arte portuguesa do século xx · portugal o século xx teve início apenas em 1910. de facto, o...

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Arte Portuguesa do século XX 1 1. O cenário: política e sociedade Falar da Arte em Portugal no século XX implica, necessariamente, ter presente a realidade política que foi, de forma significativa, enformadora da realidade cultural e artística. Uma parte substancial do século XX português decorreu sob a orientação política da Ditadura Militar (1926-1933) e do Estado Novo (1933-1974). Se o primeiro quartel do século conheceu duas realidades políticas bem diferenciadas (o fim da Monarquia e a Primeira República), já o último foi vivido, ao menos em boa parte, ainda sob a influência doutrinária do Estado Novo. Se o regime político e constitucional mudou significativamente, já as formas de pensar e de agir fizeram perdurar as estruturas anteriormente criadas. De facto, este regime, tão longo no tempo, havia exercido tal esforço de endoutrinação que as suas raízes se mantiveram, e, de certas formas, ainda perduram. Não parecerá, pois, estranho, que a esse período se dedique atenção especial neste texto. Seguindo as teses da história estrutural, já foi usual afirmar-se que em Portugal o século XX teve início apenas em 1910. De facto, o dealbar do século ficou marcado pela fase final do regime monárquico e pela implantação da República 2 . Se é verdade que as alterações políticas e de regime foram marcantes, não menos é verdadeiro que o novo regime saído do 5 de Outubro de 1910 trouxe ao mundo da Arte, enquanto parte de uma esfera mais vasta (a da Cultura, da História e do Património) uma nova atenção legislativa e um novo conceito de defesa do património 3 . A essas novas preocupações 1 Por Sérgio Lira, Professor Auxiliar da Universidade Fernando Pessoa – Porto – Portugal; PhD University of Leicester (U.K.) 2 Acerca da história portuguesa deste século é de interesse a consulta de: MATTOSO, José (dir.) - História de Portugal, Lisboa, Ed. Estampa, vols. 7-8. 3 Já tivemos oportunidade de nos referir a este aspecto, especificamente no que se refere aos museus portugueses, em LIRA, Sérgio - "Linhas de força da legislação portuguesa relativa a museus para os meados do século XX: os museus e o discurso político" in Actas do V Colóquio Galego de Museus, Consello Galego de Museus, Melide, 1998 e em LIRA, Sérgio - "Portuguese legislation on museums during the Estado Novo: from the First Republic inheritance to the changes of the sixties." in Museological Review, Leicester, Museum Studies Department, vol. 6, 1999, p. 73-87. 1

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Page 1: Arte Portuguesa do século XX · Portugal o século XX teve início apenas em 1910. De facto, o dealbar ... não menos é verdadeiro que o novo regime ... Não discutimos Deus; não

Arte Portuguesa do século XX1

1. O cenário: política e sociedade

Falar da Arte em Portugal no século XX implica, necessariamente, ter

presente a realidade política que foi, de forma significativa, enformadora da

realidade cultural e artística. Uma parte substancial do século XX português

decorreu sob a orientação política da Ditadura Militar (1926-1933) e do Estado

Novo (1933-1974). Se o primeiro quartel do século conheceu duas realidades

políticas bem diferenciadas (o fim da Monarquia e a Primeira República), já o

último foi vivido, ao menos em boa parte, ainda sob a influência doutrinária do

Estado Novo. Se o regime político e constitucional mudou significativamente, já

as formas de pensar e de agir fizeram perdurar as estruturas anteriormente

criadas. De facto, este regime, tão longo no tempo, havia exercido tal esforço

de endoutrinação que as suas raízes se mantiveram, e, de certas formas, ainda

perduram. Não parecerá, pois, estranho, que a esse período se dedique

atenção especial neste texto.

Seguindo as teses da história estrutural, já foi usual afirmar-se que em

Portugal o século XX teve início apenas em 1910. De facto, o dealbar do século

ficou marcado pela fase final do regime monárquico e pela implantação da

República2. Se é verdade que as alterações políticas e de regime foram

marcantes, não menos é verdadeiro que o novo regime saído do 5 de Outubro

de 1910 trouxe ao mundo da Arte, enquanto parte de uma esfera mais vasta (a

da Cultura, da História e do Património) uma nova atenção legislativa e um

novo conceito de defesa do património3. A essas novas preocupações

1 Por Sérgio Lira, Professor Auxiliar da Universidade Fernando Pessoa – Porto – Portugal; PhD University of Leicester (U.K.)

2 Acerca da história portuguesa deste século é de interesse a consulta de: MATTOSO, José (dir.) - História de Portugal, Lisboa, Ed. Estampa, vols. 7-8.

3 Já tivemos oportunidade de nos referir a este aspecto, especificamente no que se refere aos museus portugueses, em LIRA, Sérgio - "Linhas de força da legislação portuguesa relativa a museus para os meados do século XX: os museus e o discurso político" in Actas do V Colóquio Galego de Museus, Consello Galego de Museus, Melide, 1998 e em LIRA, Sérgio - "Portuguese legislation on museums during the Estado Novo: from the First Republic inheritance to the changes of the sixties." in Museological Review, Leicester, Museum Studies Department, vol. 6, 1999, p. 73-87.

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Page 2: Arte Portuguesa do século XX · Portugal o século XX teve início apenas em 1910. De facto, o dealbar ... não menos é verdadeiro que o novo regime ... Não discutimos Deus; não

corresponderam novas iniciativas legislativas que, ao longo da 1ª República,

foram enquadrando o esforço desenvolvido no sentido de uma nova e mais

eficiente preservação do património4. Se na letra da lei essas iniciativas

legislativas parecem coerentes e dotadas dos mecanismos necessários à sua

boa execução, já na prática o esforço da 1ª República se saldou muitas vezes

por uma incapacidade operacional evidente e por uma fracasso pragmático

difícil de admitir. De qualquer forma, os princípios evocados pela legislação

deste período podem ser resumidos nas seguintes intenções principais:

promover a salvaguarda do património nacional (especialmente no que respeita

ao património histórico, artístico e arqueológico), evitar a exportação de bens

culturais, suportar a reorganização e modernização dos museus nacionais e

implementar a fundação de museus regionais.

Após a queda da 1ª República, a 28 de Maio de 1926, a Ditadura Militar

que se lhe seguiu e que preparou o Estado Novo, alterou a breve trecho o que

havia sido feito entre 1911 e 1926, afeiçoando à ideologia nacionalista que se

estava construindo a imagem do património5. De facto, se numa primeira fase

adoptaram os governos da Ditadura Militar o esqueleto legislativo que haviam

herdado da República, considerando-o inclusivamente como um modelo de

virtudes6, numa segunda fase, e notoriamente sob a influência decisiva de

António de Oliveira Salazar7, o regime ditatorial modificou profundamente essa

4 A última peça legislativa de importância considerável neste domínio, e que reflecte o espírito da legislação anterior, é a lei nº 1700 de 18 de Dezembro de 1924.

5 É exemplo desta viragem o decreto nº 20985, datado de 7 de Março de 1932. 6 Veja-se o que afirma o texto legislativo do decreto nº 15216 de 22 de Março de 1928 que se intitula "Reorganização dos

serviços artísticos e arqueológicos". No prólogo afirma que a legislação portuguesa existente sobre a matéria havia sido "Vazada nos moldes das mais perfeitas organizações similares estrangeiras (...)" e tinha já dado boas provas. A título de exemplo aponta a constituição de museus regionais (que desempenharam um papel fundamental na salvaguarda dos valores artísticos e arqueológicos) e a organização do Museu Nacional de Arte Antiga "(...) que, de um armazém mal arrumado, se transformou num dos bons museus da Europa.". Neste contexto o Governo optou, não por preparar legislação completamente nova com "(...) os riscos de tudo o que é novo e imprevisto, mas sim modificar e melhorar a antiga.".

7 António de Oliveira Salazar foi Professor na área da economia na Universidade de Coimbra; presidiu aos destinos políticos de Portugal durante largos anos; iniciou a sua carreira política como ministro das finanças durante a Ditadura Militar e assumiu mais tarde o cargo de Presidente do Conselho (Primeiro Ministro) para não mais o abandonar. Acerca da sua biografia ver NOGUEIRA, Franco - Salazar, Porto, Livraria Civilização, 1977/81. Para algumas análises da vida e obra de Salazar ver: BRITO, José M. Brandão de - "Sobre as ideias Económicas de Salazar", in SILVA, Duarte et all. - Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Pub. D. Quixote, 1989; FERRO, António - Salazar - O homem e a sua obra, Lisboa, Emprensa Nacional de Publicidade, 1933; GOMES, F. Matos - Salazar. Professor e educador de um povo, Porto, Edições Além, 1953; LIMA, Fernando Castro Pires de - Salazar no vértice de oito séculos de história, Porto, Domingos Barreira Editor, 1940; ROSAS, Fernando - "Salazar e o Salazarismo: Um caso

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Page 3: Arte Portuguesa do século XX · Portugal o século XX teve início apenas em 1910. De facto, o dealbar ... não menos é verdadeiro que o novo regime ... Não discutimos Deus; não

legislação e lançou as bases daquilo que viria a ser, sem posteriores alterações

de monta, o edifício normativo respeitante ao património até aos anos

cinquenta. Do mesmo modo procedeu em relação a testemunhos históricos e

artísticos (monumentos, edifícios, peças de arte móvel, textos literários, entre

outros). O Estado Novo, firmado no referendo que aprovou a Constituição de

1933, continuou essa linha de actuação, reforçando-a.

Nas bases ideológicas do Estado Novo encontramos a tetralogia Deus,

Pátria, Família e Trabalho que associados dão origem ao nacionalismo do

regime8. Como conclusão ideologicamente sustentada, o nacionalismo entrega

ao Estado Novo a responsabilidade da manutenção da dignidade,

independência e integridade da pátria, afirmando-se claramente que apenas

este regime o pode realizar com êxito. Nas bases do nacionalismo português

encontramos, assim, a Nação, o Território e a História e Tradições que

assumem o lugar de valores simbólicos para a ideologia prevalecente. Na

qualidade de valores simbólicos assumem o papel de temas principais do

discurso nacionalista e sobre eles se fundam muitas das actuações legislativas

que ao património respeitam. O Estado Novo escolheu algumas das

características destes temas principais e glosou-as na política patrimonial.

Assim, a Nação era vetusta, orgulhosa da sua existência, reconhecida

internacionalmente e importante em termos de civilização mundial; o Território

era unido, indivisível e multi-continental; a História e Tradições eram

respeitáveis, veneráveis e motivo de orgulho nacional.

de longevidade política", in SILVA, Duarte et all. - Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Pub. D. Quixote, 1989, p. 13-31; SILVA, Duarte et all. - Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Pub. D. Quixote, 1989. No que se refere à história de Portugal sob a sua égide, ver MATTOSO, José (dir.) - História de Portugal, Lisboa, Ed. Estampa, vols. 7-8; ver também SERRÃO, Joel e MARQUES, A. H. de Oliveira (dir.) - Nova História de Portugal, Lisboa, Ed. Presença, vols. XI-XII. Para uma visão não portuguesa de Salazar, consultar: KAY, Hug - Salazar and Modern Portugal, London, Eyre and Spottiswoode, 1970; EGERTON, F. C. C. - Salazar, Rebuilder of Portugal, London, Hoddar and Stoughton Ltd., 1943; GALLAGHER, Tom - Portugal, A Twentieth-century interpretation, Manchester, Manchester University Press, 1983; GRAHAM, L. S. and MAKLER, H. M. (eds.) - Contemporary Portugal, The revolution and its antecedents, Austin and London, University of Texas Press.

8 A afirmação de Salazar a este respeito é exemplar: SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e notas Políticas,

Coimbra Editora, 2ª ed., vol. II, Coimbra, 1946, p. 130 a 135: "Não discutimos Deus; não discutimos a Pátria; não discutimos a Autoridade; não discutimos a Família; não discutimos o Trabalho."

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A Nação era, no entendimento de alguma historiografia nacionalista do

Estado Novo, anterior ao Estado9. À volta de Afonso Henriques ter-se-iam

conglomerado as vontades das gentes, num espírito de independência bem

anterior à sistematização das instituições e à formação do reino independente.

Esse último passo, diluído entre 1143 e 117910, marcou a formação da

independência política mais antiga e estável da Europa, resistente a todos os

ataques e que se manteve nessa condição de independência até à actualidade.

O Estado Novo sempre enfatizou a idade da independência nacional e a idade

das fronteiras estáveis11 como um dos argumentos mais apologéticos da

valorização da Nação. Em 1947 as comemorações da tomada de Lisboa foram

um momento particularmente interessante no que respeita à divulgação desta

forma de entender o nacionalismo. O culto do herói Afonso Henriques e a sua

missão de dilatar a fé cristã foram temas centrais das comemorações. Esta

última era, aliás, outra das importantes funções acometidas à nação

portuguesa, segundo a óptica do Estado Novo: a propagação da fé e,

consequentemente, da civilização.

O Território, na sua dimensão Europeia, era apresentado como o mais

antigo e estável território independente da Europa. Na sua dimensão

ultramarina, os territórios apresentados como portugueses eram ditos posse de

Portugal por direitos de descoberta e de conquista, referidos sempre como

inalienáveis parcelas do todo nacional12. À imagem do todo continental, unido -

9 Veja-se, a título de exemplo, as tentativas exercidas na historiografia dedicada às crianças (HISTÓRIA de Portugal - Verbo Juvenil, Lisboa, 1966) ou em obras declaradamente nacionalistas (como AMEAL, João - História de Portugal das origens até 1940, Porto, Livraria Tavares Martins, 7ª ed., 1974) de fundar em épocas remotas o impulso independentista. Tal era caminho contrário ao que havia defendido Alexandre Herculano na sua História de Portugal, onde a tese do sucesso político explicava a emergência de um novo país.

10 Datas, respectivamente, do tratado de Zamora e da Bula Manifestis Probatum, usadas pela historiografia portuguesa para determinar o início da independência, em função da atribuição a Afonso Henriques do título de rex.

11 Veja-se, a título de exemplo, as afirmações de Salazar a tal respeito em SALAZAR, op. cit., p 132: "... para nós portugueses que somos hoje velhos de oito séculos (...) não há (...) pedaço de soberania ou de terra que nos pese e estejamos dispostos a alijar de cansados ou de cépticos ...".

12 Cf. o Acto Colonial; veja-se ainda o que Salazar a firmou repetidamente a este respeito, em particular quando foram lançadas suspeitas de que Portugal estaria na eminência de "alugar" Angola à Alemanha nas vésperas da II Grande Guerra (29 de Janeiro de 1937): SALAZAR, op. cit., p 264: "Alheios a todos os conluios, não vendemos, não cedemos, não arrendamos, não partilhamos as nossas Colónias com reserva ou sem ela de qualquer parcela de soberania nominal para satisfação dos nossos brios patrióticos. Não no-lo permitem as nossas leis constitucionais; e, na ausência desses textos, não no-lo permitiria a consciência nacional.".

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Page 5: Arte Portuguesa do século XX · Portugal o século XX teve início apenas em 1910. De facto, o dealbar ... não menos é verdadeiro que o novo regime ... Não discutimos Deus; não

e existente porque unido - procurou o Estado Novo ministrar a ideia de que o

todo português era também colonial13 e que não poderia deixar de o ser, sob

pena de perecer a própria existência nacional. Aqui entronca a ideia de

identidade: para o regime, Portugal era multi-continental não por capricho de

momento ou, sequer, apenas por vontade ou desígnio político: Portugal era

multi-continental por constrangimento histórico14 e a sua própria existência

dependia da manutenção dessa característica identitária. De forma clara, o

regime definia que esse "ser" colonial era um projecto a longo prazo, onde a

presença das colónias não poderia ser entendida como simples acidente de

percurso, mas sim como solução histórica. Tal era visto desta forma não

apenas de uma óptica política ou institucional mas também sob um ângulo

estritamente económico. As colónias deviam ser parte do todo económico

nacional que corresponderia ao todo político15. Esta visão do Império era de tal

forma arreigada que o regime não hesitava em afirmar de maneira

absolutamente peremptória a sua inabalável decisão de o manter. Fundava tal

decisão especialmente em dois factores: por um lado a base constitucional do

próprio Estado Novo consignava – com o Acto Colonial – as possessões

ultramarinas como territórios portugueses; por outro, o espírito nacionalista era

avesso a qualquer possibilidade de alienação de parcelas territoriais16. Assim,

este território - europeu na origem, atlântico por vocação geográfica e multi-

continental por desígnio histórico e civilizacional - era uno por vontade política e

indivisível por necessidade identitária. Portugal era, assim, um país, uma nação

13 SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e Notas Políticas, Coimbra Editora, 2ª ed., vol. II, Coimbra, 1959, p 79 e 80: "Somos sobretudo uma potência atlântica, presos pela natureza à Espanha, política e economicamente debruçados sobre o mar e as colónias, antigas descobertas e conquistas. Nem sempre a nossa política se fez de Lisboa ou da parte continental, mas de outros pontos, tal a ideia de que a colónias não o foram à maneira corrente mas partes integrantes do mesmo todo nacional.".

14 SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e Notas Políticas, Coimbra Editora, 2ª ed., vol. II, Coimbra, 1959,p 83: " Portugal constitue com as suas colónias um todo, em virtude de um pensamento político que se fez pelos tempos fora realidade política.".

15 SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e Notas Políticas, Coimbra Editora, 2ª ed., vol. II, Coimbra, 1959, p 155: "Para alguns espíritos as Colónias deveriam constituir uma espécie de quaintas de luxo, a que demais não faltaria a vegetação luxuriante de plantas exóticas (...) Para outros seriam (...) campos ou indústrias de renda que permitissem ao absentista vagamente interessado a vida ociosa (...). [As economias da Metrópole e das Colónias] hão-de considerar-se complementares na formação do todo económico correspondente ao todo político nacional.".

16 SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e Notas Políticas, Coimbra Editora, 2ª ed., vol. II, Coimbra, 1959, p 264: "Alheios a todos os conluios, não vendemos, não cedemos, não arrendamos, não partilhamos as nossas Colónias com reserva ou

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e um estado, espalhado por variados territórios em todos os continentes. A

unidade de partes tão diversas era explicada pela complementaridade que

cada uma exercia relativamente às outras: no território Europeu cada província

era uma parte de uma manta de retalhos que só fazia sentido quando

associada às outras; este mesmo argumento era usado para explicar a unidade

(tida por inevitável) de todo o império ultramarino. Do ponto de vista territorial

Portugal era, desta forma, um grande país. Grande em termos territoriais,

grande também em termos de efectivos demográficos e de influência

internacional.

A História e as Tradições foram usadas pelo Estado Novo em três

vertentes fundamentais: a) primeiro, a criação de uma "tradição" de

independência, afirmando-se a tese de que as populações que habitaram o

actual território português Europeu sempre tiveram uma tendência para a

independência territorial face ao resto da Península. Tal tese foi inclusivamente

mote de alguns argumentos extremos que pretendiam ver em épocas pré-

históricas – na tradição megalítica, nos concheiros de Muge – origens de

vontade independentista, ou, para época mais recente, na resistência à

ocupação romana liderada por Viriato a primeira expressão de uma vontade de

independência política. b) segundo, a defesa da ideia de que alguns heróis

nacionais, homens de excepcionais qualidades patrióticas e de liderança,

mantiveram (quantas vezes à custa do sacrifício pessoal) a independência tão

difícil e precocemente adquirida; nesta acepção se enquadra ainda a exaltação

da época das descobertas marítimas dos séculos XV e XVI como a "idade de

ouro" da existência de Portugal, uma época sem igual na história nacional e

que deveria servir de modelo a uma grandeza desejada no presente. Desta

forma, o Território fora conquistado e mantido (com sacrifícios incontáveis...)

pela Nação. Assim fora herdado e dessa forma haveria de ser mantido. Dessa

tarefa se fazia arauto o Estado Novo. Para tal o recurso às lições da História

sem ela de qualquer parcela de soberania nominal para satisfação dos nossos brios patrióticos. Não no-lo permitem as nossas leis constitucionais; e, na ausência desses textos, não no-lo permitiria a consciência nacional."

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surgia como natural: refazer a glória pátria (pisoteada pela "balbúrdia"17 do

regime republicano), seguindo as pisadas dos portugueses de antanho, era

tarefa que se poderia alcançar se se atentasse nos exemplos de que a História

era pródiga. Olhar para trás, de forma obsequiosa, era pois atitude do regime,

defendida como instrumento indispensável à realização de um dos seus

escopos maiores: reafirmar uma respeitável portugalidade. As lições da História

mostravam o que era ser verdadeiramente português, e nos exemplos dos

heróis mitificados deveria ser encontrada inspiração para reerguer o orgulho de

se ser português18. Esta utilização da história como argumento ideológico

resultou na elevação à qualidade de herói do líder do Estado Novo: Salazar era

o homem que havia sido capaz de resolver o mais grave dos problemas

nacionais (o descalabro económico e financeiro) e de devolver à nação o

sentimento de dignidade19. Em várias ocasiões este sucesso de Salazar foi

exaltado em exposições nacionais e internacionais; nos finais da década de 30

fazia-se ressaltar o facto de Portugal ser um país de finanças equilibradas.

Sobre este aspecto da actuação governativa de Salazar repousou uma parte

importante da propaganda do regime. c) finalmente, e em terceiro lugar, a

tradição foi usada na sua acepção popular, na exaltação da verdade nacional

encerrada no mais vernáculo da cultura popular. Se alguns homens do

passado haviam sido elevados à qualidade de heróis, e dessa forma

glorificados, o regime encontrou um outro herói que trabalhou ideologicamente

de forma consequente: um herói colectivo, o povo. Não o povo classe social de

um marxismo temido e execrado20, mas o povo/nação, moldado

ideologicamente por uma historiografia construída à luz de uma interpretação

que dava aos condutores de multidões uma aura de santidade e às multidões,

17 O termo é empregue de forma pejorativa por AMEAL, João - História de Portugal das origens até 1940, Porto, Livraria Tavares Martins, 1940, na designação do capítulo relativo à Primeira República: "Balbúrdia Sanguinolenta".

18 Veja-se, a título de exemplo, alguns dos textos de Galvão in GALVÃO, Henrique - Álbum Comemorativo da Primeira Exposição Colonial Portuguesa, Porto, Litografia Nacional, 1934.

19 Veja-se a este respeito FERRO, António - Salazar - O homem e a sua obra, Emprensa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1933.

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ainda que eventualmente brutas e ignaras, um sentido de heroicidade

nacionalista insuperável. Os exemplos históricos eram claros: quando Afonso

Henriques funda o reino tem com ele o povo que luta bravamente contra o

Castelhano e contra o Infiel; quando em 1383/85 o Mestre pugna pela

manutenção da independência tem com ele o povo que odeia o estrangeiro e

quer manter Portugal independente; quando o Infante D. Henrique lança

Portugal no mar tem com ele um povo de marinheiros capaz das mais

audaciosas viagens pela glória da pátria; quando em 1640 um grupo de nobres

defenestra o lacaio espanhol tem com ele o povo que urge pela retoma da

independência; enfim, quando em 1926 o país é salvo da República e Salazar

assume a tarefa hercúlea de refazer a honra pátria, tem com ele o povo

saturado de golpes e contra-golpes, de fome e de miséria, de ignomínia

nacional, que o aplaude e apoia e que nele deposita uma fé sebastiânica

inabalável...

Este povo inventado pelo Estado Novo era essencialmente ignorante,

justo, bom e nacionalista. Representava a verdadeira alma nacional, a sua

versão mais pura e mais vernácula. Transportava com ele uma longa Tradição

que o nacionalismo deveria ser capaz de honrar e de aproveitar. Desta forma, a

Tradição integrava-se no esquema ideológico do regime, formando com a

História a argamassa unificadora do presente com o passado. As raízes

nacionais mergulhavam numa longa tradição de ruralidade. O país era rural;

sempre tinha sido... não fazia sentido negar essa característica. Pelo contrário,

o Estado Novo afirmou essa ruralidade de forma ideologicamente construída:

como explicar que num rectângulo de área tão reduzida (Portugal Continental)

desde há tanto tempo se houvesse afirmado vontade e realidade de

independência? O país da Europa de mais velhas fronteiras estáveis; sempre o

mesmo povo; sempre a mesma independência... e tanta diversidade interna!

Do verde minhoto ao amarelo alentejano, sempre o mesmo povo

20 SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e notas Políticas, Coimbra Editora, 2ª ed., vols. II, 1946, p 282: "(...) uma violenta luta está desenhada [na Europa] (...) entre as forças da ordem e as da desordem, entre a nação e o internacionalismo, entre o comunismo e a civilização.".

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indomitamente vocacionado para manter a Nação e o Território. Como

explicar? Simplesmente: Portugal encontrou na diversidade interna a razão e a

força da sua unidade nacional. Complementaridade. O que falta num lado está

no outro, o que míngua aqui sobeja ali. E não apenas de um ponto de vista

material, de produtos agrícolas ou de recursos naturais: também de um ponto

de vista das tradições populares, na gastronomia, na poesia, nas danças e

cantares, nas lendas... enfim em tudo o que fazia de Portugal, Portugal21.

Desta maneira, a argamassa unificadora do país não era a vontade

política das elites (ou não era só, ou principalmente) mas sim o próprio povo.

Cumprir Portugal seria cumprir essa vontade popular, de orgulho nacional e de

pujante independência. O Estado Novo não fazia, pois, mais que cumprir o

desígnio do povo, ou seja, da Nação. Que, aliás, havia sido claramente

apontado pela História com todos os exemplos que dela se podia retirar. O

Estado Novo assumia-se, nesta interpretação ideológica, como a única

possibilidade de levar Portugal a ser o que verdadeiramente desejava, o que

verdadeiramente tinha que ser: por imperativo histórico e por vontade da sua

gente.

A esta luz, as produções materiais do povo haveriam de ser coisa

significativa. Não se entenderia bem que este povo, capaz de tais feitos

históricos, de tais proezas morais, fosse pobre na sua materialidade. Ou por

outra: pobre sim, em termos de valor fiduciário; mas culturalmente rico, pleno

de significado e de potencialidade. Pobrezinho mas honrado... a panela de

ferro pode não valer grande coisa no mercado, os tamancos podem ser de

vintém, a roupa costurada do irmão mais velho ou do pai, mas (no romantismo

ideológico do regime) a mão que os faz é culturalmente sublime; e portanto

essas produções materiais valem pelo que representam, não pelo podem

render ou custar na venda da aldeia.

21 Note-se que esta ideia foi divulgada de forma gráfica em mais que uma circunstância. A título de exemplo, o poster do SPN usado no pavilhão de Portugal na Exposição Internacional de Paris em 1937.

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Era pois necessário fazer o encómio da cultura material do povo, ao lado

da cultura material das elites. Ao lado verdadeiramente, não: eventualmente

com a mesma dignidade, mas em locais diferenciados. No Museu de Arte

Antiga cultura de elite, no Museu de Arte Popular cultura popular22. O mesmo

nas exposições temporárias criadas para aclamar o regime, onde as secções

dedicadas ao vernáculo foram parte substancial das áreas expositivas23. Desta

forma, até ao eclodir da 2ª Grande Guerra o regime chamou a si a tarefa de

assumir a arte e a cultura popular como um dos traços caracterizadores do seu

nacionalismo. O conflito mundial veio perturbar os planos que Salazar tinha

para a década seguinte24. Em vez de dez anos de "engrandecimento" houve

que enfrentar as dificuldades inerentes à guerra e às alterações da situação

internacional. E findo o conflito o regime não vê terminadas as dificuldades: o

mundo que sai de 1945 é essencialmente diferente do da primeira metade do

século e o regime português encontra acrescidas dificuldades em se manter fiel

ao que havia edificado desde a década de 20. E no entanto tenta-o. Ao longo

dos anos que se seguem à guerra, o Estado Novo continua a afirmar os

mesmos princípios ideológicos que haviam sido as bases da sua construção

inicial. Entre eles o nacionalismo. Entre eles a mitologia da arte e da cultura

popular. Nacionalismo serôdio, mitologia deslocada. Mas operantes, um e

outra, ao longo das décadas de agonia do Estado Novo. À medida que o

regime previa cada vez mais claramente o seu fim, parece ter enveredado por

um uso extremo dos instrumentos de propaganda que lhe haviam granjeado,

em tempos, prestígio e aclamação. Entre eles podemos colocar os museus,

mas talvez de forma mais notória as exposições temporárias. Quantas delas

aparentemente sem nada de político ou de ideológico... Se bem que as artes

22 Analisámos estas duas instituições em LIRA, Sérgio – Museums and Temporary Exhibitions as Means of Propaganda: The Portuguese Case during the Estado Novo, tese de PhD apresentada ao Department of Museum Studies, Universidade de Leicester, 2002, policopiado.

23 Dedicámos já atenção a esta temática em: "Exposições temporárias no Portugal do Estado Novo: Alguns exemplos de usos políticos e ideológicos", comunicação que apresentámos a 26 de Novembro de 1999 ao Colóquio Nacional da APOM, "Balanço do Século", Museu da Farmácia, Lisboa.

24 Salazar, ao inaugurar a Exposição comemorativa dos 10 anos de revolução, profere um discurso intitulado "Era de Restauração, Era de Engrandecimento", onde defende que após a década de recuperação que havia passado, uma década de engrandecimento haveria de se seguir.

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ao serviço da nação seja um título deveras sugestivo para uma exposição

temporária de arte (Lisboa, 1966)25. Quantas exposições se realizaram, nos

anos finais do regime, numa tentativa extremada de mostrar a pujança cultural

do país26. O silogismo pretendido era óbvio: o país está culturalmente activo e

prenhe; um país tão rico artisticamente não pode ser o cenário de um regime

decadente; se o regime não está decadente não há razão para temer pelo

futuro.

De facto, o Estado Novo, ao menos desde os meados da década de 30,

havia compreendido o poder potencial das exposições temporárias, em termos

de propaganda ideológica e política. Até ao final do regime, esses eventos

marcaram sempre o calendário político e cultural do país, sendo emergentes

três temáticas fundamentais: Império Colonial e Descobrimentos Marítimos,

Obra do Estado Novo e Cultura e Artes27. Se para o escopo deste texto os dois

primeiros casos não serão do maior relevo, já o último interessa sobremaneira.

A cultura e as artes foram temas recorrentes nas exposições temporárias

organizadas sob o Estado Novo, muitas com intuitos de propaganda política e

ideológica. De facto o Estado Novo entendia que o patrocínio da cultura e das

artes era uma tarefa que incumbia a um Estado nacionalista; uma Nação que

não cuida de si, que não cuida da sua cultura e das suas artes, dificilmente terá

de que se orgulhar. E, sendo o orgulho nacional uma das próprias razões de

ser do Estado Novo, era ideologicamente uma necessidade o apoio à cultura e

às artes. Vejamos o exemplo de três exposições paradigmáticas do que

acabámos de afirmar: em 1947 a exposição 14 anos da política do espírito; nos

25 Veja-se o catálogo: As Artes ao Serviço da Nação, Liaboa, SNI, Comissão executiva das comemorações do 40º aniversário da Revolução Nacional, 1966.

26 Vejam-se, por exemplo, os catálogos das exposições organizadas pelo SNI. Disponíveis no arquivo do Museu do Chiado, Lisboa.

27 Esta análise, como qualquer análise do tipo, é certamente uma imposição de um esquema a uma realidade que o não anuncia explicitamente; trata-se, assim, de uma comodidade de exposição que facilita o entendimento do fenómeno, e não algo inerente e explícito no fenómeno. Deste esquema estão excluídas muitas exposições temporárias que, apesar de algum vinco ideológico ou propagandístico não tinham nesses objectivos o seu foco. Tais eventos são, no entanto, e para o presente texto, de suma importância. Estão neste caso exposições relativas ao trabalho de artistas nacionais, retrospectivas e exposições de artes decorativas que, corroboravam o patrocínio do regime às artes.

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finais de 1955 e inícios de 1956 a exposição Portuguese Art 800 - 1800; em

1966 a exposição As Artes ao serviço da Nação.

A exposição 14 anos de política do espírito teve claros propósitos de

propaganda ideológica. O nome escolhido esclarece com precisão acerca de

que foi a exposição, ou seja, dos catorze anos de engrandecimento cultural

patrocinados pelo Estado Novo. O SNI28 foi encarregado de organizar a

exposição e uma parte significativa das vitrines do evento foi dedicada a

publicitar as suas actividades29. Para além deste tipo de vitrines, a exposição

incluía um vasto número de expositores. A etnografia portuguesa era uma das

presenças mais evidentes e durante a exposição foi inclusivamente organizado

um concurso de arquitectura onde se incentivava o uso dos modelos da

arquitectura tradicional portuguesa, mas as actividades de lazer organizadas

pelo SNI, o teatro, o cinema e o turismo tinham também alargada

representação. Também a Mocidade Portuguesa estava presente na

exposição, devido ao facto de as suas actividades serem entendidas como uma

importante contribuição para o desenvolvimento dos jovens, especialmente nos

campos da cultura, desporto, saúde, civismo e disciplina. A Mocidade

Portuguesa era vista e apresentada como um dos contributos significativos

para o desenvolvimento do "espírito" ao longo dos 14 anos celebrados. A

mensagem da exposição era óbvia: Portugal tinha beneficiado imensamente

com a instauração do Estado Novo; e não só de um ponto de vista material,

económico, financeiro ou de obras públicas: Portugal tinha também beneficiado

no "espírito", no desenvolvimento harmonioso da sua juventude, no combate ao

analfabetismo e à falta de divulgação cultural. Numa palavra, Portugal, após

28 Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo 29 Na qualidade de exemplos, atentemos em duas legendas de partes da exposição: numa afirmava-se que "Os prémios

literários do SNI constituíram já uma antologia riquíssima da literatura portuguesa actual."; sob a legenda estava uma vitrine onde se mostravam vários livros e outras publicações, exemplificativas do afirmado na frase. Uma outra legenda do mesmo tipo afirmava que "Com as missões culturais e as bibliotecas ambulantes o SNI leva o seu programa de divulgação cultural a todo o país."; em relação com a legenda estava organizada uma pequena mostra fotográfica dos meios utilizados para levar as bibliotecas ambulantes "a todo do país". Há várias fotografias relativas a esta exposição incluídas no arquivo da Fundação Gulbenkian, Lisboa, que foram feitas pelo fotógrafo Mário Novais e que merecem consulta

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um período odioso de trevas republicanas, reencontrava finalmente, pela mão

do Estado Novo, o seu "espírito".

O esforço que o regime desenvolveu para apresentar Portugal como um

país culturalmente rico e próspero não se ficou pela propaganda interna. No

final do ano de 1955 e durante o início do ano seguinte, esteve patente na

Royal Academy of London uma exposição intitulada Portuguese Art 800 - 1800.

No seguimento da participação portuguesa em várias exposições internacionais

(onde o país era sempre apresentado como um país rico, progressivo, de

finanças sãs e economia próspera, liderado por um chefe incontestável e

benéfico, capaz de ombrear com os países mais ricos da Europa) Portugal

apresenta em Londres uma exposição que pretendia, para além de mostrar a

arte portuguesa, patentear uma riqueza cultural sólida e um espólio artístico

invejável. A exposição incluía escultura, pintura, ourivesaria e mobiliário para

além de vários objectos artísticos como faianças, pratarias, tapeçarias, entre

outros. A exposição reconstituía interiores históricos, expondo os objectos em

contexto e conferindo-lhas uma dignidade apreciável. De uma forma implícita

afirmava-se que Portugal não sé era cultural e artisticamente rico pela

produção e posse de tais obras de arte, como o era também pela cuidada

preservação que dedicava a essas peças. O país apresentava-se como um

baluarte da conservação e tratamento do objecto artístico. Aliás de outro modo

não poderia ser, pois apenas dessa forma se servia o espírito nacionalista que

impunha o respeito e o orgulho pelo passado e pelos testemunhos memoráveis

que dele tinham restado.

A comemoração dos quarenta anos da Revolução Nacional, em 1966,

contou, entre muitos outros eventos, com a organização da exposição As Artes

ao serviço da Nação30. Esta exposição pretendia mostrar como o Estado Novo

havia investido nas artes e como as artes haviam auxiliado na tarefa de

reconstrução nacional. A exposição cobria as áreas da escultura, pintura e

30 Consulte-se As Artes ao Serviço da Nação, Liaboa, SNI, Comissão executiva das comemorações do 40º aniversário da Revolução Nacional, 1966.

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fotografia como temas principais. O Estado Novo apresentava-se orgulhoso da

obra feita no campo artístico.

Finalmente, uma das questões que importa referir na caracterização deste

período do século XX português é a da definição do que era entendido como

"digno" de ser considerado peça artística ou de património, para a Ditadura

Militar e para o Estado Novo. Independentemente das opiniões dos

coleccionadores privados ou dos responsáveis pelas colecções de arte ou

outras formas de património sob tutela do Estado, sempre difíceis (se não

impossíveis) de apreender na sua globalidade, atenhamo-nos às definições

que as peças legislativas relativas ao mundo dos museus incluíam.

Como já acima afirmámos, a Ditadura Militar herdou uma construção

legislativa relativamente complexa e completa da 1ª República. Po isso

iniciamos a nossa análise por uma peça legislativa datada de 192431. Essa lei,

nº 1700 vem na tradição das alterações que a República produziu

relativamente à questão do património. Naturalmente a sua análise não faria

sentido desligada da do Decreto que a regulamenta32. Ao longo do texto da Lei

nº 1700 os termos "artístico e arqueológico" repetem-se inúmeras vezes,

dando, numa primeira visão, a ideia de que património se resumia ao contido

nessa expressão. O Capítulo V inicia com o artigo 38º, relativo ao "arrolamento

das obras de arte e peças arqueológicas" onde se incluem, para efeitos do dito

arrolamento, os "móveis e imóveis que (...) possuam valor histórico,

arqueológico, numismático ou artístico, digno de inventariação". Alarga-se,

assim, um pouco mais o âmbito do que é considerado merecedor do cuidados

legislativos especiais, mas a definição permanece muito vaga. No que respeita

ao móveis pertencentes a particulares, especifica-se que "(...) só serão

incluídos no arrolamento aqueles que sejam de subido aprêço, reconhecido

valor histórico, arqueológico ou artístico e cuja exportação do território nacional

31 Lei nº 1700, de 18 de Dezembro de 1924. Por uma questão de simplificação do trabalho de quem pretender consultar a legislação que citamos, indicamos sempre neste texto as datas de publicação no Diário oficial.

32 Decreto nº 11445, de 13 de Fevereiro de 1926.

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constitua dano grave para o património histórico, arqueológico ou artístico do

país"33. As preocupações desta Lei são, aliás, mais voltadas para as limitações

a exportação e para as garantias dadas ao Estado de ter preferência na

aquisição das peças postas à venda34, do que na determinação rigorosa do

que fica abrangido pelo determinado na própria Lei. O Decreto nº 11445, que

acima já referimos, vem tentar colmatar esta lacuna: no seu artigo 47º

especifica que "Para efeitos gerais da lei consideram-se obras de arte ou

objectos arqueológicos: as esculturas, pinturas, gravuras, desenhos, móveis,

peças de porcelana, de faiança e de ourivesaria, vidros esmaltes tapetes,

tapeçarias, rendas, jóias, bordados, tecidos, trajos, armas, peças de ferro

forjado, bronzes, leques, medalhas e moedas, inscrições, instrumentos

músicos, manuscritos iluminados e de um modo geral todos os objectos que

possam constituir modelo de arte ou representar valiosos ensinamentos para

os artistas, ou pelo seu mérito sejam dignos de figurar em museus públicos de

arte, e ainda todos aqueles que mereçam o qualificativo de históricos". Sendo

notória a convivência de elementos de uma estrema especificação com outros

de uma abrangência total, este texto confirma as dificuldades, que podemos

adivinhar, eram sentidas pelo legislador em matéria tão difícil. Se algumas

peças passam a património artístico ou arqueológico sem qualquer margem

para dúvidas, as formas vagas com que finaliza o artigo permitem a inclusão

em tal conceito de praticamente tudo o que for considerado "histórico"... sem

que tal termo seja definido. Por outro lado, em número considerável de artigos,

o presente Decreto reitera a preocupação da Lei que acima referimos no que

respeita à limitação da possibilidade de exportação de património artístico ou

arqueológico e reafirma as prerrogativas do Estado no caso de venda pública,

indo mais longe e passando a considerar que a simples colocação "para venda

em leilão público de objectos artísticos, arqueológicos e históricos colocá-los

33 A semelhança de princípios com o sistema do Reino Unido, introduzido em 1952 e geralmente conhecido como "Waverlay Criteria", é digna de nota. Ver MAURICE, C. and TURNOR, R. - "The Export Licensing Roules in the United Kingdom and the Waverlay Criteria" in International Journal of Cultural Propety , nº 2, vol. 3, 1994, pp. 273-293; ver ainda FAHY, Anne (ed. by) - Collections Management, Routledge, Londres, 1995.

34 Vejam-se os artigos 38º a 43º da citada Lei nº 1700.

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há, para todos os efeitos, nas condições dos inscritos no catálogo" desde que

tal seja declarado por um representante do Estado35.

Em linhas gerais era esta a situação legislativa do património quando em

1926 terminou a primeira experiência republicana e sobreveio a ditadura militar.

Apenas em 1928, através do acima citado Decreto nº 15216, se retomou a

questão. Conforme é patente no prólogo deste Decreto, não estamos perante

alterações de fundo; trata-se apenas de manter o espírito da lei anterior,

alterando-a pontualmente36. Uma nova achega à definição do que é património

foi dada pelo Decreto nº 2056637 que determina não haver necessidade de

qualquer acção formal de arrolamento por parte dos agentes do Estado para

que as peças e objectos correspondentes ao especificado na lei fossem

considerados arrolados. Tal determinação é o seguimento natural do que vimos

acima. Este Decreto, considerando incompleto o determinado no artigo 47º do

citado Decreto 11445, vem acrescentar à lista aí referida (e que citámos) "os

incunábulos portugueses; as espécies xilográficas e paleotípicas; os cartulários

e outros códices, membranáceos ou cartáceos; os pergaminhos e papéis

avulsos de interesse diplomático, paleográfico ou histórico; os livros e folhetos

considerados raros ou preciosos; e os núcleos bibliográficos que se

recomendam pelo valor dos seus cimélios ou simplesmente pelo seu valor de

colecção.". Não muda, pois, de tom a legislação: estamos ainda perante o

espírito da lei que conhecemos até esta data e nele continuaremos em 1932

com a fundação da Academia Nacional de Belas Artes38 onde o património

referido continua a ser o "artístico e arqueológico". O Decreto nº 20985, datado

também deste ano de 193239, ainda que reorganizando os serviços artísticos e

35 Ver artigo 56º do Decreto nº 11445. 36 A única alteração evidente de política prende-se com o princípio da gratuitidade completa das entradas nos museus:

neste Decreto consagra-se o princípio de que essas entradas devem ser pagas, com algumas excepções, para, apenas em 1931, através do Decreto nº 19414 de 5 de Março, se regulamentar o pagamento e colocar em prática o princípio.

37 Decreto nº 20586, de 4 de Dezembro de 1931. 38 Decreto nº 20977, de 5 de Março de 1932. 39 Decreto nº 20985, de 7 de Março de 1932.

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arqueológicos, porque duvidando da eficácia da legislação anterior40 lhe não

reconhecia capacidade para ser mantida em vigor, praticamente não altera o

que temos vindo a observar no que respeita ao conceito de património. Uma

vez mais, quando o legislador pretende estabelecer o conceito refere os móveis

"que sejam de subido aprêço, reconhecido valor histórico, arqueológico ou

artístico e cuja exportação do território nacional constitua prejuízo grave para o

património histórico, arqueológico ou artístico do País.". Por outro lado, quanto

às competências do recém criado Conselho Superior de Belas Artes e no que

respeita às aquisições para os museus, uma vez mais se referem apenas

"obras de arte e peças arqueológicas", como únicas aquisições dignas de

menção legislativa. Mais à frente, no artigo 14º, ainda no que respeita às

competências do dito Conselho, surge-nos a menção à necessária supervisão

dos trabalhos de "recuperação de quadros, esculturas ou quaisquer outros

objectos artísticos ou arqueológicos", mantendo-se assim, também a este

respeito, o vago conceito enunciado antes. Outro aspecto a ter em conta e que

pode contribuir para apreender o conceito de peça arte ou peça de património

para o período que vimos analisando, prende-se com a formação exigida ao

pessoal profissional dos museus nacionais. Conforme determinava o Decreto

nº 2211041 para o acesso ao estágio dos conservadores tirocinantes, a

funcionar no Museu Nacional de Arte Antiga, tomava-se como habilitação de

preferência "o diploma de curso superior ou especial em que seja professado o

ensino da história de arte". Tal facto parece significativo se se tiver em conta

que tal estágio era motivo de preferência para o desempenho de funções de

conservador ajudante nos museus regionais, independentemente das

características das suas colecções. Em 195342 este regime de estágio é

totalmente remodelado. Mantém-se, ainda assim, uma acentuada tónica nas

questões de arte. Senão, vejamos: a habilitação de acesso é alargada para

40 Veja-se o próprio texto do prólogo: "Produziu os seus frutos a organização que ora se substitue, devido talvez mais ao desenvolvimento da cultura estética em geral do que à excelência do complexo sistema administrativo então criado.".

41 Decreto nº 22110, de 12 de Janeiro de 1933. 42 Decreto nº 39116, de 27 de Fevereiro de 1953.

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qualquer curso superior ou da escola de belas-artes, mas exige-se um exame

de aptidão aos candidatos. Tal exame constava de duas partes, uma teórica e

uma prática, ambas sobre temas de arte (a primeira versando um "assunto", a

segunda sobre uma "obra"). Ao longo do estágio era exigido aos candidatos a

frequência de várias cadeiras universitárias, todas versando questões de

História e História d'Arte43.

Analisemos finalmente uma importante peça legislativa44 que veio alterar,

ao menos na letra da lei, o sentido da existência dos museus nacionais. Trata-

se do Regulamento Geral dos Museus de Arte, História e Arqueologia. Apenas

pelo título fácil se torna verificar que o legislador restringiu o universo dos

museus a tratar. A única «excepção» é a inclusão do Museu Nacional de

Arqueologia e Etnologia (Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcelos) que,

apenas forçadamente, poderá integrar-se no âmbito da arqueologia. Todos os

outros museus tratados por este Decreto são museus de arte, história e

arqueologia, somente. Par além das apreciações (aliás deveras interessantes e

profundamente inovadoras para a legislação portuguesa sobre museus) feitas

no preâmbulo, o texto do Decreto é muito claro ao estabelecer, no artigo 5º,

como primeira finalidade dos museus "Conservar e ampliar as colecções de

objectos com valor artístico, histórico e arqueológico.".

Verificamos, assim, que a tendência para a valorização da arte e dos

aspectos históricos e arqueológicos, como «vocação» primeira dos museus,

perpassa a mais importante legislação nacional que foi produzida desde a

década de vinte até à de sessenta deste século, relacionada com estas

instituições. A peça de património, o objecto digno de preservação, restauro,

exposição, estudo e protecção legal, era o objecto artístico, aquele que

43 História Geral da Civilização, Epigrafia, Numismática, Esfragística, Paleografia e Diplomática, História de Arte e Arqueologia.

44 Decreto nº 46758, de 18 de Dezembro de 1965, normalmente referido como Regulamento Geral dos Museus de Arte, História e Arqueologia.

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encerrava um qualquer valor histórico ou ainda o que provinha de escavações

arqueológicas45.

Após o 25 de Abril de 1974, e com o fim do regime do Estado Novo que

durava há mais de quarenta anos, a política do património em Portugal

conheceu novas orientações em que a ideologia e a influência política, no

entanto, não deixaram de estar presentes. O nacionalismo tornou-se em algo

de politicamente incorrecto, os heróis (mesmo os históricos) aclamados pelo

Estado Novo receberam, ainda que temporariamente, o epíteto de "fascistas";

os museus passaram a fazer parte de um programa nacional de

democratização da cultura e receberam incumbência, de forma explícita ou

não, de promover novos valores políticos e sociais: democracia, liberdade de

expressão, igualdade de direitos, entre outros. Um dos aspectos significativos

desta mudança de regime foi o fim da censura prévia imposta em todos os

campos da produção intelectual e artística. A publicação e exposição passou a

ser livre, sendo a alteração notória em vários domínios: da literatura ao teatro,

da pintura ao cinema.

2. As artes e os artistas46

Assim como o século político terá começado em 1910, o século artístico

poderá ter tido o seu início em 1911. José Augusto França defende tal posição

no Perfácio em que apresenta a sua Arte em Portugal no século XX47,

evidenciando como primeira manifestação desse novo século a exposição de

45 O desenvolvimento desta temática foi feito por nós em LIRA, Sérgio - "Os Museus e o conceito de Património: a peça de museu no Portugal do Estado Novo", in Actas do Congresso Histórico de Amarante, Câmara Municipal de Amarante, Amarante, 2001.

46 Para esta parte do texto optámos por reduzir de forma significativa as notas, retirando peso ao aparato crítico para melhor centrar o texto principal. Assim, ao invés de colocarmos em rodapé notas biográficas sobre cada artista referido, decidimos arrumar por ordem alfabética de artistas uma série de fichas biográficas, no final do texto. Dos mais significativos artista referido ao longo desta parte, encontrará o leitor, no final, a respectiva ficha.

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"arte livre" que no mês de Março desse ano teve lugar. De facto, o início do

século ficou marcado pelo diluir do que havia sido iniciado no último quartel do

século XIX, o naturalismo. Nesse delir se encontram as primeiras

manifestações da corrente moderna nacional, com expressões futuristas, em

especial nas artes plásticas. Este dealbar do modernismo em Portugal

sedimentou-se ao longo das duas décadas iniciais do século, para ceder lugar

a uma segunda corrente, consentânea com as alterações políticas emergentes:

nos anos 30 e 40, a par do o desenvolvimento dos programas artísticos iniciado

nas décadas anteriores, assiste-se em Portugal à presença neo-naturalista,

correspondente à pressão do Estado Novo e encimada pela presença de

António Ferro à frente do projecto cultural português de Estado. O

neo-realismo, o surrealismo e o abstraccionismo farão a sua aparição ainda na

década de 40 e por meados do século e desenvolver-se-ão nas duas

seguintes. Ainda na década de 60, e de par com expressões nacionalistas

serôdias, surgem as primeiras manifestações pop. Os anos 70 serão marcados

especialmente pelas alterações políticas de meados da década com uma

abertura a diversas manifestações artísticas e recurso a experimentação mais

livre. As décadas finais do século ficaram marcadas por uma certa euforia

característica dos anos 80, com larga multiplicidade de tendências e uma

situação favorável no mercado da arte, e pela contracção desse mercado, nos

anos 90, o que não impediu alguma interessante diversidade de explorações

por campos artísticos de suportes menos tradicionais.

Artes plásticas

A pintura e a escultura, mas também a cerâmica ou o azulejo, ocuparam

lugar de destaque no panorama artístico português do século XX. A herança

pujante das expressões plásticas do século XIX, nomeadamente o naturalismo,

que se prolongaram pelos anos iniciais do século XX com alguns artistas a

47 FRANÇA, José Augusto – A Arte em Portugal no século XX, 3ª ed., Venda Nova, Bertrand ed., 1991, p. 11.

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produzir de forma significativa nas primeiras décadas do século48, haveria de

marcar tanto algumas permanências como as tentativas de contraponto. Por

outro lado, e também marcando a viragem do século, o simbolismo esteve

presente na pintura portuguesa com alguns exemplos significativos49.

O início do século surge com representações do chamado "humorismo".

Talvez tenha sido, aliás, este o caminho mais precoce da modernidade artística

em Portugal, usando o desenho, que não a pintura, como forma de afirmação50.

De facto, a pintura era concebida de forma marcadamente academizada, sendo

pois um terreno onde mais dificilmente se poderia vir a impor corrente de

vanguarda. Já o desenho, e em particular o desenho humorístico, havia

herdado, no início do século XX, toda a tradição de realização e publicação da

caricatura e da ilustração dos finais do século anterior. O terreno fértil da

caricatura política e da sátira social permitiu uma modernização dos traços,

numa continuidade de utilizações que só aparentemente encobre a

diferenciação formal que se pode ir observando. Tal utilização do desenho

beneficiava da larga disseminação que as publicações periódicas, quantas

efémeras, permitia. Eram um meio "democrático", não dependente das

academias e com uma vasta aceitação, contrariando pela via do humor as

várias censuras que os regimes políticos iam impondo. Não espanta, pois, que

a modernidade nesta arte tida por "menor" se tivesse afirmado seguramente.

Se mais não fosse prova, a realização, no virar da primeira década do século,

do I Salão dos Humoristas seria evidência suficiente da pujança deste meio de

expressão artística e política. Nomes como os de Christiano Cruz, Emmérico

Nunes, Almada Negreiros, Leal da Câmara e Jorge Barradas surgem de forma

notória neste universo primordial de desenhos de humor, logo seguidos de

48 Veja-se o exemplo de algumas obras de José Malhoa (Clara – 1903; Retrato de minha mulher – 1914; Praia das Maçâs – 1918) ou de Sousa Pinto (Efeito de Sol ao fim da tarde – 1913; Efeito de tarde – 1915). Publicados em MUSEU do Chiado. Arte Portuguesa 1850-1950, Lisboa, IPM, Museu do Chiado, 1994, pp. 90-93 e 100-101. Outro exemplo significativo será a obra de Bordalo Pinheiro, também no vértice cronológico e de "escola".

49 Estarão neste caso obras de Adriano Sousa Lopes, António Carneiro, Aurélia de Sousa, José Veloso Salgado e Luciano Freire.

50 Veja-se SANTOS, David – Desenho e Modernismo nas Colecções do Museu do Chiado. 1900-1940, s.l., IPM, Museu de Francisco Tavares Proença Júnior, 2001

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António Soares, Stuart Carvalhais e Bernardo Marques, este último com

trabalho que se alonga de forma significativa até aos anos 30.

O modernismo na pintura e na escultura afirmou-se, nesta primeira fase,

como um rompimento face ao trado-naturalismo que ainda eivava o início deste

século nascente. A Exposição Livre ou dos Livres (1911) é referida

sistematicamente como marco desse processo, até por oposição ao grupo Ar

Livre, evidência dos valores estéticos da segunda geração naturalista

portuguesa. Esta forma serôdia de naturalismo condizia com os valores socio-

políticos que Portugal conheceu no segundo quartel do século XX, e encontrou

espaço de afirmação assinalável. A temática rural condizia também com a

idealização do Portugal do Estado Novo, pelo que não será de espantar a

longa previvência desta forma de naturalismo. Entre outros, de referir as obras

de Carlos Reis, Artur Alves Cardoso e António Saúde.

Como em muitos outros universos, a influência modernista de além

fronteiras far-se-ía notar, embora de forma diferenciada, tanto na pintura como

na escultura portuguesas. Se em ambas a presença de Paris parece ser uma

tónica evidente e incontestável – até pela emigração dos artistas portugueses51

– já a pintura buscou também algo do expressionismo alemão com Christiano

Cruz e do pós-cubismo picassiano com Mário Eloy e Almada Negreiros. Por

outro lado, a pintura portuguesa desta época encontrou caminhos de uma

vitalidade significativa, e de expressões individuais marcantes (Eduardo Viana,

Mário Eloy, Carlos Botelho), embora uma súmula teórica tivesse ficado por

realizar, pese embora as contribuições de Almada Negreiros e de Amadeo de

Souza Cardoso.

A escultura desta época, ao contrário da pintura, não conheceu um

processo de ruptura com o academismo vigente. Pelo contrário, é possível

detectar o prolongar dos cânones da escultura de época anterior – mesmo um

efeito de tardo-naturalismo, notório nas temáticas ruralizantes de Artur Anjos

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Teixeira ou de João da Silva – se bem que marcada por actualização. Avultam

neste período os trabalhos de António Azevedo, Salvador Barata Feyo, Ernesto

Canto da Maya, Diogo de Macedo, Francisco Franco e Leopoldo de Almeida. A

maior presença política do estado na vida nacional a partir do início dos anos

30, com o Estado Novo a impor-se de forma iniludível, veio marcar a produção

escultórica por encomendas públicas de carácter marcadamente nacionalista.

Ainda relevante nesta primeira fase do século, foi o chamado futurismo,

de que os portugueses tiveram primeiras notícias, uma vez mais, vindas de

Paris52. Nos anos seguintes o futurismo foi penetrando o ambiente artístico

português – com o nº 2 da Orpheu, com o número único do Portugal Futurista e

com a apresentação pública em Abril de 1917 da I Conferência Futurista –

alcançando algum alarde nos meios literários (que referiremos mais adiante)

mas sem que lograsse revolucionar a produção plástica nacional. Terá sido

pela mão de Santa-Rita Pintor que o movimento se fez representar de forma

mais evidente nos meios portugueses. Uma vez mais, a presença do pintor em

Paris e o contacto com as produções de artistas italianos coevos foi

fundamental para o eclodir do futurismo nas suas obras. A sua breve vida, em

particular os anos finais passados em Lisboa, exerceu alguma influência sobre

Amadeo de Sousa Cardoso e Almada Negreiros. Aliás, será a morte do

primeiro em 1918 que porá fim à vaga experiência futurista da pintura

portuguesa.

O que se anunciava com a apreensão censória do primeiro e único

número do Portugal Futurista à saída da impressão, haveria de se colmatar

com, uma década volvida, o fim da 1ª República e o início da Ditadura Militar.

De facto, o ambiente político revolucionário de certas fases da República havia

impulsionado ou permitido expressões plásticas de vanguarda; já o clima

tendencialmente conservador das ditaduras (da de Sidónio Pais primeiro e da

51 Vejam-se as fichas biográficas no final do texto. 52 Aquilino Ribeiro, numa crónica datada de 1912, dava conta da repercussão do movimento nos meios artísticos

europeus.

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resultante do golpe de 1926, depois) era cenário promissor de mais forte

enquadramento das artes. Os princípios dos anos 20, pela mão literata de

Almada Negreiros, confessavam já um nítido declínio do apogeu vanguardista

da década anterior, e as expressões cada vez mais tímidas do futurismo ou do

modernismo tinham menos ênfase e menos eco. Desinteresse dos poderes

públicos, desinteresse dos periódicos e da crítica, desinteresse dos públicos,

um Museu de Arte Contemporânea que recusava os mais contemporâneos dos

artistas: as artes plásticas em Portugal nos anos 20 eram um marasmo quase

completo. Nem o II e III Salões dos Humoristas vieram realmente alterar esse

estado de coisas. De notar, no entanto, algumas exposições individuais53, mas

que de forma alguma lograram animar verdadeiramente o ambiente. Ainda

assim, Diogo de Macedo escrevia e desenhava de Paris alguma novidade

nesta década relativamente estagnada, não fosse, fundamentalmente, a

actividade de Almada Negreiros. De referir ainda a obra de Eduardo Viana que

ao longo da década contribuiu com pinturas como A Pousada de Ciganos

(1923), Nu e Sintra (ambas de 1925).

Finalmente, breve referência ao que José Augusto França apodou de

"Primeira Geração" que, para além de incluir Amadeo, Santa-Rita, Almada e

Viana, contou também com os trabalhos de outros artistas significativos, que

estenderam a sua produção artística por limites cronológicos mais vastos que o

início do século, alguns deles já acima referidos. Neste grupo será de incluir

António Soares, Jorge Barradas, Stuart Carvalhais, Dordio Gomes, Abel Manta,

Manuel Bentes, António Carneiro e Sousa Lopes. Também neste grupo, em

momentos diferentes e com percursos diversos, se fizeram notar as influências

das correntes artísticas europeias, particularmente do ambiente parisiense.

O encerrar da primeira fase do século coincide com o início dos anos 30 e

com o Salão dos Independentes. Daqui, esta segunda fase do século irá, pela

mão de António Ferro, desaguar na "política do espírito" e no patrocínio do

53 Veja-se FRANÇA, José Augusto – A Arte em Portugal no século XX, 3ª ed., Venda Nova, Bertrand ed., 1991, p. 101

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SPN/SNI. A orientação política, ideológica e doutrinaria do Estado Novo

exercerá de forma eficiente a sua influência sobre as artes, e será um

acontecimento exógeno a Portugal, a II Grande Guerra, que virá interromper o

ciclo.

Dos anos 20 para os anos 30, pela mão de Bernardo Marques e nos seus

desenhos (que aliás expôs em 1930 no I Salão dos Independentes) entrou em

Portugal algo do ambiente de uma Europa mais a Leste que Paris; foi uma

névoa de Berlim, visitada pelo artista em 1929, que perpassou a sua produção,

libertada em parte do humorismo e carregada com as formas de uma

consciência social e cultural mais forte. Nos seus desenhos desta época fica

registada uma Lisboa vista de um ângulo particular e único. Também presente

no I Salão dos Independentes, Mário Eloy produziu nesta época alguns

desenhos marcantes, que assinalavam já o percurso que o artista iria tomar,

povoado de fantasmas, pesadelos e morte e que terminaria na sua morte nos

meados do século.

O início da década, em Maio de 1930, ficou marcado pela realização do I

Salão dos Independentes, onde se pretendia mostrar a maturidade de uma

geração de modernistas, de diversas áreas artísticas: Concorreram pintores e

escultores, escritores e poetas, jornalistas e arquitectos. Mas o que tinha por

escopo ser um marco de arranque de uma modernidade enfim alcançada e

consolidada foi, em algumas críticas da época, um final pouco eufórico de uma

modernidade em vias de se encontrar demasiadamente desgastada para ser

significativa. Não que as participações fossem menores, ou que o investimento

artísticos estivesse depauperado, mas era evidente que algo estava em vias de

mudar radicalmente no meio artístico português, e que o termo Independentes

soltava o seu último verdadeiro alento – apesar da reedição do Salão no ano

seguinte, claramente sem a pujança do original. Ao longo da década de 30,

várias iniciativas do tipo, mais ou menos evidentes no panorama nacional

foram surgindo: salões de pintura, artes plásticas, fotografia, este em

Dezembro de 32 e com alguma franca novidade, ao menos a nível técnico, mas

sem romper definitivamente com o que o I Salão havia traçado. Claramente já

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de costas voltadas para a tendência oficial de António Ferro e de um SPN já

dominante foi, em 1936, a exposição de Artistas Modernos Independentes,

onde se evocaram Amadeo, Santa-Rita, Sá-Carneiro e Pessoa. Mas mesmo

essa manifestação evidenciava o império da orientação de Estado.

De facto, desde o início da década que se tornara evidente a manifesta

intenção de o Estado vir a intervir no meio artístico de forma notória. A crise da

arte, a falta de compradores que era reflexo da crise generalizada em Portugal,

ficou patente no alarde com que António Ferro entrevistou Salazar em 1932.

Como em tantos outros domínios a posição do político foi clara: primeiro o

reequilíbrio das finanças públicas, depois – a seu tempo – o abrir dos cordões à

bolsa e o promover do que não é, de forma absoluta, indispensável. O Estado

Novo, que se instalava pela mão de Salazar, prometia vagamente apoio aos

artistas e deixava uma ténue esperança, com as bolsas de estudo que o

orçamento de 1933 previa já. Não cabe aqui analisar todos os passos dados

pelo Estado Novo, mas o caminho da década de 30 foi evidente: arte e artistas,

debilitados pela míngua generalizada, acolheram-se à sombra paternal do

Estado e permitiram um enquadramento gizado por António Ferro, que havia

crescido à luz do modernismo e que com os seus vinte anos embarcara

também no Orpheu. A carreira de jornalista e as entrevistas famosas que

conduziu deram-lhe notoriedade; a política do Estado Novo, no campo das

artes e em parte da propaganda, foi-lhe entregue, com o SPN/SNI. A política de

Ferro não foi a de negar a modernidade, de fazer apelo ao serôdio ou ao

ultrapassado: pelo contrário, Ferro assumiu a tarefa não de consagrar mas de

estimular e assim, ao longo de mais de uma década, o "seu" SPN/SNI marcou

assinalável êxito. Tratava-se de enquadrar, de trazer para a barricada do

Estado Novo forças ingentes da Nação – nas artes como em tantos outros

domínios: aqui As Artes ao Serviço da Nação. Almada Negreiros foi disso

exemplo, em várias produções ao serviço do nacionalismo, como os selos onde

se afirmava Tudo Pela Nação, ou outras. Os salões do SPN/SNI foram em

número significativo, os prémios distribuídos muitos e avultados, o eco nacional

e internacional desta propaganda cuidadosamente programada e executada,

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notável. No entanto, alguma crítica era ouvida: por exemplo Diogo de Macedo

afivelava nos inícios da décda de 40 um texto sério e claramente desconfiado,

expressando que os artistas produziam para os prémios, que não pela arte.

O culminar desta política foi a Grande Exposição do Mundo Português, de

1940. Para a sua realização concorreram artistas nacionais de todos os ramos

das artes plásticas, sob uma orientação comum, nacionalista. No planeamento

arquitectónico esteve Cottineli Telmo. Aliás, as exposições temporárias

estavam a ser ensaiadas como mecanismo de propaganda usando a produção

artística, já desde pelo menos meados da década: faziam parte do esquema de

propaganda montado por António Ferro e foram, indubitavelmente, eficientes54.

Em 1940, no entanto, estamos perante a maior, mais grandiosa, mais cara e

mais eficiente manobra de propaganda do Estado Novo, no que respeita a

exposições temporárias. Todo o edifício do Estado Novo ali se encontra e, se

não todos, uma parte muito significativa dos artistas portugueses coevos nela

colaboraram e para ela concorreram.

Eventualmente mais que a pintura, a face visível das artes plásticas sob o

Estado Novo, nesta primeira fase, foi a estatuária, e em particular a estatuária

monumental. Francisco Franco, Canto da Maia e Leopoldo de Almeida são dos

nomes que avultam nesta fase. O marco normalmente apontado como início

deste período é a estátua de Gonçalves Zarco de Franco. No mesmo tom,

produziu Canto da Maia o conjunto de D. Manuel, Vasco da Gama e Álvares

Cabral; e à frente do Pavilhão do Portugueses no Mundo estava a imponente

Soberania de Leopoldo de Almeida. Todas estátuas que chamavam os

portugueses a clamar a importância e o esplendor do Portugal de antanho, da

época gloriosa das Descobertas, da Idade de Ouro nacional. Vértice dessa

produção, o Padrão dos Descobrimentos, obra conjunta de Cottineli Telmo e de

Leopoldo de Almeida, assinalava o local que foi o epicentro de toda esta

54 Já nos referimos a este tema, de forma alongada em LIRA, Sérgio - Museums and Temporary Exhibitions as means of propaganda: the Portuguese case during the Estado Novo, tese de PhD em Museum Studies, Leicester, 2002. Ver também o que afirma FRANÇA, José Augusto – op. cit., páginas 220 a 225.

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produção: a Grande Exposição do Mundo Português, de 1940. Tal programa

acertava naturalmente com a linha política do Estado Novo e com o tom

nacionalista das manifestações historiográficas da época. Mas para além desse

grandes portugueses de um passado algo longínquo, o Estado Novo celebrava

também vultos mais recentes: pela mão de Barata Feyo, Bartolomeu Dias, mas

também Almeida Garrett, Antero de Quental e Alexandre Herculano povoaram

os jardins e locais públicos do país.

Na viragem dos anos 30 para os anos 40 dois artistas plásticos marcaram

a sua presença no ambiente português de forma notória: António Pedro e

António Dacosta. O primeiro, tanto no desenho como na pintura e na escultura,

foi notável pela novidade introduzida. Se tinha colaborado em eventos do SPN,

não estava presente na Exposição de 1940. Mas abria uma exposição, ainda a

efeméride de 1940 não havia encerrado as sua portas, juntamente com

Dacosta, esse sim quase desconhecido. O surrealismo da Ilha do Cão de

Pedro (1940) mostrava a Portugal uma dimensão ainda não conhecida da

expressão artística e chocava de forma evidente com a monumentalidade

nacionalista do teatro propagandístico de Belém. Dacosta também expôs nos

salões do SPN e foi premiado, mas em 1949 estava presente na Exposição do

Grupo Surrealista com obras correspondentes a essa sua fase (que vai grosso

modo de finais de 30 a 1943) e que pode ser exemplificada com a Antítese da

Calma datada de 1940. Este surrealismo encontrou também eco na obra de

Cândido Costa Pinto, que viria no entanto a ser ostracisado em função da sua

participação expositiva no SPN. O Grupo Surrealista produziu no final de 40 o

Cadavre-exquis, obra colectiva de grandes dimensões que marca o panorama

português da época como peça única.

A par desta novidade, uma outra se evidencia, com o abstraccionismo de

Fernando Lanhas, já em 1944 nas Exposições Independentes. Também o neo-

realismo se afirma nesta metade da década, em particular com as Exposições

Gerais de Artes Plásticas que, a partir de 1946, marcam claramente posição no

panorama português. Aí encontramos Júlio Pomar, que se demarcou pela obra

de pintura e pelos desenhos (veja-se o Almoço do Trolha de 1947 ou a Menina

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com um galo morto de 1948, ou os desenhos com que ilustrou a Guerra e Paz,

datados de meados da década seguinte). Numa síntese interessante do

surrealismo e do abstraccionismo geométrico topamos com Nadir Afonso, que

numa primeira fase nos meados dos anos 40 trabalha numa senda surrealista

para, uma década volvida, o encontrarmos dedicado a expressões

abstraccionistas geométricas que parecem evocar espaços urbanos, nas suas

cores primárias e evidentes, como em Espacilimité, datado de 1957. Já na

escultura, o final da década de 40 e a década de 50 marcam, em alguns

sectores, um rompimento com a estatuária monumental e nacionalista que

registámos acima. Logo em 1948, Jorge Vieira realizou uma exposição

individual que incluiu obras de traços surrealistas. A versatilidade de diversos

materiais tornaram a sua obra uma referência para esta época (a título de

exemplo os seus Mulher e Homem de 1952, as Duas cabeças, do mesmo ano,

ou ainda a Figura Feminina, esta de 1960). No panorama da escultura não

passam também em branco os nomes de João Cutileiro, com trabalho ainda na

década de 50 final, mas mais evidente a partir do anos 60 (Anjo de 1960).

Manuel Cargaleiro, por seu lado, representa a faceta ceramista das artes

plásticas portuguesa desta época, e já nos anos 40 finais expôs no I Salão de

Cerâmica Moderna do SNI (1949).

Marcaram a década, no domínio da pintura, ainda os figurativos,

movimento em que o nome de Júlio Resende avulta. Participou na I Exposição

Independente, mas a sua descoberta de Goya foi determinante na produção

subsequente. Não rompendo com a longa tradição da influência parisiense,

Resende estagiou em Paris; na sua fase "alentejana" não deixou de se sentir

influenciado pelo movimento neo-realista que então grassava em Portugal; nos

finais de 50 cede às lições da arte abstracta.

Um nome à parte na arte portuguesa do século XX é o de Vieira da Silva

que, apesar de nascida portuguesa e em alguns traços das suas obras

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evidenciar o clima de Lisboa, veio a naturalizar-se francesa em 195655,

produzindo essencialmente em contexto não-português. Ainda assim, uma

referência breve parece acertada, em função da sua vasta obra que se inicia

nos anos 30 (ver por exemplo A Árvore Prisioneira de 1932) e se alonga até

aos finais da década de 80, quando pinta (O Retorno de Orfeu, 1982-86) e se

dedica também à obra da estação da Cidade Universitária do metropolitano de

Lisboa, onde colaborou com Cargaleiro.

Muitos dos artistas acima referidos, e que iniciaram a sua actividade nas

décadas de 40 e 50, mantiveram o trabalho pelas décadas seguintes, tendo

atravessado toda ou boa parte da segunda metade do século. Uns, na senda

do que haviam iniciado, outros procurando caminhos mais arrojados ou

vanguardistas. José Augusto França considerava, nos princípios da década de

90, que não havia ainda perspectiva suficientemente afastada sobre essa

segunda metade da centúria para que uma síntese crítica das suas produções

artísticas fosse sequer tentada. Naturalmente que é possível observar as

tentativas de enquadramento que o Estado Novo teimou em realizar, por

exemplo com a organização constante de exposições temporárias, quer

temáticas quer de autor56. Mas a actividade do país escapava de forma cada

vez mais evidente ao regime e em 1974 inicia-se, claramente, outro ciclo. A

abertura permitida pela ausência de censura, mesclada com a crise económica,

marcaram o mercado e a produção artística em Portugal na segunda metade

dessa década. Na seguinte, uma certa euforia motivada pela recuperação e

pela chegada a Portugal de influências diversas de formas de expressão

plástica não nacionais, animaram o panorama artístico português com

novidades constantes. No entanto, Vieira na pintura e Cutileiro na escultura

continuaram a marcar um lugar de destaque. Houve, ao longo dos anos 80,

uma nova geração de artistas pintores que afirmaram seiva nova nas artes

portuguesas; tal tendência em parte foi mantida nos anos 90. Mas falta de

55 José Augusto França, na obra acima citada, página 13, considera mesmo que a situação de Vieira da Silva é de tal forma à parte, que a sua obra não pode nem deve ser analisada enquadrada numa lição sobre as arte em Portugal no século XX.

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facto, neste capítulo como noutros da arte portuguesa contemporânea, tempo

para maturar uma análise crítica consequente.

Literatura

As tendências da viragem do século

O século XX literário português, de par com tantas outras formas de

expressão artística portuguesas deste período, conheceu fortes influências

estrangeiras, aliás na tradição do século anterior, que recebia a civilização, na

forma ácida de dizer de Eça de Queiroz, de França, via Sud-Express. De facto,

como vimos relativamente às artes plásticas, a permeabilidade do mundo

cultural português às influências das correntes em voga na Europa, era muito

grande. Desta forma o "parnasianismo", originariamente francês, teoria da arte

pela arte, do culto da musicalidade e do trabalho escultórico da língua que se

opunha, basicamente, ao romantismo humanitário, chegou tardiamente a

Portugal, emiscuindo-se no seio literário nacional a par com tendências

decadentistas e simbolistas (Gomes Leal, Gonçalves Crespo e António Feijó).

Guerra Junqueiro, por seu lado, lançava-se num misto de panfletarismo

anticlerical (A Velhice do Padre Eterno) e de nacionalismo romântico (Finis

Patriae) a que não eram alheios nem o clima contrário à religião católica nem a

ressaca do que havia sido o Ultimatum inglês e o sentimento republicano

crescente. Por outro lado, o surto de decadentismo, notório em Guilherme de

Azevedo, vinha-se afirmando, fundado em sentimentos de degeneração

nacional acentuada. Eugénio de Castro foi dos maiores representantes dessa

corrente decadentista, eivada já de simbolismo A revista A Arte foi o órgão

deste movimento simbolista, tendo em Camilo Pessanha o seu representante

maior. Cesário Verde, no rodar do século e associado tanto ao realismo quanto

ao parnasianismo, foi dos poetas que fecundamente contribuiu para a

renovação da língua portuguesa. Desenvolveu-se também no dealbar do

século XX literário em Portugal uma corrente regionalista, ligada a aspectos

56 Consulte-se, por exemplo, a rica colecção de catálogos disponível no arquivo do Museu do Chiado – Lisboa.

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folclóricos e pitorescos, de que se cita normalmente António Nobre como

exemplo significativo, apesar de este autor se encontrar também ligado ao

simbolismo e ao decadentismo.

Intrinsecamente relacionado com o sentimento de decadência da pátria,

uma corrente apodada de saudosista deu largas a uma visão metafísica, que

pretendia encontrar no conceito da saudade (sentimento dito exclusivamente

português e tema recorrente da lírica nacional) a essência espiritual do povo

português. O seu principal autor, Teixeira de Pascoaes, congregou autores

coevos em torno do movimento portuense que ficou conhecido como

"Renascença Portuguesa", e cujo órgão foi a revista A Águia (1910-1930).

Neste sentimento embarcou também Pessoa, exprimindo um misto complexo

de saudosismo, sebastianismo e espírito profético, porventura rebuscados em

raízes como o Bandarra ou António Vieira, e que desaguou de forma evidente

na sua Mensagem (1934).

O início do século conheceu várias publicações periódicas que

pretendiam estar na vanguarda dos movimentos literários; assim, A Águia; e

mais tarde a Seara Nova, em 1921, criada por um novo grupo formado em

parte por antigos colaboradores dessa primeira revista, que pretendia marcar

uma intervenção efectiva na vida portuguesa que o saudosismo, na opinião dos

seu promotores, não lograra conseguir. Estava neste grupo Aquilino Ribeiro,

um dos maiores prosadores da primeira metade do século, o qual apresentou

nas suas obras uma literatura de cunho regionalista.

Orpheu e Presença

O modernismo na literatura portuguesa conheceu um dos seus primeiros

momentos significativos com a publicação, em 1915, da revista literária

Orpheu. Não era ainda o grito futurista que se seguiria, mas era uma evidente

manifestação de vontade de sacudir, revirar, chocar, o pantanal em que os

seus promotores (Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada

Negreiros) viam embebido o horizonte literário português. Aliás, a função

provocatória da publicação era óbvia na pessoa de Almada, que vilipendiou o

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que entendia como símbolo desse academismo desinteressante com o seu

Manifesto anti-Dantas. Pessoa foi quem certamente mais ultrapassou de forma

individual e na produção literária a esfera do Orpheu. Tanto ortónimo quanto os

heterónimos marcaram o século XX português com uma variedade temática e

de estilos inigualável. Sá-Carneiro, que tombaria vítima do dramas internos de

personalidade que o levaram ao suicídio, recorreu a processos estilísticos

inovadores e revolucionários, evidência do seu marcado futurismo.

Foi, no entanto, necessário o eclodir de uma nova geração modernista,

associada á revista Presença (1927-1940) para impor no meio literário nacional

a geração de Orpheu que, apesar da revolução que levara a cabo, não havia

desfeito a hegemonia de tendências anteriores acentuadamente académicas.

Pela pena de José Régio, por exemplo, esta geração reclamava uma literatura

viva, capaz de assumir a individualidade do artista como valor maior,

recusando o peso excessivo da escola. Nesta afirmação, a revista foi de uma

verdadeira presença, de assinalável papel doutrinário, tendo o ensaio literário

aí tido lugar de forma afirmativa. Apesar de actuar à margem da Presença, um

dos vultos excepcionais da literatura deste período foi Vitorino Nemésio, de

origem açoreana e fortemente marcado por esse facto. A sua ausência do

grupo da Presença não significava, de modo algum, oposição. Nemésio foi

poeta e cronista, entrando pelos caminhos do romance e alcançando, mais

tarde, lugar inigualável até em programas televisionados.

Neo-realismo e surrealismo

Numa análise ligeira poder-se-ía tentar ver no neo-realismo o repescar

serôdio do que haviam sido o naturalismo e o realismo oitocentistas. No

entanto, a realidade socio-política que contribuiu para a produção desta

corrente era nova e exigia tratamento próprio. Assim, o neo-realismo surge em

Portugal marcado de forma intransigente por uma vontade de intervenção, pelo

escopo de fazer da literatura um poder actuante e não apenas descritor ou

registador. Um dos precursores deste movimento, que podemos observar nas

suas primeiras manifestações doutrinárias ainda nos anos 20 finais, foi Ferreira

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de Castro com os seus Emigrantes, em 1928, assumindo o tema dos menos

bafejados, dos miseráveis. Outros autores, já plenamente militantes no

movimento, foram Soeiro Pereira Gomes e Alves Redol, que usaram o

romance como meio, por excelência, de exposição dos conflitos sociais

emergentes ou ingentes. Fernando Namora embarcou também na corrente

neo-realista evoluindo depois por outras tendências, bem como Vergílio

Ferreira. O neo-realismo em Portugal teve na revista Vértice, o seu orgão por

excelência. Na década de 40 alguns movimentos de vanguarda, por exemplo

na poesia, foram-se afirmando, por vezes de maneira efémera; estiveram

associados a revistas de duração breve, que muitas vezes ultrapassavam os

obstáculo censórios exactamente pelo facto de serem de curta duração. Jorge

de Sena e Eugénio de Andrade devem ser referidos entre os autores que

marcaram estes movimentos.

António Pedro trouxe ao panorama literário português o surrealismo, que

chegou tardiamante ao palco nacional. A seu lado esteve também Alexandre

O'Neill, e não apenas na literatura, como Pedro. Mas, se no que respeita às

artes plásticas, o surrealismo mostrou alguma pujança, na literatura, apesar

dos artigos que Jorge de Sena publicou na Seara Nova, o surrealismo não

encontrou raízes perenes. Aliás, neo-realistas e surrealistas enfrentavam-se no

plano teórico de forma evidente.

Pós-guerra

As alterações verificadas com o fim da II Grande Guerra, também na

literatura portuguesa tiveram marca. Se a primeira metade do século tinha

ficado ainda assinalada por uma certa faceta de historicismo romântico, já no

momento subsequente ao conflito mundial as expressões literárias sofreram

alterações de monta. O teatro conheceu um impulso significativo com o eclodir

de grupos amadores e experimentais (por exemplo o Teatro Experimental do

Porto, 1953). Autores já conhecidos e reconhecidos exploraram a produção

teatral neste período (José Régio, Jorge de Sena, Luís de Sttau Monteiro e

Bernardo Santareno por exemplo). A influência estrangeira, uma vez mais se

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fez sentir, com a presença evocada do teatro de Brecht, o que expôs autores,

peças e companhias a uma actuação da censura com fins políticos

perfeitamente evidente. O Estado Novo pretendia manter o status quo, e para

tal julgava necessário coarctar certas expressões literárias que, de forma óbvia,

pretendiam mudar o mundo, ou, ao menos, despertar consciências.

Literatura na actualidade portuguesa

Muitos dos autores que foram já citados acima, permanecem em

produção, outros concluíram as suas vidas literárias há pouco. Não há, pois,

ainda distância suficiente para uma análise interpretativa completa e

abrangente, tanto mais que muitos percorreram caminhos diferentes das

tendências iniciais. Ainda assim, torna-se importante citar (apenas citar, sem

ensaio de crítica de qualquer espécie) alguns nomes. Dentre eles destacam-se

Augusto Abelaira, Alçada Baptista, Luísa Dacosta, Mário Cláudio, José

Saramago, Lídia Jorge e José Lobo Antunes. Ainda de referir que a literatura

portuguesa tem conhecido, especialmente depois de 1974, algumas

manifestações marginais, de vanguarda, aparentemente sem movimentos

organizados ou perenes.

Outras formas de expressão artística

Música Erudita

Na música erudita portuguesa, o neoclassicismo dos inícios do século

surgiu representado principalmente por Luís de Freitas Branco. A sua presença

como mestre de Joly Braga Santos fez com que essa faceta se notasse no

discípulo, já nos anos 40, quando Braga Santos surge como um dos mais

importantes compositores da sua geração. A actividade renovadora de Freitas

Branco, por seu lado, ficou marcada pelo empenho contrário ao amadorismo,

contribuindo, dessa forma, para, logo a partir da viragem do século, a

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afirmação de uma geração de compositores portugueses de elevado nível

técnico. Desde cedo, Luís de Freitas Branco avançou a determinação de não

seguir o trabalho de outros compositores coevos, excepto para se enquadrar

nos movimentos musicais do seu tempo, uma vez que tinha plena consciência

das características específicas da sua composição, em face da sua

meridionalidade portuguesa. No entanto, pesembora uma fase de associação

ideológica ao Integralismo Lusitano, neste início de século turbado em Portugal

por alterações políticas de monta, o seu percurso musical e ideológico – que

acaba por classificar certas vias então em voga como de nacionalismo

romântico e provinciano – vai aproximar-se do pensamento da Seara Nova,

para o que muito contribuiu António Sérgio. No início dos anos 20, com Viana

da Mota dirigindo o Conservatório, Luís de Freitas Branco assumiu a

sub-direcção e participou na sua fecunda remodelação; mais tarde, por meados

da década, deixado o Conservatório, dirigiu o Teatro S. Carlos: estava assim, à

frente do ensino e da execução da música erudita em Portugal uma orientação

que claramente pretendia conhecer e estudar as linhas europeias sem fazer

fenecer identidade própria.

O ambiente político português posterior ao golpe do 28 de Maio, também

na música virá a manifestar, precocemente, a sua presença: logo no início da

década de 30, Fernando Lopes Graça enquanto pretendia prestar provas no

Conservatório foi sujeito a prisão pela polícia política (a que se terá oposto o

júri, permitindo que as provas terminassem). Tal prisão nada tinha que ver com

aspectos musicais, mas sim com a alegada actividade política do jovem

músico. Aliás, a desconfiança do regime relativamente aos artistas que não

conseguia enquadrar revela-se em muitas facetas. Por exemplo na negação da

reforma do Conservatório, em que Freitas Branco havia trabalhado e

submetera em 1935, aspirando a uma cultura musical nacional de maior nível;

ou, de forma mais evidentemente política, quando no final da década de 30, o

regime o sujeita a um processo disciplinar em função de alegadas irreverências

religiosas proferidas nas aulas e o afasta do Conservatório.

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No panorama da composição musical portuguesa dos anos 40, a figura

que avulta é a de Joly Braga Santos, nesta fase (como acima referimos) ainda

muito próximo das lições neo-clásicas de Freitas Branco. Na viragem para os

anos 60, o estilo de Braga Santos assume renovadas direcções, sem no

entanto delir de forma absoluta as raízes estilísticas com que se iniciara. Por

outro lado, e como foi também observável em outros compositores

contemporâneos, a inspiração dos temas populares e folclóricos está também

presente na obra de Braga Santos (por exemplo na sua 4ª sinfonia). Esta

faceta esteve também em evidência em Frederico de Freitas, não apenas no

que respeita aos aspectos melódicos mas também no estudo das danças de

raiz folclórica. Nesta senda esteve também Lopes Graça, um dos vultos da

música erudita contemporânea portuguesa que mais se destacou pelo

inconformismo relativamente ao peso político exercido pelo Estado Novo sobre

as artes. Tal posicionamento granjeou-lhe, desde cedo, dissabores vários e

estadas na prisão. A sua opção pela recolha e estudo das raízes musicais

populares não deve ser vista sem essa tonalidade política que lhe era própria;

a recolha etnográfica e a utilização dessa recolha na sua obra criadora não

eram politicamente ingénuas, nem pretendiam passar por tal. Uma referência

ainda a Jorge Peixinho, eventualmente o único compositor português

verdadeira e indubitavelmente vanguardista da segunda metade do século, que

conheceu as realidades europeias da composição musical mercê de bolsas de

estudo que lhe permitiram viajar intensamente. As suas composições foram

acolhidas nos meios eruditos portugueses com uma mescla de estranheza e

apreço, pelo arrojo de que se revestiam num Portugal ainda, e apesar do

trabalho dos compositores acima citados e do clima político essencialmente

alterado, pouco decidido à novidade radical.

Uma breve nota de referência para os intérpretes portugueses de música

erudita, que, no século XX em território nacional e especialmente fora de

Portugal, foram reconhecidos pelo seu virtuosismo. Nessa lista,

necessariamente incompleta, avultam: José Viana da Mota, Sequeira Costa,

Maria João Pires, Adriano Jordão e Pedro Burmester (pianistas), Guilhermina

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Suggia (violoncelistas), Anabela Chaves (violetista) e Olga Pratts e Gerardo

Ribeiro (violinistas).

Cinema

O cinema em Portugal estreou em Lisboa, pela vontade de Aurélio Paz

dos Reis, ainda no século XIX, mesmo às portas da nova centúria (1896).

Passado o século, logo em 1904 se inaugurou a primeira sala de cinema,

chamada Salão Ideal, também em Lisboa. As primeiras experiências ocorreram

ainda nesta década, sendo de destacar a primeira tentativa de cinema sonoro

em 1907, pela mão de João Freire Correia. No início da década seguinte, o

primeiro filme com enredo de acção foi dirigido por João Tavares: Os Crimes

de Diogo Alves. Mas a primeira verdadeira geração de cineastas portugueses

foi iniciada por Leitão de Barros, e dela fazem parte, ainda para esta fase inicial

do século, Artur Duarte, António Lopes Ribeiro e Cottineli Telmo.

Volvidas as duas primeira décadas da centúria, entrou o cinema

português numa fase vulgarmente apodada de "idade de ouro", tanto pela

quantidade como pela qualidade de algumas das películas então rodadas. A

Canção de Lisboa, de 1933, foi um êxito pelo facto de ser sonoro e também

pela maneira como iniciou o ciclo da comédia cinematográfica. Foi ainda o

lançamento, aos olhos de um público cada vez mais vasto, de actores que se

imortalizaram na tela e que eram chamariz de mais e mais adeptos para o

espectáculo cinematográfico. A adaptação de temas populares e de clássicos

da literatura portuguesa foi talvez uma das razões mais fortes para a atenção

que o Estado Novo volveu sobre o cinema nacional, avaliando-lhe o potencial

propagandístico nessa fase ainda precoce do seu desenvolvimento. Como em

outras artes, também no cinema o Estado Novo cuidou de realizar estremado

esforço de enquadramento, trazendo a si e à sua actividade endoutrinadora um

meio de comunicação que se veio a revelar tão poderoso.

A década de 40 viu aumentado o número de realizações e de público,

dando inteira razão às previsões do Estado Novo. De facto, o Portugal

retratado nas fitas de então correspondia a um arquétipo gizado pelo regime. O

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cinema tinha um poder multiplicador de estereótipos como até então se não

vira. O ambiente Lisboeta, o fado e os bairros populares citadinos surgiam

como tema de eleição, mas outros cenários foram também usados e o Portugal

que surgia nas telas era também rural, agrícola, provinciano. No entanto, era a

comédia que mais atraía realizadores e público, e os grandes actores deste

período ficaram conhecidos exactamente pelas suas participações em

comédias celebradas e repetidamente visionadas. Uma nota de novidade, no

entanto, saiu das mãos de Manoel de Oliveira, que com o seu Aniki-Bóbó, de

1942, mostrou um Porto que normalmente não saía das barreiras físicas da

cidade, uma realidade quotidiana de muitos ignorada, tanto nos cenários

quanto nas vivências infantis e adultas. Independentemente das rótulos que

mais tarde lhe quiseram colocar (neo-realismo italiano avant la letre, ou

realismo francês de sabor serôdio) Aniki-Bóbó é de um palpitar emotivo

inegável e recorreu a técnicas inovadoras na procura dos efeitos desejados.

Mas a comédia dos anos 40 praticamente esgotou o manancial de

interesse que daí poderia vir. Na década seguinte assistiu-se a um declínio

desse tipo de fitas, enveredando os realizadores por formas devedoras do neo-

realismo, que os afastaram do grande público que havia feito o sucesso das

comédias anteriores. Se o estrangeiro olhava para Portugal procurando

descobrir o trinómio Lisboa/Fado/Amália, no cinema nacional dos finais dos

anos 50 e principalmente da década de 60 fazia-se sentir a presença da

Nouvelle Vague, com Jean Luc Godard a ser conhecido e comentado, ao

menos nos círculos eruditos. Esta nova vaga de cinema português pode ser

conhecida no paradigmático Verdes Anos que Paulo Rocha fez surgir em 1962;

também aí o som plangente da guitarra estava presente, mas nas mão de um

tal virtuoso (Carlos Paredes) que marcou o filme de forma iniludível e de tal

maneira que passadas décadas ainda se reconhece o trautear do tema

principal, mas já muito poucos se recordam, sequer, do título do filme. Foram

ainda os anos de intensa actividade de cine-clube, onde críticos, profissionais

ou amadores se reuniam para ver, especialmente, filmes proibidos pela

censura do Estado Novo. Cinematografia como a de Eisenstein, entre tantos

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outros proibidos mais ou menos recentes, era consumida de forma clandestina,

em salas semi-públicas ou em casas particulares, num desafio constante e

algumas vezes quase provocatório à ordem estabelecida pelo Estado Novo .

O final do regime censório, com 1974, trouxe dois fenómenos paradoxais

ao cinema português: por um lado, uma total liberdade de realização com

temas até então vedados a aparecerem nas telas pela mão de realizadores

portugueses, como José Fonseca e Costa, entre tantos outros; por outro, um

afastamento do público das salas onde havia cinema português com uma

deriva extremamente rápida para os filmes até então proibidos e onde tinham

papel de destaque os pornográficos. Algumas salas das grandes cidades

assistiram a este processo (o caso do célebre Sá da Bandeira no Porto), mas

mais notório foi nos Cine-Tetros que existiam em cada cidade de província,

onde um público fiel deixou de estar e onde se deixou de ver cinema

português. No meio erudito, para além da discussão teórica sobre o papel arte

ou espectáculo que o cinema deveria desempenhar, Manoel de Oliveira saiu

com o seu Amor de Perdição em 1976, que, para além das opiniões

divergentes da crítica, lhe granjeou fama nada lisonjeira junto do público em

geral.

Os anos 80 assistiram à consagração internacional de Manoel de

Oliveira sem que tal tivesse tido reflexos evidentes no público português. No

entanto, alguns outros trabalhos foram atraindo as atenções, como Kilas – o

mau da fita, de Fonseca e Costa, datado de 1981. Na mesma senda, mas com

sucesso incomparavelmente maior, foi O lugar do morto que Pedro

Vasconcelos deu ao público em 1984. Ao longo do resto da década, o interesse

pelas películas portuguesas em Portugal tendeu a aumentar paulatinamente,

havendo até alguns ensaios mais eruditos que penetraram num público

relativamente vasto.

Essa tendência acentuar-se-ía na década seguinte, com os prémios

internacionais a chamar a atenção do público nacional para o que o cinema

português estava a realizar. São os casos do Leão de Ouro do Festival de

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Veneza conquistado por João César Monteiro com Recordações da Casa

Amarela, em 1990, e o reconhecimento, no mesmo festival, da obra de Manoel

de Oliveira. A crescente presença de filmes portugueses nos vários prémios

internacionais, a par de um aumento de notoriedade interna dos seus

realizadores, veio trazer maior destaque e maior presença do cinema

português nas salas nacionais. Ainda assim, no final do século, a produção

nacional é ainda olhada com alguma desconfiança por parte de um público que

não superou o apodo erudito (ou pseudo-erudito) que o período dos anos 70

trouxe ao cinema nacional.

Arquitectura

A arquitectura portuguesa dos inícios do século não recebeu os impulsos

inovadores que podemos observar nas artes plásticas ou na literatura. O país

estava numa situação económica e financeira que dificilmente permitiria obras

públicas de grande envergadura, e as obras particulares pautaram-se por um

conservadorismo assaz regular. Apenas a cidade de Lisboa era

verdadeiramente uma grande cidade, estando as outras concentrações

urbanas nacionais francamente espartilhadas por um crescimento diminuto e

por uma carência financeira óbvia.

Ainda assim, no que respeita a projectos, houve nas duas décadas iniciais

do século alguma inovação, senão em termos de estética, pelo menos em

termos de planeamento e de projecto. No Porto, Marques da Silva projectou

duas obras de grandes dimensões (a estação de S. Bento e o Teatro de S.

João) e deixou o seu cunho nos projectos que realizou para várias moradias na

cidade. A Avenida dos Aliados deve-lhe também algum do espaço que

adquiriu. Já em Lisboa, se nota de forma mais evidente, ainda que tímida, a

presença de uma arquitectura modernista. Nos finais da década de 20

iniciou-se um esforço de modernização da cidade, de que se não conheciam

levantamentos desde o início da década anterior. A cidade necessitava, de

forma cada vez mais evidente, de intervenções de fundo, mas essas só

apareceriam, em termos de grandes obras públicas, com o Estado Novo e na

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Page 42: Arte Portuguesa do século XX · Portugal o século XX teve início apenas em 1910. De facto, o dealbar ... não menos é verdadeiro que o novo regime ... Não discutimos Deus; não

década seguinte. Algumas experiências isoladas foram realizadas pelos jovens

arquitectos de 20, nas exposições internacionais em que Portugal participou

(Cottineli e Ramos no Rio de Janeiro, logo em 22, por exemplo).

A década de 30 veio trazer um novo e vigoroso alento à arquitectura

portuguesa, especialmente no que respeita às encomendas de Estado. De

facto, o Estado Novo tomava em mãos a obra de modernizar, rasgar novos

espaços, edificar em grandeza e em estilo de propaganda. A situação

financeira equilibrada permitia ao Estado Novo gastar em obras públicas, e as

fachadas dos edifícios deveriam corresponder a uma visão ampla, grandiosa e

anunciadora dos dez anos de prosperidade que Salazar esperava, após dez

anos de reconstrução. Desta forma, as linhas de uma arquitectura moderna

marcada pela mão do Estado haveriam de fazer a sua entrada em Portugal,

para perdurar até à actualidade.

À frente dos destinos da obras públicas em Portugal colocou Salazar

Duarte Pacheco. A partir de 1932, este engenheiro com funções de ministro

gizou e mandou executar projectos viários e urbanos e encontrou em alguns

arquitectos portugueses projectistas que corresponderam aos seus planos.

Logo no início da década, Carlos Ramos assina o projecto para o Liceu D.

Filipa de Lencastre, que, de par com tantos outros projectos de Liceus

nacionais, marcava um desejo de espaço, de ordenação dos volumes, de

apego a linhas modernas e funcionais. Na mesma toada projectou para Lisboa

o Pavilhão da Rádio, cujas fachadas evocam as produções de arquitectos

europeus coevos, como Gropius por exemplo. De forma ainda mais evidente e

ostentatória, Pardal Monteiro projecta o Instituto Superior Técnico de Lisboa,

que haveria de concluir em meados dos anos 30, e onde deposita os

ensinamentos da arquitectura da Italiana de Moussolini, que visitara. O mesmo

estilo se pode observar no seu projecto para a Cidade Universitária. De outro

cariz é a sua Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, que projectou já

para os finais dos anos 30, e onde a modernidade das linhas rompe com o

classicismo que era apanágio das edificações do sagrado. Cristino da Silva, por

seu lado, com os projectos do Teatro Capitólio e da Praça do Areeiro, entre

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outros de sua mão, avança também com opções estéticas e volumétricas

arrojadas, tanto no que respeita à planificação urbana, quanto no que concerne

aos interiores.

Cassiano Branco, numa linha que não se afasta substancialmente do que

vem sendo descrito, interveio com os seus projectos do Teatro Eden e do

Coliseu do Porto, mas terá sido o Portugal do Pequenitos, em Coimbra, que

verdadeiramente o tornou conhecido e citado. Este jardim merece uma análise

mais particular, uma vez que aí encontramos dois aspecto essenciais da

arquitectura e da política monumental do Estado Novo; por um lado a

importância dada aos monumentos nacionais e, por outro, a invenção de uma

tradição que se chamará Casa Portuguesa, para a qual, aliás, Raul Lino muito

haveria de contribuir57. No Portugal dos Pequenitos encontram-se miniaturas

dos principais tipos de casa popular portuguesa, rapsódias de monumentos da

metrópole mas não só: a entrada faz-se por uma área dedicada aos espaços

ultramarinos, onde existem pavilhões específicos de cada um dos territórios de

além-mar, recheados de fotografias, artefactos, mapas, informações. A

passagem desta área para a relativa a Portugal continental faz-se passando

por um planisfério que mostra rotas e territórios das Descobertas. Apenas

depois se tem acesso ao Portugal continental miniaturizado. Nessa parte, por

zonas geográficas, aparecem os principais monumentos portugueses e uma

longa série de casas de arquitectura popular miniaturizadas. As crianças

entram e saem das pequenas casas, espreitam às janelas e sobem escadas do

seu tamanho; visitam as salinas de Aveiro e as casas alentejanas; observam

um moinho na beira de um rio fingido e passeiam entre animais de criação

doméstica existentes por todo o país. Todo o Portugal de arquitectura popular

está presente, numa rapsódia que oferece a ideia implícita de que há uma casa

portuguesa. Esta imagem colhia junto da política edificadora do Estado Novo,

que pretendia ver nas grandes obras públicas uma arquitectura moderna e

57 As intervenções de Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira e Fernando Galhano são de outra natureza, apesar de terem também contribuído para a construção teórica desse conceito. Ver OLIVEIRA, E. V. de e GALHANO, F. - Arquitectura

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ostensiva e nas casas populares os traços de uma etnicidade afirmada e

defendida.

Estes dois processos vão desaguar no que se realizou em termos

arquitectónicos, quer definitivos quer provisórios, para a Grande Exposição do

Mundo Português de 1940. Aliás, no que respeita à arquitectura de pavilhões

provisórios, já havia sido realizado um ensaio de sucesso, em 1937, quando

Keil do Amaral projectou o pavilhão português da Exposição Internacional de

Paris, tendo inclusivamente ganho um prémio por essa obra. Em 1940, toda a

área de Belém sofreu intervenção, edificando-se um conjunto muito vasto de

pavilhões, onde colaboraram vários arquitectos (entre os quais Cristino da

Silva) sob o projecto de Cottineli Telmo (um desses pavilhões haveria de

subsistir até à actualidade, albergando o Museu de Arte Popular) e dois

conjuntos etnográficos: num extremo, as aldeias portuguesas, que em tamanho

real recriavam os ambientes rurais de Portugal Continental; noutro extremo a

Secção Colonial (que esteve a cargo de Cassiano Branco) e que pretendia

representar o Império Colonial, nas suas construções, animais e habitantes

nativos. A Grande Exposição do Mundo Português foi um vértice interessante

da produção artística do Estado Novo, onde concorreram pintores, escultores,

arquitectos, cineastas e fotógrafos, tanto na preparação como no registo do

evento.

Ainda para a década de 30 final, inícios da de 40, é devida uma palavra

de referência a Viana de Lima que deixou uma obra notável, especialmente

pela modernidade de algumas formas. Nesse caso está uma célebre vivenda

projectada para a rua Honório de Lima, no Porto, com linhas que a aproximam

das soluções projectadas por Rietveld, mais de uma década antes. Essa

vivenda, na voragem da especulação imobiliária que atravessou Portugal nos

anos 80 e 90, foi demolida estando em seu lugar um incaracterístico edifício de

alguns andares. Como observação marginal, não deixamos também de

Tradicional Portuguesa, Lisboa, Pub. D. Quixote, 1992 e OLIVEIRA, E.V. de, GALHANO, F. e PEREIRA, B. - Construções Primitivas em Portugal, Lisboa, Pub. D. Quixote, 1988.

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registar, para o ano de 1940, a execução do projecto de Paulino Montez para o

Museu José Malhoa nas Caldas da Rainha. Tal projecto e respectiva execução

marcam na história da arquitectura portuguesa um momento importante, uma

vez que se havia projectado e realizado de raiz um edifício especialmente

destinado a uma colecção museológica de arte. O edifício seguia a lição do

projecto teórico do museu de Dresden de Algarotti, e, apesar de ter vindo a ser

ritmadamente alterado e aumentado, permite ainda perceber o projecto original.

A sua construção deveu-se, antes de mais, a um momento político especial,

1940, com o Estado Novo a desembolsar verbas consideráveis na preparação

do país para as comemorações nacionalistas.

As décadas de 40 e seguintes não foram o engrandecimento que Salazar

previra. Pelo contrário, a II Guerra Mundial, as dificuldades do pós-guerra, as

crescentes complicações coloniais no início dos anos 60 e finalmente os

choques petrolíferos não haveriam de deixar nenhuma brecha para que o

Estado Novo pudesse novamente gozar uma grandiosidade como a que tinha

conhecido na década de 30. Disso se ressentiu necessariamente a política de

obras públicas levada a cabo. Também foi o encerrar de uma época no que

respeita à direcção definida por Duarte Pacheco, que desaparecerá de cena

vitimado por acidente de automóvel, mas que desapareceria de qualquer modo,

vitimado pela mudança, necessária, de política.

A partir de meados dos anos 40, uma nova geração de arquitectos, de

que Fernando Távora se fez porta-voz, pretendia trazer a Portugal correntes

modernas da arquitectura e refazer, de raiz, muito do que se defendia em

Portugal em termos de projecto e edificação. Nos finais da década, aquando do

I Congresso Nacional de Arquitectura, ouviram-se as vozes dos mais velhos, a

geração que acima fomos identificando, mas também algumas vozes mais

jovens (entre as quais ainda Keil Amaral e Viana, que também já referimos). No

entanto, o tom geral do Congresso foi tudo menos revolucionário. As ideias da

pureza tradicional da arquitectura portuguesa, e outras teses análogas

estiveram em cima da mesa de forma evidente. Uma outra conclusão, essa

mais rejuvenescedora, prendia-se com a necessidade de uma remodelação do

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Page 46: Arte Portuguesa do século XX · Portugal o século XX teve início apenas em 1910. De facto, o dealbar ... não menos é verdadeiro que o novo regime ... Não discutimos Deus; não

ensino da arquitectura e de uma perspectiva urbanista entendida como

necessária. Deste Congresso saiu ainda uma outra ideia, que se executaria

apenas no voltar da década seguinte: um Inquérito à Arquitectura Tradicional

Portuguesa, que desmistificasse a visão romântica e nacionalista até então

empregue.

Em Lisboa, a pressão urbanística produzia dois efeitos principais: edifícios

de dimensões consideráveis dentro da cidade (por exemplo nas Avenidas

como a dos Estado Unidos da América, por meados do anos 50) e ocupação

de áreas ainda livres de habitação nos arredores da cidade (por exemplo os

Olivais, para onde se realiza plano no virar da década). Lisboa acentuava o

papel de única verdadeiramente grande cidade do país, tanto em termos do

número de habitantes quanto em termos de urbanismo. É verdade que o Porto

crescera também significativamente o seu número de habitantes – andaria

pelos trezentos mil em 1960 – e não seria menos verdade, pelo contrário, que a

escola de arquitectura do Porto tendia a lançar as bases de uma afirmação que

floresceria anos mais tarde. Mas a cidade era, ainda, muito pequena. Note-se,

no entanto, entre outras, uma experiência que perdurou na cidade de forma

significativa: demolido o antigo palácio de cristal, cuja despesa de manutenção

nem a edilidade nem particulares foram capazes de manter, ocupou-se o

espaço por meados do anos 50 com um edifício em betão, o Pavilhão dos

Desportos (que o povo do Porto teima em chamar Palácio de Cristal). Tal obra

era de uma novidade estrutural interessante para a cidade. Os anos 50 ficam

ainda marcados por uma série de obras públicas algo isoladas mas marcantes:

os Palácios da Justiça, fazendo ainda gala de manter a estética monumental do

Estado Novo, espalharam-se por todo o país. Fernando Távora, já no final da

década, tem uma intervenção fulgurante com o Mercado de Vila da Feira.

Ainda nos anos 50, Álvaro Siza Vieira, inicialmente no atlier de Távora,

começa a sua actividade projectista, que o viria a tornar conhecido

mundialmente. Este é um arquitecto singular, mas a sua actividade é símbolo

daquilo a que se começou a convencionar chamar a "escola do Porto", de onde

saíram arquitectos significativos no plano nacional e internacional. Uma última,

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Page 47: Arte Portuguesa do século XX · Portugal o século XX teve início apenas em 1910. De facto, o dealbar ... não menos é verdadeiro que o novo regime ... Não discutimos Deus; não

e breve, referência para a entrada do pós-modernismo na arquitectura

portuguesa, pela mão de Tomás Taveira. Tendo estagiado nos EUA, Taveira

trouxe as formas e as cores do pós-modernismo para o ambiente

revolucionário mas intrinsecamente conservador dos anos 70 em Portugal, e

criou com isso uma polémica estética de forte pendor emocional. O seu edifício

das Amoreiras, em Lisboa, e outros que se seguiram, atraíram ódios e amores

que trouxeram para a discussão não-erudita as opções da arquitectura e do

urbanismo.

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Listagem de artistas referidos no texto, per ordem alfabética:

Abelaira, Augusto José de Freitas (1926-). Natural de Ançã,

Cantanhede, licenciado em ciências histórico-filosóficas pela Faculdade de

Letras da Universidade de Lisboa. Foi professor e, posteriormente, como

jornalista, director das revistas Seara Nova e Vida Mundial. Exerceu também o

cargo de presidente da Associação Portuguesa de Escritores. Abraçou o neo-

realismo. Augusto Abelaira conta, entre os poetas e pensadores que mais o

influenciaram, os nomes de Fernando Pessoa, António Sérgio, Montaigne e

Tolstoi.

Afonso, Nadir (1920-). Natural de Chaves. Formou-se em Arquitectura

na Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Prosseguiu estudos em Paris, e

colaborou com Le Corbusier (1948-1951) e com Óscar Niemeyer (1952-1954).

Participou em inúmeras exposições, como por exemplo as Bienais de São

Paulo de 1961 e de 1969. Recebeu o Prémio Nacional de Arte (1967), o Prémio

Sousa Cardoso (1969), o Prémio da Crítica (1972) e a Medalha de Ouro da Vila

de Chaves (1982). A sua pintura, de cariz geométrico, é frequentemente

resultado da abstracção e depuração de conjuntos arquitectónicos urbanos.

Almeida, Leopoldo Neves de (1898-1975) Natural de Lisboa. Estudou

na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, onde foi professor de desenho e

escultura. Participou na Exposição do Mundo Português (1940) com o Padrão

dos Descobrimentos, obra realizada segundo o projecto de Cotinelli Telmo. É

considerado um dos artistas oficiais do Estado Novo. Entre as suas obras mais

significativas contam-se a estátua equestre de D. João I (na Praça da Figueira,

em Lisboa), a estátua equestre de D. Nuno Álvares Pereira (junto ao mosteiro

da Batalha). Em 1940 foi-lhe atribuído o Prémio Soares dos Reis.

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Amaral, Francisco Keil do (1910-1975). Arquitecto português, natural de

Lisboa. Formou-se em arquitectura na Escola Nacional de Belas-Artes de

Lisboa. Dedicou-se à criação e recuperação de jardins públicos e parques de

Lisboa, enquanto arquitecto da Câmara Municipal. São da sua autoria alguns

edifícios do Parque de Monsanto (como o restaurante de Montes Claros) e do

aeroporto de Lisboa. Recebeu a medalha de ouro da Exposição Internacional

de Paris, de 1937, com o seu Pavilhão de Portugal.

Andrade, Eugénio de (pseudónimo de José Fontainhas) (1923-). Natural do Fundão. Viajou para Lisboa aos 9 anos e aí permaneceu até aos

vinte, altura em que partiu para o Porto. Abandonou a ideia de um curso de

filosofia para se dedicar à poesia e à escrita. Camilo Pessanha foi forte

influência do jovem poeta que, sem filiação em qualquer corrente literária,

muito conviveu com neo-realistas. Foi galardoado com o prémio de poesia

(APE) e o prémio de poesia Jean Malrieu. Recebeu, em 1996, o Prémio

Europeu de Poesia.

António Dacosta (1914-1990). Natural de Angra do Heroísmo. Estudou

em Lisboa, na Escola Superior de Belas-Artes e, também, em Paris, onde

acabou por se fixar em 1947 e acabaria por viver até à morte. Participou em

várias exposições internacionais mas, a partir da década de 1950, passou a

dedicar-se, sobretudo, à crítica literária.

António, Lauro (1942-). Natural de Lisboa, licenciou-se em história pela

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi director de revistas, crítico

cinematográfico e cineclubista. Dirigiu Manhã Submersa (1981), a partir do

romance homónimo de Virgílio Ferreira.

Baptista, António Alçada (1927-). Licenciado em direito pela

Universidade de Lisboa em 1950; responsável pela livraria Moraes Editora e,

em 1963, fundador da revista O Tempo e o Modo, onde colaboraram Mário

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Soares e José Cardoso Pires. Entre 1971 e 1974, foi assessor para a cultura

do ministro Veiga Simão. Dirigiu os jornais O Dia e Edição Especial. Ligado ao

movimento personalista francês e ao espiritualismo de raiz cristã, a sua obra

reflecte preocupações centradas na relação do homem com o mundo. É

membro da Academia Internacional da Cultura Portuguesa. É autor de ensaios,

memórias, crónicas e ficção.

Barradas, Jorge Nicholson Moore (1894-1971) Natural de Lisboa.

Frequentou a Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa e pertenceu à primeira

geração dos modernistas portugueses. Nos anos 20, distinguiu-se como o mais

popular ilustrador lisboeta, colaborando com jornais e revistas, em particular O

Sempre Fixe. Participou na decoração do Bristol Club (1925) e executou duas

telas para o café Brasileira, no Chiado. Estreou-se como ceramista em 1945.

Na 1.a Exposição de Cerâmica Moderna (1949), obteve o Prémio Sebastião de

Almeida. Na arte da azulejaria realizou figuras isoladas e painéis. A última fase

da sua pintura é marcada pela viragem para uma tendência surrealista.

Barros, José Júlio Marques Leitão de (1896-1967). Pintor, cineasta e

jornalista português, natural de Lisboa. Estudou na Escola de Belas-Artes,

frequentou a Escola Superior de Letras, a Faculdade de Ciências, a Escola

Normal Superior de Lisboa e foi professor do ensino secundário. Entre 1934 e

1935, organizou em Lisboa os cortejos históricos das festas da cidade. Foi o

secretário-geral da Exposição do Mundo Português (1940). A ele se devem os

primeiros prémios (Bienal de Veneza) da cinematografia portuguesa.

Bessa-Luís, Agustina (1922-). Natural de Amarante. Estreou-se, em

1948, com o romance Mundo Fechado. Residiu no Porto desde 1950, ocupou o

cargo de directora do Teatro Nacional D. Maria II (Lisboa) e fez parte da Alta

Autoridade para a Comunicação Social. É uma das mais importantes

romancistas portuguesas. Recebeu o Prémio Nacional de Novelística (1967) e

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o Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de

Críticos Literários (1992), ambos pelo conjunto da sua obra.

Botelho, Carlos (1899-1982) Natural de Lisboa, com estudos feitos em

Lisboa e Paris. Participou na I Exposição da União Nacional (1934) e decorou o

interior do pavilhão português da Exposição Internacional de Paris (1937).

Premiado em Portugal e no estrangeiro, recebeu os prémios Sousa Cardoso

(1938), Columbano (1940), Grand Prix da Exposição Internacional de Paris

(1937) e da Exposição Internacional de San Francisco (1939).

Branco, Cassiano (1898-1969). Arquitecto modernista português.

Formou-se na Escola Nacional de Belas-Artes de Lisboa em 1926 e tornou-se

um dos nomes mais marcantes da arquitectura nacional das décadas de 30 e

40. Foi responsável pelo Eden Teatro e pelas Avenidas Novas, em Lisboa, pelo

Coliseu do Porto, pelo Portugal dos Pequeninos, em Coimbra, e pela estação

ferroviária de Benguela, em Angola. Esteve responsável pelo projecto da

Secção Colonial da Grande Exposição do Mundo Português (1940). Em

colaboração com Trigo de Morais, foi ainda autor dos projectos de várias

barragens.

Branco, João de Freitas (1922-1989). Musicólogo, ensaísta e crítico

musical português, filho de Luís de Freitas Branco. Frequentou o curso de

matemática da Faculdade de Ciências de Lisboa e o curso superior de piano do

Conservatório Nacional, onde veio a leccionar. Foi director do Teatro Nacional

de São Carlos (1970-1974), professor de cursos musicais na Fundação

Calouste Gulbenkian, presidente da Fédération Internationale des Jeunesses

Musicales e secretário de estado da cultura (1974-1975).

Branco, Luís de Freitas (1890-1955). Compositor e musicólogo

português. O seu talento e interesse pela música surgiram de forma e

conhecem-se composições suas feitas cerca dos nove anos de idade. Em 1910

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partiu para o estrangeiro, onde estudou durante cinco anos. Iniciou uma

carreira como professor no Conservatório Nacional de Lisboa em 1916. Foi

fundador e director da revista Arte Musical e director da Gazeta Musical, tendo

ainda dirigido a Academia dos Amadores de Música. Compôs música coral

sinfónica, para orquestra de câmara e para piano e órgão. A suas masi antigas

e principais influências estilísticas foram o impressionismo e expressionismo,

tendo depois desenvolvido tendências neoclássicas.

Canto, Jorge Brum do (1910-1994). Cineasta e crítico de cinema.

Iniciou o curso de direito na Universidade de Lisboa, mas em 1927 passou a

dedicar-se à crítica cinematográfica, tendo colaborado com O Século, Cinéfilo,

Imagem, Kino, entre outras publicações. Dirigiu vários documentários (1932-

1934). O seu lançamento definitivo aconteceu em 1938, com Canção da Terra,

considerado a primeira manifestação neo-realista do cinema português.

Cardoso, Amadeo de Souza (1887-1918) Natural de Manhufe

(Amarante). Ingressou na Escola de Belas-Artes de Lisboa (1905) para estudar

arquitectura. Abandonou o curso no ano seguinte. Seguiu partiu para Paris,

onde se instalou. Iniciou-se na caricatura, mas o seu trabalho denotava uma

sofisticação formal que o identificava à parte dos humoristas portugueses

coevos. Conviveu com o pintor Amedeo Modigliani com quem realizou uma

exposição (1911); nesse ano participou Salão dos Independentes. Esteve

presente no Armory Show, exposição realizada em Nova Iorque, Boston e

Chicago, englobando trezentos artistas europeus. A partir de 1912 experimenta

várias tendências: esquematismo volumétrico, abstraccionismo geométrico,

técnica pontilhista. Expôe em Londres e em Berlim e regressa a Portugal onde

expõe também (Lisboa, 1917).

Cargaleiro, Manuel Alves (1927-). Pintor, gravador, ceramista e

ilustrador português. Frequentou a Faculdade de Ciências de Lisboa, que

abandonou para se dedicar às artes plásticas. Ingressou na Escola Superior de

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Belas-Artes de Lisboa, viajando por Itália e França, onde efectuou estágios em

cerâmica. Iniciou a sua actividade artística, sob a orientação de Jorge

Barradas, como ceramista, estreando-se no primeiro salão de cerâmica

moderna (1949). Galardoado com o prémio nacional de cerâmica (1954)

efectuou painéis cerâmicos para edifícios públicos e ilustrou livros de poesia,

Entre 1954 e 1957, foi professor de cerâmica na Escola António Arroio

(Lisboa). Instalou-se em Paris (1957) com uma bolsa da Fundação Gulbenkian,

passando a dedicar-se quase exclusivamente à pintura. Recebeu o Diplôme

d’Honneur de l’Académie Internationale de la Céramique (Cannes, 1955) e o

primeiro prémio do concurso de cerâmica para a Cidade Universitária; foi

agraciado com a ordem da Cruz de Sant’Iago de Espada (1982) e com o grau

de Officier des Arts et des Lettres (França, 1984).

Carneiro, António Teixeira (1872-1939) Natural de Amarante. Estudou

na Academia Portuense de Belas-Artes e na Academia Julien, em Paris. O seu

trabalho dos finais do século XIX, inícios do XX enquadra-se no simbolismo.

Produziu inúmeros retratos de figuras da época bem como pinturas de

paisagens (os trabalhos sobre a região de Leça da Palmeira, que frequentou

entre 1906 e 1915 ou as telas da Figueira da Foz, de 1921, já com algum peso

expressionista). Esteve ligado à revista A Águia (director artístico 1910-1932), e

foi nomeado professor de desenho de estátua e modelo vivo da Escola

Superior de Belas-Artes do Porto em 1918.

Carvalhais, José Herculano Stuart Torres de Almeida (1887-1961) Natural de Vila Real. Aluno de Jorge Colaço, estreou-se no Século Cómico em

1906. Passou a editor de A Sátira, em 1911, tendo sido responsável pelo

projecto de uma sociedade de humoristas portugueses, que fez com que se

apresentassem três salões de exposição em Lisboa, onde se viram

representados os artistas pertencentes à primeira geração de modernistas

portugueses. Foi para Paris em 1912, onde se fixou durante um ano, tendo

privado com Amadeo de Souza Cardoso e Almada Negreiros . Expôs

individualmente uma única vez no Salão da Casa da Imprensa (1932). Nos

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seus desenhos, predominam os temas rústicos e tipos tradicionais lisboetas.

Foi o autor da primeira banda desenhada portuguesa, «As Aventuras do Quim

e do Manecas» (1915), publicada no Século Cómico. Em 1949, recebeu o

Prémio Domingos Sequeira.

Castro, Eugénio de (1869-1944). Natural de Coimbra, formou-se em

letras na Universidade de Coimbra. Iniciou a publicação de obras de poesia em

1884. Três anos mais tarde, foi colaborador do jornal O Dia. Eugénio de Castro

ficou conhecido, sobretudo, como introdutor do simbolismo em Portugal. Após

uma estadia em França, publicou algumas obras que pretendiam revolucionar,

do ponto de vista formal, a poesia portuguesa. Estas primeiras obras

suscitaram viva polémica, o que ajudou à difusão do simbolismo decadentista

em Portugal.

Castro, José Maria Ferreira de (1898-1974). Escritor português.

Emigrou para o Brasil aos 12 anos, experiência que serviria ao seu mais

famoso romance, A Selva (1930). Em 1919 regressou a Lisboa onde fundou a

revista A Hora (1922) e o magazine Civilização (1928). A sua publicação de

Emigrantes marca a transição em direcção ao neo-realismo. Nesta obra, o

autor debruça-se sobre questões sociais e humanitárias de um grupo

desfavorecido a que ele próprio pertencera.

Cláudio, Mário (Pseudónimo de Rui Manuel Pinto Barbot Costa) (1941-). Natural do Porto. Licenciado em direito pela Universidade de Coimbra,

fez ainda o curso de bibliotecário-arquivista e é Master of Arts pela

Universidade de Londres. Tem colaborado em diversas publicações periódicas.

A sua escrita é densa e complexa; algumas das suas obras, de fundo histórico

ou biográfico, caracterizam-se por uma grande riqueza imaginativa.

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Coelho, Ruy (1892-1986). Compositor português, natural de Alcácer do

Sal. Fez os seus estudos no Conservatório Nacional de Lisboa e em Berlim

(1909-1914) trabalhando com Humperdinck, Max Bende e Schönberg. Iniciou o

bailado português com A Princesa dos Sapatos de Ferro (1918), com

argumento de António Ferro. Obteve o 1º Prémio do Concurso Nacional de

Madrid, com a ópera Belkiss (1924). Foi autor de uma longa obra de música

dramática, sinfónica, coral-sinfónica, vocal e de piano e surge associado à

ópera de características acentuadamente portuguesas. Compositor de grandes

recursos no plano melódico, exerceu crítica musical e foi, também, maestro.

Correia, João Freire (1881-1929). Fotógrafo português, natural de

Lisboa. Nome prestigiado na fotografia, foi pioneiro na produção de cinema em

Portugal. Foi o fundador da Portugália Filme.

Costa, José Fonseca e (1933-). Cineasta português de origem

angolana. Frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Em

1957 foi preso pela PIDE. Partiu para Itália, onde foi assistente de Antonioni em

O Eclipse. Regressou a Portugal e foi preso (1961) em função da sua filiação

no partido comunista, que viria a abandonar mais tarde. Na segunda metade

dos anos 60 dirigiu curtas-metragens publicitárias e filmes documentais,

regressando a Angola para a realização de Regresso à Terra do Sol. Foi crítico

de cinema nas revistas Imagem e Seara Nova.

Costa, Luís (1879-1960). Pianista e compositor português, natural de

Farelães, Barcelos. Casado com a pianista Leonilde Moreira e Sá, foi pai da

violoncelista Madalena de Sá Costa e da pianista Maria Helena Moreira de Sá

e Costa. Estudou no Porto, onde foi aluno de Moreira e Sá (pai), e na

Alemanha. Leccionou no Conservatório do Porto. Foi director do Orfeão

Portuense a partir de 1924. Dedicou-se à composição, concebeu obras como

Os Poemas do Monte, Telas Campesinas e, Fantasia.

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Cruz, Ivo (1901-1985). Maestro e compositor português, de origem

brasileira. Estudou direito na Universidade de Lisboa (1924), e fez cinco anos

de estudos musicais na Alemanha. Em 1931, já em Portugal, fundou a

sociedade coral Duarte Lobo e, posteriormente, a Orquestra de Câmara de

Lisboa e a Orquestra Filarmónica de Lisboa. Deu grande impulso ao estudo e

divulgação da música antiga portuguesa, e à execução de obras corais-

sinfónicas, como a Paixão Segundo São Mateus e a Paixão Segundo São

João, de J. S. Bach. Foi nomeado director do Conservatório Nacional em 1938.

Compôs diversas obras para orquestra e para piano.

Cutileiro, João (1937-). Natural de Lisboa. Estudou na Escola Superior

de Belas-Artes de Lisboa e na Slade School de Londres (1955-59), onde

recebeu o prémio atribuído por essa escola. Foi assistente de Reg Butter até

1970. Recorrendo à articulação e justaposição de elementos em esculturas de

grande porte, inaugurou nos anos 60 novas temáticas, com figuras de

guerreiros, pares de apaixonados, elementos naturais transfigurados em

formas antropomórficas e corpos femininos, constantes ao longo do seu

trabalho posterior. Em 1975, a partir dos desperdícios de mármore de outras

peças, o escultor viria a criar trabalhos utilizando a técnica do mosaico.

Duarte, Artur de Jesus Pinto Pacheco (1895-1982). Natural de Lisboa.

Fez estudos de teatro no Conservatório. Foi alternando entre o teatro e o

cinema, até que, em 1934, passou para a realização como primeiro assistente

de António Lopes Ribeiro no filme Gado Bravo. Dirigiu o seu primeiro filme, Os

Fidalgos da Casa Mourisca, em 1938. Notabilizou-se posteriormente como

mestre da comédia, num conjunto de filmes tendo como cenário bairros

lisboetas, (O Costa do Castelo, 1943; A Menina da Rádio, 1944; O Leão da

Estrela, 1946 e O Grande Elias, 1950).

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Eloy, Mário (1900-1951) Natural de Lisboa. Estudou em Lisboa, na

Escola Superior de Belas-Artes, em Madrid (1920), em Paris (1924-1927) e em

Berlim, onde permaneceu até 1932. Foi significativa a sua presença na

segunda geração de modernistas portugueses. Foi influenciado pelo

expressionismo alemão, numa fase posterior à sua passagem por Paris e pelo

período neoclássico de Picasso. Obteve o Prémio Sousa Cardoso em 1935. O

seu temperamento desequilibrado levou ao internamento na Casa de Saúde do

Telhal em 1945.

Faria, Manuel Ferreira de (1916-1983). Compositor português, natural

de São Miguel de Ceide. Tornou-se sacerdote em 1939 e cursou música em

Roma, no Pontifício Instituto de Música Sacra, obtendo, em 1942, a licenciatura

em canto gregoriano e, em 1944, o título de maestro em composição. Formou-

se também no Conservatório Nacional de Música de Lisboa. Como compositor,

tornou-se um dos valores da música portuguesa criando música sacra, profana,

coral, pianística e sinfónica. Deixou mais de meio milhar composições (entre

trabalhos originais e arranjos) e diversas obras literárias.

Ferreira, Vergílio (1916-1996). Natural de Melo (Gouveia). Aos dez

anos de idade, ingressou no seminário do Fundão, que abandonou em 1932.

Estudou filologia clássica em Coimbra, exercendo a partir de 1959 a profissão

de professor do ensino secundário. Inicialmente ligado ao neo-realismo,

acabou por se desligar deste movimento literário, evoluindo a sua obra no

sentido de um existencialismo e de um humanismo. Ganhou, entre outros, o

Prémio do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários

(1985, conjunto da obra), o Prémio Fémina (1990), o Prémio Europália (1991) e

o Prémio Camões (1992).

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Ferro, António Joaquim Tavares (1895-1956). Jornalista e político

português. Foi editor da revista Orpheu (1915). Dirigiu a Ilustração Portuguesa

e fundou a Panorama. Foi nomeado (1933) director do Secretariado da

Propaganda Nacional (Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e

Turismo a partir de 1944). Foi comissário-geral das exposições internacionais

de Paris (1935) e de Nova Iorque (1938), fundador do Museu de Arte Popular,

do Grupo de Bailado Verde Gaio e presidente da Emissora Nacional (1941). A

partir de 1950, foi ministro de Portugal na Suíça e em Itália. As entrevistas que

fez a Salazar, publicadas em 1933, e que o catapultaram para o primeiro plano

da vida política nacional, foram a sua obra de maior êxito.

Feyo, Salvador Carvão de Eça Barata (1902-1990) Natural de

Moçâmedes. Fez estudos na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa em

1929. Fornou-se em Itália com uma bolsa atribuída pelo estado (1933), e foi

professor de escultura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto desde 1949.

Aí passou a subdirector em 1958. Esteve na direcção do Museu Nacional de

Soares dos Reis entre 1950 e 1960. Expôs no I Salão dos Independentes em

1930 e nas exposições de arte moderna do SNI. Apresentou trabalhos na

Exposição de Arte Sacra Moderna (1949), colaborou na Exposição do Mundo

Português (1940). A sua obra esteve submetida à pressão da encomenda

pública, comemorativa do nacionalismo

Fraga, Augusto (1910-). Jornalista e cineasta português, nascido em

Lisboa. Foi redactor do jornal O Século e colaborou em diversas publicações

especializadas em cinema, como as revistas Imagem, Animatógrafo e Cinéfilo.

Foi realizador do primeiro filme português a cores, Sangue Toureiro (1958), e

obteve o Grande Prémio do SNI com o filme Raça (1961).

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Franco, Francisco (1885-1955) Natural do Funchal e irmão do pintor

Henrique Franco. Fez os seus estudos na Academia de Belas-Artes de Lisboa

(1900-1909), em Paris (1909-1914 e 1919-1922) e em Roma (1925). Foi um

artista que marcou a sua época e introduziu alguns valores do modernismo na

escultura portuguesa. Conseguiu, com o Monumento a Gonçalves Zarco

(1928), impor-se no meio artístico. Foi solicitado constantemente por

encomendas oficiais. A estátua Salazar, da Exposição Universal de Paris

(1937) projectou-o internacionalmente.

Freire, Luciano Martins (1864-1932) Natural de Lisboa. Fez estudos na

Academia Real de Belas-Artes. Findo o curso, iniciou a sua carreira, expondo

pela primeira vez. Desenvolveu actividades na área do ensino, leccionando na

Escola de Belas-Artes a disciplina de modelo vivo. Foi exímio restaurador,

conhecedo-se cerca de 500 intervenções suas no restauro de telas antigas, de

que se salientam um São Pedro, de Vasco Fernandes, o retábulo da Sé de

Viseu e o políptico Veneração a São Vicente, também conhecido por Painéis

de São Vicente de Fora. Foi director do Museu dos Coches (1911).

Freitas, Frederico de (1902-1980). Compositor e maestro português,

natural de Lisboa. Teve formação superior de piano, violino e ciências musicais

no Conservatório Nacional de Lisboa. Desenvolveu esforços significativos no

sentido da divulgação da música no ensino liceal. Dedicou-se à investigação na

área musical, deixando inúmeros e importantes ensaios de musicologia. A sua

obra caracteriza-se pelo facto de ter acompanhado e assimilado as

experiências vanguardistas da música erudita, tendo sido ele o primeiro (1923),

na Península Ibérica, a explorar a bitonalidade, a politonalidade e a

atonalidade. A sua obra de carácter erudito inclui peças de música vocal,

sinfónica, para piano e para outros instrumentos. Recebeu diversas distinções

pelo seu talento criativo, nomeadamente o Prémio Nacional de Composição

(1926), o Prémio Domingos Bomtempo (1935) e o Prémio Nacional Carlos

Seixas (1962).

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Gomes, Dórdio (1890-1976) Natural de Arraiolos. Formado em pintura

histórica na Escola de Belas-Artes de Lisboa, partiu para Paris, prosseguindo

estudos na École des Beaux-Arts. Em 1921, voltou a Paris para um período de

cinco anos de estudos. Durante essa época executou os trabalhos que enviou

à Sociedade Nacional de Belas-Artes para a Exposição dos Cinco

Independentes (1923). Estas obras, tal como Cavalos (Arraiolos, 1929), pela

sua grande intensidade de composição, com o uso da cor a estruturar os

planos, estavam muito próximas de um geometrismo volumétrico, onde era

particularmente notória a influência de Cézanne. Regresso definitivamente a

Portugal (1926), para Arraiolos. As telas executadas para a Câmara Municipal

de Arraiolos (1932) marcam, tal como o Zarco do escultor Francisco Franco, o

início do monumentalismo patente na arte portuguesa de características

públicas. Em 1933, com residência no Porto, ocupando o seu tempo como

professor da Escola de Belas-Artes, desenvolveu a sua última fase criativa,

fortemente inspirada na paisagem do Douro não se aventurando na inovação

estética num esforço de conciliação entre o modernismo e um tradicionalismo

decorativista. Foi galardoado com o Prémio Columbano (1938), o Prémio

António Carneiro (1944), o Prémio Nacional de Arte (1962) e o primeiro Prémio

de Pintura da Fundação Gulbenkian (1967).

Gomes, Joaquim Soeiro Pereira (1909-1949). Terminou, em 1930, o

curso de regente agrícola, profissão que exerceu em África durante um breve

período de tempo. Regressou a Portugal onde foi empregado de escritório

numa fábrica, contactando com a vida operária e envolvendo-se em conflitos

laborais. É normalmente considerado um dos iniciadores do neo-realismo

português tendo publicou o romance Esteiros (1941), em que usa como cenário

a vida dos adolescentes assalariados do Ribatejo.

Graça, Fernando Lopes (1906-1994). Compositor e musicólogo

português, nascido em Tomar. Estudou no Conservatório Nacional de Lisboa.

Fez a sua estreia em 1929 com Variações sobre um Tema Popular Português,

para piano. A sua actuação granjeou-lhe fama de subversivo, pelo que o

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Estado Novo o proibiu de ensinar nas escolas públicas; chegou mesmo a ser

preso diversas vezes. Saiu do país em 1937 rumando a França onde estudou

musicologia na Sorbonne até 1939. Regressou a Portugal dedicando-se

intensamente à composição, ao piano, à crítica musical e à organização e

regência de coros populares. Fundou, em 1942, uma organização dedicada à

promoção de concertos de música moderna, designada por Sonata. Em 1952,

lançou no mercado a revista Gazeta Musical. Dedicou-se ainda e de forma

aturada à investigação das tradições musicais populares e rurais, tanto em

trabalho de campo (com Michel Giacometti, a partir de 1960), como em fontes

eruditas de trabalhos de etnologia. Além da sua obra musical, deixou publicada

vasta obra escrita, onde se destacam Introdução à Música Moderna (1942) e

Bases Teóricas de Música (1944). Foi galardoado, em 1940, com o 1º Prémio

para Piano e Orquestra do Círculo de Cultura Musical, com o seu primeiro

concerto para piano e orquestra. Voltou a receber este prémio por três vezes,

correspondendo aos anos de 1942, 1944, e 1952. Em 1986, foi galardoado

com a Grã-Cruz da Ordem do Infante.

Jorge, Lídia (1946-). Natural de Boliqueime, Algarve. Estudou filologia

românica na Universidade de Lisboa, dedicando-se, depois, ao ensino liceal e

universitário. Os seus romances estão sobretudo ligados aos problemas

colectivos do povo português e às circunstâncias históricas e mudanças da

sociedade nacional após o 25 de Abril de 1974.

Junqueiro, Abílio Manuel de Guerra (1850-1923). Natural de Freixo de

Espada à Cinta. Frequentou a Faculdade de Teologia (1866-1868), que

abandonou para se formar em direito (1873). Ligado ao grupo dos "Vencidos

da Vida", veio a ser o mais popular poeta panfletário da sua época. Serviu-se

dos seus dotes oratórios para, em textos de sátira violenta, quer ao clero (A

Velhice do Padre Eterno, 1885), quer à dinastia de Bragança (Finis Patriae e

Canção do Ódio, 1891), procurar a adesão popular aos ideais revolucionários.

Constante nele também a presença de um certo visionarismo profético, face à

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decadência nacional, que veio a influenciar grandemente o movimento

designado por Renascença Portuguesa.

Lanhas, Fernando (1923-). Natural do Porto. Formou-se em

arquitectura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Optando pela pintura,

introduziu em Portugal a questão do abstraccionismo. Em 1944, pintou 02-44,

inicialmente designado Violino, exibido na Exposição Independente de 1945,

em Leiria e Lisboa. A sua pintura caracteriza-se pela insistência de uma paleta

quase monocromática e pela representação de formas bidimensionais, em

composições associadas a uma estética fria. Obteve os prémios Marques de

Oliveira (1949) e Fundação Calouste Gulbenkian (1968).

Lino, Raul (1879-1974). Natural de Lisboa. Formado em Windsor (1890)

e em Hanover (1897), regressou a Portugal neste último ano, pondo em

prática, através de numerosas viagens pelo país, o seu interesse pela

arquitectura tradicional portuguesa. Tentou estabelecer uma síntese entre

elementos revivalistas ou Arte Nova e elementos rurais, num conceito de

arquitectura doméstica designado por Casa Portuguesa. Os seus princípios

tornar-se-iam crescentemente conservadores.

Lopes, Adriano Sousa (1879-1944) Cursou na Academia de Lisboa e

partiu para Paris em 1903. Expôs em Paris e em Lisboa, aqui em 1917.

Normalmente de um academismo notório, passou um curto período

expressionista nos anos 20. Em 1929 sucedeu a Columbano na direcção do

Museu de Arte Contemporânea. A suas decorações da Assembleia Nacional

(de 1937) são de um convencionalismo evidente.

Macedo, Diogo de (1889-1959) Natural de Vila Nova de Gaia. A sua

formação artística, que incluiu o curso de escultura da Academia Portuense de

Belas-Artes, foi concluída em Paris, para onde foi em 1911. De regresso a

Portugal, fixou-se no Porto e apresentou trabalhos que tentavam impor o

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modernismo em Portugal. Voltou a Paris (1921-1926) e foi criando uma obra de

estatuária, cuja orientação estética hesitante está patente em Torso de Mulher

com que participou na Exposição dos Cinco Independentes, na Sociedade

Nacional de Belas-Artes (1923). Regressado a Lisboa (1944), foi nomeado

director do Museu Nacional de Arte Contemporânea, abandonando a prática da

escultura e iniciando uma tentativa de reestruturação do museu, através da

inclusão de obras de artistas jovens, o que lhe foi negado. Dedicar-se-ia

também, entretanto, à historiografia, desenvolvendo uma obra de cerca de 50

títulos sobre várias temáticas. Entre 1938 e 1958, colaborou na revista O

Ocidente, onde deixou uma série de interessantes crónicas com o título geral

de «Notas de arte».

Maia, Ernesto Canto da (1890-1981) Natural de Ponta Delgada. Deixou

os Açores (1907), ingressando na Escola de Belas-Artes de Lisboa,

frequentando o curso geral e, depois deste, o curso de arquitectura civil. O seu

trabalho foi público pela primeira vez na I Exposição dos Humoristas

Portugueses. Seguiu para Paris, onde frequentou a Escola de Belas-Artes e a

Academia da Grande Chaumière, passando depois a Genebra (1914), onde

estudou na Escola de Belas-Artes. Participou na II Exposição dos Humoristas,

e na 11.a Exposição da Sociedade Nacional de Belas-Artes (Lisboa).

Regressou a Ponta Delgada em 1916. Voutou a Paris em 1921. As décadas

seguintes viriam a ser de grande actividade, premiada com medalhas em várias

exposições francesas e reconhecida institucionalmente. A sua presença em

Portugal foi marcada pela participação na Exposição do Mundo Português

(1940).

Malhoa, José (1855-1933) Natural das Caldas da Rainha. Teve

formação académica, obtida na Academia Real de Belas-Artes. Expondo em

1881 com o Grupo do Leão, de que faziam parte pintores como Silva Porto,

Columbano Bordalo Pinheiro, António Ramalho e Henrique Pinto, entre outros,

adoptou os seus valores naturalistas. Malhoa acabou por significar uma

representação (nem científica nem crítica) de valores etnográficos da realidade

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portuguesa da época. A sua técnica pictórica ganharia, ao largo da sua

carreira, maior liberdade de pincelada e maior luminosidade das cores,

afastando-se de alguns condicionamentos românticos do início e salientando-

se na pintura de paisagem.

Manta, Abel (1888-1982) Natural de Gouveia. A sua formação em

pintura, na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, foi seguida de uma

permanência em Paris (1919-1926) e de viagens pela Europa, incluindo a Itália,

onde se fixou durante algum tempo. Voltou a Portugal, já com obras expostas

nos salões de Paris de 1921 a 1923, ingressou no ensino técnico, leccionando

na Escola de Artes Decorativas de António Arroio até 1958. A par com esta

actividade, desenvolveu um trabalho à margem, quer de academismos, quer de

vanguardismos, aliando à sua formação naturalista (com Carlos Reis) uma

pesquisa da obra de Cézanne e dos impressionistas. Uma das suas obras mais

conhecidas é o Jogo de Damas, onde a articulação espacial é dinamizada pela

distorção perspéctica do chão ladrilhado, orientada na vertical e dando origem

a um jogo de planos. Fez apenas duas exposições individuais, em 1925, no

Salão Bobone e, em 1965, na Sociedade Nacional de Belas-Artes (Lisboa).

Recebeu em 1942 o Prémio Silva Porto, em 1949 a primeira medalha em

pintura da Escola Superior de Belas-Artes e, em 1957, o Prémio de Pintura da

Fundação Calouste Gulbenkian. Esteve presente na 25.a Bienal de Veneza e

na 3.a Bienal de São Paulo.

Marques, Bernardo Loureiro (1899-1962) Natural de Silves. Pertenceu

à segunda geração do modernismo português. Estreou-se em 1920 na III

Exposição dos Humoristas Portugueses. Dedicou-se à caricatura da cidade de

Lisboa tendo sido desenhador permanente da Ilustração Portuguesa, e

desenvolveu algumas experiências na área da decoração no pavilhão

português da Exposição Internacional de Paris (1937) e nos pavilhões de Nova

Iorque e São Francisco (1939). Foi também colaborador artístico na decoração

do pavilhão português da Exposição do Mundo Português (1940). Foi director

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gráfico das revistas Panorama (1941-1950), Litoral (1944-45) e Colóquio

(desde o primeiro número até à sua morte).

Monteiro, João César (1939-). Natural da Figueira da Foz. Iniciou-se no

cinema como assistente do cineasta Perdigão Queiroga. Em 1963 foi para

Londres frequentar a London School of Film Technique. De regresso a Lisboa,

estreou-se como realizador em 1968, com uma série de curtas-metragens.

Conquistou diversos prémios:Prémio Leão de Ouro do Festival de Veneza

(1989); Prémio Especial do Júri do Festival de Cinema de Veneza (1995)

Monteiro, Luís de Sttau (1926-1993). Natural de Lisboa. Licenciou-se

em direito dedicando-se depois ao jornalismo. Em Inglaterra contactou com

alguns movimentos de vanguarda da literatura anglo-saxónica. Na sua obra

narrativa, retrata ironicamente certos estratos da burguesia lisboeta e aspectos

da sociedade portuguesa sua contemporânea. Destacou-se como dramaturgo

com Felizmente há Luar! (1961), peça escrita sob influência de Brecht onde

procurou denunciar da situação do país.

Monteiro, Porfírio Pardal (1897-1957). Natural de Pêro Pinheiro, Sintra.

A sua formação em arquitectura foi concluída aos 22 anos, com o curso da

Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Obteve o Prémio Valmor (1923), o

que se repetiria em 1928, 1929, 1939 e 1940. Sendo-lhe dificultada a entrada,

como professor, na Escola Superior de Belas-Artes, ingressou no Instituto

Superior Técnico. Duarte Pacheco lançou, entre 1932 e 1940, uma política de

obras públicas, destinada a combater o desemprego herdado da I República e

a propagandear o regime. Pardal Monteiro trouxe de Itália algo da linguagem

com que Moussolini edificava os grandes monumentos de Estado. Entre as

suas maiores realizações arquitectónicas contam-se os edifícios do Instituto

Superior Técnico, da Cidade Universitária, da sede do jornal Diário de Notícias

e das gares marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos.

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Motta, José Vianna da (1868-1948). Natural de São Tomé. Estreou-se

publicamente, em 1881, num concerto apresentado no Salão da Trindade, em

Lisboa. Após ter concluído o curso do Conservatório Nacional, partiu para a

Alemanha (1882) onde viveu durante 32 anos. Ingressou no Conservatório de

Scharwenka, em Berlim. Três anos mais tarde, tornou-se aluno de Liszt em

Weimar e, em 1887, seguiu os cursos de Hans Von Büllow. Em 1917,

regressou a Lisboa. A partir de 1918, assumiu a direcção do Conservatório

Nacional, cargo que ocupou durante 20 anos, levando a cabo importantes

alterações. Em esteve em Viena, para participar nas comemorações de

Beethoven. O seu trabalho instrumental está marcado pela forte inspiração

folclórica. A sua obra de música vocal para uma voz e piano distribui-se ao

longo de 37 canções, sendo elas 25 lieder e 12 canções de câmara

portuguesas.

Mourão-Ferreira, David (1927-1996). Escritor e professor universitário

português, natural de Lisboa. Licenciou-se em filologia românica em 1951. Foi

professor do ensino técnico e do ensino liceal e, em 1957, iniciou a sua carreira

de professor universitário na Faculdade de Letras de Lisboa. Afastado desta

actividade entre 1963 e 1970, por motivos políticos, foi professor catedrático

convidado da mesma instituição a partir de 1990. Após o 25 de Abril de 1974,

foi director do jornal A Capital. Secretário de estado da cultura em vários

governos (1976-1978), foi director-adjunto do jornal O Dia (1975-1976). A sua

carreira literária teve início em 1945, com a publicação de alguns poemas na

revista Seara Nova. Em 1954, foi um dos co-fundadores da revista literária

Távola Redonda.

Negreiros, José Sobral de Almada (1893-1970) Natural de São Tomé e

Príncipe. Estudou no colégio jesuíta de Campolide e na Escola Nacional de

Belas-Artes, em Lisboa. Estudou pintura em Paris (1919 - 1920). Viveu em

Espanha entre 1927 e 1932. Colaborou nas revistas Orpheu, Contemporânea,

Athena, Portugal Futurista e Sudoeste. Participou na I Exposição dos

Humoristas Portugueses (1911) . Obras de referência: murais na gare

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marítima de Lisboa, os trabalhos para a Igreja de Nossa Senhora de Fátima

(mosaico e pintura) e o retrato de Fernando Pessoa. Foi pintor, trabalhou

tapeçaria, dedicou-se à decoração e ao bailado. Foi ainda escritor, tendo

publicado peças de teatro (Antes de Começar, 1919; Pierrot e Arlequim, 1924;

Deseja-se Mulher, 1928); e romances (Nome de Guerra, escrito em 1925 e

publicado em 1938), poemas (A Cena do Ódio, 1915) e uma série de textos de

crítica e polémica (Manifesto Anti–Dantas)

Oliveira, Manoel de (1908-). Natural do Porto. Estreou-se no cinema em

1931, com a curta-metragem Douro, Fauna Fluvial. Três anos mais tarde,

participou, como actor, no filme A Canção de Lisboa (1934). A sua primeira

longa-metragem foi Aniki-Bóbó (1942), um filme produzido por António Lopes

Ribeiro, que muitos consideraram uma antecipação ao neo-realismo italiano,

mas que, eventualmente, estará mais próximo do estilo realista francês

característico dos anos 30. Obteve a Harpa de Ouro do Festival de Cork

(Irlanda), o Prémio da Crítica no Festival de Veneza onde também foi

distinguido com o Leão de Ouro pelo conjunto da sua obra e o Prémio David

Donatello pelo conjunto da sua obra.

Pacheco, Duarte (1899-1943). Engenheiro e político português, natural

de Loulé. Foi uma figura emblemática do Estado Novo. Formado no Instituto

Superior Técnico, aí permaneceu como professor (1922) e director (1924).

Posteriormente, acumulou funções de presidente da Câmara de Lisboa e

funções governativas nas áreas da educação e, sobretudo, das obras públicas,

tendo sido ministro das obras públicas e comunicações a partir de 1932. Dirigiu

os grandes trabalhos públicos do Estado Novo

Pascoaes, Teixeira de (pseudónimo de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos) (1877-1952). Natural de Amarante, formou-se em direito em

1901. Em 1910, foi um dos fundadores da revista Águia, órgão do movimento

cultural da Renascença Portuguesa e do saudosismo, e que veio a dirigir

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(1912-1917). Marcado ainda pelo século XIX, por uma forte carga romântica e

metafísica, Teixeira de Pascoaes foi, simultaneamente, poeta e pensador.

Pedro, António (1909-1966) Natural da Cidade da Praia (Cabo Verde).

Frequentou as faculdades de direito e de letras da Universidade de Lisboa,

tendo ainda ingressado no Instituto de Arte e Arqueologia da Sorbonne, em

Paris. Dedicou–se à pintura nas décadas de 30 e 40. Foi um dos introdutores

do surrealismo em Portugal, expondo com António Dacosta e Pamela Boden

em Lisboa. António Pedro iria participar activamente no grupo surrealista de

Lisboa, a partir de 1947, dando origem a obras de feitura colectiva, como é o

caso da obra realizada em 1948 por António Domingues, Fernando de

Azevedo, Vespeira, Moniz Pereira e António Pedro, em tela de grandes

dimensões. António Pedro expôs, pela última vez, com o grupo surrealista em

1949, deixando na tela Rapto na Paisagem Povoada (1946) a síntese da força

imagética e da poética da sua pintura. Em 1949 passou a dirigir o Teatro Apolo.

No ano seguinte, iria retirar–se para Moledo do Minho, onde viveria até ao final

da sua vida. Começou então o seu envolvimento pleno na actividade teatral,

como director, figurinista e encenador do Teatro Experimental do Porto, entre

1953 e 1961. Paralelamente, desenvolveu um trabalho teórico como ensaísta e

crítico de arte. Tendo produzido regularmente crónicas para a BBC, em

Londres, na década de 40 (actividade que o levaria a contactar com o grupo

surrealista inglês), iria ainda fundar a revista Variante e colaborar com outras

publicações periódicas, como Unicórnio, Mundo Literário e Aventura.

Peixinho, Jorge (1940-1995). Compositor e pianista português, natural

do Montijo. Formou-se em composição e piano no Conservatório Nacional de

Lisboa, seguindo depois, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian,

para Itália, Suíça, Países Baixos e Alemanha, onde continuou os estudos.

Leccionou composição e análise no Conservatório e na Escola de Música do

Porto. É dito um dos músicos portugueses mais importantes da segunda

metade do século XX, e será eventualmente o único compositor nacional que

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fielmente representa a corrente modernista da música europeia, marcando a

sua obra por um vanguardismo evidente.

Pessanha, Camilo de Almeida (1867-1926). Natural de Coimbra,

formou-se em direito em 1891. Três anos mais tarde, seguiu para Macau. Em

1900, ocupou o lugar de conservador do registo predial da cidade, tendo

estado de novo em Portugal entre 1905 e 1909 e 1915 e 1916. Deve-se a João

de Castro Osório e a Ana de Castro Osório a publicação do volume Clepsidra

(1920), que reúne poemas de Pessanha, muitos dos quais ditados de memória

pelo poeta. Geralmente é considerado o mais genuíno representante do

simbolismo português. Embora tardiamente publicado e tendo uma obra

escassa, Camilo Pessanha exerceu grande influência sobre os poetas do

primeiro modernismo português, e mesmo posteriores.

Pessoa, Fernando António Nogueira (1888-1935). Natural de Lisboa.

Viveu na África do Sul (1895-1905), aí seguindo os estudos secundários.

Frequentou ainda a escola comercial e a Universidade do Cabo. De regresso a

Lisboa, frequentou o Curso Superior de Letras. Frequentava as tertúlias

intelectuais dos cafés da capital, e envolveu-se nas discussões literárias e até

políticas da época. Colaborou na revista A Águia. Em 1915, com Sá-Carneiro e

Luís de Montalvor, lançou a revista Orpheu. Colaborou ainda nas revistas

Portugal Futurista (1917), Contemporânea (1922-1926), Athena (1924-1925) e

Presença. Os seus heterónimos mais conhecidos são Alberto Caeiro, Ricardo

Reis e Álvaro de Campos

Pomar, Júlio Artur da Silva (1926-). Natural de Lisboa. Formou-se na

Escola de Artes Decorativas de António Arroio e nas Escolas Superiores de

Belas-Artes de Lisboa e do Porto. Expôs pela primeira vez em 1945, revelando

uma tendência neo-realista. Realizou a primeira exposição individual em 1947

(Pomar, 25 desenhos) em Lisboa. A partir de 1957, impôs-se uma nova

orientação na sua carreira, objectivada no abandono da sua postura didáctica

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da mensagem neo-realista; em busca de uma autonomia de pesquisa plástica,

caracteristicamente exposta em manchas pictóricas assentes num

neofigurativismo lírico, as séries subsequentes abrangeriam temáticas como a

tauromaquia (1962/63) ou os tigres (1979). Em 1960, trabalhou as suas

primeiras esculturas em ferro, numa representação evocativa de D. Quixote.

Partiu para Paris em 1963, onde se instalou até 1985. Entre 1968 e 1971

trabalhou essencialmente sobre os acontecimentos parisienses de Maio de 68

A partir de 1976, passou a uma nova abordagem artística trabalhando por

assemblage de telas, texturadas através de técnica mista, previamente

coloridas e recortadas. Foi galardoado com o 1º Prémio de Pintura da

Fundação Calouste Gulbenkian (1961).

Queiroga, José Manuel Nobre Perdigão (1916-1980). Natural de Évora.

Começou a trabalhar na área cinematográfica em 1936. Entre 1940 e 1946

residiu nos EUA . Estreou-se como realizador em 1947 com o filme Fado com

Amália Rodrigues e Virgílio Teixeira. A partir de meados dos anos 60, dedicou-

se ao jornalismo e à publicidade.

Redol, António Alves (1911-1969). Natural de Vila Franca de Xira.

Residente em Angola entre os 16 e os 19 anos, regressou a Portugal. Foi um

dos iniciadores do movimento neo-realista em Portugal. Parte da sua obra

inclui uma análise social fortemente documentada, sobre a qual estriba as

afirmações socio-políticas que deseja veicular.

Régio, José (pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira) (1901-1969). Natural de Vila do Conde. Licenciado em filologia românica (1925), foi

professor liceal primeiro no Porto e, a partir de 1928, em Portalegre, onde

permaneceu mais de trinta anos. Com Branquinho da Fonseca e João Gaspar

Simões fundou, em 1927, a revista Presença, que marcou o segundo

modernismo português. Dedicou-se ao romance, ao teatro, à poesia e ao

ensaio. É por vezes considerado um dos vultos mais significativos da moderna

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literatura portuguesa. Recebeu postumamente, em 1970, o Prémio Nacional de

Poesia, pelo conjunto da sua obra poética.

Reis, Carlos (1863 - 1940) Natural de Torres Novas. Foi professor de

pintura na Escola de Belas Artes de Lisboa, e foi significativa a sua influência

na fundação da Sociedade Nacional de Belas Artes. Pintou numerosos

quadros, alguns de grandes dimensões, como os painéis decorativos da Sala

de Baile do Hotel do Buçaco e um retrato de D. Carlos, que se encontra no

paço de Vila Viçosa. Outra obra de relevo encontra-se na Sala do Senado do

Palácio de S. Bento.

Resende, Júlio (Júlio Martins da Silva Dias) (1917-). Natural do Porto.

Iniciou a sua actividade artística na área da ilustração, publicando os seus

trabalhos, a partir de 1930. Cursou pintura na Escola Superior de Belas-Artes

do Porto e estagiou em Paris, como bolseiro do Instituto de Alta Cultura. A sua

estadia em Paris iria ter grande influência na definição da tendência

expressionista da sua obra. A este primeiro contacto directo com as obras de

movimento, como o cubismo, juntar-se-ia a influência de Goya. Foi premiado

com o Prémio Armando Basto (1945 e 1952), o Prémio Souza Cardoso (1949),

o prémio especial da 1ª Bienal de São Paulo (1951) e o 2º Prémio da Fundação

Calouste Gulbenkian (pintura, 1957).

Ribeirinho (Francisco Carlos Lopes Ribeiro) (1911-1984). Natural de

Lisboa. Em 1941, estreou-se na realização com O Pátio das Cantigas, um

retrato típico das gentes de um bairro popular lisboeta.

Ribeiro, António Lopes (1908-1995). Natural de Lisboa. Passou pelo

teatro e pela rádio, foi escritor, jornalista, crítico de cinema e produtor. A ele se

ficou a dever grande parte da história do cinema em Portugal. Conhecido

como "cineasta oficial do Estado Novo" a partir do filme A Revolução de Maio

(1937); realizou muitos outros documentários panfletários de propaganda. Foi

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um dos realizadores mais eficientes no que diz respeito à comédia portuguesa

(O Pai Tirano, 1941; A Vizinha do Lado, 1945). Produziu a primeira longa

metragem de Manoel de Oliveira, Aniki-Bóbó (1942) e Camões (1946), de

Leitão de Barros.

Ribeiro, Aquilino (1885-1963). Natural de Carregal de Tabosa. Cursou

no seminário de Beja tendo depois seguido para a capital e iniciado aí a sua

actividade jornalística e política. Envolvido em movimentos revolucionários,

viu-se obrigado ao exílio (1907). Em França estudou na Universidade da

Sorbonne (1910-1914). De volta a Portugal, foi professor liceal e conservador

da Biblioteca Nacional. Pertenceu à direcção da revista Seara Nova. Após o

estabelecimento do Estado Novo, voltou a Paris, regressando pouco depois.

Envolveu-se, em 1928, numa conjura revolucionária que o levou à prisão.

Conseguiu evadir-se, fugindo uma vez mais do país. Voltou definitivamente em

1932. Foi autor de contos, novelas, romances, estudos etnográficos, biografias,

ensaios, impressões de viagem, literatura infantil e traduções.

Rocha, Paulo (1935-). Natural do Porto. Formou-se em realização no

Institut d´Hautes Études Cinématographiques, tendo estagiado com Jean

Renoir. Estreou-se como realizador com Verdes Anos (1963). O seu trabalho

como cineasta assinala o movimento da nouvelle vague em Portugal, do qual é

um dos mais significativos representantes.

Sá-Carneiro, Mário de (1890-1916). Natural de Lisboa. Matriculou-se na

Faculdade de Direito de Coimbra em 1911, mas não chegou sequer a concluir

o ano. Em 1912 foi para Paris, onde deveria estudar direito, mas dedicou-se

sobretudo à vida de boémia dos cafés e salas de espectáculo da capital

francesa. Em 1915, era um dos membros do grupo de Orpheu, revista em que

colaborou. A crise interior que o afectava levou-o, em 1916, ao suicídio.

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Salgado, José Veloso (1864 - 1945) Natural de Lisboa. Foi professor na

Escola de Belas Artes de Lisboa. A sua obra está marcada especialmente na

pintura. Merecem especial destaque Amor e Psique, os painéis decorativos do

Palácio da Bolsa e a Alegoria às Cortes de 1820, no Palácio de S. Bento. De

sua autoria são igualmente o pano de boca e decoração do Teatro Politeama,

em Lisboa.

Santareno, Bernardo (pseudónimo de António Martinho do Rosário) (1924-1980). Natural de Santarém. Estudou medicina em Coimbra, (concluiu

em 1950). Foi sobretudo como dramatugo que se notabilizou. Ligado a um

fundo popular poético e supersticioso, de forte cunho religioso e erótico,

explorou temas de marginalização moral a que se juntou um cunho de

intervenção política. Notórias são as influências do teatro épico de Brecht.

Realizou oposição ao Estado Novo.

Santa-Rita Pintor (Guilherme Augusto Cau da Costa Santa Rita) (1889-1918) Natural de Lisboa. Frequentou a Escola Superior de Belas-Artes

de Lisboa onde fez estudos de pintura. Partiu para Paris (1910) e aí conheceu

correntes artísticas mais radicais, dentre elas o movimento futurista e artistas

como Marinetti, Picasso e Max Jacob. Regressou a Portugal em 1914 onde

iniciou uma pesquisa orientada sobretudo em direcção à conceptualidade

manifestada pela pintura futurista italiana. O seu temperamento exótico e

agressivo tornou-se também visível na sua pintura, que exprime

essencialmente uma vontade de ruptura vanguardista, contendo, em termos

plásticos, referências cubistas notórias. Santa-Rita colaborou na Orpheu e foi

responsável pelo número único de Portugal Futurista. Devido à sua morte

prematura (com apenas 28 anos) e à vontade por si expressa e levada a cabo

pela família de destruição das suas obras após a sua morte, o seu espólio

artístico é muito reduzido.

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Santos, Joly Braga (1924-1988). Compositor e maestro português,

natural de Lisboa. Seguiu estudos no Conservatório Nacional até 1945. Partiu

para Milão, onde veio a concluir estudos de direcção de orquestra e,

posteriormente, viajou até Roma para completar a sua formação em

composição e ciências musicais. Em 1964 passou a professor de composição

no Conservatório Nacional. Exerceu o cargo de director da Orquestra Sinfónica

do Porto. Escreveu sinfonias, óperas, aberturas sinfónicas, peças para

orquestra e para coro e orquestra, entre outras. Recebeu em 1987 o Prémio de

Composição Musical, atribuído pelo Conselho Português de Música.

Saramago, José (1922-). Natural de Azinhaga (Golegã). Concluiu, em

1939 o curso de serralheiro mecânico. Colaborou em várias revistas e jornais,

como a Seara Nova, o Diário de Lisboa, A Capital e o Jornal do Fundão. Em

1975, exerceu funções de director-adjunto do Diário de Notícias. Recebeu os

prémios Internacional Literário Mondello (1992) e Literário Brancatti (1992,

ambos italianos e atribuídos ao conjunto da sua obra), o Prémio Vida Literária

da APE (1993), o Prémio Consagração SPA (1995) e o Prémio Camões (1995).

Foi Prémio Nobel da Literatura.

Sena, Jorge de (1919-1978). Natural de Lisboa, naturalizado brasileiro

em 1963. Licenciou-se em engenharia civil, trabalhando na Junta Autónoma de

Estradas entre 1948 e 1959. Neste último ano, exilou-se voluntariamente no

Brasil, Em 1965 seguiu, também como professor, para a Universidade do

Wisconsin (EUA). Entretanto, vinha desenvolvendo, desde finais dos anos 30,

ampla actividade de crítica de arte, tendo colaborado, entre outras, nas revistas

Presença, Cadernos de Poesia, Portucale, Seara Nova e Vértice. Jorge de

Sena foi ainda poeta, dramaturgo, ficcionista e historiador da cultura. Não se

filiando em nenhuma escola literária, foi influenciado por várias correntes (e

notoriamente pelo surrealismo, sobretudo em aspectos técnicos).

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Silva, José Marques da (1869-1947). Natural do Porto. Formou-se na

Academia Portuense de Belas-Artes. Estagiou em Paris, regressando a

Portugal para ser nomeado professor de Arquitectura da Escola de Belas-Artes

do Porto (1907-1939), passando a director da escola em 1913. Os seus

trabalhos foram premiados na Exposição de Paris (1900) e no Rio de Janeiro

(1908). A sua obra arquitectónica encontrou-se sobretudo concentrada na

cidade do Porto, sendo da sua autoria várias moradias e grandes construções

como a estação de São Bento e o Teatro de São João (Porto) e a sede da

Sociedade Martins Sarmento (Guimarães). Combinando estilos clássicos com

um certo gosto contemporâneo, contribuiu para a modernização da cidade do

Porto, nomeadamente da Avenida dos Aliados, para a qual projectou e

executou alterações que permitiram a abertura de espaços e tornaram

funcionais as vias de circulação.

Silva, Luís Cristino da (1896-1976). Natural de Lisboa. Desenhou o

Pavilhão da Honra e de Lisboa da Exposição do Mundo Português de 1940.

Executou também os projectos do Café Portugal do Rossio, do Teatro

Capitólio, da Praça do Areeiro e de uma dupla escadaria que liga os dois

planos de jardins do Palácio de S. Bento. Cristino da Silva teve ainda um papel

importante na concepção do Monumento aos Descobrimentos. Foi professor de

arquitectura na Escola de Belas Artes de Lisboa.

Silva, Maria Helena Vieira da (1908-1992). Natural de Lisboa e

naturalizada francesa em 1956. Estudou escultura em 1924, seguindo para

Paris, em 1928, onde se fixou e casou depois com o pintor húngaro Arpad

Szenes (1930). Dedicou-se à pintura a partir de 1929, vindo a expor os seus

primeiros trabalhos na Galeria Jean Buchet em 1933. Ocupando um lugar de

destaque na segunda geração de modernistas portugueses, o seu trabalho

integra-se nas problemáticas desenvolvidas pela Escola de Paris. O jogo de

planos, a fragmentação dos espaços e dos objectos e a importância da linha,

numa evocação do cubismo, são uma constante em Vieira da Silva. A sua

abstracção impõe-se no sentido de síntese e recriação dos movimentos, dos

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ritmos, da cor, da luz e da formalização do espaço sensível ou do espaço

inteligível, da sua interioridade e exterioridade poéticas. Para além da pintura,

dedicou-se ainda aos vitrais, tendo executado trabalhos para a igreja de Reims,

e à tapeçaria, executando trabalhos para a Gobelins e Beauvais e para a

Manufactura de Portalegre. Foi premiada por diversas vezes, tendo recebido o

Grande Prémio de São Paulo (1953 e 1961), o Grande Prémio de Pintura

(Mannheim, 1962) e o Grande Prémio de Paris (1963).

Soares, António (1894-1978) Natural de um meio socio-cultural pouco

favorecido, não cursou formação académica no meio artísticos. Participou no II

Salão dos Humoristas e foi para Paris (1914) onde se manteve à margem doas

artistas portugueses. Em 1916 participou na Galeria das Artes e em 1922

realizou exposição autónoma. No final dos anos 20 alcançou notoriedade nos

círculos da crítica nacional, mas os inícios dos anos 30 e essa década foram de

alguma dificuldade para o pintor. Ao longo do anos 40, 50 e 60 expôs diversas

vezes, tendo visto a sua carreira, que correra entre o modernismo e o

academismo, coroada, já no final, com algumas distinções de monta (Ordem de

San'Tiago em 1958, prémio do Diário de Notícias em 1962).

Sousa, Aurélia de (1865-1925) Natural de Valparaíso, Chile, Filha de

emigrantes portugueses. Veio para Portugal com 7 anos. Em 1893 ingressou

na Academia Portuguesa de Belas-Artes, onde se formou em pintura.

Prosseguiu estudos em Paris, onde passou a residir em 1898. Na sua obra é

notório o colorido expressionista das flores e o romantismo da intimidade de

atmosferas familiares. Regressou ao Porto (1901), tendo-se instalado na

Quinta da China, nas margens do Douro, numa geografia bucólica que inspirou

diversos trabalhos paisagísticos. Ao longo do seu percurso artístico notam-se

marcas do neo-impressionimo e de um realismo não sentimentalista.

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Taveira, Tomás (1938-). Arquitecto português, natural de Lisboa. Tendo

concluído a sua formação em arquitectura na Escola Superior de Belas–Artes

de Lisboa, aí passou seguidamente a leccionar as cadeiras de arquitectura e

teoria da arquitectura. Em 1977 fez um estágio nos Estados Unidos da

América. A sua obra na área de arquitectura foi orientada pela liberdade

estética do pós–modernismo. É disso exemplo o seu projecto para as Torres e

Shopping das Amoreiras em Lisboa.

Távora, Fernando Luís Cardoso de Meneses de Tavares e (1923-). Arquitecto português, natural do Porto. Formado na Escola Superior de Belas-

Artes do Porto, ali apresentou como tese o projecto Uma Casa sobre o Mar

(1952). Na década de 50, tornou-se arquitecto municipal da cidade do Porto.

Foi galardoado em 1987 com o Grande Prémio Nacional de Arquitectura.

Telmo, José Ângelo Cotinelli (1897-1948). Natural de Lisboa. Concluiu

o curso de arquitectura em 1920, na Escola de Belas-Artes de Lisboa. Entre as

suas obras mais conhecidas encontram-se a Praça do Império, com a Fonte

Monumental e o Monumento dos Descobrimentos. Venceu vários concursos

públicos, com projectos como o Pavilhão do Rio de Janeiro (1922) e o Pavilhão

da Exposição de Sevilha (1929). Foi o arquitecto responsável pela concepção e

montagem da Exposição do Mundo Português realizada em Lisboa, em 1940.

Manifestando grande interesse pela actividade cinematográfica (próximo de

Leitão de Barros), estreou-se como realizador em 1933, com A Canção de

Lisboa, marcando a história do cinema português por ter sido o primeiro filme

sonoro produzido inteiramente em Portugal e por inaugurar o chamado ciclo da

comédia à portuguesa.

Torga, Miguel (pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha) (1907-1995). Natural de São Martinho de Anta (Trás–os–Montes). Após uma breve

passagem pelo seminário de Lamego, emigrou em 1920 para o Brasil, onde

durante cinco anos trabalhou na fazenda em Minas Gerais. Regressou a

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Portugal em 1925, concluiu o ensino liceal e frequentou em Coimbra o curso de

Medicina, que terminou em 1933. Em 1936, lançou outra revista, Manifesto, de

breve duração. Várias vezes premiado, nacional e internacionalmente, foram-

lhe atribuídos, entre outros, o prémio Diário de Notícias (1969), o prémio

Internacional de Poesia (1977), o prémio Montaigne (1981), o prémio Camões

(1989), o prémio Vida Literária da APE (1992) e o prémio da Crítica (1993).

Tropa, Alfredo (1939-). Natural do Porto. Frequentou a Faculdade de

Ciências de Coimbra e, nesta cidade, iniciou a sua actividade cinematográfica,

realizando curtas-metragens (1960). Partiu para Paris (1961) para seguir

estudos no Institut d´Hautes Études Cinematographiques, onde se diplomou

em realização. De regresso a Portugal (1968), ingressou na RTP

(Radiotelevisão Portuguesa).

Vasconcelos, António-Pedro de (1939-). Natural de Leiria. É uma das

principais figuras do actual cinema português. Dirigiu, em finais da década de

50, o Cine–Clube Universitário de Lisboa. Estudou cinema na Sorbonne, em

Paris. Foi professor na Escola de Cinema do Conservatório e colaborador

assíduo de várias publicações especializadas, destacando–se a revista

Cinéfilo. Após 1974, fundou com Paulo Branco a produtora V.O. Filmes. Foi

galardoado com a condecoração da ordem do infante D. Henrique.

Viana, Eduardo Afonso (1881-1967) Natural de Lisboa. Um dos mais

importantes nomes da pintura portuguesa dos anos 20. Formou-se na

Academia de Belas-Artes de Lisboa (1896 – 1905) partindo para Paris

imediatamente. A sua carreira esteve marcada pelo «fauvismo», antes de

1914, e pelo «orfismo», e ainda pelo colorido de Amadeo de Souza Cardoso.

Mantendo-se próximo das problemáticas de 1900, num itinerário pessoal de

isolamento, acabou por restringir a sua prática de pintura à natureza-morta. Os

seus últimos trabalhos possuem o impacto de um discurso pictórico puro.

Integrado na primeira geração da arte moderna em Portugal, ao lado de

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Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza Cardoso, conseguiu

com o seu naturalismo modernizado impor-se à geração seguinte. O momento

mais relevante da sua evolução ocorreu em 1925, com os nus pintados para o

Bristol Clube e as paisagens para a Brasileira do Chiado.

Vieira, Álvaro Joaquim de Melo Siza (1933-). Natural de Matosinhos.

Concluiu a sua formação em arquitectura na Escola Superior de Belas-Artes do

Porto com 20 valores. Iniciou a sua actividade profissional em 1955. O projecto

para o Bairro da Malagueira (Porto) trouxe-lhe a primeira menção

internacional. Após o incêndio da zona do Chiado (Lisboa), em 1988, recebeu o

convite da Câmara Municipal de Lisboa para dirigir a reconstrução dessa zona.

No Centro Galego de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela, mais

uma vez afirma a procura dos elementos essenciais no trabalho de arquitectar,

recusando a excessiva afirmação do edifício em relação ao seu conteúdo ou ao

seu objectivo. Com uma crescente projecção internacional, foi premiado com o

Prémio de Arquitectura da Associação Internacional de Críticos de Arte (1982),

o Prémio da Associação dos Arquitectos Portugueses (1987), as medalhas de

Ouro do Colégio de Arquitectos (Espanha), da Fundação Alvaar Aalto

(Finlândia), o Prémio Pritzker (1992), o Grande Prémio Nacional de

Arquitectura (1993) e o Prémio Secil de Arquitectura (1996).

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Cronologia abreviada:

Ano Nascimento de artistas referidos no texto Acontecimentos políticos / culturais

1850 Junqueiro, Abílio Manuel de Guerra

1855 Malhoa, José

1863 Reis, Carlos

1864 Salgado, José Veloso; Freire, Luciano Martins

1865 Sousa, Aurélia de

1867 Pessanha, Camilo de Almeida

1868 Motta, José Vianna da

1869 Castro, Eugénio de; Silva, José Marques da

1872 Carneiro, António Teixeira

1877 Pascoaes, Teixeira de

1879 Lopes, Adriano Sousa; Costa, Luís; Lino, Raul

1881 Correia, João Freire; Viana, Eduardo Afonso

1885 Franco, Francisco; Ribeiro, Aquilino

1887 Cardoso, Amadeo de Souza; Carvalhais, José Herculano Stuart Torres de Almeida

1888 Pessoa, Fernando António Nogueira; Manta, Abel

1889 Santa-Rita Pintor; Macedo, Diogo de

1890 Sá-Carneiro, Mário de; Branco, Luís de Freitas; Gomes, Dórdio; Maia, Ernesto Canto da

1892 Coelho, Ruy

1893 Negreiros, José Sobral de Almada

1894 Barradas, Jorge Nicholson Moore; Soares, António

1895 Ferro, António Joaquim Tavares; Duarte, Artur de Jesus Pinto Pacheco

1896 Barros, José Júlio Marques Leitão de; Silva, Luís Cristino da

1897 Telmo, José Ângelo Cotinelli; Monteiro, Porfírio Pardal

1898 Branco, Cassiano; Castro, José Maria Ferreira de; Almeida, Leopoldo Neves de

1899 Pacheco, Duarte; Marques, Bernardo Loureiro; Botelho, Carlos

1900 Eloy, Mário

1901 Régio, José; Cruz, Ivo

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1902 Freitas, Frederico de; Feyo, Salvador Carvão de Eça Barata

1906 Graça, Fernando Lopes Ditadura de João Franco

1907 Torga, Miguel

1908 Oliveira, Manoel de; Silva, Maria Helena Vieira da; Ribeiro, António Lopes

Assassínio de D. Carlos

1909 Gomes, Joaquim Soeiro Pereira; Pedro, António

1910 Fraga, Augusto; Amaral, Francisco Keil do; Canto, Jorge Brum do

Proclamação da República

1911 Redol, António Alves; Ribeirinho Constituição Republicana; Exposição Livre

1912 I Exposição do Humoristas

1913 II Exposição do Humoristas

1914 António Dacosta

1915 I Exposição dos Humoristas e Modernistas

1916 Queiroga, José Manuel Nobre Perdigão; Faria, Manuel Ferreira de; Ferreira, Vergílio

Entrada de Portugal na I Grande Guerra; II Exposição dos Modernistas

1917 Resende, Júlio Júlio Martins da Silva Dias) Ditadura de Sidónio Pais; Portugal Futurista

1918 Assassínio de Sidónio Pais

1919 Sena, Jorge de III Exposição dos Modernistas

1920 Afonso, Nadir III Exposição dos Humoristas

1922 Bessa-Luís, Agustina; Saramago, José; Branco, João de Freitas

1923 Andrade, Eugénio; Lanhas, Fernando; Távora, Fernando

1924 Santareno, Bernardo; Santos, Joly Braga IV Exposição dos Humoristas

1926 Abelaira, Augusto José de Freitas; Pomar, Júlio Artur da Silva; Monteiro, Luís de Sttau

Golpe militar do 28 de Maio e início da Ditadura Militar; IV Exposição dos Modernistas

1927 Baptista, António Alçada; Cargaleiro, Manuel Alves; Mourão-Ferreira, David

1928 Salazar Ministro das Finanças

1930 Acto Colonial; I Salão dos Independentes

1931 II Salão dos Independentes

1932 António Ferro entrevista Salazar; Exposição da Indústria Portuguesa

1933 Costa, José Fonseca e; Vieira, Siza Início formal do Estado Novo, com o referendo da Constituição

1934 I Exposição Colonial Portuguesa

1935 Rocha, Paulo I Exposição de Arte Moderna do SPN

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1936 II Exposição de Arte Moderna do SPN, Exposição de Arte GentílicaI; Exposição do Ano X da Revolução

1937 Cutileiro, João Exposição Internacional de Paris, com participação portuguesa

1938 Taveira, Tomás Duarte Pacheco Ministro das Obras Públicas

1939 Monteiro, João César; Tropa, Alfredo; Vasconcelos, António-Pedro de

1940 Peixinho, Jorge Grande Exposição do Mundo Português

1941 Cláudio, Mário

1942 António, Lauro

1944 Diogo de Macedo director do Museu de Arte Contemporânea

1946 Jorge, Lídia

1947 Cineclube do Poro

1948 Exposição 14 Anos de Política do Espírito; I Congresso Nacional de Arquitectura

1949 Campanha de Norton de Matos; I Exposição de Os Surrealistas; Exposição de Arte Negra

1950 II Exposição de Os Surrealistas

1951 Exposição de Arte Sacra Missionária

1953 Exposição 25 Anos do Governo da Nação

1955 Inquérito à Arquitectura Popular (até 1961)

1958 Campanha de Humberto Delgado

1961 Início da Guerra Colonial

1966 Exposição As Artes ao Serviço da Nação

1968 Governo de Marcello Caetano

1970 Morte de Salazar

1974 Golpe do 25 de Abril

1986 Entrada na CEE