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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MONALISA PIVETTA DA SILVA ARTE E LINGUAGEM: LEITURA DAS NARRATIVAS EM IMAGENS DE PINTURAS DE CHACHÁ (RICHARD CALIL BULOS) Tubarão 2011

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

MONALISA PIVETTA DA SILVA

ARTE E LINGUAGEM: LEITURA DAS NARRATIVAS EM IMAGENS DE

PINTURAS DE CHACHÁ (RICHARD CALIL BULOS)

Tubarão

2011

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MONALISA PIVETTA DA SILVA

ARTE E LINGUAGEM: LEITURA DAS NARRATIVAS EM IMAGENS DE

PINTURAS DE CHACHÁ (RICHARD CALIL BULOS)

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem.

Orientadora: Dra. Jussara Bittencourt de Sá

Tubarão

2011

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MONALISA PIVETTA DA SILVA

ARTE E LINGUAGEM: LEITURA DAS NARRATIVAS EM IMAGENS DE

PINTURAS DE CHACHÁ (RICHARD CALIL BULOS)

Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão, 25 de maio de 2011.

______________________________________________________

Professora e orientadora Jussara Bittencourt de Sá, Doutora.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________

Professora Heloisa Juncklaus Preis Moraes, Doutora.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________

Professor Gladir da Silva Cabral, Doutor.

Universidade do Extremo Sul Catarinense

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Dedico este trabalho aos meus pais, à Maiyara Borges

Vieira (in memoriam), a qual, por intermédio de seus

artigos, foi a base para o início deste trabalho, e à

professora Dra. Jussara Bittencourt de Sá.

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AGRADECIMENTOS

Ao longo do tempo em que esta dissertação foi escrita, acumulei muitas dívidas de

gratidão:

A Deus, razão de todas as coisas. A Lurdes e Luiz, meus pais, não somente pela

vida, mas por terem contribuído decisivamente para mais este passo significativo com

estímulo constante e incentivo, mais importante que o financeiro, e pelas sábias palavras; por

juntos serem exemplos de amor, trabalho e dedicação.

Ao professor Evandro Ricardo Guindani, pelo exemplo de sabedoria, por sua

amizade e incentivo e por se fazer presente em minha vida.

À professora Doutora Jussara Bittencourt de Sá, pela preciosa orientação científica e

aconselhamentos, pelo equilíbrio e tranquilidade transmitidos de forma contagiante em suas

palavras. Agradeço-lhe também pela compreensão das minhas limitações, pelo apoio e,

principalmente, o interesse e o conhecimento indispensáveis à realização deste trabalho.

Ao Programa de Mestrado em Ciências da Linguagem: da Unisul; ao coordenador

professor Doutor Fabio Rauen, Layla Antunes e Suelen Machado, pela presteza e ajuda. Além

de serem profissionais competentes, são pessoas cativantes. Aos demais professores Mario

Guidarini, Fábio Messa, Eliane Debus, Rosangela Morello, Sandro Braga, Maria Ester, pelos

conhecimentos divididos, por terem oportunizado as condições mínimas para meu

crescimento intelectual e, principalmente, como pessoa.

Aos meus primeiros colegas do mestrado, quando participei como aluna especial

(turma 2007, disciplina Semiótica), pessoas pelas quais guardo as melhores recordações. A

Mayiara pelo incentivo, amizade, apoio e conselhos, que me fizeram muita falta.

Aos colegas e amigos da turma de 2008, principalmente da linha de pesquisa

Linguagem e Processos Culturais, com quem compartilhei muitas experiências.

A Jacqueline Bulos Aisenman e Fatima Michels, pelo carinho que cederam as

informações que precisava para a concretização da dissertação.

Também não posso deixar de agradecer aos professores que contribuíram no

processo da pesquisa fazendo parte da Banca Examinadora de Qualificação,

Prof. Dr. Gladir da Silva Cabral e Profa. Dra. Heloisa Juncklaus Preis Moraes, obrigada pela

leitura atenta e pelas sugestões relevantes.

Aos amigos que mesmo de longe me acompanharam, o meu sincero obrigada e

apreço.

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e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso e aqui me meço

quando se vive sob a espécie da viagem o que importa não é a viagem mas o começo da por

isso meço por isso começo escrever mil páginas escrever milumapáginas para acabar com a

escritura para começar com a escritura para acabarcomeçar com a escritura por isso recomeço

por isso arremeço por isso teço escrever sobre escrever é o futuro do escrever sobrescrevo

sobrescravo em milumanoites milumapáginas ou uma página em uma noite que é o mesmo

noites e páginas mesmam ensimesmam onde o fim é o começo onde escrever sobre o escrever

é não escrever sobre não escrever e por isso começo descomeço pelo descomeço desconheço

e me teço um livro onde tudo seja fortuito e forçoso um livro onde tudo seja não esteja um

umbigodomundolivro um umbigodolivromundo um livro de viagem onde a viagem seja o

livro o ser do livro é a viagem por isso começo pois a viagem é o começo e volto e revolto

pois na volta recomeço reconheço remeço um livro [...] (Galáxias - Haroldo Campos)

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RESUMO

Esta pesquisa desenvolve um estudo sobre as linguagens verbal e não verbal, tendo como foco a linguagem artística. Partiu-se do pressuposto de que a imagem de cenas pode evocar narrativas. Nesse sentido, as imagens representadas em telas (linguagem não verbal) seriam enunciadoras de narrativas (linguagem verbal). Assim, na contemplação de uma tela poderíamos assistir/pensar uma história pelas imagens colocadas em cena. Para tanto, o objetivo da pesquisa foi investigar a relação entre linguagem verbal e não verbal, a partir da análise de imagens de seis obras (telas em óleo) do artista plástico Richard Calil Bulos, o Chachá. Analisamos as obras intituladas Vacas Magras, Fim do defeso, Hora da Missa, Virada do ano, Entardecer e Laguna, com o intuito de observar, na linguagem não verbal, os elementos visuais e as narrativas criadas, linguagem verbal, dos elementos da teoria literária. Entende-se que a leitura de imagem faz-se importante porque aponta para a possibilidade de ler aquilo que vemos. Refere-se, aqui, à apreciação significativa de arte e do universal a ela relacionada na convivência, no contato, na sensibilidade, na observação e na percepção. Observa-se que a linguagem, por meio de narrativas, revela-nos como o homem compreende a própria existência. As análises das obras de Chachá possibilitaram-nos, ainda, conhecer peculiaridades de sua linguagem artística em representar a vida, vivida e imaginada. A representação do cotidiano da comunidade pesqueira do município catarinense também reflete o cotidiano de muitas outras comunidades. Encontram-se nas obras de Chachá a presença de diferentes cores e símbolos que evocam o caráter dialógico, intertextual e polifônico de sua linguagem, à medida que se pode verificar a multiplicidade de vozes presentes e as relações que entre elas se estabelecem. Suas telas são promovedoras de narrativas que desvelam, entre outros aspectos, os tempos e os lugares. Assim, articulou-se pintura (linguagem não verbal) e literatura (linguagem verbal), sob perspectiva da narrativa. Observa-se que a pesquisa sobre a leitura de imagem enquanto narrativa faz-se importante à medida que enseja refletir sobre a possibilidade de ler, pensar e intertextualizar o que se vê. Confirmou-se, mediante análise das imagens, que estas evocam leitura ao serem observadas. Logo, ao criar narrativas, os espectadores estariam traduzindo o não verbal para o verbal, à medida que a obra evoca palavras. Palavras-chave: Linguagem verbal e não verbal. Pintura. Leitura. Literatura. Narrativa. Chachá.

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ABSTRACT

This research develops a study on the verbal and nonverbal languages, with a focus on language arts. This started from the assumption that the image of scenes can evoke narratives. In this sense, the images represented on paintings (non-verbal language) would be of narrative statements (verbal language). Thus in contemplation of a painting we could watch / think a story through pictures posted on the scene. For this, the research aimed to investigate the relationship between verbal and nonverbal, from the analysis of images of six artistic creations (oil on canvas) of the artist Richard Calil Bulos, the Chacha. We analyzed the works titled Lean Cows, Closed End, Time of Mass, Turn of the year, Dusk and Laguna, with the intention of observing in the visual elements and, the created narratives, non-verbal language, of the literary theory. It is understood that the reading of the image is also important because it points to the possibility of reading what we see. It refers, here, to the significant appreciation of art and the universal in living related to it, on contact, sensitivity, observation and perception. It is observed that the language, through narratives, reveals us how man understands his own existence. The analysis of the works of Chacha allowed us still to know the peculiarities of his artistic language to represent life, lived and imagined. The representation of everyday life in a fishing community in the municipality of Santa Catarina also reflects the daily life of many other communities. There are in the works of Chacha the presence of different colors and symbols that evoke the dialogical, polyphonic and intertextual in its language, to the extent that we can see the multiplicity of voices present and the relationships between them are established. His paintings promoters narratives that reveal, among other things, times and places. Thus, raised painting (non-verbal language) and literature (verbal language), from the perspective of the narrative. It is observed that the research on the reading of image as narrative it is important, as it entails reflecting on the ability to read, reflect and intertextualize what you see. It was confirmed through analysis of the images that they evoke reading to be observed. Therefore, by creating narratives, viewers would be translating the nonverbal to the verbal, in proportion that the work evokes words. Keywords: Verbal and nonverbal language; Painting; Reading; Literature; Narrative; Chacha.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Os filhos Karim e Jacqueline; a esposa, Terezinha, e o artista ....................... 56

Figura 2 Charge e caricatura, Jornal AvozdaLaguna .................................................... 58

Figura 3 Charge – Jornal Avozdalaguna ....................................................................... 58

Figura 4 Jornal O tambor .............................................................................................. 59

Figura 5 Tela Dançarinos ............................................................................................. 60

Figura 6 Tela Minha Cidade – Pintura Ingênua ........................................................... 62

Figura 7 Cartaz de sua exposição, realizada na Organização Mundial de Propriedade

Intelectual, em Genebra – Suíça – Com o tema A paz em Cores ................... 64

Figura 8 Tela Vacas Magras ......................................................................................... 66

Figura 9 Tela Fim do defeso .......................................................................................... 69

Figura 10 Tela Hora da Missa ........................................................................................ 71

Figura 11 Tela Virada do ano ......................................................................................... 72

Figura 12 Tela Entardecer .............................................................................................. 75

Figura 13 Tela Laguna .................................................................................................... 76

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..................................................................... 15

2.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A LINGUAGEM ............................. 15

2.2 ARTE E LINGUAGEM: REFLETINDO SOBRE A LINGUAGEM

ARTÍSTICA.......................................................................................................... 20

2.3 ARTE VISUAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE A LINGUAGEM NÃO

VERBAL .............................................................................................................. 23

2.3.1 Elementos da arte visual..................................................................................... 24

2.4 ARTE EM PALAVRAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A LINGUAGEM

VERBAL .............................................................................................................. 28

2.5 SOBRE O GÊNERO NARRATIVO: ELEMENTOS E CARACTERÍSTICAS . 31

2.5.1 Enredo .................................................................................................................. 33

2.5.2 Espaço .................................................................................................................. 34

2.5.3 Tempo .................................................................................................................. 35

2.5.4 Personagens ......................................................................................................... 37

2.5.5 Narrador .............................................................................................................. 42

2.6 LEITURA DE IMAGENS .................................................................................... 44

3 ANÁLISE ............................................................................................................. 52

3.1 PERCURSO METODOLÓGICO ........................................................................ 52

3.2 O ARTISTA E SEU LUGAR: ASPECTOS DE SUA BIOGRAFIA ................... 55

3.3 AS TELAS DE CHACHÁ .................................................................................... 65

3.3.1 O Trabalho: As Vacas Magras, O Defeso e O Fim do Defeso .......................... 66

3.3.1.1 Vacas Magras – a imagem da cena ...................................................................... 66

3.3.1.2 Fim do defeso – A imagem da cena ...................................................................... 68

3.3.2 Sobre as telas ....................................................................................................... 70

3.3.3 Sincretismo religioso: Hora da Missa e A Virada do Ano ................................ 71

3.3.3.1 Hora da Missa – A imagem da cena..................................................................... 71

3.3.3.2 Virada do Ano – A imagem da cena ..................................................................... 72

3.3.4 Sobre as telas ....................................................................................................... 73

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3.3.5 O cotidiano: Entardecer e Laguna ..................................................................... 74

3.3.5.1 Entardecer – A imagem da cena........................................................................... 75

3.3.5.2 Laguna – A imagem da cena ................................................................................ 76

3.3.6 Sobre as telas ....................................................................................................... 77

3.4 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CARÁTER DIALÓGICO,

POLIFÔNICO E AS INTERTEXTUALIDADES NAS OBRAS DE

CHACHÁ.............................................................................................................. 78

3.5 AVALIANDO ALGUNS ASPECTOS DA LINGUAGEM VISUAL NAS

OBRAS DE CHACHÁ ......................................................................................... 83

3.5.1 Interpretando as cores ........................................................................................ 89

3.5.2 Considerações sobre a presença e a ausência de imagens ............................... 91

3.6 AS TELAS DE CHACHÁ: CRIANDO E ANALISANDO NARRATIVAS ...... 94

3.7 AS IMAGENS COMO NARRATIVAS .............................................................. 97

3.7.1 Sobre os Elementos da Narrativa ...................................................................... 99

3.7.1.1 Os temas ................................................................................................................ 99

3.7.1.2 O narrador ............................................................................................................. 99

3.7.1.3 As personagens ..................................................................................................... 100

3.7.1.4 O Espaço ............................................................................................................... 101

3.7.1.5 O Tempo ............................................................................................................... 102

4 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 104

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 109

ANEXOS .............................................................................................................. 114

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1 INTRODUÇÃO

Na história da humanidade o homem sentiu a necessidade de se comunicar desde

o princípio. Aos poucos, foi emitindo sons vocálicos que demonstravam seu modo de

observar o mundo físico e, também, expressavam seus sentimentos e suas sensações, como o

medo, a fome, a alegria, a tristeza, entre outros. Logo, ao se estudar a história da humanidade,

constata-se a relevância da linguagem por possibilitar a comunicação/interação humana, que,

por sua vez, fundamenta-se pela linguagem verbal e não verbal. Conforme afirma Dondis

(2007, p. 2), “[...] a linguagem é simplesmente um recurso de comunicação próprio do

homem, que evoluiu desde sua forma auditiva, pura e primitiva, até a capacidade de ler e

escrever”.

Portanto, foi a posse da língua(gem) o que distinguiu o homem dos outros seres. A

humanidade aprendeu a importância das linguagens e, mesmo antes da escrita (transcrição do

verbal), já havia criado um sistema de comunicação através das imagens, ou seja, pelo não

verbal. Na Pré-história, o homem deixava marcas nas paredes, símbolos que traduziam a vida

nas cavernas. Segundo Buoro (2003, p. 19), “[...] uma das primeiras referências da existência

humana na terra aparece nas imagens desenhadas nas cavernas, que hoje chamamos de

imagens artísticas”. Nesse sentido, caberia afirmar que a arte está presente no mundo desde

que o homem é homem. A linguagem artística, no caso da não verbal, foi, ao longo da

história, apropriando-se de traços específicos, aprimorando-se, remetendo a um agir e um

fazer mais cuidadoso, mais primoroso, composto de sentimentos. Em tal processo, a imagem

edificar-se-ia como resultado e promovedora de fantasia, de identidade e de mensagem.

A linguagem das artes plásticas ocorre a partir da experiência com os elementos e

princípios da forma: linha, cor, valor, ritmo, movimento, luz-sombra e texturas; e é o

resultado do processo criativo subentendido como interpretação e representação. Assim,

alguns questionamentos emergem dessas considerações. Todas as imagens reportariam a

narrativas? Como poderiam ser apreendidos os elementos da narrativa na imagem?

Sabe-se que dentre os diferentes processos de interação da linguagem, o ato de

narrar pode ser considerado como um dos mais relevantes. A linguagem verbal mediante

narrativas revela-nos como o homem compreende a própria existência.

Assim, por intermédio dessas indagações/reflexões, desenha-se o objetivo da

presente pesquisa, que é investigar a relação entre linguagem verbal e não verbal, a partir da

análise de imagens de seis obras (telas em óleo) do artista Richard Calil Bulos (Chachá).

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Como objetivos específicos, procuram-se analisar as obras intituladas Vacas Magras, Fim do

defeso, Hora da Missa, Virada do ano, Entardecer e Laguna com o intuito de observar os

elementos da linguagem plástica e da narrativa que delas se ensejam; analisar como ocorre a

aproximação do imaginário representando às questões do cotidiano vivenciado por moradores,

avaliando o caráter dialógico e polifônico da arte.

Verifica-se que, se uma imagem promoveria pensamentos, mensagens, também

poderia ser apreendida como tradutora e enunciadora de histórias. No âmbito dessas reflexões,

desenvolve-se a presente pesquisa. Partimos do pressuposto de que a imagem de cenas pode

evocar narrativas. Nossa hipótese é de que as imagens representadas em telas (linguagem não

verbal) são enunciadoras de narrativas (linguagem verbal). Assim, na contemplação de uma

tela, poderíamos assistir/pensar em uma história pelas imagens colocadas em cena. Para tanto,

propusemo-nos inserir no corpus deste estudo, narrativas que criamos a partir das imagens das

telas em análise.

Este estudo possui cunho qualitativo e empreende como metodologia os pressupostos

da pesquisa bibliográfica. A elaboração da análise recorre aos pressupostos de Massaud

Moisés acerca da análise literária, para investigar os elementos da microestrutura, tendo em

vista a macroestrutura das narrativas. Observa-se, portanto, os dois níveis: a análise

microscópica, ou microanálise, que visa ao exame das microestruturas, e a análise

macroscópica, ou macroanálise, que se volta para a interpretação das macroestruturas

(MOISÉS, 1984, p. 86). A microestrutura envolve elementos do texto, como personagens,

tempo, lugar, ação, narrador, entre outros. A macroestrutura objetiva o “todo”, uma visão

totalizante que, envolvendo os elementos da microestrutura, compõe o corpo da narrativa.

Elas não podem ser vistas, mas apenas supostas ou imaginadas. O conjunto de elementos

expostos pela microanálise irá constituir a base da macroanálise. Recorremos, também, aos

pressupostos de: Mikhail Bakhtin (1997; 2003) ao trabalhar a linguagem, dialogismo e

polifonia; Donis Dondis (2007), por enunciar os elementos que compõem a imagem, bem

como a possibilidade dramática de transmitir informações; e Alberto Manguel (2001), por

apresentar a possibilidade da leitura de imagens enquanto narrativa.

A escolha do tema deste estudo decorreu primeiramente pelo interesse da

pesquisadora em estudar a linguagem artística. Durante as pesquisas desenvolvidas no

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, da Unisul, instigou-nos adentrar

pelo estudo que promoveria reflexões sobre a linguagem não verbal e a linguagem verbal em

um mesmo lugar enunciativo, em especial, na arte. O contato com as obras de Richard Calil

Bulos (Chachá) possibilitou-nos conhecer peculiaridades de sua linguagem artística em

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representar a vida, vivida e imaginada. Percebemos, então, a relevância de elaborar nossa

pesquisa, tendo como objeto de análise obras desse artista. Durante a pesquisa constatamos

que ainda são extremamente restritas as investigações sobre suas obras pela academia.1

Convém destacar que foram eleitas para a investigação obras datadas de 1986 a

2006, ou seja, concentradas em 20 anos. A escolha aconteceu por ser esse o período em que o

artista teve grande projeção e consolidou sua identidade regional, nacional e internacional

como transfigurador do local em diálogo com o universal. Sobre a temática, convém sublinhar

que as obras selecionadas revelam o cenário das praias de Laguna, que pode ser apreendido

em outros lugares. O artista Richard Calil Bulos (Chachá) (1935-2007) era natural do Rio de

Janeiro, mas viveu já desde a infância em Laguna, Santa Catarina. A vida na cidade

catarinense, a convivência com os pescadores, e com a comunidade ribeirinha influenciaria

profundamente a temática de suas obras.

Observa-se que a pesquisa a respeito das linguagens verbal e não verbal,

avaliando a imagem como narrativa a partir da análise de obras de Chachá, faz-se relevante à

medida que enseja refletir sobre a possibilidade de ler, pensar e intertextualizar o que se vê. A

apreciação significativa da arte e do universal a ela relacionada na convivência pode despertar

a sensibilidade na observação, na percepção, dentre outros.

Esta dissertação apresenta no primeiro capítulo considerações introdutórias à

pesquisa. O segundo tece a fundamentação teórica que dá suporte ao estudo. Este capítulo

desenha reflexões acerca de arte e linguagem, bem como elementos da arte visual, e o gênero

narrativo, destacando os aspectos que configuram como narrativas. São estabelecidas

características essenciais com base nas teorias da literatura e leitura de imagens. No terceiro

capítulo é desenvolvida a análise. Inicialmente, são apresentados aspectos da biografia do

artista. Na continuidade, destacam-se os procedimentos metodológicos da pesquisa e, na

sequência, as imagens das seis telas que são analisadas a partir do escopo teórico

desenvolvido. Neste observam-se as temáticas, os aspectos intertextuais, polifônicos e

dialógicos, os elementos da linguagem não verbal (visuais) e da linguagem verbal (narrativa).

No último capítulo são apresentadas reflexões finais acerca do estudo desenvolvido.

As linhas que tecem este estudo pretendem destacar linguagens, a arte, e a leitura

de imagem como entrecruzamento de linguagens. Sublinha-se que a leitura da imagem

pressupõe a relação com a cultura, o social e o histórico e se efetiva a partir das formações

1 Acerca do referido artista e suas obras, observamos que aparece oficialmente registrada apenas a monografia de conclusão de curso de Fabiano Espíndola Siqueira, intitulada Artista e o seu Lugar: a arte de Chachá. 2005. Curso (Letras), Universidade do Sul de Santa Catarina.

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sociais em que se encontram tanto o autor quanto o espectador/leitor. Entende-se, assim, que o

resultado final é a verdadeira manifestação do artista e a leitura do espectador. Por intermédio

da leitura de imagens ocorre o encontro desses dois autores, o artista e o espectador, portanto

a leitura se torna, assim, uma construção de sentidos, como possibilidade de provocar

narrativas pelas imagens e pela imaginação.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A LINGUAGEM

A arte é constructo da cultura humana e é criada a partir da linguagem. Cada

manifestação artística possui sua linguagem peculiar. Neste estudo, entendemos ser

importante que, inicialmente, demarquemos algumas reflexões acerca da linguagem. O

pensamento de que por meio da linguagem se manifestam as produções sociais e que o sujeito

se forma nas relações com outros sujeitos remete-nos às ideias de Mikhail Bakhtin (1997).

A linguagem pode ser entendida como um trabalho, uma prática de caráter

institucional, e através dela se manifestam as produções sociais, o sujeito se forma nas

relações com os outros sujeitos. Para o autor, a língua é um fato social, e sua existência vem

da necessidade de comunicação. Bakhtin (1997) valoriza justamente a fala, a enunciação, e

afirma sua natureza social, não individual: a fala está indissoluvelmente ligada às condições

da comunicação, que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais (BAKHTIN,

1997, p. 16). Dessa forma, a unidade linguística privilegiada por Bakhtin é a enunciação, que

se apresenta como recorte de um diálogo ininterrupto no processo de interação verbal. Para

Bakhtin (1997, p. 123, grifo do autor).

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.

O sentido dos enunciados nasce do movimento da própria enunciação, de tudo o

que compõe o quadro enunciativo, nas práticas sociais. A unidade básica de análise

linguística, para Bakhtin (1997), é o enunciado, ou seja, elementos linguísticos produzidos em

contextos sociais reais e concretos como participantes de uma dinâmica comunicativa.

Bakhtin (1997) afirma que o sujeito se constitui ouvindo e assimilando as palavras

e os discursos do outro, fazendo com que essas palavras e discursos sejam processados de

forma que se tornem, em parte, as palavras do sujeito e, em parte, as palavras do outro. Todo

discurso constitui-se de uma fronteira do que é seu e daquilo que é do outro. Tal princípio é

denominado por Bakhtin (1997) como dialogismo.

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Robert Stam (1992), sobre o pensamento de Bakhtin, afirma que encontramos

variações do tema da linguagem e do dialogismo: poliglossia, heteroglossia, polifonia,

dialogismo. “Todos os termos estão associados à comunicação através da diferença, tanto

entre pessoas como entre textos ou grupos sociais” (STAM, 1992, p. 12).

As ideias de Bakhtin a respeito do homem e da vida são caracterizadas pelo

princípio dialógico. Para Bakhtin (1997), cada enunciado ou palavra nascem como resposta a

um enunciado anterior e espera, por sua vez, uma resposta. Assim, a linguagem é

compreendida como interação verbal de relação dialógica. O outro é imprescindível para a

constituição do homem.

através do outro procuramos compreender e levar em conta os momentos transgredientes a nossa própria consciência: desse modo levamos em conta o valor da nossa imagem externa do ponto de vista da possível impressão que ela venha a causar no outro [...] (BAKHTIN, 2003, p. 13-14).

Bakhtin (1997) argumenta que cada um de nós ocupa um lugar e um tempo

específico no mundo e que cada um é responsável ou “respondível” por suas atividades. Estas

ocorrem nas fronteiras entre o eu e o outro, portanto a comunicação entre as pessoas tem uma

importância fundamental:

Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da compreensão, antecipa-as. Cada inscrição constitui uma parte inalienável da ciência ou da literatura ou da vida política. Uma inscrição, como toda enunciação monológica, é produzida para ser compreendida, é orientada para uma leitura no contexto da vida científica ou da realidade literária do momento, isto é, no contexto do processo ideológico do qual ela é parte integrante. (BAKHTIN, 1997, p. 98).

O sujeito é visto por Bakhtin (1997) como sendo imbricado em seu meio social,

sendo permeado e constituído pelos discursos que o circundam. Cada sujeito é um híbrido, ou

seja, uma arena de conflito e confrontação dos vários discursos que o constituem; cada um

desses discursos, ao confrontar-se com os outros, visa a exercer uma hegemonia sobre eles.

Tanto o indivíduo (enquanto ser social) quanto a comunidade também se

constituem em arena de conflito de discursos concorrentes, um fenômeno que Bakhtin chama

de polifonia ou heteroglossia. De acordo com esses conceitos, cada língua, como cada

indivíduo, é formado por variantes conflitantes – sociais, geográficas, temporais, profissionais

e outros – todas sujeitas à questão do poder. O poder é instável e mutável, sob constante

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ameaça dos outros elementos da polifonia que objetivam desalojar o elemento que,

porventura, seja o dominante em dado momento. Essa caracterização do poder aponta para a

necessidade da negociação.

Stam cita Bakhtin ao afirmar que “cada língua é a arena onde competem “acentos”

sociais diferentemente orientados [...] toda comunicação impõe um aprendizado da linguagem

do outro. (STAM, 1992, p. 12).

Para Bakhtin (1997), a linguagem analisada dessa forma reflete-se como arena de

conflitos, é inseparável da questão do poder; para ele, cada signo, mais do que um mero

reflexo, ou substituto da realidade, é materialmente constituído no sentido de ser produzido

dialogicamente no contexto de todos os outros signos sociais.

Nesta perspectiva bakhtiniana, a linguagem é de natureza ideológica porque

reflete os valores sociais daqueles que a põem em funcionamento. Stam (1992, p. 17) define

que a complementaridade de visões, compreensões e sensibilidades forma o cerne da noção de

diálogo na concepção de Bakhtin, o eu se constrói em colaboração.

A linguagem não é um sistema acabado; nas palavras de Bakhtin (1997, p. 108),

[...] os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar [...] Os sujeitos não adquirem a língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência.

O que Bakhtin chama de “a palavra”, ou seja, a linguagem no sentido mais amplo,

é o “fenômeno ideológico por excelência”, e o meio mais puro e mais sensível de interação

social. Explica Stam (1992, p. 31):

[...] é devido ao papel excepcional de instrumento da consciência que a palavra funciona como elemento essencial que acompanha toda criação ideológica seja ela qual for. A palavra acompanha e comenta todo ato ideológico. Os processos de compreensão de todos os fenômenos ideológicos (um quadro, uma peça musical, um ritual ou um comportamento humano) não podem operar sem a participação do discurso interior. Todas as manifestações da criação ideológica – todos os signos não verbais – banham-se no discurso e não podem ser nem totalmente isoladas, nem totalmente separadas dele. (BAKHTIN, 1997, p. 37-38).

Nessa perspectiva, o autor explica que, quando tomamos consciência do signo

cultural, ele não fica isolado, “a consciência tem o poder de abordá-lo verbalmente”. Dessa

forma, “a concepção ampla de dialogismo, oferece inúmeras implicações para os estudos

sobre cultura” afirma Stam (1992, p. 27).

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Conforme aponta Stam, Bakhtin vê a linguagem em toda a parte, “[...] todas as

manifestações de criatividade ideológica estão imersas, suspensas no elemento do discurso, do

qual não podem ser inteiramente segregadas ou desligadas” (STAM, 1992, p. 62). Bakhtin

ainda escreve:

A esse sistema correspondem no texto tudo o que é repetido e reproduzido e tudo que pode ser repetido e reproduzido, tudo o que pode ser dado fora de tal texto (o dado). Concomitantemente, porém, cada texto (como enunciado) é algo individual, único e singular, e nisso reside todo o seu sentido (a sua intenção em prol da qual ele foi criado). É aquilo que nele tem relação com a verdade, com a bondade, com a beleza, com a história. Em relação a esse elemento, tudo o que é suscetível de repetição e reprodução vem a ser material e meio. (BAKHTIN, 2003, p. 309-310).

A definição abrangente de Bakhtin para texto como aquilo que diz respeito a toda

produção cultural fundada na linguagem (e para Bakhtin não há produção cultural fora da

linguagem), tem o efeito de apagar as linhas divisórias entre as disciplinas (STAM, 1992 p. 13).

Assim, de acordo com Bakhtin (2003, p. 307), “se entendido o texto no sentido amplo como

qualquer conjunto coerente de signos, a ciência das artes (a musicologia, a teoria e a história

das artes plásticas) opera com textos (obras de arte). São pensamentos sobre pensamentos,

vivências das vivências, palavras sobre palavras, textos sobre textos”. Portanto, entende-se

que uma produção artística pode-se considerar, na visão do autor, um texto passível de leitura.

O autor ainda afirma que “todo sistema de signos (isto é, qualquer língua),[...]

sempre pode ser decodificado, isto é, traduzido para outros sistemas de signos (outras

linguagens)” (BAKHTIN, 2003, p. 311).

Dessa maneira, é correto afirmar que a linguagem, no caso desta pesquisa, a

linguagem artística proporcionada pelo texto não verbal, possibilita enunciados que se

constroem através de outros enunciados, ou outros textos. Cada enunciado proferido é

constituído de vozes, de lugares variados, ou várias fontes (polifonia), o que significa que um

texto sempre se vincula a outros textos de várias origens, o dialogismo.

Stam (1992, p. 34) defende que “[...] a concepção de intertextualidade2 permite-

nos ver todo o texto artístico como estando em diálogo não apenas com outros textos

artísticos, mas também com seu público”. O conceito multidimensional e interdisciplinar do

dialogismo, exemplifica o autor,

2 Versão de dialogismo. Kristeva diz que “[...] todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade, instala-se a de intertextualidade” (KRISTEVA, 1974, p. 64, grifo da autora).

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[...] se aplicado a um fenômeno cultural como um filme, por exemplo, referir-se-ia não apenas ao diálogo dos personagens no interior do filme, mas também ao diálogo do filme com filmes anteriores, assim como ao diálogo de gêneros ou de vozes de classe no interior do filme [...], além disso, poderia referir-se também ao diálogo que conforma o processo de produção específico (entre produtor e diretor, diretor e ator) assim como as maneiras como o discurso fílmico e conformado pelo público, cujas reações potenciais são levadas em conta. (STAM, 1992, p. 34).

Bakhtin (2003) comenta que no trabalho da linguagem é inevitável que se

produzam sentidos, os quais estão sempre atrelados a uma moldura social e a uma audiência.

A língua e as diferentes linguagens verbais ou não verbais são determinadas por uma

ideologia. O contexto da criação artística se constitui pela prática da linguagem. As condições

em que ocorre essa linguagem (sejam os valores, ideias, conceitos, sentimentos e crenças) são

determinadas pela cultura a que pertencem, envolvendo atores, temas e circunstâncias.

Os sentidos que são elaborados na coletividade compõem efeitos produzidos a

cada instante, a cada situação. Nesse sentido, as manifestações artísticas têm o caráter

polifônico, ou seja, cada voz explora vozes próximas ou distantes, e as vozes de cada um

podem revelar valores contraditórios, produtores de confrontos.

Na história da humanidade, a posse da linguagem está diretamente relacionada à

arte. As artes são, assim, tão antigas quanto a própria humanidade. No decorrer dos anos, o

homem começou a emitir sons musicais, a ilustrar os espaços com imagens, a dar formas aos

diferentes materiais que encontrava, expressar-se através de gestos, a grafar sua imaginação. O

homem expressou e interpretou o mundo que vivia pela linguagem da arte. Buoro (2003)

comenta que a linguagem na arte evoca interpretação e representação do mundo. Para a autora,

[...] enquanto forma privilegiada dos processos de representação humana é instrumento essencial para o desenvolvimento da consciência, pois propicia ao homem o contato consigo mesmo e com o universo. Por isso, a arte é uma forma de o homem entender o contexto ao seu redor e relacionar-se com ele. O conhecimento do meio é básico para a sobrevivência, e representá-lo faz parte do próprio processo pelo qual o ser humano amplia seu saber. (BUORO, 2003, p. 20).

É oportuno acentuar que as produções artísticas participam das manifestações

estéticas da vida, tanto direta quanto indiretamente. Elas são concretizadas pelos artistas que a

produziram, mas somente vão se completar com a participação das outras pessoas (o público)

que com elas se relacionam. O artista expressa seus pensamentos mediante linhas, cores e

formas e, ao ler a imagem, o leitor traz um olhar interpretativo. O dialogismo, então, acontece

no momento em que a obra recorre a outras leituras, outros textos já existentes como fator de

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construção de sentido. Nessa perspectiva, a arte enquanto texto não verbal é promovedora do

diálogo.

De acordo com o pensamento de Bakhtin “toda compreensão é prenhe de resposta,

e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente” [...] “A compreensão passiva do

significado do discurso ouvido é apenas um momento da compreensão ativamente responsiva

real e plena, que se atualiza na subseqüente resposta em voz real alta” (BAKHTIN, 2003, p.

271). O autor ainda explica que nem sempre a resposta ocorre imediatamente após o

enunciado; a resposta pode se realizar por intermédio da ação, ou como compreensão

responsiva silenciosa. Pode-se relacionar essa afirmação que Bakhtin faz do ouvinte, com o

leitor/espectador, que assume uma atitude responsiva diante do que lê ou vê.

2.2 ARTE E LINGUAGEM: REFLETINDO SOBRE A LINGUAGEM ARTÍSTICA

Na continuidade das reflexões, destacamos que a arte ao representar a vida

promove pensamentos, evoca reflexões. A arte é um fenômeno da cultura humana e se faz por

meio da linguagem que lhe é peculiar. Pensar sobre a arte é também pensar sobre a linguagem

e o que esta enuncia, é analisar as obras, como também suas condições textuais e

extratextuais, estéticas, sociais e culturais.

Em sua etimologia, a palavra latina (ars) deu origem ao vocábulo arte na língua

portuguesa, oriundo do verbo articular, que denota a ação de fazer junturas entre as partes de

um todo. Assim, a linguagem artística “manifestada desde os primeiros momentos da história

do homem e estruturada, em cada época e cultura, de maneira singular, o conhecimento dessa

linguagem contribuirá para maior conhecimento do homem e do mundo” (BUORO, 2003, p.

33).

Buoro (2002, p.54) fala da relação entre o objeto artístico e as experiências

pessoais do artista, que “ao construir seu objeto, torna visíveis seus pensamentos, emoções e

sentimentos, organizando-os num texto visual prenhe de significados” portanto ficam visíveis

os pensamentos do artista na construção de sua obra, exposta pela autora como “objeto da

arte”, talvez por ser o pensar sobre sentimentos, algo que foge de certa forma do particular.

“O artista é um criador da linguagem que busca compreender também os modos de produção

de linguagem de outros artistas, dialogando com eles”. A soma desses outros olhares e o

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dialogo entre eles faz com que o artista consiga enviar a mensagem através da leitura visual.

A autora corrobora ainda a importância de entender essa linguagem: “Entender esse diálogo

plástico é participar do mundo da criação, é aprofundar-se nos conteúdos da leitura visual”.

(BUORO, 2002, p. 54).

Bosi explica que a arte tem representado uma atividade fundamental do ser

humano, “atividade que, ao produzir objetos e suscitar certos estados psíquicos no receptor,

não esgota absolutamente o seu sentido nessas operações” (1986, p. 8). Dessa forma: “A arte

é um fazer. A arte é um conjunto de atos pelos quais se muda a forma, se transforma a matéria

oferecida pela natureza e pela cultura. Nesse sentido, qualquer atividade humana, desde que

conduzida regularmente a um fim, pode chamar-se artística” (BOSI, 1986, p. 13).

O autor define que a manifestação artística advém da realidade (BOSI, 1986).

Para produzir, o artista precisa de liberdade de expressão a fim de que o seu imaginário e suas

ideias recriem através da arte o mundo no qual vivemos.

Para Manguel descobrimos através das artes que, mesmo as limitações das

imagens mais antigas da vida humana, que eram apenas “simples linhas e cores borradas”; o

pensamento artístico, era algo inerente ao homem. Portanto mesmo alheio a necessidade de

comunicação visual, existia a preocupação com o registrar a presença de idéias através de

símbolos e sinais. Manguel ainda expõe que “riscamos traços ou estampamos a palma da mão

nas paredes de nossas cavernas para assinalar nossa presença, para preencher um espaço

vazio, para comunicar uma memória ou um aviso, para sermos humanos pela primeira vez”.

(MANGUEL, 2001, p. 30).

O pensamento de Ostrower reforça Manguel quando fala da arte como linguagem

natural dos homens. “Essa linguagem artística atravessa séculos e milênios, fronteiras

geográficas e culturas das mais diversas, consegue preservar significados para os que vivem

hoje, e provavelmente para aqueles que viverão amanhã”. Ao analisar a importância da arte,

Ostrower ressalta que “[...] a arte pode ser considerada uma linguagem universal” “Todos nós

dispomos da potencialidade dessa linguagem e, sem nos darmos conta disso, usamos seus

elementos com a maior espontaneidade ao nos comunicarmos uns com os outros”.

(OSTROWER, 1999, p. 27).

Para Chauí (1994), as obras de arte inspiram-se em fato e fenômenos da realidade,

porém apresentam características transgressivas e inovadoras, plasmando novas formas e

conteúdos. Ainda afirma que “as metáforas, os ícones, os símbolos da arte, como criações

originais e inusitadas, transfiguram o real apresentando novos horizontes e rumos que

possibilitam outras formas de relação com as coisas, com a vida”(CHAUÍ, 1994, p. 310).

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Chauí coloca a capacidade individual não somente no criar, mas no poder de sentir os efeitos

do cotidiano com um olhar voltado para a possibilidade de transformar em arte ou absorver o

conteúdo artístico das coisas que fazemos e buscamos.

A linguagem artística possui a capacidade mágica e alquímica de inaugurar, de

renovar e de transmutar o real; de tornar diferentes as subjetividades, dando novas formas e

sentidos aos sentimentos, crenças, paixões, valores. Conforme Chauí (1994, p. 315), “[...] o

artista busca o mundo em estado nascente”. Ao adentrar no plano da fantasia, do imaginário

mítico, do sonho, da intuição, a imaginação vem à cena, a sensibilidade poética é promovida e

o extraordinário pode ser manifestado.

A arte, para Buoro (2003, p. 24) “aparece no mundo humano como forma de

organização, como modo de transformar a experiência vivida em objeto de conhecimento que

se desvela por meio de sentimentos, percepções e imaginação”. Os elementos e fatos mais

cotidianos e/ou ordinários são apropriados pelo artista e transfigurados nas formas artísticas,

que despertam, suscitam sensações e sentidos novos. À medida que o novo é instituído, a arte

pode abrir novos sentimentos.

Conforme mencionado anteriormente, a produção artística como uma atividade

integrada ao contexto social em que ocorre a interação do fazer humano com o universo do

fazer. De acordo com Buoro (2003, p. 25), as “mudanças que a arte sofre são produtos das

transformações que se processam na realidade social e se refletem nos meios da produção

artística [...] Cada época com suas características”. É preciso, entretanto, reconhecer que a arte

se realiza como uma forma específica dessa ação e se desenvolve segundo um tipo de

pensamento que lhe é próprio.

A experimentação de novas técnicas e/ou novas utilizações representa uma

necessidade de inovação que é inerente ao ser que é criador em sua essência. Assim, pode-se

observar o estreitamento dos laços entre as artes: literária, visuais, cênicas, música e outros

ramos das ciências humanas.

Observa-se também que, conforme Buoro (2002, p. 59), “o contato com a arte e

seus conteúdos proporciona aos nossos olhos novos modos de ver e compreender a realidade,

modos esses capazes de desvendar não apenas aquilo que somos, mas também muito da

matéria que a própria realidade se constitui.” Caberia afirmar, portanto, que a arte ajuda a

conhecer e, também, que o ato de ler, de decodificar a gramática visual, corporal e sonora

contribui na apreensão dos signos, à medida que se pode transpor o representado para refletir

sobre a vida, o mundo presente.

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1.1 2.3 ARTE VISUAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE A LINGUAGEM NÃO VERBAL

A arte visual, assim como a música, a dança, entre outras, são artes representadas

através da linguagem não verbal. Ostrower (1999, p. 23) explica que o conteúdo expressivo

das pinturas não se articula de maneira verbal, através de palavras, mas através de formas.

“São sempre as formas que se tornam expressivas”.

Para Ostrower (1999, p.23), “na arte, o não verbal apenas indica que o modo de

comunicação não pressupõe a mediação de palavras [...] na pintura não há e nem haverá

verbalização, a expressão é de ordem formal, quer dizer, ela ocorre através de formas visuais,

ou visuais táteis”. Além disso, as imagens podem proporcionar, evocar sentimentos,

conhecimento, sensações e percepções. Observam-se, nelas, elementos e princípios da forma,

como a linha, cor, ritmo, movimento, luz-sombra e texturas. A arte visual é o resultado do

processo criativo encarado como interpretação e representação pessoal de vivências, com o

objetivo de avaliar as influências do meio sociocultural na construção do conhecimento.

Dondis (2007, p. 82), comenta que os elementos que compõem os meios visuais

(o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a escala, a dimensão e o

movimento), “constituem os ingredientes básicos com os quais contamos para o

desenvolvimento do pensamento e da comunicação visuais” e “apresentam o dramático

potencial de transmitir informações de forma fácil e direta”, portanto a mensagem pode ser

apreendida naturalmente, basta observar.

A imagem foi uma das primeiras formas de comunicação entre os primitivos e

com o passar dos tempos tem sido uma das linguagens que faz o ser humano pensar e se

relacionar com o outro. Muitas vezes, coloca em cena momentos que instigam a reflexão dos

tempos. Buoro (2002, p. 35), destaca que a “imagem ocupa um espaço considerável no

cotidiano do homem contemporâneo” onde os meios de comunicação de massa produzem

imagens incessantemente, e não há que não seja afetado ou “passe impune” por sua presença.

Uma pintura não é desprovida de significação. É documento sócio-histórico de

uma época, de um lugar, de um grupo social. As pinturas podem determinar territórios sociais

e estabelecer maneiras de ver e viver de acordo com a imagem que ali representam. Ostrower

(1999) afirma que “[...] a imagem é sempre uma forma estruturada, nela se condensa toda uma

gama de pensamentos, emoções e valores”. Para a autora, “[...] o artista pensa diretamente nos

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termos de sua linguagem visual, ou seja, ele pensa em cores, linhas, ritmos, proporções. Sua

arte materializa/ representa seus sentimentos, sua percepção”. (OSTROWER, 1999, p. 59).

Na elaboração da obra de arte, Buoro (2002, p. 152) considera que “ao escolher o

formato de sua tela, o artista determina de saída um campo significante, onde pretende

construir seu texto visual.” Assim, “é a gestualidade do pintor que instala um eu, isto é, a

presença de um sujeito que se expressa na gestualidade da ação de pintar, impressa na

materialidade da tela”.

2.3.1 Elementos da arte visual

O artista, no seu fazer artístico, expõe e coloca em cena os elementos que fazem

parte da sua imaginação, do seu repertório, criando sua obra e imprimindo nela peculiaridades

de sua linguagem.

As imagens podem ser interpretadas de maneiras diferentes, conforme o contexto

cultural de cada indivíduo que a observa. “Uma imagem pintada, esculpida, fotografada,

construída e emoldurada é também um palco, um local para a representação”. Para Manguel o

que o artista cria, e o que o espectador vê no placo, como representação “confere à imagem

um teor dramático, como que capaz de prolongar sua existência por meio de uma história cujo

começo foi perdido pelo espectador e cujo final o artista não tem como conhecer” (2001, p.

291). Portanto toda obra não é apenas uma peça, uma história, mas um palco e o espectador

imagina estar em uma plateia e passa a ampliar e dar rumos diferentes ao que visualiza. O

artista pode expor sua obra no pequeno mundo de uma tela, uma escultura ou fotografia, mas

o alcance do efeito da dramatização pode sugerir muitos caminhos e interpretações.

Ostrower entende a expressão “linguagem artística” como a construção do artista,

que aplica o que, em seu cotidiano conhece, e cria através de seus instintos. A capacidade de

transformar uma superfície sem vida, em um espaço capaz de sugerir várias interpretações, é a

expressão desta gramática da linguagem visual. O artista, nas palavras de Ostrower (1999, p.

51) “transformará o espaço inicial – que apenas mostrava as dimensões de superfície – num

espaço de dimensões mais ricas e diferenciadas e de maiores tensões”.

A autora ainda ressalta que “sempre que alguma coisa é projetada e feita, esboçada e

pintada, desenhada, rabiscada, construída, esculpida ou gesticulada, a substância visual da obra é

composta a partir de uma lista básica de elementos.” (OSTROWER, 1999, p. 51).

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Busca-se trazer para o campo das reflexões desta pesquisa como o texto visual, a

imagem de pintura. Refletindo sobre, Buoro (2002, p. 153) observa que:

Pintar significa trabalhar a matéria tinta pela adição de camadas e de gestualidade, a fim de construir um texto visual. Pintar significa harmonizar cores por contrastes, por combinações, por tonalidades, construindo referências pelas interações mantidas que fazem o sentido. Pintar significa concretizar, na modelagem da materialidade pintura, um pensamento visual.

A autora ainda explica que o artista, como sujeito produtor da obra, “[...] constrói

seu discurso por meio da manipulação de diferentes pensamentos, conceitos, técnicas e

materiais. A obra de arte como texto visual adquire existência plena quando se torna objeto de

uma leitura”. (BUORO, 2002, p. 224).

A proposta de leitura de imagens3 de Dondis (2007, p. 23) mostra a disposição dos

elementos básicos da comunicação visual no sentido da composição. Com base na autora,

elucidaremos os elementos visuais, que serão novamente abordados na análise. “O ponto, é a

unidade visual mínima”, indica e marca o espaço; quando se coloca um ponto em movimento,

ele forma uma linha, que “nunca é estática ou vaga, e descreve uma forma”.

Segundo Dondis (2007, p.57) a linha “pode assumir formas muito diversas para

expressar uma grande variedade de estados de espírito”. Pela forma diferente de linha, o

espectador explora o comportamento do artista em relação ao seu estado de espírito, no

momento em que colocava sugestões de interpretação em sua obra. A linha pode ser “delicada

e ondulada, ou nítida e grosseira,” hesitante, indecisa e inquiridora” ou em forma de rabiscos

nervosos, reflexo de uma atividade inconsciente sob a pressão do pensamento”. Porém o

espectador também contribui para a evolução desta exploração visual.

As formas básicas são: o círculo, o quadrado, o triângulo e todas as suas variações

de planos e dimensões. As formas expressam “três direções visuais básicas e significativas: o

quadrado, a horizontal e vertical; o triângulo, a diagonal, o círculo, a curva”. Cada uma das

formas tem suas características específicas, e se atribui significados por associação, ou por

percepções. “Ao quadrado se associam enfado, retidão e esmero; ao triângulo, ação, conflito,

tensão; ao círculo, infinitude, proteção”. (DONDIS, 2007, p.58)

Dondis aponta que a direção é o “impulso de movimento que incorpora e reflete o

caráter das formas básicas, circulares, diagonais, perpendiculares”. Cada uma das direções

tem forte significado associativo. A horizontal – vertical tem “relação com o equilíbrio e a

3A expressão leitura de imagens surgiu com o trabalho de Rudolf Arnheim, que identificou e catalogou dez categorias visuais básicas: equilíbrio, figura, forma, desenvolvimento, espaço, luz, cor, movimento, dinâmica e expressão.

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estabilidade”. A diagonal tem “referência direta com a ideia de estabilidade; é a formulação

oposta, a força direcional mais instável e provocadora. Seu significado é ameaçador e quase

perturbador”. A curva tem “significados associados à abrangência e a repetição”. (DONDIS,

2007, p.58)

O tom, explica Dondis “é a presença ou a ausência de luz, por intermédio da qual

enxergamos; varia de intensidade quanto à saturação da cor. O valor tonal representa para nós

a intensidade de luminosidade, criando a ilusão do tridimensional. Juntamente com a

perspectiva, o tom traz por meio da representação gráfica a sensação de volume” (DONDIS,

2007).

A cor, no entendimento de Dondis (2007, p. 65), não existe sem a luz e “é o

elemento visual mais expressivo e emocional”. A cor provoca reações de sentidos diferentes

em cada individuo e “apresenta uma infinidade de variações geradas por meio de estímulos e

sensações”. A cor tem três dimensões que podem ser definidas e medidas.

“O matiz é a cor em si”, que é medido pelas cores primárias. “O amarelo é a cor

que se considera mais próxima da luz e do calor; o vermelho é a mais ativa e emocional; o

azul é positivo e suave. O amarelo e o vermelho tendem a expandir-se; o azul, a contrair-se”.

Ao misturar as cores, novos significados são obtidos. (DONDIS, 2007, p. 65). Sobre a

saturação o que se observa é que “a cor saturada é primitiva e simples.” Dondis explica que

“saturação é a pureza relativa de uma cor, do matiz ao cinza, e quanto mais intensa ou

saturada for a coloração de um objeto ou acontecimento visual, mais carregado estará de

expressão e emoção”. “Acromático é o brilho relativo, do claro ao escuro. Este fato ocorre

quando tiramos totalmente a cor de um elemento colorido. Podemos deixá-lo monocromático

ou simplesmente do preto ao branco, ou seja, na escala dos cinzas”. (DONDIS, 2007 p. 66).

A textura é o aspecto de superfície dos materiais visuais; o elemento que pode ser

visual ou tátil. “Onde há uma textura real, as qualidades táteis e óticas coexistem, não como

tom e cor, mas de forma única, que permite à mão e ao olho uma sensação individual, ainda

que projetemos sobre ambos um forte significado associativo”. (DONDIS,2007, p.70)

Dondis (2007, p.72) enfatiza que “todos os elementos visuais podem se modificar

e se definir uns aos outros,” e esse processo é o que chamamos de escala. “A escala é muito

usada para representar uma medida proporcional real.”

A dimensão como um elemento visual, é implícito, e o artifício mais propício para

simular a ilusão é a perspectiva. “Os efeitos produzidos pela perspectiva podem ser

intensificados pela manipulação tonal, por meio do claro-escuro, a luz e sombra.” Por fim, o

movimento “ se encontra mais frequentemente implícito do que explícito no modo visual”,

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porém é um dos elementos visuais mais dominantes.” Com as misturas de elementos podemos

criar ilusoriamente a sensação do movimento (DONDIS, 2007, p.75).

Cabe destacar que esses componentes dos meios visuais, segundo Dondis (2007,

p.82), “constituem os ingredientes básicos com os quais contamos para o desenvolvimento do

pensamento e da comunicação visual.” Entendemos que as imagens, transmitem informações

de forma direta e podem expressar de forma instantânea um grande número de idéias, em que

as mensagens são captadas com naturalidade por qualquer pessoa capaz de ver.

As imagens criadas nas telas podem ser lidas como narrativas vistas como

histórias à espera de um narrador. Na tela, “cor, linha, forma incorporam papéis de actantes,

provocando os sentidos do sujeito leitor e interagindo com ele no contato direto com os

componentes do plano da expressão”, defende Buoro (2002, p. 157). Essas reflexões nos

permitem afirmar que a leitura de imagem promove narrativas, percepção de ausências,

ideologias, entre outros. Nesse sentido, a leitura do discurso visual além de uma análise de

forma, cor, linha, volume, equilíbrio, movimento, ritmo, é também centrada na significação

que esses atributos em diferentes contextos conferem à imagem.

Assim, em uma pintura, podem-se construir inúmeras possibilidades de leitura,

por mais que se tenham informações referentes ao contexto de sua produção, às intenções

prováveis daquele que a concebeu a imagem traz em si uma capacidade infinita de agregar

significados. Alberto Manguel (2001, p. 29) observa que:

A imagem de uma obra de arte existe em algum local entre percepções: entre aquela que o pintor imaginou e aquela que o pintor pôs na tela; entre aquela que podemos nomear e aquela que os contemporâneos do pintor podiam nomear; entre aquilo que lembramos e aquilo que aprendemos; entre o vocabulário comum, adquirido, de um mundo social, e um vocabulário mais profundo, de símbolos ancestrais e secretos.

As imagens podem ser interpretadas de maneiras diferentes, devido ao contexto

cultural de cada indivíduo que observa a obra. Manguel (2001, p. 27) afirma que “[...] o que

vemos é a pintura traduzida nos termos da nossa própria experiência”.

É possível conceber que imagens nem sempre contam histórias, pelo menos do

ponto de vista de quem as produz, mas o leitor pode ampliar o que é limitado no papel para

um antes e depois e imaginar suas histórias. Os olhares sinalizam para infinitas histórias.

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1.2 2.4 ARTE EM PALAVRAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A LINGUAGEM VERBAL

O artista da palavra cria um mundo, “com seus seres ficcionais, seu ambiente

imaginário, seu código ideológico, sua própria verdade” (D’ONOFRIO, 1995). Cabe salientar

que as estruturas linguísticas, sociais, culturais e até mesmo a história fornecem material sobre

o qual o artista constrói sua obra imaginária.

Ao se falar da arte em palavras, faz-se oportuno destacar Aristóteles. O filósofo

grego escreveu o que ficou conhecido como o primeiro livro de literatura ocidental.

Aristóteles dividiu a Poética em vinte e seis (26) capítulos.

No primeiro capítulo, explica que a poesia se refere à “[...] arte que se utiliza

apenas de palavras” (ARISTÓTELES, [s/d 199-], p. 239). Aristóteles afirma também que

todas as artes (pintura, poesia, música, dança) imitam (representam) e se diferem pelos meios,

objetos e maneiras de imitar. Seu interesse se detém nas artes que usam a palavra como meio

de imitação (representação) através do ritmo, do metro, da melodia, como é o caso da

tragédia, da comédia e da epopeia.

Segundo Aristóteles ([s/d 199-]):

Sendo o poeta um imitador, como o é o pintor ou qualquer outro criador de figuras, perante as coisas será induzido a assumir uma dessas três maneiras de as imitar: como elas eram ou são, como os outros dizem que são ou dizem que parecem ser, ou como deveriam ser. O poeta exprime essas maneiras diversas por meio da elocução, que comporta a glosa, a metáfora e muitas outras modificações dos termos, como as admitimos nos poetas. (ARISTÓTELES, [s/d 199-], p. 283).

Aristóteles sublinha também a complexidade da linguagem literária. Observa-se

que esta decorre também pela licença poética para livre arbítrio diante da utilização ou não

das normas da linguagem padrão e os códigos linguísticos, envolvendo, assim, a linguagem

verbal de maneira especial.

De acordo com Coelho (1976, p. 23), “a literatura é Arte, é um ato criador que por

meio da palavra cria um universo autônomo, onde os seres, as coisas, os fatos, o tempo e o

espaço assemelham-se ao mundo real que nos cerca, mas que ali, transformados em

linguagem, assumem uma dimensão diferente, ou seja, pertencem ao universo da ficção.”

É por intermédio das palavras, pela linguagem verbal, que o artista pode despertar

a curiosidade, a admiração, o entusiasmo do leitor, fazendo do seu texto obra singular. São

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também a palavra e seus vários significados, ferramentas, utilizadas pela literatura, para

discutir questões sobre valores humanos, sociais e culturais.

Para D’Onofrio “a literariedade de um texto reside na especificidade de sua

estrutura, processo pelo qual os materiais linguísticos culturais e ideológicos são organizados

e materializam-se em obra de arte”. (1995, p. 19)

Como se objetivam neste estudo as narrativas que são evocadas por imagens,

procuramos apresentar algumas considerações sobre os gêneros literários. Destaca-se que,

quanto à sua forma, os textos literários podem ser escritos em prosa e verso. A concepção

clássica surge na Grécia Antiga com Platão e Aristóteles. Os dois pensadores dividem a

literatura em três gêneros básicos: dramático, épico e lírico, e a concepção moderna que inclui

também o gênero narrativo.

Fará parte da Épica toda obra – poema ou não – de extensão maior, em que um narrador apresenta personagens envolvidos em situações e eventos. [...] Se nos é contada uma estória (em versos ou prosa), sabemos que se trata de Épica, do gênero narrativo. Espécies deste gênero seriam, por exemplo, a epopéia, o romance, a novela, o conto [...] (ROSENFELD, 2002, p. 17).

Dos gêneros literários, o épico é uma das mais antigas manifestações literárias, e

constitui um tipo de narrativa com métrica e ritmo, contada por um narrador. A epopeia,

conforme afirma Rosenfeld (2002), é um poema longo de exaltação que tem como tema os

feitos de um herói e as grandes ideias de um povo. De acordo com Tavares (1996, p. 20), na

epopeia há um narrador, “que mantém um distanciamento em relação aos acontecimentos pelo

aspecto temporal (passado)”. O narrador dita as características das personagens, e também

pode ser um deles.

Aristóteles ([s/d 199-]) observa que o gênero dramático vem de drama, que em

grego significa ação. O gênero dramático nasceu na Grécia em antigos rituais religiosos;

sabe-se que eram demonstrados em forma de exibições, como cantos e danças, divertindo as

pessoas com a arte da imitação. Trevisan (1993, p. 38) afirma que “o gênero dramático

utiliza-se de linguagem verbal e não verbal (gestos, mímicas, música e dança)”.

O dramaturgo cria sua obra pressupondo a encenação, tendo nos diálogos a base

de sua estrutura narrativa. Rosenfeld coloca a obra que produz diálogo, o que é concebido

ainda que através apenas do visual, como parte do que é dramático. Segundo Rosenfeld (2002,

p. 17), “se o texto se constituir principalmente de diálogos e se destinar a ser levado à cena

por pessoas disfarçadas que atuam por meio de gestos e discursos no palco, saberemos que

estamos diante de uma obra dramática”. Pode-se destacar este gênero com quatro

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modalidades: tragédia, comédia a tragicomédia que refere-se à mistura de elementos trágicos

e cômicos, ou, então, à mistura do real com o imaginário; e a farsa, uma peça teatral de

caráter ridículo, que tem como interesse criticar a sociedade e seus costumes.

Aristóteles ([s/d 199-]) faz comparações entre a epopeia e a tragédia e as difere

quanto às suas características. A literatura imita (representa) por meio da palavra. A epopeia,

a tragédia e a comédia imitam (representam) homens em ação: “A mesma diferença distingue

a tragédia da comédia, uma propõe-se imitar os homens, representando-os piores, a outra

melhores do que são na realidade [...]” (ARISTÓTELES, [s/d 199-], p. 242), ou seja, podem

ser boas ou más, como os homens são superiores ou inferiores. A tragédia e a comedia imitam

da mesma maneira, porém diferem quanto ao objeto. Na tragédia, o espectador permanece em

suspense até o momento do reconhecimento e da punição. Deve inspirar pena e temor e

provocar a catarse4 dessas emoções:

A tragédia é a imitação de uma ação importante e completa, de certa extensão num estilo tornado agradável pelo emprego separado de cada uma de suas formas segundo as partes, ação apresentada não com a ajuda de uma narrativa, mas por atores, e que, suscitando a compaixão e o terror tem por efeito a purgação dessas emoções [...] (ARISTÓTELES, [s/d 199-], p. 248).

Ainda segundo Aristóteles ([s/d 199-]), a epopeia e a tragédia imitam os mesmos

objetos e se diferem na maneira de imitar. “Com efeito é possível imitar os mesmos objetos

nas mesmas situações, numa simples narrativa, ou pela introdução de um terceiro [...] ou

insinuando-se a própria pessoa sem que intervenha outra personagem, ou ainda apresentando

a imitação com a ajuda de personagens que vemos agirem e executarem eles próprios”.

(ARISTÓTELES, [s/d 199-], p. 243).

Aristóteles difere a tragédia e a epopeia pela extensão. Se a diferença está no

tempo daquilo que se registra como tragédia, e que sendo este ilimitado passa a ser

representado como epopeia, seria então a obra que insiste em determinado gênero, e sabendo-

se que toda obra tem o seu lado dramático, e pode ser interpretada como leitura finita ou

infinita. A tragédia não deveria ultrapassar um dia ou mais, “não exceder o tempo de uma

revolução solar”, enquanto a epopeia não tem limite de duração. (ARISTÓTELES, [s/d 199-],

p. 246).

O gênero lírico tem seu nome originado da lira, instrumento musical que

acompanhava os cantos gregos. Rosenfeld (2002) explica que nesse gênero, as composições

4 Catarse para Aristóteles é a purgação, a liberação – e não anulação – dessas emoções.

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seguem uma estrutura mais ou menos fixa, pode haver invocação a uma divindade, elogio,

relato, comentários ou conselho morais. Com o passar dos anos, a lírica passou a ser a forma

de composição poética. A poesia lírica é a “expressão do sentimento pessoal”, o eu lírico

apresenta fortemente a subjetividade. O eu lírico expressa as emoções, a paixão e o

sofrimento e o estado de alma. Nas palavras do autor:

Pertencerá à Lírica todo poema de extensão menor, na medida em que nele não se cristalizarem personagens nítidos e em que, ao contrário, uma voz central – quase sempre um “EU” – nele exprimir seu próprio estado de alma. [...] Notamos que se trata de um poema lírico (Lírica) quando uma voz central sente um estado de alma e o traduz por meio de um discurso mais ou menos rítmico. Espécies desse gênero seriam, por exemplo, o canto, a ode, o hino, a elegia [...] (ROSENFELD, 2002, p. 17).

O trabalho com as palavras dá margem à emoção dos pensamentos, sentimentos e,

muitas vezes, leva à reflexão. Para Coelho (1976, p. 46), a poesia utiliza uma linguagem

verbal artística, rítmica ou melódica liberta da lógica da linguagem comum. “Poesia é o

fenômeno criador que transforma em linguagem as emoções, os impulsos ou reações do poeta

em face de determinada realidade”. Trevisan (1993, p. 19) afirma que “[...] poesia é algo que

nos obriga a ir além daquilo que se vê, a transpor as palavras.” Portanto, a poesia transmite,

sobretudo, as emoções.

2.5 SOBRE O GÊNERO NARRATIVO: ELEMENTOS E CARACTERÍSTICAS

Roland Barthes (1987) afirma que são inúmeras as narrativas no mundo e vivemos

rodeados por elas. Para o autor:

A narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, nunca houve em lugar nenhum povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm as suas narrativas, muitas vezes essas narrativas são apreciadas em comum por homens de culturas diferentes, até mesmo opostas: a narrativa zomba da boa e da má literatura: internacional, trans-histórica, transcultural, a narrativa está sempre presente, como a vida. (BARTHES, 1987, p. 103-104).

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As narrativas utilizam de diferentes linguagens para expressar, como a linguagem

verbal e a não verbal (a visual, a gestual, entre outras). O principal objetivo do texto narrativo é

contar algum fato, suas principais manifestações são o romance, a novela, o conto e a crônica.

A narrativa consiste na ação de narrar, representar, expor, sugerir acontecimentos

sejam eles reais, sejam fictícios, mediante as mais variadas linguagens: de forma oral, escrita,

musical ou pictórica. É o gênero que tem por objeto o desenvolvimento de uma ação,

expressando, representando, traduzindo, criando e reinventando o universo humano.

Uma narrativa representa uma seqüência de acontecimentos interligados, que são transmitidos em uma estória. As estórias sempre reúnem aqueles que as narram e aqueles que as ouvem, lêem ou assistem. Quem narra, por sua vez, escolhe o momento em que uma informação é dada e por meio de que canal isso é feito. (PELLEGRINI, 2003, p. 64).

Proença Filho (1990) afirma que o texto literário se faz de manifestações em prosa

e em verso. “As manifestações em prosa envolvem as modalidades da narrativa de ficção5”. A

narrativa de ficção se caracteriza por fazer-se de histórias fictícias ou simuladas nascidas da

imaginação (PROENÇA FILHO, 1990, p. 45).

A narrativa é uma manifestação que acompanha o homem desde sua origem e foi

transmitida pelos povos através das gerações. Toda narrativa apresenta uma série de ações que

se organizam em uma série temporal na unidade de uma mesma ação.

Os variados modos de se narrar são agrupados de acordo com suas características

delimitadas em gêneros. O conto é a forma de narrativa mais simples, com menor extensão e

tem por característica condensar o conflito, tempo, espaço e reduzir o número de personagens.

A narrativa se estrutura sobre cinco elementos: enredo, tempo, espaço, narrador, e

personagens. A seguir são apresentados os principais elementos narrativos. As personagens

vivem o acontecimento, em tempos e espaços determinados. O narrador transmite a história

fazendo a mediação entre esta, o ouvinte e o leitor ou espectador.

5 Do latim fictione cognato do verbo fingere, que em português deu fingir – invenção, fingimento, simulação,

imaginação (PROENÇA FILHO, 1990).

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2.5.1 Enredo

O enredo compreende o conjunto de acontecimentos que se sucedem de modo

ordenado em uma história, dos quais participam as personagens. É conhecido por muitos

nomes: intriga, ação, trama, história.

João Batista Cardoso (2001, p. 35) denomina o enredo de:

[...] uma história de evento ou acontecimento (conjunto universo), explicando que este, por sua vez, é constituído por acontecimentos marginais ou fatos (subconjuntos do conjunto universo) que evoluem ao longo da narrativa. Cada fato é um acontecimento marginal à parte, mas que se encontra integrado aos demais e é constituinte do conjunto maior do acontecimento principal conjunto universo.

Em relação ao enredo, Angélica Soares (1989, p. 43) afirma ser “[...] o resultado

da ação das personagens, e só adquire existência através do discurso narrativo, isto é, do

modo especial com que se organizam os acontecimentos.”

De acordo com Antonio Candido (2007) o enredo só existe “através dos

personagens” existe uma preocupação do leitor com as personagens, pois queremos dar-lhes

valores de acordo com a “vida que vivem problemas em que se enredam na linha do seu

destino” dentro de uma realidade, de um ambiente e em determinado tempo. “Enredo e

personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele, os

significados e valores que o animam”. (CANDIDO, 2007, p. 54).

Não basta apenas saber que toda história tem começo, meio e fim. O elemento

estruturador do enredo é o conflito. “Seja entre dois personagens, seja entre o personagem e o

ambiente, o conflito possibilita ao leitor-ouvinte criar expectativa frente aos fatos do enredo”.

(GANCHO, 2004, p. 13). O conflito prende a atenção do leitor, do espectador à narrativa e

fornece vida e movimento à história, podendo ser qualquer componente (personagens, fatos,

ambiente, ideias, emoções) que se opõe a outro, criando uma tensão que organiza os fatos da

história.

Concluindo as considerações sobre o enredo, a autora traz ainda o enredo

psicológico, que é a narrativa na qual “os fatos nem sempre são evidentes, porque não

equivalem a ações concretas da personagem, mas a movimentos interiores; seriam fatos

emocionais que comporiam o enredo psicológico [...] O enredo psicológico se estrutura como

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o enredo de ação; isto equivale a dizer que tem um conflito, apresenta partes,

verossimilhança”. (GANCHO, 2004, p. 13).

2.5.2 Espaço

O espaço é o elemento que mostra onde as narrativas se desenvolvem, o lugar

onde se passa a ação. Cardoso (2001, p. 40) afirma que “o espaço é também aspecto intrínseco

do texto narrativo, visto que nele se situam os eventos e as personagens”. O espaço se torna o

elemento central de uma obra, podendo exprimir sentidos múltiplos, pode ser o elemento

desencadeador de pensamentos, emoção, ação e transformações das personagens. Gancho

complementa, afirmando que:

O espaço tem como funções principais situar as ações dos personagens e estabelecer com eles uma interação, quer influenciando suas atitudes, pensamentos ou emoções, quer sofrendo eventuais transformações provocadas pelos personagens. Assim como os personagens, o espaço pode ser caracterizado mais detalhadamente em textos descritivos, ou as referências espaciais podem estar diluídas na narração. De qualquer maneira é possível identificar-lhe as características, por exemplo, espaço fechado ou aberto, espaço urbano ou rural, e assim por diante. (GANCHO, 2004, p. 23).

Soares (1989 p. 51-52) afirma que espaço “é o conjunto de elementos da paisagem

exterior (espaço físico) ou interior (espaço psicológico) [...] É ele imprescindível, pois não

funciona apenas como pano de fundo, mas influencia diretamente no desenvolvimento de enredo,

unindo-se ao tempo”.

Ainda sobre a definição de espaço, Gancho diferencia espaço e ambiente

destacando que “o termo espaço, de um modo geral, só dá conta do lugar físico onde ocorrem

os fatos da história; para designar um ‘lugar’ psicológico, social, econômico etc., empregamos

o termo ambiente”. (GANCHO, 2004, p. 23).

No entendimento da autora “o ambiente é um conceito que aproxima tempo e

espaço, pois é a confluência destes dois referenciais, acrescido de um clima6” (GANCHO,

2004, p. 23). A autora identifica quatro funções para o ambiente na narrativa. A função de

“situar as personagens nas condições em que vivem: no tempo, no espaço, no grupo social e

cultural em que estão inseridas”. “O ambiente pode ser a projeção dos conflitos vividos pelas

6 Clima, para Gancho, é “o conjunto de determinantes que cercam as personagens, que poderiam ser resumidas

às condições socioeconômicas, morais, psicológicas e religiosas” (GANCHO, 2004).

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personagens. A caracterização do ambiente pode refletir características da personalidade das

personagens ou dos acontecimentos.” “Por fim, pode o ambiente fornecer índices para o

andamento do enredo” (GANCHO, 2004, p. 24, 26).

Assim, pode-se caracterizar o ambiente como o espaço carregado de

características psicológicas, morais e socioeconômicas em que vivem as personagens, bem

como a época em que se passa a história e as características físicas do espaço.

2.5.3 Tempo

O tempo é outro elemento da narrativa. “São indicadores textuais do tempo as

referências a dias, meses, horas, anos, ao ritmo das estações ou a uma determinada época”.

Soares (1989, p. 49-50) ainda afirma que “toda narrativa desenrola-se dentro do fluxo do

tempo” e o tempo pode apresentar os fatos cronologicamente ou não.

Gancho (2004) identifica cinco possíveis relações do tempo com a obra narrativa.

“O tempo concreto que age sobre os indivíduos do mundo sensível, possuindo relação com a

obra narrada, mas não com os acontecimentos narrados no enredo. Tempo cronólogico, tempo

durée e tempo psicológico são definidos por Gancho como tempos fictícios — criações

internas à narrativa, entranhados no enredo. Há ainda o tempo histórico, que contém em si

tanto o tempo concreto quanto o tempo-cronologia e o tempo como durée”. O tempo histórico

“constitui o pano de fundo do enredo” (GANCHO, 2004, p. 20).

Massaud Moisés, em A criação literária, discorre sobre o tempo no romance:

[...] o romancista pode acompanhar as personagens desde o nascimento até a morte, detendo-se nos aspectos que julgar relevantes para a narrativa; abranger 8 ou 80 anos das vida de seus personagens, sem outra restrição que a imposta pela coerência interna da obra. Como verdadeiro demiurgo, cria personagens e o tempo de que necessitam para realizar-se e convencer-nos, à semelhança dos seres vivos. E arquiteta o tempo à sua maneira, com o objetivo de produzir humanidade interior do romance. (MOISÉS, 1967, p. 181).

Assim, o autor da narrativa pode se utilizar de várias técnicas ou modalidades de

tempo. Moisés (1967 p.181) menciona a existência de “três dimensões do tempo que referem-

se ao tempo da narrativa ou da ação: o histórico; o psicológico, e o metafísico, ou mítico”.

O tempo histórico é o tempo cronológico, marcado pelo relógio “consoante as

mudanças regulares operadas no âmbito da Natureza e empiricamente perceptíveis: a

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alternância da noite e do dia, o fluxo-refluxo das marés, as estações, o movimento do sol, etc.

[...]”(MOISES,1967, p. 182). O homem é capaz de ter a visão histórica para estabelecer

regras, ou traçar caminhos que podem dar outros sentidos a sua própria existência, e por

influencia do compartilhamento de sua observação cronológica, influenciar o coletivo. Nas

palavras de Moisés “é com fundamento na cronologia que o homem “conhece” o passado da

Humanidade, do mundo atual, de seu país, [...] de sua família e dele próprio” (MOISES, 1967,

p. 182).

Para Gancho (2004), o tempo cronológico é aquele que “transcorre na ordem

natural dos fatos no enredo, isto é, do começo para o final. Está, portanto, ligado ao enredo

linear (que não altera a ordem que os fatos ocorreram); é mensurável em horas, dias, meses,

anos, séculos”. Por sua vez, o tempo psicológico se opõe ao tempo histórico, pois ignora a

marcação do relógio. Moisés comenta que o tempo psicológico varia, pois as pessoas “sentem

de modo diverso o mesmo objeto, e por isso guardam dele impressões por vezes opostas”.

(1967, p.203) Moisés compara a memória a um presente, pois no momento que “traz a

consciência seus registros e traços” o tempo parece eterno e “dura, em perene devir”. Nas

palavras do autor, o passado só existe “quando presentificado pela memória” [...] “e pelas

associações que as memórias vêm a tona, e se presentificam e assumem contorno de objetos

reais para o individuo” (MOISÉS, 1967, p. 203).

O tempo psicológico se identifica pela “exploração do fluxo da consciência” e é

“construído no enredo, através de momentos, e não uma continuidade, e são baseados na

memória, que capta conforme a ‘vontade de quem lembra e conta’, porém a memória não traz

tudo a superfície; seleciona, separa, distingue e classifica”. (MOISÉS, 1967, p. 211).

Gancho (2004, p. 21) explica que o tempo psicológico trata do “tempo que

transcorre numa ordem determinada pelo desejo ou pela imaginação do narrador ou dos

personagens, isto é, altera a ordem natural dos acontecimentos. Está ligado a um enredo não-

linear (no qual os acontecimentos estão fora da ordem natural)”. A ordem dos acontecimentos

não segue uma coerência cronológica, mas a vontade do narrador ou de uma das personagens.

A autora ainda menciona que o flashback (consiste em voltar no tempo) é uma técnica do

tempo psicológico.

Soares (1989, p. 50, 51) cita algumas técnicas do tempo utilizadas nas narrativas;

como os resumos, as elipses (exclusão de determinados acontecimentos que aceleram a

narrativa), enquanto as decisões minuciosas e as digressões (comentários paralelos, que

suspendem o desenvolvimento da diegese) retardam a narrativa.

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No tempo psicológico um dos recursos utilizados nos romances contemporâneos é

o monólogo interior. Soares explica o monólogo interior e o distingue do monólogo

tradicional “por apresentar o que há na personagem de mais íntimo, mais próximo do

inconsciente e, portanto, sem uma organização lógica” (1989, p. 51). O monólogo interior não

é pronunciado, se desenvolve “no íntimo do personagem” e constitui-se como discurso sem

organização lógica, com ausência de cuidados com a escrita o que passa a ser um diferencial

incorrigível, devido tratar-se da intimidade além da consciência.

Segundo Moisés (1967, p.185), há ainda o tempo metafísico, ou mítico, que

“encontra-se acima ou fora do tempo histórico ou do tempo psicológico, embora possa neles

inserir-se ou por meio deles revelar-se”. O que está relacionado ao mítico pressupõe um

cotidiano em que as crenças se renovam e tornam-se tão importantes na análise histórica, seja

ela observada no tempo histórico ou psicológico.

Schüller (1989, p. 49) distingue o tempo da narrativa, que é organizado pelo

narrador, do tempo da narração, “provocado pela distância entre o momento em que os

acontecimentos são narrados e a ocasião em que teriam ocorrido”. Há, ainda, o tempo móvel

da leitura, “alterado pela sucessão dos leitores”.

A narrativa também está ligada ao tempo em que foi escrita. Para Schüller “o

tempo altera a leitura”, “cada geração lê diferentemente os mesmos textos” (1989, p. 58). O

autor ainda observa que os autores ao “escreverem em momentos diferentes e com diferentes

intenções e, marcados pelo momento da narração, recorrem a recursos narrativos divulgados

pela época de cada um”. Assim, o mesmo passado é interpretado de diversas formas, e em

diversos momentos. “O presente, sempre móvel, altera a imagem do passado”. (SCHÜLLER,

1989, p. 58).

Quanto ao tempo de leitura, Massaud Moisés (1967) escreve que o leitor pode

“em duas horas, conhecer anos da personagem, ou eventos transcorridos em semanas ou

meses”. (MOISÉS, 1967, p. 205).

2.5.4 Personagens

Beth Brait, em A personagem, inicia algumas questões a respeito da personagem,

fazendo duas afirmações: “o problema da personagem é, antes de tudo, um problema

linguístico”, pois a personagem “não existe fora das palavras; as personagens representam

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pessoas, segundo modalidades próprias da ficção” (BRAIT, 1985, p. 6). Assim, conforme a

autora para saber a respeito dos personagens devemos investigar a proposta contida no texto,

para construir o perfil do autor e a partir deste ponto familiarizar-se com as personagens em

suas caracteristicas mais particulares. (BRAIT, 1985, p. 12)

Brait volta seu olhar para a Grécia antiga e afirma que é nesse momento que

Aristóteles toca no problema da personagem de ficção. “Ao discutir as manifestações da

poesia lírica, épica e dramática na Poética,7 esse pensador grego levantou alguns aspectos que

marcam até hoje o conceito de personagem e sua função na literatura, como a semelhança

existente entre personagem e pessoa, conceito centrado na mimesis aristotélica [...]” (BRAIT,

1985, p. 29-30).

A autora ao citar Aristóteles afirma que este “estava preocupado não só com

aquilo que é “imitado” ou “refletido” num poema, mas também com a própria maneira de ser

do poema e com os meios utilizados pelo poeta para a elaboração de sua obra [...]”(BRAIT,

1985, p. 30). Assim, o poeta cria meios de interatividade entre pessoa e personagem.

Segundo Brait (1985), os estudos de Aristóteles “serviram de modelo à concepção

de personagem que vigorou até meados do século XVIII, momento em que o conceito de

mimesis começa a ser combatido”. A autora ressalta que na Idade Média a personagem é

considerada “fonte de aprimoramento moral” e servindo aos “ideiais cristãos”. (BRAIT, 1985,

p. 37).

A autora explica que “a partir do século XVIII, a concepção de personagem é

substituída por uma “visão psicologizante”, que “desenha a personagem como a representação

do universo psicológico”. Dessa forma “os seres fictícios não mais são vistos como imitação

do mundo exterior, mas como projeção da maneira de ser do escritor” e a personagem

“continua sendo vista como ser antropomórfico cuja medida de avaliação ainda é o ser

humano”(BRAIT, 1985, p. 38-39).

Brait ainda destaca que “a contribuição decisiva ao estudo da personagem

desvinculada das relações com o ser humano aparece com a publicação da obra Morfologia do

conto, em 1928,” onde o formalista Wladimir Y. Propp (1895-1970) escreve sobre o conto

fantástico russo, “explicitando a dimensão da personagem sob o ângulo de sua funcionalidade

no sistema verbal compreendido pela narrativa”. Para o autor, “falar de personagens como se

fossem seres vivos é uma postura banal e incoerente” (BRAIT, 1985, p. 45).Dessa forma, ao

“encarar a personagem como ser fictício, com forma própria de existir, os autores situam a

7Brait refere-se à Poética de Aristóteles.

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personagem dentro da especificidade do texto, considerando a sua complexidade e o alcance

dos métodos utilizados para apreendê-la.” (BRAIT, 1985, p. 52).

Candido (2007, p. 60) destaca que “a caminhada do romance moderno (do século

XVIII ao início do XX) foi marcada por uma série de complicações crescente na psicologia

das personagens, isso relacionado às técnicas impostas pela necessidade de caracterização”.

Com isso, as personagens foram tratadas sob dois aspectos:

como seres íntegros e facilmente delimitáveis, marcados duma vez por todas com certos traços que os caracterizam; e como seres complicados, que não se esgotam nos traços característicos, mas têm certos poços profundos, de onde pode jorrar a cada instante o desconhecido e o mistério. (CANDIDO, 2007, p. 60)

Nesse sentido, segundo o autor, “o romance no século XVIII constitui na

passagem do enredo complicado com personagem simples, para o enredo simples com

personagem complicada” (CANDIDO, 2007, p. 60).

As personagens são elementos fundamentais nas narrativas. São elas que

vivenciam as ações e os eventos do enredo. “A personagem é um ser fictício responsável pelo

desempenho do enredo; é quem faz a ação”. Por mais real que pareça, “a personagem é

sempre invenção, mesmo quando se constata que determinados personagens são baseados em

pessoas reais.” (GANCHO, 2004, p. 14).

Moisés também define personagens como “pessoas que vivem dramas e situações,

a imagem e semelhança do ser humano, “representações”, “ilusões”, sugestões, ficções,

máscaras” (MOISÉS, 1967, p. 226).

Ao pensar no enredo, analisamos as personagens e seu modo de vida. Segundo

Candido é perceptível que a personagem se destaque como o “elemento mais vivo no

romance”. E que esta percepção/leitura deste dependa unicamente da aceitação do leitor em

acreditar como verdade o “ser fictício”. “Tanto assim, que nós perdoamos os mais graves

defeitos de enredo e de ideia aos grandes criadores de personagens.” (CANDIDO, 2007, p.

54). Isso nos traz a reflexão crítica que o fundamental nas narrativas é a personagem.

A personagem pode apresentar características complexas e múltiplas, mas isso se

deve à combinação dada pelo autor nos elementos de caracterização que, para Candido (2007,

p. 60), “é sempre limitado se os compararmos com o máximo de traços humanos que pululam,

a cada instante, no modo-de-ser das pessoas.”

Proença Filho (1990) traz o seguinte conceito de personagem:

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Os personagens dão condição de existência ao enredo e “vivem” nele como participante da história. As múltiplas classificações, nascidas das mais variadas posições críticas, se apóiam no que os personagens “são”, no que “representam” ou no que “fazem”, privilegiando, assim, dimensões aspectuais. (PROENÇA FILHO, 1990, p. 50-51).

O autor ainda considera a seguinte tipologia: por sua natureza, quando podem ser,

seres humanos, coisas, animais, elementos da natureza; “pela variedade, quando podem ser:

individuais, ao se identificarem com seres nitidamente caracterizados em sua personalidade,”

“típicos, quando trazem características que os identificam com um grupo social, nacional,

regional, profissional, [...] caricaturas, quando têm exageradamente acentuadas características

marcantes e definidoras; [...]” e, finalmente, “pela função que desempenham, quando podem ser:

protagonistas, as figuras principais da história e antagonistas, os que se opõem à figura principal,

ou seja, com ela entram em tensão direta no desenvolvimento da trama. Nessa área funcional há

de se considerar ainda o narrador, caracterizado como tal”. “A caracterização das personagens

pode se apoiar também, no nome que levam, em certos tiques, no tipo físico e no tipo

antropológico” (PROENÇA FILHO, 1990, p. 50-51).

Brait (1985) se baseia em E.M. Forster (1927) e cita que as personagens podem

ser classificadas em planas ou redondas. As personagens planas são caracterizadas apenas por

um traço básico e comportamento sempre igual, são construídas ao redor de uma única ideia

ou qualidade, “são personagens reconhecíveis sempre que surgem. São facilmente lembradas

pelo leitor” e não reservam “surpresas ao leitor” no decorrer da obra (BRAIT, 1985, p. 41).

Brait (1985) destaca que as personagens redondas são mais complexas em relação

às personagens planas. São organizadas com maior complexidade e “densidade psicológica,

vida interior, [...] surpreende o leitor pelo comportamento e atitudes imprevisíveis” (BRAIT,

1985, p. 42). Estas apresentam o cotidiano em movimento, tem muitas faces, seu dinamismo

é gritante, suas atitudes estão em constante transformação. Nas palavras da autora: “ a prova

de uma personagem esférica é a sua capacidade de nos surpreender de maneira convincente”

(BRAIT, 1985, p. 42).

Moisés afirma que as personagens “destituídas de profundidade (psicológica,

dramática, etc)” e caracterizadas por sua qualidade, defeito, ou exagero em alguma

característica, podem ser chamadas de “tipos ou de caricaturas”. As personagens planas são

“estáticas, inalteráveis, ao longo da narrativa, sempre idênticas [...]” (MOISÉS, 1967, p. 229-

230). As personagens planas não sugerem agregar sentimentos, não surpreendem, enquanto as

personagens redondas despertam no leitor sensação de poder superior as imposições da

sociedade.

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As modalidades de personagem nem sempre se apresentam de forma pura, como

afirma Moisés (1967), muitas vezes as personagens “intercambiam suas características,

dificultando a classificação” (MOISÉS, 1967, p. 232).

Gancho (2004) classifica as personagens de acordo com o papel desempenhado no

enredo. A personagem principal é a protagonista e pode ser classificada em “herói e anti-

herói”. “O herói tem características superiores às de seu grupo; e anti-herói tem características

iguais ou inferiores às de seu grupo, mas que por algum motivo está na posição de herói, só

que sem competência para tanto”. Antagonista é a personagem que se opõe ao protagonista,

“seja por sua ação que atrapalha, seja por suas características, opostas às do protagonista”. As

personagens secundárias são menos importantes na história, “podem desempenhar papel de

ajudantes do protagonista ou do antagonista, de confidentes, enfim, de figurantes”.

(GANCHO, 2004, p. 14-18)

No processo de criação das personagens, “três são os mecanismos utilizados pelos

ficcionistas: a memória, a observação e a imaginação (ou projeção do eu autor)”. Assim,

como descreve Massaud Moisés (1967, p. 237):

[...] o ficcionista extrai as personagens de dentro de si, pois mesmo quando emprega a observação ou a memória, transforma tudo em matéria própria, identificando os dados lembrados ou observados com suas vivências. Desse ponto de vista, a diferença entre observação, memória e projeção, enquanto processos geradores de personagens é simplesmente de grau ou de representação, porquanto a base continua a mesma: o do “eu” do ficcionista. (MOISÉS, 1967, p. 237).

Todas as personagens se gestam no interior do romancista, destaca o autor, mas

algumas resultam da projeção do seu “eu”, enquanto outras decorrem da observação ou da memória

relacionada com o mundo externo. “Os três mecanismos interagem na criação da personagem,

apenas cabe dizer que um deles predomina sobre os demais”. (MOISÉS, 1967, p. 238).

Os acontecimentos e as personagens são apresentados na narrativa segundo um

ponto de vista e observamos as ações e situações conforme maior ou menor proximidade ou

distanciamento. O narrador, conta a história na narrativa “apresentando e explicando os fatos

que se sucedem no tempo e introduzindo os personagens” (CARDOSO, 2001, p. 36).

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2.5.5 Narrador

O narrador, por transmitir os acontecimentos, é, portanto, o que está mais próximo

do ouvinte/leitor/espectador. Gancho (2004, p. 26) afirma que “não existe narrativa sem

narrador, pois ele é o elemento estruturador da história”.

“O narrador não pode ser confundido com o Autor; é já uma criação deste e,

portanto, elemento de ficção” (SOARES, 1989, p. 46). Gancho (2004, p. 29) esclarece que o

narrador não é o autor, “mas uma entidade de ficção, isto é, uma criação linguística do autor,”

e, dessa forma, somente existe no texto.

Soares (1989) comenta que é importante observar quanto ao narrador: “se

participa da história narrada, sob a forma de um “eu” (narrador homodiegético), que pode ser

o protagonista, impondo-se como um narrador autodiegético, ou uma personagem

secundária”. E pode ser apenas um observador, que acompanha cada passo das personagens,

sem influenciar nos acontecimentos; “se está ausente da história narrada (narrador

heterodiegético)” (SOARES, 1989, p. 47).

Os termos “foco narrativo e ponto de vista” designam a função do narrador da

história, sua posição ou perspectiva diante dos fatos narrados. “Assim, teríamos dois tipos de

narrador, identificados à primeira vista pelo pronome pessoal usado na narração: primeira ou

terceira pessoa (do singular)” (GANCHO, 2004, p. 26).

Gancho (2004) descreve os tipos de narradores: o narrador em terceira pessoa é

também conhecido por narrador observador e se encontra “fora dos fatos narrados, portanto

seu ponto de vista tende a ser mais imparcial”. O narrador situa o leitor no tempo, apresenta as

condições do espaço onde a ação se passa. Tem como características principais a onisciência

(sabe tudo sobre a história) e a onipresença (está presente em todos os lugares da história) e

sabe tudo a respeito daquilo que acontece: “ele não apenas narra o que se passa com os

personagens, mas também o que sentem; em outras palavras, ele sabe mais que os

personagens”. (GANCHO, 2004, p. 27).

O narrador observador é o tipo mais identificado nas narrativas dos mais diversos

meios. É especialmente comum nas narrativas visuais. Esse tipo de narrador é, nas palavras de

Barthes (1987, p. 137),

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[...] uma espécie de consciência total, aparentemente impessoal, que emite a história a partir de um ponto de vista superior, o de Deus: o narrador é ao mesmo tempo interior às suas personagens (pois sabe tudo que se passa nelas) e exterior (pois que nunca se identifica mais com uma personagem do que com outra). (BARTHES, 1987, p. 137).

O narrador em terceira pessoa ainda apresenta algumas variantes, como o

narrador “intruso”, que fala com o leitor ou julga diretamente o comportamento das

personagens; o narrador “parcial” é o que se identifica com determinado personagem da

história e, mesmo não o defendendo explicitamente, permite que ele tenha maior destaque na

história. “Gancho (2004, p. 27) explica ainda que “o narrador em primeira pessoa ou narrador

personagem” participa do enredo como qualquer personagem, tendo seu campo de visão limitado,

“não é onipresente, tampouco onisciente”. Assim, o leitor tem a impressão que os fatos chegam

até ele por meio de um personagem.

Esse tipo de narrador também apresenta algumas variantes: o narrador

testemunha e o narrador protagonista. “O narrador testemunha ou narrador personagem se

limita a narrar os acontecimentos dos quais participou, com seu ponto de vista mais limitado.

O narrador protagonista é também a personagem central. O narrador que está distante dos

fatos narrados e que, portanto, pode ser mais crítico de si mesmo”. (GANCHO, 2004, p. 29).

A personagem-narrador funciona como a lente privilegiada através da qual o leitor recebe e visualiza as personagens. A simpatia de fazer a personagem chegar ao leitor através de um auxiliar que, chamando a atenção para a sua função secundária, ganha o interesse e as graças do leitor. (BRAIT, 1985, p. 65).

“Quanto à voz, o narrador pode eleger a primeira pessoa ou a terceira; quanto à

perspectiva, o narrador pode ver os acontecimentos de perto ou a distância, pode penetrar na

psique das personagens ou restringir-se a observar fisionomias, gestos, acompanhar os

acontecimentos no seu efeito exterior”, como distingue Schüller (1989, p. 26).

Brait considera que o narrador pode não estar envolvido na história, “portanto,

uma verdadeira câmera”, ou pode estar “envolvido direta ou indiretamente com os

acontecimentos narrados. De acordo com a postura desse narrador, ele funcionará como um

ponto de vista capaz de caracterizar as personagens” (BRAIT, 1985, p. 54). A autora afirma

que o escritor, ao colocar o narrador fora da história, na verdade procura ganhar a

credibilidade do leitor (BRAIT, 1985, p. 57).

Proença Filho (1990, p. 46) conceitua as formas com que a narrativa pode ser

conduzida por um narrador não participante ou por um personagem com visão da narrativa, e

infere que esta se constrói segundo o ângulo de visão, ponto de vista, foco ou enfoque

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narrativo. Na história contada por um narrador em terceira pessoa, o narrador pode ter a visão

totalizadora e saber tudo a respeito de tudo, pode ter a visão limitada e conhecer plenamente

apenas uma das personagens ou pode ter a visão estrita, e conhecer superficialmente as

personagens (PROENÇA FILHO, 1990, p. 46).

Proença Filho (1990) acrescenta a essas visões o monólogo interior, e o difere do

monólogo tradicional afirmando: “Esse procedimento se difere do monólogo tradicional, pois

reproduz pensamentos íntimos como vão surgindo do inconsciente, sem qualquer preocupação

com um encadeamento lógico, deixando fluir livremente as idéias e sentimentos em frases diretas,

com a sintaxe reduzida a um mínimo de recursos” (PROENÇA FILHO, 1990, p. 46-47).

Portanto, no monólogo tradicional o narrador pode participar e inferir comentários

sobre o que pensa ou sente a personagem, enquanto isso não ocorre com o monólogo interior.

O autor cita ainda o crítico francês Jean Pouillon, que, ao tratar dos “modos de compreensão”

em relação ao romance, distinguiu três tipos de visão: a visão “com” (vision “avec”), a visão

“por trás” (vision “par derrière”) e a visão “de fora” (vision “Du dehors”). (PROENÇA

FILHO, 1990, p.48).

Segundo Proença Filho (1990, p. 49), diferenciamos as visões da narrativa. Na

visão “com”, o narrador sabe o mesmo que a personagem. A história acontece na visão da

personagem; é a partir dela que nós vemos e vivemos os acontecimentos narrados e

percebemos também o que com ele se passa no âmbito da ação. Os fatos e percepções são

parciais. Na visão “por trás”, o narrador sabe tudo sobre as personagens e a história, não se

situa no interior de uma personagem, mas procura afastar-se dela para considerar objetiva e

diretamente na sua psíquica. Na visão “de fora”, o narrador não se envolve, limita-se ao que

vê, apenas observa a conduta da personagem, seu aspecto físico e o meio em que vive.

O autor explica ainda que essas divisões e classificações não esgotam a matéria, e

as visões admitem os mais variados arranjos e combinações. Há narrativas em que convivem

harmonicamente várias visões.

2.6 LEITURA DE IMAGENS

Uma vez que as imagens corporificam mensagens, podemos considerar a imagem

como um texto visual. O texto, de acordo com Buoro (2002, p. 131), seria “um universo

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organizado, coerente, demarcado, constituído de elementos que se relacionam

significativamente”.

A leitura da imagem parte da premissa de que arte é linguagem, construção

humana que comunica ideias, e o objeto da arte será considerado, portanto, como texto visual.

A conceituação de texto faz-se aqui imprescindível, à medida que as construções que essa

linguagem gera, ao serem considerados textos visuais, serão também capazes de abarcar seus

próprios significados (BUORO, 2002, p. 30).

Barthes (2004) utiliza a metáfora do tecido para mostrar que o sentido do texto é

construído pelo diálogo. Na leitura, há relação entre os sujeitos, o autor e o leitor, que

concedem sentido à obra à medida que leem.

Texto quer dizer tecido; mas, enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se mantém, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nos acentuamos agora, no tecido, a idéia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido nesse tecido – nessa textura – o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha se dissolvesse ela mesma nas secreções construtivas de sua teia. (BARTHES, 2004, p. 74-75).

No que se refere à sua criação, o produtor do texto visual é o artista, sujeito

concreto de carne e osso que, ao construir seu discurso, determina outros sujeitos como

enunciadores e enunciatários, baseado em estruturas organizacionais próprias da linguagem

do seu objeto. O texto visual pintura, é, assim, um objeto autônomo. O leitor, por sua vez,

também é um sujeito de carne e osso, externo ao texto, que, no ato da leitura, desempenha o

papel do enunciatário previsto no texto, pois o leitor instalado no texto faz-se o enunciatário

(BUORO, 2002, p. 133-134).

A pintura é vista então como um universo organizado e coerente, no qual as relações entre elementos constituintes tecem redes de significação capazes de construir os sentidos da obra. Resulta disso que o significado de um texto corresponde a mais informação e significação do que a simples soma de suas partes. Cabe ao sujeito leitor perceber as articulações do conjunto para que, por sua ação e em seu percurso, possa compreendê-lo. (BUORO, 2002, p. 132).

Uma imagem, ao ser observada, pode evocar uma leitura. Dessa forma, o

leitor/espectador assume um diálogo com a imagem; o leitor tem uma atitude responsiva,

concorda, discorda, adapta, completa, em todo o processo de compreensão da leitura. Dessa

relação estabelecida, as narrativas vão sendo construídas, possibilitadas pelo diálogo e pela

imaginação. Percebemos, assim, um diálogo entre quem produz e quem contempla.

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Sobre a leitura, Barthes (2004), em sua obra O prazer do texto, acentua que o

texto deseja o leitor “o texto que o senhor escreve tem que me dar prova de que ele me deseja.

Essa prova existe: é a escritura. A escritura é isso: a ciência das fruições da linguagem, seu

kama-sutra (desta ciência só há um tratado: a própria escritura) [...] O texto toma vida a partir

do momento em que o leitor o lê” (BARTHES, 2004, p. 11, 73).

A leitura pode ser compreendida como um processo dialógico, a partir da

interação entre os sujeitos, na relação entre leitores, artistas e obras na construção de sentidos,

e entre interação entre os sujeitos (leitores/artistas) e a própria obra.

O artista cria a obra de arte e coloca suas memórias, experiências anteriores,

percepções, imaginário, de acordo com o conhecimento que já possui. O leitor entra em diálogo

com a obra por intermédio de seu repertório, suas relações e sua cultura. Quando o leitor evoca

algo ou relaciona obras de outros autores, ou mesmo busca relações na obra do mesmo artista,

essa leitura se constitui em polifonia e dialogismo na criação de um novo sentido.

O processo de produção de uma obra de arte é competência de um sujeito produtor – o artista – que constrói seu discurso por meio da manipulação de diferentes pensamentos, conceitos, técnicas e materiais. A obra de arte como texto visual adquire existência plena quando se torna objeto de uma leitura [...] Para ser lida, uma obra de arte propõe uma forte relação entre objeto e leitor, mediante um contrato de visibilidade, isto é, de uma relação entre aquilo que se mostra e aquilo que é visto. (BUORO, 2002, p. 224).

A mensagem que as imagens remetem vai depender da leitura que cada indivíduo

faz delas. Manguel (2001) afirma que as imagens são formas de expressão tanto para quem

cria quanto para quem a observa. As imagens nos sugerem o questionamento em relação aos

nossos sentimentos. Ainda que suas presenças não tragam em seu bojo mensagens e alegorias,

este espaço pode ser complementado com as nossas dúvidas, aprendizados, dor e alegrias. Nas

palavras de Manguel:

As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens e alegorias. Ou talvez sejam apenas presenças vazias que completamos com o nosso desejo, experiência, questionamento e remorso. Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos. (MANGUEL, 2001, p. 21).

As afirmações de Manguel nos levam a pensar que cada leitura que se faz das

imagens está ligada à leitura de mundo de cada sujeito: “O que vemos é a pintura traduzida

nos termos da nossa própria experiência.” Cada espectador irá ler a imagem a partir das suas

experiências; “[...] só podemos ver as coisas para as quais já possuímos imagens

identificáveis, assim como só podemos ler em uma língua cuja sintaxe, gramática e

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vocabulário já conhecemos” (MANGUEL, 2001, p. 27). Portanto, se somos feitos de imagens,

lê-las, criar narrativas sobre elas, significa também compreender o mundo e nos conhecermos.

De acordo com Buoro (2002) a leitura é consolidada através da contrapartida do

leitor em sua capacidade estratégica de separar e unir as partes, objetivando melhor

desempenhar suas ações. Em outras palavras, “cada texto impõe [...] caminhos estratégicos

para que o leitor seja capaz de, rearticulando as partes, construir o(s) sentido(s)”. A autora

ainda enfatiza que, dessa forma, “todo e qualquer texto é um sujeito transformador de seus

sujeitos leitores” [...] (BUORO, 2002, p. 76).

Inserimos a importância da leitura das imagens com base nas reflexões de

Manguel (2001). O autor enumera várias possibilidades de leitura por meio das imagens: “a

imagem como narrativa, a imagem como ausência, a imagem como enigma, a imagem como

testemunho, a imagem como compreensão, a imagem como pesadelo, a imagem como

reflexão, a imagem como violência, a imagem como subversão, a imagem como filosofia, a

imagem como memória, a imagem como teatro”. Nesse sentido, o autor enfatiza que todos

podem realizar a leitura de imagens, e que imagens de pinturas podem ser lidas como

narrativas com as palavras do leitor, pois têm uma história para contar.

Manguel (2001) considera que “estamos todos refletidos de algum modo nas

numerosas e distintas imagens que nos rodeiam, uma vez que elas já são parte daquilo que

somos” (MANGUEL, 2001, p. 20-21). Em todas as imagens que criamos, nos encontramos

em um plano muito próximo dos acontecimentos que estas imagens nos apresentam. Não

conseguimos imaginar, planejar ou procurar algo sem que as imagens se reflitam. “As

imagens, assim como as histórias, nos informam”. O autor também afirma que “os

significados das imagens variam constantemente e a linguagem feita de imagens se traduz em

palavras, e as palavras traduzem-se em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e

compreender nossa própria existência” (MANGUEL, 2001, p. 21).

A imagem traz a expressão, os sentimentos e memórias do artista e do espectador

ao contemplá-la. Manguel evidencia que “uma obra de arte não está terminada e fechada em

si mesma, o que permite diferentes formas de ler e de se atribuir significados” (MANGUEL,

2001, p.21). Nesse sentido, uma obra de arte somente é completa no momento em que alguém

a aprecia e lhe atribui o sentido particular.

No que diz respeito à leitura, Barthes (2004, p. 9) reforça que esta, “nos levará ao

descobrimento de inúmeros fatos e emoções” e defende que o leitor junto com o autor, “são

criadores do sentido do texto”. Barthes enfatiza que o autor não pode prever, a leitura que as

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pessoas farão do seu texto. No entanto “é o próprio ritmo daquilo que se lê e do que não se lê

que produz o prazer dos grandes relatos”. (BARTHES, 2004, p.12)

As imagens, de acordo com Maguel (2001), são formas de expressão tanto para

quem cria quanto para quem a observa. O autor ainda considera que “quando tentamos ler

uma pintura, ela pode nos parecer perdida em um abismo de incompreensão ou, se

preferirmos, em um vasto abismo que é uma terra de ninguém, feito de interpretações

múltiplas”. Portanto, “nenhuma narrativa suscitada por uma imagem é definitiva, exclusiva,

pois o que vemos é sempre uma leitura que parte das emoções do leitor: ou seja, de como as

emoções do leitor afetam e são afetadas pela leitura das imagens” (MANGUEL, 2001, p. 29).

O artista produz sua obra com a consciência de que os espectadores/leitores constituirão

inúmeros sentidos para ela.

Diante do elemento cor, há infinitas interpretações. “As cores da pintura

transmitem sua significação própria para o espectador.” (MANGUEL, 2001, p. 48). A

sensação e percepção que as cores causam é individual, cada cultura interpreta as cores de

acordo com seu contexto simbólico.

Pode-se dizer que através de sua simbologia criamos a sensação de alcançar o

impenetrável, que não esta para ser descoberto. Na visão do autor, nenhuma cor ou sinal é

inocente, pois “atribuímos as cores tanto uma realidade física como uma realidade simbólica”

(MANGUEL, 2001, p. 49). De acordo com Manguel (2001), “[...] os psicólogos das cores

exploram associações ancestrais, e suas descobertas são usadas repetidamente, não só por

publicitários, mas por várias pessoas ao escolher cores.” O autor cita como exemplo que “[...]

um muro colorido ou um instrumento colorido transmite uma mensagem de segurança ou um

alerta, uma sensação de calma e agitação. Ao contrário de uma superfície colorida, um espaço

em branco parece exigir um preenchimento, desperta em nós uma vontade de intrusão.”

(MANGUEL, 2001, p. 51).

O espectador lê a imagem e reapresenta através da narrativa sob o seu ponto de vista.

As imagens, ao serem interpretadas de acordo com o contexto simbólico de cada leitor, dão

origem a uma história. Manguel questiona sobre as circunstâncias que afetam a leitura.

Aspectos da vida do pintor devem ser levados em conta? “O que dizer das histórias dos

lugares onde morou? O que dizer das tendências, dos movimentos e das mudanças que

afetaram o mundo durante a vida dela ou mesmo antes? Será tudo isso parte integrante do

quadro que vamos ver?” (MANGUEL, 2001, p. 53-54). As interpretações são imensuráveis a

partir do momento que outras pessoas fazem parte do relato de vida do criador ( pintor).

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Mesmo que se conheça a história de como a obra veio a existir, a história do artista,

onde este viveu, os elementos e as circunstâncias da criação de uma pintura, por exemplo,

pode-se afirmar que nenhuma leitura é definitiva e conclusiva e a obra não poderá ser vista

em sua totalidade. Considera-se mais importante observar como as emoções podem afetar as

possíveis leituras através da relação de referências culturais e sociais.

Manguel afirma que único modo pelo qual podemos “penetrar na imagem” é a

leitura da mesma, e esse método pode ser ineficaz, com “alcance restrito”, pois não fornece

mais do que uma sombra, um reflexo. Podemos nos iludir acreditando que a leitura se

assemelha a obra de arte original, porém apenas reconstruímos nossas impressões e

experiências, “enquanto relatamos para nós mesmos, narrativas que transmitem não a

narrativa, nunca a narrativa, mas sim alusões, insinuações e suposições novas” (MANGUEL,

2001, p. 55).

A imagem, uma obra de arte, somente passa a existir ao ser contemplada. A obra

toma vida a partir do momento em que é vista. Diante da imagem, o espectador cria leituras,

narrativas que se constituem por meio de suas experiências, confrontando com as informações

que o artista coloca na obra. Os sentidos são produzidos no confronto dessas relações,

socialmente construídas.

Manguel cita interpretações de obras, comentários, versões musicais, leituras

pictóricas de textos, como sendo obras de arte que se originaram mediante apreciação e leitura

de obras já existentes. “Constroem-se novas narrativas por meio de outras narrativas. Cada

obra de arte se expande mediante incontáveis camadas de leituras, e cada leitor remove essas

camadas a fim de ter acesso à obra nos termos do próprio leitor. Nessa última (e primeira)

leitura, nós estamos sós.” (MANGUEL, 2001, p. 32). A obra passa a sugerir interpretações

diferentes a cada leitura de acordo com a vontade do leitor

“Uma história ameaça ser infinita, uma vez que toda leitura nova acrescenta outras

camadas ao seu enredo”. “Ao lê-la hoje, emprestamos à pintura uma abundância de detalhes

curiosos, [...] dos quais o artista não podia ter ideia; nós mesmos, é claro, não podemos saber

que capítulos novos serão acrescentados à história nas leituras futuras. O enigma permanece o

mesmo: só as respostas variam” (MANGUEL, 2001, p. 83). Dessa forma, as narrativas

produzidas ao fim de uma leitura resultam do “confronto entre as histórias de leitura do

sujeito leitor e as condições sócio-históricas da realização da leitura de determinada imagem”.

Através de uma mesma imagem, apresentam-se inúmeras narrativas, consequência de infinitas

leituras, de diferentes sujeitos, ou do mesmo sujeito em diferentes épocas de sua vida.

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Como já afirmamos anteriormente, e segundo Manguel, (2001, p. 90), “sabemos

que aquilo que lemos em um quadro varia conforme a pessoa que somos e conforme aquilo

que aprendemos – um fato que confere pouca segurança a crença de que podemos

compartilhar uma visão do mundo comum [...]” (MANGUEL, 2001, p. 92-93). O artista é

incorrigível e desprovido de um padrão de comportamento. Daí a subjetividade das pinturas,

esculturas e das várias formas de arte. Assim, as artes como obras abertas permitem inúmeras

leituras e dependem da contemplação do espectador para que continuem vivas.

De acordo com Manguel (2001, p. 143), no “século XVI, uma pintura, fosse ela de

qualquer tipo, era criada com a intenção de ser lida”. Do mesmo modo que a escrita se torna

presente para o leitor, as pinturas se fazem presentes até mesmo para os iletrados, que de certa

maneira podem ler as imagens.

Na sociedade atual tudo o que é produzido em possibilidade de ser

visto/apreciado, portanto tratar da leitura da imagem é muito relevante, já que as imagens

trazem consigo mensagens ideológicas.

São inúmeras as imagens que nos atingem diariamente através dos meios de

comunicação de massa; e na velocidade que as recebemos, não temos tempo para a reflexão

crítica. Fazer leitura de imagens torna-se relevante quando refletimos que vivemos em uma

sociedade que visa ao lucro e que a maior parte das imagens que circulam, tem a intenção de

criar mercados de consumo.

Nesse sentido, Manguel (2001) acentua que:

Temos permitido que a propaganda e a mídia eletrônica privilegiem a imagem para transmitir informações instantaneamente ao maior número de pessoas; esquecemos que a própria velocidade as converte na ferramenta ideal de comunicação para toda sorte de propaganda, porque, manipuladas pela mídia, essas imagens não nos dão tempo para uma crítica ou uma reflexão pausada. Adoramos as imagens, mas não aprendemos em profundidade, por meio delas. (MANGUEL, 2001, p. 143-144).

Ao fazer a leitura “transformamos imagens em sentidos e histórias” (MANGUEL

2001, p. 169). Não temos conhecimento exato do que inspirou o artista a criar determinada

obra, a pintar um quadro, partimos da condição de “espectador comum” que cria para a obra

um vocabulário que poderá trazê-lo a luz ou não. Nas pinturas nada é absoluto, pelo fato de

ter seu valor atrelado ao que é compartilhado.

O espectador constrói sua leitura dentro das condições da sua época. Ao ler

imagens e criar narrativas, o sujeito se recria, interagindo com a obra, o artista e o seu

contexto. A imagem torna-se uma fonte inesgotável de sugestões e interpretações.

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Segundo Manguel (2001, p. 25) com o passar do tempo podemos descobrir mais

detalhes em uma imagem, associar a outras imagens, e contar o que vemos, mas “uma

imagem existe no espaço que ocupa, independente do tempo que reservamos para contemplá-

la”.

É relevante, portanto, considerar que as leituras podem ser influenciadas pelas

leituras anteriores, pelas experiências vividas pelo leitor, ocorre do modo que aprendemos a

ver, o mundo que nos rodeia, nossa leitura de mundo.

A imagem atua como uma fonte de inspiração para o leitor onde ele rememora o

que está em seu íntimo, pois, no momento que visualiza, temos a “ilusão da descoberta ou da

recordação”. Manguel conclui que quando vemos uma imagem, uma obra de arte, esta “parece

exigir uma reação, uma tradução, um aprendizado de algum tipo – e talvez, se tivermos sorte,

uma pequena epifania”. (MANGUEL, 2001, p. 316).

Observa-se, assim, que o espectador da obra, sendo um ser social e culturalmente

construído, faz a leitura da imagem, segundo a sua leitura de mundo. A leitura da imagem

ocorre na interação entre o artista que a criou, a própria obra e o leitor; desse modo, pode-se

considerar um processo dialógico como já citado em Bakhtin. Portanto, a partir dos conceitos

de Manguel, Barthes e Bakhtin, e possível considerar que o processo de leitura é um processo

ativo, dialógico.

Essa relação dialógica estabelecida entre autor e leitor, leitor e imagem também

coloca em cena inúmeras vozes, por intermédio das linguagens sociais, ideológicas que estão

presentes na e a cada nova leitura.

Na criação das narrativas, o leitor da imagem evidencia seus valores, sua

ideologia e ideias, segundo determinada época e o seu contexto social e cultural, e dialoga

com outros discursos, como sugere Bakhtin. O dialogismo que se manifesta da obra se

concretiza no momento da leitura. Cada leitor cria a sua narrativa ao observar a imagem, e

tem relação com seu contexto social e cultural, segundo a sua bagagem de outras leituras, suas

experiências de vida.

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3 ANÁLISE

3.1 PERCURSO METODOLÓGICO

Para realização deste estudo foram utilizados procedimentos metodológicos da

pesquisa bibliográfica e da pesquisa de campo. A primeira, após a seleção da bibliografia

eleita, procurou elaborar pressupostos teóricos que dão suporte à análise empreendida. A

segunda procurou compilar os dados obtidos, a partir de técnicas da história oral, em pesquisa

de campo.

Utilizou-se o seguinte percurso metodológico desta pesquisa e na análise das

imagens nas obras de Chachá:

Inicialmente, considerou-se relevante apresentar alguns dados da biografia do

artista, com o intuito de evidenciar e registrar momentos de sua vida, que, embora seja

reconhecido internacionalmente, ainda não possui biografia publicada. Entende-se que

conhecer momentos de sua biografia e o lócus que enseja suas representações torna-se

importante ao corpus desta pesquisa.

Logo, pela ausência de material bibliográfico que contemplasse a biografia de

Chachá, foi necessário recorrer às informações obtidas em pesquisa de campo, realizada pelo

Projeto de Pesquisa Os artistas e seus lugares8 em 2006-2007, e também às informações

obtidas a partir de entrevistas com Jaqueline Aisemann Bulos, filha do artista Richard Calil

Bulos, realizadas pela pesquisadora Maiyara Borges Vieira in memoriam (1984-2009), ex-

aluna do Mestrado em Ciências da Linguagem, e por esta pesquisadora. Para as entrevistas,

foi aplicada a técnica da história oral. Destaca-se a importância da história oral pelo registro

do memorial ainda não documentado. Nesta, são considerados como registro de informação as

lembranças de vida de sujeitos, que, ao focalizarem suas consciências, constroem também

uma visão mais concreta das várias etapas da trajetória do grupo social em que estão

inseridos.

Cabe ressaltar que, através dos séculos, os relatos orais têm exercido um papel

considerado relevante para o meio científico, por serem o registro da memória viva, de uma

8 O Projeto de Pesquisa O artista e seus lugares esteve vinculado à linha de pesquisa Linguagem, Cultura e Mídia, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem. O ponto nodal dos estudos concentrou-se na leitura analítica da representação dos lugares na produção artística/artesanal, focalizando, em especial, as estéticas das linguagens das obras.

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comunidade, de uma família ou de uma pessoa. A história oral, para Meihy (1996), é constituída

numa relação entre entrevistador, narrador e o recurso da gravação. Cabe à história oral registrar a

memória viva, emoções e sentimentos das pessoas das diferentes origens socioculturais. Os dados

registrados através das gravações tanto das entrevistas do grupo de pesquisa quanto da

pesquisadora, foram transcritos nesta pesquisa em virtude das informações relevantes ao tema

e objetivos propostos.

As informações fornecidas por Jacqueline Bulos Aisenman, filha de Richard Calil

Bulos, provêm de trocas de e-mails com a pesquisadora no período de abril a dezembro de

2010, bem como do encontro com a pesquisadora na cidade de Laguna, no dia 29 de

dezembro de 2010.

A seleção do material bibliográfico teórico procurou focalizar autores que

versassem sobre a linguagem verbal e não verbal, arte visual, teoria literária, leitura de

imagens e suas especificidades.

Os aportes resultantes desse escopo teórico procuram delinear as linhas desse

estudo com a discussão sobre as interfaces da linguagem artística (verbal e não verbal).

Procura-se, assim, avaliar como o conteúdo expressivo ocorre através da forma e analisá-lo

enquanto possibilidade de expressão verbal. Os aspectos de polifonia e dialogismo da

linguagem (aqui, em especial da linguagem artística) deflagrados por Bakhtin corroboram

com o olhar dos enunciados que constroem toda a análise.

Ainda sobre a leitura das obras, essas são observadas a partir das microestruturas

que as compõem e do resultado dessa composição, ou seja, a sua macroestrutura. O olhar para

a microestrutura sugere um procedimento que nos leva a esmiuçar, ou seja, a selecionar e

avaliar os elementos não verbais como o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a

textura, a dimensão, a escala e o movimento.

Na sequência, empreende-se a composição verbal das imagens. Com intuito de

reiterar a proposição de que as imagens podem suscitar narrativas, elaboram-se textos

narrativos pela pesquisadora, a partir dos elementos não verbais anteriormente analisados.

A análise, ao seguir os pressupostos para avaliar a macroestrutura e

microestrutura, também teve como aporte as reflexões de Donis Dondis (2007) e Alberto

Manguel (2001), que demarcaram os elementos que compõem a imagem e sua possibilidade

dramática de transmitir informações para essa leitura de imagens enquanto narrativa.

Foram selecionadas seis telas datadas entre 1986 e 2006, intituladas: Vacas

Magras, O fim do Defeso, Hora da Missa, Virada do ano, Entardecer e Laguna. Observa-se

que a escolha das imagens decorre por se mostrarem como um conjunto desvelador e ambíguo

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de imagens: homogêneo/heterogêneo de pinturas agrupadas em três secções temáticas: o

trabalho, o sincretismo religioso e o lirismo do cotidiano.

As imagens são estudadas tendo como aporte orientações propostas por Massaud

Moisés. Segundo o autor, a análise deve acontecer sob o ponto de vista da microestrutura e da

macroestrutura. Sobre os dois níveis cabe destacar que “a análise microscópica, ou

microanálise, visa ao exame das microestruturas e a análise macroscópica, ou macroanálise,

volta-se para a interpretação das macroestruturas” (MOISÉS, 1984, p. 86). A microanálise

procura, então, envolver tanto os elementos visuais (não verbais) quanto os elementos do

texto (verbais), observando as especificidades da obra. Já a macronálise observa a obra (os

elementos visuais e verbais) na totalidade de sua composição.

Nesse sentido, a leitura das imagens das seis telas evidencia os aspectos:

a) No âmbito da macroanálise: verifica-se da linguagem não verbal, em especial a

pintura, a composição das imagens, as temáticas, os aspectos dialógicos, polifônicos e

intertextuais; verifica-se da linguagem verbal, como se constitui e as especificidades

do gênero literário, no caso o narrativo, é colocado em cena;

b) No âmbito da microanálise: observa-se da linguagem não verbal as especificidades dos

elementos que constituem as imagens, como as cores, as linhas, as formas, as texturas,

entre outros; observa-se da linguagem verbal a composição dos enredos, os elementos,

como o enredo, o narrador, as personagens, o tempo, o espaço.

O olhar para a macroestrutura da narrativa objetiva o “todo”, uma visão totalizante

que, envolvendo os elementos da microestrutura, as compõem. Logo, no caso, as obras eleitas

para a pesquisa são apreendidas tanto em seus aspectos visuais, não verbais, quanto na

apreensão desses aspectos que, quando transportados ao verbal, passam a ser compreendidos

como narrativas. Salienta-se que o conjunto de significados expostos pela microanálise

constitui a base da macroanálise.

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3.2 O ARTISTA E SEU LUGAR: ASPECTOS DE SUA BIOGRAFIA

“O que pinta Richard? Richard o que pinta? O branco no preto!

Está leve a tarrafa, balaio vazio, marola canoa, contrário é o vento Chachá joga cores, Chachá joga tinta

Richard o que pinta? Oh! gentes do mar, de rios e lagoas, lançai vossas redes!

Herdeiros de águas juradas de morte que vença o balé de homens e botos irmãos pescadores

Netuno, trazei! Trazei nas marés, pincéis multicores,

trazei nas marés Chachás Crusoés! (MICHELS, 2006)

Pinturas com casebres, pescadores, em meio à imensidão do mar são constantes

no mundo imagético representado nas obras pictóricas de Richard Calil Bulos, o Chachá.

Richard Calil Bulos mesclava, desde cedo, a fibra sírio-libanesa e o gosto pela arte

franco-suíço. Abelardo Bulos, seu pai, era filho de mãe síria e pai libanês; saíra de casa para

estudar medicina na Europa, estabeleceu-se em Genebra e lá conheceu Yvone Rennée Albert,

filha de pai francês e mãe de família suíça tradicional: “Premet”. Apaixonados, casaram-se em

1932. Em Genebra, ainda no mesmo ano, nasceu o primeiro dos filhos do casal: Nida Janine.

Alguns anos depois o casal troca a vida europeia pelo Rio de Janeiro, e é lá que, em 6

de outubro de 1935, nasce Richard Calil Bulos (doravante, neste estudo, Chachá9). Com quatro

anos de idade, seus pais partem com os dois filhos a bordo do navio Aspirante Nascimento rumo a

Laguna (SC) onde, na época, já vivia a família Calil Bulos, dos pais de Abelardo.

Naquela época, seu avô, Paulo Calil Bulos, era um dos mais prósperos

comerciantes da cidade de Laguna, onde os estabelecimentos comerciais ficavam às margens

da Lagoa Santo Antônio dos Anjos. É em Laguna que Yvonne e Abelardo tiveram mais dois

filhos: Jacques e Paulo.

Apesar de ter saído pequeno do Rio de Janeiro, Chachá sempre falou com orgulho

da cidade. Mesmo mostrando-se sem muito gosto pelos estudos, a esperteza, a curiosidade e a

inteligência revelavam-se na forma como demonstrava o conhecimento sobre vários assuntos:

questões teóricas, filosóficas ou do cotidiano. Desde criança revelava interesse pela

comunicação e, especialmente, pela criação de desenhos e textos de gibis.

Segundo, Jaqueline Bulos Aisenman, Chachá

9 O apelido Chachá, ou Xaxá (não gostava do apelido grafado com “x”, mas acabou utilizando algumas vezes),

vem do diminutivo de Richard.

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[...] não gostava da escola, perdia a paciência muito rapidamente com os livros. Gostava mesmo (e sempre foi assim depois!) era de gibis. Zé Carioca e o Peninha eram seus preferidos. O homem que escrevia como se tivesse nascido com a caneta junto aos dedos simplesmente não gostava de se sentir obrigado a ler[...] Mas quando lia, era para sempre.

Foi um rebelde na adolescência e, mesmo contrariado, serviu o Exército. Ao

completar 18 anos, em 1954, Chachá alista-se na Polícia do Exército como armeiro. Foi

expulso da corporação por fazer a caricatura de um comandante trajando somente “uma

cueca”. Como castigo, foi removido ao batalhão Dragões da Independência, indo trabalhar nas

cavalariças. Nesse mesmo ano, montou guarda no Palácio do Catete, antiga sede do Governo

Federal, durante o velório do ex-presidente Getúlio Vargas.

Chachá começou a gostar da vida boemia. Ao retornar a Laguna, trabalhou como

balconista na Farmácia São Paulo (de propriedade de seu pai) e lá conhece aquela que seria o

grande amor de sua vida: Terezinha Marta Soares. A moça simples, filha de pescador,

encantara o jovem. Chachá e Terezinha casaram-se em 1960 e viveram juntos até o fim de

suas vidas.

Em 11 de março de 1961 nascia a primeira filha, Jacqueline, e em 11 de fevereiro

de 1963 nascia o segundo filho, Karim Calil Bulos.

Figura 1 – Os filhos Karim e Jacqueline; a esposa, Terezinha, e o artista

Fonte: Acervo particular de Jacqueline Bulos Aisenman [196-].

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Ao longo de sua vida, Chachá teve vários empregos. Em um deles trabalhou como

representante de medicamentos (primeiro para a Park Davis e depois para a Ciba). Viajava

pelos estados de Santa Catarina e Paraná. Chachá, juntamente com a família, mudou-se para

as cidades de Curitiba, Ponta Grossa e São José dos Pinhais. Nessa época Chachá bebia rara e

socialmente.

Sobre Chachá, Aisenman (2010) confidencia

O pai gostava (assim como a mãe) particularmente de Ponta Grossa. A vida deles no Paraná era muito ativa socialmente. Saíam com os amigos para boate, festas, jantares; levavam-nos junto quando eram festas na casa de amigos ou em viagens de fim de semana que faziam em turmas. Recebiam sempre em casa, organizavam partidas de baralho (Detalhe: O pai nunca jogava. Ficava perto da mesa, conversava, ajudava a servir os convidados, mas não jogava), pequenas reuniões. Em família saíamos muito. Cada vez que ele chegava de viagem íamos assistir corridas de cavalo, de kart, passar o dia em praias e rios ou em lugares como Vila Velha (perto de Ponta Grossa). (AISENMAN, 2009).

Devido à situação financeira precária, no final de 1970 a família retorna a Laguna.

A família teve de deixar tudo o que tinha conseguido. Ficaram para trás a casa, a mobília,

inclusive os brinquedos das crianças. “Veio para Laguna um homem alquebrado, ainda jovem,

aos 35 anos, mas cansado. Nesta época ele começou a beber mais e sua vida social passou a

ser o jornal que fundou em seguida, Camboim, e as pessoas que com ele trabalhavam”, relata

Aisenman.

Em Laguna, Chachá iniciava sua vida artística como redator e editor-chefe em

diversos jornais de Laguna, artista plástico, caricaturista e chargista. Também foi locutor nas

rádios Difusora e Garibaldi, apresentando noticiário no horário nobre (meio-dia).

O jornalismo se consolidaria e, juntamente com a pintura, formariam suas grandes

paixões. Chachá sempre gostou de desenhar. No período em que trabalhou como redator e

cronista, revelou seu gosto pela pintura também através das suas charges. Nos jornais, ao

registrar os fatos que ocorriam no município, denunciava as injustiças e ironizava a gestão

municipal. Defendia o povo e, principalmente, os pescadores. Fazia suas ácidas críticas tanto

em palavras quanto com seus desenhos e charges.

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Figura 2 – Charge e caricatura, Jornal AvozdaLaguna

Fonte: Acervo particular de Jacqueline Bulos Aisenman [19/02/1983].

Figura 3 – Charge – Jornal Avozdalaguna

Fonte: Acervo particular de Jacqueline Bulos Aisenman [26/02/1986].

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Figura 4 – Jornal O tambor

Fonte: Acervo particular de Jacqueline Bulos Aisenman [fevereiro 2003].

Chachá atuou como assessor de imprensa em várias gestões na Prefeitura

Municipal de Laguna, contudo sempre marcou fortemente a presença com originalidade do

seu jornalismo.

Chachá produzia os seus jornais de forma artesanal e independente o que

evidenciava as reivindicações do cidadão politizado através de suas charges e legendas

carregadas de humor e sátira. Chachá não somente fundou, como também se fez presente

como cofundador ou redator de diversos jornais no município de Laguna: O Renovador, A

Voz de Laguna, O Palanque, Le Juste, O Correio, O Pharol e O Tambor, e contribuiu para

outros jornais, os quais ilustrava com suas charges divertidas. Mesmo sendo criticado por

algumas pessoas por seus posicionamentos políticos, Chachá também marcou sua carreira de

artista nos jornais. O jornalista Valmir Guedes Junior, em seu blog,10 relata:

Ele sabia fazer uma manchete chamativa, um texto primoroso, enxuto, que prendia o leitor. E sabia fugir das armadilhas das palavras. Criticava, ferino, atos e fatos administrativos e políticos, mas o fazia de tal modo que muitas vezes o criticado ainda vinha lhe agradecer. Presenciei muitas dessas cenas. E ríamos muito com isso. (GUEDES JÚNIOR, 2007).

10 Disponível em: <http/valmirguedes.blog.uol.com.br/arch2007-10-01_2007-10-31.html>.

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Quando estava sem inspiração para escrever, pintava desenfreadamente. O artista

foi progressivamente se isolando e, nessa fase, entrou definitivamente para o mundo da

pintura, justamente como alternativa para expressar uma rica individualidade.

A pintura de Chachá apresenta uma arte marcada por um estilo bastante peculiar.

Como autodidata, tem sua linguagem própria com tonalidades melancólicas. Inicia em papel-

cartão e tinta guache sua vida de artista plástico. Sua arte passava a ser a sua única fonte de

renda. Um mês antes do natal de 1970, desempregado, em situação precária, Chachá resolveu

levar aos cartões as primeiras pinturas. Mal conhecendo as tintas, utilizou-se do guache.

Vendeu-as à classe médica da cidade de Tubarão, conseguindo assim, um natal mais tranquilo

financeiramente. Depois, utilizando a tinta acrílica, passou para a chapa de compensado (o

“eucatex”) e depois para a tela ou cartão.

Chachá encontrou nas tintas e nos pincéis um apoio à sua tristeza, e pintou seu

primeiro quadro com motivos carnavalescos.

Figura 5 – Tela Dançarinos

Fonte: Acervo particular de Jussara Bittencourt de Sá [1973].

A admiração pela profissão sogro, Pedro Soares, que era pescador, influenciou o

artista, mudando para sempre a temática de suas obras. Chachá passou, então, a se dedicar

exclusivamente aos pescadores, que vieram a ser um de seus mais belos e conhecidos temas.

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Em seguida, outros motivos foram o cotidiano da vida pesqueira, do lugar, das pessoas que

lhe chamariam atenção. Logo foram para suas telas as representações do ritual da pesca, as

lavadeiras, o sincretismo religioso, as crenças e outros aspectos. Chachá definia a sua técnica,

optando pelo acrílico sobre o cartão e tela.

Chachá não fez esboços de desenhos, pintou espontaneamente, utilizava os dedos

para imprimir sua marca, pincéis adaptados com pontas e fios cortados. Usava tinta óleo e até

guache. Depois, com seus pincéis finos, traçava personagens e paisagens. Com uma grafia

própria, desvelava traço inconfundível pela temática; o cotidiano dos pescadores e suas famílias.

Entre as pinturas, as mais numerosas foram pintadas em papel cartão, quadros pequenos que

ilustravam cenas da história. Quanto à técnica, Chachá preferia o acrílico sobre cartão e tela.

Revelou-se um dos mais respeitados artistas plásticos na arte naïf11 no estado de Santa Catarina.

Chachá sempre manteve fidelidade à sua temática e aos seus modelos: o cotidiano

dos pescadores e suas famílias. Em seus quadros, o artista resgata a sua vida e a do município

de Laguna, desenhando, criando formas e dando cor e vida a cenas de todo tipo,

principalmente aquelas que vinham da sua memória.

Os filhos Jacqueline e Karim terminaram seus estudos e ambos foram morar na

Europa, em Genebra, na Suíça, lugar onde seus avôs paternos nasceram e viveram por muito

tempo. Chachá e Terezinha permaneceram sozinhos em sua casa humilde em Laguna, na Vila

Cohab, até o final de seus dias, em 2007.

Por meio das telas, Chachá se comunicava com o mundo. Por influência de outros

artistas, Chachá achou que deveria denominar sua arte como ingênua, como se percebe no

título da Figura 6. Ele comenta: “Na expressão ‘ingênua’, essa arte se expressa de forma mais

clara, mais doce, todos nossos sentimentos.”12

11 Cabe justificar que, por não considerar relevante aos objetivos propostos para análise que se desenvolve neste

estudo, optou-se por não circunscrever a arte de Chachá a um único estilo artístico. Assim, apresentamos o conceito e características de arte naif com o intuito de informar ao leitor sua existência no contexto artístico. Destaca-se que essa arte é produzida por autodidatas, artistas sem regras, sem formação no campo das artes, e sua pintura não está ligada a nenhuma escola ou tendência. Klintowitz afirma que “a palavra ingênuo tem, de alguma maneira, um caráter abrangente, não fechado, e diz que o artista não tem formação acadêmica, não tem filiação histórica determinada, instintivo, tem um dom inato” (1941, p. 19). É o estilo dos pintores que pintam o que sentem sem seguir regras. É uma arte espontânea, criativa, do fazer artístico, e o artista expande o seu mundo particular, produz as obras a partir de suas experiências pessoais e de vida. Segundo D’Ambrosio (2007, p. 19) O termo naïf (“ingênuo” em francês), se pronuncia “naíf”, ganha importância [...] justamente para designar os pintores que rejeitam as regras convencionais da pintura, ou não tiveram acesso a elas.

12 Richard Calil Bulos, em entrevista concedida aos pesquisadores do Projeto de Pesquisa Os artistas e seus lugares, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, em outubro de 2006.

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Figura 6 – Tela Minha Cidade – Pintura Ingênua

Fonte: Acervo particular de Jussara Bittencourt de Sá [1987].

As pinceladas firmes e as imagens repletas de vida tiraram Chachá do anonimato,

os amigos passaram a divulgar suas obras, que foram espalhadas pela cidade toda. Há quadros

dele na Prefeitura, no INSS, nos bares, na Capitania dos Portos, em restaurantes e,

principalmente, na casa de seus apreciadores. Contudo, o artista não foi devidamente

valorizado. Foi reconhecido em vários lugares, porém em Laguna esse reconhecimento veio

apenas de alguns cidadãos. Chachá conquistou espaço nos grandes museus, alguns expõem

obras de artistas naifs. Chachá fez exposições internacionais, na Europa e nos EUA, e sua

obra se espalhou por outras cidades e estados.

Também participou em inúmeras exposições individuais e coletivas. No Brasil,

encontramos sua exposição permanente na Galeria Jean Jacques, no Rio de Janeiro. Em São

Paulo, uma das suas pinturas faz parte do patrimônio do Museu de Arte Naïf. Também há

quadros do artista na Suíça, na Itália, na Polônia, na França, na Argentina, nos EUA. Chachá

fez doações de muitas dessas obras a galerias e museus de todo o mundo. Suas obras trazem

as emoções do artista e refletem a vivência do artista em seu universo memorialista que traz à

tona a cultura popular de Laguna. Seu talento e sensibilidade foram apreciados por amantes de

todos os tipos de arte.

Em 1985, várias de suas telas foram vendidas para Montevidéu e Buenos Aires.

Em 1986 viajou para Genebra pela primeira vez, onde realizou sua primeira exposição

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internacional no Consulado Geral do Brasil. O banqueiro Edmond Safra prestigiou o evento e

adquiriu uma de suas obras.

No ano de 1987, em Varsóvia, foi o primeiro pintor brasileiro no gênero a expor

em um país então comunista. Chachá recebeu convite da Curadora Maria do Carmo Teixeira

Oliveira, em 1988, para participar do acervo do Museu Internacional de Arte Naïf do Brasil

em Assis, São Paulo.

Ele passou a fazer parte da Associação dos Artistas Plásticos de Santa Catarina no

ano de 2000 e teve suas obras colocadas no acervo da Biblioteca Superior de Cultura

(Fundação Simpósio) em Florianópolis (SC). No mesmo ano suas telas são adquiridas para o

Hospital N. S. de Lourdes – Nova York, através de seu Diretor Joseph D. Abracer. E seus

trabalhos foram comercializados pelo Rotary Club District 7110, da cidade de Green nos

EUA, por intermédio do seu Presidente Michael R. Wilcox.

Chachá perdeu seu sogro em 1978 e, três anos depois perde seu pai. Com a morte

do pai, em 1981, Chachá e a família retornaram a Genebra. Lá permaneceram por dois anos e

mantiveram atelier na Rua des Voiins, no Bairro de Plampalais, no apartamento de sua mãe.

Depois que ele faleceu, mamãe correu de volta, foi, ficou mais 20 anos lá, ela morreu com quase 98, ele (pai) com 72. Ela voltou pra Genebra, ela tinha uma vida de rainha. (Eles moraram em Laguna) quase 50 anos. Eu permaneci aqui, daí depois quando ela foi pra lá, ela já começava a ter problemas de visão e tudo, aí nos fomos morar lá, ficamos lá com ela, nosso filho já estava lá.13

Chachá dividiu sua vida entre o Brasil e a Suíça por dois anos (1991, 1992),

montando várias exposições de suas telas em alguns países da Europa. Chachá, apesar de filho

de uma suíça, nunca desejou obter a nacionalidade.

De volta ao Brasil, principalmente após o falecimento de seu filho Karim14 e

também devido à saúde debilitada (há anos seu problema de pulmão arrastava-se sem cura)

passou a ficar cada vez mais em casa. Jacqueline escreve:

Conseguia captar a sinceridade das pessoas e quando sentia que eram, recebia como um rei: com o coração entregava todo o seu reino. Mas a grande verdade é que tinha muita dificuldade para socializar, mesmo fazendo de conta do contrário. Escondia-se atrás de minha mãe como de um escudo. Enviava minha mãe abrir a porta e dependendo de quem fosse saía do quarto, da cozinha, do banheiro, onde tinha se escondido. O mesmo com o telefone. (AISENMAN, 2010).

13 Richard Calil Bulos em entrevista concedida ao Grupo de pesquisa Os artistas e seus lugares, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, em outubro de 2006. 14 Karim Calil Bulos faleceu em 1993, aos 30 anos de idade, num hospital em Florianópolis, devido à

insuficiência respiratória.

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No ano de 1999, Richard Calil Bulos recebeu o título de “Cidadão Lagunense” do

então Prefeito João Gualberto Pereira. Mesmo amando a cidade, Chachá mostrou-se reticente

em comparecer ao evento, mas aceitou após o pedido de sua mulher, Terezinha Soares Bulos.

Ainda em 1999, a obra de Chachá passou a fazer parte do Museu de Arte de Santa

Catarina, e, no ano seguinte, do acervo da Biblioteca Superior de Cultura - Fundação

Simpósio, na capital catarinense.

Sua mais recente amostra ocorreu entre 11 e 23 de maio do ano de 2003, na

Organização Mundial de Propriedade Intelectual, em Genebra, com o tema La Paix en

Couleurs (A paz em Cores).

Figura 7 – Cartaz de sua exposição, realizada na Organização Mundial de Propriedade

Intelectual, em Genebra – Suíça – Com o tema A paz em Cores

Fonte: Acervo particular de Jacqueline Bulos Aisemann [maio 2003].

No dia 1º de agosto de 2007 faleceu Terezinha Soares Bulos, companheira de

Chachá. Poucos meses depois de perder a esposa, sentiu-se profundamente abalado. Doente

há muitos anos devido a um enfisema pulmonar, Chachá veio a falecer no dia 31 de outubro

de 2007, no Hospital Senhor Bom Jesus dos Passos, aos 74 anos.

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Mesmo sabendo que a morte se aproximava, Chachá nunca parou de pintar. Em

suas telas trazia imagens que seu imaginário reproduziu com base nas cenas que presenciou.

3.3 AS TELAS DE CHACHÁ

Apresentamos na sequência uma proposição de leitura das obras de Chachá.

Nosso objetivo é evidenciar os elementos da linguagem artística não verbal e verbal, como

também a possibilidade das narrativas que se ensejam das imagens dessas obras. Entendemos

que a leitura de imagens refere-se à apreciação significativa da arte e do universal a ela

relacionada na convivência, no contato, na sensibilidade, na observação, na percepção, e a

experimentação de leitura de elementos visuais da obra. Conforme Manguel (2001, p. 29-30),

“quando tentamos ler uma pintura, ela pode nos parecer perdida em um abismo de

compreensão ou, se preferirmos, em um vasto abismo que é uma terra de ninguém, feito de

interpretações múltiplas”.

A partir da macroanálise das obras, pretende-se avaliar como o artista Chachá

procura colocar em cena a realidade do cotidiano de comunidades que dependem da pesca

artesanal. Podem-se verificar as condições adversas de sobrevivência em um espaço cada vez

mais abalado pelas transformações sociais, o sincretismo religioso e o lirismo nesse cotidiano.

Ao se apropriar de elementos do dia a dia de uma determinada classe social, a dos pescadores,

Chachá, em suas obras, permite-nos contemplar aspectos da vida cotidiana de Laguna (SC).

Sobre a escolha da temática feita pelo artista, bem como os elementos por ele

utilizados, Ostrower (1989) afirma que correspondem às intenções do artista:

A escolha temática se vincula a aspectos afetivos, dos quais o artista, na maioria das vezes nem se dá conta (e nem precisa). É uma questão de afinidades pessoais, uma seletividade que não se restringe ao tema, abrangendo também o enfoque formal do artista e envolvendo a uma só vez todos os aspectos técnicos e estilísticos do seu trabalho [...] As valorações encontradas no tema é que vão orientar as ênfases formais e, em ultima análise, determinar o conteúdo expressivo da obra. (OSTROWER, 1999, p. 43).

A microanálise evidencia especificamente elementos que compõem as imagens e

as narrativas que delas advém. Em síntese, observam-se especificidades visuais e narrativas

das atividades do ritual da pesca, aspectos que aludem ao sincretismo religioso, rituais,

referência às crendices populares (legado das etnias indígenas, africanas e outras), momentos

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do convívio entre pessoas da comunidade, do dia a dia da pesca artesanal, da cultura popular

de Laguna (SC).

Suas pinturas reúnem em uma única cena (em um único plano), todos os

personagens envolvidos na narrativa. Chachá se utiliza em geral de planos médios e gerais,

que proporcionam uma visão mais ampla do ambiente. Além disso, ele expõe o cenário e

insere os personagens, vistos agora por uma dimensão mais distante, com o intuito de

apresentar o ambiente e de preparar o espectador para recebê-lo.

Conforme já mencionado, optamos por apresentar as seis obras eleitas para este

estudo em três grupos. Intencionamos agrupá-las pelas similitudes das temáticas,

classificando-as em: o trabalho, o sincretismo, o cotidiano.

3.3.1 O Trabalho: As Vacas Magras, O Defeso e O Fim do Defeso

Figura 8 – Tela Vacas Magras

Fonte: Acervo particular de Jussara Bittencourt de Sá [2006].

3.3.1.1 Vacas Magras – a imagem da cena

A obra intitulada Vacas Magra, de 2006, (30 cm x 60 cm), sob a técnica de

acrílico sobre tela, representa, em plano geral, um momento em que a comunidade pesqueira

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vivencia o defeso. O termo defeso também é um adjetivo, que significa vedado, proibido. A

expressão Vacas Magras permite um intertexto com a história bíblica mencionada no Livro de

Gênesis. Esta conta a passagem em que José interpreta os sonhos do Faraó.15

Faraó teve dois sonhos: no primeiro ele via sete vacas gordas e formosas e sete

vacas magras e feias. Ambas subiam do rio e paravam juntas à praia; e as magras e feias

comiam as gordas e formosas. Já no segundo sonho, via que brotavam de um mesmo pé, sete

espigas boas e cheias e, após elas, brotavam sete espigas miúdas e queimadas que devoravam

as sete boas e cheias. José fora chamado para interpretar os dois sonhos e inferiu que tais

sonhos significam sete anos de abundância e, após, sete anos de fome em toda a terra do

Egito. Diante dessa interpretação, a ordem era para que nos próximos sete anos de fartura os

mantimentos fossem guardados para quando viessem os maus dias. Assim, tal qual “nas vacas

magras”, o defeso serviria para preservar o sustento futuro dos pescadores.

A história da sobrevivência da humanidade mostra que a relação do homem com

os peixes é bem antiga. Desde seus primórdios, mesmo sem o desenvolvimento de formas

tradicionais de cultivo da terra e criação de animais, as primeiras sociedades exerciam a

prática e também dependiam da pesca como fonte de alimentos.

Na obra de Chachá, percebe-se que as relações sociais também estão

condicionadas ao ciclo da natureza. A forma de trabalho da comunidade pesqueira é

essencialmente extrativista. Assim, a interferência provocada pelo ciclo natural do lagamar

(nesse caso, imposto pelo defeso) atua diretamente na organização da produção, como

também nas relações sociais particulares.

No período do defeso a pesca fica comprometida, é proibida a captura,

aprisionamento e a comercialização de espécimes tanto de peixes quanto de crustáceos. Esse

período é considerado de grande importância para o equilíbrio do meio ambiente à medida

que protege áreas de desova e permite a reprodução dos peixes. A legislação sobre pesca

15 Apresentamos um fragmento dessa narrativa: “[...] 38 Faraó disse, pois, aos seus servos: Pode-se achar outro homem semelhante a este, em quem há o espírito de Deus? 39 Faraó disse depois a José: Visto que Deus te fez saber tudo isso, não há ninguém tão discreto e sábio como tu. 40 Tu estarás pessoalmente sobre a minha casa, e todo o meu povo te obedecerá implicitamente. Somente com respeito ao trono serei maior do que tu. 41 E Faraó acrescentou a José: “Vê! Eu deveras te constituo sobre toda a terra do Egito.” 42 Com isso, Faraó tirou da sua própria mão o seu anel de sinete e o pôs na mão de José, e vestiu-o de roupas de linho fino e colocou-lhe um colar de ouro em volta do pescoço. 43 Além disso, fê-lo andar no segundo carro de honra que tinha, para que clamassem adiante dele: ‘Avreque!’, constituindo-o assim sobre toda a terra do Egito. 44 E Faraó disse mais a José: “Eu sou Faraó, mas sem a tua autorização nenhum homem poderá erguer sua mão ou seu pé em toda a terra do Egito.” 45 Depois, Faraó chamou José pelo nome de Zafenate-Panéia e deu-lhe por esposa Asenate, filha de Potífera, sacerdote de Om. E José começou a percorrer a terra do Egito. 46 E José tinha trinta anos de idade quando compareceu perante Faraó, rei do Egito. José saiu então de diante de Faraó e passou por toda a terra do Egito. 47 E durante os sete anos de fartura, a terra produzia de mãos cheias [...]” (BÍBLIA SAGRADA, 2011).

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determina que o defeso deva ser respeitado, pois é nesse período que as espécies protegidas

irão entrar em reprodução, garantindo a sobrevivência da espécie.

As preocupações na vida cotidiana da comunidade pesqueira são determinadas

pelas cheias/vazantes do mar, pelo sol e pela chuva, pelos dias e pelas noites. O tempo é

definido pela natureza e pela cultura, pelos mitos e tradições. Observa-se que a crença em

diversos seres sobrenaturais tem influência sobre as atividades de caça e da pesca.

As comunidades vivem direta ou indiretamente da pesca. Formadas por

pescadores, artesãos, pessoas cujas atividades de trabalho de uma forma ou outra são ligadas à

pesca artesanal, sendo ela a principal, quando não a única fonte de sustento das famílias.

A época do defeso colocada em cena por Chachá desenha-se em um ambiente

onde há predominância da cor azul, com nuances de branco. No primeiro plano, imagens de

homens, mulheres e crianças. Estes aparecem quase estáticos. Tal cenário sugere a ausência

de vida, vivacidade, energia em virtude do defeso que é imposto aos habitantes dessa

comunidade pesqueira. Três casebres são mostrados apenas por pequenas partes, localizados

nos cantos da tela. Seis barcos, em segundo plano, estão aportados, refletem seu conteúdo

vazio. Ao fundo, no último plano, entre os morros, observa-se a pequena imagem de um farol.

Este se posiciona muito distante da comunidade da cena. Os tons que colorem a cena

mostram-se opacos, contrastando com a possível luminosidade que advêm das cores do mar e

do céu.

3.3.1.2 Fim do defeso – A imagem da cena

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Figura 9 – Tela Fim do defeso

Fonte: Acervo particular de Jussara Bittencourt de Sá [2006].

A obra intitulada Fim do defeso, de 2006, (80 cm x 40 cm), sob a técnica de

acrílico sobre tela, representa, em plano geral, o momento em que uma comunidade pesqueira

celebra o fim do defeso.

O fim do defeso são as boas novas que anunciam estar encerrada a proibição da

pesca, a chegada dos peixes, o trabalho e a vida. Os dias de privação, tal qual na história de

José e o Faraó, agora dão lugar aos dias de fartura. Desse modo, conforme anteriormente

destacado, o ciclo da natureza (como também as leis que procuram proteger esse ciclo)

influencia diretamente nas relações sociais. Mais uma vez pode-se verificar o lirismo de

Chachá ao representar essa influência em uma comunidade pesqueira.

Nesta obra, diferentemente da anterior, toda a cena sugere estar em movimento.

No primeiro plano, aparece a imagem de homens, mulheres, crianças. A maioria parece vibrar

ao contemplar os pescadores, que dos seus barcos jogam as redes ao mar. Próximo a eles, um

homem conversa com duas mulheres que estão à janela. Do outro lado da tela, encostado a um

casebre, um pescador descansa.

O artista retrata o ambiente em uma mistura de cores. Diferentes matizes de azul

colorem o céu e o mar. O laranja, o vermelho, o amarelo e o azul aparecem colorindo as

roupas dos moradores. Nesta imagem existem tons mais claros, azul do mar, verde da

natureza, o que representa esperança. Ao fundo também, no centro superior da cena, aparece a

imagem de um farol. A cor branca do farol insere-se entre o azul do céu e o verde dos morros.

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O equilíbrio da tela é constatado pela disposição simétrica das imagens, como o

número de barcos, de pessoa e de casebres tanto no lado direito quanto no esquerdo da tela.

3.3.2 Sobre as telas

As imagens das telas promovem diálogo à medida que procuram traduzir dois

momentos relevantes às comunidades pesqueiras: o defeso e o fim do defeso.

Nas cenas retratadas por Chachá, percebemos o cotidiano da pesca artesanal

mediante diversos elementos que compõem as telas. Alguns pescadores no mar, outros

confeccionando suas redes; as mulheres cuidando das crianças, conversando; os barcos

aportados, outros no mar; as redes abertas sobre as águas, ou fechadas na areia; os cestos,

depositados no chão à frente dos pescadores. Em geral, a pesca é executada pelos homens,

enquanto as mulheres cuidam dos afazeres domésticos e dos filhos. O modo de vida dessas

comunidades, como as técnicas de manejo dos recursos naturais, as lendas, os ritos religiosos,

o modo de construção das habitações e outros costumes aparecem nas linhas, formas e cores

criadas pelo artista.

Assim como em outras comunidades pesqueiras, esse panorama aproxima-se

muito do cotidiano do lagamar do município de Laguna. Observa-se nos traços a

peculiaridade do artista ao representar as cenas que podem ser universais, mas traduzem

muito do lugar para onde Chachá lança seu foco.

Através das suas obras, Chachá imortaliza o pescador artesanal, que é portador de

um conhecimento e de um patrimônio sociocultural. Estes permitem conhecer a seu modo “o

segredo das águas”, que envolve os movimentos das marés, que os orientam no mar, que os

informam sobre as fases lunares, sobre as influências dos ventos, sobre os espaços marítimos

e o melhor lugar para lançar suas redes, bem como o momento certo para pegar os peixes.

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3.3.3 Sincretismo religioso: Hora da Missa e A Virada do Ano

3.3.3.1 Hora da Missa – A imagem da cena

Figura 10 – Tela Hora da Missa

Fonte: Acervo particular de Jussara Bittencourt de Sá [entre 1986 e 2006].

A obra intitulada Hora da Missa, medindo 80 cm x 40 cm, sob a técnica de acrílico

sobre tela, representa, em plano geral, também um momento do cotidiano em uma comunidade

pesqueira, cujos membros se dirigem à igreja. O colorido forte das roupas, os tons de azul do céu

e do mar e a cor marrom da areia matizam a imagem.

Do lado esquerdo da tela, ao fundo, a imagem da cruz sobre um pequeno casebre,

às margens da praia, indica o destino para onde se dirige à comunidade. A cruz demarca a

presença da Igreja Católica.

Para a Igreja Católica, o ritual da missa possui geralmente um efeito benéfico

sobre a fé dos fiéis. Etimologicamente, a palavra fé, do latim fides, significa fidelidade e do

grego pistia significa firme convicção de que algo seja verdade (LIMA, 2010, p.35). Assim a

fé remete à ausência de dúvida e total convicção.

A peculiaridade como Chachá representa esse rito religioso aponta-nos também que a

religiosidade popular no Brasil é resultado da evangelização, da mistura racial e cultural que

marcou profundamente e continuará a marcar o modo de ser e de se expressar do povo brasileiro.

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3.3.3.2 Virada do Ano – A imagem da cena

Figura 11 – Tela Virada do ano

Fonte: Acervo particular de Jussara Bittencourt de Sá [entre 1986 e 2006].

A obra intitulada Virada do Ano, 80 cm x 80 cm, sob a técnica de acrílico

sobre tela, representa, em plano geral, a celebração do ano novo em uma comunidade

pesqueira.

Por retratar um ritual noturno, o azul que colore o céu e o bege da areia recebem

tons escurecidos. O branco das vestimentas e das velas e o colorido das roupas contrastam,

iluminando a cena.

Para várias culturas, a virada do ano simboliza uma nova oportunidade de vida.

Nos primeiros minutos do ano novo, muitos aproveitam a oportunidade para agradecer pelo

ano que passou e, principalmente, pedir proteção e boas energias para o ano que se inicia.

Para outros é uma maneira de exaltar a fé. Diferentemente, outros consideram essas

manifestações como pura superstição.

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Chachá procura colocar em cena o ritual de Umbanda que homenageia

Iemanjá,16 a Rainha das Águas, durante a passagem de ano. Na Umbanda, Iemanjá é a

divindade do mar, a deusa padroeira dos navegantes, náufragos, mãe de todos. As filhas

de Iemanjá seriam boas donas de casa, educadoras pródigas e generosas, criando até os

filhos de outros.

Na tela, ocupando lugar central da cena, uma mulher usa trajes ritualísticos:

vestido e turbante brancos, vários colares e guias ornamentam seu pescoço. Junto às flores e

outros objetos dentro do círculo desenhado pelas velas, ela, com os braços abertos, sugere

passos do ritual de benção e proteção. Mais ao fundo outras duas mulheres executam

performances semelhantes. Ao fundo, nas margens da praia, outras mulheres, homens e

crianças também usando roupas brancas, aparecem dançando, fazendo oferendas, orações e

simpatias.

As vestimentas brancas dos participantes do ritual diferenciam-se do colorido das

roupas dos dois homens e do menino. Estes, em primeiro plano, parecem compenetrados ao

espetáculo que assistem.

3.3.4 Sobre as telas

A maneira como as comunidades pesqueiras expressam suas crenças, sua

religiosidade é representada nas obras de Chachá. Mesmo em se tratando de rituais diferentes,

observamos também a possibilidade de diálogo nessas telas.

A presença das mulheres, quer no cortejo que se dirige à igreja em A hora da

Missa quer no comando do ritual em homenagem à Iemanjá na obra Virada do Ano, sinaliza a

relevância que o artista concede ao papel das mulheres na propagação da religiosidade, das

crenças, na condução do ritual da vida.

16 Iemanjá seria filha de Olóòkun, deus (em Benin) ou deusa (em Ifé) do mar. Numa história de Ifá, ela aparece

"casada pela primeira vez com Orunmilá, senhor das adivinhações, depois com Olofin, rei de Ifé [...] Iemanjá, cansada de sua permanência em Ifé, foge mais tarde em direção ao Oeste. Outrora, Olóòkun lhe havia dado, por medida de precaução, uma garrafa contendo um preparado, pois "não se sabe jamais o que pode acontecer amanhã", com a recomendação de quebrá-la no chão em caso de extremo perigo. E assim, Iemanjá foi instalar-se no "Entardecer-da-Terra", o Oeste. Olofin-Odùduà, rei de Ifé, lançou seu exército à procura de sua mulher. Cercada, Iemanjá, em vez de se deixar prender e ser conduzida de volta a Ifé, quebrou a garrafa, segundo as instruções recebidas. Um rio criou-se na mesma hora, levando-a para Okun, o oceano, lugar de residência de Olóòkun (Olokum) (VERGER, 2002, p. 71).

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Observa-se o sincretismo religioso perpassando as cenas. Etmologicamente,

sincretismo vem do grego συγκρητισµός, que originalmente significava coalização dos

cretenses (FERRETTI, 1995). Atualmente, é considerado uma fusão de doutrinas de diversas

origens. O sincretismo religioso é definido como a fusão de diferentes cultos ou doutrinas

religiosas, com reinterpretação de seus elementos, constituindo quase que uma nova religião.

Poderia ser enquadrado dentro de uma religião já existente.

Nas telas de Chachá conseguimos apreender a influência exercida por uma

religião nas práticas de outra. Como, por exemplo, observa-se que os turbantes e os colares

aparecem nas protagonistas, nas que coordenam o ritual à Iemanjá.

O sincretismo também é evidenciado pelas similitudes dos poderes que a Igreja

Católica atribui à Nossa Senhora dos Navegantes, e a Umbanda à orixá Iemanjá. As festas em

homenagens as duas e a maneira de homenageá-las também se aproximam. As oferendas ao

mar e a procissão fluvial são parte dos ritos dedicados a ambas.

O trabalho com a pesca e a participação da vida social e religiosa da comunidade

estruturam a rotina das famílias na comunidade pesqueira. As comemorações religiosas são as

mais perceptíveis representações simbólicas desta ligação entre o homem, o trabalho e espaço.

Chachá destaca a mestiça étnica do brasileiro, seu sincretismo religioso como

constituinte grande de sua identidade cultural. Nas cenas, aparecem demarcadas a comunhão

de símbolos e de crenças construindo e instruindo no grupo a ideia religiosa. A ritualização

representa a crença, a fé.

3.3.5 O cotidiano: Entardecer e Laguna

3.3.5.1 Entardecer – A imagem da cena

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Figura 12 – Tela Entardecer

Fonte: Acervo particular de Jacqueline Bulos Aisemann [entre 1986 e 2006].

A obra intitulada Entardecer, 1987, medindo 80 cm x 80 cm, sob a técnica de

acrílico sobre tela, representa, em plano geral, o momento em que um casal contempla o acaso

de mais um dia em uma comunidade pesqueira.

A cena é matizada pelos tons de lirismo e nostalgia. Em primeiro plano, no canto

direito da tela, o pescador e sua companheira aparecem abraçados. Há delicadeza no gesto do

casal. Eles estão de costas para o espectador e voltados para o mar.

Nas telas de Chachá podemos perceber a presença das redes. Em Entardecer, o

pescador segura sua rede ao mesmo tempo que abraça sua companheira. A rede pode ser

assim associada à ideia de objeto sagrado. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2009), a rede

serve como veículo de captação de uma força espiritual, ou seja, é ela que retira das águas o

alimento sagrado para homem, o peixe.

No evangelho, as redes simbolizavam a ação divina, que tende a apanhar os homens a fim de conduzi-los ao Reino dos Céus após o Julgamento final: O reino dos céus é ainda semelhante a uma rede lançada ao mar, que apanha de tudo. Quando está cheia, puxam-na para a praia e, sentados, juntam o que é bom em vasilhas, mas o que não presta deixam fora. Assim será no fim do mundo. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 772-773).

Os rostos virados em direção ao mar sugerem que seus olhares são direcionados

aos dois barcos iluminados no mar. Eles parecem sinalizar a possibilidade de pesca. Embora

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seus corpos curvados denunciem a vida de trabalho, de privações e limitações, o gesto do

abraço parece traduzir a ternura de uma longa convivência.

3.3.5.2 Laguna – A imagem da cena

Figura 13 – Tela Laguna

Fonte: Acervo particular de Jacqueline Bulos Aisemann [entre 1986 e 2006].

A obra intitulada Laguna, 2004, 160 cm x 80 cm, sob a técnica de acrílico sobre

tela, representa, em plano geral, também um momento do cotidiano de uma comunidade

pesqueira em um lagamar.

O azul do céu e do mar e o bege da areia são as cores que predominam a cena. Em

primeiro plano, aparece um casal abraçado, no centro da cena, tendo aos lados várias crianças. O

gesto de segurar mãos uns dos outros sugere a imagem de uma família numerosa que caminha

unida. Seu trajeto está voltado para a praia, que se desenha no segundo plano da imagem.

No lado esquerdo da tela, um homem caminha com um cesto em cima da cabeça.

Próximo a ele, um barco encontra-se aportado na areia. Um pouco mais distante, um homem

sentado no chão, está encostado na parede de um casebre, próximo a uma rede de pesca esticada.

No lado direito da tela, um pescador aparece abrindo sua rede. Ele está próximo à

numerosa família. A sua frente dois pescadores, no plano seguinte, caminham em direção aos

três casebres as margens da praia. Coladas a esta, tanto do lado esquerdo quando do lado

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direito, aparecem duas privadas, em condições precárias, feitas de madeira, que supostamente

despejam seus dejetos nas águas do mar.

No centro da cena, no terceiro plano, aparece um barco parado no meio das águas

calmas do mar. Ao fundo, o azul do céu e do mar encontra-se, como se não houvesse

separação entre eles, envolvendo toda a cena.

Ao intitular esta obra de Laguna, o artista evidencia também os traços culturais

presentes nesse município. Assim, percebemos os elementos da cultura afrodescendente e

açoriana por meio da pesca artesanal com a rede, com o barco e com o balaio de bambu. Há

também elementos legados pela cultura indígena que muito contribuiu para a colonização de

Laguna no início dos tempos.

A história de Laguna começa na pré-história com os índios carijós pertencentes à raça Tupi-Guarani [...] As primeiras famílias açorianas chegaram à Laguna em meados de 1749, sendo que logo após outros colonizadores foram se instalando por esta região e também em outros locais do litoral catarinense. Junto com eles vieram os costumes que aos poucos foram se incorporando nas novas terras. Foram estes colonizadores que trouxeram para cá o trigo, o açúcar, o feijão, o linho e o cânhamo, e criaram também os engenhos de cana e farinha movidos por animais [...] Outros segmentos trazidos pelos colonizadores foram o comércio de peixe seco, a agricultura, a navegação e a pesca [...] Estes e outros mais são alguns costumes que o povo lagunense herdou dos seus antepassados açorianos. (CADORIN, 2005).

O cotidiano da comunidade pesqueira, do lagamar de Laguna, é representado por

Chachá tanto mediante o lirismo que traduz os gestos de afeto da família, como pelas condições

precárias de moradia, de sobrevivência, pela falta de saneamento básico, pelas vestes simples.

3.3.6 Sobre as telas

As imagens do cotidiano da comunidade de pescadores representadas nessas telas

procuram revelar que o silêncio parece ser a cor que matiza as cenas.

A imagem da praia e do mar domina grande parte dessas duas obras. Segundo

Bachelard (2002), o mar pode ser entendido como “a mãe do pescador”. Não deixa de ser uma

alusão àquela que protege, que alimenta e que disciplina, e é exatamente esta a relação entre o

espaço e o ser que dele se nutre.

A presença das famílias, do afeto e do companheirismo como laços que as unem é

um dos elementos que promove diálogo entre as obras. Em Entardecer ela é representada por

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um casal; em Laguna por uma numerosa família. As imagens de seus componentes são muito

próximas. O artista procura colocar cores fortes e alegres em suas vestimentas.

As imagens de Chachá se referem a um espaço, remetem a um passado remoto e

atemporal, refletem uma sociedade que não se deixa influenciar pelas mudanças, pois a

sobrevivência dos pescadores vai além do econômico e social, é cultural. Fica a impressão de

que as comunidades que coloca em cena não teriam oportunidade de vivenciar outra

realidade, já que se distanciariam de suas raízes, ou, ainda, não lhes seria permitido a sua

sobrevivência. Assim, a arte de Chachá tende a provocar reflexão no espectador.

3.4 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CARÁTER DIALÓGICO, POLIFÔNICO E AS

INTERTEXTUALIDADES NAS OBRAS DE CHACHÁ

As pinturas de Chachá, em linguagem não verbal, possibilitam reflexões. Estas

acontecem pelas palavras, por meio da linguagem verbal. Conforme mencionado neste estudo,

as imagens representam cenas do cotidiano de comunidades pesqueiras. Como cenas, podem

enunciar narrativas.

Nessa perspectiva, a arte não verbal é promovedora de enunciados, por intermédio

das palavras que, por sua vez, sinalizam diálogos. Refletindo sobre a palavra, Bakhtin (1997)

afirma que esta é vista como signo ideológico por excelência. Cada enunciado proferido é

constituído de vozes, de lugares variados, ou várias fontes (polifonia). Tudo isso remete a um

princípio que ele chamou de dialógico.

Bakhtin considera também que o dialogismo é o princípio constitutivo da

linguagem e a condição do sentido do discurso nos enunciados proferidos. Dessa forma, o

discurso não é individual tanto pelo fato de que ele se constrói entre, pelo menos, dois

interlocutores que, por sua vez, são seres sociais, quanto pelo fato de que ele se constrói como

um diálogo entre discursos, isto é, mantém relações com outros discursos. “O discurso é uma

‘construção híbrida’, constituído por vozes em concorrência e sentidos em conflito”

(BAKHTIN, 1997, p. 38).

O diálogo, tanto exterior, na relação com o outro, quanto no interior da

consciência, realiza-se na linguagem. Refere-se a qualquer forma de discurso, quer as do

cotidiano, quer as artísticas ou literárias. Bakhtin (1997) considera o diálogo como relações

que ocorrem entre interlocutores, em uma ação histórica compartilhada socialmente, que se

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realiza em um tempo e local específicos, mas sempre mutável, devido às variações do

contexto. Para o autor, o dialogismo é constitutivo da linguagem: mesmo entre produções

aparentemente monológicas observa-se sempre uma relação dialógica. Ele nem mesmo separa

uma linguagem normal de uma linguagem criativa, pois a linguagem tem abertura,

movimento. O caráter dialógico permite intertextualidades com situações vivenciadas e/ou

representadas em outras obras.

Ao entender a pintura como um texto passível de leitura, podem-se aplicar os

conceitos de dialogia e polifonia, o que nos permite intertextos (BAKHTIN, 2003, p. 309).

O dialogismo revela que muitas vozes estão em cada enunciado, e os conceitos

definem-se pela interação dialógica que se estabelece entre enunciadores. O olhar sobre as

pinturas de Chachá permite recorrer a Bakhtin, à medida que se pode verificar a

multiplicidade de vozes presentes nas relações que entre elas se estabelecem. O artista, de

acordo com os dados de sua biografia, teve como fonte inspiradora o que vivenciou, suas

lembranças individuais, memórias da cidade e se utiliza de linguagem própria para trazer a

cena narrativas do cotidiano, crendices, elementos da cultura popular dos pescadores de

Laguna. Percebe-se a polifonia através das vozes do artista criador, e o diálogo entre o artista

e o leitor, o artista e seu contexto e com outras obras. Para Bakhtin, dialogismo seria a

constituição de um discurso literário em que se cruzam, polifonicamente, as vozes do

enunciador e do enunciado, mescladas à voz do receptor (espectador). Nesta perspectiva,

sublinha-se o caráter dialógico das imagens por intermédio de sua leitura.

Percorrendo as telas de Chachá, em estudo, verifica-se que seus enunciados

podem estar além da representação de comunidade pesqueira de Laguna. O artista possibilita,

de certa forma, as vozes dos que vivem em comunidades pesqueiras, como a voz do pescador,

do pai de família, do marido, do avô, do filho de pescador, do artesão, da mulher, da esposa,

da mãe, da avó, da filha de pescador, dos católicos, da mãe de santo, dos umbandistas, entre

outras. Temos também representadas nas obras a voz do artista, voz do crítico, voz do

intelectual, do morador de Laguna. Suas telas desvelam a relação do artista e do cidadão

Richard Calil Bulos com o mundo que o cerca.

Os temas das imagens, como, por exemplo, das obras As vacas magras e Fim do

defeso, representam as dificuldades encontradas pela comunidade pesqueira. Essas dificuldades

também ecoam em outras obras artísticas. Lançando o foco para a literatura, percebemos a

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possibilidade do diálogo das telas com a narrativa de Graciliano Ramos,17 no livro Vidas Secas.18

As adversidades encontradas no ambiente árido da seca, pelas personagens de Graciliano Ramos,

embora em contextos distintos, também apresentam similitudes com as encontradas pelas

personagens de Chachá. Em ambas as narrativas, podem-se constatar a aspereza de suas vidas,

bem como sua invisibilidade diante de outras classes sociais.

As imagens da precariedade das condições de vida no lagamar, das limitações, da

inexistência de saneamento básico, da pobreza, nas telas, em especial, nas telas Hora da

Missa, Virada do ano, Entardecer e Laguna, sinalizam os contextos desvelados nos versos da

canção Alagados,19 interpretada pela banda Paralamas do Sucesso,20 de autoria de Herbert

Vianna e Bi Ribeiro.

Os versos cantam:

Todo dia o sol da manhã/ Vem e lhes desafia/ Traz do sonho pro mundo/ Quem já não o queria/Palafitas, trapiches, farrapos/ Filhos da mesma agonia/ E a cidade que tem braços abertos/ Num cartão postal/ Com os punhos fechados na vida real/ Lhe nega oportunidades/ Mostra a face dura do mal/ Alagados, Trenchtown, Favela da Maré/ A esperança não vem do mar/Nem das antenas de TV/ A arte de viver da fé/ Só não se sabe fé em quê/ [...]

Tal qual os versos, as imagens das telas apontam as mazelas vivenciadas pelas

classes menos favorecidas da sociedade. As comunidades mencionadas nos versos apontam

traços semelhantes aos cenários desenhados nas telas de Chachá. Há similitudes tanto nas

limitações vivenciadas pelos Alagados, Trenchtown e a Favela da Maré, denunciadas nos

versos como nas representadas nas telas, quanto na “fé” cantada e pintada.

17 Graciliano Ramos de Oliveira nasceu em Quebrangulo, em 2 de outubro de 1892, e faleceu no Rio de Janeiro, em 20 de março de 1953. Foi romancista, cronista, contista, jornalista, político e memorialista. Vidas Secas, de 1938, é considerado seu romance mais famoso. 18 A obra conta a história de uma família que vive “em meio à paisagem hostil do sertão nordestino. Os quatro componentes e uma cachorrinha se arrastam numa peregrinação silenciosa. O menino mais velho, exausto da caminhada sem fim, deita-se no chão, incapaz de prosseguir, o que irrita Fabiano, seu pai, que lhe dá estocadas com a faca no intuito de fazê-lo levantar. Compadecido da situação do pequeno, o pai toma-o nos braços e carrega-o, tornando a viagem ainda mais modorrenta. A cadela Baleia acompanha o grupo de humanos agora sem a companhia do outro animal da família, um papagaio, que fora sacrificado na véspera a fim de aplacar a fome que se abatia sobre aquelas pessoas. Errando por caminhos incertos, Fabiano e família encontram uma fazenda completamente abandonada. Surge a intenção de se fixar por ali. Baleia aparece com um preá entre os dentes, causando grande alegria aos seus donos. Haveria comida. Descendo ao bebedouro dos animais, em meio à lama, Fabiano consegue água. Há uma alegria em seu coração, novos ventos parecem soprar para a sua família. Pensa em Seu Tomás da bolandeira. Pensa na mulher e nos filhos. A inesperada caça é preparada, o que garante um rápido momento de felicidade ao grupo. No céu, já escuro, uma nuvem – sempre um sinal de esperança. Fabiano deseja estabelecer-se naquela fazenda. Será o dono dela. A vida melhorará para todos”. (RAMOS, 1997) 19 A canção “Alagados” foi lançada pelos Paralamas no álbum Selvagem, em 1986, pela Gravadora EMI, RJ. 20 Os Paralamas do Sucesso (também conhecida somente por Paralamas) é uma banda de rock brasileiro, formada no Rio de Janeiro nos final dos anos 1970. Seus integrantes são Herbert Viana, Bi Ribeiro, João Barone.(TECNOPOP, 2011)

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A palavra fé nos remete ainda para o sincretismo religioso das telas Hora da

Missa e Virada do ano que permite estabelecer, dentre tantos, uma intertextualidade com o

romance Grande sertão: veredas,21 de João Guimarães Rosa.22

Podemos perceber o sincretismo religioso na fala de Riobaldo, o personagem

sertanejo do livro, numa das cenas em que relata suas crenças e o que pensa da religião:

Por isso é que se carece principalmente de religião, para se desendoidecer, desdoidar. Reza que e sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação da alma [...] Muita religião seu moço! Eu cá, não perco a ocasião da religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo o rio. Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável. E eu! Bofe! Detesto! O que sou? – o que faço, que quero, muito curial. E em cara de todos faço, executado. Eu não tresmalho! (ROSA, 2006, p. 16).

Também constatamos um possível intertexto com os versos da canção Sincretismo

Religioso,23 de Martinho da Vila.24

Saravá, rapaziada! – Saravá !/Axé pra mulherada brasileira! – Axé!/ Êta, povo brasileiro! Miscigenado, Ecumênico e religiosamente sincretizado/Ave, ó, ecumenismo! Ave!/Então vamos fazer uma saudação ecumênica /Vamos? Vamos!/Aleluia - aleluia!/Shalom - shalom!Al Salam Alaikum! - Alaikum Al Salam! Mucuiu nu Zambi - Mucuiu!/Ê, ô, todos os povos são filhos do senhor!/Deus está em todo lugar. Nas mãos que criam, nas bocas que cantam, nos corpos que

21 A obra foi escrita em 1956 e conta a historia de Riobaldo, fazendeiro do estado de Minas Gerais, ex-jagunço, chefe de bando, andarilho do sertão como cangaceiro, que relata suas aventuras e ao mesmo tempo que se questiona a respeito da existência de Deus e do diabo. “Entre seus companheiros, havia um que muito lhe agradava: Reinaldo, ou Diadorim. Conhecera-o quando menino e por quem ele sente uma estranha atração que o perturba. Riobaldo ao querer se vingar da morte do amigo Joca Ramiro, chefe dos jagunços, assassinado à traição por Hermógenes, ex-companheiro de bando, faz um pacto com o diabo para destruir o traidor. Torna-se líder do bando vingativo; até que os dois bandos se encontram e entram em confronto. Reginaldo, entra em combate com Hermógenes e ambos morrem. Nesse momento Riobaldo descobre que Reginaldo é na verdade Diadorim, filha de seu amigo Joca Ramiro, que até então viveu disfarçada de homem. Amargurado, Riobaldo abandona a vida de jagunço e vai viver como um pacato fazendeiro. Confuso e decepcionado com a descoberta de que Reginaldo é na verdade Diadorim, seu grande amor ele desiste das aventuras em bando e se recolhe para fazer algumas reflexões sobre a existência. Confuso pela dúvida da existência ou não do diabo e a possibilidade de fazer um pacto com ele, Riobaldo passa a querer entender o sentido e os mistérios da vida”.(ROSA, 2006) 22 João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo – Minas Gerais, em 27 de junho de 1908, e faleceu no Rio de Janeiro em 19 de novembro de 1967. Foi médico, diplomata, e um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. Boa parte de sua obra ambienta-se no chamado sertão brasileiro. (ROSA, 2006) 23 A canção “Sincretismo Religioso” foi lançada por Martinho da Vila no álbum Coisas de Deus, em 1997, pela Gravadora Sony Music. (ZFM PRODUÇÕES, 2002) 24 Martinho José Ferreira conhecido por Martinho da Vila nasceu em Duas Barras, Rio de Janeiro, em 12 de fevereiro de 1938. Sua carreira de cantor profissional iniciou-se no início de 1969 quando lançou o LP intitulado Martinho da Vila. É representante da MPB e compositor eclético, tendo trabalhado com o folclore e criado músicas dos mais variados ritmos brasileiros, como ciranda, frevo, samba de roda, capoeira, bossa nova, calango, samba-enredo, toada e sambas africanos.(ZFM PRODUÇÕES, 2002)

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dançam, nas relações amorosas, no lazer sadio, no trabalho honesto./ Onde está Deus? - Em todo lugar!/ Olorum, Jeová, Oxalá, Alah, N`Zambi [...] Jesus! E o espírito Santo? É Deus!/ Salve sincretismo religioso! - Salve!

Assim como os versos da canção, a passagem do romance, as telas de Chachá

desvelam elementos do dialogismo. Essas obras sinalizam o sincretismo religioso que faz

parte da cultura do povo brasileiro. É através das várias crenças e religiões que o brasileiro

narrado, cantado e pintado pelos artistas manifesta e expressa a sua fé.

Conforme procuramos destacar, as imagens nas telas podem ser vistas como

resultado da enunciação do artista criador, onde o leitor interfere na enunciação.

Na perspectiva bakhtiniana, a linguagem é de natureza ideológica porque reflete

os valores sociais daqueles que a põem em funcionamento. Bakhtin (2003) comenta que as

diferentes linguagens, verbais ou não verbais, são determinadas pela ideologia. Podemos

afirmar que a própria busca do leitor em satisfazer sua curiosidade em relação aos valores

sociais ja e de certa forma ideológica. Queremos que o desafio lançado pelo criador tenha a

nossa interferência como um debate aberto.

Ao fazer a leitura da imagem, o espectador se identifica, cria e interage com a

imagem, vê ali o que diz respeito à sua cultura, sua história de vida, sua formação. O

observador cria uma história a partir do que vê, de acordo com suas relações e vínculos

culturais e sociais, e suas experiências de vida, valores e crenças. É a história dele, a

decodificação que ele faz com seus elementos pessoais.

Percebe-se que narrativas recebem eco em outras narrativas:

por meio da ilusão do auto reflexo, por meio do conhecimento técnico e histórico, por meio da fofoca, dos devaneios, dos preconceitos da iluminação, dos escrúpulos da ingenuidade, da compaixão, do engenho. Nenhuma narrativa suscitada por uma imagem é definitiva ou exclusiva, e as medidas para aferir a sua justeza variam segundo as mesmas circunstâncias que dão origem a própria narrativa. (MANGUEL, 2001, p. 28).

As vozes evocadas pelas obras do artista Chachá parecem apontar e até mesmo

recuperar aspectos da história da cultura do lugar. Destaca-se que a história dos pescadores

lagunenses não é somente deles, é também da sua família, da comunidade, das condições da

época. Encontramos traços da cultura afrodescendente e açoriana nos quadros do pintor,

através da pesca artesanal com a rede, com a canoa e com o balaio de bambu. Ele também nos

remete à cultura indígena, que muito contribui para a colonização de Laguna no início dos

tempos. Os índios repassaram parte de seus saberes aos açorianos, que a aderiram e a ela

acrescentaram novas técnicas, as lavadeiras, a comunidade, uma religião, um culto, uma

cultura.

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Tais aspectos que emergem das narrativas, que são promovidos pelas obras de

Chachá, reiteram o caráter dialógico. Isso confirma as ideias de Bakhtin, o qual considera que

o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso.

Dessa forma, as narrativas não são individuais, à medida que são construídas e provocadas

por vários interlocutores que, por sua vez, são seres sociais, e também pelo fato de que elas se

edificam como um diálogo entre discursos, isto é, mantém relações com outros discursos. “As

narrativas são assim construções híbridas, constituídas por vozes em concorrência e sentidos

em conflito” (BAKHTIN, 1997, p. 38).

O artista dá vida e ação a seus personagens, narrando o cotidiano, experiências,

sentimentos. As vozes sociais interagem trazendo à cena modelos da cultura, da representação

da vida.

3.5 AVALIANDO ALGUNS ASPECTOS DA LINGUAGEM VISUAL NAS OBRAS DE

CHACHÁ

Na sequência, apresentamos elementos que estruturam a comunicação visual. O

ponto é a unidade de comunicação visual mais simples e mínima. “Quando fazemos uma marca,

pensamos nesse elemento visual como um ponto de referência ou um indicador de espaço”.

(DONDIS, 2007, p. 53). Qualquer ponto tem grande poder de atração visual sobre o olho.

Nas telas Vacas magras e Fim do defeso, as pessoas aparecem como principal

ponto central de atração visual. Nessas obras, os barcos também podem ser relembrados como

focos de atração visual secundários.

Na tela intitulada Hora da Missa, a igreja é o principal ponto da arte e as pessoas

em si que estão indo em direção a ela. Já na tela Virada do ano, a imagem nos provoca o foco

para as pessoas dentro de um círculo de velas.

Em Entardecer, a direção do olhar é conduzida para a imagem de duas pessoas

abraçadas olhando para o mar. Na imagem da tela Laguna, as pessoas abraçadas, o pescador

abrindo a rede, assim como os casebres construídos pertos uns dos outros são os pontos que

mais fixam o olhar.

O outro elemento seria a linha. Segundo Dondis, a linha pode ser entendida como um

ponto em movimento. “Nas artes visuais, a linha nunca é estática; é o elemento visual inquieto e

inquiridor do esboço. Sua natureza linear e fluida reforça a liberdade de experimentação. Contudo,

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apesar de sua flexibilidade e liberdade, a linha não é vaga: é decisiva, tem propósito e direção, vai

para algum lugar, faz algo de definitivo” (DONDIS, 2007, p. 56).

Assim, para Dondis, a linha reflete a intenção, sentimentos e emoções e a visão do

artista e provocam efeitos variados de sentidos. Analisando as pinturas de Chachá, pode-se

perceber a qualidade expressiva de suas linhas: realçam as sensações de movimentos e

predominam sobre os demais elementos compostos por traços, manchas e superfícies.

Podemos definir poucas linhas insinuantes nas casas, nos cestos caídos no chão; nos barcos;

na primeira tela Vacas Magras não se movem, já em Fim do defeso direcionam-se ao mar.

Verificamos que as linhas na tela Hora da Missa aparecem na igreja, nos barcos,

nas pedras, na casa, no balde e na caixa que está no chão, nas roupas. Na tela Virada do ano,

verificamos as linhas nos objetos na areia, no chão, nas roupas. Nas telas Entardecer e

“Laguna”, as linhas são encontradas nos barcos, nas roupas e nos cestos.

O outro aspecto a ser avaliado na comunicação visual, conforme Dondis (2007)

são as formas básicas. Para a autora, existem três formas básicas: o quadrado, o círculo, e o

triângulo equilátero. Da combinação infinita dessas, derivaria todas as formas físicas da

natureza e da imaginação humana. De acordo com Dondis (2007, p. 57-59):

Cada uma das formas básicas tem suas características específicas, e a cada uma se atribui uma grande quantidade de significados, alguns por associação, outros por vinculação arbitrária, e outros ainda através de nossas próprias percepções psicológicas e fisiológicas. Ao quadrado se associam enfado, honestidade, retidão e esmero; ao triangulo, ação, conflito, tensão ao círculo, infinitude, calidez, proteção.

Na tela Vacas magras, a forma se representa triangular, o que expõe o

negativismo da imagem; em Fim do defeso, observa-se a forma arredondada, demonstrando

proteção e positivismo. Na tela Hora da Missa, a forma se representa quadrada, que sugere

honestidade e esmero das pessoas e sua situação. Entretanto, em Virada do ano, a forma se

apresenta triangular, representando ação, conflito, tensão. Já a tela Entardecer revela a forma

triangular, representando certa tensão, insegurança; em Laguna, a imagem é redonda,

sugerindo infinitude, calidez.

Outro elemento é a direção visual que tem forte significado associativo;

importante para a intenção, que compõe efeito e significados definidos. Para Dondis (2007, p.

60):

A referência horizontal-vertical tem a ver com a estabilidade em todas as questões visuais. A direção diagonal tem a força direcional mais instável, e, conseqüentemente, mais provocadora das formulações visuais. Seu significado é ameaçador e quase literalmente perturbador. As forças direcionais curvas têm significados associados à abrangência, à repetição e à calidez.

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Nas telas que representam o trabalho, pode-se perceber que a direção dos barcos é

diagonal, o que sugere certa instabilidade. As pessoas se direcionam verticalmente, o que

passa a sensação de que eles precisam deste bem-estar e estabilidade.

Na tela Hora da Missa, a direção dos barcos e de algumas pessoas é diagonal, o

que representa a instabilidade. Outras pessoas estão na direção vertical, representando a

necessidade de bem-estar e maneabilidade. As pedras parecem seguir o caminho da igreja. Na

tela Virada do ano, a direção também é vertical, e tem relação com meio ambiente e

organismo humano.

Na tela Entardecer, a direção é diagonal de um barco e das pessoas, representando

instabilidade e um barco e cestos são horizontais, demonstrando necessidade de bem-estar. Na

imagem Laguna, a direção é horizontal representando maneabilidade, e diagonal das casas,

mar, barcos, representando falta de estabilidade.

A textura é o elemento visual que “serve de substituto às qualidades de outro

sentido, o tato. Podemos apreciar e reconhecer a textura tanto através do tato quanto da visão

ou, ainda, mediante uma combinação de ambos”. (DONDIS, 2007, p. 70).

Referente à textura das telas, podemos observar nas redes de pesca e na pele das

personagens, na areia e nos casebres que as linhas sobrepostas, as cores e os pontos sugerem

aspereza. Observa-se que as linhas e a cor branca que formam as ondas do mar nos

transmitem a sensação da espuma, de molhado.

“Todos os elementos visuais são capazes de se modificar e se definir uns aos

outros”. Outro aspecto também relevante nesta leitura de imagem, segundo Dondis, é a escala.

Para Dondis (2007, p. 72),

a escala pode ser estabelecida não somente por meio do tamanho relativo das pistas visuais, mas também mediante as relações com o campo ou com o ambiente. No estabelecimento da escala, o fator fundamental é a medida do próprio homem. O controle da escala pode fazer uma sala grande parecer pequena e aconchegante, e uma sala pequena, aberta e arejada. Esse efeito se estende a toda manipulação do espaço, por mais ilusório que possa ser (DONDIS, 2007, p. 75).

Nas imagens das obras Vacas Magras e Fim do defeso podemos ver escalas onde

estão as pessoas na areia, na parte inferior, em segundo plano ficam os barcos e pessoas no

mar e em terceiro, os morros, casas entre outros objetos indefinidos que estão na parte

superior da imagem. Dentro da escala, ainda, conseguimos perceber que há crianças no

quadro, devido ao tamanho menor delas em relação aos adultos.

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Na tela Hora da Missa percebemos as escalas através dos barcos, uns maiores, outros

menores, demonstrando que uns estão perto e outros longe, também nas pessoas, umas maiores

para parecerem adultos. Na casa e na igreja há pouca alteração de tamanho, porém podemos

perceber a distância, devido ao caminho e às pessoas também. Os morros verdes são menores,

parecendo estar no fundo. Na tela Virada do ano há escala de pessoas, umas maiores mais à

frente, outras menores atrás, no mar. Os objetos no chão da areia parecem ser pequenos. Na tela

Entardecer, percebemos a escala nos barcos: um menor, indicando que está mais no fundo, e as

pessoas maiores mostrando que estão mais perto de quem as vê. Pode-se perceber que os cestos

aparecem pouco mais à frente das pessoas. Na tela “Laguna” percebemos a escala nas pessoas,

umas maiores mais a frente, outras menores atrás, nos barcos, um menor ao fundo outro maior

sobre a areia, e nas casas.

A dimensão existe no mundo real. Contudo, Dondis alerta que “em nenhuma das

representações bidimensionais da realidade, como o desenho, a pintura, a fotografia, o cinema

e a televisão, existe uma dimensão real; ela é apenas implícita”. A ilusão da dimensão pode

ser reforçada principalmente com técnica da perspectiva. A autora explica: “Os efeitos

produzidos pela perspectiva podem ser intensificados pela manipulação tonal, através do

claro-escuro, a dramática enfatização de luz e sombra” (DONDIS, 2007, p. 75).

Nas imagens das telas que evidenciam o trabalho Vacas Magras e Fim do defeso

observamos várias dimensões, em parte do mar e da areia de cima, as pessoas, algumas de

costas, outras de frente, alguns cestos vazios de lado, outros é possível ver o escuro de dentro,

os barcos estão pouco virados para a direita na primeira imagem, já na segunda estão em

vários ângulos, as cores do morro no fundo são mais escuras para dar a ilusão que estão longe.

Na tela Hora da Missa podemos ver parte do mar e da areia de cima, as pessoas

de costas, alguns cestos vazios virados para cima e um cheio, caído no chão e barcos vazios.

Os barcos, em dois ângulos (direita e esquerda), parecem estar parados. Entretanto, há

instabilidade pelas cores do morro no fundo. Estas são mais escuras, dando a ilusão de que

estão longe. Podemos ver, ainda, os telhados da igreja somente de um lado. Na tela Virada do

ano, temos apenas um ângulo, de cima na horizontal, algumas pessoas de frente e outras de

costas. Na tela Entardecer, os cestos estão vazios, pois podemos ver dentro e estão deitados,

as pessoas de costas; os barcos, um podemos ver a lateral, o outro, um ângulo de frente

horizontal. Na tela Laguna, visualizamos as casas apenas de um ângulo, as pessoas em pé, de

costas, uma pessoa sentada no canto superior direito da imagem, os barcos de frente. Tais

elementos sugerem que o quadro foi pintado de cima, na horizontal.

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O que chama a atenção nas imagens é a sensação de movimento. Os movimentos

visuais sugerem estados de espírito que podem ser de euforia ou tristeza. Dondis (2007)

refere-se ao movimento na melhor forma de definição que poderíamos dar as obras de

Chachá:

A sugestão de movimento nas manifestações visuais estáticas é mais difícil de conseguir sem que ao mesmo tempo se distorça a realidade, mas está implícita em tudo aquilo que vemos, e deriva de nossa experiência completa de movimento na vida. O verdadeiro movimento, como nós o conhecemos, se encontra no olho do espectador, através do fenômeno fisiológico da “persistência da visão”. O olho explora continuamente o meio ambiente, em busca de seus inúmeros métodos de absorção das informações visuais. (DONDIS, 2007, p. 80-81).

Os movimentos visuais encontram-se nas áreas de contraste. O que contrasta

sugere maior contemplação, o “movimento visual se torna mais lento”; enquanto que nas

“áreas de transição” o movimento se torna mais veloz. (OSTROWER, 1999, p. 238). Na tela

Vacas magras há pouco movimento. A calma nessa tela pode ser contemplativa ou nostálgica.

As pessoas e barcos estão parados; na parte direita há uma mulher com uma criança

aparentemente caminhando e podemos identificar o vento através do balanço da água do mar;

no canto inferior direito há uma pessoa encostada na casa, com a mão no rosto; as pessoas

juntam as mãos, algumas estão sentadas, outras de pé. E o personagem sentado, por exemplo,

está com a cabeça baixa, ele transmite tristeza, desânimo, vergonha e solidão.

A sensação de movimento na tela Fim do defeso é notável pelos fatores de

sentido, direção e inclinação, postura dos pescadores. As pessoas vibram, demonstrando

esperança, algumas se despedem com felicidade, os barcos estão em movimento no mar, os

pescadores jogam as redes para pescar, o mar está calmo. O homem do lado direito no canto

inferior coloca a mão na cintura, a pessoa da janela esquerda da casa, no canto inferior

esquerdo, debruça-se na janela, não se sabe dizer há quanto tempo. A grande agitação desta

tela pode ser vista como alegre; esta retrata o fim de um tempo difícil para os pescadores.

As pessoas se movem para a igreja, na tela Hora da Missa, há uma pessoa que não

se sabe se está de frente ou de costas com um balde cheio escorado na cabeça, os barcos

parecem estar em pouco movimento, há uma leve brisa que podemos identificar devido às

águas do mar.

Em Virada do ano há sugestão da presença de vento forte, em razão das ondas do

mar e da imagem de pessoas caminhado verticalmente, umas para a direção do mar, outras, da

areia. Essas parecem fazer alguma espécie de dança, devido a posição dos braços e à ginga.

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Na tela Entardecer não há muito movimento na imagem; as pessoas estão paradas

e os barcos se movimentam muito lentamente, pois não há indícios de vento. Em Laguna há

pouco movimento e pouco vento. Verificamos a rede ser chacoalhada, algumas pessoas estão

caminhando enquanto outras se encontram paradas.

Percebemos que a imagem Vacas magras não é equilibrada, devido à “colina” no

canto superior direito e ao pedaço da casa à direita que não se ajustam ao eixo visual. A

organização dos signos visuais da obra se apresenta com irregularidades e descontinuidades

visuais; o cenário desse ponto de vista não é equilibrado. A obra Fim do defeso apresenta

harmonia visual em termos de relações dos objetos.

A imagem Hora da Missa não tem equilíbrio, em razão da “estrada” e da

quantidade de pessoas, cores, entre outros fatores que há nesse mesmo local, fazendo nossa

percepção visual ficar mais focada neste lado. Já na imagem da tela Virada do ano percebe-se

que há equilíbrio, pois possui os dois lados iguais.

Em virtude das cores fortes das roupas e o barco, há um equilíbrio na tela

Entardecer. O mesmo ocorre na tela Laguna, que possui cores e objetos em ambos os lados,

indicando equilíbrio.

É através do tom que o artista pode expressar a dimensão. O tom permite sugerir

dimensões que se aproximariam à realidade. Em Vacas Magras, os tons são obscuros e

opacos, as cores do mar clareiam pouco; enquanto que na tela Fim do defeso, existem tons

mais claros, azul do mar, verde da natureza, o que representa esperança. Em Hora da Missa,

os tons das imagens são claros, apenas os riscos de sombras são escuros. Os tons das imagens

que compõem a cena em Virada do ano são obscuros (mar, céu e areia). Os tons são opacos e

pouco escuros, apenas as roupas, o verde da grama e os cestos têm tons saturados na tela

Entardecer. Na tela Laguna os tons são claros e alguns saturados, e as bordas são mais

escuras.

Mediante essas considerações, destacamos que através do tom pode-se criar, em

conjunto com outros elementos (como a linha, por exemplo), uma ilusão convincente da

realidade. “O acréscimo de um fundo tonal reforça a aparência de realidade através da

sensação de luz refletida e sombras projetadas” (DONDIS, 2007, p. 63). Chachá, em suas

obras, consegue enunciar o valor tonal ao projetar a luz sobre o que quer evidenciar.

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3.5.1 Interpretando as cores

A cor é o elemento visual mais ligado as emoções. Ela não somente expressa,

como intensifica as informações, pois como ressalta Dondis “é uma das mais penetrantes

experiências visuais que temos todos em comum”, além disso, “conhecemos a cor em termos

de uma vasta categoria de significados simbólicos” (DONDIS, 2007, p. 64). Dondis chama a

atenção para a diversidade de reações e sentidos que a cor provoca em nós.

Existem muitas teorias da cor. A cor tanto da luz quanto do pigmento, tem um comportamento único, mas nosso conhecimento da cor na comunicação visual vai muito além da coleta de observações de nossas reações a ela. Não há um sistema unificado e definitivo de como se relacionam os matizes. (DONDIS, 2007, p. 65).

A autora menciona que a cor “tem três dimensões que podem ser definidas e

medidas”, sendo o matiz ou croma, a saturação e o brilho. A autora explica que o matiz “ é a

cor em si”, e cada matiz tem característica própria, sendo que “existem três matizes primários

ou elementares: amarelo, vermelho e azul”. Dondis (2007, p. 65) descreve: “o amarelo é a cor

que se considera mais próxima da luz e do calor; o vermelho é a mais ativa e emocional; o

azul é passivo e suave. O amarelo e o vermelho tendem a expandir-se; o azul, a contrair-se.

Quando são associadas através de misturas, novos significados são obtidos”

A saturação é “a pureza relativa de uma cor, do matiz ao cinza”. Dondis

explica que a cor saturada é “simples, quase primitiva”, “não apresenta complicações, e é

explícita e inequívoca; compõe-se dos matizes primários e secundários”. As cores menos

saturadas podem levar a ausência de cor, e “são sutis e repousantes”. Dondis (2007, p. 66)

enfatiza que “quanto mais intensa ou saturada for à coloração de um objeto ou

acontecimento visual, mais carregado estará de expressão e emoção”. A terceira dimensão

da cor é o brilho que é acromático, “do claro ao escuro, das gradações tonais ou de valor”

(DONDIS, 2007, p. 66).

Como já alegamos, reagimos as cores conforme nossas influências culturais,

pois a cor “é uma linguagem individual” (FARINA, 2006, p. 14). Dondis explica que “a cor

não apenas tem um significado universalmente compartilhado por intermédio da experiência,

como também um valor informativo específico, que ocorre através dos significados

simbólicos a ela vinculados” (DONDIS, 2007, p. 69).

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No que diz respeito à cor, Ostrower (1999, p. 236) enfatiza que “a cor se

caracteriza pela carga de sensualidade que lhe e inerente [...] há uma excitação dos sentidos,

que é própria da cor e que não existe em nenhum outro elemento visual”.

Nas telas Vacas Magras e Fim do defeso, as cores azul e verde representam a

perseverança e passividade, e contrastam com o vermelho, que dá a sensação de tensão,

porém é amenizado pelo azul. Algumas cores são saturadas, como o azul, que mostra a

tranqüilidade, e o vermelho, que indica os sentimentos tensos. A cor bege é neutra, ou seja,

ancoradoura.

Na tela Hora da Missa também percebemos as cores azul e verde contrastando

com o vermelho. Há o marrom, que está relacionado à maturidade e responsabilidade, ao

conforto e à simplicidade, e o cinza, que pode significar sucesso. A cor azul do mar e do céu,

quando se misturam, dá a sensação de longevidade.

Em Virada do ano também estão presentes as cores azul, verde e o marrom. A cor

verde do mar junta-se com o azul do céu, passando euforia. O branco das roupas transmite

calma, pureza. As cores das roupas (o vermelho e o amarelo) passam descontração,

agressividade, calor, prosperidade.

Na tela Entardecer, a cor vermelha e amarela das roupas passam descontração,

agressividade, calor, prosperidade. A mistura do marrom (responsabilidade) com o azul

(passividade) no céu sugere a sensação de “tempo-ruim”. O azul opaco do mar passa serenidade,

calmaria. A cor verde saturada da vegetação transmite esperança, um pouco mais de alegria.

Na tela Laguna, a cor azul representa a perseverança e passividade. Há o marrom,

que está relacionado ao conforto e à simplicidade, representando a responsabilidade. As cores

das roupas e das casas (o vermelho e o amarelo) sinalizariam descontração, calor, entre

outros. A cor cinza pode significar medo, depressão.

Chevalier e Cheerbrant (2009, p. 107) dizem que “um ambiente azul acalma e

tranquiliza, embora não tonifique, ao contrário do verde, porquanto fornece apenas uma

evasão sem sustentação no real, apenas uma fuga que, ao longo prazo, se torna deprimente”.

Por outro lado, o azul pode apresentar um ar depressivo, que se explicaria pela

preocupação que o personagem possa vir a ter com seus filhos quando crescidos.

As cores quentes são profundamente excitantes, sensuais, despertam calor humano e são favoráveis a aglomerações de confraternização ou cooperação mútua. Em mensagens transmitem carinho e aproximação fraternal. As cores frias são impessoais e denotam certo afastamento emocional. (TISKI-FRANCKOWIAK; MASSON NETO, 2000, p. 169).

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Dessa forma, associa-se o vermelho e o amarelo ao calor, fogo, sol, enquanto que

o azul se associa a céus, gelo e frio. Do mesmo modo, deduz-se seu teor expressivo:

[...] as cores quentes conotando proximidade, densidade, opacidade, materialidade, e as frias, distância, transparências, aberturas, imaterialidade. As cores quentes e frias articulam posições contrastantes que ocorrem simultaneamente no espaço: as cores quentes avançam, expandindo-se enquanto que as cores frias recuam, retraindo-se. (OSTROWER, 1999, p. 243).

Chachá pinta nas cenas as roupas de suas personagens mais coloridas, com

cores quentes, despertando calor humano, confraternização, aproximação fraternal e

cooperação, amenizando as cores frias e impessoais das telas onde as cenas retratam

momentos difíceis, ou mesmo a falta de recursos para as comunidades.

Pode-se afirmar que Chachá concede, por meio das cores, o grau de

importância das coisas retratadas. A natureza representada através do céu e o mar em

primeiro plano, o homem, os personagens em segundo plano, em sujeição a natureza, e em

seguida os casebres a moradia, que nesta ordem é um complemento.

3.5.2 Considerações sobre a presença e a ausência de imagens

Chachá procura traduzir seus temas por meio de uma linguagem poética, na qual

as antíteses se equilibram. Percebe-se que as telas que representam o trabalho, Vacas Magras

e Fim do Defeso, colocam em cena o sentimento de tristeza e de alegria. As telas que

desvelam o sincretismo religioso, Hora da Missa e Virada do ano, sugerem tanto sentimento

de calma quanto de euforia. Já nas telas Entardecer e Laguna, o lirismo do cotidiano colore-se

de nostalgia e esperança.

Encontramos nessas obras elementos formais do artista. A repetição de imagens é

um traço permanente, os casebres, cestos, barcos, redes, instrumentos da pesca, os pontos

coloridos, cores contrastantes, presença de símbolos. Para Chevalier e Gheerbrant (2009, p.

12), os símbolos “constituem o cerne dessa vida imaginativa. Revelam os segredos do

inconsciente, conduzem as mais recônditas molas da ação, abrem o espírito para o

desconhecido e o infinito.”

O mar de Chachá sugere movimento e recebe espaço importante nas telas.

Chevalier e Gheerbrant trazem o significado do mar, que como a água é fonte de vida. “Tudo

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sai do mar e tudo retorna a ele: lugar dos nascimentos, das transformações e dos

renascimentos” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 592). Possivelmente movido por

este dinamismo que simboliza a vida, Chachá retrata a relação do mar com a divindade.

“Águas em movimento, o mar simboliza um estado transitório [...] uma situação de

ambivalência, que é a de incerteza, de dúvida, de indecisão, e que pode se concluir bem ou

mal. Vem daí que o mar é ao mesmo tempo a imagem da vida e a imagem da morte”

(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 592). E nesta força intrigante do mar que Chachá

consegue valorizar a presença das personagens que são retratadas.

Em suas telas, o céu é representado, às vezes calmo, às vezes turbulento. “O céu é

uma manifestação direta da transcendência, do poder, da perenidade, da sacralidade: aquilo

que nenhum vivente da terra é capaz de alcançar. O simples fato de ser elevado, de encontrar-

se em cima, equivale a ser poderoso [...] O céu é também um símbolo da consciência”

(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 230). Percebe-se que Chachá estaria procurando

retratar a calmaria e a turbulência do céu como um estado de espírito a que são submetidas as

personagens e a natureza que representa em suas obras.

As imagens ainda revelam uma característica peculiar em toda a sua obra, Chachá

representa as personagens com a ausência de traços faciais com a pele escura.

Ao representar ausência de traços faciais nas personagens, pode-se interpretar que

estas se reconhecem na forma coletiva. Não se visualizaria o particular, ou posição de

destaque e, sim, coletivamente. Também seria possível compreender que, nas obras de

Chachá a ausência dos rostos das personagens pode ser entendida como prioridade dada ao

mar e a natureza, fonte de sustento dos pescadores.

Outro aspecto relevante no âmbito destas reflexões seria a ausência dos peixes nas

cenas. O peixe é, assim, um símbolo que não aparece figuratizado. Conforme Chevalier e

Gheerbrant (2009, p. 704), é o símbolo das águas, e “está associado ao nascimento ou à

restauração cíclica. [...] O peixe é símbolo de vida e de fecundidade”. Observa-se que, na

ausência da imagem do peixe, as obras de Chachá estariam desvelando a falta de

reconhecimento desse contexto por parte da sociedade em que se insere. O peixe sem

excedentes, apenas o que a rede transporta e o que não chega a se sobrepor aos balaios, seria

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uma forma de dizer que a pesca é para apenas subsidiar o sustento, e que é remota a

possibilidade de algum retorno econômico. Estaria, assim, a comunidade pesqueira invisível

aos olhos de muitos.

Percebemos nas telas de Chachá por meio dos inúmeros casebres a precariedade e

fragilidade da vida dos personagens. Bachelard (2003), ao escrever sobre a imaginação

poética, associa a moradia à proteção, sossego, concentração, estabilidade, ou o seu contrário.

A casa significa o seu interior, segundo Bachelard; seus andares, seu porão e sótão simbolizam diversos estados da alma [...] A psicanálise reconhece, em particular, nos sonhos de casa, diferenças de significação segundo as peças representadas, e correspondendo a diversos níveis da psique. O exterior da casa é a mascara ou a aparência do homem, o telhado é a cabeça ou o espírito, o controle da consciência: os andares inferiores marcam o nível do inconsciente e dos instintos [...] (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 734-735).

Na tela Vacas Magras, há poucos casebres. Nesta, quase em último, aparecem

alinhados três casebres, sujos, nos quais não se visualizam as portas. Bachelard afirma que as

portas simbolizam o local de passagem entre dois estados, entre dois mundos, entre o

conhecido e o desconhecido, a luz e as trevas, o tesouro e a pobreza extrema. “A porta se abre

sobre um mistério. Mas ela tem um valor dinâmico, psicológico; pois não somente indica uma

passagem, mas convida atravessá-la. É o convite a viagem rumo a um além” (CHEVALIER;

GHEERBRANT, 2009, p. 734-735). Assim, a ausência da porta representa mais uma

evidência de que o pescador está sem saída.

No âmbito dessas reflexões, cabe destacar que muitas outras interpretações podem

ser evocadas pelas imagens colocadas em cena nas obras de Chachá.

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3.6 AS TELAS DE CHACHÁ: CRIANDO E ANALISANDO NARRATIVAS

Conforme já apontado anteriormente neste estudo, uma pintura, uma imagem,

uma obra de arte evocam narrativas, uma história que se conta utilizando técnicas e

ferramentas específicas. As narrativas das obras de arte possuem inúmeras leituras e

interpretações que dependem da reação e da decodificação de cada espectador. Cada pessoa

pode perceber ali o que diz respeito à sua cultura, sua história de vida, sua formação.

Barthes (1987), ao afirmar que vivemos rodeados pelas inúmeras narrativas no

mundo, justifica sua importância. A narrativa consiste no relato, através da fala ou da escrita,

de fatos reais ou imaginários que envolvem: um narrador, personagens que vivenciem os fatos

narrados, um espaço em que se ambiente a história, uma trama (conflitos), ação e o decorrer

do tempo em que a ação se desenvolve.

Ao criar narrativas, o espectador estaria traduzindo o não verbal para o verbal. Em

outras palavras, se para criar sua obra o artista utiliza-se da linguagem não verbal, essa mesma

obra evoca palavras, à medida que pode ser decodificada em narrativa.

A partir dessas considerações, na sequência, centralizadas em destaque, são desenhadas

narrativas, elaboradas pela pesquisadora, tendo como base as imagens das obras em estudo.

As Vacas Magras: o defeso

Começa o defeso, e com ele, a vila de pescadores mobiliza-se para fazer a manutenção de seus equipamentos e barcos. Por um bom tempo nada mais terão por tarefa, além de contemplar o mar, ou esquecê-lo. A fonte de seu sustento agora tornava-se um lugar proibido. As linhas das redes agora tornaram-se linhas em um quadro que vão tomando forma e as cores matizando a paisagem hostil. Aos poucos, em vez dos peixes, camarões e outros produtos que o mar lhes oferecia, o que começam a ver dia após dia é a realidade de um lagamar envolvido em meio aos casebres. A comemoração da chegada dos barcos dá lugar ao silêncio daquelas pessoas que se veem indefesas diante ao defeso. Nesse cenário, o céu azul e o alegre colorido das roupas em tons de vermelho, rosa, amarelo, azul, verde, laranja e outras, destoam da tristeza refletida nos semblantes dos homens, mulheres e crianças colocados em cena. Cabisbaixos, parecem deixar no ar uma sensação ambígua. Não se consegue definir se estão rezando na esperança de dias melhores, ou maldizendo, descrentes, o futuro sem esperança que se avizinha. No centro, uma mulher muito magra, como todos desse lugar, com um lenço branco na cabeça, procura envolver quatro meninos como que tentasse protegê-los da miséria que ela tão bem conhecia. Também assim o faz com a criança que firmemente segura a sua mão a outra mulher que se encontra mais próxima à praia. Não há sorrisos, aliás, não há qualquer expressão nas faces que poderia lhes atribuir um rosto. O céu revolto parece prolongar-se ao mar infértil.

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Um pouco atrás da mulher com as crianças, os pescadores sentados parecem compenetrados em prece ou no vazio e no silencio que só seria quebrado quando uma onda do mar chega à praia. Próximos à praia, os pescadores recolhem suas redes vazias do mar. Alguns deles aparecem tocando timidamente seus pés na água proibida. Outros, próximos aos casebres, sinalizam certa esperança ao consertar suas redes. Entretanto, há um profundo silencio entre eles. Como também nas mulheres à janela, e nos homens sentados a soleira. Naquela vila ninguém volta seu olhar para o mar. Agora, homens, mulheres e crianças param de reverenciá-lo. Para eles, o balanço das ondas ao alcançar os barcos tem um ruído diferente, é o som da água na madeira que não deixa esquecer. Os cestos virados, jogados na areia estão vazios. É sinal de que aquelas vidas ficaram à deriva pelo defeso. O colorido das roupas dos moradores da vila contrasta com o ambiente melancólico no céu turvo e profundo. O tempo parece eterno para eles.

Fim do Defeso

Ao som de suas cantigas e das ondas do mar, os pescadores saem em busca dos cardumes. Com maestria jogam e recolhem as redes. Pulando sobre as ondas entre braços e abraços, jogam, puxam as redes, recolhem os apetrechos. Festejam em agradecimento a recompensa que o mar, em sua generosidade e firmeza, entregava seus frutos. Atravessam a noite e, acompanhados pelo sol, chegam à praia, vitoriosos por mais essa batalha no sustento daqueles que na areia os aguardam ansiosos. Trazem consigo histórias e “histórias”. Sabem que o retorno ao mar é preciso, mas também imprevisto. O mar os aguarda, o mar faz parte de suas existências. O Fim do defeso é um cenário de euforia. Efêmera comemoração do que é incerto [...]

Hora da Missa

O tilintar da sineta anuncia que é hora da missa. As ondas do mar começam a testemunhar a peregrinação da comunidade até a igreja. Os barcos aportados perto da praia e o barco da areia acompanham silenciosamente o trajeto. Quase todos daquela comunidade pesqueira atendem ao chamado para a missa. O caminho é oblíquo à benção necessária. O lenço branco na cabeça de algumas mulheres tenta revelar as seguidoras de Iemanjá. Agora são todas cristãs. O colorido das vestes escamoteia a aridez de seu dia a dia. Elas comandam as famílias. Ter fé parece necessário a sua sobrevivência. Sua fé ajudará trazer seus pais, maridos e filhos sãos e salvos. Também os livrarão das tormentas e lhes darão os frutos que só no mar poderiam colher. Ter fé parece fundamental a sua sobrevivência. Naquele momento, o avô, o pai e o marido tomam o lugar do pescador e do artesão. Todos são cristãos. Certamente sua fé os salvará dos perigos que o mar esconde. Ela lhes concederá uma boa pesca. Na hora da missa, eles esquecem suas mazelas e as limitações que a vida da pesca lhes impõe. A sagrada hora traz à cena a esperança. Esta assume os tons das preces. É hora de reverenciar e renovar o sentimento que os faz acreditar que viver é preciso.

A Virada do Ano

Naquele vilarejo, a chegada da noite anuncia que um novo ano se aproxima. Na praia, os devotos de Iemanjá iniciam seu ritual. As danças, as velas, as oferendas e as cantigas à Rainha do Mar clamam por sua proteção. A veste branca dos devotos contrasta com o tom escurecido de suas peles. As velas postadas em círculo na areia da praia iluminam a noite escura.

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No comando do ritual, as mulheres dançam nos círculos das velas. Elas intercedem pela proteção de Iemanjá. Precisam proteger suas famílias, garantir que a pesca seja boa e o mar generoso com seus pais, companheiros e filhos. Por alguns instantes, aquele rito de passagem do ano parece lhes acenar dias melhores. Próximos aos devotos, como uma trindade, dois homens e um menino, com vestes coloridas, assistem à esperança que adviria das águas da Rainha.

Entardecer

Um fim de tarde parece trazer consigo certa dose de serenidade. Naquela vila de pescadores, o casal abraçado parece concordar com esse sentimento. A pele escura pelo sol, o sal e a dor dissolvem-se pela alegria do colorido de suas roupas tão coloridas. Mais que um abraço fraterno, o gesto revela a cumplicidade na dor e na esperança. É certamente o alento e amparo aos muitos momentos diante destas muitas águas. A paisagem a sua frente concorre com os pensamentos dos anos passados. Diante dos olhos, repousa o mar. A tranquilidade das águas quer revelar que algum cardume se aproximaria. A idade deu-lhes a sabedoria para entender o porquê, muitas vezes, que o mar gosta de pregar peças, prometendo o que não poderia dar. Entretanto também percebem que, nos barcos, os pescadores solitários aguardam um momento para recolher os peixes. Ao seu lado, os cestos vazios lhes confirmam que o momento ainda não chegou. O barco de pesca, o mar, a montanha e o céu confundem-se na saudade, colorem a nostalgia e carinho daquele momento. Mais um dia entardece [...] assim como a vida passa.

Laguna

Na comunidade pesqueira, as famílias caminhando lado a lado demonstram o sentimento de fraternidade. As mãos dadas chegam a lembrar os versos de Drummond. “Não quero ser poeta de um mundo caduco [...] caminhemos de mãos dadas”, canta o poeta. Todos ali voltam seu olhar para o mar. Confirmam sua admiração e respeito por quem lhes dá sua sobrevivência. A rudeza de suas vidas está estampada em suas peles, escurecidas, açoitadas pelo sol, também refletida nos casebres muito próximos às águas. Aquele lugar parece esquecido por todos. Não existem instalações sanitárias, rede de esgoto, água encanada, luz elétrica [...] O progresso, as conquistas que tanto laureiam a “humanidade” são impedidas de chegar a eles. A precariedade da sobrevivência aparece atenuada pelo calor do abraço, do toque das mãos, da proteção que um tem com o outro. O dia a dia corrido na pesca, no entalhe dos barcos, na tessitura das redes e cestos, no cuidado das crianças, nos banhos de mar, parece mostrar que, às vezes, o progresso e as conquistas não lhes fazem falta. Laguna é apenas um acidente na geografia, é apenas um quase-lago e os daquela comunidade pesqueira são apenas quase-cidadãos. Talvez nem conheçam, ou nunca irão conhecer.

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3.7 AS IMAGENS COMO NARRATIVAS

Ao pensar as imagens como narrativas, observamos que tanto para quem gera

quanto para quem as observa, as imagens são formas de expressão gerando significados. E ao

completarmos com leitura, por intermédio dos nossos desejos, experiência, os

questionamentos se tornam parte do que somos. Pode-se perceber, assim, um diálogo entre o

que se vê e o que se fala, entre quem produz e quem contempla.

Portanto, se somos feitos de imagens, ler, criar histórias, narrativas, sobre elas,

significa também compreender o mundo e criar possibilidades de nos conhecermos. Vivemos

em meio a milhares de signos, imagens, símbolos, figuras mitológicas que, explica Manguel

(2001, p. 22), “oferecem ou sugerem, ou simplesmente comportam, uma leitura limitada

apenas pelas nossas aptidões.”

Em Vacas Magras,

Nesse cenário, o céu azul e o alegre colorido das roupas em tons de vermelho, rosa, amarelo, azul, verde, laranja e outras destoam da tristeza refletida nos semblantes dos homens, mulheres e crianças colocados em cena.

Em Fim do Defeso,

Ao som de suas cantigas e das ondas do mar, os pescadores saem em busca dos cardumes. Com maestria jogam e recolhem as redes. Pulando sobre as ondas entre braços e abraços, jogam, puxam as redes, recolhem os apetrechos. Festejam em agradecimento a recompensa que o mar, em sua generosidade e firmeza, entregava seus frutos.

Em Hora da Missa,

O tilintar da sineta anuncia que é hora da missa. As ondas do mar começam a testemunhar a peregrinação da comunidade até a igreja. Os barcos aportados perto da praia e o barco da areia acompanham silenciosamente o trajeto. Quase todos daquela comunidade pesqueira atendem ao chamado para a missa.

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Em Virada do ano,

Naquele vilarejo, a chegada da noite anuncia que um novo ano se aproxima. Na praia, os devotos de Iemanjá iniciam seu ritual. As danças, as velas, as oferendas e as cantigas à Rainha do Mar clamam por sua proteção.

Em Entardecer,

Um fim de tarde parece trazer consigo certa dose de serenidade. Naquela vila de pescadores, o casal abraçado parece concordar com esse sentimento. A pele escura pelo sol, o sal e a do, dissolvem-se pela alegria do colorido de suas roupas tão coloridas.

Em Laguna,

Na comunidade pesqueira, as famílias caminhando lado a lado demonstram o sentimento de fraternidade [...] Todos ali voltam seu olhar para o mar. Confirmam sua admiração e respeito por quem lhes dá sua sobrevivência.

Conforme afirma Manguel (2001, p. 48), “cores das telas transmitem significação

própria para o espectador [...] a nossa tendência para ler, para buscar sinais significantes em

todas as criações artísticas, transforma as explosões de cores aos nossos olhos, em textos

iconográficos à beira da significação”. As imagens suscitam interpretações e reflexões,

possibilitando-nos reconhecer experiências vivenciadas por nós ou por outrem.

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3.7.1 Sobre os Elementos da Narrativa

3.7.1.1 Os temas

As narrativas criadas a partir das obras colocam em cena o contexto do cotidiano

de uma vila de pescadores. Em Vacas Magras e o Fim do defeso o tema proposto é durante o

defeso e, também, ao final dele.

Em Hora da Missa e Virada do ano o tema é a fé que aparece por diferentes

rituais, revelando o sincretismo religioso de comunidades pesqueiras. O lirismo nas relações

humanas e as precariedades de seu lugar que percorrem situações do cotidiano dos pescadores

se fazem presentes no tema de Entardecer e Laguna.

As narrativas criadas pela pesquisadora, a partir das obras, conforme já foi

mencionado, propõem como tema cenas do cotidiano de comunidades pesqueiras.

3.7.1.2 O narrador

As histórias nos são apresentadas por um narrador onisciente-externo conhecido

também como narrador observador, assim como as imagens na linguagem não verbal. Por se

posicionar fora dos fatos narrados, seu ponto de vista tende a ser imparcial. É possível afirmar que

tal situação para a ocorrência do narrador onisciente-externo é viabilizada pela própria posição de

contemplador/espectador da tela e também pelo fato de o narrador não se encontrar refletido na

diegese da cena.

Fica, assim, demarcado o distanciamento do observador que narra da história narrada.

Como por exemplo, em Laguna: “Na comunidade pesqueira, as famílias caminhando lado a lado

demonstram o sentimento de fraternidade.” Pelo distanciamento, ocorre a contemplação da

totalidade ao narrador situar, possibilitando ao leitor vislumbrar o tempo, as condições do espaço

onde a ação se passa. Em Fim do Defeso, “Ao som de suas cantigas e das ondas do mar, os

pescadores saem em busca dos cardumes. Com maestria jogam e recolhem as redes.”

Tal característica corrobora com a ideia da onisciência e da onipresença. Segundo

anteriormente mencionado, para Gancho (2004, p. 27), o narrador além de narrar o que se

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passa com as personagens, ainda se permite traduzir o que elas sentem, “[...] em outras

palavras, ele sabe mais que as personagens”.

O foco narrativo encontra-se sobre a ação. Nesse meio narrativo, as informações

transmitidas ao leitor/espectador limitam-se ao que as personagens fazem, com apenas

eventuais e breves intervenções visuais amarrando os acontecimentos. Como, por exemplo,

em Entardecer:

“Naquela vila de pescadores, o casal abraçado parece concordar com esse sentimento. A pele escura pelo sol, o sal e a dor dissolvem-se pela alegria do colorido de suas roupas tão coloridas. Mais que um abraço fraterno, o gesto revela a cumplicidade na dor e na esperança. É certamente o alento e amparo aos muitos momentos diante destas muitas águas”.

Cabe ao espectador/leitor deduzir as significações a partir daquilo que lhe é

apresentado. O foco narrativo está nos acontecimentos, e não nas personagens. Para ele não são

informados muitos detalhes sobre os conflitos internos das personagens ou sobre sua complexidade.

3.7.1.3 As personagens

O mar, o céu e a areia dominam grande parte do cenário, envolvendo todas as

personagens e revelando a influência destes nas ações, nas vidas das personagens. Tal

panorama sugere que a natureza também aparece como protagonista da narrativa.

Há presença da personificação da natureza nas narrativas: “O mar os aguarda”

(Fim do defeso); “As ondas do mar começam a testemunhar a peregrinação da comunidade

até a igreja” (Hora da Missa), “Diante dos olhos, repousa o mar. A tranquilidade das águas

quer revelar que algum cardume se aproximaria” (Entardecer).

Nas narrativas, os pescadores, as mulheres e as crianças são personagens assim

caracterizadas: magros, pele escura, sem traços que possam definir seu rosto. Todas as personagens

apresentam apenas um traço básico e comportam-se da mesma maneira (personagens planas). São

referidas como homens, mulheres, crianças; não há nomes, configurando-se tipos. As personagens

não apresentam individualidades, são identificadas pelos tipos físicos, suas profissões,

comportamentos e classe social. Contudo, “trazem traços suficientemente significativos para

transmitir os relacionamentos humanos ou a ideologia da obra” (SOARES, 1989, p. 49).

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Assim, tanto nas telas de Chachá, como nas narrativas criadas a partir da leitura

das obras, “as personagens planas são estáticas, inalteráveis, ao longo da narrativa, sempre

idênticas, e não reservam surpresas ao leitor” (MOISÉS, 1967, p. 229-230),

As personagens enfrentam situações limites, como o defeso, a comemoração, a

festa, o trabalho e a vida cotidiana, bem como apelo social; assim, “revelam aspectos

essenciais da vida humana: aspectos trágicos, sublime” (ROSENFELD, 2002, p. 46). Tais

aspectos sinalizam para um possível caráter dramático de algumas narrativas.

Por outro lado, percebemos também perpassar o lirismo em algumas narrativas, à

medida que, por intermédio da subjetividade, o narrador enuncia possíveis emoções,

sofrimento e estado de alma das personagens.

As narrativas criadas a partir das obras de Chachá são breves. Como as obras, os

lugares onde as personagens atuam são restritos. Os espaços se assemelham. A ação das

narrativas ocorre na vila dos pescadores. O local é composto por casebres. Pode-se verificar

aspectos do modo de vida dos pescadores, elementos de sua cultura. O lugar no qual eles

estão inseridos é um ambiente de trabalho braçal, sobretudo são evidenciados os afazeres com

a pesca.

3.7.1.4 O Espaço

O espaço assemelha-se a um lagamar. As condições precárias fazem com que este

se torne também um elemento central nas obras, exprimindo sentidos múltiplos. Desencadeia

pensamentos, emoções das personagens e a projeção dos conflitos vividos por elas. Também é

carregado de características socioeconômicas, morais, psicológicas em que vivem os

personagens. O cotidiano dos pescadores, as culturas, personalidades dão origem ao ambiente

que situa as personagens nas condições em que vivem: seja no tempo, no espaço, no grupo

social e cultural em que estão inseridas. Pode-se perceber que, assim como nas telas, as

narrativas representam personagens vivendo de forma simples, e em condições precárias.

Na narrativa Laguna,

A rudeza de suas vidas está estampada em suas peles, escurecidas, açoitadas pelo sol, também refletida nos casebres muito próximos às águas. Aquele lugar parece esquecido por todos. Não existem instalações sanitárias, rede de esgoto, água encanada, luz elétrica [...] O progresso, as conquistas que tanto laureiam a “humanidade” são impedidas de chegar a eles.

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A precariedade da sobrevivência aparece atenuada pelo calor do abraço, do toque das mãos, da proteção que um tem com o outro.

As condições precárias de infraestrutura tornam evidente que o ambiente é

também protagonista no enredo.

Constatamos nas narrativas tanto o ambiente composto por casebres quanto o

modo como vivem os pescadores. Os aspectos da cultura pesqueira, seus muitos elementos,

dão origem ao ambiente detalhado. O lugar no qual eles estão inseridos é um ambiente de

trabalho braçal. Ficam evidenciados os afazeres com a pesca.

3.7.1.5 O Tempo

Quanto ao tempo nas narrativas, este pode ser considerado linear (e eterno).

Percebe-se uma sequência nas narrativas. Moisés (1967) sublinha a existência de três

dimensões do tempo que se referem ao tempo da narrativa ou da ação: o histórico, o

psicológico e o metafísico. O tempo histórico é o tempo cronológico, que “obedece ao ritmo

do relógio, consoante as mudanças regulares operadas no âmbito da Natureza e

empiricamente perceptíveis: a alternância da noite e do dia, o fluxo-refluxo das marés, as

estações, o movimento do sol, etc. [...] (MOISÉS, 1967, p.181)

A ordem em que vão ocorrendo os fatos é em um tempo linear e também pode

provocar uma narrativa com tempo psicológico. São indicadores textuais do tempo as

referências às horas, dias, meses, anos, ritmo das estações ou determinada época. Os títulos

das narrativas parecem sugerir uma marcação temporal: o defeso, fim do defeso, virada do

ano, hora da missa, entardecer.

As considerações apresentadas também procuram sinalizar a possibilidade de

outras interpretações. Assim, neste estudo, ressaltamos que outras leituras e,

consequentemente, outras narrativas poderiam advir das obras de Chachá.

As imagens constroem imaginários. De acordo com Buoro (1998, p. 44), “a

pintura abre-se para uma compreensão que incorpora uma visão de mundo vinculada a

percepções, sentimentos e ideias, situadas num tempo e lugar específicos”.

Nesse sentido, destacamos que, por mais que se possa conhecer o contexto da

produção da imagem, as intenções do artista, e os limites técnicos e expressivos do momento

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que a vê surgir, a imagem traz uma capacidade interminável de múltiplas significações, vindas

de infinitas leituras que se façam da obra, como também das narrativas criadas nesta pesquisa.

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4 CONCLUSÃO

A criação da linguagem trouxe ao ser sua humanidade. A partir da linguagem, a

humanidade intensificou sua comunicação, interagiu, criou, sentiu, entre outros.

A linguagem funciona como meio de armazenar e transmitir informações, e, ao

conduzir o aprendizado humano, cria formas de interatividade entre idéias, e capacita a mente

humana a conceituar o pensamento e a razão.

Nesse sentido, afirma-se que foi a posse da linguagem que o homem se distinguiu

dos outros seres. Conforme vimos, para Bakhtin a linguagem é um fenômeno profundamente

social e histórico e, por isso mesmo, ideológico. A linguagem artística também. O artista é um

criador da linguagem que busca interagir também os modos de produção de linguagem de

outros artistas, dialogando com eles. Tentar apreender tal diálogo é também participar do

mundo da criação.

O objetivo que desenhou este estudo foi investigar a relação entre linguagem

verbal e não verbal, para tanto optou-se por analisar as imagens de seis obras (telas em óleo)

do artista Richard Calil Bulos (Chachá). Observaram-se, assim, os elementos da linguagem

plástica e da narrativa, o caráter dialógico e polifônico da arte nas obras intituladas: Vacas

Magras, Fim do defeso, Hora da Missa, Virada do ano, Entardecer e Laguna.

Conforme tencionamos sublinhar neste estudo, a arte sempre se evidenciou como

importante recurso cultural; por ela se estabelece a comunicação, a transmissão de

conhecimentos, a abordagem das relações homem e natureza, a expressão e criação humanas,

fazendo sua ligação entre o sensível e o sagrado.

A arte esta inserida no cotidiano das pessoas de forma sutil. O conhecimento de

uma sociedade passa então pelo que a arte pode agregar em seu cotidiano, independentemente

da forma como ela e representada.

As obras de arte ultrapassam as mudanças históricas e iferenças culturais, ficando

à disposição de todos para serem desfrutadas, traduzindo-se, assim, uma linguagem sem

fronteiras. Elas são concretizadas pelos artistas que a produziram, mas somente se

completarão com a participação das outras pessoas (o público) que com elas se relacionam.

Como se pode perceber, as imagens são portadoras de comunicação; as obras de

arte não se articulam de maneira verbal, mas por intermédio de formas, de elementos visuais.

Diante dos nossos olhos a pintura se desfaz em cores, formas, pinceladas, tinta tela, tudo

parece desmaterializar-se.

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A linguagem pictórica possibilita a apresentação, representação, expressão,

criação e ou recriação do mundo, constituindo-se como uma reposta ao desafio da inserção do

artista no universo da imaginação.

Mediante a linguagem artística, o homem expressa suas crenças, ideologias,

valores e sentimentos. O artista observa o mundo e tem, ao pintar, uma função especial: criar

um grau de realidade que não seja fundado no exame crítico, e sim, na colheita do olhar. “O

olho é aquilo que foi comovido por um certo impacto do mundo e que o restituiu ao visível

pelos traços da mão.” (MERLEAU PONTY apud NEIVA, 1998, p. 59).

A possibilidade de observar a relação entre a arte de Richard Calil Bulos (Chachá)

e o espectador, a obra como promovedora/provocadora de narrativas, como representação do

imaginário, da realidade, despertou o interesse de desenvolver esta pesquisa. Com o

pressuposto de que a imagem de cenas pode evocar narrativas, observou-se a relação entre

linguagem verbal e não verbal, a partir da análise de imagens de seis obras do artista. Ao

analisar as obras intituladas Vacas Magras, Fim do defeso, Hora da Missa, Virada do ano,

Entardecer e Laguna, observamos os elementos da narrativa que delas se ensejam; os

elementos da teoria literária dialogam com os elementos visuais a partir do momento em que

ao ler a imagem criam-se narrativas.

Essas sinalizam o envolvimento dos membros das famílias no processo de

trabalho. A cultura do viver comunitário é ampliada cada vez mais à medida que os filhos

crescem e se casam, formando outros núcleos familiares, na mesma comunidade, e alguns

casos, até mesmo novas comunidades.

A leitura das imagens evidenciou os aspectos:

No âmbito da linguagem não verbal, em especial a pintura, observou-se a

descrição visual das imagens, as temáticas, as cores, as linhas, textura, entre outros.

No âmbito da linguagem verbal, o gênero literário narrativo, foram destacados: os

enredos, os espaços, o tempo, as personagens e outros.

Assim, a leitura realizada articulou aspectos das duas linguagens. Refletindo sobre

o conteúdo da narrativa de uma pintura, podemos percebê-la enquanto expressão de práticas

sociais que foram comuns em um determinado espaço e reconhecê-la como experiência do

pintor, do seu modo de ver e retratar os acontecimentos. Encontram-se nas obras de Chachá a

presença de diferentes cores e símbolos que evocam o caráter dialógico, intertextual e

polifônico de sua linguagem. Suas telas são promovedoras de narrativas que desvelam, entre

outros aspectos, os tempos e os lugares. Logo, articulou-se pintura e literatura, na perspectiva

da narrativa.

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Confirmou-se, por meio da análise das imagens, que estas podem provocar leitura

ao serem observadas. Nesta perspectiva, procuramos desenhar a leitura das obras, o que nos

possibilitou entender que, em consonância com as ideias de Bakhtin, estas traduzem-se como

dialógicas, intertextuais e polifônicas à medida que se pode verificar a multiplicidade de

vozes presentes e as relações que entre elas se estabelecem. Como resultado de um contexto

de uma cultura, a obra de arte já se encontra em diálogo de múltiplas vozes. Percebeu-se a

polifonia através das vozes do artista que coloca em cena a voz da classe dos pescadores e

suas famílias, os personagens de suas obras. Nas telas há, também, o diálogo entre o artista e o

leitor, o artista e seu contexto. Essa relação entre a obra o artista e o espectador/leitor

estabelecem um diálogo que se concretiza no momento da leitura. As telas podem remeter

também a outras obras.

Através da leitura das imagens, verificamos como o não verbal evoca o verbal. Ao

criar as narrativas e analisá-las, procuramos evidenciar como os espectadores/leitores podem

traduzir o não verbal para o verbal. Confirmamos que o artista utiliza-se da linguagem não

verbal, essa mesma obra promove palavras à medida que pode ser decodificada em narrativa.

Percebemos, portanto, um diálogo entre o que se vê e o que se fala, entre quem produz e quem

contempla.

Em Barthes, percebemos a relevância do tema das narrativas, pois além de serem

incontáveis no mundo, vivemos rodeados por elas. Está em todos os tempos e lugares, está entre

os homens não importando classe ou cultura.

Ao estudar o artista Chachá, entendemos que este estudo contribui para um novo

olhar que promova sua valorização. O artista tem como fonte inspiradora o que vivenciou suas

lembranças individuais, memórias da cidade e traz à cena narrativas do cotidiano, crendices,

elementos da cultura popular dos pescadores de Laguna. Nas suas obras verificou-se também

os níveis narrativos que exploram a realidade, ao lado da ficção, uma diversidade de leituras

possíveis entre formas, gêneros, personagens e ações dentro das narrativas, o que proporciona

aos leitores possibilidade de criação de narrativas.

As telas analisadas se mostraram como um conjunto desvelador e ambíguo de

imagens: homogêneo/heterogêneo de pinturas agrupadas em secções temáticas, do trabalho,

crenças e fé, e retratos do cotidiano. Os temas desvelam o dia a dia, ditas e vistas como típicas

da comunidade de pescadores as memórias dos lugares vividos, os espaços que faziam parte

do seu cotidiano, suas experiências de vida entre os pescadores.

Ao representar aspectos do cotidiano dos pescadores, Chachá traduz elementos da

cultura que perpassam diferentes etnias. Em seus quadros estão presentes diferentes cores e

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símbolos que expressam as ideias do pintor principalmente em relação ao hibridismo cultural.

Os traços da cultura afrodescendente e açoriana, encontrados nos quadros do pintor,

representando a pesca artesanal com a rede, com o barco e com o balaio de bambu, também

nos remetem à cultura indígena, que muito contribuiu para a colonização de Laguna no início

dos tempos. Há um sincretismo perceptível em imagens de igrejas, rituais, referência às

crendices populares (legado das etnias indígenas, africanas e outras), religião católica,

indígena, benzeduras (afrodescendente), aspectos da vida cotidiana e ritual da pesca. A

linguagem da arte de Chachá, ao trazer à cena narrativas cotidianas, está também revelando

elementos da cultura popular de Laguna, de Santa Catarina, do hibridismo que constitui a

identidade cultural brasileira.

Sua pintura tem um aspecto narrativo – conta uma história, sendo também reflexo

da sociedade em que foi produzida. Trazendo à cena a realidade das condições dos

pescadores, o artista coloca-nos diante de camadas sociais, fazendo-nos perceber as condições

adversas de sobrevivência em um espaço cada vez mais abalado pelas transformações,

desvelador da situação vivida pelas comunidades que dependem da pesca artesanal. Chachá

transmite para o observador sua reflexão social e marcas de sua vivência, proporcionando ao

espectador a possibilidade de leituras entre formas, temas, personagens e suas ações dentro da

narrativa.

As imagens revelam uma característica peculiar em toda a sua obra na

representação de suas personagens: a ausência de traços faciais, evidenciada pela cor de uma

raça única, além disso, também pela forma em que estão dispostas as personagens, permitindo

que percebamos a reverência destes pelo mar.

Observamos ainda, em sua obra, que o espaço se torna o elemento central das

obras, exprimindo sentidos múltiplos, desencadeando pensamentos, emoções das

personagens, e a projeção dos conflitos vividos por elas. Sua arte é carregada de

características socioeconômicas, morais, psicológicas. Pode-se perceber em todas as telas que

os personagens vivem de forma simples e em condições precárias.

A linguagem apresentada pelo artista pode ser apreendida sob ótica da crítica

social. Nesse contexto, não estaria o artista enunciando, ao se apropriar de elementos do

cotidiano de uma determinada classe social, a dos pescadores, a crítica à sua sociedade? Nas

obras analisadas percebe-se a voz de indignação do artista diante dos limites e das condições

de vida dos pescadores. Verificamos os pescadores no seu trabalho como uma forma de

denúncia social.

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O artista dá vida e ação aos seus personagens, narrando o cotidiano, experiências,

sentimentos. As vozes sociais interagem trazendo à cena modelos da cultura, da representação

da vida. Essas obras, a exemplo de outras, remetem a um estado saudosista até para quem não

convive com essas comunidades. Talvez seja pela presença do mar, que é tão envolvente. O

espectador se envolve, projeta-se na tela, consegue perceber a vida, a realidade, como se ele

mesmo convivesse, como se fosse transportado para a tela. Ao fazer a leitura de imagens, os

leitores constroem sentidos, interagindo com o objeto de leitura, compreendendo a partir do

conhecimento e experiências que trazem consigo. Por isso, não há uma interpretação única e

verdadeira. Cada leitor compreende o texto segundo sua experiência de vida e de leitura.

Conclui-se a análise confirmando a hipótese inicial de que as imagens representadas em telas

(linguagem não verbal) são enunciadoras de narrativas (linguagem verbal). Assim, na

contemplação de uma tela, criamos narrativas pelas imagens colocadas em cena.

Concluímos também que, em uma pintura, há inúmeras possibilidades de leituras.

Ainda que se obtenham informações referentes ao contexto de sua produção, às intenções

prováveis daquele que a concebeu, a imagem traz em si uma capacidade infinita de agregar

significados.

Nesse sentido, destaca-se que, por mais que se possa conhecer o contexto da

produção da imagem, as intenções do artista e os limites técnicos e expressivos do momento

que a vê surgir, a imagem traz uma capacidade infinita de múltiplas significações,

provenientes de infinitas leituras que se façam da obra.

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ANEXOS

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ANEXO A – Fotografias

Figura 1 – Chachá

Fonte: Acervo particular de Jacqueline Bulos Aisenman.

Figura 2 – Chachá

Fonte: Acervo particular de Jacqueline Bulos Aisenman..

Figura 3 – Pesquisadora (Monalisa Pivetta da Silva) e Jacqueline Bulos Aisenman

Fonte: a autora