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Arrependimentos

TRINTA POEMAS SOBRE O TEMA

Munique Duarte

selo gueto editorial

poesia anárquica, micronarrativas, fragmentos e afins colcha de retalhos manuscritos descarregada na rede

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© Munique Duarte, 2017 http://textosimperdoaveis.blogspot.com.br/ Coleção #breves | Livro 8 Selo Gueto Editorial ® 2017 Edição e projeto gráfico Jerome Knoxville Edição e revisão Amanda Sorrentino Contatos https://revistagueto.com https://twitter.com/revistagueto https://www.facebook.com/revistagueto | [email protected] |

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livro oito ʘ

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Arrependimento #1 Não elogiei a andorinha Em seu voo raso Sobre minha cabeça Era sorte Desprezada Fez ninho na esquina De outra cidade.

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Arrependimento #2 Digo pouco Digo o necessário Digo baixo Nas contrariedades Apego-me a destroços Porque ninguém salva Marinheiro miúdo.

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Arrependimento #3 Discuto com Mesmo sangue Língua afiada com Sangue mesmo E nem me importo Se há respingos Espalhados No espelho.

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Arrependimento #4 Depois da chuva A poça d’água pedia Um barco de papel Apegada a jornais velhos Não destaquei uma folha sequer Para flutuar sobre os mistérios Da tensão superficial.

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Arrependimento #5 Pago caro todos os dias Por coisas que nunca Vou usar Um dia Quem sabe Eu pague um analista Para me livrar da mania De encher todos os dias Minhas gavetas De obviedades.

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Arrependimento #6 Dizer “eu te amo” A quem não merece “Eu te amo” Passar quinze anos E pensar Putz Tenho rugas.

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Arrependimento #7 Dentre todas as maçãs Havia uma podre Olhei as outras com desconfiança Descasquei a de cor verde E dormi pensando Em julgamentos que já fiz.

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Arrependimento #8 Ninguém disse que seria fácil Ninguém disse que seria a 50 quilômetros daqui Esmoreci A cada dia Cada passo doía Era mais fácil trocar de sapatos Do que jogar fora Uma chance cor de anil.

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Arrependimento #9 Coloquei meus sapatos na janela Em uma noite especial Amanheceram vazios Frios Descobri que mentiras são contadas A cada geração.

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Arrependimento #10 A lua cheia me trouxe Memórias de conversas no quintal Pessoas que já não estão mais aqui Diante do espelho prateado Senti-me Lua nova Escuridão Pelas palavras que não foram ditas.

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Arrependimento #11 Não seja sincero Não seja transparente Morda na língua Engula o próprio sangue Até ficar anêmico Até defecar sapos.

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Arrependimento #12 Penso vinte e sete vezes Antes de uma decisão E é assim que trens passam De estação em estação Até nunca mais voltarem Até nunca mais Coração.

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Arrependimento #13 Cartas na manga Como se a vida fosse um jogo Roubos e truques Sobre o tapete verde Amuletos quebrados Trevos de muitas folhas Murchos Um dia no espelho você confere que É carta fora do baralho.

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Arrependimento #14 Não é bom violar Certas regras Mas devia ter tirado uma foto De um Renoir No Orsay Contra tudo e contra todos Numa tarde parisiense.

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Arrependimento #15 No outono As laranjas se perderam Omitindo a poda Elas estavam Todas mortas No outono seguinte Diante da preguiça Do jardineiro iniciante.

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Arrependimento #16 Rosas não completaram O diâmetro do vaso De cristal Entupi o restante da borda Com margaridas Ficou horrível e agora todas elas Estão Mortas.

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Arrependimento #17 Gentileza não gerou Gentileza E eu Surpresa Peguei-me sendo Gentil Outra vez Mesmo sabendo que Gentileza não gera Necessariamente Gentileza E à noite Saberei o quanto fui imbecil.

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Arrependimento #18 Recebi um abraço apertado Mas notei que o abraço Foi mais forte Do outro lado

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Arrependimento #19 De todas as cruzes fincadas na terra Visitei uma Apenas As outras me atormentam Ainda Querendo minha saudação

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Arrependimento #20 Aquela canção se foi no rádio Levando todas as memórias Embora Vazia, sintonizei outra estação Acumularei tudo outra vez Porque sei que Perder tempo É minha mania favorita.

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Arrependimento #21 Não comprei caramelos Não comprei pilhas para o despertador Perdi a hora na manhã seguinte Que seria amarga até a zero hora.

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Arrependimento #22 Meu caso é feito de Seu descaso E ao acaso Desci ao caos Para conferir Se fui eu que criei Seus calos No calor de minhas passadas Não fui eu Não foi nada Esqueci a cal Na última pazada.

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Arrependimento #23 Não se cura coração partido Com outro coração partido Meu vício é crer que cristais são reluzentes Mesmo após supercola nos cacos.

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Arrependimento #24 De tudo o que me falta Lamento mais Os livros que julguei Estacionando-me nas capas.

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Arrependimento #25 Outono Chá de amores Amoras Há tantos anos Tantos anos Quero seu rosto Mas na memória Só o gosto.

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Arrependimento #26 O improvável sorri Com dentes de hiena Em meio ao deserto Eu não soube lidar Espetando-me em cactos Fujo sempre E os que amadurecem São meus predadores.

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Arrependimento #27 Nas vitrinas Meus gostos Meu sorriso No meu bolso Mau-humor Nunca deposto Penso em tudo que vi Quando chego em casa Na semana que vem Nas vitrinas Outros gostos Já não meus Meu bolso zerado Meu mau-humor Nunca findado.

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Arrependimento #28 Além do túnel Luz Muita luz Em seu fim E eu aqui No começo Com preguiça Nessa escuridão Que atrai sono Sem que a gente pense em algo.

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Arrependimento #29 Cães na madrugada Reforçam minha insônia Minha mania de inventar Diálogos que expiram Antes que o outro se aproxime.

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Arrependimento #30 Não tomei chá doce Ao lado de seu perfume Não senti na boca O que havia de melhor Em sua sala florida Porque eu estou sempre de partida Com medo de acumular boas memórias Que não mereço.

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Munique Duarte nasceu e vive em Santos Dumont-MG. É jornalista sindical, formada pela UFJF. Tem textos publicados em sites, revistas e jornais literários. Lançou Espelho oxidado (contos) em 2014 e O salto do guepardo (romance) em 2015. Bloga em Textos Imperdoáveis.

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