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XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq 19 a 23 de outubro de 2015 Arquitetura inteligente: Adequação do projeto de arquitetura residencial ao meio ambiente natural Autor: Rafaela Duarte Titulação: Mestranda em Arquitetura e Urbanismo UniRitter/Mackenzie. O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Brasil. Instituição de origem: UniRitter Laureate International Universities Endereço eletrônico: [email protected] Resumo: Este artigo busca fazer um apelo às atuais práticas, consumistas e esgotadoras da construção civil, que têm se mostrado ineficientes no que compete aos aspectos energéticos e ambientais. Como contraponto a essas práticas, trata de conhecimentos da chamada arquitetura bioclimática, com ênfase na edificação unifamiliar brasileira, retomando a ideia do projeto integrado que leva em consideração a forma, a matéria e a energia com a ajuda dos elementos de arquitetura para climatização natural dos ambientes. Para isso, essa pesquisa faz um breve apanhado histórico do status quo do tema - como a arquitetura vernacular - vislumbrando projetos que possam atender às exigências do usuário e que estejam de acordo com o clima. Tem por objetivo contribuir com a identificação destas estratégias bioclimáticas, buscando averiguar, através de uma revisão bibliográfica, os conceitos de uma arquitetura menos impactante para o seu meio - trazendo como exemplo um modelo da arquitetura residencial brasileira, o projeto da Casa da Bahia, assinado pelo escritório MK27, do arquiteto Marcio Kogan. 1 A inviabilidade das fontes energéticas não renováveis na arquitetura contemporânea A sustentabilidade só será atingida nas esferas ecológica, social e econômica caso haja uma motivação dos cidadãos (ROGERS, 1998). Atualmente, os assuntos que mais têm preocupado a sociedade contemporânea estão totalmente relacionados ao desenvolvimento de tecnologias sustentáveis. A conscientização sobre alguns dos principais problemas que estão afetando o meio ambiente, tais como as emissões de gás carbônico e o aquecimento global, têm contribuído com a aplicação de medidas e estratégias que visam a preservação da natureza. Como exemplo, podemos citar a redução do faturamento mensal do consumo de energia elétrica nos edifícios, já que a maior parte dessa energia provém de fontes não renováveis. No entanto, essa consciência da iminente ruptura com as fontes de petróleo e energias fósseis existe - mais precisamente, desde que foram divulgadas as noções do Peak Oil, pelo importante geocientista Marion King Hubbert, nos anos 50. Hubbert demonstrara, através de gráficos, as medições que comprovaram que o consumo de petróleo era quatro vezes maior do que a capacidade de extraí-lo e produzi-lo. Essa situação tem se estendido até hoje, bem como Hubbert houvera previsto.

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XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

Arquitetura inteligente: Adequação do projeto de arquitetura residencial

ao meio ambiente natural

Autor: Rafaela Duarte Titulação: Mestranda em Arquitetura e Urbanismo – UniRitter/Mackenzie. O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil. Instituição de origem: UniRitter – Laureate International Universities Endereço eletrônico: [email protected]

Resumo: Este artigo busca fazer um apelo às atuais práticas, consumistas e esgotadoras da construção civil, que têm se mostrado ineficientes no que compete aos aspectos energéticos e ambientais. Como contraponto a essas práticas, trata de conhecimentos da chamada arquitetura bioclimática, com ênfase na edificação unifamiliar brasileira, retomando a ideia do projeto integrado que leva em consideração a forma, a matéria e a energia com a ajuda dos elementos de arquitetura para climatização natural dos ambientes. Para isso, essa pesquisa faz um breve apanhado histórico do status quo do tema - como a arquitetura vernacular - vislumbrando projetos que possam atender às exigências do usuário e que estejam de acordo com o clima. Tem por objetivo contribuir com a identificação destas estratégias bioclimáticas, buscando averiguar, através de uma revisão bibliográfica, os conceitos de uma arquitetura menos impactante para o seu meio - trazendo como exemplo um modelo da arquitetura residencial brasileira, o projeto da Casa da Bahia, assinado pelo escritório MK27, do arquiteto Marcio Kogan.

1 A inviabilidade das fontes energéticas não renováveis na arquitetura contemporânea

A sustentabilidade só será atingida nas esferas ecológica, social e econômica caso haja uma motivação dos cidadãos (ROGERS, 1998). Atualmente, os assuntos que mais têm preocupado a sociedade contemporânea estão totalmente relacionados ao desenvolvimento de tecnologias sustentáveis. A conscientização sobre alguns dos principais problemas que estão afetando o meio ambiente, tais como as emissões de gás carbônico e o aquecimento global, têm contribuído com a aplicação de medidas e estratégias que visam a preservação da natureza. Como exemplo, podemos citar a redução do faturamento mensal do consumo de energia elétrica nos edifícios, já que a maior parte dessa energia provém de fontes não renováveis.

No entanto, essa consciência da iminente ruptura com as fontes de petróleo e energias fósseis existe - mais precisamente, desde que foram divulgadas as noções do Peak Oil, pelo importante geocientista Marion King Hubbert, nos anos 50. Hubbert demonstrara, através de gráficos, as medições que comprovaram que o consumo de petróleo era quatro vezes maior do que a capacidade de extraí-lo e produzi-lo. Essa situação tem se estendido até hoje, bem como Hubbert houvera previsto.

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O emprego de novas alternativas para a redução do consumo exorbitante das fontes naturais não renováveis está fazendo com que profissionais de diferentes segmentos encontrem soluções mais eficientes para ajudar a resolver os problemas ditos de ecologia. Diante desse novo cenário socioambiental, tem-se observado um divisor de opiniões sobre o tema da sustentabilidade: de um lado, encontra-se o grupo antropocêntrico, que tem por fundamento os valores sociais e estéticos; do outro, o grupo ecocêntrico (em oposição semântica a antropocêntrico), que acredita em uma nova maneira de pensar as edificações atento à capacidade de conceber projetos que contribuam para a resolução da atual situação de crise energética.

Nessa discussão, referências históricas são regularmente evocadas para justificar posições, pois é frequentemente discutido o fato de a natureza ou os organismos servirem de inspiração para projetos. O que se observa neste contexto, é que existem inúmeras referências à ciência e aos conceitos ecológicos no debate arquitetônico desde o princípio do século XX. Ou seja, não se trata de um assunto recente e muito menos de um modismo. Com a progressiva desestabilização do panorama político internacional nos últimos anos (relacionada particularmente com a crise econômica potencializada pelos sucessivos aumentos da cotação do petróleo), tem-se observado uma desesperada tentativa de reverter esse abalo ambiental de forma a obter resultados imediatos na melhoria dos índices de eficiência energética de edifícios através de novas estratégias de projeto.

Como consequência, é através desse contexto que finalmente chegamos ao reconhecimento da importância do que é, hoje, denominado arquitetura bioclimática:

Não se trata de deduzir diretamente a forma das novas edificações a partir de modelos abstratos de grandes vantagens energéticas, mas de desenvolver técnicas de composição para elaborar um projeto arquitetônico energeticamente compatível com a realidade regional (MASCARÓ apud COSTA et al., 2006).

2 O problema é energético

Um aspecto global e lamentável do desenvolvimento urbano contemporâneo é a aceitação do crescimento acelerado e desordenado das cidades. O elevado crescimento populacional, a alta densificação urbana e o grande consumo de produtos eletroeletrônicos (provindos das fontes não renováveis), associados à falta de investimento e planejamento setorial do governo, levaram o país a esse cenário energético e ambiental crítico, no qual vivemos.

Essa contínua dependência das atuais práticas construtivas padronizadas, de concreto, aço e vidro – como os edifícios caixa lacrada, cujo ambiente interno é manipulado pelo uso de ar-condicionado –, faz com que o edifício consuma não somente a energia provinda de fontes naturais, como também a sua própria arquitetura. Ou seja, estamos criando, de uma forma generalizada, esses blocos de concreto e vidro para abrigar

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escritórios, residências, hospitais, escolas ou centros de comércio, sendo que praticamente todos acabam negligenciando as particularidades locais climáticas e culturais.

Desde a anunciada crise do petróleo, ocorrida na década de 1970, diferentes grupos de pesquisa vêm alertando sobre o fato de que o sistema energético necessita não somente de investimentos estratégicos para o atendimento à crescente demanda de energia elétrica, mas também de políticas adequadas aos diferentes setores econômico-tecnológicos (produção, transmissão, fornecimento e consumo).

No entanto, muito pouco foi feito. As medidas adotadas perante a crise até agora não são estratégicas, mas de caráter emergencial e imediatistas, para evitar a falta de energia e o temível apagão, previsível apesar dos crescentes aumentos no preço da energia elétrica. A legislação técnica vigente – planos diretores, códigos de obra e normas – mantém seus enfoques tradicionais, sem incorporar aspectos hoje reconhecidos como essenciais.

O planejamento urbano das cidades brasileiras, por exemplo, geralmente considera somente os critérios sociais, econômicos e culturais, e nunca os climáticos e topográficos regionais; menos ainda os energéticos ou ambientais (CUNHA et al., 2006).

O fato é que a situação mudou radicalmente a partir do racionamento de energia, em 2001, quando a população foi obrigada a mudar seus hábitos de consumo e aprendeu o significado de economia energética. A questão urbano-ambiental não envolve os usuários apenas em uma situação específica, mas o futuro da humanidade a longo prazo. Ou seja: sem dúvida, nas próximas décadas haverá uma preocupação cada vez maior com a questão ambiental, entendida mais amplamente através da noção de desenvolvimento sustentável.

Segundo dados da Eletrobrás, maior companhia do setor de energia elétrica da América Latina, um importante passo foi dado em 1985 com a criação da PROCEL – Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica, que apresenta alternativas para a redução dos altos custos energéticos, disseminando técnicas e bons exemplos contra os desperdícios, bem como os impactos que eles causam no meio ambiente.

Hoje, tendo em vista a melhor estruturação do programa, concebida em 2003 através da PROCEL EDIFICA – aliada ao IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) –, ampliaram-se as ações e metas que levam ao desenvolvimento de:

a) requisitos básicos para uma arquitetura mais integrada ao meio-ambiente e aos recursos naturais;

b) indicadores de eficiência energética em edificações;

c) certificações de materiais construtivos e equipamentos;

d) procedimentos para regulamentação/legislação;

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e) mecanismos para aporte de recursos financeiros e remoção de barreiras para implementação de projetos;

f) projetos educacionais e de interesse social.

Nesse sentido, a cidade e suas edificações, o objeto de criação, intervenção e reflexão do arquiteto e urbanista, estão no cerne de toda essa problemática, entrelaçando as várias dimensões da sustentabilidade – sejam elas demográficas, econômicas, sociais, culturais ou ambientais. Fica claro que a prática da arquitetura precisa ser revista sob essa nova ótica, definindo a interação da edificação com seu meio físico e climático; ajustando o conforto dos ambientes planejados às necessidades das atividades humanas a serem ali desenvolvidas.

3 De volta às origens: um pouco sobre a história da edificação unifamiliar brasileira

O clima tem se mostrado, desde a antiguidade, um dos elementos-chave no projeto e construção do habitat do homem. Muitos tipos de estrutura urbana já foram construídos através do tempo, levando em consideração os aspectos climáticos. O passado ensina que os problemas do habitat não devem ser considerados e resolvidos na escala da casa isolada, mas da casa urbana.

Esses espaços criados e a arquitetura vernacular, ou metavernacular¹, levam consigo os valores referentes às questões históricas, urbanas e de conservação, dando ênfase aos bens culturais e às relações existentes entre o patrimônio construído e a cidade. Em outras palavras, são espaços que deixaram signos e símbolos espaciais também na mente dos cidadãos (BARDA, 2009).

As edificações do Brasil Colônia, especialmente as de caráter unifamiliar, representam exemplos de um estilo que visava atender às necessidades humanas observando a integração do projeto ao ambiente natural. Nessa época, os recursos tecnológicos destinados à oferta de conforto eram precários e a arquitetura portuguesa foi reinterpretada a partir dos materiais e técnicas construtivas disponíveis na terra descoberta.

Como exemplos de projeto nesse período, podem ser citados as casas grandes das fazendas e os sobrados urbanos. São exemplos de uma arquitetura introduzida no Brasil, sob os moldes das construções portuguesas, com toques da arquitetura árabe – os pátios internos, os muxarabis e os balcões. De modo geral, as edificações eram erguidas com barro, pedras, materiais locais, mão-de-obra indígena e, posteriormente, negra.

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¹ Metavernacular: o prefixo meta exprime uma estrutura cujas ramificações, no caso, sejam diferentes da

realidade de um lugar (BARDA, 2009).

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Assim, foi criada uma identidade formal na arquitetura do Brasil Colônia. São inúmeros exemplos de projetos e obras que se adaptaram ao clima quente e úmido, com amplas janelas, avarandados, pé-direito alto e grandes pátios. Bem como mostra o exemplo da Casa da Bahia, projetada pelo arquiteto Marcio Kogan e sua equipe, da qual trata esse artigo ao final.

No período neoclássico, a arquitetura – principalmente a que era somente montada aqui – não expressava traços de economia de energia. Ela vinha pronta, em forma de perfis e peças de ferro, para dar origem aos belos edifícios ecléticos do período Art Déco.

A questão assume nova posição a partir da arquitetura modernista, que teve um significado tão importante na história, que o Brasil exportou seus modelos. Nesse período, a influência do International Style² fora fundamental. Surge a primeira geração de arquitetos modernos no país, formada por Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Afonso Eduardo Reidy e Rino Levi, com seus estilos altamente influenciados pelas ideias do mestre Le Corbusier, adotando padrões que viriam a se tornar famosos mundialmente. O uso de pilotis, brises, cores puras e concreto armado tornaram-se característicos do modernismo brasileiro, criando uma tradição fortemente presente até hoje.

Uma definição clássica de arquitetura pode ser baseada na tríade de Vitruvius: utilitas, fermitas e venustas, que pode ser traduzido literalmente para função, estrutura e beleza. O que, na contemporaneidade, ainda acaba regendo o subconsciente de grande parte dos arquitetos, juntamente ao fascínio pelas grandes tecnologias e à fé na inesgotabilidade dos recursos naturais. Diante desse fato, é possível entender o porquê do abandono das boas práticas ancestrais, que visa a arquitetura vernacular onde o objetivo não era a aparência, mas sim os aspectos culturais do local.

4 Princípios para uma arquitetura menos impactante: a arquitetura bioclimática

A definição de arquitetura bioclimática (ou sustentável, para usar o termo atual), tem como princípio fundamental a integração conceitual e construtiva no contexto ambiental climatérico e biológico. O uso de ferramentas como o bioclima oferece um conjunto de dados, condicionantes e determinantes, que levam em consideração o desenho arquitetônico e urbano na concepção de um projeto cujo enfoque principal está totalmente e principalmente, relacionado à economia de energia (CUNHA et al., 2006).

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² Dá-se o nome de International Style à arquitetura proveniente da Europa e Estados Unidos que, de 1920 a

meados do século XX, fora a maior influência na arquitetura ocidental [s. a.], [s. d.]. Disponível em:

<http://www.britannica.com/art/International-Style-architecture>.

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As raízes desta arquitetura são da base vernacular, que por sua vez assenta no empirismo e nas consequentes artes de construir ancestrais. Assim, os conceitos básicos são importados de uma época em que a inexistência de tecnologias de climatização e iluminação artificiais implicava em uma construção eficiente e otimizada para o local de implantação.

Este modelo inteligente de projetar leva em consideração três grandes aspectos na arquitetura: o lugar, a história e a cultura.

O lugar leva os aspectos do seu entorno (a paisagem e as formas construtivas) e do contexto (valores climáticos e microclimáticos). O microclima, por sua vez, inclui uma relação integradora entre os aspectos térmico, acústico e luminosos. Itens indispensáveis para o desenvolvimento de um projeto bioclimático.

Já no que compete à história, os aspectos ancestrais da arquitetura revelam a

estrutura das evoluções social, econômica e política no habitat humano, que se fazem presentes no rico repertório de linguagens arquitetônicas existentes nas cidades e que, também, nunca deveriam ser desconsideradas devido ao risco de se perderem as nossas origens, o que implicaria no processo evolutivo das construções futuras.

E, finalmente, a cultura por revelar os mecanismos e os recursos da arte do fazer

humano. Isso sobre o ponto de vista arquitetônico.

Tendo em vista estas considerações, é possível afirmar que a arquitetura bioclimática se refere simplesmente à adequação do projeto ao sítio, onde os aspectos climáticos devem correr junto ao processo criativo, visando a melhoria das condições ambientais do habitat antes mesmo de recorrer a técnicas ou sistemas tecnológicos.

O assentamento no lugar, a recuperação de nossa história e de nossa cultura e a

projeção para um futuro energético e ecológico mais equilibrado promovem um habitat qualitativa e integralmente superior ao alcançado na atualidade; abrem melhores perspectivas para a arquitetura, a cidade, a energia e o meio ambiente (CUNHA et al., 2006, p. 38).

Para um projeto se tornar eficiente, energético e ecologicamente correto, o conjunto de soluções bioclimáticas, como os fatores térmico, lumínico e acústico, devem ser indispensáveis e estar de acordo às características da envolvente. O tratamento dos espaços exteriores (a forma global da edificação, a altura em relação ao entorno natural e construído e a materialidade), a orientação solar e a permeabilidade interna dos espaços (compartimentação, características dos materiais, espaços semiabertos) também devem ser observados para a consolidação do conforto ambiental.

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Nesse sentido, tanto o projeto adequado ao que tange às variáveis ambientais (radiação solar, umidade e ventos), como também a utilização de elementos de arquitetura para a climatização natural (brises, pérgolas, entre outros), são importantes estratégias para a adequação das edificações ao contexto climático local, a fim de minimizar os gastos com a climatização artificial, tão evidenciada dentro do quadro das problemáticas atuais da crise energética.

5 Entendendo o fator climático para as edificações

Na complexidade climática, a determinação dos princípios de desenho da edificação e a escolha dos materiais a serem empregados devem ser feitas de maneira a associar soluções para os vários tipos de climas à utilização de forma cautelosa e com eventuais ajustes, conforme salienta Frandoloso (2001, p. 84).

Com referência à insolação, Olgyay destaca que “una parte muy importante de la

labor arquitectónica consiste em la determinacíon de la posición del edificio para el aprovechamiento máximo de los beneficios térmicos, higiénicos y psicológicos que brinda la

radiación solar” (OLGYAY, 1998, p. 53).

A projeção geométrica da trajetória solar aparente e da radiação incidente, tanto na forma de calor, quanto na de luz, que cada superfície recebe, em função da orientação, permite estabelecer alguns parâmetros a serem utilizados como critérios em projetos das diversas tipologias funcionais.

Ainda segundo Olgyay (1998, p. 54), sobre o comportamento térmico das fachadas nos períodos quentes e frios, pode-se afirmar que:

a) para uma melhor condição de habitabilidade - exposição à radiação solar máxima no inverno e mínima no verão -, a fachada principal de um edifício deve estar orientada à linha

do Equador (Norte);

b) as fachadas orientadas para nordeste e noroeste oferecem a vantagem de uma insolação mais equilibrada durante todo o ano, tendo em vista a menor altura solar incidente, porém são mais frias no inverno e mais quentes no verão que as superfícies com orientação norte;

c) as exposições para leste e oeste tornam os ambientes mais quentes no verão e mais frios no inverno, se comparados aqueles ambientes com exposição para norte, nordeste e noroeste.

A avaliação das orientações também deve considerar particularmente outros fatores, como a facilidade para o controle natural das radiações e o aproveitamento dos ventos dominantes da região, além de respeitar as exigências estéticas vigentes e psicológicas dos ocupantes, como a privacidade e as perspectivas visuais (CUNHA et al., 2006).

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6 Técnicas antigas inspiram um projeto sustentável: a Casa da Bahia

Diante desses dados do estudo, é possível identificar algumas estratégias bioclimáticas consolidadas na residência intitulada Casa da Bahia, projeto concebido pelo arquiteto paulista Marcio Kogan e sua equipe. Porém, vale lembrar que, para este projeto, não foi utilizado nenhum dispositivo ou tecnologia que possibilitasse a otimização do gasto de energia dentro da residência, conforme afirma o próprio arquiteto.

O projeto apresenta uma solução aparentemente simples e, ao mesmo tempo, contemporânea, que consegue juntar os termos da cultura tradicional brasileira ao contexto moderno. Ele cria, dessa forma, uma residência que abrange um pátio central, típico da herança portuguesa, que possibilita o conforto térmico dentro dos ambientes. O projeto favorece uma ventilação cruzada nos espaços e uma vista para o jardim, onde existem duas exuberantes mangueiras que foram preservadas em sua concepção.

FIGURA 1 – Fotografia da fachada frontal mostrando parte do living room (estar social).

Fonte: Studio MK 27³ – Marcio Kogan

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³ Disponível em: <http://studiomk27.com.br/p/casa-da-bahia/>.

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6.1.1 Ficha técnica

- Autor: Marcio Kogan

- Coautores: Suzana Glogowski, Samanta Cafardo

- Coautores de interiores: Diana Radomysler

- Colaboradores: Henrique Bustamante, Sergio Ekerman

- Ano: 2010

- Área construída: 690 m²

- Área do terreno: 2165 m²

- Tipo de projeto: Residencial

- Status: Construído

- Materialidade: Madeira e Pedra

- Estrutura: Concreto

- Implantação no terreno: Isolado

FIGURA 2 – Planta Baixa da residência.

Fonte: Arch Daily Brasil 4

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4 Disponível em: <http://www.archdaily.com.br/br/01-14317/casa-da-bahia-studio-mk27-marcio-

kogan/14317_14417>.

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Essas adequações da casa portuguesa para o clima tropical foram sempre estudadas e aplicadas pelo Modernismo no Brasil. Os conhecimentos populares antigos foram reinventados e incorporados ao longo da história na arquitetura brasileira, como as telhas artesanais, o pé-direito elevado, os muxarabis, entre outros.

As casas baianas, em especial, são conhecidas tipicamente por conservar essa cultura vernacular. É de fato muito comum ver pelos arredores da cidade de Salvador, como no tradicional bairro do Pelourinho, esse conjunto arquitetônico português colonial barroco preservado, que conta com a utilização da materialidade local. Os muros de pedra, as telhas de barro e forro de madeira, além de convencionais, são algumas das estratégias desenvolvidas para proteger-se das fortes temperaturas da região.

Nesse projeto, as aberturas e vedações possuem grandes painéis de madeira, os muxarabis, que deixam o vento passar e filtram a luz do sol, sendo uma forte característica dos projetos de Kogan. Estes muxarabis foram trazidos ao Brasil pela arquitetura colonial portuguesa desde os primeiros séculos de ocupação do território americano e tem origem na influência cultural árabe.

Segundo o zoneamento bioclimático brasileiro que consta na NBR 15220-3 (2005), a cidade de Salvador está inserida na zona bioclimática oito, na região nordeste do país, cingida pelo clima tropical atlântico. Ou seja: apresenta climatologia de alta complexidade por conta da posição geográfica e dos sistemas de circulação atmosférica, com elevada variação pluviométrica e reduzida variação térmica. Há o predomínio das altas temperaturas, com amplitude anual pequena (CUNHA et al., 2006).

Segundo Lamberts (2004), uma das técnicas comumente aplicadas para o resfriamento evaporativo e umidificação, no caso observado, do clima da região nordeste, é o uso de superfícies gramadas e arborizadas. Parte do calor absorvido pela grama é utilizada na fotossíntese e o restante para a evapotranspiração, bem como também ocorre com o uso de espelhos d’agua.

É imperativa a construção conforme toda essa adequação aos preceitos climáticos da região. Vale lembrar primeiramente da função determinante dos princípios de desenho do edifício junto à escolha dos materiais a serem empregados. Esta integração deve ser feita de maneira a associar soluções para os diversos tipos de clima, de forma cautelosa e com eventuais ajustes, conforme salienta Frandoloso (2001, p. 84).

Dentro deste contexto, fica evidente o fato de que a forma das edificações tem influência direta sobre o conforto térmico e o potencial de eficiência energética, uma vez que interfere nos fluxos de ar, assim como nos níveis de iluminação e radiação solar incidentes. A sistematização das características climáticas e suas influências são essenciais para a

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elaboração e compreensão da sua influência no desenho urbano e no projeto das edificações (BAGNATI, 2013).

Olgyay (1968) afirma que a metodologia ideal seria trabalhar em favor das forças da

natureza, potencializando as boas características a fim de criar melhores condições de moradia. Com o registro de elementos, há a condição de estabelecer recomendações climáticas em relação ao sítio.

No entanto, conclui-se que a Casa da Bahia possui uma organização de planta e

materiais aplicados, que se aproximam de uma arquitetura tradicional brasileira, favorecendo os aspectos do conforto ambiental. O resultado, nesse caso, é uma casa aparentemente agradável onde o interior é um resguardo do clima quente e ensolarado do lugar. Kogan afirma que a casa foi pensada para o lugar onde está construída, para o clima da região; enfim, para a Bahia.

Nesse sentido, é possível observar que as estratégias bioclimáticas, utilizadas intencionalmente ou não, evidenciam um projeto inteligente e totalmente integrado ao meio. Há uma troca de comunicação entre o espaço aberto e o construído, sem negar os seus aspectos culturais e climáticos locais. Ou seja: esta edificação, apesar de trazer na sua composição uma cultura tradicional vernacular, consegue se delinear em um formato totalmente contemporâneo, nas mãos do mestre Kogan – e sua linguagem particular, assinada em seus projetos.

Referências

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[s. a.]. Revista Glamour – Referans Design Blog. Disponível em: <http://colunas.revistaglamour.globo.com/referans/2010/04/20/casa-bahia-por-marcio-kogan//> Acesso em 28 de junho de 2015.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15.220-3: Zoneamento bioclimático brasileiro e diretrizes construtivas para habitações unifamiliares de interesse social. Rio de Janeiro, 2003.

BAGNATI, Mariana Moura. Zoneamento bioclimático e arquitetura brasileira: qualidade do ambiente construído. Porto Alegre: UFRGS, 2013. Dissertação (Mestrado – Programa

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de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.

BARDA, Marisa. Espaço (meta)vernacular na cidade contemporânea. São Paulo:

Perspectiva, 2009.

CADERNO DE BOAS PRÁTICAS ARQUITETÔNICAS. Eficiência energética em edificações brasileiras: edificações unifamiliares. Rio de Janeiro. v5. ELETROBRÁS: PROCEL, 2007.

CADERNO DE BOAS PRÁTICAS ARQUITETÔNICAS. Eficiência energética em edificações brasileiras: edificações unifamiliares. Rio de Janeiro. v6. ELETROBRÁS: IAB, Departamento do Rio de Janeiro, 2008.

CUNHA, Eduardo Grala da (org); et al. Elementos de arquitetura de climatização natural: método projetual buscando a eficiência nas edificações. Porto Alegre: Masquatro, 2006.

FRACALOSSI, Igor. Arch Daily. Disponível em: <http://www.archdaily.com.br/br/01-14317/casa-da-bahia-studio-mk27-marcio-kogan/> Acesso em 28 de junho de 2015.

FRANDOLOSO, Marcos Antônio Leite. Critérios de projeto para escolas fundamentais bioclimáticas. Dissertação (Mestrado – Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001.

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