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Arqueologia de Cotas Positivas Paulo Tadeu de Souza Albuquerque Miriam cazzetta A contribuição da pesquisa arqueológica na investigação em história da arquitetura é relativamente nova e voltada para a leitura do edifício como produto das relações econômicas e sociais e não para confirmação das fontes escritas ou iconográficas Não só tendo o estudo dos edifícios, como base comprobatória ou não da documentação histórica como se estudava os sistemas construtivos até a bem pouco tempo estabelecendo paralelos com modelos considerados exemplares e bem datados anteriormente em outros trabalhos denominados de restauração onde se procurava privilegiar a antiguidades de momentos históricos construídos .

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A contribuição da pesquisa arqueológica na investigação em história da arquitetura é relativamente nova e voltada para a leitura do edifício como produto das relações econômicas e sociais e não para confirmação das fontes escritas ou iconográficas.

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Page 1: Arqueologia de Cotas Positivas - Paulo Tadeu de Souza Albuquerque e Miriam cazzetta

Arqueologia de Cotas Positivas

Paulo Tadeu de Souza Albuquerque

Miriam cazzetta

A contribuição da pesquisa arqueológica na investigação em história da

arquitetura é relativamente nova e voltada para a leitura do edifício como

produto das relações econômicas e sociais e não para confirmação das

fontes escritas ou iconográficas

Não só tendo o estudo dos edifícios, como base comprobatória ou não

da documentação histórica como se estudava os sistemas construtivos

até a bem pouco tempo estabelecendo paralelos com modelos

considerados exemplares e bem datados anteriormente em outros

trabalhos denominados de restauração onde se procurava privilegiar a

antiguidades de momentos históricos construídos .

A denominada Arqueologia de cotas positivas que vem sendo aplicada,

desde pelo menos há duas décadas, no âmbito das intervenções de

restauro em edifícios históricos, no exterior especialmente na Itália,e

mais recentemente na Espanha.

Através da metodologia da arqueologia de cotas positivas Procura-se

fazer com que os próprios edifícios contem a sua história e a história dos

sítios arqueológicos em que estão inseridos.

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A evolução de um determinado lugar ou a origem de um aglomerado

urbano ou parte destes; trata-se, sobretudo, de contrapor aos métodos

tradicionais de análise já referidos, a uma metodologia nova, oriunda

diretamente dos paradigmas da arqueologia, mais rigorosa, mais crítica,

ampliando, simultaneamente, o âmbito das investigações que até ao

momento têm vindo a ser desenvolvidas.

Por outro lado, a visão oferecida pela Arqueologia de cotas positivas é

simultaneamente mais ampla e mais complexa, dado que os edifícios

históricos passam a ser entendidos mais como o resultado de

experiências únicas, feitas de construções e reconstruções, do que como

modelos construtivos aplicados em determinado período histórico.

De fato, os edifícios históricos são sempre construções estratificadas e é,

como tal, que, do ponto de vista da ciência , deverão ser compreendidos.

Desta forma, para que a intervenção em construções históricas seja uma

verdadeira oportunidade para conhecer o edifício e preservar os seus

valores, é imprescindível que os agentes que nela intervenham dominem

uma metodologia segura baseada nos conceitos de tempo, espaço,

forma, uso, função, e ausência em seus níveis de analise, morfológico

cenográfico, conjetural e hipotético que permitam uma análise mais

profunda e objetiva dos MONUMENTOS COM o objetivo de ENTENDER

A EVOLUCAO DOS SEUS PARTIDOS DE PLANTAS COM SEUS

ESPACOS , VOLUMES, CHEIOS E VAzIOS, E SUAS COBERTURAS E

SUA EVOLUCAO TECNOLÓGICA CONSTRUTIVA NOS MAIS

DIVERSOS MOMENTOS HISTORICOS.

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Com esta abordagem e aplicação destes procedimentos em que se tenta,

sobretudo, responder a necessidade do aumento significativo de

intervenções em edifícios com valor histórico não era acompanhado por

técnicos com preparação adequada, faltando, igualmente, a necessária

reflexão crítica ao trabalho desenvolvido.

Primórdios do Método

É sobretudo na Itália, desde os finais dos anos 70, que se assiste ao

desenvolvimento dos contributos mais consistentes nesta área de

conhecimento que tem a arquitetura e o espaço urbano como objeto

central de estudo. O desenvolvimento da Arqueologia de cotas positivas

ou da arquitetura está, no entanto, intrinsecamente ligado à difusão da

metodologia arqueológica criada por E. C. Harris, na seqüência da sua

experiência nos grandes sítios arqueológicos urbanos de Londres. É

então que, de uma forma sistematizada, se integram os elementos

arquitetônicos (unidades estratigráficas positivas), no contexto geral da

análise estratigráfica dos sítios escavados, ou seja, procura-se entender

o edifício como um qualquer documento material que é necessário

registrar e analisar para o poder compreender.

Apesar de originária da arqueologia denominado no nosso pais de

arqueologia histórica em contraposicão a pesquisa arqueológica que se

dedica ao estudo das populações não letrada denominadas pré histórica

e sobretudo um desvirtuamento da ciência não se compreendendo a

arqueologia como ciência com seus paradigmas e estruturas teóricas e

metodológicas próprias com suas especializações como qualquer outra

ciência da problemática do restauro de edifícios tombados nas três

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esferas do poder em espaços urbanos, e que surgiu mais um ramo de

especialização da arqueologia: arqueologia urbana de cotas positivas.

A Arqueologia de cotas positivas tem vindo a afirmar-se, cada vez mais,

como um método aplicável a qualquer tipo de construção do espaço

urbano e onde outras disciplinas como a história, geografia, geologia,

etc., se tornam fundamentais para o seu desenvolvimento.

Na difusão deste método, não deverá ser alheia também a renovação

que vem ocorrendo ultimamente no âmbito da arqueologia, não só fruto

das diferentes conjunturas teóricas metodológicas, sociais e políticas

como das próprias evoluções tecnológicas.

Registra-se aqui que o modelo italiano desenvolveu-se, sobretudo, nas

Universidades onde a investigação relacionada com o restauro dos

monumentos, e a conseqüente interdisciplinariedade, tem tradição.

Ou seja, ambas as especialidades a arqueologia e a arquitetura

convergem para uma necessidade comum – compreender, em toda a

sua plenitude, o processo construtivo do edificado.

Page 5: Arqueologia de Cotas Positivas - Paulo Tadeu de Souza Albuquerque e Miriam cazzetta

Método proposto

A Arqueologia da Arquitetura ou Cotas Positivas procura sujeitar a

arquitetura histórica a um processo de análise estratigráfica, como já foi

referido, utilizando uma metodologia especificamente arqueológica, antes

de se proceder a qualquer tipo de intervenção.

Considera-se que uma das condições essenciais para uma mais correta

identificação de todos os aspectos relacionados com o edificado, será

possuir uma documentação gráfica nos mais diversos parâmetros e

níveis de análises, rigorosa sendo a fotogrametria e os modelos

computadorizados com base em programas do tipo autocad uma

ferramenta importante não só pela rapidez, mas por conferir uma maior

exatidão e pormenor aos levantamentos permitindo, posteriormente, a

utilização de uma aplicativo tipo 3d e scaners . com todas as vantagens

que esta oferece, entre as quais se destaca a restituição tridimensional

do edifício. Associada à informação gráfica deverá também construir-se

uma Base de Dados históricos que possa reunir todos os elementos

informativos sobre o edifício. Na Itália, por exemplo, a este tipo de

aplicação informática começa-se já a chamar Sistema de Informação

Monumental, à semelhança dos chamados Sistemas de Informação

Geográfica (GIS) cada vez mais utilizados na gestão do território.

Conseguida a documentação gráfica total do edifício poderá então iniciar-

se o verdadeiro processo de leitura dos paramentos (interiores e

exteriores), através das seguintes operações:

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1. Determinação genérica das grandes fases construtivas;

2. Registrar e numerar as diferentes unidades estratigráficas das paredes

e elementos construtivos que compõem o edifício (USM) quando

possível.

3. Análise das relações estratigráficas possíveis entre as diferentes

atividades que tiveram lugar ao longo da história do edifício como, por

exemplo, relações de anterioridade, posterioridade e contemporaneidade,

construindo-se deste modo um diagrama (cronologia relativa);

4. Estabelecimento das diferentes fases da EVOLUção MORFOLOGICA

E TECNOLOGICA histórica do edifício – diagrama de síntese-tecno-

crono-mofologica absoluta.

Entre os vários tipos de informação que será necessário coletar

destacam-se os que se relacionam diretamente com as características

morfo-tecnológicas da construção, nomeadamente:

• Determinação de componentes e materias construtivos;

• técnicas de construção;

Tipo de andaimes;

Tipo de ferramentas;

• Efeitos de degradação dos materiais (destruiçãoe uso).

Um dos fatores mais significativos neste tipo de metodologia é o estudo

dos materiais e tecnologias utilizados em determinada construção,

procurando analisar não só a sua proveniência, como as diferentes

formas de produção utilizadas.

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No processo de determinação dos métodos construtivos será porventura

necessário recorrer-se ao estabelecimento de tipologias de modulações

dos seus volumes definindo altura de seus pé direito e largura de vãos,

espessuras de paredes, número de pavimentos, e de elementos

morfológicos do partido de planta e técnicas para suas esquadrias,

estruturas de cobertura, etc.

Ganhando especial relevância as possibilidades oferecidas pela

aplicação da crono-tipologia. Neste âmbito, considera-se particularmente

importante, também,o estudo do instrumental utilizados bem como as

marcas deixadas pelos canteiros.

Outro tipo de vestígio importante de registrar, apesar de não ser comum,

são os traços que por vezes surgem na superfície das paredes ou nas

cantarias de cercaduras, vulgarmente conhecidos como traçarias ou

atualmente por grafite – desenhos incisivos, de simples ensaios ou

verdadeiros desenhos de projetos de arquitetura conseguidos geralmente

com o auxilio de réguas e compassos representados a maior parte das

vezes em escalas reduzidas.

Por outro lado, ao se analisarem os processos de deterioração dos

materiais poderão retirar-se também informações preciosas não só para

a história do edifício mas, também, para a aplicação de metodologias

rigorosas nas ações de conservação e restauro que se pretendem

efetuar. Assim, a análise sistemática de todos estes dados

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poderá ,também, fornecer aos investigadores informações a que muito

dificilmente poderiam ter acesso, tais como:

• De que modo se organizavam os canteiros de obra;

• Que tipo de transportes e vias eram utilizados em determinada obra.

Analisados todos estes fatores, e na nossa perspectiva, a maior

vantagem que se pode retirar na aplicação da Arqueologia de cotas

positivas como método científico é a possibilidade que confere a

qualidade da interpretação e argumentação, permitindo criar verdadeiros

modelos interpretativos, evitando-se, assim, a visão subjetiva e

apriorísticas que tem privilegiado o retorno do edifício a um momento

histórico ou estilístico que sempre marcou grande parte dos estudos de

história da arquitetura.e obras de restauração.

Por outro lado, em seus primeiros níveis de analises trata-se de um

método não destrutivo, não invasivo, com óbvias vantagens numa

situação delicada como é a intervenção em patrimônio. No entanto, não

podemos deixar de referir que existem também algumas limitações na

aplicação desta metodologia, a mais importante das quais consiste na

dificuldade em estabelecer cronologias absolutas para os edifícios.

Outro problema que poderá surgir será a grande quantidade e

complexidade de informações que se podem recolher – a micro-história

do edifício que se tornará densa quanto maior forem as dimensões do

construído. Por último, considera-se igualmente importante apontar,

como limitação evidente, o fato do edifício poder apresentar um

determinado revestimento que impossibilite a sua análise mais acurada,

levando a adoção na primeira fase de intervenção a identificação de

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áreas que necessitam de decapagem de alguns setores de panos de

paredes para se poder alcançar os níveis mais antigos e responderem

as questões anteriormente formuladas, tal como num processo normal de

pesquisa arqueológica em cotas negativas.

A aplicação da Arqueologia de cotas positivas não exclui, numa primeira

abordagem, a investigação documental textual e iconográfica etc. Muito

pelo , pelo contrário, será sempre a partir dela que necessariamente se

poderá ter o primeiro contato com o edifício.

Perspectivas para a Aplicação da Arqueologia de Cotas Positivas no

Brasil

Como já tivemos oportunidade de referir, a gênese da afirmação desta

nova metodologia encontra-se intimamente ligada à proliferação de

intervenções de grande envergadura em conjuntos históricos urbanos e

em grandes monumentos. A evolução da consciência social em relação

ao valor do património arquitetónico e a própria importância que tem

adquirido chamado turismo cultural, No entanto, existem inúmeros casos

de intervenções em edifícios de grande importância histórica, que estão a

cargo das autarquias FEDERAIS ESTADUAS E MUNICIPAIS ou mesmo

na mão de particulares.

Considerando esta realidade, gostaríamos sobretudo de realçar a

necessidade das diversas instituições com responsabilidade na

recuperação dos edifícios históricos aproximarem as suas metodologias

de trabalho que, a nosso ver, deverão ser repensadas à luz de uma nova

estratégia de atuação onde, tal como já afirmamos anteriormente, o

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património arquitetónico passe a ser encarado como qualquer outro

documento que é necessário se ler e interpretar. Ou seja, que o processo

de intervenção possa representar para a equipe e para instituição que o

coordena uma ocasião única para o seu conhecimento, criando-se

rotinas nos procedimentos, nomeadamente no tipo de estudos e

levantamentos necessários antes de se iniciar a obra.

Apesar de existir atualmente, uma conscientização sobre os cuidados

numa intervenção; o modo como se intervém nas construções históricas,

sobretudo nos centros históricos é, na maior parte dos casos,

insuficiente, não se adequando, por exemplo, o projeto de intervenção ao

edifício, ou não se explicitando os critérios adotados.

É sintomático verificar que, os novos profissionais que estão atuando no

Brasil e trazendo questionamentos aos trabalhos realizados em passados

ate bem recente que quando os arquitetos eram chamados a intervir em

edifícios históricos, não abdicavam das pré-concepções dos seus

projetos arquitetônicos; enveredando pela imposição da obra de retorno

a origem presumida dos edifícios ou privilegiando momentos estilísticos

de forma aleatória, rejeitando, como se de algo negativo se tratasse, o

papel do arquiteto-restaurador parceiro de outros profissionais, também

agente restaurador, e a especialidade dele o colocava como único com

qualificação para a coordenação dos trabalhos há muito afirmada em

grande parte dos trabalhos de equipes no Brasil e exterior. Os

arqueólogos, por seu lado, preocupam-se demasiado com a arqueologia

de cotas negativas, dissociando-se do edifício e valorizando, sobretudo,

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os vestígios que revelem ocupações anteriores, participando pouco em

todo o processo de recuperação.

Assim, é ainda vulgar assistir-se à abertura de grandes áreas de

escavação e prospecções em panos de paredes arqueológicas estas

denominada históricas que, ia se arrastando por longos meses ou ate

anos e anos de trabalhos, muitas vezes sem objetivos perfeitamente

delineados e resultados de pouco valor e muito poucos divulgados,

resultaram muitas vezes, a nosso ver, no agravar de situações

complicadas e não incorporadas ao monumento já em si problemáticos

e novos problemas de compreensão do processo de evolução do

construído e até problema de estabilidade dos edifícios, ou a dificuldade

em preservar as estruturas que vão sendo exumadas.

Desta forma, é comum implantar uma intervenção sem que as condições

mínimas tenham sido criadas para buscar e registar a informação contida

no construído, e que esta possa ser salvaguardada e reincorporada.

Aos arquitetos solicita-se que elaborem o projeto, aos arqueólogos que

estudem os achados ocultos, aos historiadores que recolham e

interpretem os documentos e, aos engenheiros e técnicos de

conservação e restauro que garantam a informações neles identificadas

e garanto seu entendimento e sua sustentabilidade e estabilidade do

edifício e do patrimônio associado, sem que se observe um verdadeiro

trabalho de interdisciplinar, única garantia para que o edifício seja

abordado como um todo, pois, como já referimos, o processo de

recuperação é uma ocasião única para se conhecer o monumento.

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Apesar dos problemas existentes verifica-se, no entanto, que a

divulgação dos resultados e as metodologias adotadas têm que sofrer

uma acentuada melhoria em escala nacional proliferando, por exemplo, a

publicação de diferentes trabalhos, nomeadamente da área do restauro

ou da análise dos materiais construtivos no intuito de se entender o

monumento. Por outro lado, a excessiva preocupação dos arquitetos com

as novas intervenções, tem vindo aos poucos a diminuir nos edifícios

com valor histórico, sobretudo nos ditos monumentos nacionais

tombados pelo iphan, começando a surgir um maior interesse pela

história do edifício, aproximando-se, cada vez mais, de um modelo de

intervenção de restauro,com bases cientificas contrariando a tão funesta

tendência anterior de grandes obras, onde se observava pouco ou

nenhum interesse verdadeiro pelo valor histórico do edifício. Julgamos

que o verdadeiro resultado do impacto negativo que teve (ou tem ainda)

este tipo de intervenções, com a destruição sistemática de informações,

sem que se proceda a qualquer registro metodológico prévio e correto,

como base de analise talvez só o possamos avaliar daqui a alguns anos,

quando a consciência desta necessidade seja enfim uma realidade

indiscutível como já o é para as estruturas de restauração que adotam os

preceitos da arqueologia de cota negativa.

Assim, apesar da evolução dos últimos anos, em termos de

conhecimento histórico dos edifícios, e os cuidados cada vez mais maior

das ciências e técnicas aplicadas, julgamos que muito há ainda a fazer.

A descoordenação que muitas vezes se verifica entre as equipes

envolvidas, arqueologia, arquitetura ou engenharia, a insuficiente

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formação teórica metodológica e a falta de uma pratica de

interdiciplinariedade tanto de arqueólogos como de arquitetos, em

aspectos diretamente relacionados com a problemática deste tipo de

intervenção tão particular, são fatores a ter em conta, bem como a

ausência de análise crítica do trabalho e falta de um verdadeiro corpus

teórico que enquadre este tipo de atividades e que hoje e tão condenado

pelos questionamentos levantado quando se olha obra realizadas como

de restauração em passado bem recente.

Assim, é necessário consolidar novas rotinas que comecem a assegurar

o bom desenvolvimento dos processos de intervenção, garantindo, desde

logo, alguns dos aspectos que se julga os mais importantes:

• Pesquisa documental prévia;

• Levantamento gráfico e fotográfico pormenorizado dos edifícios antes

de qualquer tipo de alteração no edificado;

• Registro e interpretação estratigráfica do edifício;

• Construção de modelos de evolução cronológica e funcional dos

espaços;

• Levantamento de patrimônios associados;

• Levantamento e análise do território onde se insere o edifício;

• Análises de estabilidade estrutural;

• Análise de patologias;

• Preparação de escavações arqueológicas, caso se justifique.

Perspectivas para o futuro

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Procurou-se, ao longo das considerações anteriores, explicar a

necessidade da aplicação de um método científico na intervenção de

recuperação dos edifícios históricos como a única forma de atenuar a

subjetividade das intervenções. A Arqueologia de cotas positivas ou da

Arquitetura revela-se, assim, um instrumento eficaz e essencial para a

investigação da realidade construída.

Com o que foi exposto anteriormente não queremos criar a ideia que se

pretende reduzir a capacidade de intervir nos edifícios, mas antes criar a

consciência, nos responsáveis pelos projetos, que se vai interferir numa

construção estratificada e, como tal, deverá ser registrada.

Não existe intervenção sem “destruição” e, tal como no processo de

escavação arqueológica, tudo o que se pretende alterar ou remover

deverá ser registrado.

Não desejamos, no entanto, que esta posição seja compreendida como

uma atitude de imobilismo ou conservadorismo face às intervenções em

patrimônio arquitetônico. Consideramos, pelo contrário, que a aplicação

do método de leitura estratigráfica dos edifícios históricos poderá

converter-se num instrumento fundamental tanto para os arquitetos e

arqueólogos que optem por uma posição mais conservadora, pois

permite a identificação das fases construtivas do edifício, como para

aqueles que prefiram adotar uma atitude mais intervencionista

permitindo-lhes optar, com segurança, por aquilo que consideram mais

relevante a ser prospectado. Em qualquer das opções, a grande

vantagem de todo este processo é a garantia de que se procede sempre

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ao registro prévio, ao mesmo tempo que se fornece a possibilidade de

serem estabelecidos critérios de intervenção prospectiva.Não obstante, e

a partir dos pressupostos que anteriormente defendemos, julgamos que a

melhor intervenção em patrimônio arquitetônico será aquela em que a

interferência do arquiteto e arqueólogo passe a ser mais uma entre as

várias atividades construtivas que serão possíveis ler no edifício. Ou seja,

o arquiteto deve permitir que o edifício continue a contar a sua própria

história de modo a que cada visitante possa compreendê-lo como um

universo rico e complexo. Deveriam sobretudo, a nosso ver, evitar-se as

destruições e as falsificações tão comuns a tantos projetos (muitas vezes

apenas por falta de conhecimento) ou, por outras palavras, a

manutenção da autenticidade do edifício deveria ser sempre o objetivo

básico de qualquer intervenção.

Uma das formas para que se possa inverter a situação atual será através

da formação de técnicos qualificados. Assim, o papel das instituições de

tutela, pesquisa e ensino poderá converter-se num dos fatores

primordiais para que esta mudança se verifique, apostando numa

formação mais aberta e virada para as verdadeiras necessidades da

sociedade atual.

Na base da formação dos técnicos que desejem especializar-se nesta

disciplina, sobretudo arqueólogos e arquitetos, terá de estar, sem dúvida,

com o conhecimento da importância da análise estratigráfica do

construído e das técnicas construtivas do passado, de forma a

compreender-se o edifício em toda a sua complexidade. Por outro lado,

para que esta evolução seja possível, no seio das universidades,e

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instituições publicas ou privadas será necessário existir uma maior troca

de informações – por exemplo, permitindo-se maior flexibilidade nos

cursos universitários, facultando-se a interdisciplinariedade entre história,

arquitetura, arqueologia, geologia, engenharia, etc.

Um dos aspectos fundamentais a ter em conta é que a própria legislação

deveria contemplar uma noção mais abrangente e inclusiva do patrimônio

arquitetônico, de forma a reforçar a ação de cidadania nele contida.

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