arqueologia da amazonia

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36 Fotografe Melhor ESTANTE O fotógrafo Maurício de Paiva documenta um outro lado desta imensa região brasileira, com o foco no passado arqueologia da Livro documenta a U ma boa maneira de entrar no livro Amazônia antiga, arqueologia do entorno, com imagens de Maurício de Paiva e ensaios de Mônica Trindade Canejo, é o texto escrito pelo historiador e arqueólogo Eduardo Góes Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), para quem os arqueólogos mantêm uma relação especial com seu objeto de estudo: “precisam destruí-lo para estudá-lo”. É claro que os métodos usados pelos estudiosos não comungam com a destruição perpetrada constantemente na região amazônica. Em nome da medicina, iniciou-se um extrativismo sem precedentes. Sob a alegação da interação humana, milhões de índios foram dizimados. Em nome do progresso e da industrialização, milhões de árvores e espécies da fauna foram exterminadas. Da mesma forma que a região resiste bravamente, como um gigante paquiderme que se esvai em sangue mas não morre, nem sempre conseguimos conjugar o verbo no passado, pois a ação destruidora está longe de parar e, se depender de ação governamental, tudo andará como sempre. Por isso, a importância fundamental dos livros que destacam a preservação mais que necessária. Não é um registro apenas memorialístico, mas engajado e responsável por aqueles poucos gritos preservacionistas que raramente são ouvidos. Maurício de Paiva e Mônica Canejo estão numa caminhada que já superou a questão do livro de arte versus documentário. A importância da ação está na capacidade que um livro pode provocar por sua atitude adequada. Das visões ufanistas de Jean Manson às denúncias de Claudia Andujar, da paisagem magnífica de George Love e Por Juan Esteves Estatueta antropomorfa da cultura tapajônica, exemplo da rica cultura pré-colonial da Amazônia, exposta em museu de Santarém (PA) Amazônia

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36 Fotografe Melhor

ESTANTE

O fotógrafo Maurício dePaiva documenta umoutro lado desta imensaregião brasileira, como foco no passado

arqueologia da Livro documenta a

Uma boa maneira de entrarno livro Amazônia antiga,arqueologia do entorno, com

imagens de Maurício de Paiva eensaios de Mônica Trindade Canejo,é o texto escrito pelo historiador earqueólogo Eduardo Góes Neves,diretor do Museu de Arqueologia eEtnologia da Universidade de SãoPaulo (USP), para quem osarqueólogos mantêm uma relaçãoespecial com seu objeto de estudo:“precisam destruí-lo para estudá-lo”.

É claro que os métodos usadospelos estudiosos não comungamcom a destruição perpetradaconstantemente na regiãoamazônica. Em nome da medicina,iniciou-se um extrativismo semprecedentes. Sob a alegação dainteração humana, milhões de índiosforam dizimados. Em nome doprogresso e da industrialização,milhões de árvores e espécies dafauna foram exterminadas.

Da mesma forma que a regiãoresiste bravamente, como umgigante paquiderme que seesvai em sangue mas não morre,nem sempre conseguimos conjugaro verbo no passado, pois a açãodestruidora está longe de parar e,se depender de açãogovernamental, tudo andará comosempre. Por isso, a importânciafundamental dos livros quedestacam a preservação mais quenecessária. Não é um registro

apenas memorialístico, masengajado e responsável por aquelespoucos gritos preservacionistas queraramente são ouvidos.

Maurício de Paiva e MônicaCanejo estão numa caminhada quejá superou a questão do livro de arte

versus documentário. A importânciada ação está na capacidade que umlivro pode provocar por sua atitudeadequada. Das visões ufanistas deJean Manson às denúncias deClaudia Andujar, da paisagemmagnífica de George Love e

Por Juan Esteves

Estatueta antropomorfa da culturatapajônica, exemplo da rica culturapré-colonial da Amazônia, exposta

em museu de Santarém (PA)

Amazônia

Fotografe Melhor 37

Amazônia antiga e atual: acima, homem com a cabeça de urna funenária (conhecida como maracá) encontrada em sítio arqueológico nosul do Amapá; abaixo, crianças brincam com fragmentos de cerâmica arqueológica encontrados no quintal de casa, em Parintins (AM)

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David Zingg à deslumbrante faunade Araquém Alcântara, cada livroque discute o tema encontra umdesafio de superação tão grandequanto a região.

Pedro Martinelli, Alex Webb,Luiz Braga, David Alan Harvey,apenas para citar alguns fotógrafos,produziram imagens memoráveis daregião, das pessoas e costumes. No entanto, em Amazônia Antiga,Maurício de Paiva, como escreveo fotojornalista João Bittar naapresentação, traz “uma fronteiravisual raramente abordada” eacertadamente coloca cada páginavirada como uma viagem cósmica notempo. Definição apropriada para oconteúdo que mescla informação auma imagem muito bem trabalhada.

A LUZ AMAZÔNICANão ha dúvida de que a própria

luz amazônica nos coloca diante dereferências anteriores. Difícil nãolembrar em certos momentos deBraga ou Webb (como na imagemescolhida para a capa). Entretanto,o clichê é superado com maestriapor meio de uma leitura mais

atenciosa. O autor consegueexpressar uma ampla variedade,não submetendo a informação aosestilismos gráficos desnecessários.Não sacrifica, igualmente, a poéticapela sintaxe, que está longe deser panfletária ou repetitiva.

Entre fortes e delicadas imagens,os ensaios da jornalista MônicaTrindade Canejo funcionam como um especial contraponto. A realidade fotográfica amazônicaé acompanhada com muitasensiblidade numa narrativa quealude à informação e que incluiacertadamente suas experiênciaspessoais na região, desmistificandoo caráter apenas jornalístico ecolocando um pouco mais deemoção em sua vivência, o que porcerto é ajudado pelas legendas decaráter testemunhal.

Sempre temos que pensar nofuturo em função do passado e dopresente. Uma coisa não existe sema outra. A função do documentáriofotográfico sério certamente éfornecer subsídios imagéticos efilosóficos a essa máxima,revelando situações que podem

prover ideias e que possam originaruma vida melhor. Certamente, estaarquelogia amazônica, de imagense textos, feita em cinco longos anosde dedicado trabalho, traz em suas páginas a expansão desse pensamento.

Plantação de mamões no entorno de um sítio arqueológico em Iranduba (AM): vestígios orgânicos do passado enriqueceram o solo no local

Serviço

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Amazônia antiga - arqueologia no entorno.Imagens de Maurício de Paiva,textos de Mônica Trindade Canejo,Editora DBA; formato 28 x 28 cm,144 páginas; ISBN 978-85-7234-401-2; Preço: R$ 79,00.