arte em espaÇo pÚblico: esculturas e … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... ii e iii),...

13
ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E NARRATIVAS VISUAIS EM IBIPORÃ - PR. Isabelle Catucci da Silva. Mestranda em Antropologia Social, Universidade Federal do Paraná. [email protected] Ao andarmos no centro da cidade de Ibiporã, norte do Paraná, percebemos um número relevante de esculturas em praças e logradouros públicos. Henrique de Aragão é o autor de quinze esculturas em metal distribuídas em pontos estratégicos da cidade, a partir de 1989-90. O movimento artístico que possibilitou a instalação de obras de arte no espaço público inicia com a chegada de Aragão em 1956, na jovem cidade de Ibiporã (emancipada em 1947), vizinha a Londrina, permitindo aos habitantes da região, encontros, apresentações teatrais, exposições e discussões sobre arte, eventos a partir dos quais, uma rede de relações e significados foi sendo tecida. A Casa de Artes e Ofícios Paulo IV, no centro de Ibiporã, onde habita e trabalha o escultor, abrigou cursos e ensaios teatrais, assim como a visitação intensa, seja de interassados em conhecer o acervo artístico, seja de amigos em visitas ao artista. Este ensaio propõe uma análise sobre as obras de arte públicas da cidade, do museu de esculturas ao ar livre de Ibiporã. A partir das representações das esculturas nesta sociedade, percebemos expressas em imagens de jornais, discursos políticos, falas poéticas, narrativas históricas e relatos dos habitantes, algumas compreensões sobre a construção multifacetada destes objetos, constituindo com isso, imagens da própria cidade. III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 1464

Upload: tranquynh

Post on 27-Jul-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E NARRATIVAS VISUAIS EM

IBIPORÃ - PR.

Isabelle Catucci da Silva.

Mestranda em Antropologia Social, Universidade Federal do Paraná.

[email protected]

Ao andarmos no centro da cidade de Ibiporã, norte do Paraná, percebemos um número

relevante de esculturas em praças e logradouros públicos. Henrique de Aragão é o autor de

quinze esculturas em metal distribuídas em pontos estratégicos da cidade, a partir de 1989-90.

O movimento artístico que possibilitou a instalação de obras de arte no espaço público

inicia com a chegada de Aragão em 1956, na jovem cidade de Ibiporã (emancipada em 1947),

vizinha a Londrina, permitindo aos habitantes da região, encontros, apresentações teatrais,

exposições e discussões sobre arte, eventos a partir dos quais, uma rede de relações e

significados foi sendo tecida.

A Casa de Artes e Ofícios Paulo IV, no centro de Ibiporã, onde habita e trabalha o

escultor, abrigou cursos e ensaios teatrais, assim como a visitação intensa, seja de interassados

em conhecer o acervo artístico, seja de amigos em visitas ao artista.

Este ensaio propõe uma análise sobre as obras de arte públicas da cidade, do museu de

esculturas ao ar livre de Ibiporã. A partir das representações das esculturas nesta sociedade,

percebemos expressas em imagens de jornais, discursos políticos, falas poéticas, narrativas

históricas e relatos dos habitantes, algumas compreensões sobre a construção multifacetada

destes objetos, constituindo com isso, imagens da própria cidade.

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1464

Page 2: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

Assim, a partir de uma obra de arte, podemos refletir sobre seus significados e

representatividade, em três linhas de discurso através das imagens: o artístico, baseado na

obra em si, sua realização técnica e poética; o relacional, destinado a um público, que recebe

as intenções dadas pelo artista ou não; e o simbólico, que registra e seleciona significados,

atribuídos em consenso ou selecionados estrategicamente.

.

O triangulo de análise proposto, parte da teoria semiótica de Charles Sander Peirce, de

escola pragmática1, influenciado pelo estudioso da lingüística estruturalista, F. Saussurre. As

considerações de Peirce pretendem abarcar o estudo empírico, no qual, a linguagem como tal,

possa ser estudada como uma metodologia científica.

Para Peirce, os objetos ao serem observados na realidade, constroem crenças sobre

esta realidade, representadas por signos deste objeto(PEIRCE, 2005,p.28), designando esta

ação de representamen.Os signos recebidos são, segundo sua teoria, capazes de evocar outros

signos, associando efeitos, percebidos pelo interpretante.(idem,p.28)

Uma vez que Peirce não parte do dualismo ocidental para um signo, entre o

significado e o significante, mas com a mediação de um terceiro, pois para ele a realidade

como tal, só pode ser percebida a partir da experiência, em termos físicos e cognitivos,

transcendendo o objeto ou signo em si, constituído então, a partir da idéia que produzimos do

objeto em um dado contexto. Os critérios que utilizamos para chegarmos a uma racionalidade

empírica, são segundo Peirce2, dados pela sensação, reação e aprendizagem

Desta maneira, para que possamos perceber um signo, realizamos ligações, relações

entre outros signos, produzindo um sistema de linguagem. Para compreendermos os objetos

artísticos na cidade de Ibiporã, partimos então, para três relações possíveis: a obra de arte, em

seu viés poético, o público, que contempla, sente, convive e reage com as obras, e a dos

registros escritos, que compõem simbolizações da cidade associadas as obras de arte.

Arte – objeto ‐  

imagem

Público ‐ 

receptor 

Símbolos da 

cidade ‐

significado

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1465

Page 3: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

CIDADE E TEMPO NOS OBJETOS

A praça central da cidade de Ibiporã, é como em

muitas cidades interioranas, um dos principais

locais de encontro e exposição de idéias. As

ruas que delimitam a praça combinam com a da

Igreja Católica Matriz, e da principal avenida

comercial da cidade.

Na praça Pio XII vários marcos foram

instaurados desde sua criação, que coincide com

o início do processo de urbanização da cidade,

como coretos, fontes, jardins e luminárias.

Aqui estaremos atentos as primeiras esculturas

do artista Henrique de Aragão, instaladas em

1989, “Verso” e “Reverso”.

Para prosseguirmos a análise, selecionamos três

momentos, presentes nas imagens ao lado (FIG

I, II e III), que correspondem a três tempos

distintos, o de sua instalação em 1989, da

interação com o público, percebido pelo jornal

no ano 2000 e de sua presença no meio urbano,

sem referência direta, em um jornal de 2005.

Embora seja de fundamental importância o

processo físico de produção dessas imagens, na

fotografia, impressão e reprodução, pois como

bem percebe o historiador Hans Belting “las

imagenes existen em la historia doble de la

producion mental y material de imagenes”.

(BELTING, 2007, p.38), nos deteremos no

contexto presente nas imagens, de modo que possamos perceber, a posteriori, uma linguagem

discursiva, com a qual, possamos orientar nossas próximas análises. 

Lanchonete da Praça Pio XII- 1989. Acervo Museu

Histórico de Ibiporã

 

Tribuna de Ibiporã, 20 de outubro de 2000 p 8  

“Ibiporã quer blindar ocupação desordenada” Folha de

Londrina, 14 março 2005, p.3 Legenda da foto: Objetivo

principal do projeto é tornar a cidade auto-sustentável, sem

prejudicar a qualidade de vida.

 

FIG. I :

FIG II:

FIG III:

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1466

Page 4: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

“Verso” e “Reverso”. Fotos da autora, 2010.

ASSOCIAÇÕES INAUGURADAS

Sobre a poética da obra, Aragão tem muito a dizer. Suas falas estão envoltas de gestos,

pois são eles, os inspiradores dos movimentos contidos das figuras representadas. Praticando

o Tai Chi Chuan, o corpo respira e a alma se eleva. É realizada em um momento interessante

de sua carreira, já havia inaugurado em 1973 em Maringá uma obra pública, na principal

praça da cidade, e preparado no ano anterior,

mas instalado em 1989, sua obra monumental,

“O Passageiro” marcando a força de sua

presença artística no norte do estado.

Segundo o artista, com material doado pelo

Banco Banestado, investiga a dualidade entre

razão e emoção na escultura. São várias obras

que resultam dessa fase, entre o figurativo e o

geométrico, com os quais, compõe com formas

opostas e complementares, seres que ora se

expande no círculo, a partir da cosmovisão de

Aragão em que o círculo é percebido como

um universo e o quadrado como mundano, ou comprime-se, contido nas formas.

Para a crítica e historiadora da arte Adalice Maria de Araújo, em um texto3 apresentando as

esculturas do Museu ao ar livre de Ibiporã, no qual estas obras são incluídas, sua expressão

que contrapõe figuras geométricas vazadas e completas, com figuras humanas, “tanto

ampliam a tensão dramática, como a plasticidade rítmica das figuras”. (ARAUJO, 1990, p.01)

Assim, a linguagem que utilizam para comunicar as obras de arte, esta direcionada a

impressão que as obras causam, seja em sua dimensão formal, nas chapas de metal vazadas ou

inteiras, seja nas posições que as formas da figura humana são colocadas. Há nestas falas, um

discurso, próprio de quem realiza a obra e utiliza a imagem produzida para uma comunicação,

direcionada em sentidos universalistas, no qual, pressupõe-se que qualquer ser humano,

independente do contexto, poderia reconhecer tais aspectos.

Há nos objetos, nas esculturas, propriedades características, que em Peirce podemos

perceber como o que denominou de qualisignos, (PEIRCE, 2005, p.51)ou seja, signos que

percebemos através de sensações, qualidades inerentes dos objetos. Neste sentido, o

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1467

Page 5: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

representamen é percebido como um ícone, no qual a figura fechada está associada

culturalmente a um movimento para o interior, e a vazada para um movimento expansivo.

No entanto, as considerações poéticas sobre a obra podem se complexificar, a medida

que avançamos, e ao observarmos a FIG I, na foto do acervo do Museu Histórico de Ibiporã,

produzimos outras reflexões sobre a obra, pois uma vez que estamos a analisando imagens, e

não as obras em si, nos deteremos a seu primeiro registro no tempo, quando sua instalação foi

promovida, a pedido do prefeito da época, que diz da parceria entre a prefeitura e o artista

para que a obra pudesse ser concluída.

Há meandros que as imagens não contam, seja a base de financiamento, ou o processo

que resultou em sua instalação. É certo que houve, segundo a fala do prefeito, um incentivo

por parte da prefeitura, ainda que fosse intermediar a parceria para a doação de material pelo

Banco Banestado Clube. A mão de obra do artista não foi cobrada, pois segundo o prefeito, “a

iniciativa parte do poder público”, pois sem a parceria o artista ficaria apenas com a idéia.

Para Aragão, a encomenda do amigo prefeito foi muito bem-vinda, visto que estava

em uma fase de produção, na qual as obras já não cabiam no atelier, e a exposição ao público,

que já acontecia na Casa de Artes e Ofícios Paulo VI, vizinha a praça, alcançaria mais

pessoas. Segundo o prefeito reeleito, “noventa por cento das pessoas conhecem Verso e

Reverso, porque está em contato com o público”

A foto de 1989 demonstra como estavam inseridas as obras naquele contexto, perto da

lanchonete também recém-inaugurada, abrindo horizontes de uma modernidade, que podia ser

vista pelos habitantes de Ibiporã na cidade vizinha, Londrina com grande centro comercial, e

também com uma grande obra de Aragão.

A respeito de troféus que encomendam a Aragão, ele escreve em um texto presente em

seu acervo pessoal, que lhe pedem a réplica do tão popular conjunto de esculturas, que:

“...marcaram a cidade de modo permanente desde a sua primeira instalação, no local

onde foi construída a 1ª lanchonete “Pública” pelo Governo Municipal. Na imprensa

falada e escrita, Ibiporã foi citada como pioneira e original no seguir o exemplo de

grandes centros do Estado e do País.” (ARGÃO, H. escrito Terra Bonita. Inverno de

2005.)

Apesar do interesse na réplica, Aragão diz que não imitaria outros, tão pouco a si

mesmo. Cria uma nova escultura para o troféu e mantém registrado o apreço da população as

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1468

Page 6: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

esculturas centrais, “Verso” e “Reverso”, elevadas a uma categoria icônica, representando

para população, não apenas a modernidade conjugada na nova lanchonete pública, mas

características associadas a elas, que as projetam como um marco importante para a

população.

PERTENCIMENTO E EXPRESSÃO

Já na segunda foto (FIG.II), uma nota do jornal local, a Tribuna de Ibiporã, do ano

2000, chama atenção a um outro momento da escultura, segundo o artigo um problema que se

repete, já anunciado em 1997 pelo jornal: a pichação das obras de arte.

Cabe-nos agora situar um movimento interessante, das obras que são colocadas em um

outro espaço, ainda na praça, mas agora em frente a ela, quando a lanchonete pública já não

faz sentido, desativada, e o centro ganha novas ruas que conjugam com a principal avenida da

cidade. É criado um pequeno pavimento em frente praça, e as obras, que ficavam em

pedestais de concreto em forma de escadaria, ganham novos pedestais, agora de concreto em

base quadrada, com espaços que possibilitam que as pessoas se sentem.

O movimento da praça também ganha novos ritmos, carrinhos de lanches a noite

movimenta grupos de jovens, e pontos de venda de sorvete mantêm o movimento nos dias

ensolarados. A nova localização, realizada pela prefeitura sem a supervisão do artista, coloca

a escultura em local de maior visibilidade, onde o transito de carros e ônibus tem a visão livre

para olhar quem está em frente a praça. Isso contribui para que jovens que saem da escola

próxima comecem a se reunir em torno das esculturas, hábito continuado por outros

adolescentes durante a noite.

Os estudantes que escrevem nas laterais das placas, com errorex – tinta branca de

apagar caneta, expõem os erros que apagam na escola, escancaram ali nomes, pares afetuosos,

palavras vulgares e frases que costumamos ler em portas de banheiros públicos. Há registros

da Fundação Cultural das tentativas de correção deste ato, assim como inúmeras restaurações,

mas o espaço, ponto privilegiado, continua sua reapropriação, com cartazes de festas colados

e adereços para as esculturas.

Não se trata de nenhuma reclamação política ou de reivindicação por espaço, mas de

conversas entre pares, que se reconhecem ali, quando depois da aula, sentam nas bases das

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1469

Page 7: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

esculturas e olham o movimento da cidade. O artista diz que as mais absurdas obscenidades já

foram praticadas lá, também já instalaram objetos, fizeram dos ‘cabelos’ da escultura chifres;

e perguntando sobre estas pichações, a indignação do artista é frente ao mundo, ao estado da

política brasileira, da consciência educacional, da cultura que não é cultivada. As obras são

como reflexos, vítimas de um sistema, os jovens reproduzem o que pensam, e se estão a

pensar somente nisso com tantas indignações a se preocupar, o que fazer?

No artigo de jornal apresentado na FIG II, o comentário político é sobre um

vandalismo generalizado “perpetuado” na cultura brasileira, pichações que encontramos em

qualquer lugar. Do outro lado estão as pessoas, que insistem em registrar suas passagens nas

chapas de metal, algumas informam que gostam das esculturas, as divisões que a escultura

provoca na base, transforma a base em quatro bancos, nos quais as pessoas podem se

esconder umas das outras ou manter uma relação mais próxima.

O fato é que se tornaram mobiliário urbano, além de obras de arte, bancos e murais de

informações, lugar de passagem e encontro, espaço disputado e marcado. As dinâmicas às

quais estas obras estão expostas são bastante diferentes das outras obras do museu de

esculturas ao livre, fato que ao menos em parte, explica o número reduzido de intervenções

nas outras obras, e a frequente interferência neste.

A esta reação do público, a partir da semiótica de Pierce poderíamos ler como uma

relação com a realidade indiciada, ou seja, onde há um índice que torna a comunicação arte

recriada do processo, com níveis de suposições maiores do que uma simples contemplação.

Estas propriedades especiais presentes na linguagem visual, fazem com que leiamos o

representamen como um sinsigno (PEIRCE,2005, p.52), presente em uma leitura secundária

das obras.

PRESENÇA E CONTINUIDADE

Já na terceira foto (FIG. III) tomamos como exemplo uma reportagem de um jornal

regional, a Folha de Londrina, em 2005, cujo tema principal abordado não são as obras de

arte, mas a cidade de Ibiporã discutida em sua crescente urbanização.

Embora a foto do jornal traga as esculturas públicas da cidade, a entonação da legenda

no mostra a preocupação do movimento intenso de carros e motos, nas fotos ao lado desta, um

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1470

Page 8: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

mapa indica as áreas de ocupação urbana, e acima, um especialista em planejamento urbano

do município, que confere a legitimidade da reportagem.

A presença da foto com as esculturas de Aragão em uma reportagem sobre ocupação

urbana e desenvolvimento que mantém a qualidade de vida de seus cidadãos, nos leva a

refletir sobre outras questões. Uma vez que as obras se tornam parte da paisagem urbana,

assim como apropriadas em seu aspecto material, as esculturas continuam a apresentar uma

característica já colocada anteriormente, quando aparecem em 1989, associadas a uma

modernidade presente em obras públicas, como a primeira lanchonete pública. Agora as obras

são parte de um contexto, com uma proposta de ocupação urbana auto-sustentável.

Assim o local de maior trânsito, que intencionalmente coincide com as obras artísticas,

guarda uma imagem da cidade enquanto centro de urbanização, com discussões sobre o índice

populacional, o planejamento de áreas versus a ocupação desordenada, de um progresso

inevitável. Assim, a qualidade de vida se torna o argumento principal, ensejado por qualidade

da água e áreas de ocupação determinadas.

A cidade demonstrada pela foto no jornal regional anuncia as cidades vizinhas, uma

preocupação em voga, discutida em vários meios de comunicação, a sustentabilidade. Embora

isso nada tenha a ver com as esculturas, o conceito “qualidade de vida” é facilmente

reconhecível no lazer, propiciado pela praça e obras artísticas. O crescimento inevitável da

população, visível no trânsito intenso, afirma a mensagem, a pequena e bela4 cidade em pleno

crescimento e desenvolvimento.

Retomando a teoria da comunicação, na qual Peirce emprega conceitos com o fim de

trazê-los a uma ciência empírica, a característica de urbanização, apontada nas obras, não diz

respeito apenas a estética ou a performance da comunidade frente aos objetos, mas a uma

questão mais abrangente. Não fazemos menção a uma qualidade intrínseca das obras, visto

que basta apenas ao jornal mencionar a paisagem urbana, um conjunto de elementos que

caracteriza a cidade ibiporaense, uma classe, denominada por Peirce de símbolos.(PEIRCE,

2005, p.40)

Assim, as esculturas naquele ambiente, apresentam o representamen como legisignos,

percebidos em uma perspectiva distanciada mas normativa, na qual as obras de arte são como

tais, parte da imagem da cidade, convencionalmente colocadas como simbolização da vida de

seus habitantes.

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1471

Page 9: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

FIG. IV

Página interna (p.3) do folder turísticoproduzido pela Prefeitura Municipal de Ibiporã,2009.

As dimensões dos signos apontadas por Peirce, perceptíveis em diferentes momentos

pelo interpretante, que por sua vez classifica na ordem hierárquica a cognição e denota

sentidos, a partir da Rhemes (rema), Dicisigno e Argumento(PEIRCE, 2005, p.53),

complexificando as combinações na estrutura de linguagem, o que possibilita interpretações

diferenciadas e nominadas segundo a ordem de ocorrência percebida na realidade.

Mas nos interessa aqui, além de analisar a linguagem pela qual as esculturas são

representadas, determinadas e interpretadas através de conceitos de semiótica a partir de

imagens, as relações efetivas destes objetos frente a comunidade ibiporaense, a partir de uma

reflexão mais antropológica, de como as esculturas permitem uma ação na vida dessas

pessoas.

AGENCIAMENTO E ASSOCIAÇÕES

Quando propomos uma apreciação das obras de arte na comunidade, vários sentidos

são traçados, alguns dos quais, apenas um olhar mais apurado e um ouvido atento, podem

captar. Clifford Geertz, antropólogo norte americano, em seu texto sobre o “Conhecimento

Local”, nos apresenta seu incômodo ao descrever atividades artísticas sobre uma base

puramente analítica: “la unidad de forma y contenido es, allí donde se produce y en el grado

en que se produce, un acto cultural, y no una tautología filosófica.”(GEERTZ,1983,p.125).

Assim, mais do que uma imagem representacional,

as obras de arte possuem contextos e podem ser descritas,

de modo mais minucioso, a partir de perspectivas locais,

em ações culturais. Alfred Gell (1998), autor de “Art and

Agency” enfatiza na comunicação simbólica, a agência, a

intenção, a causa, o resultado e a transformação,

incorporando a prática “mediadora” (GEEL, 1998, p.20)

do papel da arte no processo social.

A presença do artista na cidade, um dos fundadores

da Casa de Artes e da Fundação Cultural de Ibiporã,

apresenta um diferencial para apreciação de suas obras.

Por ser conhecido pela população da cidade, não só pelas

esculturas públicas, mas também por seu trabalho com

arte sacra, com inúmeras obras para Igrejas de toda a

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1472

Page 10: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

FIG. IV

Detalhe do monumento no canto inferior direito da capa da revista

FIG.V

Compêndio Histórico de Ibiporã (BISOTTO, 2008, p.122)

região, suas esculturas são rapidamente associadas a sua pessoa.

A correspondência direta da imagem de Henrique de Aragão na FIG IV, sua obra

recente, a fonte luminosa “Velas ao Vento” e as paisagens turísticas de Ibiporã, com festas

étnicas, demonstra como o município reelabora a presença das esculturas e artista na cidade.

No folder turístico, em meio as atrações, há a menção de sua presença, referenciando um

breve currículo do artista com suas obras públicas em outras cidades da região.

A autonomia das “festas populares”, promovidas pela Fundação Cultural de Ibiporã, é

anunciada como chamada no título que pouco tem a ver com o breve currículo do artista que

vem em seguida. Mas como compreender essa fusão? Talvez,

mais que uma programação visual despercebida, as menções

são parte do que a cidade propaga em voz alta, uma diversidade

cultural popular, que também abriga nos seus festejos e

orgulhos, a pessoa do artista presente em seu meio.

As obras presentes no espaço público sugerem ações, na

medida em que são capazes de mediar relações sociais e

produzir uma circulação de valores a partir de seus

significados. A visibilidade do artista foi construída a partir de

confrontos com o meio político em busca de espaços para

atuação artística e construções, em conjunto com a comunidade,

muitas vezes em mutirões, para realização de teatros de arena ou

mesmo para organização de peças teatrais.

Sua atuação na comunidade, também pelo viés religioso,

mantém um círculo ampliado de amizades, que segundo a Sra.

Maria, antiga moradora da cidade, é da arte sacra, que parte a

obra que mais admira, o “Cristo Ressuscitado” presente na Igreja

Matriz da cidade.

Também por vínculos construídos nestas texturas sociais

(GELL,1998), por onde podemos percorrer pelo ciclo de vida do

artista, tomamos de surpresa com assinaturas conjugadas em suas

obras, como no Marco dos Pioneiros, ou monumento em

comemoração ao cinqüentenário de Ibiporã, com assinatura de seu

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1473

Page 11: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

ajudante Agnaldo ao lado da sua. O monumento inaugurado em 1997, instalado na entrada de

Ibiporã, é percebido como um dos cartões postais da cidade (FIG. V), e presente no livro

histórico do município (FIG VI), encomendado pela assembléia legislativa e patrocinado por

diversas empresas.

Os vários nomes gravados no concreto, seja dos políticos, empresas, ou dos artistas,

não cabem apenas na parte visível do marco. Por ocasião do cinqüentenário, as escolas

colaboraram com escritos de crianças, nos quais desejos e perspectivas de futuro para a cidade

foram enterrados em uma urna, “a capsula do futuro” (BISOTTO, 2009, p.92).

O monumento, presente na memória de um dos habitantes da cidade, no evento de sua

organização, emociona ainda hoje. O rapaz diz que se lembra das belas palavras pronunciadas

pelo artista sobre a coragem dos fundadores de Ibiporã, pessoas que tinham o suor e o

trabalho como maior desafio. Os festejos do aniversário da cidade, estavam imersos de

saudosismo dos seus fundadores, chamados de pioneiros, mas que propiciava no contexto

criado, falas diversas.

Sem narrativa histórica, o artista representa símbolos orientais e ocidentais, animais da

cabala e escritos em sânscrito, informando que ali, não havia discriminação quanto a origem

racial ou de gênero, tal como deveria ser na vida das pessoas. Dentre as janelas abertas no

monumento, o olhar completa com a imagem da realidade, do outro, dos que convivem no

espaço, em um portal em forma de “s”, a obra se projeta, acompanhada conforme a fala do

artista, pela figura do sol e da lua, fiéis companheiros dos pioneiros.

As obras de arte, ainda não apresentando de forma narrativa a história do município,

recriam a concepção da cidade para seus habitantes. A poética da obra é contada no livro de

história, ao lado de informações políticas e de saneamento básico, informada pelo tempo e

espaço onde foi instalada. Os habitantes da cidade, por sua vez, colocam a obra em cartões

postais e capa de revista, mostrando que ali, a cidade também se reconhece, mas

especialmente, a partir dessas imagens, as pessoas podem reformular seus mundos, e com eles

suas relações sociais.

Para compreendermos o processo de significação das obras de arte em espaço público,

citadas aqui a partir de esculturas de Henrique de Aragão, percorremos por caminhos

recorrentes na trajetória de vida do artista, mas também, nas imagens onde as obras são

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1474

Page 12: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

representadas, analisadas pela tríade de Peirce, e exemplificadas na construção de memórias

da cidade e seus habitantes, presentes nos livros, jornais e revistas.

1  Por  considerar  que  as  teorias  pragmáticas,  de  aproximar  a  ciência  da  realidade,  não  seria  algo de pouca complexidade,  prefere  adotar  termos  estáveis  a  sua  teoria  e  produzir  uma  nova  designação,  chamou‐a  de pragmaticismo. 2 A partir da  leitura de Kant, Peirce retoma a percepção analítica do mundo através de uma  lógica tripartida. (PEIRCE, 2005, p.09) 3 Apresentação  crítica  das  obras  encomendada  pela  Fundação  Cultural  de  Ibiporã,  presentes  no  artigo  “ A contribuição  de  Henrique  de  Aragão  e  Leticia  Faria  para  o museu  permanente  de  esculturas  ao  livre  de Ibiporã”. 1990. Acervo do Museu Histórico de  Ibiporã.  4 O principal slogan da cidade é sua beleza, presente no nome traduzido do tupi guarani para “Terra Bonita”. BIBLIOGRAFIA

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1475

Page 13: ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E … · ... onde habita e trabalha o escultor, ... II e III), que correspondem a ... o de sua instalação em 1989, da interação com o público,

BELTING, Hans. Atropologia de la imagen. Buenos Aires: Katz Conocimiento, 2007

BISOTTO, Maria. L. Compêndio Histórico de Ibiporã. . Fundação Cultural de Ibiporã.

Ibiporã: Novagraf, 2008. Vol II.

GELL, Alfred. Art and agency: an anthropological theory. Oxford: Clarendon,1998.

GEERTZ, Clifford. El arte como sistema cultural in Conocimiento local. Ensayossobre La

interpretación de lãs culturas. Tradução Alberto López Bargados. Paidos: Barcelona, 1983. p.

117-147

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Tradução: José T. Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva,

2005.

 

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

1476