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03/04/13 Arte Contemporânea: sobre nossa dificuldade de pensar e fazer | filosofia cinza filosofiacinza.com/2012/12/27/arte-contemporanea-sobre-nossa-dificuldade-de-pensar-e-fazer/ 1/9 Blog da Márcia Tiburi Arte Contemporânea: sobre nossa dificuldade de pensar e fazer 27 DE DEZEMBRO DE 2012 tags: Arte Contemporânea O seguinte texto foi publicado no número 7 da Revista As Partes do Ateli ê Livre da Prefeitura de Porto Alegre a propósito de meu minicurso no Fe stival de Artes deste ano. O link para acessar a revista toda que tem be los textos é http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smc/usu_doc/as_partes_7_dez_ 2012.pdf (As imagens são de meus artistas favoritos) Arte Contemporânea: sobre nossa dificuldade de pensar e fazer Nossa experiência com a arte, seja como artistas ou como seus apreciadores depende de nossa compreensão da arte. A compreensão que é um campo amplo e aberto depende, por sua vez, de algo bem mais estreito: um conceito. O conceito é o eixo em torno do qual se situa nossa compreensão. É com conceitos que nos entendemos, que elaboramos nossa visão de mundo, das coisas, de nós mesmos. A compreensão da arte acontece, por exemplo, quando vemos um quadro, uma peça de teatro e, desde a delimitação do objeto que já temos previamente estabelecida em nosso contexto cultural, pensamos “isso é filosofia cinza

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Blog da Márcia Tiburi

Arte Contemporânea: sobre nossa dificuldadede pensar e fazer

27 DE DEZEMBRO DE 2012

tags: Arte Contemporânea

O seguinte texto foi publicado no número 7 da Revista As Partes do Ateliê Livre da Prefeitura de Porto Alegre a propósito de meu minicurso no Festival de Artes deste ano. O link para acessar a revista toda que tem belos textos éhttp://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smc/usu_doc/as_partes_7_dez_2012.pdf

(As imagens são de meus artistas favoritos)

Arte Contemporânea: sobre nossa dificuldade depensar e fazer

Nossa experiência com a arte, seja como artistas ou como seusapreciadores depende de nossa compreensão da arte. A compreensãoque é um campo amplo e aberto depende, por sua vez, de algo bemmais estreito: um conceito. O conceito é o eixo em torno do qual sesitua nossa compreensão. É com conceitos que nos entendemos, queelaboramos nossa visão de mundo, das coisas, de nós mesmos. Acompreensão da arte acontece, por exemplo, quando vemos um quadro,uma peça de teatro e, desde a delimitação do objeto que já temospreviamente estabelecida em nosso contexto cultural, pensamos “isso é

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arte”. Aí podemos gostar dela ou não. O gosto não nasce sozinho, semum conceito prévio que nos indica que podemos compreender, e quelogo podemos aceitar o que vemos, ouvimos ou sentimos. Por outrolado, chamamos de arte contemporânea aquilo que vemos e que,todavia, não conseguimos delimitar muito bem. Se não a entendemos éque não temos um conceito preciso do que ela seja. Ela escapa aosnossos conceitos prévios e, por isso, nos perturba.

Daí que diante de uma obra contemporânea em vez de afirmar “isso éarte”, cabe muito mais perguntar “isso é arte?” A obra contemporâneaquebra com nossa ideia habitual de arte e é por isso que tantos sesentem incomodados ou, pelo menos, desacomodados, diante de suasobras. A desacomodação é o que de melhor uma obra pode nos dar.Mas vejamos como isso tudo é questão de conceito.

Os conceitos de arte, como quaisquer conceitos, se dão no tempo. São formulados nahistória em função de muitos aspectos, tais como poderes econômicos, teorias de filósofos ecríticos e, é claro, os trabalhos dos artistas. Mudam os tempos, mudam as perspectivasteóricas e práticas, mudam os pensamentos e as sensibilidades. Por isso, o que se entendiapor arte há séculos é diferente do que se entende por arte hoje em dia.

As obras de arte em quaisquer tempos dependem sempre das teoriasque são agregados de conceitos. Por isso, costumamos perguntar “oque é arte?” ou perguntar “isso é arte?”, porque não experimentamos aarte sem a teoria que a acompanha. Arte é, portanto, também umaquestão de teoria, ou seja, do que pensamos dela.

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(http://filosofiacinza.com/2012/12/27/arte-contemporanea-sobre-nossa-dificuldade-de-pensar-e-fazer/freud2/)Lucian Freud: Benefits Supervisor Sleeping (1995)

Lucian Freud: Benefits Supervisor Sleeping (1995)

Nosso entendimento atual das artes deriva de uma compreensão daarte como objeto histórico. Mas este é apenas um lado da questão. Jásabemos a esta altura da vida que tudo muda, que tudo é histórico. Oque não sabemos é que nosso conceito de arte deriva da delimitaçãoda obra definida pela história da arte. Pode ser que não saibamostambém que aquilo que chamamos de “história da arte” implica umateoria sobre a arte que classifica objetos, obras, artistas, rituais ouperformances segundo critérios teóricos. Pode parecer óbvio, mas épreciso dizer que não percebemos que estamos pensando a partir deideias prontas quando não estamos pensando por conta própria. Háconceitos prévios que vem do mundo, dos outros, e não de nós e que,no entanto, nos orientam a ter opiniões e ações sobre arte.

Acreditamos ao perguntar “isso é arte?” que esta pergunta é totalmentenossa, que ela define uma dúvida legítima e natural, inevitável esincera. Porém, mesmo esta pergunta já faz parte de uma teoria, aquela

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que vem administrar o lugar da arte, reconduzindo toda a expressão eas perspectivas soltas e espontâneas a uma ideia fixa de arte que, asua maneira, faz o sistema das artes como um sistema de poder,continuar funcionando. O problema do sistema é que ele exclui dadiferença enquanto sustenta a identidade como um princípio devoradordo pensamento. E, neste caso, também da expressividade artística queresulta de uma reflexão, de uma compreensão de mundo…

(http://filosofiacinza.com/2012/12/27/arte-contemporanea-sobre-nossa-dificuldade-de-pensar-e-fazer/carro-index2/)Tomaselli no carro

Assim como há quem diga que filosofia é “história da filosofia”, quehistória é “teoria da história”, há quem pense que arte é algo que dizrespeito a, ou tem a ver com, “história da arte”. Daí que muitos vejam aarte como um selo de distinção dado pela “história”, pelos historiadoresque confundem facilmente com críticos. Como se o que possa ser artedependesse de ter estado na história passada, ou de sua chance de“entrar” na história futura. Daí a importância dos artistas iludidos deaparecerem em cadernos de jornal, livros e textos de teóricos em geral.

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Há certo desespero nisso, como se a história salvasse da morte daarte, dando consistência ao que facilmente se perderia no fluxo doefêmero a que corresponde a vida. Esta teoria da arte separaexpressões criativas, as invenções que compõem as obras, em coisasque podem ser arte e outras que podem não ser arte segundo critériossempre relativos a um tempo, a necessidades e interesses de grupos einstituições. A própria arte deixa de ser experiência das pessoas e setorna, nestes casos, mera instituição que administra a sensibilidadeestética das massas – assemelhando-se em seus procedimentos com apublicidade – ou dos pequenos grupos de especialistas – ficandorestrita a problema de galeristas, críticos, curadores, enfim, o sistemaem que a obra surge como fator de poder e distinção.

(http://filosofiacinza.com/2012/12/27/arte-contemporanea-sobre-nossa-dificuldade-de-pensar-e-fazer/maria-tomaselli-170x200cm-5-gr/)

Não descobri o título, mas olhando aqui vcs veem muitas http://to.plugin.com.br/pinturas-atuais.htm (http://to.plugin.com.br/pinturas-atuais.htm)

“Arte contemporânea?”

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A confusão de muitos em relação à arte contemporânea deriva dohábito de pensar a partir da ideia de arte definida segundo a história daarte. Ora, a arte contemporânea não está na história, porque ela estáacontecendo hoje, no tempo vivido e não no tempo que podemosexperimentar como histórico. Somos extemporâneos do tempo históricoenquanto vivemos no “hoje em dia” construindo, paradoxalmente, otempo histórico do qual somos estranhamente separados. Verdade éque muito do que chamamos de arte contemporânea esteja já“consagrada” pela teoria e, assim, pelo sistema. Mas a consagraçãonão é a verdade da arte. Ela é pouco para definir a arte, pois que, nesteponto, faz votlar à ideia de arte como um objeto simplesmente “distinto”no sentido de ser um objeto não diferente (como são quaisquer uns emrelação a quaisquer outros), mas melhor do que os outros. Em outraspalavras, com este tipo de ideia a arte fica reduzida àquilo que aspessoas tem falado em um sentido vulgar como o “diferenciado”,referindo-se ao “melhor”.

Arte, por sorte, sabem outros, não é selo de distinção, é experiênciapessoal e coletiva capaz de criticar e debochar da “distinção” a quetantos reduzem a arte. Por isso é que não importa selar a artecontemporânea com o selo de arte, mas antes experimentá-la em suaestranheza como objeto que não se deixa definir. Quem sabe ela nosmostre algo que ainda não sabemos enquanto acreditamos que a artecabe em nossas pequenas cabecinhas muitas vezes ocas de tantasideias alheias. Arte é também libertar-se do pensamento pronto e ousarpensar, e fazê-lo de um jeito diferente. A verdade da obra está nesselugar onde ela jamais está pronta. Nós, podemos ser artistas quandonão estamos mais preocupados com nossos processos do que comdefinições e classificações.

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(http://filosofiacinza.com/2012/12/27/arte-contemporanea-sobre-nossa-dificuldade-de-pensar-e-fazer/bourgeois_install/)InstalaçãoLouise Bourgeois 2008

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(http://filosofiacinza.com/2012/12/27/arte-contemporanea-sobre-nossa-dificuldade-de-pensar-e-fazer/louise-bourgeois-in-1982-with-fillette-1968-photo-1982-copyright-the-estate-of-robert-mapplethorpe-500x500/)Louise-Bourgeois-in-1982-with-fillette-1968-photo-1982-copyright-the-estate-of-robert-Mapplethorpe

from → ARTE, ARTES VISUAIS, Aula8 Comentários leave one →1. Eder LINK PERMANENTE

27 de dezembro de 2012 10:04 pmMárcia, nesse sentido, a arte contemporânea é, necessariamente, vanguardista?

RESPOSTA2. andré boniatti LINK PERMANENTE

27 de dezembro de 2012 10:34 pmÉ muito complicado isso tudo. O problema é que são, às vezes, tão íntimas as retrataçõesartísticas contemporâneas que se esquecem seus artistas de que (como você disse, Márcia) a artetbm é coletiva. Ela está fundada sobre hastes de temor e pavor, afeto e sensibilidade, –sensibilidade. Há-de haver, na arte, um encanto, seja para a morte ou para o sonho, mas umencanto. O problema está aqui: vaziez. O micro sem reflexões. “A própria arte deixa de serexperiência das pessoas e se torna, nestes casos, mera instituição que administra a sensibilidadeestética das massas (…) ficando restrita (…)…” Desculpe a colagem, mas, sim, infelizmenteestamos restritos, mesquinhamo-nos entre a beócia cartilagem do descartável e a sustentaçãoáurea de uns cetros sem luz. O deveras sensível obumbra-se entre as estampas.

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RESPOSTA3. Roberto Adriano Scarpini LINK PERMANENTE

28 de dezembro de 2012 7:51 amA verdadeira arte não existe, vai existindo, nascendo e morrendo no olhar, no coração e na alma(para quem acredita em alma), de quem acha que consegue sentir o que é arte. Uma colagem desensações, cada uma no seu momento, que acontece na velocidade do tempo e só pode sercontemplada com a lembraça.

RESPOSTA4. patricia (@patyquinhones) LINK PERMANENTE

28 de dezembro de 2012 9:27 amarte é arte e ponto…vai do olhar de cada um

RESPOSTA5. Rosilene Maria Rosanelli LINK PERMANENTE

28 de dezembro de 2012 9:47 amAssisti ao filme Os Intocáveis e vi como a arte é algo que acontece nos olhos de quem vê..ou deQI-quem indica….todos somos artistas…e todos podemos apreciar a arte…e fazer arte. Basta tera coragem de fazer e mostrar. A crítica, teoria, valor monetário, mercado…tudo o mais érelativo! Obrigada. Rosilene

RESPOSTA6. Pablo Donne LINK PERMANENTE

28 de dezembro de 2012 3:37 pmSenhora Márcia… seus textos emocionam-me. (E Questionam-me.) Assim como Kurt Cobainemociona-me.

RESPOSTA7. pablodonne LINK PERMANENTE

28 de dezembro de 2012 4:26 pmArt, segundo Keith Richards, guitarrista dos Stones, é a abreviatura p/ Arthur. Mas p/ mim aArte é uma crueldade. Um olhar cruel lançado sobre um determinado aspecto da vida/mundo.

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1. Arte Contemporânea: sobre nossa dificuldade de pensar e fazer (via filosofia cinza) | BetoBertagna a 24 quadros

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