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ANAISIII FRUM DE PESQUISA CIENTFICA EM ARTEEscola de Msica e Belas Artes do Paran. Curitiba, 2005

TENDNCIAS PS-MODERNAS NA ARTE CONTEMPORNEA CATARINENSE: A LINGUAGEM DA PERFORMANCE NA ARTE CONTEMPORNEA LOCALAna Cristina Leoni* Snia Regina Loureno** Nadja de Carvalho Lamas***

RESUMO: O presente artigo apresenta resultados parciais da investigao e da reflexo sobre a linguagem da performance na cidade de Joinville, Santa Catarina, sendo esse estudo parte integrante de uma pesquisa que busca identificar as tendncias ps-modernas existentes, ou no, na produo artstica atual no Estado. Os procedimentos metodolgicos adotados compem-se do embasamento terico sobre o ps-moderno e o contemporneo e suas implicaes com o universo da arte, e da pesquisa de campo que visa observar e coletar dados das exposies, realizar registro fotogrfico das obras, catalogar os trabalhos artsticos, construir mapas com cotejamento de dados e realizar registro biogrfico dos artistas em atuao.

A pesquisa prope-se a investigar as tendncias ps-modernas existentes, ou no, na arte catarinense contempornea. Para dar sustentao ao tema proposto, so utilizados procedimentos metodolgicos que se compe da pesquisa bibliogrfica sobre o contexto da modernidade, do modernismo, da ps-modernidade e do ps-modernismo; da leitura e da anlise de documentos, catlogos, artigos e reportagens em jornais sobre as diversas exposies e mostras de arte realizadas em Santa Catarina; e da pesquisa de campo que busca observar e coletar dados das exposies, fazer o registro fotogrfico das obras, catalogar os trabalhos artsticos por meio de mapas com o cotejamento de dados e realizar o registro biogrfico dos artistas em atuao. A pesquisa tem previso de trs anos de investigao (2003-2005), estando neste momento, na segunda fase. O projeto composto de sub-projetos, sendo este um deles. A*

Acadmica do Curso de Artes Visuais da UNIVILLE. Bolsista do PIBIC. Professora Mestra do Curso de Artes Visuais da UNIVILLE. Co-orientadora. *** Professora Doutoranda do Curso de Artes Visuais da UNIVILLE. Coordenadora da pesquisa, orientadora.**

21 linguagem da performance na arte contempornea local tem como objetivo contribuir para o processo de desenvolvimento das etapas da pesquisa Tendncias Ps-modernas na Arte Contempornea Catarinense, como tambm investigar a produo das performances, tomadas como categorias estticas e poticas contemporneas, no contexto cultural joinvilense. Para tanto, realizaram-se estudos conceituais sobre a linguagem da performance-arte e o levantamento das manifestaes performticas existentes em Joinville, mediante registros fotogrficos, entrevistas com artistas, catlogos, reportagens em jornais, livros e revistas. Vivemos num mundo contemporneo diverso, polissmico, multifacetado e hbrido, no qual a arte e os artistas so sujeitos que interpretam, expressam e traduzem esse mundo caracterizado por novas tecnologias, novas formas de consumo e relaes sociais transnacionais e virtuais cada vez mais avanadas. Para perceber o fenmeno simblico cultural da arte contempornea, faz-se necessrio observar, compreender e investigar o contexto social e cultural do mundo contemporneo. Interpretar a sociedade e as transformaes que ela produz para assim compreender a situao da arte, a proposta de Glifford Geertz, 1 que considera a arte como produto de um contexto coletivo de significados simblicos maior, a cultura. Assim, estudar a arte explorar uma sensibilidade coletiva. O modernismo nas artes visuais redefiniu os paradigmas estticos em relao arte acadmica. quando a arte se desvincula, de forma relativa, de esferas sociais dominantes, como a instituio religiosa e a poltica. Marshall Berman argumenta que o projeto modernista resultado das grandes e profundas transformaes da sociedade ocidental. Nesse perodo, h uma inovao artstica marcada por variados estilos nas expresses da forma; as emoes passam a ter seu lugar na manifestao artstica; estabelece-se o esprito criativo e depreendem-se alguns valores.2 J a ps-modernidade, em funo das intensas transformaes tecnolgicas e sociais, redefine os gestos artsticos relacionados ao modernismo. H novas e diferentes formas de expresses artsticas que causam estranhamento. A modernidade foi base para a psmodernidade, marcada pela oposio e a negao do modernismo. Celso Favaretto coloca que uma arte no contempornea apenas porque recente e mesmo presente. Contemporaneidade pressupe a ultrapassagem das categorias modernas. 3 David Harvey apresenta o ps-modernismo de acordo com a total aceitao do efmero, do fragmentrio, do descontnuo e do catico que formavam a metade do conceito baudelaireano de modernidade.41

GEERTZ, Glifford. A interpretao das culturas. Petrpolis: Koogan, 1989. BERMAN, Marshall. Tudo que slido desmancha no ar: a aventura da modernidade. So Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 16. 3 FAVARETO, Celso. O evento, Arte do tempo. Revista Sexta Feira, Hedra, n. 5, 2003. p. 113-117. 4 HARVEY, David. Ps-Modernismo. In: Condio Ps-moderna. So Paulo: Loyola, 1992. p. 49.2

22 A arte ps-moderna j no mais obra de arte, no sentido clssico de sua compreenso, mas uma proposio, uma idia, uma ao. o tempo do paradoxo e da repetio. Na repetio se d a diferena. A arte desligitimiza determinadas explicaes do mundo, no existe verdade absoluta, nenhuma explicao suficiente e nica, como explica Lyotard: a ps-modernidade caracterizada pelo fim das metanarrativas, isto , as explicaes totalizantes da vida social no do mais conta da complexidade da realidade e das diferentes interpretaes que as sociedades e os grupos fazem dela.5 A ps-modernidade na arte apresenta linguagens e conceitos de apropriao, citao, hibridao, mestiagem, pardias, repetio, seriao, acumulao e experimentao; e linguagens como: performances, instalaes, sites specifics e in situ. A performance, na sua essncia, busca escapar das definies ou, mais precisamente, das rotulaes. a linguagem proveniente da juno de outras outras, que resultam nessa terceira denominada performance. Possui caractersticas de hibridao, tornando-se difcil dizer onde comea uma e at onde vai a outra. Segundo a crtica de arte Sheila Leirner, a performance uma pintura sem tela, uma escultura sem matria, um livro sem escrita, um teatro sem enredo, ou a unio de tudo isso.6 uma arte que rompe fronteiras e soma linguagens como: msica, teatro, dana, poesia, artes visuais etc. Caracteriza-se por ser livre e anrquica, no sentido ideolgico de recuperar a liberdade na criao artstica, e sua origem no se d por uma migrao de artistas que no possuem espao em suas linguagens. Ao contrrio, ela acontece justamente em decorrncia da busca intensa por uma arte que integrativa, total, sem delimitaes. Performance acontecimento, expresso cnica, relao espao-tempo, uma linguagem que une multilinguagens, caracterizando-se por ser a evoluo da arte esttica pertencente s artes plsticas, que nasce com os princpios de ao. Nela se tem a necessidade de ir para alm do objeto, para alm do produto final, enfatizando o processo e reconhecendo o corpo do artista como sujeito, como objeto e como instrumento de sua arte. A arte da performance emerge como gnero artstico independente no final dos anos sessenta e comeo do setenta, quando ganha fora, surgindo, assim, como uma das mais representativas formas de criao desta dcada. Alguns movimentos e manifestaes artsticas anteriores foram essenciais para que a performance se constitusse como linguagem. Manifestaes desde 1910, como o Futurismo, o Dadasmo, o Surrealismo, a Escola de Bauhaus, os Happenings, a Collage, as Assemblages, os Environments, a Action Painting e a body art, foram determinantes para a performance contempornea.5

LYOTARD, Jean Franois. A condio ps-moderna. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2002. LEIRNER, Sheila. Apud: COHEN, Renato. Performance como linguagem: criao de um tempo-espao de experimentao. So Paulo: Perspectiva; EdUSP, 1989. p. 49.6

23 No Brasil, a manifestao performtica comea a ocorrer efetivamente em 1982, com a criao de dois centros: o Sesc Pompia e o Centro So Paulo que promoviam eventos, ciclos e festivais de performance. E assim, essa linguagem foi se estabelecendo no Brasil, unindo grandes nomes da arte brasileira, gerando crticas, disseminando-se pelo pas e tornando-se uma espcie de moda. Na cidade de Joinville, Santa Catarina, a manifestao da performance-arte marcada pela presena de trs grupos e um artista: O Grupo Papirus, o Grupo mpar, o Grupo NIC Ncleo Integrado de Cultura e o artista Charles Narloch. O Grupo Papirus surgiu em fevereiro de 1988, com a formao do Curso de Educao Artstica da FURJ, hoje UNIVILLE, quando a ento professora de Desenho Artstico e Artes Cnicas: Silvia Sell Duarte Pillotto, com um grupo de alunos do 1 ano, idealizou e realizou a formao de um grupo de performance. Sua inteno e pretenso foi quebrar barreiras e preconceitos existentes em torno da arte, propondo-se a uma reflexo mais aberta quanto aos objetivos culturais e sociais. As discusses encetadas pelo grupo em suas apresentaes sempre partiam de temas atuais e polmicos, fazendo com que as pessoas refletissem sobre suas propostas, no dando jamais respostas prontas, mas, sim, oportunidades de reflexo em busca de um homem pensante e ativo. Procuravam atingir as vrias camadas e classes sociais, desmistificando a viso da arte como algo reservado para a elite. Os espaos escolhidos para o acontecimento das performances eram o Museu de Arte de Joinville e a Galeria de Arte Victor Kursancew. Hoje, alm desses, h tambm a Cidadela Cultural da Antarctica, as vernissages, enfim, locais formais e informais designados aos acontecimentos artsticos. Atualmente, o Grupo Papirus formado por dois artistas plsticos remanescentes do grupo inicial: Carlos Franzi e Linda Poll, que seguem a mesma linha, trabalhando ativamente, provocando comentrios e acaloradas discusses. A trajetria do grupo j rendeu vrios registros na mdia local e um reconhecimento apreciativo do pblico joinvilense ligado s artes.

24Figura 1: Performance Cortes Cortantes entrelaados de Lgrimas III. Museu de Arte de Joinville, 6 dez. 2000.

Figura 2: Cortes Cortantes entrelaados de Lgrimas III. Museu de Arte de Joinville, 6 dez. 2000.

O Grupo mpar surgiu em 2002 na Tertlia7 e no decorreu de uma formao planejada: aconteceu no momento e posteriormente se firmou como um grupo performtico definitivo. composto de quatro integrantes: Gabriela Fiamoncini, Giovanna Fiamoncini, Luiz Gonzaga Guedes e Thiago de Oliveira. Os conceitos abordados pelo grupo seguem temas como: mitologia, violncia urbana, canibalismo, elemento fogo, crtica de arte em Joinville, signos e elementos que transmitem significados sobre os fatos recentes, etc. As realizaes performticas do Grupo mpar, geralmente acontecem na Cidadela Cultural da Antarctica, pois o grupo explora a energia mrbida e pesada do lugar, que considera ideal e coerente com a linha de discusso de suas propostas.7

Evento que ocorre no Museu de Arte de Joinville e rene artistas de diversas linguagens, acadmicos de Artes Visuais e o pblico em geral.

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Figura 3: Batismo. Grupo mpar. Cidadela Cultural da Antarctica, 2002.

Figura 4: Batismo. Grupo mpar. Cidadela Cultural da Antarctica, 2002.

Charles Narloch um artista autodidata, multimdia,8 realiza aes performticas e curador independente. Seu trabalho trata de questes relacionadas vida, dor, ao sexo mais especificamente homossexualidade , ao preconceito, morte e prpria arte, utilizando a linguagem artstica como meio de comunicao para expressar o que pensa.

Figura 5: A Potica da Morte. Cidadela Cultural da Antarctica, 6 dez.-10 mar. 2002.8

O artista assim se considera, pois trabalha com diversas linguagens.

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A Figura 5 mostra uma ao performtica realizada na exposio A potica da morte, na Cidadela Cultural da Antarctica, de 6 de dezembro a 10 de maro de 2002, na qual se discutia a discriminao social em relao homossexualidade. O artista levava ao pblico acontecimentos baseados em registro de fatos reais, de extrema violncia, de assassinatos, em funo do preconceito contra os homossexuais.

Figura 6: A Potica da Morte. Cidadela Cultural da Antarctica, 6 dez.-10 mar. 2002.

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Figura 6: A Potica da Morte. Cidadela Cultural da Antarctica, 6 dez.-10 mar. 2002.

A Figura 7 mostra uma fita presa ao caule de um lrio e oferecida ao pblico durante a ao. No momento em que o espectador segura o lrio, o artista corta o caule com uma tesoura (separando-o da flor); a flor cai e o artista fala: Tua culpa. O Grupo NIC Ncleo Integrado de Cultura coordenado por Eduardo Baumann, pesquisador autodidata na rea das artes cnicas e visuais. O grupo surgiu em 2002. No incio, era caracterizado por ser um grupo flutuante, no qual os integrantes no tinham uma

28 formalizao como participantes. Atualmente, o grupo segue uma tendncia mais formal e conta com o total de sete participantes (acadmicos da UNIVILLE). Entre as linguagens artsticas que o grupo trabalha, est a performance. Segundo seu coordenador, aborda em suas aes questes relacionadas aos mitos e aos ritos, a partir dos arqutipos presentes no inconsciente coletivo das diversas culturas (teoria abordada por Carl Gustav Jung). Desde o surgimento do grupo, foram realizadas cinco performances. O NIC formado por pessoas oriundas, predominantemente, da experincia com o teatro. Devido forte influncia teatral na sua formao, a presena da palavra e da expresso verbal acaba se tornando uma caracterstica marcante. Porm, no se confunde com a representao teatral, pois o grupo segue a linha da ao presentificada num determinado tempo-espao, ao contrrio do teatro tradicional, no qual os atuantes representam personagens dentro de um tempo-espao metafrico. Embora a pesquisa no esteja concluda, a anlise das manifestaes e entrevistas revela, como resultado parcial, a presena da linguagem da performance em Joinville, demonstrando que a arte local est, a seu modo, traduzindo o incmodo, o estranhamento diante de um mundo marcado pelas intensas transformaes sociais, tecnolgicas, polticas e culturais contnuas. Nesse contexto, a performance enquanto linguagem se faz como evento que provoca reflexes e desfaz ou reafirma valores na vida cotidiana.Referncias BERMAN, Marshall. Tudo que slido desmancha no ar: a aventura da modernidade. So Paulo: Companhia das Letras, 1986. COELHO, Teixeira. Moderno ps-moderno. Porto Alegre; So Paulo: L&PM, 1986. COHEN, Renato. Performance como linguagem: criao de um tempo-espao de experimentao. So Paulo: Perspectiva; EdUSP, 1989. FAVARETO, Celso. O evento, Arte do tempo. Revista Sexta Feira, Hedra, n. 5, 2003. GEERTZ, Glifford. A interpretao das culturas. Petrpolis: Koogan, 1989. GLUSBERG, Jorge. A arte da performance. So Paulo: Perspectiva; EdUSP, 1987. HARVEY, David. Ps-Modernismo. In: Condio Ps-moderna. So Paulo: Loyola, 1992. LYOTARD, Jean Franois. A condio ps-moderna. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2002. Entrevistas concedidas BAUMANN, Eduardo. Grupo NIC Ncleo Integrado de Cultura. Joinville, 29 jul. 2004. FIAMONCINI, Giovanna. Grupo mpar de Performance. Joinville, 29 jul. 2004. FRANZI, Carlos. Grupo Papirus de Performance. Joinville, 4 ago. 2004. NARLOCH, Charles. A Linguagem da Performance Arte. Joinville, 3 ago. 2004.