ARTE EM ESPAÇO PÚBLICO: ESCULTURAS E NARRATIVAS VISUAIS EM
IBIPORÃ - PR.
Isabelle Catucci da Silva.
Mestranda em Antropologia Social, Universidade Federal do Paraná.
Ao andarmos no centro da cidade de Ibiporã, norte do Paraná, percebemos um número
relevante de esculturas em praças e logradouros públicos. Henrique de Aragão é o autor de
quinze esculturas em metal distribuídas em pontos estratégicos da cidade, a partir de 1989-90.
O movimento artístico que possibilitou a instalação de obras de arte no espaço público
inicia com a chegada de Aragão em 1956, na jovem cidade de Ibiporã (emancipada em 1947),
vizinha a Londrina, permitindo aos habitantes da região, encontros, apresentações teatrais,
exposições e discussões sobre arte, eventos a partir dos quais, uma rede de relações e
significados foi sendo tecida.
A Casa de Artes e Ofícios Paulo IV, no centro de Ibiporã, onde habita e trabalha o
escultor, abrigou cursos e ensaios teatrais, assim como a visitação intensa, seja de interassados
em conhecer o acervo artístico, seja de amigos em visitas ao artista.
Este ensaio propõe uma análise sobre as obras de arte públicas da cidade, do museu de
esculturas ao ar livre de Ibiporã. A partir das representações das esculturas nesta sociedade,
percebemos expressas em imagens de jornais, discursos políticos, falas poéticas, narrativas
históricas e relatos dos habitantes, algumas compreensões sobre a construção multifacetada
destes objetos, constituindo com isso, imagens da própria cidade.
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1464
Assim, a partir de uma obra de arte, podemos refletir sobre seus significados e
representatividade, em três linhas de discurso através das imagens: o artístico, baseado na
obra em si, sua realização técnica e poética; o relacional, destinado a um público, que recebe
as intenções dadas pelo artista ou não; e o simbólico, que registra e seleciona significados,
atribuídos em consenso ou selecionados estrategicamente.
.
O triangulo de análise proposto, parte da teoria semiótica de Charles Sander Peirce, de
escola pragmática1, influenciado pelo estudioso da lingüística estruturalista, F. Saussurre. As
considerações de Peirce pretendem abarcar o estudo empírico, no qual, a linguagem como tal,
possa ser estudada como uma metodologia científica.
Para Peirce, os objetos ao serem observados na realidade, constroem crenças sobre
esta realidade, representadas por signos deste objeto(PEIRCE, 2005,p.28), designando esta
ação de representamen.Os signos recebidos são, segundo sua teoria, capazes de evocar outros
signos, associando efeitos, percebidos pelo interpretante.(idem,p.28)
Uma vez que Peirce não parte do dualismo ocidental para um signo, entre o
significado e o significante, mas com a mediação de um terceiro, pois para ele a realidade
como tal, só pode ser percebida a partir da experiência, em termos físicos e cognitivos,
transcendendo o objeto ou signo em si, constituído então, a partir da idéia que produzimos do
objeto em um dado contexto. Os critérios que utilizamos para chegarmos a uma racionalidade
empírica, são segundo Peirce2, dados pela sensação, reação e aprendizagem
Desta maneira, para que possamos perceber um signo, realizamos ligações, relações
entre outros signos, produzindo um sistema de linguagem. Para compreendermos os objetos
artísticos na cidade de Ibiporã, partimos então, para três relações possíveis: a obra de arte, em
seu viés poético, o público, que contempla, sente, convive e reage com as obras, e a dos
registros escritos, que compõem simbolizações da cidade associadas as obras de arte.
Arte – objeto ‐
imagem
Público ‐
receptor
Símbolos da
cidade ‐
significado
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1465
CIDADE E TEMPO NOS OBJETOS
A praça central da cidade de Ibiporã, é como em
muitas cidades interioranas, um dos principais
locais de encontro e exposição de idéias. As
ruas que delimitam a praça combinam com a da
Igreja Católica Matriz, e da principal avenida
comercial da cidade.
Na praça Pio XII vários marcos foram
instaurados desde sua criação, que coincide com
o início do processo de urbanização da cidade,
como coretos, fontes, jardins e luminárias.
Aqui estaremos atentos as primeiras esculturas
do artista Henrique de Aragão, instaladas em
1989, “Verso” e “Reverso”.
Para prosseguirmos a análise, selecionamos três
momentos, presentes nas imagens ao lado (FIG
I, II e III), que correspondem a três tempos
distintos, o de sua instalação em 1989, da
interação com o público, percebido pelo jornal
no ano 2000 e de sua presença no meio urbano,
sem referência direta, em um jornal de 2005.
Embora seja de fundamental importância o
processo físico de produção dessas imagens, na
fotografia, impressão e reprodução, pois como
bem percebe o historiador Hans Belting “las
imagenes existen em la historia doble de la
producion mental y material de imagenes”.
(BELTING, 2007, p.38), nos deteremos no
contexto presente nas imagens, de modo que possamos perceber, a posteriori, uma linguagem
discursiva, com a qual, possamos orientar nossas próximas análises.
Lanchonete da Praça Pio XII- 1989. Acervo Museu
Histórico de Ibiporã
Tribuna de Ibiporã, 20 de outubro de 2000 p 8
“Ibiporã quer blindar ocupação desordenada” Folha de
Londrina, 14 março 2005, p.3 Legenda da foto: Objetivo
principal do projeto é tornar a cidade auto-sustentável, sem
prejudicar a qualidade de vida.
FIG. I :
FIG II:
FIG III:
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1466
“Verso” e “Reverso”. Fotos da autora, 2010.
ASSOCIAÇÕES INAUGURADAS
Sobre a poética da obra, Aragão tem muito a dizer. Suas falas estão envoltas de gestos,
pois são eles, os inspiradores dos movimentos contidos das figuras representadas. Praticando
o Tai Chi Chuan, o corpo respira e a alma se eleva. É realizada em um momento interessante
de sua carreira, já havia inaugurado em 1973 em Maringá uma obra pública, na principal
praça da cidade, e preparado no ano anterior,
mas instalado em 1989, sua obra monumental,
“O Passageiro” marcando a força de sua
presença artística no norte do estado.
Segundo o artista, com material doado pelo
Banco Banestado, investiga a dualidade entre
razão e emoção na escultura. São várias obras
que resultam dessa fase, entre o figurativo e o
geométrico, com os quais, compõe com formas
opostas e complementares, seres que ora se
expande no círculo, a partir da cosmovisão de
Aragão em que o círculo é percebido como
um universo e o quadrado como mundano, ou comprime-se, contido nas formas.
Para a crítica e historiadora da arte Adalice Maria de Araújo, em um texto3 apresentando as
esculturas do Museu ao ar livre de Ibiporã, no qual estas obras são incluídas, sua expressão
que contrapõe figuras geométricas vazadas e completas, com figuras humanas, “tanto
ampliam a tensão dramática, como a plasticidade rítmica das figuras”. (ARAUJO, 1990, p.01)
Assim, a linguagem que utilizam para comunicar as obras de arte, esta direcionada a
impressão que as obras causam, seja em sua dimensão formal, nas chapas de metal vazadas ou
inteiras, seja nas posições que as formas da figura humana são colocadas. Há nestas falas, um
discurso, próprio de quem realiza a obra e utiliza a imagem produzida para uma comunicação,
direcionada em sentidos universalistas, no qual, pressupõe-se que qualquer ser humano,
independente do contexto, poderia reconhecer tais aspectos.
Há nos objetos, nas esculturas, propriedades características, que em Peirce podemos
perceber como o que denominou de qualisignos, (PEIRCE, 2005, p.51)ou seja, signos que
percebemos através de sensações, qualidades inerentes dos objetos. Neste sentido, o
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1467
representamen é percebido como um ícone, no qual a figura fechada está associada
culturalmente a um movimento para o interior, e a vazada para um movimento expansivo.
No entanto, as considerações poéticas sobre a obra podem se complexificar, a medida
que avançamos, e ao observarmos a FIG I, na foto do acervo do Museu Histórico de Ibiporã,
produzimos outras reflexões sobre a obra, pois uma vez que estamos a analisando imagens, e
não as obras em si, nos deteremos a seu primeiro registro no tempo, quando sua instalação foi
promovida, a pedido do prefeito da época, que diz da parceria entre a prefeitura e o artista
para que a obra pudesse ser concluída.
Há meandros que as imagens não contam, seja a base de financiamento, ou o processo
que resultou em sua instalação. É certo que houve, segundo a fala do prefeito, um incentivo
por parte da prefeitura, ainda que fosse intermediar a parceria para a doação de material pelo
Banco Banestado Clube. A mão de obra do artista não foi cobrada, pois segundo o prefeito, “a
iniciativa parte do poder público”, pois sem a parceria o artista ficaria apenas com a idéia.
Para Aragão, a encomenda do amigo prefeito foi muito bem-vinda, visto que estava
em uma fase de produção, na qual as obras já não cabiam no atelier, e a exposição ao público,
que já acontecia na Casa de Artes e Ofícios Paulo VI, vizinha a praça, alcançaria mais
pessoas. Segundo o prefeito reeleito, “noventa por cento das pessoas conhecem Verso e
Reverso, porque está em contato com o público”
A foto de 1989 demonstra como estavam inseridas as obras naquele contexto, perto da
lanchonete também recém-inaugurada, abrindo horizontes de uma modernidade, que podia ser
vista pelos habitantes de Ibiporã na cidade vizinha, Londrina com grande centro comercial, e
também com uma grande obra de Aragão.
A respeito de troféus que encomendam a Aragão, ele escreve em um texto presente em
seu acervo pessoal, que lhe pedem a réplica do tão popular conjunto de esculturas, que:
“...marcaram a cidade de modo permanente desde a sua primeira instalação, no local
onde foi construída a 1ª lanchonete “Pública” pelo Governo Municipal. Na imprensa
falada e escrita, Ibiporã foi citada como pioneira e original no seguir o exemplo de
grandes centros do Estado e do País.” (ARGÃO, H. escrito Terra Bonita. Inverno de
2005.)
Apesar do interesse na réplica, Aragão diz que não imitaria outros, tão pouco a si
mesmo. Cria uma nova escultura para o troféu e mantém registrado o apreço da população as
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1468
esculturas centrais, “Verso” e “Reverso”, elevadas a uma categoria icônica, representando
para população, não apenas a modernidade conjugada na nova lanchonete pública, mas
características associadas a elas, que as projetam como um marco importante para a
população.
PERTENCIMENTO E EXPRESSÃO
Já na segunda foto (FIG.II), uma nota do jornal local, a Tribuna de Ibiporã, do ano
2000, chama atenção a um outro momento da escultura, segundo o artigo um problema que se
repete, já anunciado em 1997 pelo jornal: a pichação das obras de arte.
Cabe-nos agora situar um movimento interessante, das obras que são colocadas em um
outro espaço, ainda na praça, mas agora em frente a ela, quando a lanchonete pública já não
faz sentido, desativada, e o centro ganha novas ruas que conjugam com a principal avenida da
cidade. É criado um pequeno pavimento em frente praça, e as obras, que ficavam em
pedestais de concreto em forma de escadaria, ganham novos pedestais, agora de concreto em
base quadrada, com espaços que possibilitam que as pessoas se sentem.
O movimento da praça também ganha novos ritmos, carrinhos de lanches a noite
movimenta grupos de jovens, e pontos de venda de sorvete mantêm o movimento nos dias
ensolarados. A nova localização, realizada pela prefeitura sem a supervisão do artista, coloca
a escultura em local de maior visibilidade, onde o transito de carros e ônibus tem a visão livre
para olhar quem está em frente a praça. Isso contribui para que jovens que saem da escola
próxima comecem a se reunir em torno das esculturas, hábito continuado por outros
adolescentes durante a noite.
Os estudantes que escrevem nas laterais das placas, com errorex – tinta branca de
apagar caneta, expõem os erros que apagam na escola, escancaram ali nomes, pares afetuosos,
palavras vulgares e frases que costumamos ler em portas de banheiros públicos. Há registros
da Fundação Cultural das tentativas de correção deste ato, assim como inúmeras restaurações,
mas o espaço, ponto privilegiado, continua sua reapropriação, com cartazes de festas colados
e adereços para as esculturas.
Não se trata de nenhuma reclamação política ou de reivindicação por espaço, mas de
conversas entre pares, que se reconhecem ali, quando depois da aula, sentam nas bases das
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1469
esculturas e olham o movimento da cidade. O artista diz que as mais absurdas obscenidades já
foram praticadas lá, também já instalaram objetos, fizeram dos ‘cabelos’ da escultura chifres;
e perguntando sobre estas pichações, a indignação do artista é frente ao mundo, ao estado da
política brasileira, da consciência educacional, da cultura que não é cultivada. As obras são
como reflexos, vítimas de um sistema, os jovens reproduzem o que pensam, e se estão a
pensar somente nisso com tantas indignações a se preocupar, o que fazer?
No artigo de jornal apresentado na FIG II, o comentário político é sobre um
vandalismo generalizado “perpetuado” na cultura brasileira, pichações que encontramos em
qualquer lugar. Do outro lado estão as pessoas, que insistem em registrar suas passagens nas
chapas de metal, algumas informam que gostam das esculturas, as divisões que a escultura
provoca na base, transforma a base em quatro bancos, nos quais as pessoas podem se
esconder umas das outras ou manter uma relação mais próxima.
O fato é que se tornaram mobiliário urbano, além de obras de arte, bancos e murais de
informações, lugar de passagem e encontro, espaço disputado e marcado. As dinâmicas às
quais estas obras estão expostas são bastante diferentes das outras obras do museu de
esculturas ao livre, fato que ao menos em parte, explica o número reduzido de intervenções
nas outras obras, e a frequente interferência neste.
A esta reação do público, a partir da semiótica de Pierce poderíamos ler como uma
relação com a realidade indiciada, ou seja, onde há um índice que torna a comunicação arte
recriada do processo, com níveis de suposições maiores do que uma simples contemplação.
Estas propriedades especiais presentes na linguagem visual, fazem com que leiamos o
representamen como um sinsigno (PEIRCE,2005, p.52), presente em uma leitura secundária
das obras.
PRESENÇA E CONTINUIDADE
Já na terceira foto (FIG. III) tomamos como exemplo uma reportagem de um jornal
regional, a Folha de Londrina, em 2005, cujo tema principal abordado não são as obras de
arte, mas a cidade de Ibiporã discutida em sua crescente urbanização.
Embora a foto do jornal traga as esculturas públicas da cidade, a entonação da legenda
no mostra a preocupação do movimento intenso de carros e motos, nas fotos ao lado desta, um
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1470
mapa indica as áreas de ocupação urbana, e acima, um especialista em planejamento urbano
do município, que confere a legitimidade da reportagem.
A presença da foto com as esculturas de Aragão em uma reportagem sobre ocupação
urbana e desenvolvimento que mantém a qualidade de vida de seus cidadãos, nos leva a
refletir sobre outras questões. Uma vez que as obras se tornam parte da paisagem urbana,
assim como apropriadas em seu aspecto material, as esculturas continuam a apresentar uma
característica já colocada anteriormente, quando aparecem em 1989, associadas a uma
modernidade presente em obras públicas, como a primeira lanchonete pública. Agora as obras
são parte de um contexto, com uma proposta de ocupação urbana auto-sustentável.
Assim o local de maior trânsito, que intencionalmente coincide com as obras artísticas,
guarda uma imagem da cidade enquanto centro de urbanização, com discussões sobre o índice
populacional, o planejamento de áreas versus a ocupação desordenada, de um progresso
inevitável. Assim, a qualidade de vida se torna o argumento principal, ensejado por qualidade
da água e áreas de ocupação determinadas.
A cidade demonstrada pela foto no jornal regional anuncia as cidades vizinhas, uma
preocupação em voga, discutida em vários meios de comunicação, a sustentabilidade. Embora
isso nada tenha a ver com as esculturas, o conceito “qualidade de vida” é facilmente
reconhecível no lazer, propiciado pela praça e obras artísticas. O crescimento inevitável da
população, visível no trânsito intenso, afirma a mensagem, a pequena e bela4 cidade em pleno
crescimento e desenvolvimento.
Retomando a teoria da comunicação, na qual Peirce emprega conceitos com o fim de
trazê-los a uma ciência empírica, a característica de urbanização, apontada nas obras, não diz
respeito apenas a estética ou a performance da comunidade frente aos objetos, mas a uma
questão mais abrangente. Não fazemos menção a uma qualidade intrínseca das obras, visto
que basta apenas ao jornal mencionar a paisagem urbana, um conjunto de elementos que
caracteriza a cidade ibiporaense, uma classe, denominada por Peirce de símbolos.(PEIRCE,
2005, p.40)
Assim, as esculturas naquele ambiente, apresentam o representamen como legisignos,
percebidos em uma perspectiva distanciada mas normativa, na qual as obras de arte são como
tais, parte da imagem da cidade, convencionalmente colocadas como simbolização da vida de
seus habitantes.
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1471
FIG. IV
Página interna (p.3) do folder turísticoproduzido pela Prefeitura Municipal de Ibiporã,2009.
As dimensões dos signos apontadas por Peirce, perceptíveis em diferentes momentos
pelo interpretante, que por sua vez classifica na ordem hierárquica a cognição e denota
sentidos, a partir da Rhemes (rema), Dicisigno e Argumento(PEIRCE, 2005, p.53),
complexificando as combinações na estrutura de linguagem, o que possibilita interpretações
diferenciadas e nominadas segundo a ordem de ocorrência percebida na realidade.
Mas nos interessa aqui, além de analisar a linguagem pela qual as esculturas são
representadas, determinadas e interpretadas através de conceitos de semiótica a partir de
imagens, as relações efetivas destes objetos frente a comunidade ibiporaense, a partir de uma
reflexão mais antropológica, de como as esculturas permitem uma ação na vida dessas
pessoas.
AGENCIAMENTO E ASSOCIAÇÕES
Quando propomos uma apreciação das obras de arte na comunidade, vários sentidos
são traçados, alguns dos quais, apenas um olhar mais apurado e um ouvido atento, podem
captar. Clifford Geertz, antropólogo norte americano, em seu texto sobre o “Conhecimento
Local”, nos apresenta seu incômodo ao descrever atividades artísticas sobre uma base
puramente analítica: “la unidad de forma y contenido es, allí donde se produce y en el grado
en que se produce, un acto cultural, y no una tautología filosófica.”(GEERTZ,1983,p.125).
Assim, mais do que uma imagem representacional,
as obras de arte possuem contextos e podem ser descritas,
de modo mais minucioso, a partir de perspectivas locais,
em ações culturais. Alfred Gell (1998), autor de “Art and
Agency” enfatiza na comunicação simbólica, a agência, a
intenção, a causa, o resultado e a transformação,
incorporando a prática “mediadora” (GEEL, 1998, p.20)
do papel da arte no processo social.
A presença do artista na cidade, um dos fundadores
da Casa de Artes e da Fundação Cultural de Ibiporã,
apresenta um diferencial para apreciação de suas obras.
Por ser conhecido pela população da cidade, não só pelas
esculturas públicas, mas também por seu trabalho com
arte sacra, com inúmeras obras para Igrejas de toda a
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1472
FIG. IV
Detalhe do monumento no canto inferior direito da capa da revista
FIG.V
Compêndio Histórico de Ibiporã (BISOTTO, 2008, p.122)
região, suas esculturas são rapidamente associadas a sua pessoa.
A correspondência direta da imagem de Henrique de Aragão na FIG IV, sua obra
recente, a fonte luminosa “Velas ao Vento” e as paisagens turísticas de Ibiporã, com festas
étnicas, demonstra como o município reelabora a presença das esculturas e artista na cidade.
No folder turístico, em meio as atrações, há a menção de sua presença, referenciando um
breve currículo do artista com suas obras públicas em outras cidades da região.
A autonomia das “festas populares”, promovidas pela Fundação Cultural de Ibiporã, é
anunciada como chamada no título que pouco tem a ver com o breve currículo do artista que
vem em seguida. Mas como compreender essa fusão? Talvez,
mais que uma programação visual despercebida, as menções
são parte do que a cidade propaga em voz alta, uma diversidade
cultural popular, que também abriga nos seus festejos e
orgulhos, a pessoa do artista presente em seu meio.
As obras presentes no espaço público sugerem ações, na
medida em que são capazes de mediar relações sociais e
produzir uma circulação de valores a partir de seus
significados. A visibilidade do artista foi construída a partir de
confrontos com o meio político em busca de espaços para
atuação artística e construções, em conjunto com a comunidade,
muitas vezes em mutirões, para realização de teatros de arena ou
mesmo para organização de peças teatrais.
Sua atuação na comunidade, também pelo viés religioso,
mantém um círculo ampliado de amizades, que segundo a Sra.
Maria, antiga moradora da cidade, é da arte sacra, que parte a
obra que mais admira, o “Cristo Ressuscitado” presente na Igreja
Matriz da cidade.
Também por vínculos construídos nestas texturas sociais
(GELL,1998), por onde podemos percorrer pelo ciclo de vida do
artista, tomamos de surpresa com assinaturas conjugadas em suas
obras, como no Marco dos Pioneiros, ou monumento em
comemoração ao cinqüentenário de Ibiporã, com assinatura de seu
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1473
ajudante Agnaldo ao lado da sua. O monumento inaugurado em 1997, instalado na entrada de
Ibiporã, é percebido como um dos cartões postais da cidade (FIG. V), e presente no livro
histórico do município (FIG VI), encomendado pela assembléia legislativa e patrocinado por
diversas empresas.
Os vários nomes gravados no concreto, seja dos políticos, empresas, ou dos artistas,
não cabem apenas na parte visível do marco. Por ocasião do cinqüentenário, as escolas
colaboraram com escritos de crianças, nos quais desejos e perspectivas de futuro para a cidade
foram enterrados em uma urna, “a capsula do futuro” (BISOTTO, 2009, p.92).
O monumento, presente na memória de um dos habitantes da cidade, no evento de sua
organização, emociona ainda hoje. O rapaz diz que se lembra das belas palavras pronunciadas
pelo artista sobre a coragem dos fundadores de Ibiporã, pessoas que tinham o suor e o
trabalho como maior desafio. Os festejos do aniversário da cidade, estavam imersos de
saudosismo dos seus fundadores, chamados de pioneiros, mas que propiciava no contexto
criado, falas diversas.
Sem narrativa histórica, o artista representa símbolos orientais e ocidentais, animais da
cabala e escritos em sânscrito, informando que ali, não havia discriminação quanto a origem
racial ou de gênero, tal como deveria ser na vida das pessoas. Dentre as janelas abertas no
monumento, o olhar completa com a imagem da realidade, do outro, dos que convivem no
espaço, em um portal em forma de “s”, a obra se projeta, acompanhada conforme a fala do
artista, pela figura do sol e da lua, fiéis companheiros dos pioneiros.
As obras de arte, ainda não apresentando de forma narrativa a história do município,
recriam a concepção da cidade para seus habitantes. A poética da obra é contada no livro de
história, ao lado de informações políticas e de saneamento básico, informada pelo tempo e
espaço onde foi instalada. Os habitantes da cidade, por sua vez, colocam a obra em cartões
postais e capa de revista, mostrando que ali, a cidade também se reconhece, mas
especialmente, a partir dessas imagens, as pessoas podem reformular seus mundos, e com eles
suas relações sociais.
Para compreendermos o processo de significação das obras de arte em espaço público,
citadas aqui a partir de esculturas de Henrique de Aragão, percorremos por caminhos
recorrentes na trajetória de vida do artista, mas também, nas imagens onde as obras são
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1474
representadas, analisadas pela tríade de Peirce, e exemplificadas na construção de memórias
da cidade e seus habitantes, presentes nos livros, jornais e revistas.
1 Por considerar que as teorias pragmáticas, de aproximar a ciência da realidade, não seria algo de pouca complexidade, prefere adotar termos estáveis a sua teoria e produzir uma nova designação, chamou‐a de pragmaticismo. 2 A partir da leitura de Kant, Peirce retoma a percepção analítica do mundo através de uma lógica tripartida. (PEIRCE, 2005, p.09) 3 Apresentação crítica das obras encomendada pela Fundação Cultural de Ibiporã, presentes no artigo “ A contribuição de Henrique de Aragão e Leticia Faria para o museu permanente de esculturas ao livre de Ibiporã”. 1990. Acervo do Museu Histórico de Ibiporã. 4 O principal slogan da cidade é sua beleza, presente no nome traduzido do tupi guarani para “Terra Bonita”. BIBLIOGRAFIA
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1475
BELTING, Hans. Atropologia de la imagen. Buenos Aires: Katz Conocimiento, 2007
BISOTTO, Maria. L. Compêndio Histórico de Ibiporã. . Fundação Cultural de Ibiporã.
Ibiporã: Novagraf, 2008. Vol II.
GELL, Alfred. Art and agency: an anthropological theory. Oxford: Clarendon,1998.
GEERTZ, Clifford. El arte como sistema cultural in Conocimiento local. Ensayossobre La
interpretación de lãs culturas. Tradução Alberto López Bargados. Paidos: Barcelona, 1983. p.
117-147
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Tradução: José T. Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva,
2005.
III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
1476