arte e cultura - escola dos trabalhadores · grécia como o “berço” desta arte, e mesmo que...

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Educação Integral dos Trabalhadores Escola de Turismo e Hotelaria Canto da Ilha 1 Educação Integral dos Trabalhadores ARTE E CULTURA COLETÂNEA DE TEXTOS EDUCANDOS Escola de Turismo e Hotelaria Canto da Ilha

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Educação Integral dos Trabalhadores Escola de Turismo e Hotelaria Canto da Ilha

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Educação Integral dos Trabalhadores

ARTE E CULTURA

COLETÂNEA DE TEXTOS

EDUCANDOS

Escola de Turismo e Hotelaria Canto da Ilha

Educação Integral dos Trabalhadores Escola de Turismo e Hotelaria Canto da Ilha

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ESCOLA DE TURISMO E HOTELARIA CANTO DA ILHA

Presidente da República LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Ministra do Turismo MARTA SUPLICY

Departamento de Qualificação e Certificação e de Produção Associada ao Turismo Esplanada dos Ministérios, Bloco U, 2º e 3° andar, Edifício Sede, Sala 306.

CEP 70059-900 - Brasília - DF ELABORAÇÃO, EDIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO:

ESCOLA DE TURISMO E HOTELARIA CANTO DA ILHA

Diretor Geral

JOSÉ CELESTINO LOURENÇO Diretor Financeiro

ANTONIO CARLOS SPIS Coordenação Geral

ROSANA MIYASHIRO Coordenação Pedagógica

ADRIANO LARENTES DA SILVA Apoio Pedagógico

KATIA REGINA RODRIGUES PASSARINI Equipe de Educadores

ALINE MARIA SALAMI; ANA CAROLINA R.HERRERA; EVARISTO DOPICO LUZARDO; HANEN SARKIS KANAAN; JULIANA RODRIGUES WALENDY; LUCIANA RAIMUNDO

Administrativo ALMIR ROGÉRIO DO NASCIMENTO

Auxiliar de Serviços Gerais ANA PAULA DE OLIVEIRTA MIORANZA www.escoladostrabalhadores.org.br

Ficha Catalográfica _____________________________________________________

Escola de Turismo e Hotelaria Canto da Ilha – CUT. Arte e cultura: coletânea de textos para educandos / Rosana Miyashiro, org. - Florianópolis : Central Única dos Trabalhadores – CUT, 2008. 52p. 1. Educação integral dos trabalhadores 2. Cultura e Trabalho 3. Educação profissional I. Título

______________________________________________________ Bibliotecário responsável: Eduardo Marcos Fahl – CRB-8/6387

Obs.: Os textos não refletem necessariamente a posição do Ministério do Turismo

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APRESENTAÇÃO

Caros (as) educandos (as),

A Escola de Turismo e Hotelaria Canto da Ilha – CUT vem desenvolvendo a

proposta pedagógica de Educação Integral dos Trabalhadores. A partir dos

acúmulos teórico-metodológicos e na perspectiva de contribuir com as políticas

públicas de Educação Profissional, firmou convênio com o Ministério do Turismo.

A coletânea de textos que ora apresentamos tem como referência o projeto

político pedagógico da escola e busca possibilitar a apreensão de novos

conhecimentos e reflexões coletivas em torno do mundo do trabalho no Turismo e

Hospitalidade.

Os Percursos Formativos propostos não se restringem ao mero preparo

técnico. Busca-se um trabalho integrado entre os conhecimentos gerais e específicos

da Arte e Cultura, de forma contextualizada.

Tem–se como perspectiva uma intervenção coletiva dos trabalhadores a partir

da percepção dos desafios contemporâneos a serem enfrentados pela classe

trabalhadora e que aponte para melhoria nas condições de trabalho e de vida.

É com esse objetivo que o presente material foi organizado. Bom estudo!

José Celestino Lourenço

Diretor Geral

Rosana Miyashiro

Coordenação Pedagógica

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“Mulheres e homens, somos os únicos seres que,

social e historicamente, nos tornamos capazes de

aprender. Por isso, somos os únicos em que aprender

é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo,

muito mais rico do que meramente repetir a lição

dada. Aprender para nós é construir, reconstruir,

constatar para mudar, o que não se faz sem

abertura ao risco e à aventura do espírito”.

Paulo Freire

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SUMÁRIO � O TEATRO E AS RELAÇÕES SOCIAIS AO LONGO DA HISTÓRIA,

de Juliana Walendy 09

� OS EXERCÍCIOS E JOGOS COMO POSSIBILIDADE DE EMANCIPAÇÃO DO CORPO NA ARTE CÊNICA, de Juliana Walendy

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� A QUEM INTERESSA A ATIVIDADE TURÍSTICA, de Adriano Larentes da Silva e Hanen Sarkis Kanaan

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� RECREAÇÃO: UMA ALTERNATIVA PARA ATORES NO MUNDO DO TRABALHO, de Juliana Walendy

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� GESTÃO: UMA NECESSIDADE HUMANA, de Luiz Gabriel Angenot

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� SUJEITO: QUE CARA É ESSE? De Jorge Luís Cammarano 22

� CULTURA DE MASSA E CULTURA POPULAR, de Alfredo Bosi 23

� EU ETIQUETA, de Carlos Drummond de Andrade 25

� MERCADO DE TRABALHO, de Pedro Luis Batanero 26

� O ANALFABETO POLÍTICO, de Bertold Brecht 27

� A MERCANTILIZAÇÃO DA CULTURA, de Rosana Miyashiro 28

� O TRABALHO E A PRODUÇÃO DA HUMANIDADE, de Ismael Venâncio de Melo

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� OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO, de Vinicius de Moraes 33

� IDEOLOGIA, de Marilena Chauí 36

� TURISMO SEXUAL 38

� O MARKETING: BREVE PANORAMA HISTÓRICO 39

� QUALIFICAÇÃO E REQUALIFICAÇÃO: A SERVIÇO DE QUEM? de Maristela M.Barbara

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� CONDIÇÕES DE TRABALHO E SAÚDE DOS TRABALHADORES, de Aline M. Salami e Hanen S. Kanaan

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� LIXO, CONSUMO E A QUESTÃO AMBIENTAL 45

� CULTURA, NATUREZA E AÇÃO HUMANA, de João Reis da Silva 46

� MORTE E VIDA SEVERINA, de João Cabral de Melo Neto 47

� TRABALHO, ALIENAÇÃO E EXPLORAÇÃO, de Rodrigo Gurgel 49

� A BOMBA SUJA, de Ferreira Gullar 51

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O TEATRO E AS RELAÇÕES SOCIAIS AO LONGO DA HISTÓRIA

Juliana Walendy∗

“A arte não é um espelho para refletir o

mundo, mas um martelo para forjá-lo.” (Maiakovski)

O teatro é uma manifestação artística presente

na cultura de diversos povos desde a antiguidade. Não se sabe ao certo o momento de sua criação, pois a pesquisa histórica nos mostra que esta arte, provavelmente, evoluiu de manifestações religiosas que existiam no Egito e, mais tarde, na Grécia. Esses povos já utilizavam a encenação em certos rituais para difundir suas crenças, desde 3200 anos antes de Cristo.

Na antiguidade...

Ao pesquisar a origem do teatro, é comum encontrar autores que referenciam a Grécia como o “berço” desta arte, e mesmo que ela tenha sido desenvolvida por diversos povos até mesmo antes daquele momento, não podemos negar a importância do florescimento do teatro na Grécia antiga. Foi lá que surgiram os primeiros grandes dramaturgos, a encenação aberta ao público e a construção dos primeiros edifícios para esta finalidade. A própria palavra Teatro deriva da forma grega theatron, derivada de“ver”.

Aquelas famosas máscaras duplas que até hoje simbolizam o teatro (tristeza e alegria) representam exatamente os dois grandes gêneros - tragédia e comédia – que também são legados dessa civilização. No início as representações religiosas conhecidas como ditirambos eram oferecidas ao Deus Dionísio. Estas festas em forma de procissão eram acompanhadas por um coro e um ator que fazia mímicas (derivado do “mimo” = situação que imita a vida real).

A tragédia se desenvolveu com características diferentes dos rituais. É uma obra literária que se destina a apresentar uma situação humana numa perspectiva heróica. Envolvia também as divindades mitológicas, mas a sua finalidade era causar emoção e fazer com que o espectador se identificasse com o protagonista (ator principal) e com a causa por ele sustentada. Para alguns estudiosos esse gênero parte da concepção grega de equilíbrio e simetria, que considera que cada pessoa tem um métron, uma medida ideal. Quando alguém ultrapassava seu métron, seja acima ou abaixo dele, estaria tentando se equiparar aos deuses e receberia por parte deles um castigo, a "cegueira da razão".

Logo foram instituídos concursos de tragédias nas festividades locais e acredita-se que foi um recurso político utilizado pelos tiranos da época para forjar a unanimidade da cidade. Além disso, os tiranos favoreciam este tipo de representação, pois as tragédias exaltavam o poder dos reis e dava uma forma política ao diálogo entre eles e seus povos. Os temas giravam em torno da legitimidade do poder e da sua legitimação pela prática

∗ É educadora da ETHCI e pedagoga pela UDESC.

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de virtudes nobres. Havia também uma separação entre protagonista (ator principal) e coro. Exaltava-se este indivíduo excepcional (o aristocrata) diferente dos demais mortais (o coro). O Estado e os homens ricos pagavam as produções e não permitiam a encenação de peças de conteúdo contrário ao regime vigente.

Téspis foi um poeta que se destacou nos concursos, sendo precursor na representação de poemas que consistiam em um diálogo entre um ator e um coro. Téspis ia de cidade em cidade com seus “coreutas” transportando numa carroça os materiais necessários à representação. Além disso, inseriu o uso das máscaras nos atores para caracterizar a essência do personagem.

Já a comédia tinha como característica principal satirizar os excessos, a falsidade e os sentimentos mesquinhos. Ao contrário da tragédia, não tinha a intenção de comover, mas de fazer rir. O grande filósofo Aristóteles, em A Poética, diz que enquanto a tragédia trata essencialmente de homens superiores (heróis), a comédia é imitação de pessoas inferiores “por ser o cômico uma espécie do feio”. Isso pode ser comprovado através da divisão dos júris que analisavam os espetáculos durante os antigos festivais de teatro. Ser escolhido como jurado de tragédia era a comprovação de nobreza e de representatividade na sociedade. Já o júri da comédia era formado por pessoas sorteadas da platéia. Desde seu nascimento a comédia significava uma possibilidade de sátira a todo tipo de idéia e situação, inclusive política. Hoje a comédia encontra grande espaço e importância enquanto forma de manifestação crítica em qualquer esfera: política, social, econômica.

A mistura desses dois gêneros teatrais resultava no Drama Satírico, encenação de caráter licencioso que tratava as mesmas lendas das tragédias, porém com heróis ridicularizados e em forma de paródia. Nas Dionisíacas Urbanas eram apresentados três tragédias e um drama satírico. Ele finalizava as apresentações e provavelmente foi inserido para desfazer as impressões de angústia e tristeza deixadas pela tragédia.

O teatro romano era de início uma imitação do teatro grego, e disputava público com as lutas de gladiadores. Dois notáveis escritores são Plauto e Terêncio, que na realidade imitaram muitas das comédias gregas. As tragédias não despertavam interesse no público romano, e um de seus notáveis escritores foi Sêneca, porém sua grandiosidade aparece mais tarde por influenciar o teatro europeu no Renascimento.

No continente asiático o teatro também existia com características bem singulares antes mesmo da ascensão do teatro na Grécia. Na China, por exemplo, apresentava características rituais mas, além disso, evocava êxitos militares e outros eventos. Desenvolveu-se também na Índia, cerca de cinco séculos antes da era cristã, com seus poemas épicos Mahabharata e Ramayana. Coréia e Japão desenvolveram também formas próprias de teatro. Entre eles o Kabuki, que começou em 1603, como estilo de dança dramática onde as atrizes representavam papéis tanto masculinos quanto femininos em encenações cômicas sobre a vida cotidiana. O kabuki nasceu como uma dança dramática de conjunto executada por mulheres em sensuais e sugestivas performances. Em 1629, sob o pretexto de proteger a moral pública, o governo japonês proibiu as mulheres de representar o kabuki. Alguns historiadores sugerem que o governo estava também preocupado com a popularidade dessas peças, que dramatizavam a vida comum (em vez do passado heróico) e encenavam escândalos recentes, alguns envolvendo oficiais do governo. Como o kabuki já era muito popular, jovens atores tomaram o lugar das atrizes, depois que estas foram banidas. Junto com a troca do gênero dos atores, veio também

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uma mudança na ênfase da apresentação: uma importância maior passou a ser dada ao drama, em detrimento da dança.

Na Idade Média...

Foi o período do advento do cristianismo, e nessa época o teatro foi fortemente combatido pela Igreja Católica. Espetáculos, jogos e formas de diversão faziam concorrência de público com as festividades religiosas. Atrizes eram tidas como prostitutas e os comediantes não poderiam receber a comunhão. Com a perseguição, os espetáculos se reduziram a apresentações de artistas ambulantes, causando o provável nascimento da arte circense, que deixava de problematizar o homem e suas atitudes no mundo, para provocar apenas o riso e as sensações de prazer. Tão logo a Igreja percebeu a afinidade do povo com tais manifestações, passou a utilizar a arte cênica para se comunicar e difundir os seus valores. Daí surgem as pequenas peças chamadas de mistérios que podemos acompanhar até hoje em datas importantes para a Igreja Católica como A paixão de Cristo, por exemplo.

O Renascimento

O Renascimento teve início na península Itálica, centro ativo do comércio mediterrâneo e onde o pré-capitalismo teve grande desenvolvimento. Estendeu-se do século XIV até o século XVII, se disseminando por toda a Europa. Esta revolução cultural foi apoiada pela burguesia – classe detentora do poder político e desejosa de expandir seus valores – que financiava os artistas, escritores e pensadores renascentistas. De caráter racionalista e individualista, o Renascimento assumiu grandes proporções, abandonando as explicações mitológicas para dar lugar ao estudo científico, à tentativa de compreender o universo de forma calculada e matemática, ao antropocentrismo, ao humanismo.

Nesta época de grandes mudanças, houve um grande florescimento de todas as formas de arte e também a mudança da produção artística, que até então estava direcionada à igreja. Niccolò Machiavelli escreveu uma das obras primas do teatro renascentista italiano, A Mandrágora. Maquiavel (como é conhecido) buscava a todo custo explicar as contradições de sua sociedade, não utilizando o apelo aos deuses e dogmas misteriosos como anteriormente, mas voltando o olhar para as novas explicações de cunho “científico”. Dentre os grandes acontecimentos daquele período, temos a construção do primeiro teatro coberto que tinha capacidade para 3 mil pessoas, o teatro Olímpico de Vicenza, realizado por Andréa Paládio e o desenvolvimento das óperas.

Neste momento surgiu a Comédia dell’Arte, uma forma de teatro que se contrapunha à comédia erudita. Com um texto improvisado (que procurava criticar os costumes e o comportamento das classes dominantes da época) e máscaras peculiares, era apresentada na rua ou na praça do mercado, por atores que assumiam o papel de um único personagem que o acompanharia em sua trajetória cênica. Estes eram extremamente hábeis nessa atividade sendo conhecedores de música, dança, mimo, acrobacias, e etc. O objetivo maior da Comédia dell’Arte era entreter seu público e fazê-lo dar boas risadas. Quando os atores percebiam que algum gesto ou citação havia provocado grandes risos o ator os repetia constantemente incorporando o “chavão” ao personagem. O trabalho de improvisação dificultava a censura da época, pois nunca se sabia antecipadamente qual seriam os conteúdos da peça. As mulheres participavam da comédia, mas só os homens podiam usar máscaras que eram próprias de cada

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personagem. Esta forma de teatro influenciou os trabalhos posteriores e seus reflexos ainda sobrevivem no teatro contemporâneo.

Em outros países as apresentações continuavam sendo ao ar livre. Na Espanha, por exemplo, eram feitas em estábulos e estalagens e é lá que aparecem algumas novidades como a colocação de camarotes e de uma seção só para mulheres. Entre os grandes autores cresce a fama de Dom Quixote de la Mancha, e Lope de Vega que estréia a “idade de ouro”do teatro espanhol baseando seus textos ora em passagens bíblicas, ora em mitologias e lendas.

Na Inglaterra os teatros continuavam a ser abertos e existia ainda um grande preconceito contra a profissão teatral ainda exercida só por homens. Considerados “vagabundos”, os atores sobreviviam valendo-se da proteção de altas personalidades da nobreza britânica. Sob o reinado da rainha Elizabeth I, os autores desse período ficaram conhecidos como “dramaturgos elizabetanos”, entre eles Willian Shakespeare que escreveu cerca de 35 peças até hoje muito populares como Romeu e Julieta, Otelo e Desdêmona, Rei Lear e Macbeth. Devido a uma guerra civil, os puritanos conseguiram fechar os teatros ingleses, coibindo a atuação dos atores por cerca de 18 anos.

Já na França, o teatro passou a ser a diversão preferida da corte e da alta aristocracia, que protegia autores e atores, propiciando o surgimento de grandes figuras como Corneille, Racine e Molière. A rivalidade entre eles deu fôlego ao teatro francês da época. Jean Baptiste Pequelin se tornou famoso em todo o mundo como Molière – nome da cidade onde representou pela primeira vez. Ator cômico por excelência Molière foi responsável por uma reforma no teatro francês, escrevendo comédias sobre moral e costumes incluindo a crítica social.

Em Portugal as primeiras peças representadas eram de cunho religioso. No início do séc. XVI Gil Vicente ganha prestígio. Sua obra também bebe em diversas fontes anteriores, mas tem características marcantes do lirismo religioso, de raiz medieval e do teatro popular. Inspirou-se nas representações medievais que eram realizadas nas ruas e praças das cidades escrevendo peças com assuntos diversificados, algumas palacianas, outras litúrgicas e outras bem populares. Seu lirismo patriótico presente em alguns textos não se limita a glorificar a nacionalidade. Tem um caráter crítico e ético que expressa preocupações principalmente no que diz respeito aos vícios nascidos da nova realidade econômica, decorrente do comércio com o Oriente. Os tipos vicentinos descrevem a sociedade portuguesa da época: a imagem comovente do camponês explorado por fidalgos presunçosos, os clérigos de vida folgada, e os sujeitos que querem levar vantagem sobre os outros.

Um período de ditaduras na Inglaterra por volta de 1600 provocou um período conhecido como “restauração da beleza britânica”. Houve uma abertura que permitiu que os papéis femininos pudessem ser desempenhados por mulheres. Neste momento surgiram também diversos autores.

A França ficou muito tempo sob o brilho dos três grandes autores citados anteriormente, e durante o séc. XVIII surgem os textos de Voltaire, Diderot e Beaumachais – que escreve peças criticando os privilégios da aristocracia, quase às vésperas da revolução francesa por volta de 1780.

E finalmente citaremos Bertold Brecht, filho da burguesia que cresceu na Alemanha no séc XX, e sofreu por encarar seu país completamente destruído pelas duas grandes guerras mundiais. Contrapondo-se às idéias de Stanislavsky e seu "método

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biomecânico" (cuja principal intenção é fazer com que o ator exprima as nuances psicológicas de seu personagem através de uma "máscara pantomímica" e a técnica de comentar o texto através do gesto), Brecht tornou-se um importante dramaturgo, poeta e encenador alemão. Seu trabalho foi fortemente influenciado por seus estudos marxistas e sociológicos, desenvolvendo no teatro uma finalidade didática: a necessidade de um "palco científico" capaz de desmistificar as relações sociais no capitalismo, esclarecendo o público e suscitando a ação transformadora.

Enquanto isso no Brasil...

No Brasil colonial vivemos muito tempo sob o reflexo das formas artísticas da Europa. No início as representações teatrais eram raras e se limitavam a peças vindas de fora. No séc. XVI destaca-se a figura do padre José de Anchieta que escreveu alguns autos que visavam a catequização dos indígenas e a integração entre colonizados e colonizadores.

Durante os séculos XVII e XVIII, o país esteve envolvido em batalhas de defesa de território, fato este que apagou a produção teatral. A transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, que proporcionou grandes mudanças na vida política, social e cultural do Brasil, impulsionando inclusive a construção de teatros. Prevaleceu uma forte influência do teatro português no Brasil até o final do primeiro reinado, quando aparece a figura do grande ator e empresário João Caetano dos Santos, que fundou uma companhia própria mantendo elencos predominantemente nacionais, encenando peças que marcaram sua história e incitando os autores nacionais à produção de textos teatrais.

Seu nome está vinculado a dois acontecimentos fundamentais da história da dramaturgia nacional: a estréia da peça Antônio José ou O Poeta e a Inquisição, de autoria de Gonçalves de Magalhães, a primeira tragédia escrita por um brasileiro e a única de assunto nacional; e a estréia da peça O Juiz de Paz na Roça, de autoria de Martins Pena, considerado na época como o "Molière brasileiro", que abriu o filão da comédia de costumes, o gênero mais característico da tradição cênica brasileira, que se caracteriza pela criação de tipos e situações de época, com uma sutil sátira social.

Gonçalves de Magalhães, ao voltar da Europa, introduziu no Brasil a influência romântica, que iria nortear escritores, poetas e dramaturgos. Gonçalves Dias (poeta romântico) é um dos mais representativos autores dessa época. Alguns romancistas, como Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, e poetas como Álvares de Azevedo e Castro Alves, também escreveram peças teatrais no século XIX.

No século XX misturam-se tendências francesas e portuguesas do estilo varieté e do teatro de revista. As companhias estrangeiras continuavam trazendo para o Brasil suas encenações trágicas e óperas ao gosto refinado da burguesia. O teatro ainda não recebera as influências dos movimentos modernos que surgiam na Europa desde o fim do século anterior.

Esta modernidade forjada na Europa aparece refletida na obra de Oswald de Andrade, produzida na década de 1930, com destaque para O Rei da Vela, só encenada na década de 1960 por José Celso Martinez Corrêa. É a partir da encenação de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, que nasce o moderno teatro brasileiro, não somente do ponto-de-vista da dramaturgia, mas também da encenação, e em pleno Estado Novo.

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Na década de 1940 surgiram grupos e companhias notáveis como: Os Comediantes, o TBC, o Teatro Oficina, o Teatro de Arena, entre outros. O sucesso de Black-Tie, realizado pelo Teatro de Arena, abriu espaço para o surgimento de um movimento chamado Seminários de Dramaturgia, que tinha por objetivo revelar e expor a produção de novos autores. Essa companhia também foi responsável por criar peças e musicais extremamente críticos em seu momento histórico, com destaque para Arena Conta Zumbi e Arena conta Tiradentes. Sob forte influência de Bertolt Brecht, destacaram-se muitos autores, entre eles Augusto Boal.

A forte repressão da Ditadura Militar instaurada a partir de 1964, que culmina com o Ato Institucional nº 5, impôs a censura a autores e artistas de todo gênero dificultando a produção cênica. Essa medida acabou impulsionando novas formas produções no teatro, de caráter político e combativo.

Exilado na França, Boal testa o seu Teatro Jornal, que dará origem ao Teatro do Oprimido. Augusto Boal (Rio de Janeiro, 1931) é dramaturgo, ensaísta e um escritor brasileiro reconhecido internacionalmente por suas propostas. Se empenhou na procura de uma interpretação e encenação que refletissem os problemas do povo brasileiro. Hoje Boal dirige o Centro de Teatro do Oprimido CTO-Rio, que realiza diversos projetos sociais com o objetivo de expandir a metodologia do Teatro do Oprimido, envolvendo as classes menos favorecidas. Esta proposta tem como princípios: humanizar a humanidade utilizando o teatro como instrumento de luta; demonstrar que em todas as relações humanas deveria prevalecer o diálogo; que todo ser humano é capaz de atuar porque já faz isso em sua vida cotidiana e que o teatro é o espaço onde os indivíduos podem ensaiar as suas lutas cotidianas; que no teatro os cidadãos podem encontrar um meio de analisar o seu passado e presente criando o seu futuro, ao invés de esperar por ele; enfim, é um movimento estético mundial, com conteúdo crítico, que busca a paz, sem a passividade.

Atualmente, podemos perceber que o teatro contemporâneo retrata uma miscelânea de diversos momentos históricos, diversos povos e diferentes culturas. Portanto, é uma construção social, que parte da realidade e reflete a visão de mundo dos sujeitos em cada momento histórico.

Note que esta arte foi utilizada como ferramenta de expressão e luta por muitos oprimidos na história, para explicitar a exploração e a desigualdade social. Como já disse Boal: “Tenho sincero respeito por aqueles artistas que dedicam suas vidas exclusivamente à sua arte [é seu direito ou condição] mas prefiro aqueles que dedicam sua arte à vida”.

Referências GRIMAL, Pierre. O teatro antigo. Lisboa: Ed. 70, 1986. MAGALHÃES JUNIOR, R. Teatro I. Rio de Janeiro: Bloch, 1980. 64p. (Biblioteca educação é cultura, v.6) BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. Associação Internacional do Teatro do Oprimido. Manifesto do Teatro do Oprimido. Disponível em http://www.opalco.com.br/foco.cfm?persona=materias&controle=112.

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OS EXERCÍCIOS E JOGOS COMO POSSIBILIDADE DE EMANCIPAÇÃO DO CORPO NA ARTE CÊNICA

Juliana Walendy∗

Na arte cênica utilizamos a palavra EXERCÍCIO para designar todo

movimento físico, muscular, respiratório, motor, vocal, que possibilita a consciência do corpo (seu conhecimento e reconhecimento), suas estruturas, suas relações com outros corpos, a gravidade, os espaços, as dimensões, e a relação entre as diferentes forças (peso, velocidade, volume, distância). Os exercícios visam propor novas experiências de autoconhecimento do corpo e de seus mecanismos, suas atrofias, hipertrofias e sua capacidade de recuperação, reestruturação, re-harmonização. Portanto, o exercício é uma reflexão física sobre si mesmo. Um monólogo, uma introversão.

Os jogos em contrapartida tratam da expressividade dos corpos como emissores e receptores de mensagens. Os jogos são um diálogo, extroversão, o eu e o outro.

Na batalha do corpo contra o mundo, mesmo inconscientemente, acabamos reprimindo os sentidos que nos trazem sofrimento. É uma forma de proteção. Daí decorre que ouvimos, mas não escutamos; olhamos, mas não enxergamos; tocamos, mas não sentimos.

Todos os nossos movimentos acabam sendo condicionados pelas nossas relações sociais. Os corpos se adaptam aos trabalhos que precisam realizar e essa adaptação leva à atrofia e à hipertrofia. Diminuímos a nossa expressividade, inclusive em situações de prazer ou de dor, porque fomos ensinados que devemos nos comportar “sociavelmente”, dentro dos padrões impostos.

Pretendemos aqui destacar alguns pontos principais sobre o sistema de jogos e exercícios desenvolvidos pelos grupos praticantes do Teatro do Oprimido e que são o acúmulo de, pelo menos, 40 anos de trabalho.

Os exercícios que propomos neste caso têm como objetivo possibilitar que o nosso corpo seja capaz de emitir e receber mensagens para além do que fazemos mecanicamente no cotidiano. Isto é, precisamos estimular nosso corpo a superar os aspectos que foram ou estão reprimidos.

No Teatro do Oprimido parte-se do princípio de que o ser humano é integral. Para facilitar nosso desenvolvimento físico, passamos a observar o corpo em duas unidades: aparelho físico e psíquico, e cinco sentidos.

Podemos observar que um sentimento pode ser percebido ou demonstrado fisicamente como, por exemplo: um prato apetitoso pode provocar salivação; uma lembrança boa pode provocar um sorriso e uma situação de raiva pode ocasionar o endurecimento da face. Portanto, não há separação entre essas duas unidades. Nós respiramos com todo o corpo, cantamos não somente com a voz, dançamos não somente mexendo as pernas, e assim por diante.

Nessa perspectiva, ao praticarmos os exercícios e jogos, estamos desenvolvendo a capacidade de:

1- Diminuir a distância entre sentir e tocar 2- Entre escutar e ouvir 3- Desenvolver vários sentidos ao mesmo tempo 4- Ver tudo aquilo que olhamos

∗ É educadora da ETHCI e pedagoga pela Universidade do Estado de Santa Catarina.

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5- Memorização dos sentidos Ninguém deve tentar entregar-se ou dar continuidade a algum exercício

caso, porventura, haja algum impedimento físico, como problema de coluna, por exemplo. No Teatro do Oprimido ninguém é compelido a fazer algo que não queira, e cada um deve buscar saber o que quer e o que pode fazer. AS PANTOMIMAS

A Pantomima nada mais é do que uma encenação que comunica uma

idéia ou ação por meio da comunicação sem o uso da fala. Para estudá-la precisamos saber o que nesta ação se torna fundamental:

Visibilidade – Gesticulação – Expressão – Absorção - Energia

A ênfase desta atividade está na COMUNICAÇÃO DE UMA IDÉIA.

Podemos ressaltar três propriedades importantes para realizar uma pantomima:

1. Consistência: os objetos imaginários devem manter o mesmo tamanho, um objeto não pode diminuir ou aumentar, nem mesmo deixar de ser movimentado em pleno ar. Ex.: um cabo de vassoura é duro e comprido.

2. Resistência exagerada: qualquer ação que realizamos com um objeto deve ser exagerada, maior do que na vida real. Devemos reparar que ao tentarmos detalhar as ações percebemos uma série de movimentos que podem ser enfatizados para explicitar o que pretendemos comunicar. Ex.: Para sair correndo numa cena, pode-se fazer um movimento contrário (para trás) antes de seguirmos em frente. Isso não ocorre na realidade, mas expressa o sentido da ação que pretendemos comunicar, a velocidade do movimento.

3. Expressão corporal exagerada: toda expressão corporal também deve ser exagerada enfatizando os sentimentos que se quer comunicar.

Fundamentos da boa pantomima

Vocês se lembram das brincadeiras de mímica? A pantomima se utiliza das mesmas técnicas. Ela pode ser simples para

demonstrar apenas uma ação ou para contar uma história. O mais importante é manter o interesse do público. Para tanto podemos:

� Tornar a história o mais simples possível para que o público compreenda � Contar uma história que tenha a introdução, o enredo ou situação

problema, e a solução do mesmo, ou seja, o fim. � Abusar da fantasia: tanto a história quanto o problema e a solução não

precisam, necessariamente, estar aprisionadas à lógica da realidade. Podem ser mais criativas, livres e fantasiosas. Enfim, neste texto procuramos apresentar algumas considerações sobre a

arte cênica, abordando alguns princípios da proposta do Teatro do Oprimido, uma escola que propõe a utilização do teatro enquanto ferramenta de emancipação nas lutas da classe trabalhadora. Eleita por nós como base metodológica por sua forma libertária de criação e recriação da arte na perspectiva da transformação social.

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A QUEM INTERESSA A ATIVIDADE TURÍSTICA? Adriano Larentes da Silva e Hanen Sarkis Kanaan∗

Ao contrário do que se imagina, o turismo é uma atividade muito recente. Surgiu no século XIX, no contexto do desenvolvimento capitalista na Europa. As grandes viagens e navegações que ocorreram antes deste período não são consideradas atividades turísticas.

O turismo está relacionado à luta histórica dos trabalhadores por melhores salários e pela redução da jornada de trabalho que, no século XIX, variava de 16 a 18 horas diárias. Com a conquista da redução da jornada, a nova preocupação dos capitalistas e da igreja neste período, era com o uso de tempo livre dos trabalhadores. Para dar sentido a esse tempo livre e disciplinar os trabalhadores, surgiram nas regiões fabris da Inglaterra as primeiras viagens organizadas de trabalhadores para o litoral. Essas viagens surgiram para criar uma classe consumidora e disciplinada para o trabalho.

No século XX, a conquista de novos direitos, entre eles o descanso remunerado aos domingos e o aumento de salário, permite que mais trabalhadores possam fazer turismo, conhecendo novos lugares. Os regimes fascista e nazista, que ganharam força na Europa dos anos 20 a 40 do século XX, tiveram um papel muito importante, organizando grandes centros de lazer e subsidiando viagens de férias aos trabalhadores.

Após a Segunda Guerra Mundial, com a reestruturação produtiva, o turismo se expandiu no mundo. Expansão que começou na Europa e nos EUA, pela experiência acumulada com o turismo de massa dos governos nazi-fascistas europeus. A partir da década de 1950, com a retomada do

∗ Adriano L. da Silva é coordenador pedagógico da ETHCI/CUT e doutorando em história pela UFSC. Hanen S. Kanaan educadora da ETHCI/CUT e historiadora. Esse texto foi baseado na palestra do Prof. Dr. Helton R. Ouriques (Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina) realizada no Seminário Nacional Turismo e Hospitalidade I - Negociação e Contratação Coletiva da Qualificação Sócio-Profissional, em 09/03/2006, em Florianópolis/SC.

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crescimento econômico nos países desenvolvidos, com a melhoria das condições salariais e sociais dos trabalhadores e com o aparecimento de uma elite interessada em conhecer novos lugares, o turismo passou a ser visto efetivamente como mais uma mercadoria lucrativa. Houve então uma explosão da atividade turística no mundo todo. As redes de hotéis se expandiram e milhares de trabalhadores foram contratados para atender esse novo filão do mercado.

Com a expansão da atividade turística criou-se também um mito de que esta atividade seria a “salvação da lavoura” para os países subdesenvolvidos. Bastaria então que os governos desses países criassem condições favoráveis para a instalação de grandes empreendimentos turísticos para que o desenvolvimento econômico e o emprego de milhares de trabalhadores estivessem garantidos.

Atualmente existem dados estatísticos que apontam que o turismo mundial se concentra na Europa e nos EUA. Ainda segundo pesquisas recentes sobre o setor turístico, o número de turistas que viajam aos países periféricos é muito menor do que apontam as grandes redes de hotéis e os governos locais. O discurso de que o setor de turismo é um grande empregador é outro mito. Os trabalhadores do setor em questão são, juntamente com trabalhadores rurais e da alimentação, os que têm as piores condições de trabalho e de salários. Os investimentos das empresas transnacionais no setor acabam voltando para seus países de origem. É isto que ocorre, por exemplo, com a rede Accor que tem sua sede na França e milhares de estabelecimentos espalhados pelo mundo inteiro. A atividade turística, portanto, provoca uma concentração de riqueza e não sua distribuição.

Países como México, Brasil e Marrocos que recebem um grande número de turistas por ano e investem milhares de dólares no setor, não conseguiram elevar a qualidade de vida de sua população através do turismo.

O turismo nos países periféricos contribui para a reprodução do capital. As populações nativas deixam seus ofícios originais para se sub-empregar em hotéis ou trabalhar a serviço do turista. Um exemplo bem claro dessa situação são os pescadores de Natal, no Rio Grande do Norte, que têm deixado suas atividades para trabalharem como bugreiros levando os turistas para passearem nas dunas.

Quando um complexo hoteleiro se instala numa região, todas as relações, sejam elas sociais ou econômicas, são alteradas. A comunidade perde lentamente suas características e novos hábitos, muitos deles nocivos aos moradores locais, são incorporados. Em contrapartida, as comunidades que resistem são massacradas pelo capital internacional que tenta de todas as maneiras adquirir as melhores áreas para desenvolver suas atividades.

Com a promessa de prosperidade e desenvolvimento econômico e social, o capitalismo encontrou através da atividade turística uma nova forma de exploração dos trabalhadores dos países pobres do mundo.�

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RECREAÇÃO: UMA ALTERNATIVA PARA ATORES NO MUNDO DO TRABALHO

Juliana Walendy∗

Ao entrar em um grupo de teatro para iniciantes carregamos algumas expectativas, seja para aprender mais sobre a arte de representar, perder a timidez, desenvolver habilidades específicas, entre outras razões. Porém, este envolvimento com o teatro pode nos levar a decidir por uma nova atividade de trabalho que combine fazer aquilo que nos dá prazer e as possibilidades de auferição de rendimentos. E aí você se pergunta: Como é o trabalho do ator? É possível viver da arte? Como sobreviver nesta perspectiva?

Este pequeno texto resume uma das formas de desenvolver um trabalho autônomo no campo das artes cênicas, como a recreação de eventos a partir

da criação de personagens.

A recreação de eventos é um campo de trabalho em ascensão na área Turismo e Hospitalidade, envolvendo demandas de vários segmentos que compõe a cadeia produtiva desse setor.

O recreador de eventos é um profissional que pode reunir diversos conhecimentos. Pode englobar várias manifestações artísticas em um personagem cujo objetivo principal é divertir o público. Ou seja, dependendo das habilidades de cada profissional, pode-se trabalhar atividades que vão desde o trabalho de pintura corporal até o espetáculo de histórias.

Para iniciar a atuação na área de recreação, é importante definir que tipo de eventos se pretende atender para depois planejar as ações que envolvem o tipo de trabalho escolhido. Por exemplo, se o recreador atua com o público infantil é preciso definir qual a atividade melhor se adequa aos objetivos do contratante, ou seja, pode ser a recreação com filhos de turistas de um hotel que terão atividades enquanto os pais conhecem a região ou pode ser a animação festas infantis.

Portanto, as atividades deverão considerar as especificidades de seu público (faixa etária), as condições possíveis de realização do evento (ao ar livre, em ambiente fechado, etc.) e o interesse do contratante (empresas, pessoas físicas, etc.). É preciso considerar também o número de pessoas previstas para o evento para organizar atividades que permitam o envolvimento de todos.

Não existem fórmulas prontas para o trabalho do ator, mas o planejamento e a preparação prévia é fundamental para o sucesso de qualquer atividade a ser oferecida e demonstra a profissionalização na

∗ É educadora da ETHCI e pedagoga pela Universidade do Estado de Santa Catarina.

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prestação do serviço, fator importante para o reconhecimento social do serviço prestado.

É importante saber que com a criatividade o ator vai construir o seu diferencial, e com a busca constante de novos conhecimentos poderá desenvolver novas formas de divertimento. Ao longo do trabalho, o acúmulo com a experiência auxiliará o aprimoramento da oferta de serviço, como a “montagem” de um pacote de prestação de serviços para cada tipo de evento.

Segue algumas sugestões de atividades para a construção de um material de divulgação, que deve conter informações básicas sobre o serviço oferecido.

Jogos e brincadeiras: é a parte que crianças e adolescentes mais gostam. Criança gosta de brincar e não perder tempo, por isso espera que as brincadeiras não sejam extensas. Neste caso é bom preparar uma lista de acordo com a idade das crianças e com o local disponível. Se possível sempre ter um material básico como bola, corda e apito que facilitam os jogos de integração e permitem a diversificação das brincadeiras. IMPORTANTE: as crianças sempre podem lhe ensinar novas brincadeiras, fique atento para aprender e ensinar!

Pintura corporal: já existem no mercado tintas próprias para a pintura na pele. A opção por este item vale a pena, visto que mesmo os adultos se divertem com ele. É importante preparar um catálogo de desenhos para que o público escolha o que quer e uma “caixa” com os materiais básicos necessários.

Escultura de balões: é também um trabalho artístico que implica criatividade, podendo abrir as portas para outros tipos de trabalhos na área de decoração de eventos. Para aprender a fazer esculturas é preciso dominar algumas técnicas. No próprio pacote do balão, você encontra dicas e outras possibilidades podem ser pesquisadas na internet.

Visita de Personagem: é muito comum em festas temáticas a demanda de profissionais que saibam representar personagens. Estes podem ser específicos obedecendo a “moda corrente” (como aqueles personagens mais conhecidos e temas de festas), ou personagens genéricos como palhaços, príncipes e princesas, ursinhos, entre outros.

A construção de um personagem pode pautar todo o trabalho do recreador que, ao criar um personagem próprio, pode utilizá-lo nos eventos a serem propostos. Além do diferencial, possibilita potencializar as características pessoais de cada um fazendo um trabalho artístico, para além das necessidades do mercado. �

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GESTÃO: UMA NECESSIDADE HUMANA Luiz Gabriel Angenot∗

Desde o princípio da história da humanidade, o homem vive do seu trabalho que transforma a natureza e produz materiais para satisfazer suas necessidades. O produto, fruto do seu trabalho, é resultante da matéria-prima acessível e de um planejamento que exige do homem uma organização de suas ações no tempo e no espaço. Chamamos de gestão todo o processo de idealização, planejamento, organização e ação, para atingir um objetivo.

Então se refletirmos com atenção nossas práticas no cotidiano, perceberemos que em nossas vidas fazemos gestão de alguma forma.

Em nossa casa fazemos gestão do lixo, da água e da luz. Com o lixo, por exemplo, para deixar nossa casa limpa utilizamos diferentes maneiras de descartá-lo. Uma delas é juntá-lo em sacos plásticos para que o serviço da prefeitura recolha e coloque num aterro sanitário. As outras formas são: reciclando, queimando, jogando no quintal, no mato, no rio ou na rua.

Outros dois exemplos que podemos citar são: gestão da renda familiar e de quando construímos ou reformamos nossa casa. No primeiro caso, fazemos gestão quando procuramos satisfazer as necessidades de alimentação, moradia, vestuário, lazer, saúde e educação pagando despesas como: compras no supermercado; aluguel, IPTU, luz, água, gás, móveis, eletrodomésticos; roupas e calçados; baile, cinema, locação de filmes, ou compra do CD de um cantor preferido; tratamento dentário, óculos, remédios, produtos de higiene; vale transporte, uniforme e material escolar. O mesmo ocorre quando decidimos construir ou reformar nossa casa, pois no processo desse trabalho fazemos um planejamento, em que calculamos o dinheiro disponível; pesquisamos os preços dos materiais de construção; preço da mão-de-obra; prevemos o tempo que será necessário para fazer a construção; ficamos atentos às condições da meteorologia e com quantas pessoas da família se poderá contar no trabalho.

No trabalho, seja ele educar, vender, vigiar, construir, pescar, reciclar, costurar, cozinhar, limpar, fabricar, atender pessoas, fazemos gestão, pois temos sempre um objetivo a ser alcançado para a produção de nossa existência, que perseguimos através da organização dos recursos que dispomos, seja do tempo, do espaço, materiais e ferramentas.

Enfim, em todas essas situações, temos um determinado objetivo para atingir e na sua busca analisamos os prós e contras de nossas ações e com isso mudamos ou não o jeito de fazer as coisas para acertar ou continuar acertando o nosso objetivo, seja em casa, no trabalho etc.

Hoje em dia se ouve muito falar e, é moda no mercado, de cursos de qualificação profissional que, para um promissor sucesso na carreira administrativa é necessário a formação em gestão, se tornar gestor, profissional indispensável para o sucesso das empresas, das instituições públicas ou das Organizações Não Governamentais - ONGs.

As empresas, na busca de lucrar mais e competir no mercado de produtos e serviços em que elas disputam, necessitam de um leque de atuações no campo da gestão: gestão de qualidade, gestão de pessoas, gestão do conhecimento, gestão por competência, gestão por processos etc, onde buscam organizar melhor os recursos que dispõem: o tempo, o espaço, os materiais, as ferramentas e, principalmente, os trabalhadores que irão produzir a riqueza.

Então a partir do que vimos anteriormente, podemos entender que gestão é o que fazemos para atingir objetivos que poderão ser alcançados a partir da idealização, planejamento, organização e ação. Portanto, pode ter a finalidade do lucro, que é a lógica das empresas ou a produção da vida, que é a lógica dos trabalhadores.

∗ Luiz Gabriel Angenot é geógrafo pela UFSC.

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SUJEITO: QUE CARA É ESSE? Jorge Luís G. Cammarano∗

O termo sujeito pode ter diferentes significados dependendo do contexto em que está inserido. Citamos alguns exemplos: 1) no estudo da gramática, convencionou-se identificar o sujeito para a análise sintática de um texto; 2) quando nos referimos às pessoas em geral, por vezes utilizamos a palavra sujeito: aquele sujeito mora no bairro tal etc. Em alguns casos, o termo sujeito pode ter um sentido pejorativo, marginalizando a pessoa a que se refere.

Tudo isso para lembrar que nós estamos preocupados, neste momento, em estudar, discutir e entender a relação entre sujeito, natureza e desenvolvimento. Assim, quando nosso problema é pensar nessa relação, uma das perguntas que podemos fazer é: Como entender o significado de sujeito?

Em primeiro lugar, sujeito significa, de maneira geral, o homem. E o homem para viver precisa desenvolver (desenvolvimento) práticas que garantam sua sobrevivência, e não apenas a dele, individualmente, mas a de sua família, de seu grupo, de sua classe social. Os elementos necessários para garantir a sobrevivência de mulheres, homens, crianças, exigem um processo (trabalho) de transformação da Natureza.

É claro que quando citamos sujeitos, pessoas, indivíduos, como sendo cada um de nós, nos referimos à sociedade em que vivemos, e nesta temos os sujeitos que trabalham e os que vivem explorando o trabalho dos que trabalham. No fundo, estamos observando a existência de sujeitos que são diferentes sexualmente, racialmente, culturalmente, regionalmente, nacionalmente, etc. Sujeitos que têm características pessoais, próprias, particulares (altura, peso, rosto, nome, pais, amigos, profissões, gostos, crenças,...). Mas, também, sujeitos que têm em comum: condições de vida, necessidades, interesses, sonhos, vontades que fazem cada um de nós (sujeito): seres sociais.

Pedro trabalha cortando cana, Maria é balconista, João é metalúrgico, Teresa é cobradora de ônibus; assim identificamos cada um desses sujeitos, pelo seu emprego. O que eles têm em comum: são trabalhadores. Vivem de seu salário, tentam sobreviver. Outros milhares de sujeitos, pessoas, não encontram emprego ou perderam o que tinham, são trabalhadores desempregados.

Todos nós estamos sujeitos a uma condição histórica. Vivemos numa relação social onde sofremos desigualdades, exploração, onde nos ensinam que o sujeito que estuda se dá bem na vida e que a vida depende de cada um de nós isoladamente.

E, aqui, apareceu outro significado para a palavra sujeito. Ser sujeito pode significar ser subordinado a uma relação, a uma condição que dificulta nosso desenvolvimento, nossa transformação em verdadeiros sujeitos: aqueles que a partir de sua prática, de seu trabalho, de suas ações buscam criar, transformar a vida, a natureza e desenvolver todas suas capacidades físicas, espirituais. Um desenvolvimento onde cada um de nós sendo sujeito de seu destino, tenha no bem-estar coletivo (de todos os sujeitos) a realização pessoal, em sua realização pessoal, a capacidade de viver sem desigualdades, sem formas de exploração, opressão, submissão.

Uma pergunta para continuar nossa caminhada: Em que sujeito me transformei? Em que sujeito me transformaram? Em que sujeito me transformarei?

∗ Este texto foi produzido para o Programa Integração-CUT, 2000.

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CULTURA DE MASSA E CULTURA POPULAR Alfredo Bosi

O poder econômico expansivo dos meios de comunicação parece ter abolido, em vários momentos e lugares, as manifestações da cultura popular, reduzindo-as à função de folclore para turismo. Tal é a penetração de certos programas de rádio e TV junto às classes pobres, tal é a aparência de modernização que cobre a vida do povo em todo o território brasileiro, que, à primeira vista, parece não ter sobrado mais nenhum espaço próprio para os modos de ser, pensar e falar, em suma, viver, tradicional-populares. O que seria uma fatalidade do neocapitalismo introjetado em todos os países de extração colonial.

A cultura de massa entra na casa do caboclo e do trabalhador da periferia, ocupando-lhe as horas de lazer em que poderia desenvolver alguma forma criativa de auto-expressão: eis o seu primeiro tento. Em outro plano, a cultura de massa aproveita-se dos aspectos diferenciados da vida popular e os explora sob a categoria de reportagem popularesca e de turismo. O vampirismo é assim duplo e crescente: destrói-se por dentro o tempo próprio da cultura popular e exibe-se, para consumo do telespectador, o que restou desse tempo, no artesanato, nas festas, nos ritos. Poderíamos, aqui, configurar com mais clareza uma relação de aparelhos econômicos industriais e comerciais que exploram, e a cultura popular, que é explorada. Não se pode, de resto, fugir à luta fundamental: é o capital à procura de matéria-prima e de mão-de-obra para manipular, elaborar e vender. A macumba na televisão, a escola de samba no Carnaval estipendiado para o turista são exemplos de conhecimento geral.

No entanto, a dialética é uma verdade mais séria do que supõe a nossa vã filosofia. A exploração, o uso abusivo que a cultura de massa faz das manifestações populares, não foi ainda capaz de interromper

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para todo o sempre o dinamismo lento, mas seguro e poderoso da vida arcaico-popular, que se reproduz quase organicamente em microescalas, no interior da rede familiar e comunitária, apoiada pela socialização do parentesco, do vicinato e dos grupos religiosos.

O povo assimila, a seu modo, algumas imagens da televisão, alguns cantos e palavras do rádio, traduzindo os significantes no seu sistema de significados. Há um filtro, com rejeições maciças da matéria impertinente, e adaptações sensíveis da matéria assimilável. De resto a propaganda não consegue vender a quem não tem dinheiro. Ela acaba fazendo o que menos quer: dando imagens, espalhando palavras, desenvolvendo ritmos, que são incorporados ou re-incorporados pela generosa gratuidade do imaginário popular.

O torcedor do Corinthians poderá ter adquirido, à custa de suadas prestações, um televisor último-tipo com controle remoto ou mudança digital, mas nem por isso deixará de acender a sua vela a Nossa Senhora Aparecida ou, mesmo, a uma das muitas entidades da macumba, para conseguir a vitória do seu time.

Ou que importa que nos arrasta-pés suburbanos se dance o último iê-iê-iê lançado pelo comércio musical yankee, se o comportamento dos jovens no baileco ou no namoro correspondente a uma relação quase ritual entre os sexos que reproduz uma secular educação moral sertaneja?

Esse esquema de reação peculiar ao meio receptor vai vinculando, até certo ponto, os conteúdos e as formas dos próprios meios de comunicação de massa, que procuram ir ao encontro dos gostos do povo, tornando-se então popularescos ou pseudotradicionalistas (já que não lhe é dado ser autenticamente tradicionais), como o fazem alguns programas de rádio e não poucas fotonovelas meio sentimentais, meio modernizantes. O típico popular, com todas as suas tendências para a caricatura, é um modo pelo qual a indústria cultural projeta o povo como o outro. O outro é o povo ao mesmo tempo explorado e intocado.

São, portanto, muito delicadas as relações entre cultura de massa e cultura popular. Do ponto de vista do dinamismo capitalista a flecha parece sempre ir no sentido de uma desagregação da segunda pela primeira. Esse fenômeno existe, quer no plano moral, quer no plano estético, mas, como a destribalização do índio, é fruto mais de uma investida técnico-econômica violenta do sistema capitalista do que de uma eventual exposição do primitivo ou do rústico a certas formas de cultura de massa. =

BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo : Companhia das Letras, 1992. p. 329-330

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EU, ETIQUETA

Carlos Drummond de Andrade

Em minha calça está grudado um nome Que não é meu de batismo ou de cartório

Um nome …estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida Que jamais pus na boca, nessa vida,

Em minha camiseta, a marca de cigarro Que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produtos

Que nunca experimentei Mas são comunicados a meus pés.

Meu tênis é proclama colorido De alguma coisa não provada

Por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, Minha gravata e cinto e escova e pente,

Meu copo, minha xícara, Minha toalha de banho e sabonete,

Meu isso, meu aquilo. Desde a cabeça ao bico dos sapatos,

São mensagens, Letras falantes, Gritos visuais,

Ordens de uso, abuso, reincidências. Costume, hábito, premência,

Indispensabilidade, E fazem de mim homem-anúncio itinerante,

Escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda.

É duro andar na moda, ainda que a moda Seja negar minha identidade,

Trocá-la por mil, açambarcando Todas as marcas registradas,

Todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser

Eu que antes era e me sabia Tão diverso dos outros, tão mim mesmo,

Ser pensante sentinte e solitário Com outros seres diversos e conscientes De sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio Ora vulgar ora bizarro.

Em língua nacional ou em qualquer língua (Qualquer, principalmente.)

E nisto me comprazo, tiro glória De minha anulação.

Não sou – vê lá – anúncio contratado. Eu é que mimosamente pago Para anunciar, para vender

Em bares festas praias pérgulas piscinas, E bem à vista exibo esta etiqueta

Global no corpo que desiste De ser veste e sandália de uma essência

Tão viva, independente, Que moda ou suborno algum a compromete.

Onde terei jogado fora Meu gosto e capacidade de escolher, Minhas idiossincrasias tão pessoais,

Tão minhas que no rosto se espelhavam E cada gesto, cada olhar,

Cada vinco de roupa Sou gravado de forma universal, Saio da estamparia, não de casa, Da vitrine me tiram, recolocam, Objeto pulsante mas objeto

Que se oferece como signo de outros Objetos estáticos, tarifados.

Por me ostentar assim, tão orgulhoso De ser não eu, mas artigo industrial, Peço que meu nome retifiquem.

Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é Coisa.

Eu sou a Coisa, coisamente

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MERCADO DE TRABALHO Pedro Luis Batanero

Se você passar nesta última prova, o emprego é

seu...

Sr. Lopes, nesta empresa você será reconhecido e

valorizado. Quem respeita, merece

respeito!

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O ANALFABETO POLÍTICO

Bertold Brecht

O pior analfabeto é o analfabeto

político.

Ele não ouve, não fala, nem participa

dos acontecimentos políticos.

Ele não sabe que o custo de vida, o

preço do feijão,

do peixe, da farinha, do aluguel, do

sapato e do remédio

dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que

se orgulha e estufa o peito dizen do

que odeia

a política. Não sabe o imbecil que da

sua ignorância política nasce a

prostituta,

o menor abandonado, e o pior de

todos os bandidos que é o político

vigarista,

pilantra, o corrupto e lacaio dos

exploradores do povo

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A MERCANTILIZAÇÃO DA CULTURA

Rosana Miyashiro∗

"O objeto da arte, tal como qualquer outro produto, cria

um público capaz de compreender a arte e de apreciar a

beleza. Portanto, a produção não cria somente um

objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o

objeto." (Karl Marx)

Atualmente, notamos em nosso cotidiano, o papel exercido pelos

meios de comunicação de massa1 (Rádio, TV, imprensa escrita), que são utilizados, de maneira bastante marcante, na construção e reprodução de idéias e valores. Isto pode ser verificado nas formas e conteúdos das mensagens veiculadas.

Através de um discurso que aparentemente incorpora as diversidades culturais, promove-se a padronização crescente de visões de mundo que neutralizam conflitos e naturalizam as leis do mercado. Leis essas que são estendidas a toda e qualquer atividade humana, incluindo a área de educação e as atividades culturais de modo geral.

A conseqüência mais evidente deste processo é a uniformização dos discursos, que torna característico um modo de pensar e agir. Por exemplo, conforma-se certos “consensos” em torno de opiniões sobre a política, a economia e os fenômenos sociais em curso, explicados de maneira relativizada, restringindo-se as análises aos aspectos particulares, dissociados dos processos macroeconômicos e sociais.

Temos dificuldade de identificar claramente os limites que separam ou interpenetram programas culturais, de entretenimento, informativo/jornalístico e a publicidade e o marketing.

Neste cenário, a guerra parece uma telenovela, pela forma melodramática como é abordada; a telenovela subordina o enredo da trama ficcional às estratégias para disseminar novos padrões de ∗ É coordenadora da ETHCI e mestranda em Educação e Trabalho pela UFSC. 1 O fenômeno da industrialização da cultura no século XX, especialmente após a 2ª Guerra Mundial, foi bastante discutido por autores da chamada Escola de Frankfurt, que trataram sobre o tema da alienação da arte decorrente da alienação promovida pela divisão social do trabalho no modo de produção capitalista, considerado no marco da produção fordista e a emergência do consumo em massa naquele período.

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consumo, exibindo as marcas de seus patrocinadores; o noticiário apresenta informações compartimentadas e com um claro viés mercadológico na medida em que criam fatos ou enfatizam elementos que garantam o aumento da audiência.

Mesmo as produções culturais de raízes locais ou regionais (como o frevo, o cordel, as festas juninas, o boi de mamão etc.), são reapropriadas como produtos para fomentar o turismo e não como expressão da cultura de um povo, sendo incorporadas na roda viva da lucratividade, da mercantilização da cultura.

Assim, marketing e publicidade ganham lugar central, como grandes promovedores das produções artísticas, incluindo as culturas locais produzidas por determinado segmento da sociedade. Estas são apropriadas e ressignificadas, dependendo de seu potencial de penetração no mercado. Desta maneira a arte, mais do que nunca, e de forma crescente, transforma-se em produto altamente desejado por milhares de pessoas na medida em que se torna um bem para marcar diferenças sociais e transmitir mensagens, conotando status e a sensação de inclusão, de inserção social.

Desta forma, a vinculação crescente, sob novas formas, entre cultura e grandes negócios, faz parte da tendência atual. Uma série de incentivos por parte dos governos, sob a forma de redução ou isenção fiscal para as empresas, favorecem os grandes investimentos na área musical, cinematográfica, das artes em geral. Um exemplo é a promoção de mega exposições de pintores clássicos, com acesso gratuito que permite que um público, antes não contemplado, tenha "passagem" por este tipo de evento. No entanto, isso não significa acesso a cultura ou a configuração de um processo de democratização dos bens culturais que tenha como objetivo possibilitar a apropriação de novos conhecimentos, mas trata-se de um meio eficaz de disseminar marcas e ampliar o mercado consumidor das empresas patrocinadoras.

Os programas de entretenimento funcionam com um forte apelo propagandístico, na medida em que lançam estereótipos de estilos de vida e modos de ser, através das marcas que expõem naturalmente em suas tramas ficcionais.

Em nome da diversidade, constrói-se mercados segmentados, ou mesmo surgem novas apropriações e combinações de signos que apelam a um público "heterogêneo". Mais do que ter, é necessário criar novos desejos. A velocidade que este processo alcança nos dias atuais é tomado como sinônimo de progresso justificado pelos avanços tecnológicos e pelo discurso da democratização da informação, fundido paradoxalmente com a bárbarie da miséria e da violência presentes na realidade da população, apresentada diariamente nos telejornais.�

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O TRABALHO E A PRODUÇÃO DA HUMANIDADE Ismael Venâncio de Melo∗

CCCCom a finalidade de melhor entender o conceito de “centralidade do trabalho”,

vamos acompanhar esse diálogo entre duas amigas: Dara e Sofia:

Dara - O que significa “centralidade do trabalho”?

Sofia - Não é o que parece imediatamente. Para nós, é tão comum relacionar trabalho e emprego que, num primeiro momento, a gente pensa que é a mesma coisa. O emprego é hoje algo tão difícil, e ao mesmo tempo tão necessário, que quando ficamos sem emprego, parece que nossa vida perdeu o centro, mas não é isso que se deve entender por centralidade do trabalho.

Dara - Eu já estava indo nesse caminho...

Sofia - Vamos começar limpando o terreno e dizendo o que não é a tal centralidade. Já entendemos que a centralidade ontológica do trabalho não pode ser confundida com a centralidade cotidiana do trabalho.

Dara - O que é ontológica?

Sofia - Onto vem do grego e quer dizer relativo ao ser, logia também vem do grego e quer dizer estudo, ciência. Assim, ontologia quer dizer: estudo do ser.

Dara - Então, o trabalho que nos interessa agora não é aquele que a gente está procurando, o emprego?

Sofia - Isso mesmo, a centralidade do trabalho refere-se a algo muito mais geral. A qualquer tipo de trabalho em qualquer forma de organização social. Aqui no Brasil, que é uma sociedade capitalista, o trabalho está associado a emprego, porque nós vendemos nosso tempo para o capitalista, que paga um salário para dispor desse nosso tempo. Mas, nem sempre foi assim, já houve épocas nas quais o trabalho era comunitário e a divisão

∗ Ismael Venâncio de Melo é filósofo e mestrando em Educação - USP

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era feita de acordo com as condições e possibilidades de cada um. Também teve épocas que alguns homens escravizavam outros e os obrigavam a trabalhar. Houve ainda uma época em que os homens não eram escravos, mas eram servos da terra, não podiam se deslocar livremente. Agora, nós vivemos um período histórico no qual alguns homens se apoderaram dos meios de trabalho e os que não tem esses meios são obrigados a vender sua mão-de-obra para ser empregada em benefício daqueles que detêm os meios de produção.

Dara - Mas se a gente não consegue emprego também não consegue realizar trabalho. E a gente precisa viver...

Sofia - Tem razão! O trabalho é condição necessária para garantir a vida em qualquer tipo de sociedade. Isso é uma condição natural insuperável. As formas de organização do trabalho é que variam no decorrer da história.

Dara - Vamos ver se eu entendi: se o cara pesca para alimentar sua família, se ele é escravo e tem que entregar o produto da pesca para o seu dono, se ele tem que entregar uma parte do que pesca para o seu senhor ou tem que entregar toda produção para o dono do barco que o empregou, e pagou um salário para isso, não importa: em qualquer desses casos, houve trabalho.

Sofia - É exatamente aí que está a centralidade do trabalho. Em qualquer tipo de sociedade, em qualquer forma de organização social, o trabalho será sempre uma atividade necessária para garantir a sobrevivência. O trabalho é a atividade humana que transforma a natureza nos bens necessários à reprodução social.

Uma outra característica do trabalho, a que nos diferencia dos animais, é que nós podemos produzir nossos próprios meios de subsistência, podemos produzir para muito além das nossas necessidades imediatas. Um leão come carne, mas não cria um rebanho de ovelhas para quando tiver fome. Uma vaca come capim, mas não planta o capim.

Dara - Essa é mesmo uma diferença muito grande: nós, os humanos, somos capazes de produzir os nossos próprios meios de subsistência.

Sofia - Isso mesmo, nós fazemos as coisas com uma certa intenção. Não somos movidos apenas pelas necessidades imediatas. Já o leão, quando tem fome, caça e come, ele não caça para “comer mais tarde”.

Dara - E, o que tem a ver trabalho com conhecimento?

Sofia - Conforme acabamos de ver, nós agimos com certa intencionalidade. Ao mesmo tempo, todas as nossas vivências anteriores interferem nas nossas ações. Nós, como seres que vão se constituindo historicamente, partimos sempre do já vivido, por nós ou pelas gerações anteriores. Ou seja, somos frutos da história da humanidade e da nossa própria história. Quando temos que realizar um trabalho nós o fazemos levando em conta esses conhecimentos adquiridos anteriormente. Assim, quando atuamos sobre o mundo para satisfazer nossas necessidades, somos guiados por uma certa intenção, pelos nossos conhecimentos e pelas respostas que damos às resistências encontradas nessa tentativa de apropriação da natureza.

Dara - Quer dizer que mesmo atividades aparentemente simples, como pescar, requerem conhecimento?

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Sofia - Claro! E na verdade pescar nem é uma atividade simples. Inúmeros conhecimentos são aplicados no ato da pesca. Primeiro, somos motivados a pescar por uma certa necessidade, basicamente a de produzir alimento. A partir dessa necessidade, de nos alimentar, temos uma intencionalidade, conseguir alimento. Nós aprendemos que peixe alimenta e que no mar há peixe. Aprendemos também diversas técnicas para pescar, técnicas que foram sendo desenvolvidas no decorrer da história. Também aprendemos quais os instrumentos que facilitam a pescaria. Aprendemos qual a época do ano mais adequada para pescar essa ou aquela espécie, aprendemos que a Lua interfere no resultado da pesca, aprendemos que as correntes marítimas e a temperatura também interferem. Ou seja, entre a decisão de pescar e a pesca propriamente dita uma infinidade de conhecimentos determinara a decisão de pescar e outra infinidade de conhecimentos será necessária para realizar a pescaria. E não é só! Depois de pescar precisamos preparar o peixe para o consumo, precisamos limpá-lo e conservá-lo. Depois é “só” preparar (cozido, frito ou assado) e saborear.

Dara - Por falar nisso, sabe que acabo de ter uma idéia, resultado dessa nossa discussão. Vamos comer um peixinho, vamos comer séculos de conhecimento. Afinal, é sábado à tarde e ninguém é de ferro. �

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OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO Vinicius de Moraes

“E o diabo, levando-o a um alto monte,

mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:

- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero;

portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe:

- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás"

(Lucas, cap. V, vers. 5-8)

Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas

Ele subia com as casas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia, por exemplo,

Que a casa de um homem é templo,

Um templo sem religião, Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade

Era a sua escravidão.

De fato, como podia

Um operário em construção Compreender por que um tijolo Valia mais do que um pão?

Tijolos ele empilhava Com pá, cimento e esquadria Quanto ao pão, ele o comia ...

Mas fosse comer tijolo ! E assim o operário ia

Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui Adiante um apartamento Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria

Não fosse, eventualmente,

Um operário em construção.

Mas ele desconhecia

Esse fato extraordinário: Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão O operário foi tomado De uma súbita emoção Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa – Garrafa, prato, facão – Era ele quem os fazia

Ele, um humilde operário, Um operário em construção. Olhou em torno: gamela Banco, enxerga, caldeirão Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação!

Tudo, tudo o que existia Era ele quem o fazia

Ele, um humilde operário Um operário que sabia

Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento Não sabereis nunca o quanto Aquele humilde operário Soube naquele momento!

Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara Um mundo novo nascia

De que sequer suspeitava. O operário emocionado

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Olhou sua própria mão Sua rude mão de operário De operário em construção E olhando bem para ela

Teve um segundo a impressão De que não havia no mundo

Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão Desse instante solitário Que, tal sua construção,

Cresceu também o operário Cresceu em alto e profundo

Em largo e no coração E como tudo que cresce Ele não cresceu em vão. Pois além do que sabia – Exercer a profissão – O operário adquiriu Uma nova dimensão:

A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu Que a todos admirava: O que o operário dizia

Outro operário escutava. E foi assim que o operário Do edifício em construção Que sempre dizia sim Começou a dizer não.

E aprendeu a notar coisas A que não dava atenção: Notou que a sua marmita Era o prato do patrão Que sua cerveja preta Era o uísque do patrão

Que seu macacão de zuarte Era o terno do patrão

Que o casebre onde morava Era a mansão do patrão

Que seus dois pés andarilhos Eram as rodas do patrão, Que a dureza do seu dia Era a noite do patrão Que sua imensa fadiga Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não! E o operário fez-se forte

Na sua resolução.

Como era de se esperar As bocas da delação

Começaram a dizer coisas Aos ouvidos do patrão. Mas o patrão não queria Nenhuma preocupação.

– "Convençam-no" do contrário – Disse ele sobre o operário

E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário Ao sair da construção

Viu-se de súbito cercado Dos homens da delação E sofreu, por destinado Sua primeira agressão. Teve seu rosto cuspido Teve seu braço quebrado Mas quando foi perguntado O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário Sua primeira agressão

Muitas outras se seguiram Muitas outras seguirão.

Porém, por imprescindível, Ao edifício em construção Seu trabalho prosseguia E todo o seu sofrimento Misturava-se ao cimento

Da construção que crescia.

Sentindo que a violência Não dobraria o operário Um dia tentou o patrão Dobrá-lo de modo vário. De sorte, que foi levando Ao alto da construção

E num momento de tempo Mostrou-lhe toda a região. E apontando-a ao operário

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Fez-lhe esta declaração: – Dar-te-ei todo esse poder

E a sua satisfação Porque a mim me foi entregue E dou-o a quem bem quiser.

Dou-te tempo de lazer Dou-te tempo de mulher. Portanto, tudo o que vês Será teu se me adorares

E, ainda mais, se abandonares O que te faz dizer não. Disse, e fitou o operário Que olhava e refletia

Mas o que via o operário O patrão nunca veria. O operário viu as casas E dentro das estruturas Via coisas, objetos

Produtos, manufaturas. Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão.

E o operário disse: Não!

– Loucura! – Gritou o patrão Não vês o que te dou eu?

– Mentira! – disse o operário

Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se Dentro do seu coração Um silêncio de martírios Um silêncio de prisão Um silêncio povoado De pedidos de perdão Um silêncio apavorado

Como o medo em solidão Um silêncio de torturas E gritos de maldição

Um silêncio de fraturas A se arrastarem pelo chão. E o operário ouviu a voz De todos os seus irmãos Os irmãos que morreram Por outros que viverão. Uma esperança sincera Cresceu no seu coração E dentro da tarde mansa Agigantou-se a razão

De um homem pobre e esquecido Razão porém que fizera Em operário construído

O operário em construção.

Extraído de Antologia Poética. Rio de Janeiro, Sabiá , 1957.

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A IDEOLOGIA Marilena Chauí

A alienação social se exprime numa “teoria” do conhecimento espontânea, formando o senso comum da sociedade. Por seu intermédio, são imaginadas explicações e justificativas para a realidade tal como é diretamente percebida e vivida.

Um exemplo desse senso comum aparece no caso da “explicação” da pobreza, em que o pobre é pobre por sua própria culpa (preguiça, ignorância) ou por vontade divina ou por inferioridade natural. Esse senso comum social, na verdade, é o resultado de urna elaboração intelectual sobre a realidade, feita pelos pensadores ou intelectuais da sociedade — sacerdotes, filósofos, cientistas, professores, escritores, jornalistas, artistas —, que descrevem e explicam o mundo a partir do ponto de vista da classe a que pertencem e que é a classe dominante de sua sociedade. Essa elaboração intelectual incorporada pelo senso comum social é a ideologia. Por meio dela, o ponto de vista, as opiniões e as idéias de uma das classes sociais — a dominante e dirigente — tomam-se o ponto de vista e a opinião de todas as classes e de toda a sociedade.

A função principal da ideologia é ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas, dar-lhes a aparência de indivisão e de diferenças naturais entre os seres humanos. Indivisão: apesar da divisão social das classes, somos levados a crer que somos todos iguais porque participamos da idéia de “humanidade”, ou da idéia de “nação” e “pátria”, ou da idéia de “raça”, etc. Diferenças naturais: somos leva dos a crer que as desigualdades sociais, econômicas e políticas não são produzidas pela divisão social das classes, mas por diferenças individuais dos talentos e das capacidades, da inteligência, da força de vontade maior ou menor, etc.

A produção ideológica da ilusão social tem como finalidade fazer com que todas as classes sociais aceitem as condições em que vivem, julgando-as naturais, normais, corretas, justas, sem pretender transformá-las ou conhecê-las realmente, sem levar em conta que há uma contradição profunda entre as condições reais em que vivemos e as idéias.

Por exemplo, a ideologia afirma que somos todos cidadãos e, portanto, temos todos os mesmos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais. No entanto, sabemos que isso não acontece de fato: as crianças de rua não têm direitos; os idosos não têm direitos; os direitos culturais das crianças nas escolas públicas é inferior aos das crianças que estão em escolas particulares, pois o ensino não é de mesma qualidade em ambas; os negros e índios são discriminados como inferiores; os homossexuais são perseguidos como pervertidos, etc.

A maioria, porém, acredita que o fato de ser eleitor, pagar as dívidas e contribuir com os impostos já nos faz cidadãos, sem considerar as condições concretas que fazem alguns serem mais cidadãos do que outros. A função da ideologia é impedir-nos de pensar nessas coisas.

Os procedimentos da ideologia

Como procede a ideologia para obter esse fantástico resultado? Em primeiro lugar, opera por inversão, isto é, coloca os efeitos no lugar das causas e transforma estas últimas em efeitos. Ela opera como o inconsciente: este fabrica imagens e sintomas; aquela fabrica idéias e falsas causalidades.

Por exemplo, o senso comum social afirma que a mulher é um ser frágil, sensitivo, intuitivo, feito para as doçuras do lar e da maternidade e que, por isso, foi destinada, por natureza, para a vida doméstica, o cuidado do marido e da família. Assim o “ser feminino” é colocado como causa da “função social feminina”.

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Ora, historicamente, o que ocorreu foi exatamente o contrário: na divisão sexual-social do trabalho e na divisão dos poderes no interior da família, atribuiu-se à mulher um lugar levando-se em conta o lugar masculino; como este era o lugar do domínio, da autoridade e do poder, deu-se à mulher o lugar subordinado e auxiliar, a função complementar e, visto que o número de braços para o trabalho e para a guerra aumentava o poderio do chefe da família e chefe militar, a função reprodutora da mulher tornou-se imprescindível, trazendo como conseqüência sua designação prioritária para a maternidade.

Estabelecidas essas condições sociais, era preciso persuadir as mulheres de que seu lugar e sua função não provinham do modo de organização social, mas da Natureza, e eram excelentes e desejáveis. Para isso, montou-se a ideologia do “ser feminino” e da “função feminina” como naturais e não como históricos e sociais. Como se observa, unia vez implantada uma ideologia, passamos a tomar os efeitos pelas causas.

A segunda maneira de operar da ideologia é a produção do imaginário social, através da imaginação reprodutora. Recolhendo as imagens diretas e imediatas da experiência social (isto é, do modo como vivemos as relações sociais), a ideologia as reproduz, mas transformando-as num conjunto coerente, lógico e sistemático de idéias que funcionam em dois registros: como representações da realidade (sistema explicativo ou teórico) e como normas e regras de conduta e comportamento (sistema prescritivo de normas e valores). Representações, normas e valores formam um tecido de imagens que explicam toda a realidade e prescrevem para toda a sociedade o que ela deve e como deve pensar, falar, sentir e agir. A ideologia assegura, a todos, modos de entender a realidade e de se comportar nela ou diante dela, eliminando dúvidas, ansiedades, angústias, admirações, oculta as contradições da vida social, bem como as contradições entre esta e as idéias que supostamente a explicam e controlam.

Enfim, uma terceira maneira de operação da ideologia é o silêncio. Um imaginário social se parece com uma frase onde nem tudo é dito, nem pode ser dito, porque, se tudo fosse dito, a frase perderia a coerência, tornar-se-ia incoerente e contraditória e ninguém acreditaria nela. A coerência e a unidade do imaginário social ou ideologia vêm, portanto, do que é silenciado (e, sob esse aspecto, a ideologia opera exatamente como o inconsciente descrito pela psicanálise).

Por exemplo, a ideologia afirma que o adultério é crime (tanto assim que homens que matam suas esposas e os amantes delas são considerados inocentes porque praticaram um ato em nome da honra), que a virgindade feminina é preciosa e que o homossexualismo é uma perversão e uma doença grave (tão grave que, para alguns, Deus resolveu punir os homossexuais enviando a peste, isto é, a Aids).

O que está sendo silenciado pela ideologia? Os motivos pelos quais, em nossa sociedade, o vínculo entre sexo e procriação é tão importante (coisa que não acontece em todas as sociedades, mas apenas em algumas, como a nossa). Nossa sociedade exige a procriação legítima e legal — a que se realiza pelos laços do casamento —, porque ela garante, para a classe dominante, a transmissão do capital aos herdeiros. Assim sendo, o adultério e a perda da virgindade são perigosos para o capital e para a transmissão legal da riqueza; por isso, o primeiro se toma crime e a segunda é valorizada como virtude suprema das mulheres jovens.

Em nossa sociedade, a reprodução da força de trabalho se faz pelo aumento do número de trabalhadores e, portanto, a procriação é considerada fundamental para o aumento do capital que precisa da mão-de-obra. Por esse motivo, toda sexualidade que não se realizar com finalidade reprodutiva será considerada anormal, perversa e doentia, donde a condenação do homossexualismo.A ideologia, porém, perderia sua força e coerência se dissesse essas coisas e por isso as silencia.

trecho extraído de Convite à Filosofia. Ed. Ática, S.Paulo, 1994, pág. 174-175

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TURISMO SEXUAL

(...) a prostituição infanto-juvenil envolve hoje na Ásia cerca de 1 milhão de crianças e continua a crescer, alimentada principalmente por turistas sexuais dos EUA, Europa, Austrália e Japão. Bordéis mantêm crianças em semi-escravidão e, no Camboja, por exemplo, oferecem sexo com meninas de seis anos por U$ 3,00.

Helton R. Ouriques A produção do turismo: fetichismo e de pendência, 2005, p.101

“O sexo é um produto de exportação consumido localmente. Embora pareça ser contraditório, queremos enfatizar que nos países centrais existe um “imaginário” sobre as viagens à periferia, associando-a aos encontros prazerosos, ou seja, é exportada a idéia, socialmente construída, de que a periferia é um “jardim de delícias”.

Helton R. Ouriques. A produção do turismo: fetichismo e de pendência, 2005, p. 108.

“(...) Através de um estudo realizado entre a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), Unicef, Comissão Intersetorial de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e a Universidade de Brasília (UnB) identificou-se 937 municípios e localidades brasileiras onde ocorre a exploração sexual comercial infanto-juvenil. Desse total, 298 (31,8%) estão no Nordeste, 241 (25,7%) no Sudeste, 162 (17,3%) no Sul, 127 (13,6%) no Centro-Oeste e 109 (11,6%) na região Norte”. Revista Caminhoneiro (edição 211, 12/02/08)

A partir do diário íntimo de um

explorador sexual, o norte-americano

Daniel Gary, capturado em

Honduras, é possível ver a total

impunidade com que ele se movia no

país:

"Este é o melhor hotel em que já

estive, é possível ver o mar e, além

disso, admitem crianças comigo...".

e também "... então à noite tive

sexo com ele. No início, tive

problemas para entrar com ele no

hotel, mas depois de explicar ao

recepcionista que ele não estava

com drogas, não houve mais

problema”.

(...) Depois da expansão do turismo de massa, o setor informal da prostituição desenvolveu-se com o afluxo mais importante de turistas individuais. Tornou-se possível estabelecer uma espécie de cartografia do turismo sexual: as mulheres vão a Goa, à Índia, à Jamaica, a Gâmbia, enquanto os homens preferem os países do sudeste asiático, o Marrocos, a Tunísia, Senegal, a República Dominicana, Cuba, Panamá, o Suriname, o México – sem esquecer o Brasil onde teriam sido recenseadas não menos de 500 mil crianças que praticam a prostituição.

Franck Michel (Le Monde Diplomatique, agosto 2006

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O MARKETING: BREVE PANORAMA HISTÓRICO

Apesar de encontrarmos suas raízes ao longo da história da humanidade, na própria gênese do comércio, o marketing é um campo de estudo novo se comparado com os demais campos do saber. O estudo do mercado surgiu da necessidade dos industriais de administrar a nova realidade oriunda da Revolução Industrial. Neste período o marketing ainda é inseparável da economia e da administração clássica, pois inicialmente sua preocupação era puramente de logística e produtividade, para a maximização dos lucros. Os consumidores não tinham qualquer poder de barganha e a concorrência era praticamente inexistente.

Tal realidade manteve-se inalterada até fins da Segunda Guerra Mundial quando, então, reagindo ao crescimento da concorrência, mercadólogos começaram a teorizar sobre como atrair e lidar com seus consumidores. Surgiu então a cultura de vender a qualquer preço.

Na âmbito das empresas, P.T. Barnum foi um ícone deste período, cheio de truques que faziam da arte de vender quase num espetáculo de charlatanice. As técnicas eram, neste período, ingênuas e/ou maliciosas que estavam misturadas a ferramentas eficientes.

Nos anos 40, os primeiros estudos sobre o marketing vieram de com trabalhos como o de Walter Scott, sobre a aplicação da psicologia na propaganda e o de William J. Reilly sobre as Leis de gravitação do varejo. A questão crucial era se as teorias de mercado podiam ou não se desenvolver. Autores como Roland Vaile e outros afirmavam que nunca seria possível desenvolver uma teoria mercadológica genuína, pois consideravam esta extremamente subjetiva, quase uma forma de arte. Por outro lado, Bartels e outros começavam a admitir que existia uma potencialidade para a teoria mercadológica. Em 1954, pelas mãos de Peter Drucker ao lançar seu livro “A Prática da Administração”, o marketing é colocado como uma força poderosa a ser considerada pelos administradores nas empresas.

Há 50 anos atrás, na maior parte das empresas, o marketing ocupava apenas um lugar modesto, mas aos poucos, essa função foi se alargando progressivamente e colocada no mesmo plano das outras direções de produção, financeira e de recursos humanos.

Por outro lado, surgem outros estudos, numa perspectiva crítica em relação ao processo de alienação e de dominação ideológica que marcam a sociedade das mercadorias no bojo da produção e consumo de massa no auge do padrão fordista de produção. Podemos destacar os autores da Escola de Frankfurt, que abordam sobre a indústria cultural e a expansão dos meios de comunicação de massa.

Marketing e Publicidade: ideologia e construção simbólica

Se verificarmos no dicionário o termo marketing, além de uma definição mais geral que envolve “um conjunto de estratégias e ações que provêem o desenvolvimento, o

lançamento e a sustentação de um produto ou serviço no mercado consumidor”, temos também a classificação dos vários segmentos que envolvem o marketing como o empresarial, cultural, institucional, esportivo, político etc.

Podemos então dizer que um dos elementos fundamentais do marketing é passar uma mensagem sobre algo que queremos chamar a atenção, seja um produto ou uma idéia. Mas não é apenas isso, como há uma intencionalidade, devemos nos perguntar a serviço de que e de quem?

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Nesse sentido, não podemos deixar de compreender o marketing no contexto histórico do desenvolvimento das forças produtivas e da introdução dos meios de comunicação de massa. O fenômeno da industrialização da cultura no século XX se deu após a 2ª Guerra Mundial.

A comunicação de massa é estruturada segundo as regras da economia de mercado, e procurava captar os anseios dos consumidores. Nas últimas décadas assumiu feições bastante sofisticadas e temos atualmente, sob a liderança da TV, um papel decisivo na formação cultural da população, funcionando como um verdadeiro instrumento de poder na sociedade, produzindo discursos hegemônicos.

A ressignificação constante de valores e símbolos socialmente aceitos, como também as representações que cada um faz de si e do mundo compõe as estratégias de comunicação e marketing, que nem sempre estão explícitas para os leigos. Quer dizer, para conquistar a atenção e adesão das pessoas, são utilizados uma série de conhecimentos de diferentes áreas como a antropologia, a psicologia, a sociologia, a filosofia, a administração, a economia, a política etc para as campanhas publicitárias.

E assim, temos dificuldade de identificar claramente os limites que separam ou interpenetram programas culturais, de entretenimento, informativo/jornalístico e a publicidade e o marketing.

Por ser um importante mecanismo de poder e de ampliação do mercado consumidor, o marketing e a publicidade vem recebendo crescente atenção e investimentos por parte dos grandes grupos econômicos.

As estratégias para ampliar o público consumidor

Nos dias atuais, observamos uma série de estratégias para abarcar novos consumidores, seja por meio de uma intensa veiculação de anúncios na mídia, seja através de abordagens diretas por telemarketing, mala direta, dentre outras ações.

O perfil dos consumidores é traçado a partir de informações sobre os hábitos e consumo cultural, faixa etária, grau de escolaridade, renda, etc.

A partir de tais elementos são construídas as estratégias para a mobilização dos consumidores, com mensagens voltadas a seduzi-los. Portanto, a relação entre cultura e as condições sócio-econômicas são essenciais traçar o perfil do consumidor e elaborar as estratégias voltadas a cada segmento social.

A publicidade se constitui num misto composto pela prática da retórica – a qual envolve a persuasão, o “desejo” de consumo e a “ilusão” de satisfação Para além do conteúdo verdadeiro ou enganoso dos signos verbais e não-verbais empregados, o que se busca é o convencimento. Para tanto, o discurso e a imagem transmitem idéias sugestivas e modelos de comportamento social, não só captando um potencial público consumidor, mas na verdade, criando-o. Na verdade, se vende um ideal de estilo de vida e não apenas um produto.

Referências ADORNO, T., HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. 2 ed. Tradução Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro, Zahar, 1985 DRUCKER, Ferdinand P. Introdução à administração. 3. ed. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2002. MARX, Karl. 1982. O capital (crítica da economia política), livro 1, volume 1. São Paulo, Difel Difusão Editorial. http://pt.wikipedia.org/wiki/Marketing

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QUALIFICAÇÃO E REQUALIFICAÇÃO: A SERVIÇO DE QUEM?

Maristela Miranda Barbara∗

O discurso de que as novas formas de produção exigem umtrabalhador cada vez “mais instruído”,

“mais qualificado” e assim, “superior”, é uma afirmação quase universalmente aceita na fala popular e acadêmica. Apesar de estes termos serem vagos e imprecisos, atualmente são utilizados como se houvesse consenso na compreensão do que significam. O tempo necessário para um trabalhador aprender operar uma máquina sofisticada pode ser umas poucas semanas e o trabalhador passa a ser considerado mais qualificado que um outro trabalhador que possui outros saberes, construído ao longo da vida, isto porque a valorização da qualificação está sempre atrelada às necessidades momentâneas do mercado, desta maneira, não traz qualquer garantia de emprego para o trabalhador que tenta acompanhar tais evoluções. Esta definição cambiante do que é estar qualificado faz com que o trabalhador fique sem referência sobre o que é preciso fazer para garantir seu lugar. “O que se deixa aos trabalhadores é um conceito reinterpretado e dolorosamente inadequado de qualificação : uma habilidade específica, uma operação limitada e repetitiva, ‘a velocidade como qualificação’, ...hoje o trabalhador é considerado como possuindo uma ‘qualificação’ se ele ou ela desempenham funções que exigem uns poucos dias ou semanas de preparo”(Braverman, 1987, p.375). O desemprego cresce em todas as faixas de escolaridade, entretanto, o discurso dominante prega que o desemprego é causado pela falta de qualificação (formal ou técnica) do trabalhador, vinculando assim o desemprego à escolaridade deficiente. Acreditando nesse discurso, o trabalhador atribui a si a responsabilidade pela situação de desemprego, ou ameaça dele, e, passa a procurar em sua história de vida explicações para sua situação, considerando-se com estudo insuficiente, ou sem alguma habilidade específica. “Nesse contexto, é possível perceber qual o trabalho específico do discurso ideológico: realizar a lógica do poder fazendo com que as divisões e as diferenças apareçam como simples diversidade das condições de vida de cada um” (Chaui, 1982, p.21).

O aperfeiçoamento do trabalhador é importante e necessário, pode ser condição primeira para qualquer trabalhador almejar disputar um posto de trabalho, mas não é por si só suficiente para acabar com o desemprego e a exclusão social. O desemprego mais do que nunca faz parte da estrutura da forma capitalista, deixou de ser eventual ou expressão de uma crise conjuntural. O trabalhador com a responsabilidade de qualificar-se e, ao mesmo tempo, sem referência do que seja qualificação, quando demitido, ou diante da ameaça de demissão, sente-se culpado por não ter estudado mais, isto independentemente do quanto tenha estudado até então, e sofre. “São levados a se considerar indignos da sociedade, e sobretudo responsáveis pela sua própria situação, que julgam degradante (já que degrada ) e até censurável. Eles se acusam daquilo de que são vítimas” (Forrester, 1997, p.11).

A verdadeira democratização do conhecimento permitirá que cada um possa analisar de forma mais crítica e ampla seus determinantes históricos / sociais, chegando assim a um maior grau de consciência de si mesmo. Podemos dizer que cada um a partir daí, terá então, maior possibilidade de ação sobre o mundo e, assim, maior possibilidade de transformá-lo, pois, “Uma classe não pode existir na sociedade sem manifestar em algum grau uma consciência de si mesma como um grupo com problemas, interesses e expectativas comuns”(Braveman, 1987,p.36).

Sem uma análise que leve em conta que as relações de produção, são estas, mas poderão ser outras, o trabalhador sofre duas vezes: uma pelas privações materiais e, outra, por colocar-se como responsável por seu próprio desemprego. Referências bibliográficas BRAVERMAN, H, 1987. Trabalho e Capital Monopolista. Rio de Janeiro : Ed. Guanabara CHAUÍ, M., 1982. Cultura e Democracia. São Paulo : Moderna FORRESTER, V. 1997. O Horror Econômico. São Paulo :Ed. Unesp.

∗ Maristela M.Barbara é psicóloga pela PUC-SP e assessora da Secretaria Nacional de Formação da CUT.

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CONDIÇÕES DE TRABALHO E A SAÚDE DOS TRABALHADORES

Aline M. Salami e Hanen Sarkis Kanaan∗

“Não sois máquina, homem que sois”.

(Charles Chaplin)

Com freqüência ouvimos que no atual contexto do mundo do trabalho a ocorrência das doenças ocupacionais tem aumentado. O que isso tem a ver com as condições de trabalho e a saúde dos trabalhadores? Para compreendermos essa questão precisamos voltar um pouco no tempo, retomando o processo histórico de desenvolvimento do modo de produção capitalista.

A revolução industrial, a partir do século XVIII, é um marco na mudança do processo de produção e provocou uma enorme transformação na sociedade.

Nesse período temos o nascimento do proletariado urbano-industrial e dentre as primeiras reivindicações dos trabalhadores já estão presentes questões relativas à redução da jornada de trabalho, à segurança no trabalho,

ao descanso semanal, às condições de salubridade nos locais de trabalho (por exemplo, a presença de janelas e banheiros), entre outras.

O avanço do capitalismo com a modernização crescente dos processos de trabalho para o aumento da capacidade produtiva trouxe novas conseqüências para a vida e saúde dos trabalhadores.

Ou seja, com a revolução industrial, se instaura uma nova divisão social do trabalho e a introdução das máquinas (tecnologia) na produção. Aquilo que antes era realizado pelo homem passa a ser realizado por uma máquina (extensão extra-corpórea), ou seja, a máquina é o prolongamento do corpo humano e deveria auxiliar na eliminação do trabalho extenuante e degradante, diminuindo a exigência de esforço muscular e mental. No entanto, observamos a introdução de tecnologias cada vez mais sofisticadas que, ao contrário de liberar o tempo, tem provocado a intensificação no ritmo de trabalho. Portanto, o problema não são as tecnologias e sim a destinação dela. Essa situação, em tempos passados provocou uma tensão na relação entre os trabalhadores e a máquina, expresso no movimento que ficou conhecido como ludismo, em que havia o entendimento de que a máquina era a causa dos problemas da classe trabalhadora.

Por conta da lógica de aumento da produção e da produtividade nas empresas, as doenças ocupacionais e os acidentes de trabalho sempre permearam a realidade do mundo do trabalho posto que nos processos de trabalho se desrespeita os limites humanos ao serem determinados ritmos de trabalho ao ritmo das máquinas. Porém, as máquinas quando apresentam desgaste têm suas peças substituídas por outras. As atividades laborais que

∗ Aline M. Salami é nutricionista e mestranda em Agroecossistemas e Hanen S.Kanaa é historiadora. Ambas são educadoras da ETHCI

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“utilizam” intensamente algumas das capacidades humanas acabam fazendo com que os órgãos ou membros envolvidos nesse tipo de trabalho sofram um desgaste máximo, tornando “inútil” para o trabalho o Homem inteiro já que, ao contrário das máquinas, nossas “peças” não podem ser substituídas. O filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, é emblemático dessa situação, expressando a relação homem-máquina no padrão fordista de produção.

Porém, as doenças ocupacionais não são coisas do nosso tempo, já na idade média ela atingia os trabalhadores e eram conhecidas sob outros nomes. Com o aumento do ritmo de trabalho, tanto na cidade como no campo, principalmente depois da segunda metade do século XX, as doenças ocupacionais mais visíveis decorreram das tarefas repetitivas (nas fábricas, escritórios, etc.) e por este motivo as discussões sobre a saúde dos trabalhadores centraram na LER/DORT.

Mas o que caracteriza uma doença ocupacional? Podemos considerar doenças ocupacionais aquelas originadas e/ou adquiridas no desempenho de determinada atividade laboral. Por exemplo, determinadas doenças têm incidências maiores conforme o tipo de trabalho realizado como é o caso dos garis que têm elevado índice de lesões nos membros inferiores e o dos mineiros que são acometidos com a pneumoconiose, popularmente conhecida como pulmão negro. Lembramos ainda que a falta de condições adequadas nos locais de trabalho pode causar perda auditiva e de voz, contaminação por agentes químicos, etc.

Já os acidentes de trabalho são caracterizados por uma ação imediata como cortes, queimaduras, fraturas etc. no exercício da atividade laboral. Da mesma forma que as doenças ocupacionais, os acidentes de trabalho ocorrem devido à interação de vários fatores que estão presentes no ambiente de trabalho e podem ser previsíveis e preveníveis, uma vez que, eliminados os fatores de risco pode-se reduzir ou eliminar as ocorrências.

É prática comum nas empresas a realização de investigações que atribuem os acidentes de trabalho aos “comportamentos inadequados” informando como causas principais o descuido, a imprudência, a desatenção ou a negligência do trabalhador. Nessa perspectiva, são realizadas uma série de recomendações focadas na mudança de comportamento dos indivíduos do tipo, “tomar mais cuidado”, “prestar mais atenção”, “reforçar o treinamento”. Nessa visão está presente a culpabilização dos trabalhadores pelos acidentes de trabalho e pelas doenças ocupacionais, isentando a empresa da responsabilidade de assegurar condições dignas de trabalho.

Portanto, a prevenção de acidentes e de doenças ocupacionais será efetiva se os trabalhadores se organizarem. Esse pode ser um instrumento de formação, informação, discussão e intervenção no mundo do trabalho. Uma forma de organização que temos é a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) que é obrigatória em empresas com mais de 20 funcionários. Outra ferramenta que denuncia as condições de trabalho é a emissão dos CATs (cadastros de acidentes de trabalho) no prazo de 24h do ocorrido ou após a conclusão do diagnóstico. Quando a empresa não emite o CAT, o trabalhador fica desamparado legalmente.

Dados do Ministério da Previdência Social (2007) indicam que, “30% dos acidentes

atingem mãos, dedos e punhos, e poderiam ser evitados com investimentos em máquinas mais

modernas, com dispositivos de segurança, com capacitação dos trabalhadores e processos de

produção mais adequados”. De acordo com o Anuário Estatístico/2006, a maioria dos acidentes ocorreu na indústria (47% dos casos) e no setor de serviços (45%). Segundo o Ministério do Trabalho (2004), o Brasil está entre os 15 países do mundo com maior incidência de acidentes de trabalho e participa em quarto lugar, na ocorrência de óbitos. Apesar desses dados alarmantes, a realidade pode ser mais drástica posto que os dados oficiais

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se baseiam nos CATs dos trabalhadores com emprego formal e sabemos que a sub-notificação ainda é uma prática comum. Nesses dados não estão computados os acidentes sofridos pelos trabalhadores informais.

Atualmente na chamada reestruturação produtiva do capital (com a eliminação de postos de trabalho) os trabalhadores e trabalhadoras com medo de perder o emprego submetem-se a longas jornadas de trabalho (horas-extras), aceitam a flexibilização de seus direitos e a competitividade é estimulada nos ambientes de trabalho provocando conflito entre os próprios trabalhadores. Dessa realidade, derivam várias conseqüências para a saúde dos trabalhadores que sob pressão psíquica permanente, são acometidos por depressão, stress, fadiga e o uso excessivo de álcool e drogas, que no limite provocam suicídio.

Essas doenças são mais difíceis de serem diagnosticadas e relacionadas ao processo de trabalho. Podemos dizer que, na maioria das vezes, a omissão desses casos decorre da introjeção da disciplina do trabalho pelos trabalhadores expresso no sentimento de culpa ou de vergonha da impossibilidade de realização das atividades cotidianas. Outra questão que merece atenção e uma análise crítica são as explicações individualizadas, de caráter moralista, que tem sido reproduzidas no imaginário social que associam as doenças ocupacionais à fraqueza, à falta de vontade, à preguiça ou à dissimulação.

Maria da Graça Jacques atenta para o papel da mídia no reforço dessa visão: “(...) é ilustrativo o comentário de Elio Gaspari, em sua coluna no jornal Zero Hora, com o título de

‘Cuidado com as pedras desgovernadas’, que reproduz o conteúdo descritivo de um acidente

elaborado pelo INSS: “Ao retornar de seu horário de almoço, o trabalhador Moacir Pereira

Passos não enxergou uma pedra vindo em sua direção desgovernada e bateu em sua

cabeça”. O jornalista comenta de modo irônico e jocoso: “Estava voltando do almoço (logo

não trabalhando), não viu a pedra (distraído). Inocenta-se a pedra que estava desgovernada.

Pedras governadas são aquelas que sabem desviar da cabeça de trabalhadores distraídos

que insistem em almoçar”.

Interpretações como essas responsabilizam individualmente os trabalhadores e não consideram a complexidade que cerca a ocorrência de um acidente ou de uma doença ocupacional. Ao contrário, provocam mais uma fonte de tensão e de sofrimento gerando uma situação em que a vítima introjeta a culpa que lhe é atribuída, o que pode agravar sua condição de saúde.

Como o processo de trabalho é constantemente modificado para obtenção de maior lucro das empresas, certamente surgirão novas conseqüências para a vida dos trabalhadores. Portanto é fundamental compreender que as estratégias para obtenção de maior produtividade nada mais são do que o aumento da taxa de exploração da força de trabalho. Em certos momentos históricos os trabalhadores se organizaram e conseguiram melhorias significativas nas condições de trabalho. Hoje, em decorrência do desemprego, tornou-se mais difícil fazer a luta de classe, porém somente enfrentando coletivamente esses desafios podemos melhorar as condições de vida e de trabalho de toda a classe trabalhadora.

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LIXO, CONSUMO E A QUESTÃO AMBIENTAL

A PRODUÇÃO DE RESÍDUOS É INERENTE À CONDIÇÃO HUMANA E

INEXORÁVEL.

MAS A LATA DE LIXO NÃO É UM DESINTEGRADOR MÁGICO DE MATÉRIA ! O lixo continua existindo depois que o jogamos na lixeira. Não há como não produzir lixo, mas podemos diminuir essa produção. Como? Reduzindo o desperdício, reutilizando sempre que possível e separando os materiais recicláveis para a coleta seletiva. Tem coisas que a gente só não faz por não saber como. (...) A idéia é construirmos um mundo melhor, certo? Cremos que um futuro melhor seja o resultado de um presente mais responsável. Individualmente responsável.

Extraído do site: http://www.lixo.com.br

QUEM POLUI MAIS O título de campeão nas emissões de gases estufa é dos Estados Unidos, que sozinhos são responsáveis por cerca de um quarto da produção mundial de CO2, ou 1,48 bilhão de toneladas anuais. Além de ser o país que mais polui em termos absolutos, os EUA possuem um dos maiores índices de emissão de gás carbônico per capita. Cada habitante norte-americano corresponde a 5,5 toneladas de carbono lançadas ao ar anualmente. O lugar do mundo com maior emissão de gás carbônico per capita são as Ilhas Virgens Norte- Americanas, no Caribe, com 33,2 toneladas anuais por habitante. (...) O segundo maior poluidor é a China, mais pelo tamanho de sua população do que pelo abuso nas emissões. Entre outros grandes poluidores, tanto no índice total quanto o per capita, estão Rússia, Japão, Austrália, Reino Unido, Itália e Coréia do Sul. (extraído de Folha de São Paulo Online)

A SOCIEDADE DE CONSUMO É IRREVERSÍVEL? “A sociedade contemporânea está doente. Homens e mulheres,

descontroladamente, são levados a comprar, sem necessidade. Fazem do consumo uma opção de lazer e uma forma de libertação. Os shopping centers se tornaram os templos dessa sociedade - doente - de consumo. (...) O primeiro e mais importante limite dessa cultura do consumo, que estamos testemunhando hoje, são os próprios limites ambientais. O planeta não suportaria se cada habitante tivesse um automóvel, por exemplo. Há também o sério problema do lixo produzido pela sociedade. Onde os países desenvolvidos estão despejando seus lixos? Li que jogam nos mares de países com alta dívida externa, como o Brasil. Psicológica e sociologicamente também não será suportável por muito mais tempo essa lógica de produção e consumo destrutivos a que estamos sujeitos hoje.”

extraído do jornal Brasil de Fato, 8/04/2006, entrevista com Valquíria Padilha,

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CULTURA, NATUREZA E AÇÃO HUMANA

João dos Reis da Silva Jr.∗

A A A A cultura se constitui a partir de situações concretas, vivenciadas por homens e mulheres concretos, pertencentes a este ou àquele povo, a esta ou àquela classe, em determinado território, num regime político A ou B, dentro desta ou daquela realidade econômica. Sendo assim, somente se poderá dizer o que é cultura em sociedade, na qual os homens relacionam-se entre si buscando a produção/reprodução da vida.

Em outras palavras, a cultura é algo que não se existe apenas no plano do teórico das artes, das ciências, mas também no plano da sensibilidade, da ação, do trabalho, do cotidiano da vida.

Na verdade, o ser humano não existe, exclusivamente, como conhecedor de dados e informações culturais da vida, do trabalho e do seu dia-a-dia. O homem é também principalmente um agente de cultura, ele produz cultura quando vive em qualquer situação, seja no trabalho, seja no futebol, ainda que, muitas vezes, não saiba que faz, a todo instante de sua vida, cultura.

É agente cultural de atividade incessante, seja caçando, seja ordenhando vacas, seja operando computadores, tornos, capinando, extraindo seu

sustento da terra com uma ferramenta nas mãos. São agentes da cultura tanto o lavrador quanto o diplomata.

Quando, porém, se procura extrair dessa realidade viva um conceito único e universal de cultura, a dificuldade surge e se agiganta.

Como saberei falar o que é cultura, então?

Podemos dizer que cultura é tudo aquilo que não é natureza. Por sua vez, toda ação humana na natureza e na sociedade é cultura.

O mar é natureza, mas a navegação – ação do homem – é cultura. As árvores são natureza, mas o papel que delas provém, por meio do trabalho humano, é cultura. A fome do ser humano é biológica, mas a maneira de se alimentar (arroz com feijão, vatapá, açaí, peixe ou lanches McDonalds) é cultura, o frio sentido por nossos corpos no inverno é natureza, mas como nos vestimos para nos proteger (calça jeans, camiseta, blusa de lã) é cultura, a necessidade de nos locomovermos é natureza, mas os meios que utilizamos para fazê-lo (sobre os próprios pés, com uma bicicleta, com um fusca, montado em cavalo ou de carro importado com motorista) são cultura. Enfim, podemos afirmar que tudo que é produzido pelo homem é cultura, assim, a sociedade dividida em classes sociais como produção humana, também é cultura.

∗ ∗ Este texto foi produzido para o Programa Integração-CUT, 2000.

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O meu nome é Severino, não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos, que é santo de romaria,

deram então de me chamar Severino da Maria;

Como há muitos Severinos com mães chamadas Maria,

fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.

Mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias ? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia

com nome de Severino filhos de tantas Marias

mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias,

vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida:

na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido

sobre as mesmas pernas finas, e iguais também porque o sangue

que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos iguais em tudo na vida,

morremos de morte igual, mesma morte severina:

que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta,

de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia

( de fraqueza e de doença é que a morte severina

ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina:

a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima,

a de tentar despertar terra sempre mais extinta,

a de querer arrancar algum roçado da cinza.

Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino

que em vossa presença emigra.

Essa cova em que estás, com palmos medida,

é a cota menor que tiraste em vida. é de bom tamanho,

nem largo nem fundo, é a parte que te cabe

neste latifúndio. Não é cova grande. é cova medida,

é a terra que querias ver dividida.

é uma cova grande para teu pouco defunto, mas estarás mais ancho que estavas no mundo. é uma cova grande

para teu defunto parco, porém mais que no mundo

te sentirás largo. é uma cova grande

para tua carne pouca, mas a terra dada

não se abre a boca.

Viverás, e para sempre

MORTE E VIDA SEVERINA João Cabral de Melo Neto

O retirante explica ao leitor quem é e a que vai

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na terra que aqui aforas: e terás enfim tua roça. Aí ficarás para sempre, livre do sol e da chuva, criando tuas saúvas. Agora trabalharás

só para ti, não a meias, como antes em terra alheia.

Trabalharás uma terra da qual, além de senhor,

serás homem de eito e trator. Trabalhando nessa terra, tu sozinho tudo empreitas:

serás semente, adubo, colheita. Trabalharás numa terra

que também te abriga e te veste: embora com o brim do Nordeste.

Serás de terra tua derradeira camisa:

te veste, como nunca em vida. Será de terra

e tua melhor camisa: te veste e ninguém cobiça.

Terás de terra completo agora o teu fato: e pela primeira vez, sapato.

Como és homem, a terra te dará chapéu:

fosses mulher, xale ou véu. Tua roupa melhor

será de terra e não de fazenda: não se rasga nem se remenda.

Tua roupa melhor e te ficará bem cingida:

como roupa feita à medida.

Esse chão te é bem conhecido (bebeu teu suor vendido).

Esse chão te é bem conhecido (bebeu o moço antigo)

Esse chão te é bem conhecido (bebeu tua força de marido).

Desse chão és bem conhecido (através de parentes e amigos). Desse chão és bem conhecido

(vive com tua mulher, teus filhos) Desse chão és bem conhecido (te espera de recém-nascido).

Não tens mais força contigo: deixa-te semear ao comprido. Já não levas semente viva: teu corpo é a própria maniva. Não levas rebolo de cana:

és o rebolo, e não de caiana. Não levas semente na mão: és agora o próprio grão.

Já não tens força na perna: deixa-te semear na coveta. Já não tens força na mão: deixa-te semear no leirão.

Dentro da rede não vinha nada,

só tua espiga debulhada. Dentro da rede vinha tudo, só tua espiga no sabugo.

Dentro da rede coisa vasqueira, só a maçaroca banguela.

Dentro da rede coisa pouca, tua vida que deu sem soca.

Na mão direita um rosário, milho negro e ressecado. Na mão direita somente o rosário, seca semente. Na mão direita, de cinza,

o rosário, semente maninha, Na mão direita o rosário,

semente inerte e sem salto.

Despido vieste no caixão, despido também se enterra o grão.

De tanto te despiu a privação que escapou de teu peito à viração.

Tanta coisa despiste em vida que fugiu de teu peito a brisa.

E agora, se abre o chão e te abriga,

lençol que não tiveste em vida. Se abre o chão e te fecha,

dando-te agora cama e coberta. Se abre o chão e te envolve,

como mulher com que se dorme.

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TRABALHO, ALIENAÇÃO E EXPLORAÇÃO

Rodrigo Gurgel

Em algum momento da evolução humana, ainda não determinado pelos

arqueólogos e antropólogos, o homem – ou seu ancestral –, motivado por alguma dificuldade, observou demoradamente a natureza que o circundava, escolheu um ponto determinado – uma árvore, uma curva de rio, um animal, uma pedra –, mentalmente interrogou-se sobre como poderia transformá-lo de maneira a conseguir sanar seu problema e, após elaborar um plano mental, debruçou-se sobre aquela parcela da natureza e transformou-a segundo a sua necessidade.

Assim nasceu o trabalho, essa atividade proposital, orientada pela inteligência e produto, unicamente, da espécie humana. Atividade que não se limita apenas a transformar o material sobre o qual o homem decide operar, mas que busca imprimir nele o projeto que, conscientemente, tem em mira.

Para nós, acostumados à civilização do trabalho, na qual a variedade de mercadorias criadas pelas mãos humanas parece ter chegado a números quase incalculáveis, talvez fique difícil compreender a força e a energia que, naquele momento do nosso passado, foram desencadeadas. Mas, a partir do instante no qual o trabalho deixou de ser uma mera atividade do instinto, passando a ser o reflexo de um plano previamente elaborado, ali teve início a espécie humana, com sua capacidade original e única de transformar a realidade de acordo com seus desejos. De lá para cá, ela vem criando e recriando não somente o mundo, mas também a sua própria forma de ser e de se comportar.

Cada ser humano é, portanto, proprietário de uma parte da força de trabalho total da comunidade, da sociedade e da espécie. Força essa que se inclui numa categoria especial, diferente de todas as outras, pelo simples fato de ser humana (é um recurso exclusivo da nossa espécie). Assim, é impossível e inaceitável confundir essa força com qualquer outro meio existente de se executar tarefas, ainda que os patrões insistam em tratar o vapor, a energia elétrica, o cavalo, o diesel e a força humana como equivalentes, pois para eles o que interessa é apenas o resultado da produção, ou seja, os lucros.

O trabalho, em sua forma original, passou por séculos de transformação – das formas primitivas de artesanato e agricultura, até as corporações de ofício da Idade Média e os modernos sistemas fabris – atingindo o complexo sistema de exploração que hoje conhecemos.

Do século XIII, período no qual o capitalismo começou a ser gerado, até os dias de hoje, o trabalho organizou-se, estruturou-se e alcançou níveis de especialização e lucratividade nunca imaginados. Os processos de trabalho, nos diferentes ramos da economia, têm sido incessantemente transformados pelos patrões, que buscam sempre uma maior acumulação de capital. Para o trabalhador, que vende a sua força de trabalho, essas transformações nunca representaram algum tipo de melhoria ou ganho duradouro e significativo.

Pelo contrário, para ele, submetido às normas do capital, o trabalho está associado a sofrimento e dor, porque não é capaz de decidir sobre aquilo que faz nem sobre o destino daquilo que produz. O fruto do seu esforço é apropriado por outra pessoa, é apropriado pelo dono da fábrica, pelo proprietário dos meios de produção. O trabalhador não se reconhece naquilo que produz. O fruto do seu trabalho ganha vida própria, torna-se independente

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daquele que o criou. Assim, o trabalho deixa de ter significado e passa a oprimir o trabalhador. E aquele ato consciente, do qual falamos no início do texto, executado com o fim de transformar a natureza e resolver os problemas de sua existência, passa a ser um fardo para aquele que o realiza.

Se, num primeiro momento, ao vender sua força de trabalho para os patrões, o trabalhador é alienado do fruto do seu trabalho, mais tarde, quando os patrões aumentam seus lucros com a produção em massa e o trabalhador passa apertar sempre os mesmos parafusos da linha de produção, ele é alienado da sua capacidade de criação. Assim, a alienação é aprofundada e ampliada, ganhando contornos científicos. É o que ocorreu com a adoção, nos meios industriais, das teorias que propõem diversos sistemas de normas para o controle e o aumento da produção, conhecidas como fordismo e taylorismo. Nesse momento, os processos físicos passam a ser executados cegamente, a mando de outros; tudo é cronometrado e os movimentos dos trabalhadores são medidos e reprimidos. O trabalhador se torna, ele próprio, um parafuso ou uma alavanca.

No mundo do trabalho, um grupo é duplamente atingido: as mulheres, cuja maioria, após enfrentar a jornada de trabalho na fábrica, vê-se obrigada, por injustos padrões culturais e sociais, a desempenhar uma segunda jornada de trabalho, dedicada aos serviços domésticos. Como se ainda não fosse suficiente, enfrentam também a segregação do emprego – os melhores postos são sempre ocupados por homens – e a segregação salarial – mesmo desempenhando funções iguais, as mulheres recebem, na maioria dos casos, salários menores. Dessa forma, as relações de trabalho acabam por reforçar as desigualdades de gênero, que se reproduzem no interior da classe social e desunem homens e mulheres em nome de velhas e ultrapassadas formas de patriarcalismo.

A necessidade de submeter o trabalhador ao trabalho em sua forma capitalista tornou-se um aspecto permanente na nossa sociedade. Assim, a transformação de homens e mulheres em “força de trabalho”, meros instrumentos do capital, é um processo incessante e interminável. A situação é humilhante para os trabalhadores, seja qual for o seu salário, porque viola as condições humanas de trabalho. Contudo, homens e mulheres, ainda que explorados, não são destruídos como seres humanos, preservando suas inteligências e seu poder de crítica e contestação. Serão sempre, portanto, em algum grau, uma ameaça ao capital, por mais enfraquecidos e diminuídos que estejam.

Texto elaborado para o Programa Integrar CNM/CUT

Bibliografia ARENDT, Hanna. A Condição Humana, 7ª ed. São Paulo/Rio de Janeiro, Editora Forense Universitária, 1995. BRAVERMAN, Harry, Trabalho e capital Monopolista, 3ª ed. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1981. ELY, Helena Bins. Feminino e Masculino na Especialização Flexível.. trabalho apresentado no Instituto Cajamar, em outubro de 1993. HIRATA, Helena. Relações Sociais de Sexo e Divisão do Trabalho. (sem referências). LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça e outros textos. Lisboa, editora estampa, 1977.

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A BOMBA SUJA Ferreira Gullar

Introduzo na poesia a palavra diarréia.

Não pela palavra fria Mas pelo que ela semeia

Quem fala em flor não diz tudo. Quem me fala em dor diz demais.

O poeta se torna mudo sem as palavras reais.

No dicionário a palavra é mera idéia abstrata.

Mais que palavra, diarréia é arma que fere e mata.

Que mata mais do que a faca,

mais que bala no fuzil, homem , mulher e criança

no interior do Brasil.

Por exemplo, a diarréia, no Rio Grande do Norte,

de cem crianças que nascem, setenta e seis leva à morte.

É como uma bomba D

que explode dentro do homem quando se dispara, lenta,

a espoleta da fome.

É uma bomba-relógio (o relógio é o coração)

que enquanto o homem trabalha vai preparando a explosão.

Bomba colocada nele

muito antes dele nascer; que quando a vida desperta

nele, começa a bater.

Bomba colocada nele pelos séculos de fome

e que explode em diarréia

no corpo de quem não come.

Não é uma bomba limpa: é uma bomba suja e mansa que elimina sem barulho vários milhões de crianças.

Sobretudo no nordeste mas não apenas ali que a fome do Piauí

se espalha de leste a oeste.

Cabe agora perguntar quem é que faz essa fome, quem foi que ligou a bomba ao coração desse homem.

Quem é que rouba a esse homem

o cereal que ele planta, quem come o arroz que ele colhe

se ele o colhe e não janta.

Quem faz café virar dólar e faz arroz virar fome

é o mesmo que põe a bomba suja no corpo do homem.

Mas precisamos agora

desarmar com nossas mãos a espoleta da fome

que mata nossos irmãos.

Mas precisamos agora deter o sabotador

que instala a bomba da fome dentro do trabalhador.

E sobretudo é preciso trabalhar com segurança

pra dentro de cada homem trocar a arma da fome pela arma da esperança.

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CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES DIREÇÃO EXECUTIVA NACIONAL DA CUT – 2006/2009

Presidente

ARTUR HENRIQUE DA SILVA SANTOS : SINERGIA – Sind. Trab.Ind. Energia Elétrica do Estado de SP

Vice-Presidente CARMEN HELENA FERREIRA FORO: Sind. Trab. Rurais de Igarapé-Mirim – PA

Vice-Presidente WAGNER GOMES: Sind. dos Metroviários do Estado de SP

Secretário Geral QUINTINO MARQUES SEVERO: Sind. Trab. Ind. Metalúrgicas de São Leopoldo – RS

Primeiro Secretário ADEILSON RIBEIRO TELLES: SEPE -Sind. Est. dos Profissionais da Educação do Estado do RJ

Tesoureiro JACY AFONSO DE MELO: Sind. dos Bancários de Brasília – DF

Primeiro Tesoureiro ANTONIO CARLOS SPIS: Sind. Unificado dos Petroleiros do Estado de SP

Secretário de Relações Internacionais JOÃO ANTÔNIO FELICIO: APEOESP – Sind. dos Professores do Ensino Oficial do Estado de SP

Secretária de Política Sindical ROSANE DA SILVA: Sind. dos Sapateiros de Ivoti – RS

Secretário de Formação JOSÉ CELESTINO LOURENÇO (TINO): SIND-UTE – Sind. Único Trab. em Educação do Estado de MG

Secretária de Comunicação ROSANE BERTOTTI: Sind. Trab. Agricultura Familiar de Xanxerê – SC

Secretário de Políticas Sociais CARLOS ROGÉRIO DE CARVALHO NUNES: Sind. dos Assistentes Sociais do Estado do CE

Secretária de Organização DENISE MOTTA DAU: SindSaúde - Sind. dos Serv. Pub. em Saúde do Estado de SP

Secretária Sobre a Mulher Trabalhadora MARIA EDNALVA BEZERRA DE LIMA: Sind. Trab. Educação do Estado da PB

Diretoria Executiva ANÍZIO SANTOS DE MELO: APEOC - Sind. Serv. Pub. Lot. Sec. Educação e de Cultura do Estado do CE

ANTONIO SOARES GUIMARÃES (BANDEIRA): Sind. Trab. Rurais de Pentecostes - CE CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA: Sind. Serv. Pub. Municipais de São José do Rio Preto - SP

CELINA ALVES PADILHA AREAS: SINPRO - Sind. dos Professores do Estado de MG DARY BECK FILHO: Sind. Trab. Ind. Dest. Refinação de Petróleo do Est. do RS ELISANGELA DOS SANTOS ARAÚJO: Sind. Trab. Rurais de São Domingos - BA

EVERALDO AUGUSTO DA SILVA: Sind. dos Bancários de Salvador - BA EXPEDITO SOLANEY PEREIRA DE MAGALHÃES: Sind. dos Bancários do Estado de PE

JOSÉ LOPEZ FEIJÓO: Sind. Trab. Ind. Metalúrgicas do ABC – SP JULIO TURRA FILHO: SINPRO - Sind. dos Professores do ABC – SP

LUCIA REGINA DOS SANTOS REIS: SINTUFRJ - Sind. Trab. em Educação da UFRJ MANOEL MESSIAS NASCIMENTO MELO: SINDPD – Sind. Trab. em Informática do Est. de PE

MILTON CANUTO DE ALMEIDA: SINTEAL - Sind. Trab. Em Educação do Estado de AL PASCOAL CARNEIRO: Sind. Trab. Ind. Metalúrgicas de Salvador – BA

ROGÉRIO BATISTA PANTOJA: Sind. Trab. Ind. Urbanas - AP TEMÍSTOCLES MARCELOS NETO: Sind. Serv.Pub. em Saúde do Estado de MG

VAGNER FREITAS DE MORAES: Sind. dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região - SP VALÉRIA CONCEIÇÃO DA SILVA: Sind. Trab. Em Educação do Estado de PE

Conselho Fiscal - Efetivos MARIA JULIA REIS NOGUEIRA: Sind. Trab. Pub. Fed. Saúde e Previdência do Estado do MA

VALDEMIR MEDEIROS DA SILVA: Sind. dos Previdenciários do Estado da Bahia DILCE ABGAIL RODRIGUES PEREIRA: Sind. Trab. Com. Hoteleiro, Rest. Bares e Hospitalidade de

Caxias do Sul – RS

Conselho Fiscal - Suplentes ALCI MATOS ARAÚJO: Sind. Empreg. no Comércio do Estado do ES JOSÉ CARLOS PIGATTI: Sind. Trab. Energia Elétrica do Estado do ES

ODAIR JOSÉ NEVES SANTOS: Sind. Professores Públicos e Especialistas em Educação do Estado do MA