hipóxica, que é a falta de oxigenação no cérebro. Isto, segundo o laudo, somado também à influência de jogos violentos o levaram a desenvolver um delírio. O psiquiatra forense Guido Palomba, que assinou o laudo, compara essa perda de noção da realidade vivida por Pesseghini com a do personagem Dom Quixote. B: Dom Quixote ficou, entre aspas, louco, depois de ler muitos livros de cavalaria. Marcelo, depois de muitos jogos de vídeo-game. Dom Quixote sai com seu cavalo Rocinante, Marcelo com o carro da mãe. /.../. Dom Quixote quando retorna a um lugar pela Mancha, ele morre de tristeza. E Marcelo, ele se suicida. ... (RÁDIO CBN AM/FM, 23/09/2013)

Nesse trecho de notícia, observamos a utilização de uma série de

interdiscursos e elementos que denotam aspectos próprios ao exercício da influência

midiática. O elemento que se destaca é o uso do argumento de autoridade, na

medida em que a rádio não só declara a opinião de um psiquiatra forense a respeito

do caso (linhas 9-14), mas realiza uma entrevista com ele ao vivo, o que passa mais

credibilidade aos ouvintes.

A categoria de análise que destacamos aqui é a que Marcelo sofria de

doença mental, conforme a rádio faz questão de ressaltar por meio da palavra do

psiquiatra forense. Com essa atitude, a emissora tenta respaldar a afirmação de que

o garoto estaria em uma espécie de delírio ao cometer tal crime, assumindo para si

essa hipótese e fazendo com que seus ouvintes passem a acreditar nela também.

Inclusive, observamos o resgate da categoria relacionada à fixação

psicológica que Marcelo possuía por personagens violentos de videogame, no

momento em que a emissora menciona a influência dos jogos violentos (linha 4). O

uso da palavra da autoridade serve justamente para reforçar aquela noção inicial de

que os jogos violentos teriam sua parcela de culpa na formação do garoto, que hoje

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vive uma realidade desconexa do mundo real e atrelada ao mundo virtual dos

games.

Observamos também a presença de uma formação discursiva relacionada ao

universo médico/psiquiátrico, o que se comprova pelo uso de termos, tais como:

“encefalopatia hipóxica” (linhas 2-3), “laudo” (linha 4), “delírio” (linha 5), “perda de

noção da realidade” (linhas 6-7) e “louco” (linha 9). Imerso nessa formação

discursiva, a emissora atribui para si uma carga valorativa presente nesse discurso,

como se fosse uma autoridade na área em questão ao manejar com mestria os

elementos dessa formação discursiva.

Por fim, vale ressaltar o interdiscurso que se faz com o universo literário ao se

destacar o relato do psiquiatra que compara Marcelo Pesseghini a Dom Quixote. O

ouvinte precisaria estar atento e conhecer esse universo, no qual o protagonista da

obra lida, o tempo todo, com o descompasso entre o idealismo e a realidade na qual

atua. Essa mistura entre ficção e realidade também é feita pelo garoto, conforme o

parecer do psiquiatra.

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5. CONCLUSÕES

Em nossas considerações finais voltamos nosso foco às perguntas de

pesquisa, refletindo sobre como as mesmas foram respondidas no decorrer dessa

dissertação. A primeira pergunta menciona: De que modo a mídia radiofônica

agendou o “Caso Marcelo Pesseghini” e como entram em cena os discursos da

mídia presentes nas notícias de violência urbana? Como observado no decorrer das

análises, o caso foi agendado de modo a obter a audiência se utilizando de

estratégias sensacionalistas, tal qual o uso de descrições dramáticas do episódio, e

manter a influência sobre a opinião pública. Diante disso, o período de investigação

do fato foi aquele em que a mídia agendou o caso para pôr em prática seu discurso

de violência urbana atrelado à imposição do medo e da caracterização de uma

sociedade impregnada por esses elementos da violência, tal qual ocorreu no caso

em tela.

O segundo questionamento nos indaga acerca de que elementos linguísticos

atuam na construção de um discurso de violência urbana. De fato, constatamos que

as notícias são divulgadas com sensacionalismo no rádio. Para tal, recursos como o

uso de vocábulos inerentes ao discurso policial e judicial são empregados como

modo de absorver elementos desse discurso, assim como a noção de veracidade e

notoriedade na análise e interpretação dos fatos. Localizamos ainda o uso de

argumentos de autoridade e elementos que sinalizam o tom sensacionalista no

discurso oral empregado pelas emissoras radiofônicas.

O questionamento seguinte diz respeito a quais formações discursivas atuam

nesse jogo midiático. Observamos a influência da mídia e o jogo que a mesma

constrói se utilizando do papel de investigadora norteada pela palavra de autoridade,

valendo-se de ordenamentos discursivos que vão desde o discurso da violência

urbana ao discurso psiquiátrico, atribuindo alta carga valorativa à sua opinião

manifesta. Tudo isso nos leva à constatação de como o discurso midiático se

aproveita das relações semânticas das palavras para direcionar pensamentos,

disseminar pré-julgamentos e até mesmo atuar de modo sensacionalista.

Por fim, nos questionamos se a influência da mídia radiofônica em

determinada cobertura jornalística atua como uma ordenadora de valores e

comportamentos, direcionando a opinião e a tomada de decisões por parte do

público. Percebemos com esta análise como as notícias relacionadas ao corpus

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direcionam um pensamento único, sendo admitido como verdade aquilo que a mídia

menciona. No caso específico do “Caso Marcelo Pesseghini”, notamos a mídia (em

sua vertente radiofônica) enquanto uma influenciadora e ordenadora de

pensamentos quanto à investigação de episódios de violência urbana, reflexo do

discurso da violência presente na sociedade.

Desse modo, acreditamos que o presente estudo cumpre sua função de nos

fazer pensar sobre tudo o que a mídia divulga e como isso causa impactos em

nossas vidas. A partir do momento em que nos tornamos cientes dessa engrenagem

midiática e de como a mesma atua no cotidiano das pessoas, tanto no que diz

respeito à divulgação de notícias relacionadas à violência urbana quanto a outro tipo

qualquer de notícia, podemos nos mostrar atentos e desenvolver táticas e

estratégias para não nos deixar levar pelos interesses dos grupos midiáticos.

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REFERÊNCIAS

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