arte, cultura visual e educaÇÃo

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO GUARULHOS SP

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Page 1: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

1

CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

GUARULHOS – SP

Page 2: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

2

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 3

2 ARTE: INTERFACES E PERSPECTIVAS .............................................................. 4

2.1 Construção do conceito de arte ............................................................................ 4

3 ARTE E HISTÓRIA ................................................................................................. 9

3.1 A história da arte e a trajetória das expressões artísticas ..................................... 9

3.2 Compreendendo as artes cênicas musicais e da dança na contemporaneidade 21

3.3 Compreendendo as artes plásticas, visuais e literárias na contemporaneidade . 25

4 ARTE E SOCIOLOGIA .......................................................................................... 28

4.1 Arte e sociedade, um binômio indissociável ....................................................... 30

5 ARTE E COMUNICAÇÃO ..................................................................................... 37

5.1 Por que as comunicações e as artes estão convergindo? .................................. 37

5.2 A relação entre a Comunicação e a Arte ao longo das eras ............................... 39

6 O SISTEMA DA ARTE E A INDÚSTRIA CULTURAL ........................................... 44

6.1 Ideologia e Mercadoria........................................................................................ 47

6.2 Mimese e pseudo-individuação ........................................................................... 49

6.3 Semiformação e experiência, ou a razão ‘comum e cativa’ ................................ 53

7 MOVIMENTOS DA ARTE MODERNA E DAS VANGUARDAS ............................ 60

7.1 Vanguardas europeias ........................................................................................ 60

7.2 Modernidade e vanguarda artística na América Latina ....................................... 70

7.3 A Semana de Arte Moderna no Brasil ................................................................. 76

8 O IMPACTO DA COMUNICAÇÃO DE MASSA E DA RESPONSABILIDADE

TÉCNICA (FOTOGRAFIA E CINEMA) NA ARTE ..................................................... 79

8.1 A fotografia e a arte ............................................................................................ 79

8.2 Cinema e arte ..................................................................................................... 83

9 MOVIMENTOS ARTÍSTICOS CONTEMPORÂNEOS: DO PÓS-GUERRA AO

INÍCIO DO SÉCULO XXI........................................................................................... 86

9.1 O desenvolvimento da arte pós-moderna ........................................................... 86

9.2 Sobre a Pop Art e o seu desenvolvimento .......................................................... 91

9.3 Os artistas da Pop Art ......................................................................................... 95

9.4 A Pop Art no Brasil ............................................................................................ 100

9.5 A Minimal Art e as suas características ............................................................ 103

Page 3: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante

ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável -

um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma

pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum

é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a

resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas

poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em

tempo hábil.

Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa

disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das

avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que

lhe convier para isso.

A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser

seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 ARTE: INTERFACES E PERSPECTIVAS

Ao longo de toda a história, o homem produziu artefatos que auxiliaram em seu

trabalho e o ajudaram a vencer as limitações físicas apresentadas pela natureza. Para

dominar e aperfeiçoar o meio natural, o ser humano produziu um número imenso de

utensílios, ferramentas e artefatos. Segundo Dulce América Souza (2019), estudar

essa produção torna possível a compreensão do processo civilizatório ocorrido desde

que o homem habitou a Terra.

O ser humano também produziu coisas que, embora não possuam uma

utilidade imediata, sempre estiveram presentes em sua vida e revelam a história da

humanidade. Esta produção — que permite que tenhamos conhecimento da visão do

ser humano frente ao mundo que o cerca: seu momento histórico, seus desejos e a

expressão de seus sentimentos — se refere às denominadas “obras de arte”. (SOUZA,

2019).

Neste capítulo, será estudado a construção do conceito de arte, delineando as

implicações culturais que o envolvem. A história da arte se desenvolve nos limites

daquilo que os autores consideram “conceito restrito” de arte, pois contempla a

produção realizada por artistas e legitimada por instituições, teoria e crítica. As

definições de “belas artes” e “artes aplicadas”, por exemplo, contribuem para a

compreensão do fenômeno artístico e sua conceituação.

2.1 Construção do conceito de arte

Se buscarmos uma resposta objetiva e definitiva para o conceito de arte, nos

frustraremos, pois, as definições podem ser divergentes e até contraditórias. Inúmeros

tratados de estética debruçaram-se sobre esse problema, buscando situá-lo, com o

intuito de definir o conceito. Ainda que sem definir claramente o conceito de arte,

identificamos algumas produções da cultura na qual estamos inseridos como “arte”.

Há, no entanto, um consenso sobre o nosso comportamento em relação à ideia de

arte, pois nossa atitude diante dela é de admiração.

É possível dizer, então, que arte são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo, isto é: nossa cultura possui uma noção que denomina solidamente algumas de suas atividades e as privilegia (COLI, 2002, p. 8).

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5

Em contrapartida, nossa tranquilidade se desfaz quando nos deparamos com

objetos artísticos que não se conformam exclusivamente à apreciação admirativa.

Percebemos que, à noção sólida e privilegiada, o conceito de arte agrega também

limites imprecisos.

Exemplificamos a pluralidade do conceito de arte com dois ícones da arte

ocidental, ilustrados pela Figura 1. Não há dúvidas que a escultura Davi, de

Michelangelo, é uma obra de arte. Entretanto, quando nos deparamos com um

mictório de louça — absolutamente idêntico a todos os mictórios masculinos do mundo

inteiro — conservado no acervo de um consagrado museu, assinado por R. Mutt e

datado de 1971, nos sentimos automaticamente incomodados em atribuir a esse

objeto o mesmo status conferido a Davi, uma vez que esse mictório não corresponde

exatamente à ideia que temos de “arte”. Trata-se da Fonte (1917), obra de Marcel

Duchamp, um importante artista do século XX, e sim, é arte. Investigando a construção

do conceito ocidental de arte, conseguiremos compreender o fenômeno representado

pela Fonte e o status de arte a ela concedido.

Page 6: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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Os aspectos em comum de produções tão distintas — como uma pintura

renascentista, uma catedral gótica ou um poema de Homero, por exemplo — adquirem

um conceito geral de arte no mundo Ocidental a partir do século XVIII. É incontestável

que, antes disso, a palavra “arte” já era utilizada para designar habilidades especiais

de algumas realizações: pintura, escultura, música, teatro, etc (EAGLETON, 2005).

Esse conceito geral de arte está associado à noção do “belo” no Ocidente, decorrente

dos conhecimentos da estética, um ramo da filosofia. Para Deleuse e Guattari (2010,

p. 10): “A filosofia é a arte de formar, de inventar, de construir conceitos”.

Os conceitos têm a necessidade de ter personagens conceituais que

contribuam para a sua definição — os personagens ou os “objetos” da filosofia são,

em grande parte, a arte, o artista e a criação artística, seja esta de qualquer categoria:

música, teatro, artes plásticas, literatura. Sob esse aspecto, a filosofia da arte pode

ser entendida como um ramo da estética, uma vez que a atividade artística promove

a emergência do belo. A estética tem como objeto todas as poéticas, sejam elas de

uma arte compromissada ou não, realista ou idealista, naturalista ou lírica, figurativa

ou abstrata, douta ou popular. (SOUZA, 2019).

A função da arte modificou-se ao longo da história humana desde a sua origem.

O homem adequou à arte as mudanças ocorridas na sociedade, nos seus costumes,

na sua religiosidade, na sua forma de fazer política, de conceber a ética. Na busca

humana de fazer de seu espaço algo significativo, a arte sempre teve, desde o início

da humanidade, um papel essencial na compreensão do universo, na relação dialética

com a realidade, com os fenômenos e com a sua imaginação lúdica. O homem sempre

teve necessidade da arte, visto que ela está extremamente ligada à sua humanidade.

A arte está completamente impregnada do universo humano (FISCHER, 2002).

Há de se destacar também que durante muito tempo a validade da arte estava

centrada na sua função na sociedade, ou seja, a obra de arte só tinha validade

mediante a função que ela desempenhava dentro da sociedade. A arte emerge da

vida e, por isso, vem carregada de funcionalidade, porém esta não afeta em nada sua

suficiência, ou seja, sua autonomia. Fischer (2002) defende que a arte quer ser

contemplada por leis que lhe são próprias, sem abdicar da totalidade dos seus valores

espirituais, sociais e éticos, de forma que toda a plenitude de significado e de funções

que a obra irradia advém, na verdade, da sua própria realidade de arte. Assim, a obra

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7

não adquire validade pela função, e sim possui uma função justamente por ser

suficiente.

Quando enfocamos, por exemplo, a arte clássica, observamos que ela era uma

produção de arte que não era entendida em primeiro plano como arte, “[...] mas como

formas que se encontravam no meio religioso ou também no mundano, como

decoração do próprio mundo em seus atos de destaque: o culto, a representação dos

soberanos e outros” (GADAMER, 1985, p. 27).

O responsável pela independência do fato estético, frente à finalidade utilitária

da arte, foi o filósofo alemão Immanuel Kant (séc. XVIII), que o fez a partir de sua

expressão - agradar desinteressado - ou seja, a arte deveria ter validade e,

entretanto, não ser incluída em objetivos puramente finalistas. Assim, a arte tem

validade e funcionalidade dentro da sociedade porque ela é um produto humano,

gerado da vida, que emerge da vida, trazendo em si todos os âmbitos da vida humana,

podendo, portanto, ser significativa a cada um deles. Gadamer (1985, p. 28) assim

define o termo - agradar desinteressado - de Kant: “Sem qualquer fim objetivo, sem

qualquer expectativa de utilitarismo, o belo preenche-se numa espécie de auto

definição e respira na auto representação”.

Circundando a definição do conceito de arte, nos deparamos com a

necessidade de fornecer uma resposta objetiva e clara para a pergunta: “O que é

arte?”. Embora não haja uma definição exata, objetiva e cientificamente comprovada,

o termo “arte” remete a dois conceitos básicos, segundo Ferreira (2014, documento

on-line):

[...] um mais restrito, pois trata da arte como ‘obra de arte’, circunscrita na história da arte, feita por artistas e na maioria das vezes localizada em instituições artísticas; o outro é mais amplo, pois concebe a arte como o conjunto de atos criadores ou inovadores presentes em qualquer cultura humana.

O conceito mais restrito surge em um contexto histórico-cultural delimitado

espacial e temporalmente, e é a partir dele que a história da arte se desenvolve, uma

vez que é balizada pelo contexto teórico e institucional legitimador, como, por

exemplo, museus, teatros e galerias de arte. Já ao conceito amplo, podemos associar

a noção de “arte” como um adjetivo: a arte da gastronomia, a arte da perfumaria, a

arte da joalheria, por exemplo. Muito mais do que um conceito, trata-se de uma

Page 8: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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concepção cotidiana que se refere a contextos eruditos ou populares que não

pertencem ao “mudo da arte” (FERREIRA, 2014).

Há algumas possibilidades específicas do objeto artístico que permitem

classificar o conceito de arte. As chamadas definições estéticas destacam como

condição necessária a intenção de provocar experiências estéticas; as definições

institucionalistas se referem ao caráter condicional da legitimação da obra pelas

instâncias da teoria e da crítica da arte, cumprindo certas regras e procedimentos; e

as definições históricas identificam a relação das produções artísticas com uma

determinada tradição histórica (ALMEIDA, 2014).

Arthur Danto (1924–2013), filósofo e crítico de arte norte-americano, é um

importante interlocutor sobre o conceito restrito de arte, e sua teoria se funda na

construção de uma definição de arte histórica e socialmente relacionada com o mundo

da arte. Danto (2010) não afirma que algo pode ser considerado arte apenas pela

afirmação do artista e pela legitimação por parte dos críticos e curadores. O autor

pressupõe que objetos ou eventos podem ser reconhecidas como obras de arte por

conter determinadas características que as coisas banais não possuem. Em seus

estudos, investiga quais são essas características e como é possível fundamentar

uma teoria que abranja todas as obras de arte, de modo a diferenciá-las dos objetos

comuns.

Corroborando com a teoria de Danto (2006), Mammi (2012) reconhece que o

conceito moderno de arte surge no Renascimento, porém seu significado (da arte) tem

a ver com algo atemporal e inesgotável. O autor concorda com a perspectiva dantiana

(relativa ao pensamento de Danto) de que tudo pode, em um primeiro momento, ser

arte. Não porque é legitimado pelo mundo da arte, mas sim quando passa a

desempenhar um papel fundamental na totalidade da cultura: a possibilidade de gerar

novas experiências significativas. Temos, então, a visão atemporal e eminentemente

significativa, ou produtora de significados da arte, na qual o que conta é a atualização

do que ela é a cada momento, mesmo provindo de um passado distante. É a sua

capacidade de inaugurar novos campos de experiência. Seu significado pertence ao

agora. Conforme defende Mammi (2012, p. 9):

Talvez seja próprio da obra de arte não pertencer a nenhum tempo específico – ou talvez a todos, mas sempre como se proviesse de outro tempo, passado ou futuro. Quem sabe um dia outra civilização, ou uma outra fase desta, desvelará a valência artística de uma luta de Ali, ou de um número de dança de Astaire. Uma obra de arte é um objeto que sobrevive à vida e à intenção

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que a gerou, e a todos os discursos produzidos sobre ela. Nesse sentido, “o que resta” é, simplesmente, sinônimo de “arte”.

A partir das vanguardas artísticas do século XX, a construção dos conceitos de

arte se tornou complexa, volátil e subjetiva, inviabilizando definições abrangentes o

suficiente para dar conta de abarcar todas as experiências ou linguagens da arte. A

crítica e a teoria da arte estabeleceram parâmetros externos (não mais relacionados

apenas com a virtuosidade ou o domínio técnico do artista, ou do conteúdo da obra)

que pudessem definir o fato artístico, como: o discurso que sustenta a obra, a

consagração institucional e a resposta dos especialistas e do público, por exemplo

(ECO, 2004).

Uma possibilidade para contornar o dilema pode ser ancorada nos raciocínios

de Wittgenstein (2000), que alega que compreender o conceito de arte não é,

necessariamente, ser capaz de defini-lo teoricamente. O importante é saber usá-lo

para reconhecer e elucidar obras de arte e para distinguir, diante de novas

experiências artísticas, aquilo que pode ser denominado arte ou não. O autor sugere

que essa definição se baseia na reflexão sobre a rede de similitudes compartilhadas

que identificam o pertencimento a uma mesma família, que é a arte.

3 ARTE E HISTÓRIA

A história da arte revela as variadas maneiras de se interpretar o mundo e o ser

humano ao longo do tempo. Antropólogos, arqueólogos, historiadores, filósofos,

linguistas e outros tantos pesquisadores tentam, há muito tempo, desvendar as

origens da humanidade. Portanto, neste capítulo, você vai participar de uma

retrospectiva da história da arte e suas manifestações. Você também vai receber

subsídios para compreender os diversos segmentos da arte: artes cênicas, plásticas,

visuais, musicais, literárias e da dança.

3.1 A história da arte e a trajetória das expressões artísticas

A história da arte está relacionada à cultura dos mais variados povos existentes.

Ela atravessa os tempos, criando e contando o passado e recriando o presente. A arte

está presente à nossa volta, e, com ela, construímos a história de uma sociedade.

Page 10: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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Cada objeto artístico apresenta uma finalidade. Desde a pré-história, o homem

sempre criou elementos que o ajudassem a superar suas necessidades e a vencer

desafios.

Existem objetos do homem que representam seus sentimentos, algo que a

utilidade pública muitas vezes não consegue questionar, somente considerando a sua

beleza. Esses objetos são conhecidos como obras de arte. Elas fazem parte da cultura

do povo e são capazes de ilustrar situações sociais ou não.

A arte pode ser definida como fruto da criação do homem e de seus valores

junto à sociedade. Dentro dela existem vários procedimentos e técnicas utilizadas

para compor uma obra. Ela é uma necessidade que faz o homem se comunicar e

refletir sobre as questões sociais e culturais dentro da sociedade.

O campo artístico nos revela os valores, costumes, crenças e modos de agir de

um povo. Ao detectar um conjunto de evidências perceptíveis na obra, o intérprete da

arte se esforça na tarefa de relacionar esses vestígios com algum traço do período

em que foi concebida. A partir dessa ação, a arte passa a ser interpretada com um

olhar histórico, que se empenha em decifrar aquilo que o artista disse com a obra.

Conhecendo a história da arte, você irá perceber que uma manifestação de

clara evidência “artística” pode não ser encarada como tal pelo seu autor ou sociedade

em que surge. Além disso, ao estabelecermos um olhar atento à manifestação artística

de um único artista, podemos reconhecer que os seus trabalhos não só refletem o

tempo em que viveu, mas também demonstram a sua relação particular, o diálogo

singular que estabeleceu com seu tempo (ESCOSTEGUY, 2017). De acordo com o

crítico de cinema Ricciotto Canudo, existem sete tipos de arte, que, no século XX, em

1923, foram regulamentados pelo Manifesto das Sete Artes. O objetivo do crítico era

estabelecer uma ordem estética e comunicativa paras as principais artes existentes.

Elas ficaram relacionadas da seguinte forma:

1ª Arte – Música (som)

2ª Arte – Dança/Coreografia (movimento)

3ª Arte – Pintura (cor)

4ª Arte – Escultura (volume)

5ª Arte – Teatro (representação)

6ª Arte – Literatura (palavra)

7ª Arte – Cinema

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Anos mais tarde, foram adicionados mais quatro tipos de arte à lista:

8ª Arte – Fotografia (imagem)

9ª Arte – História em quadrinhos

10ª Arte – Jogos de computador e de videogame

11ª Arte – Arte digital

Cada uma das artes citadas e formalizadas no manifesto apresentam sua

história, compreensão e particularidades, portanto é de suma importância que

tenhamos uma visão de cada uma.

Música

A música existe e sempre existiu como produção cultural, pois, de acordo com

estudos científicos, desde que o ser humano começou a se organizar em tribos

primitivas pela África, a música era parte integrante do cotidiano dessas pessoas.

Acredita-se que a música tenha surgido há 50.000 anos, quando as primeiras

manifestações foram feitas no continente africano, expandindo-se pelo mundo com o

dispersar da raça humana pelo planeta. A música, ao ser produzida ou reproduzida, é

influenciada diretamente pela organização sociocultural e econômica local, contando,

ainda, com as características climáticas e o acesso tecnológico que envolvem toda a

relação com a linguagem musical. A música possui a capacidade estética de traduzir

os sentimentos, atitudes e valores culturais de um povo ou nação e é uma linguagem

local e global. Na pré-história, o ser humano já produzia uma forma de música que lhe

era essencial, pois sua produção cultural constituía de utensílios para serem utilizados

no dia a dia. Já na cultura egípcia, por volta de 4.000 anos a.C., alcançou-se um nível

elevado de expressão musical, pois era um território que preservava a agricultura, e

esse costume levava às cerimônias religiosas, durante as quais as pessoas batiam

espécies de discos e paus uns contra os outros, utilizavam harpas, percussão,

diferentes formas de flautas e também cantavam. (ESCOSTEGUY, 2017).

A teoria musical só começou a ser elaborada no século V a.C., na Antiguidade

Clássica, e a música renascentista ficou marcada pelo período do século XIV, durante

o qual os artistas pretendiam compor uma música mais universal, buscando se

Page 12: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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distanciarem das práticas da Igreja. Havia um encantamento pela sonoridade

polifônica, pela possibilidade de variação melódica. Após, surge a Música Clássica e,

neste momento, diversas novidades, como a orquestra, que toma forma e começa a

ser valorizada. As composições para instrumentos, pela primeira vez na história da

música, passam a ser mais importantes do que as compostas para canto, surgindo a

“música para piano”. (ESCOSTEGUY, 2017). A imagem abaixo ilustra os maiores

ícones da música clássica:

Os artistas na figura acima, da esquerda para a direita, são:

Topo – Antônio Vivaldi, Johann Sebastian Bach, George Frideric Handel,

Wolfgang Amadeus Mozart, Ludwig van Beethoven.

Segunda linha – Gioachino Rossini, Felix Mendelssohn, Frédéric Chopin,

Richard Wagner, Giuseppe Verdi.

Terceira linha – Johann Strauss II, Johannes Brahms, Georges Bizet, Pyotr

Ilyich Tchaikovsky, Antonín Dvořák.

Baixo – Edvard Grieg, Edward Elgar, Sergei Rachmaninoff, George

Gershwin, Aram Khachaturian.

Page 13: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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Dança

Sem música, não há dança. Sem movimento corporal, também não. A dança,

portanto, apenas ocorre quando o corpo executa movimentos a partir de um

determinado ritmo, e isso acontece desde a Era Paleolítica. Nessas eras, a dança

estava diretamente relacionada à sobrevivência, pois os homens, vivendo em tribos

isoladas e alimentando-se de caça, pesca, vegetais e frutos colhidos da natureza,

criavam rituais em forma de dança que impediriam eventos naturais de prejudicar

essas atividades. (ESCOSTEGUY, 2017).

As danças na Índia, por sua vez, têm origem na invocação do Shiva (deus da

dança). Com suas danças e músicas, os hindus procuravam uma união com a

natureza. Assim a dança de Shiva tinha por tema a atividade cósmica. Ela exprimia

os eventos divinos. O ritmo da dança estava associado à criação contínua do mundo,

à destruição de algumas formas para o nascimento de outras. Os vários estilos de

dança, sempre relacionados a deuses, tinham o mesmo princípio, o de que “o corpo

inteiro deve dançar”. É por isso que as danças indianas apresentam movimentos muito

elaborados de pescoço, olhos, boca, mãos, ombros e pés. (ESCOSTEGUY, 2017).

Escosteguy (2017) lembra que a Idade Média, chamada de “idade das trevas”

pelos humanistas do Renascimento, foi um período contraditório para a dança. Nessa

época, a Igreja se tornou autoridade constituída. Manifestações corporais foram

proibidas, uma vez que a dança foi vinculada ao pecado. Os teatros foram fechados

e eram usados apenas para manifestações e festas religiosas. A Igreja, porém, não

conseguiu interferir nas danças populares dos camponeses, que continuaram a fazer

suas festas nas épocas de semeadura e colheita e no início da primavera. Para não

afrontar a Igreja, essas danças eram camufladas com a introdução de personagens

como anjos e santos. Posteriormente, essas manifestações foram incorporadas às

festas cristãs, com a introdução da dança dentro das igrejas.

A partir do Renascimento, houve mudanças marcantes, como a renovação em

muitos âmbitos da vida social e cultural, pois as cortes reais também se

transformaram. Pela necessidade de ostentar suas riquezas, passaram a comemorar,

com grandes festas, datas como: nascimento, casamento, aniversário etc. A dança se

desenvolve particularmente em Florença, na Itália, no palácio da família Médici, onde,

nas festas, eram apresentados espetáculos chamados de trionfi (triunfos), que

simbolizavam riqueza e poder.

Page 14: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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Cabe ressaltar que, em 1500, no carnaval de Veneza, foi encenado um dos

triunfos mais suntuosos, no qual os dançarinos usavam máscaras bordadas com fios

de ouro e pedras preciosas, leques de plumas e mantos de seda adamascada. Em

1581, o primeiro “balé da corte”, intitulado Le Ballet Comiquede la Reine (O Balé

Cômico da Rainha – neste caso, o termo “cômico” deve ser entendido no sentido de

“dramaturgia de uma comédia”), foi um grande espetáculo que durou seis horas, com

participação de carros alegóricos e efeitos cênicos.

No século XVII, o balé é a modalidade que surgiu e marcou época, pois foi

nesse século que Luís XIV criou uma companhia de dança, com vinte bailarinos, para

a famosa Ópera de Paris. Os vestidos, compridos e pesados, impediam o virtuosismo

de movimentos verticais. O sonho de voar de Ícaro, Leonardo da Vinci e Santos

Dumont também são o sonho dos bailarinos dessa época. Os temas para o balé

começam a exigir a ilusão do voo e, para isso, os cenógrafos utilizaram alavancas e

roldanas para erguer os bailarinos. (ESCOSTEGUY, 2017).

No século XIX, o balé criava um mundo de ilusão, esboçando o ideal das

concepções românticas. A fada, a feiticeira, o vampiro e outros seres imaginários eram

seus personagens. No século XX, anuncia-se como o tempo do progresso, das

descobertas científicas, da rapidez, de expansão de fronteiras, da modernidade.

Grandes transformações nas tradições e valores adotados até então marcam esse

momento de início da era industrial. Nasce uma nova sociedade com outros anseios

e necessidades.

Na fase modernista da história da dança, o que vai separar o clássico do

moderno não é simplesmente a técnica, mas, também, o pensamento que norteou sua

elaboração. Nos Estados Unidos e na Europa, apareceram novos modos de dançar

bastante diferentes da tradição clássica em relação aos espaços utilizados, à

concepção de dança e aos movimentos do corpo.

No momento de transição para a era contemporânea, nas décadas de 1940 e

1950, alguns coreógrafos passam a questionar os modos de se construir a dança,

criando uma verdadeira revolução na modernidade. Na fronteira entre a dança

moderna e a contemporânea, está o coreógrafo e bailarino Merce Cunningham. Os

pioneiros da dança moderna se dedicaram à construção das fundações de uma nova

dança. Cunningham, chamado pelos críticos de precursor da dança contemporânea,

posiciona-se contra a permanência de modelos acadêmicos na dança moderna.

Page 15: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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Cunningham buscou novas fórmulas e, com seus parceiros – o compositor John

Cage, uma das mais interessantes figuras do mundo da música contemporânea, e o

artista plástico Robert Rauchenberg, um dos expoentes da pop art –, constrói uma

nova estética para a dança, lançando os princípios da dança contemporânea. A dança

contemporânea não impõe modelos rígidos; os corpos dos artistas não têm um padrão

preestabelecido, bem com os tipos físicos. São gordos, magros, altos, baixos e de

diferentes etnias. A maioria desses trabalhos incorpora novos movimentos e não mais

os movimentos convencionais do balé ou das técnicas de dança moderna.

(ESCOSTEGUY, 2017).

Pintura

A pintura, por sua vez, acompanha o ser humano por toda a sua história. Ainda

que durante o período grego clássico ela não tenha se desenvolvido tanto quanto a

escultura, a pintura foi uma das principais formas de representação dos povos

medievais, do Renascimento até o século XX.

A pintura surgiu na pré-história quando os homens das cavernas faziam as

pinturas rupestres. Arte rupestre, pintura rupestre ou, ainda, gravura rupestre são os

nomes dados às mais antigas representações pictóricas conhecidas – com as mais

antigas datadas do período Paleolítico Superior (40.000 a.C.) –, gravadas em abrigos

ou cavernas, em suas paredes e tetos rochosos ou também em superfícies rochosas

ao ar livre, mas em lugares protegidos.

No entanto, é a partir do século XIX, com o crescimento da técnica de

reprodução de imagens, graças à Revolução Industrial, que a pintura de cavalete

perde o espaço que tinha no mercado. Até então, a gravura era a única forma de

reprodução de imagens, trabalho muitas vezes realizado por pintores. Com o

surgimento da fotografia, porém, a função principal da pintura de cavalete, a

representação de imagens, enfrenta uma competição difícil. Essa é, de certa maneira,

a crise da imagem única e o apogeu de reprodução em massa. (ESCOSTEGUY,

2017).

Durante o século XX, a pintura de cavalete se mantém pela difusão das galerias

de arte, mas a técnica da pintura continua a ser valorizada por vários tipos de

designers, especialmente na publicidade.

Page 16: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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Devido ao fato de grandes obras de arte – tais como a Mona Lisa e A Última

Ceia – do renascentista Leonardo Da Vinci serem pinturas a óleo, a técnica é

historicamente considerada uma das mais tradicionais das artes plásticas.

Escultura

Na pré-história, a escultura foi associada à magia e à religião. No período

paleolítico, o objetivo era moldar animais e figuras humanas, geralmente femininas. A

escultura, como é conhecida atualmente, surgiu no Oriente Médio, e foi uma das

últimas artes a serem desenvolvidas durante a Idade Média – talvez pelo apelo

sensual.

A Grécia Clássica é o berço ocidental da arte de esculpir, desde os seus

primeiros artefatos em mármore ou bronze a partir do século 10 a.C. até o apogeu da

era de Péricles, com as esculturas da Acrópole de Atenas. Posteriormente, os

romanos aderiram à cultura clássica e continuaram a produzir esculturas até o fim do

império, difundindo o trabalho em mármore por todo o império. As esculturas gregas

se inspiraram na arte egípcia até criar exclusivamente a sua própria arte, a qual foi

bastante copiada – especialmente pelos romanos. A escultura romana herdou da

escultura grega a sua perfeição, mas assumiu um caráter mais realista – em vez de

idealista – das formas, além de ter contribuído com obras originais – consideradas as

mais belas da Antiguidade.

Foi no Renascimento que a escultura se destacou, com a famosa estátua de

Davi, de Michelangelo. (ESCOSTEGUY, 2017). Donatello e Verocchio foram outros

mestres importantes do período. Entre os séculos XIX e XX, destacam-se os artistas

Constantin Brancuse e August Rodin, dois mestres da escultura que influenciaram

vários outros artistas.

No Brasil, o primeiro escultor brasileiro de que se tem notícia, porém, é Frei

Agostinho de Jesus, o qual se acredita ser o autor da imagem de Nossa Senhora da

Aparecida que foi encontrada por pescadores e fez surgir a devoção à então

padroeira do Brasil.

A partir do início do século XX, a escultura passou a se ajustar às propostas

das vanguardas artísticas que emergiram na Europa, como o cubismo, o dadaísmo, o

abstracionismo e o construtivismo. Além de Picasso, outros escultores, como

Page 17: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

17

Constantin Brancusi e Henry Moore, tornaram-se célebres dentro das vanguardas

modernistas, que, até hoje, seguem influenciando a produção contemporânea de

esculturas.

Teatro

O teatro teve sua origem no século VI a.C., na Grécia, surgindo das festas

dionisíacas realizadas em homenagem ao deus Dionísio, deus do vinho, do teatro e

da fertilidade. Essas festas – que eram rituais sagrados, procissões e recitais que

duravam dias seguidos – aconteciam uma vez por ano na primavera, períodos em que

se fazia a colheita do vinho naquela região.

O teatro grego que hoje conhecemos surgiu, segundo historiadores, de um

acontecimento surpresa: quando um participante desse ritual sagrado resolveu vestir

uma máscara humana, ornada com cachos de uvas, subiu em seu tablado em praça

pública e disse: “Eu sou Dionísio! ”. Todos ficam espantados com a coragem desse

ser humano de se colocar no lugar de um deus, ou melhor, fingir ser um deus. Esse

acontecimento é o marco inicial da ação dramática. (ESCOSTEGUY, 2017).

Com o passar do tempo, as celebrações ao deus Dionísio ficaram cada vez

mais elaboradas. Dessa forma, durante tais celebrações os gregos começaram a

representar cenas da vida da própria divindade. Nessa época, todos os papéis eram

interpretados por homens, já que não era permitida a participação de mulheres nas

representações.

Paralelos a esse acontecimento sociocultural, vão surgindo os prédios teatrais

gregos – bem como as arquibancadas, que eram feitas de pedra –, e sua utilização

pelos cidadãos gregos era democrática; todos podiam assistir com a mesma

qualidade de visão as tragédias, comédias e sátiras.

Poucas manifestações teatrais parecem ter resistido nessa época. Apenas

alguns artistas percorriam as cortes de reis e nobres, como malabaristas, trovadores

(poetas que cantavam poemas ao som de instrumentos musicais), imitadores e jograis

(intérpretes de poemas ou canções românticas, dramáticas ou sobre feitos heroicos).

Na China antiga, o budismo usava o teatro como forma de expressão religiosa.

No Egito, um grande espetáculo popular contava a história da ressurreição de Osíris

e da morte de Hórus. Na Índia, acredita-se que o teatro tenha surgido com Brama.

Page 18: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

18

No Brasil, o teatro foi obra dos jesuítas, empenhados em catequizar os índios

para o catolicismo e coibir os hábitos condenáveis dos colonizadores portugueses. O

padre José de Anchieta (1534–1597), em quase uma dezena de autos inspirados na

dramaturgia religiosa medieval e, sobretudo, em Gil Vicente, notabilizou-se nessa

tarefa, de preocupação mais religiosa do que artística. (ESCOSTEGUY, 2017).

Já os fundamentos estéticos vivenciados no século XIX, entre público e artistas,

no âmbito do teatro, foram desafiados e ampliados no século XX, expandindo-se em

experiências e inovações teatrais. Naquele momento, o “naturalismo” cênico

dominava as convenções teatrais, e, em seguida, no início do século XX, novos

movimentos e experimentações artísticas começaram a surgir em oposição às regras

dominantes.

Na era Pós-moderna, uma dramaturgia que se assume fora do textocentrismo

nasce com as experiências de criação coletiva privilegiada por inúmeras equipes

artísticas. Macunaíma - espetáculo de Antunes Filho de 1978, pode ser considerado

o marco instaurador da pós-modernidade no Brasil. Associando códigos da

intertextualidade, da paródia, da ironia, do humor, ele soube preencher o palco nu com

signos impactantes e oferecer uma nova face ao homem brasileiro, assim como a

instaurar um renovado padrão de teatralidade. (ESCOSTEGUY, 2017).

Literatura

Na origem, a literatura de todos os povos foi oral. Apesar de se originar

etimologicamente da palavra “letra” (do latim, littera), a literatura surgiu nos primórdios

da humanidade, quando o homem ainda desconhecia a escrita e vivia em tribos

nômades, à mercê das forças naturais que ele tentava entender pelos primeiros cultos

religiosos. Lendas e canções eram transmitidas de forma oral por gerações. Com o

advento da escrita, as paredes das cavernas começaram a receber pinturas e

desenhos simbólicos que passaram a registrar a tradição oral. Mais tarde, surgiriam

novas formas para armazenar essas informações, como as tabuletas, óstracos,

papiros e pergaminhos. Dessa maneira, as primeiras obras literárias conhecidas são

registros escritos de composições oriundas de remota tradição oral.

Certos tempos primários podem ser considerados os primeiros passos da

literatura. Exemplos muitos antigos são o Poema de Gilgamesh, em sua versão de

Page 19: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

19

aproximadamente 2000 a.C., e o Livro dos Mortos, escrito em Papiro de Ani em

aproximadamente 1250 a.C.

O Egito, que detinha a intuição mística de um mundo sobrenatural, atiçou a

imaginação dos gregos e dos romanos. Da cultura hebraica, a principal herança

literária para o Ocidente veio de seus primeiros manuscritos, como o Antigo

Testamento da Bíblia.

Muitos textos se expandiram por forma oral durante vários e vários séculos

antes que fossem escritos, e esses são difíceis de datar.

A chamada literatura clássica, que engloba toda a produção greco-romana

entre os séculos V a.C. e V d.C., influenciou toda a literatura do Ocidente. Todos os

gêneros importantes de literatura – épica, lírica, tragédia, comédia, sátira, história,

biografia e prosa narrativa – foram criados pelos gregos e pelos romanos, e as

evoluções posteriores são, na maioria, extensões secundárias. (ESCOSTEGUY,

2017).

As primeiras manifestações da literatura brasileira foram fortemente marcadas

pelo modelo literário de Portugal, já que nossos primeiros escritores ou eram

portugueses de nascimento ou brasileiros com formação universitária em Portugal.

Com o passar do tempo, surge a literatura moderna, que foi um movimento

da literatura brasileira que surgiu em 1920 e se estendeu até meados de 1978.

Dividido em três fases principais, a literatura moderna reúne características

inconfundíveis, como a liberdade de expressão, contextualização e inclusão do

cotidiano, linguagem coloquial e novas técnicas de escrita. Nesse novo estilo

moderno, todas as normas e parâmetros da criação artística foram rompidos. Os

autores do modernismo passam a valorizar o retrato da vida cotidiana. A vida

burguesa sai do cenário artístico.

Quanto à escrita, os versos aparecem livres, sem as formas fixas de sonetos e

versos. As frases curtas são mais valorizadas. A fragmentação do texto e recortes

também ganham espaço na literatura moderna. Muitos autores utilizam várias vozes

narrativas nos seus textos. Os sinais de pontuação desaparecem.

O pós-modernismo na literatura brasileira consiste num período em que os

autores apresentam um amadurecimento, tanto na poesia quanto na prosa. O pós-

modernismo atuou como uma intensificação dos traços da modernidade.

Page 20: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

20

Cinema

A origem do cinema está associada à invenção do cinematógrafo, no século

XIX, um aparelho capaz de capturar “imagens em movimento”. Um dos fenômenos

tecnológicos mais impressionantes de nossa história é a capacidade de captação (ou

captura) da “imagem em movimento”, isto é, da apreensão de imagens dinâmicas da

realidade. Essa capacidade de captação foi tornada possível a partir de 1889, com a

criação do cinetoscópio – por William Dickson, assistente do cientista e inventor

americano Thomas Edison. Esse invento e os modelos que o sucederam na década

seguinte contribuíram para o desenvolvimento do cinema tal como compreendemos

hoje, ou seja, a arte cinematográfica. (ESCOSTEGUY, 2017).

O cinema, portanto, teve origem no cinetoscópio, que não projetava as imagens

em telões. O espectador do cinetoscópio tinha de observar, durante um tempo-limite

de 15 minutos, as imagens no interior de uma câmara escura por meio de um orifício

em que colocava um dos olhos. Nesse sentido, a experiência visual proporcionada

pelo cinetoscópio não podia ser feita coletivamente. Edison não chegou a patentear o

invento, o que abriu portas para outros inventores, sobretudo da Europa,

aperfeiçoarem o modelo.

No ano de 1892, o francês Léon Bouly conseguiu, a partir do cinetoscópio,

desenvolver o cinematógrafo, um modelo que conseguia gravar e projetar a luz das

imagens em movimento em tela, em quadros por segundo. Contudo, Bouly não

possuía dinheiro para registrar a patente do invento. O cinematógrafo acabou sendo

patenteado pelos irmãos Lumière, que passaram, a partir de 1895, a fazer várias

produções cinematográficas de pequena capacidade e a exibi-las em sessões

especiais para isso.

A primeira exibição de filme feito por Auguste e Louis Lumière ocorreu em 22

de março de 1895. O filme era intitulado “La Sortie de L’usine Lumière à Lyon” (A

Saída da Fábrica Lumière em Lyon) e registrava a saída dos funcionários do interior

da empresa Lumière, na cidade de Lyon, na França. Foi ainda com os irmãos Lumière

que começaram as primeiras “direções cênicas” para o cinema. O cinematógrafo logo

passou a registrar não apenas cenas do cotidiano, mas também cenas dramáticas,

elaboradas com certo nível de teatralidade.

Page 21: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

21

Entretanto, seria nas três primeiras décadas do século XX que o cinema

afirmar-se-ia como arte. Isso ocorreu sobretudo pela ação de artistas interessados em

teatro, mágicos (e ilusionistas) e todo tipo possível de efeito cênico. Um dos principais

nomes dessa fase do cinema foi Georges Meliès, que dirigiu Viagem à Lua, em 1902,

conseguindo, com esse filme, efeitos visuais verdadeiramente impressionantes para

a época.

Os primeiros filmes gravados em terras brasileiras foram desenvolvidos no fim

do século XIX, quando o Brasil ainda enfrentava problemas sérios em relação à

energia elétrica, o que dificultava muito a produção dos filmes no país. Os filmes de

ficção só começaram a surgir no Brasil no início do século XX. A partir de 1905, houve

o que ficou conhecido como a “Belle Epoque” (Bela Época) do cinema nacional,

marcado pelas produções inspiradas na ópera e no que se chamou de “cinema

cantado”. Em 1930, foi edificado o primeiro estúdio de cinema do Brasil: a Cinédia,

que produziu sátiras dos filmes de Hollywood, chanchadas e os primeiros filmes

carnavalescos, que dominaram a produção cinematográfica nacional até a década de

1950. (ESCOSTEGUY, 2017).

De qualquer forma, o que se vê hoje no cinema é um movimento no sentido de

romper com o dispositivo que imperou ditatorialmente por mais de cem anos e buscar

inspiração para mudanças no campo das artes visuais. Por outro lado,

contraditoriamente, percebemos, no campo das artes visuais, um movimento inverso,

no sentido de buscar formas e conteúdos do cinema, como a narração e o

documentário, a projeção em sala escura, e assim por diante. Se o cinema e a arte

contemporânea puderem se encontrar em algum lugar no meio do caminho para trocar

experiências, talvez esse encontro seja produtivo para os dois no sentido de superar

os atuais impasses.

3.2 Compreendendo as artes cênicas, musicais e da dança na

contemporaneidade

Barbosa (1978) defende que os novos métodos de ensino de Arte não são

resultantes simplesmente da junção da Arte e da educação, muito menos da oposição

entre elas, mas da sua interpenetração.

O professor é o instrumento principal para as transformações no ensino de arte

– ele é o diferencial, o colaborador para a eficácia do bom aproveitamento dos

Page 22: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

22

conteúdos. Segundo Barbosa (1978, p. 50), “[...] sua tarefa é oferecer a comida que

alimenta o aprendiz e também organizar pistas, trilhas instigantes para descobertas

de conhecimentos, pelos alunos e visitantes, alimentando-se também [...]”. Como tal,

é necessário que ele entenda a importância do seu posicionamento e compromisso

diante da questão, buscando, em parceria com as instituições de educação, possíveis

soluções para a melhoria da qualidade do ensino.

São necessários conteúdos que favoreçam a compreensão da arte como cultura, do artista como ser social e dos alunos como produtores e apreciadores. Pensando nisso, o foco atual são conteúdos que valorizem as manifestações artísticas de povos e culturas de diferentes épocas e locais, incluindo a contemporaneidade e a arte brasileira e conteúdos que possam ser realizados com grau crescente de elaboração e aprofundamento. (ESCOSTEGUY, 2017, p. 163).

Podemos compreender as artes cênicas, musicais e da dança como

correlacionadas, pois, na dramaturgia, é possível ver a dança e a música, em um

espetáculo só, articuladas para uma aparição artística de muita qualidade e riqueza.

Sendo o corpo o eixo de toda e qualquer produção criativa na dança, a

materialidade dos processos se organiza de modo subjetivo a partir das

características próprias de cada indivíduo. Isso produz abordagens muito

diferenciadas de acordo com cada visão de mundo que se instaura

dramaturgicamente. Nesse sentido, destacam-se as palavras de Hércules (2010, p.

199), quando ela aborda que

Em primeira instância, dramaturgia será entendida como composição de ações. Considerando-se que o ambiente onde estas ações se configuram é o da dança, torna-se imperativo o reconhecimento dos distintos modos como as instruções que constituem o movimento são, singularmente, implementadas por cada corpo. Assim sendo, a denominação dramaturgia da dança torna-se imprecisa, necessitando ser substituída por dramaturgia do corpo que dança.

Portanto, no interior das escolas, faz-se necessário outra compreensão em

relação a esses segmentos artísticos, podendo, em muitos momentos, serem

trabalhados de forma conjunta.

É preciso que, no ensino de dança como atuação pedagógica, tirem-se as

sapatilhas para poder ver melhor os pés dos alunos, e que se flexibilizem os espaços

para a atuação da dança. O primordial é reconhecer a expressão corporal de cada

um, e o papel do educador é revelar a dança que se encontra em cada aluno como

resultado de uma didática inovadora (MILLER, 2007).

Page 23: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

23

A história da dança na contemporaneidade parece aflorar e apontar percursos

artísticos e didáticos transgressores que fissuraram uma época – como Judith Dunn,

que estimulava a produção de “espaços do nada”, em que o vazio pudesse ocorrer,

proporcionando liberdade e empoderamento aos indivíduos. Ainda se faz urgente que

esses tipos de pensamento/prática sejam inseridos de modo mais contundente nos

processos formativos em dança na contemporaneidade.

O teatro, por sua vez, é uma forma de manifestação artística no qual uma

história real ou não é interpretada por meio de cenários, figurinos e representações

de atores em um palco para uma plateia.

Reportando-nos ao cenário escolar, indagamos: como o teatro é concebido na

escola atualmente? O que é possível visualizar? Dramatizações almejam ilustrar

conteúdos? Uma brincadeira para tornar a aula mais agradável? Concomitantemente,

são essas ideias que povoam o imaginário popular. Em outras palavras, é esse o

estereótipo de teatro na escola que a sociedade tem em mente e vem divulgando.

Sobretudo, o teatro “[..] na educação ainda é um espaço a ser conquistado [...]”,

conforme ressalta Cunha (2009, p. 293). Reforçando essa opinião, ele relata:

Apesar de existirem educadores que acreditam na força que a arte de encenar tem para promover a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno, ainda há um grande número de escolas que não aceitam e não valorizam a atividade teatral no processo educativo. Isso pode se dar devido a enorme carga transdisciplinar que permeia o teatro, o qual gera algo novo, causando, assim, o risco da descoberta (CUNHA, 2009, p. 293).

Assim, a necessidade de o teatro existir dentro da escola, abrindo um espaço

que permita reconhecermos o seu ensino como um fim em si mesmo, e não de por

ser instrumento para fins de outra natureza, é bastante necessário. Os olhos dos

profissionais vinculados à escola devem estar focados nesse entendimento de

práticas teatrais que estimulam e desenvolvem o caráter de produção coletiva dessa

atividade artística na escola, que podem estimular o treinamento técnico e

individualista das pessoas que a praticam. Para tanto, faz-se necessário que os

professores ministrantes das aulas de teatro tenham amplo conhecimento e domínio

das teorias e metodologias teatrais e sejam comprometidos com seu trabalho. Em

outras palavras, o professor de teatro na escola, além de possuir conhecimento teatral,

deve estar em permanente contato com as principais abordagens sobre o ensino do

teatro para que essa prática pedagógica tenha objetivos claros e consistentes de

aprendizagem.

Page 24: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

24

Em relação às artes musicais, a educação musical tem sido colocada como

algo facultativo na escola. Há uma total desconsideração com o poder que a música

exerce sobre as pessoas, bem como a influência que exerce sobre o desenvolvimento

cultural e cognitivo das crianças e das pessoas em geral (ESCOSTEGUY, 2017). Não

há estudos que vinculem a situação de subdesenvolvimento de algumas áreas do país

à baixa valoração dada à música brasileira, apontada como um dos fatores que mais

contribui para a baixa estima que o Brasil possui em relação a si mesmo.

Um princípio bastante enfatizado no cenário da educação atual e,

consequentemente, no campo da educação musical contemporânea é a ideia de

valorizar o contexto cultural do estudante, compreendendo, reconhecendo e utilizando

o seu discurso musical como base para o processo de ensino e aprendizagem da

música.

A mudança de mentalidade é um fator fundamental para que se avance em

termos da música na escola, principalmente levando-se em consideração a qualidade

desse ensino de música que se espera na educação básica para todos os estudantes.

Essa mudança de mentalidade depende de argumentações e de orientações claras

sobre como fazer essa inclusão da música, como respeitar o ensino da arte como um

todo na escola, como elaborar editais que garantam a especificidade de cada

linguagem artística, e assim por diante. O Conselho Nacional de Educação está

atuando diretamente nessas questões referentes à implementação da Lei nº

11769/2008, realizando audiências públicas nas diferentes regiões brasileiras com o

objetivo de ouvir administradores, professores, profissionais da educação em geral e

estudantes de licenciatura sobre os desafios e as ações necessárias para que a

música passe a fazer parte do currículo (ESCOSTEGUY, 2017).

O importante é que existe a intenção de conhecer melhor a situação da música

na escola e encontrar soluções para os desafios vinculados a essa inclusão da música

no currículo escolar. Segundo Escosteguy (2017), as mudanças desejadas

acontecerão a partir das ações que envolvem as universidades formadoras; os

profissionais da educação atuantes nas escolas brasileiras; os administradores

escolares responsáveis pela reorganização curricular e pela contratação de

profissionais para a escola; e a sociedade como um todo, que precisa também

conhecer e opinar sobre as possíveis decisões curriculares.

Page 25: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

25

3.3 Compreendendo as artes plásticas, visuais e literárias na

contemporaneidade

A relevância de se abordar a arte contemporânea na escola está na diversidade

de experiências que ela apresenta, na relação com outras áreas, na proximidade da

arte com a vida e sua constante mutabilidade, o que a torna um importante veículo

para a produção de sentidos, dentre outros aspectos. Portanto, é possível trabalhar

em consonância as artes plásticas, visuais e literárias por apresentarem tantas

diferenças, mas, ao mesmo tempo, muitas afinidades. Afirma-se que as três trabalham

com o visual, o concreto e a criatividade.

Quando se pensa em artes visuais, logo vem à mente desenhos, pinturas,

esculturas, tinta, entre outros milhares de recursos capazes de representar o mundo

real ou o imaginário. No entanto, elas estão além do papel. O campo de atuação nas

artes visuais é amplo. O teatro, o cinema, a música, a fotografia, a moda ou a

arquitetura, por exemplo, também as representam.

A arte é o registro mais fiel da história da humanidade. É o retrato da

contemporaneidade de cada época. Os conteúdos, por exemplo, estão conectados à

literatura, geografia, física, química, música, teatro, etc. Fazendo essas conexões,

essas “teias”, tornam-se evidentes outros olhares e percepções estéticas

diferenciadas.

A visualidade também tem impacto sobre a aprendizagem. A capacidade das

crianças de sentir uma imagem está se tornando cada dia mais presente e influente.

Não se pode mais dizer que a escola é o único lugar onde os alunos apreendem.

Portanto, o educador deve ensinar os conhecimentos artísticos culturais do passado

Page 26: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

26

associado aos dias atuais. Sobre esse assunto, Escosteguy faz o seguinte

comentário:

Atualmente se vive em um aparente estado de submersão no universo virtual, definido por um espaço multiplicado exponencialmente pela imagem, e que redefine, reiteradamente, a nossa relação com o mundo. Ao se estar submerso no virtual, sofre-se uma espécie de escaneamento constante, como uma invasão desejada/não desejada, interna/externa, sendo que o mapa resultante desse esquadrinhamento interfere em todos os lugares, atuando diretamente nas escolhas que se faz e, consequentemente, nas ações de todos. (2017, p. 167).

As artes plásticas, por sua vez, referem-se a expressões artísticas que

utilizam técnicas de produção que manipulam materiais para construir formas e

imagens que revelem uma nova concepção estética e a visão poética do artista

plástico.

No interior das escolas, esse tipo de arte adota várias linguagens artísticas

contemporâneas para expressar emoções e valores estéticos. A multiplicidade como

expressão do modo de conhecimento do homem contemporâneo condiz com as

proposições artísticas atuais, com a educação em arte e com as tecnologias do século

XXI.

Portanto, questionar, desacomodar, problematizar, instigar, estender caminhos

à reflexão... O ensino de Arte na contemporaneidade deve estar norteado nessas

ações. A Arte também proporciona conhecimento e também nos leva à transformação,

seja ela arte visual ou plástica.

A literatura, como a arte visual e a plástica, prescinde de significação, não

pode ser contida, pois alcança o inatingível, o imensurável. A literatura é a arte da

palavra e faz da palavra o seu principal objeto, concedendo-lhe outras possibilidades,

Page 27: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

27

retirando-a do seu lugar habitual e transpondo-a para um universo onde apenas

homens e mulheres dotados de subjetividade podem percebê-la.

A arte, em geral, e a literatura, em particular, são atividades cujas grandezas

residem nessa sublime “inutilidade”. A literatura é fruição, é mergulhar no prazer que

a leitura pode oferecer. O prazer estético que a literatura proporciona nos torna mais

atentos àquilo que é impalpável, torna-nos sensíveis às dores do mundo.

“A literatura existe porque a vida não basta” – foi assim que o mestre Fernando

Pessoa definiu a literatura. O que seria da vida se não houvesse os momentos de fuga

que nos permitem abstrair e, assim, amenizar o dia a dia e suas inúmeras obrigações

que preenchem de vazio nossos dias. Se, para Pessoa, escrever é esquecer, para o

leitor, ler é esquecer, é permitir-se entrar em sintonia com a palavra, com o estado de

fruição que só a arte nos permite experimentar. A vida não basta; para isso, existe a

literatura, para preencher os vazios que a realidade não consegue perceber.

(ESCOSTEGUY, 2017).

Ler, assim sendo, não é uma atitude passiva; não se reduz a uma simples

decodificação de sinais gráficos, mas pressupõe uma atividade de reconstrução de

sentidos. Ela não é um ato solitário porque envolve o diálogo com o interlocutor, que

pode ser com diversos escritores. No momento em que fazemos o cruzamento de um

texto com outro, que introduzimos questões, os interlocutores se ampliam. Nesse

sentido, a leitura é sempre escritura; são processos geminados. O texto literário

apresenta sempre dupla escritura–leitura; ele é uma rede de conexões atravessada

por várias formações discursivas. Leitura e escrita são processos que se completam

e complementam.

É por meio da literatura, diz Escosteguy (2017), que os alunos desenvolvem a

imaginação, o hábito de leitura, o pensamento crítico e suas emoções. E, mesmo

sabendo que o ensino de literatura não está tão presente nas escolas como deveria,

deve ser tomando cuidado para não tornar monótona essa disciplina tão importante.

A arte literária é de fundamental importância para o desenvolvimento das

pessoas – para nossa formação social –, contemplando os mais variados aspectos

que vão desde a linguagem, passando pela sensibilidade, emoção até a criticidade e

exercício de reflexão que são fundamentais para as diferentes aprendizagens. Pelas

leituras, nos apropriamos de um vasto conhecimento sobre diferentes lugares e

Page 28: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

28

descobrimos um novo mundo de culturas e saberes, muitas vezes sem fisicamente

sairmos do lugar.

Ler é um processo contínuo, pois envolve uma compreensão que não se esgota

na decodificação da palavra escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência

do mundo. Para Orlandi (2003), a produção do sentido está no modo como a leitura

se relaciona entre o dito e o compreendido. O ato de ler implica, segundo Freire

(1989), na percepção crítica, na interpretação, na reescrita e na reelaboração do que

lemos.

4 ARTE E SOCIOLOGIA

A relação entre a arte e a sociedade, desde há muito tempo, tem provocado

pensadores de diversas áreas do conhecimento. Alguns autores apontam o

enciclopedista Denis Diderot como marco inicial, o primeiro a destacar o caráter social

da arte, identificando nela um potencial instrumento para reformas sociais,

antecipando Karl Marx, e inaugurando o diálogo entre arte e sociedade.

Posteriormente, empenhados em compreender as estruturas do fenômeno artístico,

Hippolyte Taine, Charles Lalo, Sigmund Freud, Carl Gustav Jung, Arnold Hauser,

Pierre Francastel, Roger Bastide, Pitirim Sorokin, Michel de Certeau, e pensadores de

linha mais marxistas como Georgy Lukács, Ernest Fischer, Jean Duvignaud, Walter

Benjamin, Theodor Adorno e Nestor Garía Canclini, dentre outros, criaram teorias

extrapolando o enfoque puramente social ou abrangendo os aspectos estéticos,

psicológicos, psicanalíticos, históricos e filosóficos da arte. (BAY, 2006).

De acordo com Bay (2006), os estudos desta inter-relação afloraram

principalmente nos campos da Sociologia da Arte, da Estética Sociológica, da Filosofia

da Arte e da História Social da Arte. O traço comum a todas as abordagens é a

constatação, já vislumbrada por Platão, de que arte e sociedade são conceitos

indissociáveis, uma vez que ambos se originam da relação do homem com seu

ambiente natural. Igualmente é consenso entre autores que a arte representa um fator

fundador, unificador, e agente nas sociedades, desde as mais simples às mais

complexas; fato que pode ser constatado ao longo da história, quando fica evidente

que, não só não houve sociedade sem arte, mas também que em cada contexto

específico a arte sempre teve um significado social preponderante.

Page 29: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

29

O motivo desta presença marcante tem sido objeto de incessantes

investigações sobre a natureza da criação artística, os fatores internos e externos

envolvidos e a função do artista na sociedade. As inúmeras respostas variam desde

a função da arte como substituta da vida, mantenedora de equilíbrio com o meio,

caminho para o alcance da totalidade, anseio de união da individualidade com o social;

passam pela busca da verdade permanente expressa na arte, de algo que tenha

significação transcendente, para além da simples descrição do real; e alcançam o

entendimento de que o homem necessita da arte, incluindo aí a inerente parcela mito-

mágica, para conhecer e transformar o mundo, ou seja, a arte como imprescindível

meio de conhecimento e transformação (BAY, 2006).

Fonte: https://www.lotsearch.net/

É verdade, entretanto, que existe ainda certa dificuldade no tocante a

integração da arte nas ciências sociais - o que pode ser potencializado como um

ganho, ao possibilitar abordagens transdisciplinares - porque as diferentes

proposições existentes tendem a privilegiar um determinado enfoque, como o

histórico, o psicológico, o filosófico ou o estético, descuidando da interação e

articulação entre eles.

A sociologia da arte como disciplina é fruto do Positivismo e nasceu em intensa

oposição ao Romantismo, embora permaneçam nela alguns resquícios românticos,

como por exemplo, a noção de que a arte reflete e revela, não mais o espírito do

Page 30: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

30

tempo, mas sim o contexto histórico. Ao examinar a relação da obra com o meio

procurando no fenômeno artístico uma origem ancorada na função social, a sociologia

vê a arte essencialmente como uma maneira de comunicação entre os indivíduos e

seus grupos. Sua proposição fundadora é de que a arte e a realidade são em si uma

mesma coisa, não havendo distanciamento entre ambas. Enfocando

predominantemente as relações inter-humanas derivadas da arte como fator de

convivência, a sociologia negligencia a questão da estética, fator relevante, uma vez

que intrínseco à arte. (BAY, 2006).

4.1 Arte e sociedade, um binômio indissociável

Os pensamentos de Karl Marx sobre arte e sociedade são baseados no

materialismo dialético. Retiradas de comentários expressos em textos diversos,

alguns reunidos no livro Sobre Literatura e Arte, uma vez que o autor não se dedicou

notadamente ao assunto, são hoje vistas com certas restrições, ou mesmo como

anacrônicas. Disse que arte e literatura só podem ser estudadas diretamente no

contexto da história, do trabalho e da indústria, pois o modo de produção terá um papel

decisivo na sociedade e na vida intelectual. Assim, a estrutura econômica da

sociedade e a organização da produção e das classes sociais dela participantes,

seriam fatores determinantes para a cultura, que por sua vez pertenceria a

superestrutura, abarcando a arte.

Fonte: https://revistagloborural.globo.com/

Page 31: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

31

Isso contribuiu para o entendimento da arte como sendo reflexo da realidade

social e também como uma forma de conhecimento capaz de interagir nela, com o

poder de modificá-la. Atribuindo a arte um caráter libertador, via a possibilidade de ela

exercer tal função através da representação formal e realista dos conteúdos da luta

de classes. Todavia, Marx não ousou aplicar literalmente o método dialético no estudo

da arte, pois embora a tomasse como um reflexo da realidade, relegada à condição

secundária da superestrutura, admitia sua capacidade de expressar a beleza,

entendendo que o artista necessitava conceber a obra antes de realizala. Marx

observou que em certos períodos havia uma defasagem entre o desenvolvimento

artístico e o da produção material, entrando em jogo outros fatores como natureza e

raça (BAY, 2006). Mencionou o exemplo dos gregos, que considerava crianças

normais, mas com alto grau de desenvolvimento artístico:

...a dificuldade não está na idéia de que a arte e a epopéia gregas estejam ligadas a certas formas de desenvolvimento social. A dificuldade está em compreender por que ainda hoje nos proporcionam um prazer artístico e valem, em certos aspectos, como norma e modelo insuperáveis. (MARX, 79, pág.35)

A arte, segundo Marx, mesmo condicionada histórica e socialmente, poderia

mostrar um momento de humanidade. Tal capacidade da arte de se sobrepor ao

momento histórico é que faz com que ela continue permanentemente a extasiar, a

valer como modelo e norma insuperáveis, nas suas próprias palavras. Uma

concepção um tanto quanto idealista no contexto de seu pensamento que via no

realismo da representação o compromisso da arte para com a sociedade e as ideias

do socialismo.

Numa visão conceitual extremamente diferenciada, fundada na psicanálise,

Sigmund Freud (1856-1939) escreveu inúmeros artigos específicos sobre a criação

artística e seu lugar na sociedade, tais como Uma Recordação da Infância de

Leonardo da Vinci, O Moises de Michelangelo, Escritores Criativos e Devaneio, O

Delírio e o Sonho em Gradiva, Poesia e Verdade, e Dostoievski e o Parricídio. A partir

deles é possível identificar duas vertentes principais em sua abordagem a propósito

do tema. Uma que se centraliza na figura do artista, mostrando que a obra apresenta

relação direta com sua história pessoal, principalmente a da infância, e outra que

entende a arte conduzida por um processo de simbolização, exatamente o mesmo

que age no inconsciente individual e determina a cultura. (BAY, 2006).

Page 32: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

32

Seus estudos psicanalíticos sobre alguns artistas o levaram a asseverar que o

artista não seria um neurótico, mas que, ao contrário, ao criar realizaria também um

processo de adequação à realidade circundante, ao conscientemente transformar

seus impulsos inconscientes. Observa-se que nesta afirmação já se delineia o papel

social da arte como mediadora, como fator de adaptação do indivíduo à sociedade.

Freud acreditava que a arte teria o poder de liberar o artista de suas fantasias,

permitindo-lhe exorcizar os fantasmas interiores, canalizando-os para a obra, num

processo catártico e terapêutico. Desta maneira entendeu que o ponto inicial de

criação era a própria vida do artista, a qual determinaria a temática, o estilo e toda

forma plástica, de tal maneira que a obra poderia ser vista como um substituto das

fantasias geradas pelo seu inconsciente.

Um conceito chave no entendimento da ideia freudiana de arte é o de

sublimação, o mecanismo de derivação das pulsões sexuais em direção a objetivos

de outra ordem; tal processo, ao qual o autor atribui a possibilidade de realização da

cultura, viabilizaria também o processo de criação da obra de arte. O artista seria para

ele um tipo de pessoa propensa à sublimação, correlacionada à estrutura de

personalidade fundamentalmente narcisista, a qual descobre na arte a forma de

realizar suas fantasias de poder e de criação. Igualmente o narcisismo teria a função

de tentar ultrapassar a condição mortal do artista, atendendo à necessidade humana

de busca de imortalidade. (BAY, 2006). Percebe-se assim a arte constituindo-se como

um elemento intermediário entre a realidade e a imaginação, entre o interno e o

externo, o individual e o social:

A arte é uma realidade convencionalmente aceita, na qual, graças à ilusão artística, os símbolos e os substitutos são capazes de provocar emoções reais. Assim, a arte constitui um meio-caminho entre a realidade que frustra os desejos e o mundo dos desejos realizados da imaginação – uma região em que, por assim dizer, os esforços de onipotência do homem primitivo ainda se acham em pleno vigor. (FREUD, apud RAFFAELLI, 1996, pág. 11)

Conforme Freud afirmava, o processo pelo qual o artista passa ao criar e

realizar a obra desencadeia uma espécie de eco no espectador que provocaria um

caminho inverso, indo da obra até o conteúdo inconsciente que motivou o artista.

Assim haveria uma identificação entre os desejos reprimidos do artista e os desejos

equivalentes do espectador, de sorte que tal identificação seria o fator desencadeante

do prazer estético. Resultado da possibilidade de experimentar desejos e realizar

fantasias reprimidas na realidade social, o prazer estético estaria no mesmo nível do

Page 33: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

33

prazer sexual, realizando um deslocamento do impulso sexual em direção à

apreciação da beleza; em suma, encontrar-se-ia fatalmente atrelado à libido.

Caracterizada desta forma, a arte estaria destinada a carregar para sempre “a

cruz da sublimação”. (RAFFAELLI, op.cit., pág.11)

Fonte: https://br.pinterest.com/

O outro ponto da explicação de Freud para a arte, de que a obra artística traz

em sua gênese um valor simbólico, apresenta-se atualmente mais significativo, sob o

ponto de vista da investigação sobre a origem de arte, do que sua teoria que enfatiza

mecanismos inconscientes do criador e do receptor. Os simbolismos dos sonhos têm

estreita correspondência com simbolismos expressos nas criações artísticas, que

nada mais são do que suas transformações. (BAY, 2006). Mas como as

representações nos sonhos constituem-se basicamente em imagens visuais, Freud

via os sonhos como um complexo sistema de escritura, correlacionada às escritas

pictográficas e aos hieróglifos, nos quais alguns elementos servem como marcadores

Page 34: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

34

que apontam para determinados significados somente identificáveis num certo

contexto. Para ele isto foi um indício de que a lógica dos sonhos não estaria ancorada

no logos consciente, mas que, do mesmo modo que a escritura artística, seria regida

por regras próprias, sendo impossível tentar traduzí-las em outra linguagem. Pode-

se dizer que Freud considerou a obra de arte um todo analisável em si mesmo, no

qual a modificação em um simples elemento desencadeia a constituição de um outro

e diverso conjunto. (BAY, 2006). Essa constatação possibilitou o desenvolvimento de

abordagens posteriores sobre a criação e interpretação da obra de arte, como as de

Gaston Bachelard (poética da imagem), Gilbert Durand (mitocrítica), Hans Robert

Jauss (estética da recepção), Wolfgang Iser (efeito estético), dentre outros.

Convertendo conteúdos psíquicos como fantasias e sonhos, ou sublimando as forças

da libido, o que se extrai da teoria freudiana é que a arte em relação ao social tem

função mediadora, de promover a adaptação do indivíduo e garantir o equilíbrio das

sociedades.

Com o objetivo de criar uma história dos distintos modos de subjetivação dos

seres humanos, uma demonstração de seu pensamento multifacetado e da ruptura

epistemológica que promoveu, Michael Foucault, deixou em sua obra algumas

opiniões importantes sobre arte. Ainda que este tema não tenha sido seu principal

objeto de estudos, é possível encontrar, de forma esparsa e basicamente nas

Conferências, algumas ideias e conceitos sobre arte e sua inserção na sociedade.

Segundo Bay (2006),

Foucault valorizou a relação entre a sociedade e a arte, sobretudo pela possibilidade de ruptura e de desconstrução que ela pode desencadear através da experiência e da vivência, para o criador e para o público receptor. Situou a arte ao lado da loucura, num parentesco mágico entre a insanidade e a genialidade, apontando a genialidade como a antítese não formulada das visões institucionais da loucura e de suas relações latentes com o crime, com a miséria material e espiritual, e com as doenças incuráveis em geral. Para ele, o conjunto oculto e desequilibrado de carências que se manifestam sob as diversas formas de loucura, não passariam de uma consciência trágica vigilante.

Esta mesma consciência trágica abafada, mas sempre de vigília, irromperia no

artista, possibilitando através da obra ultrapassar a razão, e ir além das promessas da

dialética. Para Foucault a arte na sociedade moderna é portadora de um discurso

trágico, uma experiência até certo ponto negativa e radical, que provocaria alterações,

deslocamentos e transposições; daí então a contigüidade com a loucura, e a aparente

Page 35: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

35

ausência de sentido. Para ele, ao re-inventar um outro diálogo a arte estaria

expressando o homem moderno em sua experiência trágica.

A arte ao cumprir o papel de vigília e contestação, apontaria os limites e a

interação entre o real e o possível, entre a palavra e a imagem, isto é, entre o homem

e seu simbólico, entre a continuidade e a ruptura. Pode-se inferir que Foucault

percebeu o artista como agente desencadeador de mudanças, polemizador e crítico

da ordem presente na medida em que constrói significações novas, entre o real e o

possível. Assim enquanto intelectual e produtor de cultura, seria ele capaz de mobilizar

e desestabilizar, apontando ou desencadeando novos caminhos para reflexão; daí a

probabilidade de vê-lo como um intelectual específico foucaultiano. (BAY, 2006).

Fonte: https://www.culturagenial.com/

Analisando as obras de arte, destacadamente na que realizou sobre a pintura

As Meninas, de Diego Velazques, Foucault destacou o jogo existente entre o visível e

o invisível. Levantou a questão do reflexo, do espelho, da presença do espelho, que

da mesma forma que a obra, mostraria o invisível, o que ela deixa entrever e o que

oculta. Este jogo entre o sugerido e o manifesto na criação artística é um fio condutor

do pensamento de Foucault sobre a arte, uma vez que aparece em vários de seus

estudos. Entendeu ele que o artista se colocaria na borda entre o que é plenamente

visível e a invisibilidade, “ele reina no limiar dessas duas visibilidades incompatíveis”.

(FOUCAULT, 2002, pág 4.)

Page 36: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

36

Na obra de arte a essência revelada seria a invisibilidade profunda do que se

vê, e ao mesmo tempo, solidária com a visibilidade de quem vê, do fruidor participante.

A obra procuraria auto-representar-se através dos elementos que a compõem,

tornando-se então apresentação da própria representação, bem mais que a simples

semelhança explícita, acena a uma similitude presente, mas não dita: “É, talvez, por

meio desta linguagem nebulosa, anônima, sempre meticulosa e repetitiva, porque

demasiado ampla, que a pintura, pouco a pouco, acenderá suas luzes”. (FOUCAULT,

op. Cit., pág. 12.).

O filósofo italiano Umberto Galimberti, por sua vez, aborda a arte e a implicação

dela na sociedade a partir da impossibilidade da existência de uma sem a outra. Este

co-pertencer é para ele essencial, uma vez que afastar o homem da expressão

espiritual propiciada pela arte, equivaleria a limitá-lo a condição animal; da mesma

forma a arte em sua materialidade não existiria sem o homem, estaria restrita ao

domínio do espírito. (BAY, 2006). Deste modo vinculados e pertencentes à terra, arte

e homem encontrar-se-iam prisioneiros de um destino perecível muito embora ambos

tendam para o eterno. Assim a arte seria um enobrecimento da condição humana e

concretizaria a tensão do homem para além da espessura opaca e escura da matéria,

através de uma entrega à debilidade e efemeridade da mesma matéria que viabiliza

sua comunicação. Diz ele: “O homem não tem nenhum valor se não consegue exprimir

algo que transcenda sua vida biológica, e a arte é uma forma desse transcender. Mas

também a arte não tem nenhum valor se não reflete o ultrapassar do homem, a sua

superação da condição animal”. (GALIMBERTI, 2003, pág. 186).

Ao estudar os vestígios do sagrado na civilização ocidental atual, Galimbert

(2003) considera a arte uma de suas últimas pegadas. Para ele, a dimensão do

sagrado, embora pareça não mais estar entre nós numa época em que a técnica

dessacralizou tudo o que nos rodeia, continuaria a existir fora e dentro de nós, no

inconsciente ou na loucura. Esta região misteriosa, que é tudo o que antecede a razão,

as regras e a organização civil, pertence ao domínio do sagrado o qual age dentro de

nós, que desprovidos de rito e sacrifícios para nos defendermos, nos encontramos

expostos diretamente a ele. Os resultados seriam as angústias e ansiedades, por

vezes loucuras, violências e outras sociopatias, para as quais nem mais a psicanálise

tem sido suficiente. (BAY, 2006).

Page 37: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

37

Galimberti acredita que se faz necessário a reconstrução de liturgias, cantos,

danças e outras situações em que a comunidade se recolha, pois se continuarmos

esquecendo ou ignorando o sagrado, não mais teremos humanidade; do mesmo

modo que se nos deixarmos tomar totalmente por ele, chegaremos a devastação. É

imperativo termos então uma relação ambivalente para com o sagrado se quisermos

evitar a dissolução da personalidade e a aceleração das doenças sociais, na relação

do indivíduo com a coletividade. No entender dele a arte seria uma possível

alternativa, pois:

“Estética” é composição do dado e daquilo que o transcende, mas para que uma inteligência possa transcender é necessário que uma paixão a dirija. E cultivar uma paixão, movendo as delicadíssimas teclas da sensibilidade, é tarefa tipicamente estética e ao mesmo tempo religiosa.O que se cria é a harmonia que emana da composição de uma laceração, algo que também Kant, a pesar de atento às exigências da razão matemática, soube indicar como configuração do belo, ou melhor, do sublime. (GALIMBERTI, op. Cit., pág. 194).

A proposta de Galimbert é um retorno ao sagrado, na forma de seus rastros,

na mobilização dos afetos e na construção de uma teoria da sensibilidade. Inclui nesta

urgente retomada as manifestações e as vivências artísticas, linguagens simbólicas,

como forma de experiência do sublime e aproximação ao sagrado. É novamente a

arte compreendida como fator de equilíbrio social e psíquico do indivíduo, interligada

às questões da ética e da técnica na sociedade contemporânea, na qual predomina a

ausência de sentido.

5 ARTE E COMUNICAÇÃO

5.1 Por que as comunicações e as artes estão convergindo?

Segundo Lucia Santaella (2008), no mundo antigo e na Idade Média, o que hoje

chamamos de artes visuais era considerado como artesanato utilitário dentro do

mesmo paradigma de outros tipos de artesanato, tais como fabricação de móveis,

sapatos etc. Esse quadro só se modificou no Renascimento, quando os artistas

conseguiram levantar o status das artes ao colocar em destaque seu caráter

intelectual e teórico.

Page 38: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

38

A autora (2008) comenta ainda que durante o século XVIII, o sistema das artes

foi esquematizado em cinco belas artes: pintura, escultura, arquitetura, poesia e

música. O adjetivo “belas” (em inglês fine) implicava, além da beleza, a habilidade, a

superioridade, a elegância, a perfeição e a ausência de finalidades práticas ou

utilitárias, em contraste com o artesanato mecânico e aplicado.

A arquitetura, a pintura e a escultura eram as três principais artes visuais da

Europa, durante um bom tempo, pelo menos do Renascimento até meados do século

XIX. Essas artes se desenvolveram e consolidaram muito em razão do apoio dos

indivíduos e grupos mais ricos e poderosos daquelas sociedades: reis, príncipes,

aristocratas, a Igreja, mercadores, governos nacionais, conselhos municipais etc. As

mudanças trazidas pela Revolução Industrial, pelo desenvolvimento do sistema

econômico capitalista e pela emergência de uma cultura urbana e de uma sociedade

de consumo alteraram irremediavelmente o contexto social no qual as belas artes

operavam. Desde então e cada vez mais, nossa cultura foi perdendo a proeminência

das “belas letras” e “belas artes” para ser dominada pelos meios de comunicação.

Nesse contexto, as expressões “meios de massa” e “cultura de massa”

denotam os sistemas industriais de comunicação, sistemas de geração de produtos

simbólicos, fortemente dominados pela proliferação de imagens. Trata-se de produtos

massivos porque são produzidos por grupos culturais relativamente pequenos e

especializados, e são distribuídos a uma massa de consumidores. Na lista dos meios

de massa incluem-se geralmente a fotografia, o cinema, a televisão, a publicidade, os

jornais, as revistas, os quadrinhos, os livros de bolso, a internet. Uma característica

comum aos meios de massa está no uso de máquinas, tais como câmeras, projetores,

impressoras, satélites, entre outras, capazes de gravar, editar, replicar e disseminar

imagens e informação. Os produtos culturais gerados por esse sistema são baratos,

seriados, amplamente disponíveis e passíveis de um a distribuição rápida.

(SANTAELLA, 2008).

Alguns acreditam e afirmam que os meios de massa tiveram origem com a

invenção da prensa manual gutenberguiana, que permitiu a reprodução do livro.

Entretanto, esse processo reprodutivo não é comparável às situações em que bilhões

de indivíduos são expostos cotidianamente a um espectro de meios de massa, uma

experiência que só foi inaugurada no século XX.

Page 39: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

39

Diversos especialistas defendem que a comunicação identifica-se

exclusivamente com comunicação de massas, enquanto as artes se restringem ao

universo das “belas artes”. Se nos limitarmos a essas visões parciais tanto da

comunicação quanto da arte, a pergunta sobre as possíveis convergências de ambas

não faz sentido. Entretanto, além de parciais, essas visões são, sobretudo,

anacrônicas. Alimentar o separatismo conduz a severas perdas tanto para o lado da

arte quanto para o da comunicação. (SANTAELLA, 2008).

Fonte: https://portalidea.com.br/

5.2 A relação entre a Comunicação e a Arte ao longo das eras

O surgimento de uma nova era não leva o desaparecimento das eras

anteriores, elas vão se sobrepondo e se misturando na constituição de uma malha

cultural cada vez mais complexa e densa.

A chamada “era da comunicação oral” refere-se às formações culturais que têm

na fala seu processo comunicativo fundamental. A escrita refere-se à introdução das

formas de registro do acervo cultural por meio da escritura pictográfica, ideográfica,

hieroglífica e também fonética. Diferentemente da escrita manual, a era da impressão,

Page 40: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

40

também chamada de era de Gutenberg, propiciou a reprodutibilidade da escrita em

cópias geradas a partir de uma matriz. (SANTAELLA, 2008).

Processos comunicativos conforma novos ambientes culturais, sendo capaz de

alterar as interações sociais e a estrutura social em geral. Isto assim se dá

especialmente porque os meios de comunicação são inseparáveis do nível de

desenvolvimento das forças produtivas de uma dada sociedade, de modo que eles

estão sempre inextricavelmente atados ao modo de produção econômico-político-

social.

Para o tema da convergência entre as comunicações e as artes, Santaella

(2008) afirma que as eras culturais que devem nos interessar são aquelas que

entraram em vigor a partir da cultura de massas, pois, antes disso, dificilmente

poderíamos encontrar modos de convergência entre ambas. Isso se explica, em

primeiro lugar, porque, ainda que a comunicação seja intrínseca ao ser humano, foi

só no momento histórico em que a comunicação massiva começou a se instaurar, a

partir da revolução industrial, que os dois campos, comunicações e artes, também

começaram a se entrecruzar. Antes disso, no entanto, desde o Renascimento, a

cultura limitava-se a uma divisão em dois campos nitidamente separados: de um lado,

a cultura erudita, isto é, a cultura superior das “belas letras” e das “belas artes”,

privilégio das classes economicamente dominantes; de outro, a cultura popular,

produzida pelas classes subalternas responsáveis pela preservação ritualística da

memória cultural de um povo.

Desde a Revolução Industrial, temos testemunhado um crescimento

significativo das mídias e dos signos que por elas transitam. Por isso não é nenhuma

novidade afirmar que, no século XIX, a Revolução Industrial trouxe consigo máquinas

capazes de expandir a força física, muscular dos trabalhadores e, portanto, máquinas

responsáveis pela aceleração da produção de bens materiais para o mercado

capitalista. Junto com as máquinas de produção de bens materiais, embora pouco

lembrado e destacado, também surgiram máquinas de produção de bens simbólicos,

máquinas mais propriamente semióticas, como a fotografia, a prensa mecânica e o

cinema. Essas são máquinas habilitadas para produzir e reproduzir linguagens e que

funcionam, por isso mesmo, como meios de comunicação.

Da prensa mecânica resultou a explosão do jornal e a multiplicação dos livros. A eles, principalmente ao jornal, a fotografia aliou-se com seu potencial de documentação dos fatos noticiados. Deixando à fotografia a tarefa de Pontos

Page 41: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

41

de partida para a reflexão de testemunhar os acontecimentos, o cinema, fotografia em movimento, tirou partido da temporalidade que lhe é inerente para desenvolver a habilidade de contar histórias, rivalizando com a prosa literária na faculdade, que até então era exclusiva desta última, para criar narrativas ficcionais. (SANTAELLA, 2008, p. 11).

Os meios de comunicação da “era eletromecânica” foram seguidos pelo

surgimento de uma segunda Revolução Industrial: a eletroeletrônica – trazendo o

rádio e a televisão, consolidando o apogeu da comunicação massiva. Em síntese, a

comunicação massiva deu início a um processo que estava destinado a se tornar cada

vez mais absorvente: a hibridização das formas de comunicação e de cultura.

Meios de massa são, por natureza, intersemióticos. O cinema, por exemplo,

envolve imagem, diálogo, sons e ruídos, combinando as habilidades de roteiristas,

fotógrafos, figurinistas, designers e cenógrafos com a arte dos atores, muitos deles

treinados no teatro. (SANTAELLA, 2008). Dessa mistura de meios e linguagens

resultam experiências sensório-perceptivas ricas para o receptor. Mas, ao mesmo

tempo, a mistura atinge um dos alvos a que os meios de massa aspiram: a facilitação

da comunicação, pois o significado de uma imagem pode ser reforçado pelo diálogo

e pela música que a acompanha. Também na publicidade, o texto direciona o sentido

da imagem de acordo com o programa persuasivo pretendido.

A intersemioticidade dos meios de massa colocava-se em agudo contraste com

a pureza estética que era típica das “belas artes”, especialmente da pintura e da

escultura. Todavia, as artes que, desde o Renascimento, estavam protegidas por

potentes sistemas de codificação, como é o caso da perspectiva monocular na pintura

e o sistema tonal na música, não ficaram imunes às transformações culturais que as

máquinas reprodutoras de linguagem estavam trazendo para o universo da cultura.

Sobre essa gradativa transformação, Santaella (2008) comenta que, do

impressionismo até o abstracionismo informal de Pollock, assistiu-se a uma gradativa

e cada vez mais radical desconstrução dos sistemas de codificação visuais herdados

do passado renascentista. A par dessa desconstrução, as artes foram crescentemente

incorporando os dispositivos tecnológicos dos meios de comunicação como meios

para a sua própria produção.

Dentro do próprio modernismo, mais especificamente, no dadaísmo, que foi uma das vertentes mais transgressoras das vanguardas estéticas nas primeiras décadas do século XX, já havia brotado um alargamento crítico das categorias da arte que teve seu prosseguimento no desmantelamento das fronteiras entre arte e não-arte, arte e cultura popular massificada, efetuado

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42

pela arte pop e pelas diferentes formas e movimentos artísticos nas décadas de 1960-70: minimalismo, Novo Realismo, arte conceituai, Arte Povera, arte processual, antiforma, Land Arty arte ambiental, Body Art, performance etc. Esse período, agitado pelo desfile incessante de novas tendências, foi acompanhado pela intensificação do acesso dos artistas às tecnologias de comunicação, não apenas à fotografia e ao cinema, mas também ao som, com a introdução do audiocassete e de uma ampla disponibilização de equipamentos de gravação e vídeo. (SANTAELLA, 2008, p. 12-13)

As semelhanças entre os meios de comunicação com os meios de produção

de arte foi tornando as relações entre ambas, cada vez mais intrincadas. Os artistas,

por sua vez, foram se apropriando cada vez mais desses meios para as suas criações.

Entre os anos de 1970 e 1980 surgiram novos meios de produção, distribuição e

consumo comunicacionais instauradores de “cultura das mídias” que apresenta uma

lógica distinta da comunicação de massas. Trata-se de dispositivos tecnológicos que,

em oposição aos meios de massa - estes só abertos para o consumo -, propiciam uma

apropriação produtiva por parte do indivíduo, como, por exemplo, as máquinas

fotocopiadoras, os diapositivos, os filmes super 8 e 16 mm, o offsety o equipamento

portátil de vídeo, o videodisco interativo etc. Graças a esses equipamentos, facilmente

disponíveis ao artista, originaram-se formas de arte tecnológica que deram

continuidade à tradição da fotografia como arte. (SANTAELLA, 2008).

É possível perceber que os artistas, desde de o surgimento do modernismo,

demonstraram uma verdadeira fascinação pelas novas tecnologias. Com isso as

tecnologias foram tomando a linha de frente do experimentalismo nas artes até o ponto

de muitos curadores terem abandonado as formas tradicionais de arte, pintura e

escultura, por não as considerar contemporâneas. A fotografia, as imagens

digitalizadas, os vídeos, os filmes e, principalmente, as várias formas de instalação e

arte ambiental midiática passaram a ocupar um espaço cada vez maior em museus e

galerias.

Através das novas tecnologias midiáticas, os artistas expandiram o campo das

artes para as interfaces com o desenho industrial, a publicidade, o cinema, a televisão,

a moda, as subculturas jovens, o vídeo, a computação gráfica, por exemplo. De outro

lado, para a sua própria divulgação, a arte passou a necessitar de materiais

publicitários, reproduções coloridas, catálogos, críticas jornalísticas, fotografias e

filmes de artistas, entrevistas com ele(a)s, programas de rádio e TV sobre ele(a)s.

Embora possa parecer que um tal tipo de material seja secundário, cada vez mais as

mídias desempenham um papel crucial no sucesso de uma carreira. Por isso mesmo,

Page 43: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

43

muitos artistas buscam manipular e controlar suas imagens e a disseminação de suas

obras por meio dos vários canais de comunicação. (SANTAELLA, 2008).

Uma característica que se destaca na cultura das mídias é a intensificação das

misturas entre as mídias por ela provocada: filmes são mostrados na televisão e

disponibilizados em vídeo; a publicidade faz uso da fotografia, do vídeo e aparece em

uma variedade de mídias; canais de TV a cabo especializam-se em filmes ou em

séries, dentre outros. Com isso, as reproduções fotográficas de obras em livros, os

documentários sobre arte, os anúncios publicitários que se apropriam das imagens de

obras de arte, as réplicas tridimensionais de esculturas vendidas em museus, tudo

isso foi levando o conhecimento sobre as artes para um público cada vez mais amplo,

e um maior número de pessoas foi tomando conhecimento da existência da arte, de

sua história e tendo acesso a ela, mesmo que seja por meio de reproduções em

cartões postais, calendários, vídeos etc. As mídias são responsáveis diretas pela

popularização das artes, provocando o aumento considerável do número e do

tamanho dos museus e das galerias, e elevando consideravelmente o público que

frequenta esses lugares.

É bom lembrar que até meados de 1970, o papel desempenhado pelas artes

na sociedade era sombreado pela onipresença dos meios de massa, particularmente

a televisão. Foi só a partir da década de 80, com o surgimento dos debates culturais

e artísticos sobre a pós-modernidade, que foram se tornando cada vez mais notáveis

a multiplicidade e diversificação das produções artísticas e o aumento de sua

competitividade no cenário social, o que encorajou a construção de novos museus,

eles mesmos obras de arte arquitetônicas, como, por exemplo, a Nova Galeria de

Stuttgart, o museu Guggenheim, em Bilbao, e a reforma da Nova Galeria Tate em

Londres, que são claramente obras expressivas do tipo de sensibilidade que nossa

época dispensa à arte. (SANTAELLA, 2008).

A estreita relação entre comunicações e artes, motivada pela cultura das

mídias, foram incrementadas com o surgimento da cultura digital (ou cibercultura)

devido à convergência das mídias que a constitui. As primeiras obras de arte

computacionais foram contemporâneas ao aparecimento do computador. A utilização

das transmissões de informações por meio de telefone, telex, fax, slow scan TV e das

interações de artistas via satélite, em eventos artísticos, antecipou a atual

disseminação da arte nas e das redes planetárias. Fazendo uso da realidade virtual

Page 44: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

44

distribuída, do ciberespaço compartilhado, da comunicação não local, dos ambientes

multiusuários, dos sites colaborativos, da web TV, dos netgames, as artes digitais,

também chamadas de “artes interativas”, desenvolvem-se nos mesmos ambientes

que servem às comunicações, tornando porosas e movediças as fronteiras

intercambiantes das comunicações e das artes. (SANTAELLA, 2008).

Como se pode constatar, tanto de um ponto de vista histórico quanto de um

ponto de vista sincrônico, as convergências entre as comunicações e as artes

constituem uma questão que, além de inegável, é multifacetada.

6 O SISTEMA DA ARTE E A INDÚSTRIA CULTURAL

Ari Fernando Maia (2000), lembra de que há mais de dois séculos, escrevia a

respeito das artes um filósofo alemão:

Toda melhoria política deve partir do enobrecimento do caráter - mas como poderá enobrecer-se o caráter sob a influência de uma constituição estatal bárbara? Para esse fim seria preciso encontrar um instrumento que o Estado não dá e abrir fontes que se conservem limpas e puras apesar de toda podridão política. (...) Esse instrumento está nas belas-artes, estas fontes abrem-se em seus modelos imortais. Arte e ciência são desobrigadas de tudo que é positivo e que foi introduzido pela convenção do homem, ambas gozam de uma absoluta imunidade em face do arbítrio humano (SCHILLER, 1992, p.63).

Se no século XVIII o filósofo pôde imaginar alguma independência entre a arte

e a ‘política’, sendo a função daquela uma educação estética que teria por base a

cultura, atualmente essa possibilidade - que sempre foi contraditória - perdeu-se.

Segundo Shiller (1992), há duas forças que nos impelem, um impulso sensível que

seria parte da existência física do homem, de sua ‘natureza sensível’ cuja finalidade

seria submeter os homens às limitações das modificações que ocorrem no tempo, à

sensibilidade; para ele, o homem neste estado nada mais é que uma unidade

quantitativa, um momento de tempo preenchido; por outro lado, existe um impulso

formal que teria como ponto de partida o ser absoluto do homem, sua ‘natureza

racional’, e teria como finalidade sua liberdade, a afirmação da personalidade. À

cultura caberia a tarefa de harmonizar esses dois impulsos contraditórios:

Sua tarefa (da cultura), portanto, é dupla: primeiramente, resguardar a sensibilidade das intervenções da liberdade; segunda, defender a personalidade contra as forças da sensação. Uma tarefa ela realiza pela educação da faculdade sensível, a outra, pela educação da faculdade racional (p.81)

Page 45: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

45

Esse projeto filosófico de uma educação estética carrega pelo menos duas

contradições: primeiramente, as condições objetivas, desde o século XVIII e até hoje,

simplesmente escarnecem de qualquer tentativa de uma educação dos sentidos e da

razão que permitam independência e liberdade e, além disso, a própria razão,

contraditoriamente, perverteu-se em uma razão técnica pretensamente objetiva, e

envolve toda a sociedade em um esquema totalitário que educa a sensibilidade numa

espécie de anti-educação dos sentidos, isto é, uma educação que prepara os homens

para a heteronomia e para a subserviência na mesma medida em que reforça a ideia

de uma interioridade monadológica e de uma ação individual dos sujeitos. (MAIA,

2000). Em contrapartida, não é possível pressupor uma unidade harmônica entre os

interesses dos indivíduos e as realizações da sociedade por meio da educação

estética, tendo em vista a realidade material desenvolvida no mundo burguês. Não é

possível harmonizar nas ideias o que está cindido objetivamente. Mas talvez fosse

possível à arte contrapor-se ao mundo e gerar uma contradição, pelo menos no campo

das ‘ideias’, e relembrar uma felicidade que desconhecemos.

Fonte: https://www.todamateria.com.br/

Atualmente, no entanto, assistimos à perda da possibilidade da sensibilidade

estética se contrapor ao estado político e econômico existente.

A ciência, a arte e a técnica participam desse processo histórico como motores da ‘dialética do esclarecimento’, do processo de progressiva dominação da natureza e dos homens que, em nossa época de formidável desenvolvimento tecnológico, praticamente excluiu tudo o que não se encaixa na engrenagem, ao mesmo tempo em que se multiplicam as possibilidades

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de algo melhor. A arte enquanto duplicação do existente apontando algo melhor deixou de existir no âmbito da indústria cultural. (MAIA, 2000, p. 23).

Marcuse (1997), referindo-se a um momento histórico específico, descreve o

processo denominando essa forma ideal de ‘cultura afirmativa’. Antes de tudo, por

meio dela distingue-se o mundo “do espírito”, do mundo “da sensibilidade” e “da

necessidade”, sendo o primeiro uma esfera autônoma de valores, universais e

acessíveis a qualquer indivíduo a partir de sua interioridade. A realização da cultura é

a realização da personalidade e nesta tarefa encontra-se a felicidade possível.

No entanto, o conteúdo de felicidade prometido é descolado da realidade

material, é uma felicidade ‘interior’, da ‘alma’ e, dessa forma, de fato, não somente a

felicidade é negada - pois as condições materiais para que ela se realize não estão

presentes - mas, além disso, justifica-se uma realidade de alienação e dominação.

Para Marcuse (1997, p. 99), essa cultura afirmativa “não contém só a

legitimação da forma vigente da existência, mas também a dor causada por seu

estado; não só a tranquilidade em face do que existe, mas também a recordação

daquilo que poderia existir”. O caráter contraditório da cultura e da técnica - que

caminharam juntas na evolução da sociedade - está ainda presente em nossa época,

em que o caráter afirmativo da cultura foi superado em favor de um modo de relação

dos indivíduos com os dados ‘culturais’ ainda mais perverso. Mas esse caráter

contraditório encontra-se suprimido face à utilização de ambos como instrumentos de

dominação.

A crítica da cultura tem de ir além dela, e de fato alcança seu objeto observando

suas determinações na realidade material. Para essa tarefa, toma-se como base a

filosofia dialética, principalmente em sua vertente materialista – a teoria crítica da

sociedade. Mas, seria errôneo imaginar que, já no século XVIII, não houvesse quem

vislumbrasse os indícios dessa situação. Rousseau (1997) já apontava com precisão

um ponto fundamental:

Enquanto o governo e as leis atendem à segurança e ao bem-estar dos homens reunidos, as ciências, as letras e as artes, menos despóticas e talvez mais poderosas, estendem guirlandas de flores sobre as cadeias de ferro de que estão eles carregados, afogam-lhes o sentimento dessa liberdade original para a qual pareciam ter nascido, fazem com que amem sua escravidão e formam assim o que se chama povos policiados. A necessidade levantou os tronos; as ciências e as artes os fortaleceram (p.190).

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47

A leitura que o filósofo faz de sua época é aguda o suficiente para atingir a

nossa: “Atualmente, quando buscas mais sutis e um gosto mais fino reduziram a

princípios a arte de agradar, reina entre nossos costumes uma uniformidade

desprezível e enganosa, e parece que todos os espíritos se fundiram num mesmo

molde” (ROUSSEAU, 1997, p.192).

O adestramento dos sentidos para a incorporação dos indivíduos à maquinaria

do sistema faz uso da técnica e da ‘cultura’ para criar uma situação em que os

indivíduos se sentem felizes sem de fato sê-lo. (MAIA, 2000).

6.1 Ideologia e Mercadoria

Um pequeno parágrafo do ‘Manifesto Comunista’ ilustra como, a partir de Marx

e Engels (1993), a questão da cultura e da sensibilidade estética só pode ser pensada

com relação ao Capital, ao mundo das mercadorias, à ‘civilização’ que incorpora a

‘cultura’: “A cultura (Bildung) cuja perda o burguês tanto lastima é para a imensa

maioria apenas um adestramento para agir como máquina” (p.83). O capital, enquanto

‘potência social’, desenvolve e mobiliza nos indivíduos aquelas capacidades, hábitos

e traços de personalidade que lhe são adequados. Poder-se-ia falar, em um certo

sentido, que os indivíduos aderem às ideologias que emanam do modo de produção

capitalista em função justamente daqueles hábitos e capacidades que desenvolvem

em sua educação nessa sociedade e que correspondem às ideologias. Porém é

preciso abordar esse tema com muito cuidado para não dar lugar a dúvidas.

Quando Marx e Engels (1989) tomam como objeto a ideologia, começam por

afirmar que os homens produzem sua existência coletivamente - um modo de vida -

ao produzirem os meios que permitem a existência da sociedade, isto é, “o que os

indivíduos são depende (...) das condições materiais de produção” (p.13). Até mesmo

o campo das ideias pode ser incluído como uma produção das relações materiais

entre os homens: “A produção das ideias, das representações e da consciência está,

a princípio, direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos

homens” (p.20). A ideologia seria uma inversão dessa verdade fundamental: “... em

toda ideologia, os homens e suas relações nos aparecem de cabeça para baixo (...),

esse fenômeno decorre de seu processo de vida histórico” (p.21). Nesse caso, essas

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ideias, em alguma medida dizem respeito à realidade material sem que, no entanto, a

realidade material se revele diretamente por meio delas. (MAIA, 2000).

Poderiam, no entanto, os homens produzir ideias que tivessem como origem

sua realidade material e que, ao mesmo tempo, refletissem essa realidade apenas

parcialmente? Para Marx e Engels (1989) é a partir do momento em que,

historicamente, surge a divisão de trabalho como forma social dominante: “a

consciência está em condições de se emancipar do mundo e de passar à formação

da teoria ‘pura’, teologia, filosofia, moral etc” (p.27).

Há ainda outra consequência dessa divisão do trabalho, pois o próprio processo

de trabalho ocorre como uma força objetiva contra a qual o sujeito nada pode. O

trabalho alienado, origem das fantasmagorias que impedem a liberdade dos

indivíduos, desdobra-se ainda no ‘fetichismo da mercadoria’. Segundo Marx (1988):

O misterioso da forma mercadoria consiste, (...) simplesmente no fato de que ela reflete aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como características objetivas dos próprios produtos de trabalho, como propriedades naturais sociais dessas coisas e, por isso, também reflete a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social existente fora deles, entre objetos (p.71).

Quando os homens se defrontam com a sociedade, o mundo das mercadorias

já se apresenta como uma forma ‘natural’ da vida social pois, justamente, está

desconsiderado seu caráter histórico. O equivalente universal, a forma dinheiro,

objetivamente, completa o serviço de velar o caráter social dos trabalhos privados e,

portanto, as relações sociais entre os produtores privados. Assim Marx apontou

diretamente para o motivo da impossibilidade de uma formação que permitisse

‘liberdade e independência’ no processo social que gera a reificação e, além disso,

desmascarou a ideia de uma educação estética libertadora proposta pela cultura

afirmativa como sendo ideologia, uma visão parcial e ideal da realidade material,

consequência dessa mesma realidade e a ela correspondente. (MAIA, 2000).

A compreensão da função da cultura afirmativa nesse contexto implica, no

entanto, certa observação mais cuidadosa para identificar os detalhes do processo

histórico de conformação dos indivíduos às condições do mundo reificado. Dada a

contradição entre os ideais revolucionários da burguesia e suas reais realizações, a

cultura afirmativa representava a humanidade como universalidade irredutível e

distinta das condições materiais; isso implica que ela representava um ideal, mas um

ideal que não necessariamente seria realizado materialmente. A formação cultural dos

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indivíduos, por sua vez, é apresentada como um ideal a ser alcançado: o de um estado

interior de beleza, bondade e liberdade, como qualidades da alma, independentes da

realidade material. Marcuse (1997, p. 108), afirma, no entanto, que “a liberdade da

alma foi utilizada para desculpar miséria, martírio e servidão. Ela serviu para submeter

ideologicamente a existência à economia do capitalismo”. E, embora fosse a alma

irredutível, precisaria, no entanto, ser educada, implicando uma tarefa educacional,

formativa: o domínio dos sentidos e a interiorização da fruição.

Tendo feito todas essas considerações, é possível então afirmar que a

consequência dessa interiorização e dessa ‘educação’ é que a promessa de felicidade

contida na obra de arte é sempre experimentada de modo fragmentado e episódico,

em meio à infelicidade objetiva, o que contamina o momento mesmo da fruição. Pois

ainda que os indivíduos fossem capazes de usufruir a beleza da arte como um

elemento de felicidade, seu papel no mundo das mercadorias já destitui os possíveis

efeitos libertadores que pudesse ter e a felicidade usufruída em meio à desgraça

objetiva é engodo, ideologia. Em meio à infelicidade geral os lampejos de felicidade

proporcionados pela fruição artística estão confinados a meros instantes que já

contêm em si mesmos o amargor de sua efemeridade. (MAIA, 2000).

6.2 Mimese e pseudo-individuação

Durante o século XIX, Marx e Engels defenderam que não é possível uma

educação para a liberdade num mundo objetivamente não livre, o que deve nos levar

a uma série de novas questões sobre a realidade social de nosso século, em que a

incorporação total da esfera da cultura ao modo técnico de produção industrial e sua

incorporação à propaganda transformaram qualitativamente a contradição apontada.

(MAIA, 2000).

De acordo com Adorno (1998), o cerne da questão é um progressivo

fechamento das brechas que permitiam alguma autonomia aos indivíduos, a tal ponto

que já não se pode falar em indivíduo sem uma enorme série de ressalvas que

praticamente inviabilizam a realização de seu conceito. Segundo o autor:

As malhas do todo são atadas cada vez mais conforme o modelo do ato de troca. Este permite à consciência individual cada vez menos espaço de manobra, passa a formá-la de antemão, de um modo cada vez mais radical, cortando-lhe a priori a possibilidade da diferença, que se degrada em mera nuance no interior da homogeneidade da oferta. Simultaneamente, a

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aparência de liberdade torna a reflexão sobre a própria não-liberdade incomparavelmente mais difícil do que antes, quando esta estava em contradição com uma não-liberdade manifesta, o que acaba reforçando a dependência (p.9-10).

Paralelamente a esse processo, que tem suas raízes mais profundas no

processo de formação da razão humana em suas relações com a dominação da

natureza - na ‘dialética do esclarecimento’ -, a cultura que se afirmava como um

elemento social autônomo hoje está reduzida a mercadoria, distribuída em larga

escala a preços módicos. Entretanto, Adorno (1998) afirma que “a crítica é um

elemento inalienável da cultura, repleta de contradições e, apesar de toda sua

inverdade, ainda é tão verdadeira quanto não-verdadeira é a cultura” (p.11). É

justamente esse elemento de crítica, inalienável da verdadeira cultura, que se torna

cada vez mais problemático, pois se na cultura afirmativa ele ainda poderia estar

presente na rememoração da liberdade perdida, não usufruída realmente, atualmente:

o crítico da cultura mal consegue evitar a insinuação de que possui a cultura que diz

faltar, ou seja, a cultura está submetida à mesma lógica do mundo das mercadorias

que guia a suposta crítica que se limita à cultura; ela não tem onde encaixar a alavanca

a não ser em sua própria inverdade! Esse fato implica dificuldades inusitadas a quem

se propõe a fazer uma crítica à cultura, tanto no âmbito teórico quanto metodológico.

Portanto, a ideologia não pode ser vista simplesmente como um conjunto de

ideias de determinada classe social, generalizadas para toda a sociedade como se

fossem a verdade. De acordo com Maia (2000), a própria sociedade tornou-se

ideologia de si mesma, justifica-se por sua eficiência técnica, pelo gigantismo do

aparato técnico diante dos indivíduos isolados, pelo processo de semiformação dos

indivíduos realizado pela ‘cultura’; nesse contexto, a ideia que prevalece é a de que o

existente não poderia ser de outra forma, um ‘véu tecnológico’, tanto mais eficiente e

poderoso quanto mais aumenta a distância entre o possível e o existente.

A questão importante nesse contexto é que aquilo que um dia foi chamado

cultura não tem mais os lampejos de autonomia com relação ao existente que um dia

compuseram seu conteúdo de verdade em meio às contradições da sociedade. A

cultura, por seu próprio conceito, está mergulhada na ‘civilização’, e não se pode

compreendê-la como tendo um sentido em si; em nossa época isso significa que

aquilo que é cultura é também administração técnica, parte do aparato produtivo

industrial, voltada para o controle dos indivíduos. Se na sociedade não é possível

Page 51: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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objetivamente a liberdade, a beleza e a felicidade, a cultura afirmativa, enquanto

promessa de liberdade, beleza e felicidade, inevitavelmente estava em contradição

com relação a seu conceito; mas hoje é difícil falar em um conceito de cultura sem a

intervenção da crítica à sociedade. Ao contrário do que parece, o amplo acesso à

‘cultura’ funciona como anti-esclarecimento; os não esclarecidos acreditam estar

amplamente esclarecidos, e além disso, identificam sua ‘personalidade’ à escolha das

mercadorias oferecidas e, nesta mesma medida, sucumbem à ideologia. (MAIA,

2000).

Atualmente, a indústria cultural impele os indivíduos a uma falsa mimese, à

adesão inconteste ao existente. Segundo Adorno (1993, p. 176):

A indústria cultural modela-se pela regressão mimética, pela manipulação dos impulsos de imitação recalcados. Para isso ela se serve do método de antecipar a imitação dela mesma pelo expectador e de fazer aparecer como já subsistente o assentimento que ela pretende suscitar.

A característica mais importante dos produtos - mercadorias ‘culturais’ -

oferecidos é a padronização. Esta é correspondente à padronização dos próprios

consumidores. O que percebem como sua individualidade nada mais é do que a

identificação com determinada nuance dos produtos oferecidos como se fossem

diferentes. É verdade que há distinções entre os vários níveis de acabamento entre

os produtos, mas essa aparente distinção encobre os seus objetivos comuns, a forma

como foram produzidos e o efeito que pretendem causar: a padronização das reações

e formas de pensamento dos indivíduos. (MAIA, 2000).

A distinção entre os consumidores se dá somente enquanto são consumidores

- e, portanto, os iguala - pois, se há alguma diferença entre os produtos, ela visa

atender ao ‘gosto’ de pessoas com diferentes possibilidades financeiras. Não é o

indivíduo que escolhe, pois, os produtos são produzidos segundo uma análise

estatística da sociedade para atender às idiossincrasias dos vários segmentos sociais,

embora a diferença seja sempre uma diferença nos detalhes do produto ficando o

essencial inalterado, ‘standardizado’. O ‘fetichismo da mercadoria’ abarca também as

mercadorias culturais e o ‘valor de troca’ impõe-se ao possível ‘valor de uso’; este já

não é passível de fruição, já que a similitude dos produtos impõe o elemento

quantitativo sobre a possível diferença que poderia existir entre eles. À padronização

das mercadorias culturais corresponde a pseudo-individuação.

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Por pseudo-individuação entendemos o envolvimento da produção cultural de

massa com a auréola da livre escolha ou do mercado aberto, na base da própria

estandardização. A estandardização de hits musicais mantém os usuários

enquadrados, por assim dizer, escutando por eles. A pseudo-individuação, por sua

vez, os mantém enquadrados, fazendo-os esquecer que o que eles escutam já é

sempre escutado por eles, ‘pré-digerido’. (ADORNO, 1994).

As necessidades atendidas pela indústria cultural são, portanto, criadas pela

mesma sociedade que ela justifica: a necessidade de diversão, de abandono de si

mesmo e de fuga da realidade cruel do trabalho são atendidas de modo perverso pela

indústria. Sobre isso, Adorno e Horkheimer (1991) comentam que “divertir-se significa

estar de acordo (...) divertir significa sempre não ter que pensar nisso, esquecer o

sofrimento até mesmo onde ele é mostrado (...) A liberação prometida pela diversão

é a liberação do pensamento como negação (p. 135) ”.

Fonte: https://www.clicksociologico.com/

No atendimento às necessidades que a própria sociedade historicamente criou,

a indústria cultural revela-se como o anti-esclarecimento, isto é, como a regressão do

esclarecimento à mera dominação. As experiências que caracterizam a sensibilidade

dos indivíduos atualmente correspondem ao esquema geral da indústria cultural, isto

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é, são adequadas ao existente. Mas, novamente, temos um tema que precisa ser

pensado mais cuidadosamente, pelo menos por dois motivos: primeiramente, o

conceito de indústria cultural tem sido comumente utilizado de modo impróprio, seja

porque é tomado separadamente do contexto em que foi inicialmente pensado - o

contexto da ‘dialética do esclarecimento’ - seja porque se tiram conclusões

apressadas e impróprias. No primeiro caso, toma-se a cultura como algo ‘em si’,

descolada das bases materiais que são a fonte da produção cultural; no segundo,

paralisa-se a criticidade do conceito imaginando que, uma vez fechadas as saídas

para algo melhor que o existente, não há mais possibilidade de algo melhor. Em

segundo lugar, o conceito precisa ser relacionado a outro elemento da produção

filosófica de Adorno: sua Teoria Estética, articulando arte e técnica no

desenvolvimento da cultura e desvelando as possibilidades estéticas de crítica à

sociedade. (MAIA, 2000).

6.3 Semiformação e experiência, ou a razão ‘comum e cativa’

Se um dia a cultura representou alguma contradição com relação ao existente,

mesmo tendo se desenvolvido no seio da mesma sociedade a que, em parte,

correspondia, mas à qual impunha seu próprio conceito, atualmente a cultura é um

meio de integração pois, tal como as mercadorias no mercado, encontra-se submetida

à regra do fetiche, oferecendo aos indivíduos experiências substitutivas que eles

incorporam como se fossem próprias, experiências que reafirmam o existente.

Durante nosso século W. Benjamin (1994, p. 168) identificou na

reprodutibilidade técnica da obra de arte um processo que levaria à perda de sua

‘aura’, de sua autenticidade e, o que é fundamental: “a técnica da reprodução destaca

do domínio da tradição o objeto reproduzido”. Desse modo o objeto reproduzido

industrialmente que substitui a obra é destituído de sua historicidade, da tradição à

qual estava vinculado intrinsecamente e, além disso, torna-se possível (desejável) sua

posse. Segundo Benjamin (p.170): “Retirar o objeto do seu invólucro, destruir sua

aura, é a característica de uma forma de percepção cuja capacidade de captar ‘o

semelhante no mundo’ é tão aguda, que graças à reprodução ela consegue captá-lo

até no fenômeno único”.

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Os objetos de ‘arte’ que são reprodutíveis, segundo Benjamin, começam a ser

produzidos para serem reproduzidos. Assim, o cinema exercita nos indivíduos novas

capacidades, percepções e reações que serão depois generalizadas e radicalizadas

pela televisão. A hipótese de Benjamin (1984) é que: “transformações sociais muitas

vezes imperceptíveis acarretam mudanças na estrutura da recepção, que serão mais

tarde utilizadas pelas novas formas de arte” (p.185). Estas, por sua vez, fazem o

trabalho de condicionar a percepção do mundo segundo os parâmetros do existente.

O mundo é visto como é - está -, mas isto, pelo menos desde Hegel, é somente a

aparência, não o Real.

A distração, necessidade criada e satisfeita pela sociedade, está presente

também na própria recepção das mercadorias culturais. A apreensão pode se dar por

distração ou recolhimento. A primeira seria uma recepção tátil, isto é, aquela que se

efetua menos pela atenção que pelo hábito, em que o sujeito deixa-se levar pelo fluxo

dos estímulos a que está submetido; a segunda, ao contrário, implica uma atitude de

contemplação, ao mesmo tempo de distanciamento e de mergulho no objeto, de

conhecimento e de estranhamento (BENJAMIN, 1994, p.193). Além disso, a recepção

tátil, baseada no hábito, rege a estruturação do sistema perceptivo e prevalece ao

universo da ótica.

Traduzindo os termos originais do alemão utilizados por Benjamin, Ramos-de-

Oliveira (1998) torna mais precisa a significação que se quer explicitar, distinguindo

recepção passiva e vivência (Erlebnis) de recepção ativa, crítica e experiência

(Erfahrung):

Erleben é viver, presenciar, sofrer, ao passo que erfahren é chegar a saber, tornar-se perito em algum setor. Estão, portanto, traçadas as fronteiras entre duas modalidades de viver: uma de que passa pela vida como espectador, alguém que reage a estímulos; outra de quem vive, alguém que exerce certo grau de reação consciente, pensada refletida (p.31).

A sensibilidade adequada ao nosso tempo é baseada na recepção passiva, na

Erlebnis. Embora não se possa descartar a possibilidade de Erfahrung, há uma grande

pressão no sentido da primeira. Ao lado desse elemento temos também um

esmagador enfraquecimento do ego, destacado igualmente por Marcuse (1997, v. II)

e por Adorno e Horkheimer (1991). Segundo Marcuse:

Quanto mais o ego autônomo é supérfluo e mesmo inibidor e inoportuno para o funcionamento do mundo administrado, técnico, tanto mais seu desenvolvimento depende do seu ‘poder de negação’, quer dizer, de sua

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capacidade de construir um domínio pessoal, privado (...) Mas essa capacidade ficou reduzida por duas razões: 1. pela socialização imediata, exterior ao ego; 2. pelo controle e manipulação do tempo livre - a dissolução da esfera privada na massa (p.99).

Segundo Adorno e Horkheimer o ego é um produto tardio da projeção

controlada, mediada pelo trabalho do conceito e do juízo, na medida em que ao mundo

externo percebido são conferidas características de unidade e constância, e essas

mesmas características são aplicadas à realidade interna do sujeito. A correta

percepção da realidade, portanto, pressupõe um ego estruturado para, ao mesmo

tempo, fazer a diferenciação entre a realidade externa e a realidade interna, e

perceber o estreito vínculo que existe entre elas, mediado pelo trabalho do conceito.

Mas as condições objetivas impelem o sujeito a uma falsa projeção, e esta: “é um

meio para manter os impulsos do id alienados do ego, e pode ser interpretada como

signo da incapacidade do ego para cumprir suas funções” (p.243).

O trabalho do pensamento que leva ao conceito, para além do existente,

encontra-se dificultado ainda num outro sentido: à recepção passiva corresponde uma

forma de ‘memória’ que Benjamin chama de lembrança (Andenken), enquanto à

recepção crítica corresponderia a rememoração (Eingedenken). A diferença básica

está na forma como se relaciona o passado ao pensamento. Segundo Ramos-de-

Oliveira (1998, p.34)

em Andenken há uma lembrança no sentido de um índice que me faz tornar a pensar em algo (...) o qual, para atingir, preciso de um estímulo, como uma anotação, uma foto, um acontecimento qualquer que me traga de volta algumas imagens; já em Eingedenken há uma rememoração (...) há um mergulho no passado, um entrar, um penetrar, um fato de que me recordo porque, na realidade, nunca o esqueço.

De acordo com o comentário de Maia (2000), entre as características mais

pregnantes das mercadorias da indústria cultural está o fato de que elas estão

destituídas da ‘aura’, desligadas de toda tradição, como que a-históricas, de modo que

modelam, habituam o sujeito à imediatidade do instante em que são consumidas. O

caráter efêmero da fruição da obra de arte na época da cultura afirmativa ainda é algo

progressista diante do caráter volátil dos produtos da indústria cultural.

Ao analisar a música popular, por exemplo, Adorno (1994) desdobra a

dissolução do pensamento no ato de consumir as mercadorias culturais nos

mecanismos de reconhecimento e aceitação. Segundo o autor: “Hoje, os hábitos de

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audição das massas gravitam em torno do reconhecimento (...) O princípio básico

subjacente a isso é o de que basta repetir algo até torná-lo reconhecível para que ele

se torne aceito” (p.130). Mas, na recepção musical, com relação à música séria, o

sentido da obra é captado tendo como ponto de partida o reconhecimento, mas, a

partir deste o ouvinte experimenta a novidade relativa à composição. “O sentido

musical é o Novo - algo que não pode ser subsumido sob a configuração do

conhecido, nem a ele ser reduzido, mas que brota dele, se o ouvinte vem ajudá-lo”

(p.131).

A relação entre o reconhecido e o novo é destruída na música popular, assim

como nas demais mercadorias padronizadas da indústria cultural, pois o

reconhecimento mecânico é a única possibilidade de apreensão de uma mercadoria

sempre igual, cuja distinção é feita em pequenos detalhes. Se com relação à obra de

arte o reconhecimento vinha em auxílio da compreensão, mas não coincidia com ela,

na música popular eles coincidem de modo fatídico. Adorno analisa também a

televisão. Suas características ideológicas incidem, principalmente, sobre dois

aspectos interligados: suas características formais como meio técnico e o conteúdo

dos programas que transmite. Suas possibilidades como meio educacional estão

atualmente submetidas à necessidade de funcionar como ideologia, dadas suas

relações com o poder. Segundo Adorno (1995, p.80):

Compreendo ‘televisão como ideologia’ simplesmente como o que pode ser verificado sobretudo nas representações televisivas norte-americanas, (...) ou seja, a tentativa de incutir nas pessoas uma falsa consciência e um ocultamento da realidade, além de (...) procurar impor um conjunto de valores como se fossem dogmaticamente positivos. (...) Além disso, contudo, existe ainda um caráter ideológico formal da televisão, ou seja, desenvolve-se uma espécie de vício televisivo em que por fim a televisão (...) converte-se pela sua simples existência no único conteúdo da consciência, desviando as pessoas por meio da fartura de sua oferta daquilo que deveria se constituir propriamente como seu objeto e sua prioridade.

A televisão tem como sua primeira característica formal o fato de levar os

produtos até a casa dos espectadores. Esse encurtamento da distância entre os

produtos e o espectador sustenta uma aura de fraternidade e proximidade que na

realidade, na medida em que os sujeitos se prendem ao que se transmite na televisão,

impede a comunicação entre eles, impedindo também a possibilidade de proximidade.

A comunicação que se tornara suspeita na época burguesa, torna-se ainda mais difícil

diante da televisão.

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57

A diferença entre a imagem real e a imagem apresentada pela televisão - onde

a imagem é fragmentada, editada, dissolvida - não é sentida como problemática, pois

as mensagens - os estímulos - que ocorrem no mundo real estão igualmente

fragmentadas e dissolvidas sob a forma mercadoria. A reprodução da fragmentação

na televisão deveria ser experimentada com desprazer, mas não é isso o que ocorre.

(MAIA, 2000).

Segundo Adorno (1969), há uma espécie de ‘formação reativa’ que transforma

o ódio em admiração pelas imagens:

Os limites entre a realidade e a imagem são apagados da consciência. A imagem é tomada como um objeto da realidade, como uma espécie de habitação suplementar, que se compra junto com o aparelho (...) É difícil perceber, (...) que a realidade vista através das lentes televisivas impõe que o sentido encoberto da vida cotidiana volte a refletir-se na tela. (p.67)

Essas características formais - a rápida sucessão de quadros e o tamanho

diminuto das imagens, a ‘proximidade’ com o espectador, o predomínio da imagem -

são completadas pelo conteúdo dos programas apresentados, na configuração da

televisão como ideologia. As mensagens transmitidas têm vários níveis de

complexidade e de profundidade, basicamente apoiadas sobre um esquema padrão

de histórias que contém um romance entre um belo casal, um vilão, e um herói que

vai vencê-lo, pessoas pobres e ricas que, invariavelmente, segundo suas qualidades

‘individuais’ - seu valor de caráter, sua firmeza moral - vão se dar bem ou mal. (MAIA,

2000). Para Adorno (1969, p.77) os programas de televisão “apresentam ao

espectador vários estratos psicologicamente superpostos, que reciprocamente se

influenciam, para obter uma meta única e racional para o promotor: o acréscimo do

conformismo no espectador e o fortalecimento do status quo”.

Além disso, o sujeito é ainda impelido sempre para sua interioridade; o que quer que aconteça é sempre algo ‘individual’, algo que a psicologia ingênua não se cansa de reforçar. Se a possibilidade de transformações sociais significativas está vinculada a ações coletivas, o mundo das mercadorias está bem cuidado, pois os indivíduos mal são capazes de se comunicar, e aquilo que comunicam, na maioria das vezes, já é pré-moldado, é mera repetição dos padrões ideológicos que incorporaram em sua formação, principalmente, por meio da indústria cultural. (MAIA, 2000)

Esta, em seu conjunto, funciona substituindo a função que Freud atribuía ao

ego quanto este ainda possuía alguma autonomia: os mecanismos de defesa. A

racionalização da vida irracional, a fuga à realidade refugiando-se num mundo ilusório,

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a oportunidade de amar compulsivamente aquilo que se odeia, entre outras formas de

‘defesa’, são realizadas com o auxílio da indústria cultural, em especial, da televisão.

Em suma, um enfraquecimento do ego que se torna incapaz de cumprir

adequadamente suas funções, de um modo que vai muito além daquilo que Freud

havia imaginado, já que, segundo Adorno (1993): “a doença própria de nossa época

consiste precisamente no que é normal” (p.50). Se para o grande psicólogo a

possibilidade de contato com a realidade, a experiência, estaria submetida às leis da

dinâmica da personalidade e esta teria como principal instância o inconsciente,

atualmente a própria personalidade é constituída de modo a parecer a-histórica e

nesse ‘véu’ ideológico é mantida, violentamente, pela sociedade que incorporou a si

mesma a esfera da cultura e as contradições que apontavam para algo melhor que o

existente. (MAIA, 2000).

Mas se não é o ego individual que realiza o recalcamento dessas

representações e experiências, que são oferecidas em massa, é este mesmo ego

individual que deve se adaptar a essa nova situação, o que leva a crer que o discurso

ideológico não tem uma qualidade inconsciente, em termos freudianos. Segundo

Adorno (1969):

No lugar de fazer a honra ao inconsciente, de elevá-lo à consciência satisfazendo assim seu impulso e suprimindo sua força destrutiva, a indústria cultural, principalmente recorrendo à televisão, reduz ainda mais os homens a um comportamento inconsciente, enquanto põe em claro as condições de uma existência que ameaça com sofrimento a quem a considera, enquanto promete prêmios a quem a idolatra. A paralisia não somente não é curada, mas é reforçada. (p.77)

Mas o próprio Adorno (1994) ao discutir a música popular, aponta uma questão

que parece ser fundamental:

É óbvio que esses componentes não aparecem na consciência como ocorre na análise. Assim como a divergência entre a ilusão da propriedade privada e a realidade da propriedade pública é muito ampla (...) não se pode encarar tais ocorrências como sendo também totalmente inconscientes. Provavelmente é correto presumir que a maioria dos ouvintes, a fim de obedecer ao que eles encaram como desejos sociais e provar sua ‘cidadania’, ‘juntam-se’ semi-humoristicamente à conspiração (...) suprimindo a chegada à consciência do mecanismo operacional, mediante a insistência, diante de si e dos outros, no sentido de que a coisa toda, de qualquer modo, é apenas uma brincadeira bem limpa. (p.135)

O questionamento da distinção entre consciente e inconsciente tem seu nó na

seguinte questão: atualmente a ideologia, por convergir com a ordem social, tornou-

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59

se por demais visível. A não autonomia do espírito, do indivíduo, se afirmada

irrefletidamente, é também ideológica pois é o próprio sujeito que se envolve

‘conscientemente’ com os produtos ideológicos oferecidos pela indústria cultural. A

mera afirmação de que a atuação dos sujeitos se faz de modo puramente inconsciente

retira deles não só toda a responsabilidade sobre suas ações, mas coloca a situação

de um modo que anula toda negatividade, toda possibilidade de superação das

condições dadas, que depende das atuações individuais. A vontade mobilizada

conscientemente para manter o autoengano poderia ser mobilizada em outra direção,

em direção à consciência. (MAIA, 2000).

Se, evidentemente, a crítica à indústria cultural é urgente e fundamental, é

preciso um cuidado também fundamental ao fazê-la, pois, segundo Maar (1998): “A

indústria cultural oriunda do processo valorativo da produção capitalista tardia produz

um objeto que conduz sua crítica ao abismo” (p.45). Isso porque a crítica somente é

efetiva se voltada às relações materiais de produção e ao trabalho social, que são as

condições básicas do fetiche que se reproduz na esfera do que um dia foi chamado

de cultura.

Por outro lado, a possibilidade de crítica ao modo de produção implica uma

‘duplicação’, uma saída da realidade unidimensional que tem como ponto de apoio a

teoria - evidentemente uma teoria social -, mas que também pode ter como ponto de

apoio complementar uma realidade - no sentido de uma obra, de uma proposta –

estética; isto não significa projetar uma utopia no sentido de algo para além do

existente, mas observar no existente suas melhores possibilidades, as brechas que

apontam para algo melhor. Apesar das antinomias de uma arte que, tentando se

manter fiel às suas próprias exigências intrínsecas, está mergulhada em uma

realidade heterônoma, o elogio de Adorno a Schönberg, suas análises da música

popular, da regressão da audição, da televisão, do horóscopo e dos ocultismos nos

periódicos etc, demonstram que a crítica à indústria cultural, quando aponta, a partir

dela para além dela, é crucial. (MAIA, 2000).

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60

7 MOVIMENTOS DA ARTE MODERNA E DAS VANGUARDAS

7.1 Vanguardas europeias

Segundo Jana Cândida Castro dos Santos (2019), o início do século XX, após

a Revolução Industrial, é marcado por grandes mudanças culturais e científicas, no

qual se questionam a física clássica, mecanicista e determinada característica dos

períodos anteriores — século XVIII e XIX. Alonso Pereira (2010) nos revela que neste

momento, dados a Teoria da Relatividade de Einstein e o princípio de indeterminação

de Heisenberg, assim como a nova decomposição atômica dos corpos e a crise das

geometrias euclidianas, a sensação de progresso — própria do século XIX — se vê

abalada, abrindo caminho para uma nova etapa cultural.

No campo arquitetônico, por exemplo, as vanguardas artísticas e os

experimentalismos dos anos seguintes à Primeira Guerra Mundial trazem as principais

contribuições. Os resultados dos experimentalismos são, de forma geral, os “[...]

processos envolvidos na decomposição do volume arquitetônico e no reconhecimento

da importância da normatização e da mecanização no desenho dos ambientes

construídos” (ALONSO PEREIRA, 2010, p. 227).

Na sequência apresentamos um pouco de cada um dos principais movimentos,

suas características e contribuições culturais e artísticas.

Fonte: https://guiadoestudante.abril.com.br/

Page 61: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

61

Impressionismo

A revolução industrial e científica teve grande impacto em toda a cultura

ocidental, e, assim como na arquitetura, trouxe impactos no campo artístico, em

especial à pintura. A invenção da máquina fotográfica e a consequente reprodução

instantânea da realidade induziram a uma redefinição no campo da pintura. Frente à

invenção da fotografia, as pinturas não podiam se colocar somente como uma

reprodução realista. Neste contexto, a partir de 1874, surgem artistas com direção à

vanguarda, para “[...] redescobrir a essência da pintura negando alguns de seus

fundamentos convencionais e tentando reafirmar sua essência” (ALONSO PEREIRA,

2010, p. 227) — são os chamados impressionistas.

Os artistas impressionistas buscaram a elaboração de uma pintura que

transmitisse a impressão visual momentânea e flagrante através do trabalho com luz,

cor e forma, ao diluir os contornos e eliminar os tons sombrios. Segundo Mattos (2003,

p. 60), no Impressionismo os artistas “aplicaram o conceito da mistura óptica das

cores, desenvolveram o gosto pelos tons claros e a aversão à cor preta, trabalharam

com contrastes de cores e acabaram com o delineamento das formas, deixando as

marcas do pincel expressas na tela”.

Entre os artistas do Impressionismo, se destacou Claude Monet (1840–1926)

ao retratar a fachada da catedral de Rouen, em mais de trinta interpretações; ou na

série de Ninfas, onde registrou os efeitos variantes da luz refletida no tanque com

plantas aquáticas em seu jardim. Na figura a seguir, vemos uma tela de Monet.

Fonte: https://super.abril.com.br/

Page 62: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

62

Para captarem as imagens passageiras, os pintores impressionistas

trabalhavam com rápidas pinceladas, tornando muitas vezes a imagem de difícil

visualização. No entanto, com o tempo, o público percebeu que para entender um

quadro impressionista dever-se-ia observá-lo de longe. Além da França, o

Impressionismo repercutiu em toda a Europa, em terras americanas e brasileiras, mas

sempre em busca de “[...] romper com a imagem de ateliê e com os limites do

desenho” (MATTOS, 2003, p. 61).

Mais do que captar a realidade, buscava-se expressar as múltiplas realidades

criadas pela luz e reflexos dos corpos que apareciam ao contemplá-las, ou seja, para

os artistas impressionistas a luz era a principal preocupação. (SANTOS, 2019).

Pós-Impressionismo

O Pós-impressionismo é considerado um movimento de transição, onde os

artistas considerados pós-impressionistas partiram dos princípios impressionistas,

mas aprofundando-se em direção às pesquisas cromáticas e de composição,

buscando novas representações. Desse modo, segundo Alonso Pereira (2010, p.

228), os artistas “[...] decidem empregar a técnica da divisão de tom e, por meio de

pinceladas soltas criadoras de vibrações cromáticas, se voltam mais à cor do que à

luz”.

Paul Cézanne (1839–1906) se destaca ao empenhar seus esforços na

recuperação do valor das formas primárias em relação à cor ou à luz – sendo suas

pesquisas fundamentais para o desenvolvimento do Cubismo. Para Cézanne, a

natureza poderia ser vista conforme suas formas básicas (formas geométricas de

cones, esferas e cilindros). No entanto a cor reaparece na obra poderosa de Paul

Gauguin (1848–1903). Segundo Mattos (2003, p. 62), Gauguin “[...] buscou a

simplificação das formas e das cores e seus estudos resultaram no Fauvismo”, como

podemos notar no retrato de adolescentes taitianas conforme a figura abaixo.

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Fonte: https://santhatela.com.br/

Tem destaque também a obra de Vincent Van Gogh (1853–1890), que através

de sua arte buscou expressar seu estado emocional e abriu caminho para o

desenvolvimento do Expressionismo. (SANTOS, 2019). Na figura abaixo vemos sua

tela “Campo de Trigo com Ciprestes”, de 1989.

Fonte: https://br.pinterest.com/

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Pontilhismo

Por volta de 1884, surge o Pontilhismo — também conhecido como

Divisionismo —, como uma reação ao Impressionismo, a partir de pequenas manchas

ou pontos, próximos uns dos outros, com predominância de aplicação de cores puras.

Como principal artista e pioneiro temos Georges-Pierre Seurat (1859–1891), um pintor

francês que partiu da pesquisa científica da composição da imagem e das cores.

Segundo Mattos (2003), Seurat realizou diversos estudos para sua composição,

alterando a dimensão dos pontos até chegar ao objeto pretendido. Para isso,

simplificava as formas humanas e dos vegetais em estruturas geométricas. Na figura

a seguir, podemos ver uma de suas obras.

Fonte: https://www.historiadasartes.com/

Expressionismo

O Expressionismo, por sua vez, foi um movimento artístico que surgiu no início

do século XX, na Alemanha, e propunha “[...] a arte como a expressão do mundo

interior do artista” (MATTOS, 2003, p. 63), e assim buscava a expressividade, mesmo

que fosse necessário distorcer as figuras representadas. Segundo Proença (2009, p.

251), o movimento procurou “[...] expressar as emoções humanas e interpretar as

angústias que caracterizaram psicologicamente o homem do início do século”.

Page 65: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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As obras expressionistas pautaram-se no uso de cores fortes e contornos

abruptos, marcadas por uma atmosfera densa, beirando o irreal. Os expressionistas

acreditavam na sinceridade de suas obras, mesmo que se distanciasse da beleza, e

fugiam das regras tradicionais em relação a composição, regularidade da forma e

harmonia das cores (SANTOS, 2019). Destacam-se os trabalhos do pintor norueguês

Edvard Munch (1853–1944), do pintor belga James Ensor (1860–1949) e do pintor e

escritor austríaco Oskar Koloschka (1886–1980). É importante ressaltar o trabalho dos

muralistas mexicanos Siqueiros, Orozco e Rivera, abordando os problemas sociais de

sua terra (MATTOS, 2003). Na figura abaixo, vemos a famosa obra “O Grito”, de

Edvard Munch.

O Expressionismo, com seu clima melancólico e inquietante, historicamente é

considerado o primeiro grande movimento da pintura moderna — ora abandonado ora

retomado muitas vezes ao longo de todo o século XX (PROENÇA, 2009).

Fonte: https://www.todamateria.com.br/

Fauvismo

O Fauvismo teve origem em Paris em 1905, buscando a simplicidade em suas

composições, nas quais poucos e simples elementos estruturavam os rostos e objetos

a serem representados. As figuras eram apenas sugeridas e não representadas de

Page 66: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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forma realista pelo pintor (PROENÇA, 2009). As obras fauvistas são marcadas por

cores intensas (a partir do uso de cores puras) e harmonias audaciosas. De acordo

com Mattos (2003), a cor era utilizada para determinar o espaço, enquanto que para

expressar as “sensações” utilizava-se a estilização das formas. O Fauvismo pode ser

considerado como fundamental para a consolidação do Abstracionismo. São artistas

importantes do movimento Henri Matisse (1869–1954) e Maurice de Vlaminck (1876–

1958). Na figura abaixo a pintura “Natureza-morta” de Henri Matisse.

Fonte: Natureza morta com peixes vermelhos... (2015, documento on-line)

Cubismo

O Cubismo se desenvolveu em Paris, por volta de 1907, buscando reformular

a representação dos objetos que passam a ser vistos sobre vários ângulos. Os artistas

adeptos ao movimento interessavam-se pela obra de Cézanne, que entendia que a

“[...] pintura deveria tratar as formas da natureza como se fossem cones, esferas e

cilindros” (PROENÇA, 2009, p. 254). No Cubismo os objetos são representados como

se o artista se movimentasse e com isso fosse capaz de captar todas suas faces de

uma só vez. As composições cubistas se fundamentavam na estrutura do objeto

representado, de modo a simplificar sua natureza visual. (SANTOS, 2019).

Os artistas cubistas trabalhavam com poucas cores, entre elas cinza, preto e

alguns tons de marrom e ocre, pois para eles o mais importante era a escolha do tema

Page 67: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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e a apresentação de todos os seus lados simultaneamente, como revela Proença

(2009). O movimento ficou marcado pela fragmentação e justaposição de figuras

geometrizadas. São destaques os artistas: Pablo Picasso (1881–1973), Georges

Braque (1882–1963) e Jules-Fernand-Henri Léger (1881–1955). Na figura a seguir,

vemos uma obra de Pablo Picasso.

Fonte: https://www.moma.org/

Abstracionismo

O Abstracionismo buscou a essência da imagem, se libertando de todas as

convenções representativas. No lugar da imitação, surge “[...] a expressão dos

sentimentos, através de cores e linhas e os temas desaparecem, importante apenas

os efeitos de tons e formas” (MATTOS, 2003, p. 65). Entre os principais artistas

abstratos estão Wassily Kandinsky (1866–1944) — partindo das propostas do

Expressionismo —, Kazimir Severinovich Malevich (1879–1935) — partindo da

simplificação do Fauvismo — e Piet Mondrian (1872–1944) — partindo da

geometrização proposta pelo Cubismo. A Figura abaixo mostra uma pintura de

Kazimir Malevich.

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Fonte: Suprematism... (2007).

Futurismo

Esse movimento tem seu início em meados de 1910, marcado por um texto

literário do escritor italiano Felippo Marinetti. Denominado de Manifesto Futurista, o

texto expunha propostas para o novo estilo. A partir disso, tornou-se comum um texto

literário para acompanhar as manifestações artísticas e suas definições. O Futurismo

condenava a devoção aos grandes mestres e elementos do passado, evidenciando

apenas o presente. Segundo Mattos (2003, p. 63), os futuristas exaltavam “[...] a

máquina e as realizações da ciência moderna, através do dinamismo nas telas”. Para

representar a realidade dinâmica, utilizavam cores vivas e formas que evocassem o

movimento. Destacam-se os artistas Carlo Carrà (1881–1966), Umberto Boccioni

(1882–1916), Giacomo Balla (1871–1958) e Luigi Russolo (1885–1947). Na figura a

seguir, temos um exemplo de obra futurista, de Umberto Boccioni.

Vemos que as diferentes vanguardas aconteceram em um período

relativamente curto, em meio a um contexto marcado por progressos industriais,

grandes conflitos políticos e intensas mudanças sociais. Os experimentalismos nas

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69

artes, nas pinturas, esculturas e outras, abre caminho para uma nova forma de se

expressar frente às adversidades vividas pelo homem do início do século XX.

Essas mudanças nas artes plásticas desencadearam uma nova fase na

arquitetura, abrindo caminho para o Movimento Moderno. As tendências artísticas,

marcadas por “[...] formas abstratas e integração entre espaço, movimento, luz e até

mesmo o som”, se refletiram nas experiências arquitetônicas (PROENÇA, 2009, p.

276).

Fonte: https://pt.wahooart.com/

De acordo com Proença (2009, p. 276), “[...] os novos materiais produzidos

pelas indústrias, como o ferro, o vidro, o cimento e o alumínio” contribuíram de forma

relevante para o nascimento da arquitetura moderna, permitindo “[...] a criação de

novas formas arquitetônicas que, no período anterior à industrialização, só podiam ser

imaginadas”. Neste contexto se destaca, por exemplo, o movimento De Stijl.

O De Stijl

As origens do movimento holandês De Stijl remontam às obras do pintor Piet

Mondrian (1872–1944) e do arquiteto H. P. Berlage (também comentado no

Expressionismo holandês). O movimento possuiu duas fases, ambas coordenadas por

Page 70: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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Theo Van Doesburg — pintor, projetista, tipógrafo, crítico, escritor e um dos grandes

expoentes do De Stijl. Os projetos de De Stijl são marcados pela ultrarracionalidade e

por serem abstratos e mecânicos, diferentemente dos expressionistas holandeses,

que tendiam ao figurativismo, sintonizados com o meio artesanal de produzir

edificações (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011). Entre as produções do

movimento podemos citar duas que se destacam — a Cadeira Vermelha e Azul e a

Casa Schröder (1924), ambos projetados pelo arquiteto e desenhista de móveis

holandês, Gerrit Rietveld. As obras apresentam-se abstratas e com caráter tecnicista,

marcadas por linhas e planos horizontais e verticais, com uso de cores primárias,

como constatamos na figura abaixo.

Fonte: Rcoutinho5 (2018).

7.2 Modernidade e vanguarda artística na América Latina

De acordo com Caroline Silveira Bauer (2020), as transformações econômicas,

políticas e sociais características do final do século XIX e início do século XX,

decorrentes de fenômenos como a industrialização, as reformas urbanas e o aumento

populacional, criaram novos padrões de sociabilidade e de vida para os habitantes de

capitais como Buenos Aires, Cidade do México, Lima, Santiago e Rio de Janeiro.

Alguns autores falam em modernidade e modernização, processos que também

influenciaram a produção cultural do período. O “mundo moderno” na América Latina

deu origem às chamadas vanguardas artísticas latino-americanas.

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O surgimento das vanguardas artísticas na América Latina ocorreu em um

período chamado por muitos autores de modernização. Segundo Gustavo Beyhaut e

Hélène Beyhaut (1985), devemos considerar “modernização” como um desejo de

mudança, que se materializou em certos aspectos, característica de amplos setores

da sociedade, não somente de grupos artísticos ou intelectuais isolados.

Assim, como estilo de vida, a modernização difere de tendências

comportamentais anteriores, que procuravam imitar estilos europeus. Esse processo

caracterizou-se por costumes, hábitos, ideias e valores provenientes de uma seleção

de referências europeias, mas adaptando-as à realidade latino-americana. (BAUER,

2020). Da mesma forma, a modernização não seria um movimento apenas dos altos

estratos da sociedade, atingindo também setores médios e até mesmo grupos

subalternos, uma possibilidade criada pela urbanização, com um maior acesso à

economia monetária, com novos meios de comunicação de massa e, assim, com a

difusão de novas atitudes (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985).

Por último, devemos ressaltar que a modernização pode ser compreendida

como um movimento crítico dos padrões culturais vigentes, apresentando alternativas

de renovação das artes plásticas, da literatura e da música. (BAUER, 2020).

Fonte: https://laart.art.br/

Isso não significa que devemos entender a modernidade, ou até mesmo o

modernismo cultural latino-americano no singular, como um evento único. Como bem

lembram McMahon e Giraud (2018, documento on-line), “[...] o conceito de

modernidade, na esteira de suas variações europeias reveladas às vésperas do

Page 72: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

72

século XX — tecnológicas, políticas, artísticas —, está, da mesma forma, marcado

pela disparidade das experiências nos locais e nos espaços das Américas”.

Do ponto de vista econômico, essa nova realidade é caracterizada pelo

crescimento do mercado interno, com tentativas de substituição de importações,

mediante o desenvolvimento da indústria. Essas transformações econômicas

ocorreram paralelamente às mudanças sociais, com novos postos de emprego e

trabalho e surgimento de grupos empresariais, industriais, proletários e classes

médias, de maneira geral.

O contexto global no qual se desenvolveu o processo das vanguardas estéticas latino-americanas foi marcado por alguns fatos significativos: a Revolução Mexicana, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, a crise econômica mundial, no bojo da quebra da Bolsa de Nova York, de 1929, e o início da Segunda Guerra Mundial. Discuti-las requer estabelecer diálogo entre os acontecimentos políticos e culturais na Europa e América e as mudanças de ordens social, econômica, política e comportamental, engendradas a partir destes fatos (MOTTA, 2016, documento on-line).

As vanguardas latino-americanas são caracterizadas por diferentes escolas ou

movimentos. Em vários países da América Latina, surgiram vanguardas artísticas,

englobando diferentes manifestações, todas em combate por novas manifestações

culturais motivadas pelas mudanças econômicas, políticas e sociais. (MCMAHON;

GIRAUD, 2018).

O que foram as vanguardas? No sentido cultural, de acordo com Romilda Motta

(2016, documento on-line), o conceito foi aplicado “[...] para definir movimentos

estéticos que ganharam notoriedade na Europa e que tinham entre as propostas a

ruptura, o questionamento dos cânones da Academia, a revisão dos sentidos e

apropriações da arte”. Se o termo vanguarda se tornou comum nos países hispânicos,

no Brasil esse movimento ficou conhecido como modernismo.

Page 73: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

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Segundo Motta (2016, documento on-line):

[...] nas décadas iniciais do século XX o fenômeno das vanguardas artísticas ganhou dimensões continentais atingindo distintos países e grupos, ainda que não homogêneos nem com a mesma intensidade e/ou características. Caracterizou-se por um caráter multidisciplinar, pois as produções do período deixaram marcas na literatura, pintura, escultura, arquitetura, música. Há que se considerar uma imensa diversidade de nomes, lugares, realidades, linguagens e tendências envolvidas. Em nenhum momento as propostas, perspectivas e nomes apresentaram natureza compacta nem um sistema coeso.

Do ponto de vista literário, nesse período surgiu um público leitor que estimulou

o tratamento de certos temas diferentes daqueles que predominavam nas obras

procedentes do exterior, principalmente a bibliografia francesa. Assim, ampliou-se o

mercado editorial em espanhol e em português. Difundiram-se obras de poetas latino-

americanos, como Cesar Vallejo (Peru), Pablo Neruda (Chile) e Nicolás Guillén

(Cuba). Da mesma forma, houve uma proliferação de romances, que pretendiam dar

a conhecer a sociedade latino-americana, suas características e seus problemas.

Podemos citar Mariano Azuela e Carlos Fuentes (México), Alejo Carpentier (Cuba),

José Eustasio Rivera (Colômbia), Rómulo Gallegos (Venezuela), Jorge Icaza

(Equador), Roa Basolltos (Peru), Miguel Angel Asturias (Guatemala), Jorge Luis

Borges, Julio Cortázar, Beatriz Guido, Ernesto Sábato, Juan Carlos Onetti (Argentina)

e, no Brasil, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Armado, entre outros. Esses

autores assemelham-se por uma narrativa que permite conhecer mais os problemas

e as realidades desses países. (BAUER, 2020).

Houve também um florescimento de ensaios e do teatro. De acordo com

Capelato (2005, documento on-line),

[...] na literatura, o primeiro modernismo correspondeu ao momento em que os artistas procuraram superar o realismo/naturalismo, o romantismo e as representações humanistas, incorporando um estilo, uma técnica e uma forma capazes de expressar uma busca interior profunda.

Nas artes plásticas e na música, apareceram algumas características

apresentadas anteriormente. Em toda a América Latina, surgiram escolas e

tendências inspiradas em escolas europeias, mas com adaptações às realidades

locais (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985).

Caracterizou-se por uma busca de construção da identidade nacional que levou os artistas intelectuais ao encontro das tradições e raízes nacionais. Refiro-me aos ‘artistas intelectuais’, porque os modernistas dos anos 1920

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abriram um amplo debate de ideias sobre a natureza da arte e sua relação com a nacionalidade. Além da produção artística, escreveram manifestos, criaram revistas, tiveram ampla participação na grande imprensa e se preocuparam em refletir sobre a sua sociedade, os impasses e possibilidades de mudança com ênfase no campo cultural (CAPELATO, 2005, documento on-line).

Podemos citar ainda o muralismo mexicano, surgido quando o governo

mexicano fez a primeira encomenda de um mural a Diego Rivera em 1921. Rivera,

José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros pintaram murais com temáticas

indígenas e sociais, e todos se envolveram em polêmicas, lançamentos de manifestos

e outras formas de militância política (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985).

Fonte: https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/

Na pintura, também destacamos o nome de Rufino Tamayo (México), Wifredo

Lam, Amelia Peláez, Cundo Bermúdez, Mario Carreño e Martínez Pedro (Cuba),

Cândido Portinari e Tarsila do Amaral (Brasil), Pedro Figari e Joaquin Torres Garcia

(Uruguai), Emilio Pettoruti (Argentina) e Oswaldo Guayasamín (Equador) (Figura 1)

(BEYHAUT; BEYHAUT, 1985).

Para Capelato (2005, documento on-line):

[...] o pintor uruguaio Torres-García, em uma de suas obras [...] virou o mapa da América do Sul de ponta cabeça [Figura 2] e com relação a essa imagem, afirmou: “Nós temos ideia da nossa verdadeira posição, nos vemos não como o resto do mundo gostaria de nos ver”. A obra expressa não apenas o desejo

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de definir uma identidade própria, rompendo com a tradicional dependência do sul em relação ao norte, mas também o dilema de muitos artistas latino-americanos relacionados à seguinte questão: como produzir uma arte não colonizada.

Fonte: https://br.pinterest.com/

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Na arquitetura, são dignos de destaque: Oscar Niemeyer e Lucio Costa (Brasil),

José Vilagrán García (México), Sérgio Larrain (Chile). Na música, tivemos Heitor Villa-

Lobos (Brasil), Carlos Chávez e Silvestre Revueltas (México), Alberto Ginastera

(Argentina) (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985).

Como transformações culturais impulsionadas pela modernização, podemos

citar ainda as revistas literárias, os cafés, as associações, os cineclubes, grupos

teatrais, oficinas artesanais (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985). Quanto à dança, a relação

com o corpo mudou significativamente a partir das vanguardas:

O retorno às artes tribais e ao psiquismo primitivo opõe o mecanismo da modernidade aos movimentos do corpo, no que esses têm de intuitivo ou natural. A modernidade do corpo estaria, então, relacionada com seu potencial expressivo e significante, em uma relação de contato ou de comunhão com seu ambiente. A inteiração com o solo garantiria a autenticidade da criação, ao mesmo tempo em que faria surgir cenários da história americana, como em algumas coreografias dos anos 30. Assim, a ruptura com a tradição acadêmica europeia passa pelo mito de uma volta às origens (MCMAHON; GIRAUD, 2018, documento on-line).

Dessa forma, podemos caracterizar as vanguardas artísticas latino-americanas

como um movimento heterogêneo, que não possuía um programa único, mas se

caracterizava por diferenças estéticas, ideológicas e políticas. A pluralidade também

pode ser observada nas modalidades artísticas, que foram da arquitetura à literatura,

passando pelas artes plásticas e pela música. Assim, as vanguardas eram múltiplas,

com distintas percepções de acordo com o pertencimento geográfico ou nacional

geracional, além das outras diferenças apontadas (BAUER, 2020).

7.3 A Semana de Arte Moderna no Brasil

A década de 1920 no Brasil foi um período de grande efervescência política e

social. Em 1922, houve a primeira revolta dos tenentes, foi criado o Partido Comunista

do Brasil (PCB) e celebrou-se o centenário da independência do Brasil. Paralelamente

a esses eventos, ocorreu em São Paulo a chamada Semana de Arte Moderna, que

representaria uma ruptura em relação às manifestações artísticas e culturais

dominantes no país.

A Semana ocorreu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, no auditório do

Teatro Municipal de São Paulo. Capelato (2005, documento on-line) narra como se

deu a organização do evento:

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O escritor e diplomata Graça Aranha, que morou na Europa entre 1900 e 1921, foi o seu promotor. Ele convivera com a agitação intelectual e artística do período e incorporara concepções estéticas do “espírito moderno”. Quando voltou ao Brasil em 1921, trouxe a notícia do Congrès de l’Esprit Moderne, que seria realizado na Europa por iniciativa dos dadaístas e puristas em 1922. O evento não aconteceu, mas inspirou a organização da Semana de Arte Moderna paulista programada para comemorar o centenário da independência.

Seu objetivo era divulgar um movimento de renovação da arte e de recuperação

da temática nativista. Naqueles dias, arquitetos, artistas plásticos, escultores,

intelectuais, literatos e músicos realizaram encontros artísticos, literários e musicais,

além da exposição no saguão.

Mas por que a Semana de Arte Moderna ocorreu em São Paulo? A historiadora

Maria Helena Capelato (2005, documento on-line) nos ajuda a encontrar uma resposta

para a realização desse evento na capital paulista:

O significativo desenvolvimento cafeeiro ocorrido em São Paulo, entre o final do século XIX e as primeiras décadas do XX incentivou o progresso material do estado que indiretamente favoreceu o desenvolvimento industrial e a urbanização acelerada. Nesse contexto, a cidade de São Paulo se projetou como grande centro urbano, no qual conviviam ex-escravos e imigrantes estrangeiros mal assimilados às novas condições da vida urbana e fabril. O conflito urbano não tardou a se manifestar nesse espaço de identidades mutantes. Os políticos responsáveis pela chamada “Velha República”, segundo seus críticos, não conseguiam solucionar os problemas políticos e sociais, e eram impermeáveis aos sinais dos novos tempos, estando mal integrados no cenário da modernização contemporânea.

A Semana impactou significativamente o público, que rechaçou muitas das

obras, consideradas ousadas demais para a realidade brasileira e para os hábitos da

elite consumidora de arte no Brasil. Capelato (2005, documento on-line) afirma que a

Semana de Arte Moderna de 1922 foi considerada um divisor de águas na cultura e

nas artes do continente latino-americano:

Considerada marco do modernismo latino-americano, ela contribuiu para o desenvolvimento de pesquisas formais e de uma nova linguagem artística em relação a várias artes. A partir dessa experiência, surgiram, em todos os cantos do Brasil, revistas culturais; algumas delas lançaram manifestos que exaltaram a integração do país no mundo da técnica e da mecânica.

Do ponto de vista do conteúdo, houve uma mescla de tendências das

vanguardas europeias com temas nativistas, buscando as raízes culturais brasileiras.

A partir da Semana, os então chamados modernistas brasileiros demonstraram que

sua arte se opunha ao romantismo e ao parnasianismo, considerados conservadores

Page 78: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

78

e ultrapassados, e, de maneira geral, rechaçavam as tendências artísticas do século

XIX.

Artistas ligados ao movimento modernista brasileiro tiveram grande contato

com representantes das vanguardas europeias. Este foi o caso, por exemplo, de

Tarsila do Amaral, uma das mais expressivas representantes do modernismo no Brasil

dos anos 1920. A artista não participou da Semana de Arte Moderna de 1922 porque

estava na Europa, mas quando voltou ao Brasil, junto com o literato Oswald de

Andrade, integrou-se no movimento modernista. O casal teve uma participação

decisiva na renovação cultural brasileira (CAPELATO, 2005, documento on-line).

Fonte: https://vejasp.abril.com.br/

Após a realização da Semana, diversos grupos lançaram manifestos, como o

Pau-Brasil, a Antropofagia, o Verde-Amarelismo, e publicações, como a revista

Klaxon: mensário de arte moderna, lançada em maio de 1922. Não havia uma

unicidade entre os integrantes dos diferentes grupos, que muitas vezes até se

opunham politicamente.

Apenas para exemplificar a diversidade de nomes e contrastes de perspectivas,

pensemos no “mosaico” que foi o Modernismo Brasileiro. Ele reuniu num mesmo

Page 79: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

79

movimento, em sua fase inicial, figuras como Oswald de Andrade, caracterizado pela

irreverência, provocações e radicalidade discursiva — especialmente após aproximar-

se do Partido Comunista, no fim dos anos 1920 — e, ao mesmo tempo, Plínio Salgado

– este um nacionalismo conservador, que não omitia suas simpatias por governantes

fascistas europeus (MOTTA, 2016, documento on-line).

Sobre o “Manifesto Antropofágico”, publicado na revista Antropofagia, Capelato

(2005, documento on-line) afirma que:

Propõe a descida antropofágica como um ato de consciência, sendo que o dilema entre o nacional e o cosmopolitismo se resolveria pelo contato com as revolucionárias técnicas da vanguarda europeia e a percepção da necessidade de reafirmar valores nacionais em linguagem moderna. [...] O Manifesto contém uma releitura da História do Brasil que começa com a deglutição do bispo Pero Fernandes Sardinha pelos índios Caetés de Alagoas. [...] O autor propôs a Revolução Caraíba, após a francesa, a russa e a surrealista, como a última das utopias. Esta seria a resposta ao colonizador europeu; o aforismo tupi or not tupi criado por ele como paródia da célebre dúvida hamletiana, expressa a ênfase na criação de uma nova forma de identidade nacional.

8 O IMPACTO DA COMUNICAÇÃO DE MASSA E DA RESPONSABILIDADE

TÉCNICA (FOTOGRAFIA E CINEMA) NA ARTE

Fonte: https://digartmedia.wordpress.com/

8.1 A fotografia e a arte

Fotografias são consideradas mais objetivas e confiáveis do que os desenhos e pinturas. A objetividade superior da câmera resultou da mecanização e da automação do registro das aparências visuais. Em função disso, mesmo quando a qualidade da resolução da foto não era tão alta quanto hoje, a fotografia sempre se constituiu em um signo dominantemente indexical. A luz refletida do objeto fotografado altera a química do filme a ser revelado, de

Page 80: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

80

modo que o negativo e sua revelação sejam, de fato, um reflexo direto do mundo externo. Há uma relação física, espacial e existencial entre a fotografia e o fotografado, entre o signo e seu objeto referencial. Não é por acaso que, muito rapidamente, a fotografia adquiriu um status privilegiado na sociedade, estando fadada a precipitar o declínio de uma arte até então dominante: a do retrato. Mas essa era apenas a ponta do iceberg. (SANTAELLA, 2008).

Walter Benjamin é considerado como sendo o primeiro grande estudioso das

facetas ocultas desse “iceberg”. Sua reflexão ficou marcada pela lucidez com que

dispensou os diagnósticos maniqueístas que costumam infestar os discursos ditos

críticos quando uma nova tecnologia é inventada.

Segundo Santaella (2008), “a reprodutibilidade, a replicação massificada por

meio de métodos maquinais de produção da imagem minou, de um só golpe, toda a

estrutura valorativa das ‘belas artes’”.

A industrialização marcou o início da era eletromecânica, provocando calorosos

debates entre artistas e críticos acerca do impacto da máquina sobre a arte. Alguns

críticos demonizaram a máquina, sendo rotulada de inimiga mortal das artes. Outros,

no entanto, lembraram que os artistas sempre usaram ferramentas de alguma espécie

e a máquina seria apenas uma ferramenta mais complexa. Afinal, a câmera obscura

já era utilizada há séculos para se produzir a pintura.

A rigor, o problema da fotografia encontrava-se resolvido desde o

Renascimento. Quando o código da representação da perspectiva artificialis

completou e corrigiu a câmera obscura,

faltava apenas descobrir um meio de fixar o reflexo luminoso projetado na parede interna da câmera obscura. A descoberta da sensibilidade à luz de alguns compostos de prata, no começo do século XIX, veio solucionar esse problema e representou o segundo grande passo decisivo na invenção da fotografia. (MACHADO, 1984, p.30).

Todavia a máquina fotográfica representou a substituição da habilidade

humana de pintar, o pincel do artista que fixa a imagem da câmera obscura, pela

mediação química do daguerreótipo e da película gelatinosa. Os efeitos dessa

substituição foram remarcáveis. Sobre isso, Santaella (2008) comenta que

os argumentos de Benjamin a esse respeito corriam na seguinte direção: a obra de arte tradicional tinha uma presença ou aura que advinha de sua autenticidade, de sua unicidade, de sua existência em um local geográfico. Embora a gravura e suas técnicas reprodutoras já fizessem parte do universo da arte, o advento da reprodutibilidade técnica maquinal foi sem precedentes. Seu impacto destruiu a aura da obra de arte, emancipando-a da tradição e dos rituais mágicos e religiosos.

Page 81: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

81

Na contramão da maioria dos críticos, Benjamin não se posicionou contra o

surgimento das tecnologias reprodutivas da imagem, argumentando que a invenção

da fotografia havia transformado a própria natureza da arte. Em meio ao debate sobre

o assunto, a questão levantada por Benjamin (1975, p.19-20) no seu ensaio sobre A

obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica foi inquietante: “Gastaram-se

vãs sutilezas a fim de se decidir se a fotografia era ou não arte, porém não se indagou

antes se essa própria invenção não transformaria o caráter geral da arte”.

Santaella (2008) lembra que após a Segunda Guerra Mundial as ideias de

Benjamin foram retomadas por alguns críticos importantes como André Malraux,

Edgar Wind e John Berger. Em seu livro Vozes do Silêncio, Malraux (1954) propôs

sua teoria do museu sem muros com os seguintes argumentos: (a) os museus

mudaram irreversivelmente o modo como a arte é experimentada; (b) as milhares de

reproduções fotográficas da arte constituem um “museu imaginário”, portanto, um

museu sem muros; (c) o museu imaginário dá continuidade ao museu físico,

disponibilizando ao indivíduo a arte de todos os tempos e todos os espaços.

(SANTAELLA, 2008).

Wind (1960), por sua vez, durante a conferência sobre “A mecanização da arte”,

desenvolveu a ideia de que a reprodução fotográfica da arte age retroativamente

sobre o modo como experienciamos diretamente as obras de arte. Por isso mesmo, o

receptor tem muitas vezes uma sensação de anticlímax quando vê uma obra pela

primeira vez, depois de tê-la visto repetidamente em variadas reproduções.

Em uma série sob o título de Modos de ver, preparada para a televisão, sob a

direção de Michael Dibb (BBC 2, 1972), Berger retomou as ideias de Benjamin,

colocando ênfase no potencial político, da nova situação resultante dos ambientes ou

linguagens da imagem (cf. WALKER, 1994, p.74).

Em suma, as preocupações e predições de que a fotografia provocaria a morte

da pintura ficaram longe de se realizar, pois, contrariando os críticos conservadores,

a fotografia trouxe novos estímulos para a pintura de maneiras variadas, pois a

fotografia transformou, antes de tudo, os nossos modos de ver. Ela trouxe para nós

possibilidades de visualização que seriam impossíveis a olho nu. Ela acabou por

revelar que nosso próprio olhar é também fruto de uma construção com potenciais e

limites definidos, uma construção dependente de pontos de vista física e culturalmente

instituídos, dependente da proximidade ou distância físicas e ideológicas que

Page 82: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

82

estabelecemos com os objetos percebidos. Podemos afirmar que, de certa forma, foi

a fotografia que acabou com o mito de que nosso olhar é algo natural e inocente.

A partir de 1839, a pintura passou a dialogar com a fotografia, e esse diálogo

continua até hoje. Os pioneiros da fotografia instantânea ou cronofotografia, Etienne-

Jules Marey e Eadweard Muybridge, exerceram uma profunda influência sobre os

artistas, desde o futurismo, especialmente Giacomo Baila, Mareei Duchamp e Kurt

Schwitters, até os cineastas de vanguarda de meados do século XX, como Hollis

Frampton e Stan Brakhage. Seurat, Degas e outros artistas encantaram-se com a

habilidade da câmera para capturar a sucessão do movimento em imagens fixas.

Quando propuseram uma estética mecanística, os futuristas estavam abraçando a

tecnologia fotográfica e aplicando-a em suas pinturas. (SANTAELLA, 2008).

A partir da invenção da fotografia, os pintores deixaram seus ateliês para flagrar

a vida cotidiana do mesmo modo que os fotógrafos. Segundo Virílio (1994, p. 52):

Ingres, Millet, Courbet e Delacroix serviram-se da fotografia como ponto de referência e de comparação. Os impressionistas - Monet, Cézanne, Renoir, Sisley - fizeram-se conhecer expondo no ateliê do fotógrafo Nadar e inspiraram-se nos trabalhos científicos de seu amigo Eugène Chevreul.

A fotografia e a arte nunca deixaram de manter sua autonomia relativa, mas

também nunca cessaram de manter relações de atração e repulsa, de incorporação e

rejeição. Se, durante o século XIX, era a fotografia que aspirava à condição da arte,

no século XX foi a arte que se impregnou de certas lógicas formais, conceituais,

perceptivas, ideológicas, entre outras, que são próprias do fotográfico.

Santaella (2008) lembra que com o dadaísmo e o surrealismo, surgiram as

fotomontagens, que funcionam como a atualização mais evidente da hibridização

entre a pintura e a fotografia, manifestas nas fotomontagens stricto sensu de denúncia

política, nas fotomontagens mais plásticas e líricas, e nos agrupamentos multimídia

de Kurt Schwitters e de George Grosz, mais cínicos e agressivos.

A utilização da fotografia pela arte foi assinalada pela arte pop, pois a

reprodução é o assunto central dessa arte realizada por meio do emprego sistemático

das técnicas da serigrafia, do fac-símile, do transporte fotográfico etc. A relação entre

a arte pop e a fotografia é privilegiada por não ser simplesmente utilitária, nem

estético-formal, mas quase ontológica.

Também do hiper-realismo a foto é constitutiva. O artista projeta um slide sobre

uma tela de grandes dimensões e nela pinta a imagem projetada, desmesuradamente

Page 83: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

83

aumentada, intensificando seus parâmetros, a cor, o grão, a luz, até colocar em relevo

um “mais além do real”. A pintura aspira ser mais fotográfica do que a própria

fotografia. (SANTAELLA, 2008).

Até mesmo na arte conceitual, ambiental, arte corporal, no happening e nas

artes performáticas, coloca-se a relação com a fotografia na função que esta

desempenha como meio de arquivagem, de suporte e de registro documentário. Essa

função é imprescindível porque, sem ela, a obra que se realiza em um tempo único,

que não se repete e, muitas vezes, inacessível, ficaria sem registro e sem memória.

Se no início a fotografia era utilizada apenas para a documentação de

acontecimentos ritualísticos e efêmeros, no decorrer do tempo, esses tipos de obras

passaram a apelar diretamente para as práticas fotográficas, que, de subsidiárias,

passaram a partes integrantes das obras. O gesto e o ato do artista passaram a ser

concebidos em função das características do dispositivo fotográfico. (SANTAELLA,

2008).

Nas instalações fotográficas e nas esculturas fotográficas, que se tornaram tão

proeminentes na arte contemporânea, o campo da arte e o campo da fotografia

tornam-se indiscerníveis. Além disso, foram os avanços nas técnicas de foto, filme e

vídeo, adotadas pelos artistas, que os levaram a criar o que passou a ser conhecido

como arte multimídia.

Concluímos esse tema afirmando que as obras de arte de modo geral convivem

atualmente com inúmeras imagens produzidas e reproduzidas com a ajuda de

máquinas. A enorme reprodução de imagens fotográficas foi tornando a fotografia o

meio mais dominante do século XX. A fotografia está efetivamente em todos os

lugares: nos jornais, nas capas e dentro das revistas, nos livros ilustrados, nos

cartazes, nos outdoors e agora nas telas da hipermídia em CD-Roms e na web.

8.2 Cinema e arte

Acredita-se que o desenvolvimento do cinema ocorreu por volta de 1890, nos

laboratórios do inventor norte-americano Thomas Edison por seu assistente William

K. L. Dickson. Cinco anos depois, em 1895, vários inventores, começando pelos

irmãos Lumière e Melies, inauguraram a história das imagens em movimento, que

teve início com o nome de cinematógrafo. Desde então, a arte do filme atraiu muitos

praticantes que trouxeram contribuições inestimáveis para o desenvolvimento dessa

Page 84: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

84

nova linguagem. Dentre aqueles que mais contribuíram, destacamos o norte-

americano D. W. Griffith, os franceses Louis Feuillade e Abel Gance, os alemães F.

W. Murnau e Fritz Lang, o sueco Victor Wjöström, o inglês Charles Chaplin e o russo

Sergei Eisenstein. (SANTAELLA, 2008).

Fonte: https://www.causaoperaria.org.br/

Dentre todos, Santaella (2008) afirma que Eisenstein é aquele que chama a

atenção pela interação dinâmica que promoveu entre arte, tecnologia e vida no

período vanguardista da União Soviética, de 1915 a 1932. Ele despontou como um

novo tipo de artista midiático, com formação em matemática, engenharia e arte, tendo

sido, por alguns anos durante sua juventude, o designer teatral do diretor vanguardista

V. Meyerhold. Promovendo ligações entre o construtivismo, o cubismo e a cultura

teatral e poética do Oriente, Eisenstein desenvolveu uma teoria e uma prática de

montagem cinematográfica que lhe permitiu manipular respostas emocionais por meio

de processos de justaposições tensas de imagens que a edição cinematográfica

possibilita. Dada sua formação na tecnologia da engenharia aliada à sua sensibilidade

estética, Eisenstein representa o paradigma perfeito do artista tecnológico

(MACHADO, 1982).

Santaella (2008) comenta algo muito significativo ocorrido na ocasião. Segundo

a autora,

Paralelamente a Eisenstein, a tradição do cinema de vanguarda francês, influenciada pelos escritos de Louis Delluc, buscava desenvolver o cinema puro, algo similar a poemas sinfônicos baseados em imagens, em oposição aos melodramas que dominavam a cinematografia americana e alemã da

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época. Alguns artistas visuais, de um lado, Man Ray e Fernand Léger, por exemplo, e cineastas como René Clair e Luis Bunuel, de outro, produziam filmes que utilizavam, no cinema, procedimentos provenientes das vanguardas estéticas, tais como arte abstrata, cubismo, colagem, surrealismo etc. Ao mesmo tempo, na Alemanha, a vanguarda cinematográfica manifestava-se no expressionismo. (SANTAELLA, 2008, p.34).

No início do século XX, a arte consolidava sua relação com a tecnologia

justamente por intermédio dos dois meios de comunicação, então proeminentes, a

fotografia e o cinema. No decorrer das décadas, o cinema passou a ser dominado

pelo padrão hollywoodiano comercial até dar, nos anos 1950, o ressurgimento do

cinema de vanguarda que instaurou, daí para a frente, uma tendência opositiva aos

estereótipos da cinematografia comercial, tendência essa desenvolvida pelo cinema

concebido como realidade estética.

Nessa época surgiram também teorias do cinema, algumas reivindicando a

especificidade de seu caráter artístico. Vem daí sua caracterização como sétima arte.

Aqui há de se ressaltar, especificamente, entretanto, o fato de que se trata de um tipo

de criação para a qual a entronização nos museus e galerias está, de saída e para

sempre, vedada. Por mais que se busque explorar seus aspectos puramente

estéticos, o cinema é uma arte industrial de massas e delas depende para o retorno

do alto investimento que sua produção implica.

Acerca de suas possibilidades estéticas, ainda que pouco exploradas, as

relações que o cinema construiu com a literatura são, até certo ponto, similares

àquelas que a pintura estabeleceu com a fotografia. Quando se menciona a relação

do cinema com a literatura, via de regra, essa relação é interpretada sob o ponto de

vista das adaptações fílmicas de obras literárias.

Segundo Santaella (2008), bem no início, a literatura sofreu a competição do

cinema quanto ao seu potencial para a construção ficcional. Reagindo a esse impacto,

a literatura criou rupturas no modo de contar, inventando temporalidades alineares e

espacializadas. Não demorou muito para que o cinema também experimentasse

novos tempos narrativos, fato que torna os filmes de Resnais, Antonioni, e de outros

cineastas, exemplares. A literatura, por seu lado, também foi incorporando sintaxes

elípticas que são próprias do cinema.

Em suma, por ser uma arte inseparável das invenções tecnológicas, as

transformações da linguagem cinematográfica sempre caminharam no mesmo ritmo

Page 86: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

86

com essas invenções que, no estado da arte atual, encontram-se na incorporação da

animação computacional tridimensional e no frenesi dos efeitos especiais.

9 MOVIMENTOS ARTÍSTICOS CONTEMPORÂNEOS: DO PÓS-GUERRA AO

INÍCIO DO SÉCULO XXI

A arte moderna, que se utilizava das vanguardas artísticas para explorar as

possibilidades dos materiais e das linguagens, chega ao limite com o Expressionismo

abstrato. Em seguida, surge a Pop Art, com foco na mecanização do fazer artístico

por meio de imagens advindas da cultura de massa. A partir de então, o cenário

artístico rompe com a busca frenética pelo novo e começa a utilizar os diferentes

períodos da história da arte como referência. (BATISTA, 2019).

Os processos mecânicos ganham espaço nas propostas da Pop Art, da Op Art

e principalmente do Minimalismo, que utiliza elementos industriais para construir

objetos que transpõem os limites entre pintura e escultura. Nesse contexto, o

entendimento tradicional e moderno sobre autoria e genialidade artística é refutado,

pois o artista não precisa mais construir o objeto; basta contratar uma pessoa

especializada e lhe apresentar o projeto a ser executado.

Neste capítulo, você vai ver como surgiu e se desenvolveu a arte pós- -moderna

e conhecer as suas reverberações no cenário artístico brasileiro. Tais reverberações

foram marcadas pela arte neoconcreta, que propunha a participação do público na

constituição da obra.

9.1 O desenvolvimento da arte pós-moderna

A segunda metade do século XX foi composta por uma série de eventos que

romperam com a ideia moderna de linearidade entre os movimentos artísticos. Além

das inovações tecnológicas que acarretaram a disseminação de informações com

certa rapidez, houve a consolidação das lutas políticas contra o racismo e em prol da

liberdade das mulheres. O mundo pós-guerra estava pronto para estabelecer uma

nova relação entre arte e vida ao romper com os limites da arte moderna.

Com o surgimento da Pop Art, nos anos 1960, ficou difícil continuar a

delimitação da produção artística a partir das ideias de evolução histórica da arte

Page 87: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

87

moderna. Afinal, Greenberg, o principal crítico modernista, havia se colocado contra o

novo estilo artístico. Para ele, tal estética rompia com os preceitos de originalidade e

expressividade da arte moderna. A Pop Art, por exemplo, apresentava réplicas de

objetos de consumo, como as caixas de sabão Brillo produzidas por Andy Warhol.

Esse trabalho mostrava que não seria mais possível distinguir a arte dos objetos

cotidianos e da realidade a partir da simples constatação visual. A ruptura com a ideia

de arte enquanto algo original é levada a novos caminhos por Mike Bidlo, que realiza

cópias de obras de diversos artistas, principalmente modernistas. Entre suas diversas

réplicas, encontra-se Not Warhol (Figura abaixo). Nesse trabalho, o artista reproduz

as Brillo Boxes de Warhol. As questões sobre originalidade e reprodutibilidade tornam-

se centrais nesse tipo de produção e refletem uma das dimensões de análise da Pós-

Modernidade: a confusão entre o real e a fantasia. (BATISTA, 2019).

Fonte: https://br.pinterest.com/

A partir da década de 1960, classificar os artistas se tornou uma tarefa

complicada, pois eles pareciam não seguir a estética de um movimento específico,

como era comum entre as vanguardas artísticas. A utilização da expressão “arte

Page 88: ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

88

contemporânea” também possuía suas falhas ao referir-se a toda obra produzida no

presente; afinal, em alguns casos, as obras davam continuidade aos preceitos

estéticos da arte moderna. Somente entre as décadas de 1970 e 1980 é que ficou

mais evidente a distinção entre a “arte moderna” e a “nova arte”, que pode ser

chamada de “pós-moderna”. Nesta, a:

[...] novidade não mais podia ser critério de julgamento pois a novidade ou a originalidade, como eram percebidas, não podiam ser alcançadas, podendo até mesmo se mostrar fraudulentas. Tudo já havia sido feito; o que restava era juntar fragmentos, combiná-los e recombiná-los (ARCHER, 2012, p. 156).

Na visão moderna, a arte era o seu próprio assunto e exploravam-se os limites

da representação e da materialidade artística. Nesse contexto, os artistas se

preocupavam “[...] com forma, superfície, pigmentos e coisas afins passíveis de definir

a pintura em sua pureza” (DANTO, 2006, p. 18). Já no período pós-moderno, ocorre

o questionamento dos limites da arte e a ruptura com a ideia de originalidade ou

genialidade artística. A arte pós-moderna é composta por artistas diversos, com

buscas individuais ou coletivas, mas sem a organização de manifestos artísticos. Veja:

A certa altura ficou claro que não mais se tinha um modo satisfatório de pensar, como ficou evidente pela necessidade de se inventar o termo “pós-moderno”. Esse termo em si mesmo denunciava a relativa fraqueza do termo “contemporâneo” como passível de comunicar um estilo. [...] Mas talvez o termo “pós-moderno” de fato pareceu [...] designar certo estilo que podemos aprender e reconhecer, do mesmo modo como aprendemos e reconhecemos exemplos do barroco ou do rococó (DANTO, 2006, p. 14).

O termo “contemporâneo” poderia comportar obras modernas e pós-modernas

que estavam sendo produzidas no mesmo momento. Já a arte pós-moderna seguiria

pressupostos estéticos que condensariam artistas distintos sob a perspectiva da

ruptura com as ideias. Danto (2006) preferiu utilizar a expressão “arte pós-histórica”

para se referir à arte produzida em ruptura com os pressupostos modernistas. Tal arte

negava as ideias de evolução histórica levadas a cabo pelos movimentos de

vanguarda. Nesse sentido, a ideia é:

[...] tratar especificamente dessa produção pós-histórica enquanto possibilidade de desfazer-se temporalmente de motivos, técnicas e materiais predominantes na composição artística. Para essa arte pós-moderna não há mais qualquer limite histórico, conceitual, material ou estilístico. Na medida em que tudo é permitido e acessível, ocorre, mediante essa desordem informativa, a necessidade de se pensar a arte filosoficamente a partir da percepção de que tudo poderia ser arte, de que a arte não obedeceria mais aos limites que lhe foram historicamente reservados (FIANCO, 2013, documento on-line).

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Depois das experimentações da Pop Art e da arte conceitual, os limites do que

poderia ou não ser arte são questionados e os artistas percebem que a arte não está

na técnica ou no material utilizado. Não existiria algo capaz de definir como a arte

deveria ser. A partir de então, surge uma série de artistas que experimentam novos

caminhos para a arte, “[...] sem nenhuma direção narrativa única a partir da qual outras

pudessem ser excluídas” (DANTO, 2006, p. 16).

No Pós-Modernismo, nada é permanente, pois está em constante

transformação. Os artistas podem explorar a temática que quiserem, da maneira que

desejarem. Nessa perspectiva, a arte pode ser colocada a serviço de certos objetivos

sociais ou pessoais; explorar a ampla gama de imagens da história da arte ou da mídia

por meio do processo de apropriação, conferindo sentidos novos às imagens; ser

desmaterializada e existir apenas como relação entre pessoas; e, também, utilizar

técnicas tradicionais ou artesanais.

Fonte: http://www.syberberg.de/

Os artistas pós-modernos não buscam uma obra estável e original, pois muitos

estruturam as suas produções a partir de citações, cópias, referências. Eles fazem

colagens fora do senso histórico, sem organizar o tempo de modo linear; por isso, são

acusados de produzir uma arte superficial. As suas obras podem comportar diferentes

modos de organização e produção. As obras de Anselm Kiefer, como Maikäfer Flieg

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(figura abaixo), por exemplo, examinam a noção de identidade alemã a partir do ponto

de vista histórico. A série de pinturas do artista chamada Terra devastada, de 1974,

explora paisagens esfumaçadas pela queima de palha e pela guerra (ARCHER,

2012).

O feminismo também ganha corpo na arte pós-moderna, principalmente nas

produções de Jenny Holzer, Sherrie Levine, Louise Lawler, Bárbara Kruger e Cindy

Sherman. As estratégias adotadas por tais artistas são diversas. Cindy Sherman, por

exemplo, questiona a relação entre o feminismo e o consumo. As suas fotografias da

série Imagens de vômito apresentam corpos distorcidos e comida podre com cores

atraentes. Holzer também explora a relação entre feminismo e consumismo ao colocar

pôsteres em camisetas ou cabines telefônicas com frases do tipo “Proteja-se do que

eu quero” (ARCHER, 2012).

Fonte: https://br.pinterest.com/

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A abertura propiciada pela arte pós-moderna deu destaque à arte pública,

inclusive à arte do grafite, que estava se difundindo em diversos locais do mundo. As

obras de Keith Haring, que representam figuras de animais e pessoas, ocupam o

espaço das estações de metrô, posteriormente marcando presença nas galerias de

arte. Muitas de suas obras consistem em cartazes negros com desenhos em giz, como

mostra a imagem abaixo.

O espaço da arte também é problematizado e ampliado por Jan Hoet, que toma

emprestadas áreas das residências de diversas famílias para realizar a sua exposição

Chambres d’Amis. Para visitar a exposição, as pessoas deveriam utilizar um mapa

das obras a fim de transitar por entre a cidade e bater nas portas das casas onde os

objetos estavam expostos.

Com relação ao uso de novos materiais pela arte, há uma série de artistas que

exploram materialidades específicas. Reinhard Mucha utiliza objetos encontrados no

espaço da exposição para criar as suas obras compostas por portas, materiais

descartados, etc. A utilização de materiais industriais para produzir arte também

ganha destaque na Pós-Modernidade. Esse tipo de material já era comum entre os

dadaístas, principalmente nas obras de Marcel Duchamp que ficaram conhecidas

como ready-made. Entretanto, artistas como Haim Steinbach tinham interesse no

estilo de vida propiciado pela ampla possibilidade de consumo de objetos

industrializados. A sua obra Relacionados e Diferentes explora a relação entre a

diversidade de modos de consumo (BATISTA, 2019).

9.2 Sobre a Pop Art e o seu desenvolvimento

A Pop Art foi o movimento de transição entre a arte moderna, ainda guiada

pelos movimentos de vanguarda, e a arte pós-moderna, centrada na integração entre

as diferentes correntes artísticas e as imagens da atualidade. O termo inglês pop art

pode ser traduzido como “arte popular”. Entretanto, a Pop Art não trata das mesmas

questões que costumam ser englobadas pela expressão “arte popular”. Afinal, a Pop

Art trabalha com imagens da cultura de massa, enquanto a arte popular refere-se à

arte produzida por comunidades específicas.

De acordo com Archer (2012), as experimentações artísticas do final da década

de 1950 que prezavam pelo corriqueiro e pelo acaso convergiram em dois movimentos

artísticos: o Minimalismo e a Pop Art. Enquanto o Minimalismo trabalhava com uma

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92

abordagem formal, evitando os excessos ao produzir uma arte impessoal, a Pop Art

utilizava imagens da cultura de massa para criar produções mecânicas e sem

expressão, uma espécie de reprodução voltada ao consumo.

No que diz respeito aos temas da Pop Art, sua própria banalidade era uma afronta aos críticos. Sem uma evidência mais clara de que o material havia passado por algum tipo de transformação ao ser incorporado à arte, não se podia dizer que a própria arte ofereceria qualquer coisa que a vida já não proporcionasse (ARCHER, 2012, p. 11)

A utilização de técnicas como a serigrafia e a pintura detalhista convergia para

uma ruptura com a arte expressionista abstrata. A serigrafia era utilizada, por exemplo,

por Andy Warhol (1928–1987), que reproduzia a mesma figura muitas vezes. Já a

pintura detalhista era utilizada, por exemplo, por Roy Lichtenstein (1936–1997), que

reproduzia quadros de histórias em quadrinhos. Ainda em tom vanguardista, os

expoentes da Pop Art buscavam uma arte fria que omitisse o trabalho singular do

artista e revelasse uma nova relação entre ele e a sociedade. A ideia era aproximar a

arte do público por meio do uso de imagens da cultura de massa, comuns à maioria

das pessoas. A ruptura com o Expressionismo pode ser percebida numa série de

obras produzidas por Roy Lichtenstein em 1965 com o título Pinceladas (Figura

abaixo). O artista empregava a sua técnica apurada de detalhamento inspirada nas

histórias em quadrinhos para reproduzir pinceladas orgânicas, comuns nas obras

expressionistas, a fim de demonstrar que aquele tipo de registro não se referia ao

estado emocional absoluto. Lichtenstein evidenciou que o Expressionismo Abstrato

se estruturava a partir de um conjunto de símbolos que as pessoas costumavam

associar à expressão de sentimentos (BATISTA, 2019).

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A Pop Art tornou o cenário artístico mais dinâmico, possibilitando a livre

comercialização das obras. Os artistas aceitaram a arte como produto, e a imprensa

divulgava a ideia de uma arte divertida. A oposição à arte expressionista abstrata

parecia ser a melhor saída para o artista da época, que não precisava continuar

contestando a burguesia por meio de atitudes boêmias. Lembre-se de que as

vanguardas artísticas buscavam uma arte de ruptura com os sistemas sociais,

principalmente de ruptura com a burguesia. Os artistas viviam uma imensa

contradição: ao mesmo tempo em que negavam a ordem social estabelecida,

precisavam ser aceitos para conseguirem comercializar as suas obras. Entretanto, a

partir da Pop Art, os artistas passaram a viver entre os burgueses, pois não tinham

medo de serem confundidos com eles. Como certa vez “[...] disse Warhol [...]: nada é

mais burguês do que ter medo de ser burguês”. (WOLFE, 2009, p. 93).

Além de contestar o Expressionismo Abstrato que tomava conta do mercado

norte-americano, a Pop Art buscava romper com a distinção entre cultura de elite e

cultura de massa. Tal ruptura, contudo, não foi bem-sucedida. Afinal, as pinturas

criadas na Pop Art não atingiam o grande público e recebiam um alto valor agregado

quando eram comercializadas nas galerias de arte, devido à sua autenticidade. Seria

mais coerente dizer que a Pop Art contaminou a cultura de elite com a cultura de

massa.

Em suma, a Pop Art surgiu como uma arte jovem e de ampliação da atuação

do artista, que poderia utilizar qualquer imagem que a cultura de massa lhe

oferecesse. Nas palavras do artista Richard Hamilton (apud FARTHING, 2011, p. 484–

485), a Pop Art buscava ser: “[...] popular (feita para o grande público); efêmera

(extinção em curto prazo); descartável (facilmente esquecível); barata; produzida em

massa; jovem (dirigida para a juventude); espirituosa; sexy; ‘macetada’; glamourosa;

big business”. Como se pode perceber, produzir arte para o consumo deixou de ser

um problema ético entre os artistas.

Os artistas de vanguarda se opunham ao consumismo e à cultura de massa.

Já os artistas da Pop Art não se preocupavam com a separação entre a arte e o

consumo. Na verdade, os artistas da Pop Art se interessavam por uma nova

abordagem, baseada em princípios estéticos que utilizavam as referências da cultura

de massa para criar uma arte desprovida de crítica social. É claro, contudo, que houve

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produções artísticas que foram exceções ao fazer críticas ao consumismo e à

massificação.

A primeira escova de dente (1962), do pintor britânico Boshier, parte de uma série de trabalhos inspirados por um comercial de TV para uma pasta de dentes listrada, parecia criticar a propaganda e a sociedade de consumo. Ao trocar latas de sopa e ídolos da cultura pop como Elvis Presley e Marylin Monroe pela cadeira elétrica e uma batida de carros, Andy Warhol estava, evidentemente, chamando atenção para o lado obscuro da moderna experiência americana (FARTHING, 2011, p. 485–486).

A obra Cadeira Elétrica (Figura abaixo), de Andy Warhol, consiste na

reprodução da imagem de uma cadeira elétrica em diferentes cores. O artista cria uma

imagem bela e atraente de uma cadeira elétrica, como deve ser qualquer anúncio de

publicidade. Assim, um objeto repugnante, utilizado para matar seres humanos,

assume o assunto principal de uma pintura pop e leva o público a questionar os

produtos que os anúncios publicitários camuflam ao tentarem construir novas

necessidades de consumo.

A Pop Art começou a decair ainda no final da década de 1960. Ela se constituiu

como uma referência da arte pós-moderna ao questionar a relação do artista com o

mercado da arte num mundo repleto de propagandas e imagens vinculadas à

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sociedade de consumo. Pode-se dizer que a Pop Art liberou o artista do puritanismo

que buscava um distanciamento entre a arte e o mercado. Dessa perspectiva, o artista

poderia experimentar todas as imagens do mundo para criar arte sem se preocupar

com a expressão ou com a produção de crítica social.

9.3 Os artistas da Pop Art

A Pop Art não foi um movimento coerente. Assim, cada artista explorava à sua

maneira as imagens midiáticas e os produtos de consumo de massa. Alguns

produziam colagens de imagens advindas de revistas ou anúncios publicitários,

enquanto outros utilizavam técnicas de serigrafia, pintura ou escultura a fim de

representar objetos de consumo. Os primeiros artistas a trabalhar com a nova estética

foram os ingleses, mas os norte-americanos deram grande repercussão ao

movimento. (BATISTA, 2019).

Richard Hamilton (1922–2011) participava do Grupo Independente, que havia

se formado em Londres para discutir arte contemporânea na década de 1920. O

interesse comum entre os integrantes do grupo era a cultura de massa e a sua

reprodutibilidade (FARTHING, 2011). Hamilton elaborou uma colagem com o título O

que é que torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes? (Imagem abaixo),

consagrando-se como um dos artistas pioneiros de um novo modo de pensar as

contaminações entre arte erudita e cultura de massa.

A obra de Hamilton é referência para o surgimento da Pop Art. Nela, o artista

utiliza colagens de revistas americanas para produzir um lar totalmente vinculado aos

novos ideais pop, que focavam na representação de uma arte jovem e sexy que fosse

descartável. Na imagem, um fisiculturista segura um pirulito vermelho de dimensão

colossal numa sala repleta de utensílios ultramodernos; uma mulher nua aparenta

estar sentada no sofá numa pose sexy, enquanto outra vestida faz a limpeza do

ambiente; por trás da televisão, há quadros dependurados na parede, e um deles

refere-se a um recorte de história em quadrinhos. Além disso, a translucidez da janela

da sala permite a visualização de um ambiente moderno, repleto de propagandas nas

fachadas dos estabelecimentos.

Hamilton ilustrou como a intimidade do lar das pessoas estava sendo

reconfigurada a partir da invasão das imagens midiáticas de consumo. A

transformação não se dava apenas nos objetos de consumo, mas no próprio corpo

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dos sujeitos, que precisavam ser magros e ter músculos definidos, símbolos de

sensualidade e sexualidade. Em Swingeing London III, Richard Hamilton continou

revelando o seu interesse pela dimensão doméstica. A obra retrata a prisão de Mick

Jagger e de Robert Fraser devido às drogas. Hamilton utilizou uma fotografia

jornalística como base para a pintura.

Fonte: [O que é que torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?]

O uso da arte como forma de expor uma realidade comum à sociedade de

consumo não esteve presente apenas nos trabalhos de Hamilton, pois outros artistas

também utilizaram a Pop Art de modo crítico. Além de Richard Hamilton, os artistas

ingleses Derek Boshier (1937), David Hockney (1937), Patrick Caulfield (1936–2005)

e Peter Blake (1932) tiveram grande destaque. Entretanto, foi nos Estados Unidos que

essa corrente ganhou força e deu origem aos artistas mais reconhecidos do período:

Tom Wesselmann (1931–2004), Jasper Johns (1930), Robert Rauschenberg (1925–

2008), Andy Warhol, Roy Lichtenstein e Claes Oldenburg (1929). (BATISTA, 2019).

Andy Warhol foi o artista símbolo da Pop Art. Ele contestava os valores

expressivos da arte, trabalhando com imagens massificadas por meio de uma técnica

impessoal, a serigrafia. As suas obras eram feitas numa espécie de linha de produção

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97

que repetia diversas vezes a mesma imagem, omitindo o gesto artístico da pincelada

— tão valorizada na arte moderna, principalmente no Expressionismo Abstrato.

Warhol [...] procurou eliminar de sua obra os valores artísticos tradicionais. Em seu estúdio de Nova York, provocativamente batizado de “A Fábrica”, ele se propôs a produzir imagens por meio de processos impessoais (como a serigrafia), proclamando que elas não tinham nenhum valor, salvo o monetário no inflacionado mercado da arte (FARTHING, 2011, p. 487).

No estúdio A Fábrica, o artista contava com a ajuda de assistentes para dar

conta da produção em série de imagens, num processo muito similar à linha de

produção fabril. Entretanto, mesmo produzindo as suas obras em larga escala, Warhol

fazia questão de definir onde colocar cada cor e de deixar erros no processo de

impressão, para conferir à imagem certa singularidade. De acordo com Archer (2012),

o processo de anonimato buscado por artistas como Lichtenstein e Warhol era uma

teatralização, pois eles mantinham certa singularidade em seus trabalhos.

Warhol costumava utilizar imagens de pessoas famosas da época e reproduzi-

las repetidas vezes, com pequenas alterações. As fotografias de Marilyn Monroe e

Elvis Presley eram referências para Warhol, que os representava como produtos de

consumo ao utilizar uma técnica mecânica para copiar as suas imagens

repetidamente. Warhol mostrava os artistas como produtos de massa que poderiam

ser consumidos e tornava as suas imagens atraentes por meio do uso de cores vivas,

aplicadas à mão e sem preocupação com o perfeccionismo.

A primeira exposição de Pop Art de Warhol, realizada em 1962, consistia em

pinturas de diversas latas individuais de sopa Campbell dispostas sobre prateleiras.

As suas pinturas posteriores também versavam sobre a reprodução de produtos

voltados ao consumo, tais como garrafas de Coca-Cola, caixas de Brillo ou imagens

de pessoas famosas. As obras partiam da ideia de que a arte deveria ser uma

mercadoria como os objetos que ela representava.

As ideias de Warhol sobre a influência da cultura de massa na vida das pessoas

não ficavam restritas às suas produções artísticas. Ele fez diversas declarações.

Disse, por exemplo, que:

[...] queria ser uma máquina, [...] que no futuro todas as pessoas seriam famosas por quinze minutos e [...] que todos nós bebemos Coca-Cola e nenhuma soma de dinheiro dará ao presidente dos EUA uma garrafa melhor do que aquela que o vagabundo de esquina bebe (ARCHER, 2012, p. 11).

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O artista Roy Lichtenstein criticava abertamente o Expressionismo Abstrato ao

produzir pinturas detalhadas voltadas à comercialização. As suas obras retratam

quadros de histórias em quadrinhos, ilustrando a futilidade desse tipo de arte, que

transformava a violência e a guerra em temas para heróis agressivos. As pinturas de

Lichtenstein possuem uma aplicação técnica extremamente elaborada que simula a

textura industrial com que os quadrinhos eram impressos.

Como o resultado era tão seco e “não emocional”, era possível acreditar que não fora realizada absolutamente nenhuma interpretação. Seus quadros, à primeira vista, pareciam ter um estilo tão mecânico quanto o material original, embora seja evidente [...] a ideia da arte como atividade expressiva das emoções, está sendo considerada de modo irônico (ARCHER, 2012, p. 6).

Na obra Moça Chorando (Figura abaixo), você pode observar as principais

características do trabalho de Lichtenstein. Com referências aos personagens de

histórias em quadrinhos, o artista dá continuidade ao trabalho estético desse tipo de

produção, que apresenta contornos definidos e cores chapadas. A representação das

mulheres é idealizada tanto em relação ao corpo quanto ao rosto delicado e sensual,

com nariz arrebitado e lábios carnudos.

Fonte: Crying girl (2009, documento on-line).

Em 1961, Claes Oldenburg transformou o seu estúdio numa loja — chamada

O Armazém — para vender uma série de esculturas inspiradas em objetos do

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cotidiano. Inicialmente, ele fazia reproduções de itens de vestuários num processo

escultórico; as esculturas eram pintadas com esmalte, simulando o estilo

expressionista. Contudo, aos poucos o artista começou a construir as suas esculturas

com um processo de manufatura diferente do tratamento convencional. Ele fazia

réplicas gigantes dos objetos a partir do emprego de estofamento e acabamento com

costura. Desse modo, estava inovando o processo escultórico, moldando os objetos

de dentro para fora (ARCHER, 2012).

Floor Burger (Figura abaixo) é um exemplar das obras do artista. Nela, você

pode perceber a ruptura com a técnica e com o tema da escultura convencional, pois

Oldenburg retrata um alimento em dimensões exageradas. Além disso, a estrutura da

escultura é mole, contrariando a ideia de escultura como algo rígido e permanente.

Fonte: [Floor Burger] (2019, documento on-line).

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9.4 A Pop Art no Brasil

A expansão da Pop Art foi rápida. Essa corrente artística teve reverberações

no Brasil logo após o seu surgimento, principalmente em São Paulo e no Rio de

Janeiro. Afinal, na década de 1960, o Brasil já possuía alguns grandes centros que

disseminavam produções artísticas de relevância mundial. Já acontecia, por exemplo,

a Bienal de Arte de São Paulo. Além disso, circulavam publicações da área.

Entretanto, a arte de referência pop produzida no Brasil era muito diferente das

produções dos artistas norte-americanos. “Se lá percebe-se o tratamento distanciado,

irônico e cool que artistas como Lichtenstein e Warhol dão às imagens de segunda

geração com que trabalham, aqui é nítido um engajamento do artista brasileiro em

relação à imagem escolhida no ‘banco de dados’” (CHIARELLI, 2002, p. 104). Desse

modo, a frieza com que os artistas norte-americanos tratavam as imagens foi

substituída no Brasil por uma intenção retórica de crítica social.

Diversos artistas utilizaram referências pop em sua arte. Chiarelli (2002) afirma

que José Roberto Aguilar (1941), Rubens Gerchman (1942–2008) e Antônio Dias

(1944–2018) foram os artistas que começaram a seguir a nova estética ainda na

década de 1960. Mais tarde, outros artistas exploraram os caminhos abertos pela Pop

Art, entre eles Humberto Espíndola (1943), Antônio Henrique Amaral (1935–2015) e

João Câmara (1944).

Rubens Gerchman foi um dos artistas que introduziram a estética pop no Brasil.

As suas obras retratam cenas advindas da vida moderna, tais como partidas de

futebol, histórias em quadrinhos ou imagens de telenovelas. O cotidiano, portanto, era

parte importante do trabalho de Gerchman, que considerava digno de ser tema da

pintura tudo o que encontrava em seu entorno, como as pessoas transitando nas ruas

ou os casais namorando.

Além disso, as suas obras fazem uso recorrente das imagens midiáticas. De

acordo com Macedo e Chisté (2016), o uso de imagens midiáticas no trabalho de

Gerchman está ligado ao período em que o artista viveu nos Estados Unidos e à sua

experiência profissional como diagramador da editora Manchete. “Imagens que

ocupam os meios de comunicação de massa passam a figurar nas gravuras de

Gerchman. Dessa forma, as manchetes de jornal ou a experiência cotidiana de uma

partida de futebol ganham a dimensão estética” (MACÊDO; CHISTÉ, 2016,

documento on-line).

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Entre as diversas exposições e mostras, a Estética do futebol e outras imagens

contém gravuras retratando os ídolos e as imagens que circundam esse esporte. Ora

o artista retrata os lances da partida de futebol, dando ênfase aos dribles e gols

marcantes, ora se atém aos retratos aproximados dos jogadores, revelando a sua

pessoalidade.

Na pintura Os super-homens (Figura abaixo), o artista retratou jogadores de

futebol posando para uma foto antes da partida. A frase “Os super-homens” foi escrita

na parte superior da imagem, passando a ideia de que aqueles jogadores eram

responsáveis por trazer alegria às pessoas que viviam a ditadura militar. Ao mesmo

tempo em que a obra apresenta uma estética pop, ela também traz uma crítica social

à ditadura. Durante o período em que o artista esteve nos Estados Unidos, ele também

ajudou na articulação do boicote à Bienal de São Paulo, que havia sido censurada

pelo regime ditatorial.

Fonte: [Os super-homens] ([2010], documento on-line).

O artista Antônio Henrique Amaral também se destacou no uso da estética pop

para criticar a ditadura. Ele fez duas séries de pinturas, Brasiliana e Campo de

Batalha, explorando a estética pop com referências a problemas sociais brasileiros. O

artista pintou muitos quadros com a banana como temática. Além disso, explorou

diferentes composições: a fruta aparece cortada, amarrada, esmagada ou perfurada.

A coloração também varia, indo do verde escuro, quando o fruto não está maduro, ao

amarelo escuro, que representa a fruta excessivamente madura.

O uso constante da fruta não se restringia à simples representação imagética,

pois Antônio Henrique Amaral possuía uma “[...] interpretação simbólica da figura da

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banana como símbolo e não como representação, mas sim como forma alusiva a

todos nós. Desse modo todos somos bananas e estamos representados na obra de

Amaral” (ABREU, 2015, p. 90). O desenvolvimento técnico do artista é quase

mecânico e não revela sinal de pincelada, convergindo para certa impessoalidade na

representação. Enquanto Warhol faz numa única tela a reprodução da mesma

imagem diversas vezes, Antônio distribui as suas bananas por cerca de 200 pinturas

realizadas entre 1968 e a década de 1970.

A obra Campo de Batalha 3 (Figura abaixo) representa a fase em que o artista

faz críticas mais acentuadas à violência da ditadura militar. A pintura contém uma

banana retalhada e amarrada aos instrumentos que lhe feriram. A brutalidade da cena

é reforçada por um tom amarelado que transparece na sombra como um símbolo do

sangue resultante das torturas a que foram submetidas diversas pessoas. A fruta está

com um tom esmaecido, que remete a um estado de putrefação. (BATISTA, 2019).

Fonte: Amaral (2017, documento on-line).

Em algumas das pinturas da série Campo de Batalha, o artista representa

garfos e facas ferindo, perfurando ou esmagando a banana, um símbolo mais direto

da violência. Nesse sentido, “[...] os metais também estão enrolados nessa trama, que

sugere agressividade e irracionalidade, como se os metais não pudessem se negar a

participar da agressão. Não há escolha” (ABREU, 2015, p. 93). A análise de Amaral

sobre a ditadura é complexa, pois representa tanto as pessoas que eram torturadas

quanto a dificuldade que alguns militares encontravam para evitar a participação no

sistema opressor.

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9.5 A Minimal Art e as suas características

A Pop Art e a Minimal Art, também conhecida como Minimalismo, foram as

tendências artísticas que deram origem à arte pós-moderna. A Pop Art reproduzia as

imagens da cultura de massa por meio de técnicas que omitiam a expressividade dos

artistas. Já a Minimal Art explorava o mínimo de elementos possível na produção

artística e a utilização de objetos industriais ou a fabricação de objetos de modo

mecânico.

De acordo com Archer (2012), a expressão minimal art surgiu como uma

crítica aos trabalhos de artistas que não se enquadravam mais na estética de

vanguarda por explorarem grandes áreas vazias ou com poucos elementos. Muitos

artistas seguiam princípios do minimalismo em sua arte, mas os que mais se

destacaram foram Carl Andre, Robert Morris, Dan Flavin, Sol LeWitt e Donald Judd.

O Minimalismo, assim como a Pop Art, rompeu com o Expressionismo Abstrato

ao produzir uma arte mecânica que evitava qualquer tipo de expressividade. Era uma

arte com “[...] aparência monocromática, engenhada, impessoal” (ARCHER, 2012, p.

43), que explorava a simplicidade. Judd dizia que o Minimalismo havia rompido

também com as linguagens artísticas tradicionais; afinal, as suas obras não poderiam

ser consideradas pintura ou escultura. Elas realizavam a mescla entre elementos das

duas linguagens, o que resultava em objetos tridimensionais.

Para Judd, o aspecto vazio desta arte era sintomático do que ele via como a crescente irrelevância das atitudes estéticas tradicionais. Seu trabalho era simples e formalmente aplainado por um desejo de não empregar efeitos composicionais. A composição enfatiza relações internas entre as várias partes de uma obra e, com isso, minimiza o impacto da obra como um todo (ARCHER, 2012, p. 46).

Na figura abaixo, você pode observar uma obra de Donald Judd e ver como ele

explora os elementos da visualidade por meio da construção de objetos similares aos

fabricados pelas indústrias. Todo gesto expressivo é evitado para dar forma a um

objeto mecânico, numa atitude similar à que levou aos ready-made de Duchamp. Judd

utilizou o mínimo de elementos compositivos — no caso, o retângulo, que é repetido

inúmeras vezes na estrutura do objeto. Todas as faces são retangulares, inclusive a

parte vazada do paralelepípedo.

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Fonte: [Donald Judd] (2013, documento on-line).

As obras de Judd rompem com a tradição da pintura e da escultura europeia

ao trabalharem com objetos inexpressivos. Além disso, o artista deixa de lado o

racionalismo, que não dava mais conta de explicar o mundo influenciado pelo

consumismo e pelas novas mídias. A representação pictórica ou escultórica que

tendia ao ilusionismo (por meio de formas e seres alheios à materialidade da arte) é

questionada pelos minimalistas. Eles, amparados por uma visão pragmática, dão

atenção especial à própria materialidade da arte e às suas experimentações, sempre

buscando manter a sua verdade. Nas obras de Judd, por exemplo, o alumínio

continuará sendo alumínio, e não será omitido para representar um ser ou objeto do

mundo visível.

Como afirma Archer (2012, p. 50), “[...] a arte minimalista não representava nem

se referia diretamente a nenhuma outra coisa de uma forma que fizesse sua própria

autenticidade depender da adequação de sua semelhança ilustrativa com essa outra

coisa”. A ruptura com a figuração e a representação pode ser percebida facilmente

nas obras que evitam a utilização de títulos para não se subordinarem ao que o nome

poderia evocar. As obras:

[...] não revelavam qualquer significado secreto, nem símbolos ou referências. Foram essas características que demonstravam preferência por materiais e métodos de produção em massa — plexigas, alumínio, viga de madeira, luzes 8 Arte pós-moderna fluorescentes, aço galvanizado, e azulejos de magnésio — e contratavam operários para produzir as esculturas de acordo com suas especificações (FARTHING, 2011, p. 520).

No Minimalismo, tanto o processo de artesania quanto os materiais são

amplamente frios. O artista não precisa fabricar a obra de arte, podendo criar os seus

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projetos a partir de materiais prontos ou contratando outras pessoas para construí-los.

A obra Diagonal de 25 de maio de 1963, de Dan Flavin (Figura abaixo), consiste numa

lâmpada fluorescente amarela disposta na parede, formando uma linha diagonal com

ângulo de 45 graus. O artista não pretendia expressar sentimentos ou emoções, pois

criava um ambiente único ao brincar com a luz para transformar a galeria de arte. As

suas obras que exploram luzes fluorescentes rompem definitivamente com a divisão

entre pintura e escultura ao unir as duas linguagens artísticas para alterar os aspectos

do espaço. (BATISTA, 2019).

Fonte: Lapa (2015, documento on-line).

As obras de Carl André também transformam e se integram ao ambiente,

rompendo com muitas formalizações teóricas da arte moderna. Ele buscava uma arte

que fosse materialista e comunista, como é possível notar no seu relato:

Minha obra é [...] estética porque não possui forma transcendente, nem qualidades intelectuais ou espirituais. Materialista, porque é feita com seus próprios materiais, sem pretensão de empregar outros. E é comunista, porque sua forma é acessível a todos os homens (ANDRE apud FARTHING, 2011, p. 522).

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Na obra Plano em aço e zinco (Figura abaixo), ele dispôs no chão 18 placas de

aço e 18 de zinco, formando uma imagem que lembra um tabuleiro de xadrez. A obra

possibilita que as pessoas caminhem sobre ela ou a explorem por meio do tato. Desse

modo, André cria uma nova relação entre obra e observador, que não precisa observar

a distância e de maneira passiva.

Fonte: Miranda (2015, documento on-line).

A arte minimalista integrou processos mecânicos e materiais industriais na

fabricação de suas obras. Muitas vezes, os artistas contratavam operários para

produzi-las. Afinal, a arte evitava o teor expressivo do Modernismo ao manter íntima

relação entre o material e a proposta estética, rompendo com qualquer tipo de

figuração e elaboração narrativa. O Pós-Modernismo se pauta em alguns desses

princípios e rompe com a necessidade de artesania do artista, possibilitando o

emprego de qualquer material nas suas obras, que podem ou não representar

simbologias.

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REFERÊNCIAS

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