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  • Ttulo: O no-formal e o informal em educao: Centralidades e periferias . Atas do I colquio internacional de cincias sociais da educao / III encontro de sociologia da educao (3 volumes) Organizao: Jos Augusto Palhares | Almerindo Janela Afonso Comisso Organizadora Almerindo Janela Afonso (Coord.) Carlos Alberto Gomes Esmeraldina Veloso Jos Augusto Palhares Maria Custdia Rocha Emlia Vilarinho Fernanda Martins Natlia Fernandes Cristina Fernandes Carla Soares

    Comisso Cientfica Almerindo Janela Afonso Ana Diogo Alan Rogers Alcides Monteiro Antnio Fragoso Antnio Neto-Mendes Armando Loureiro Carmen Cavaco Fernando Ildio Ferreira Isabel Baptista Jos Alberto Correia Jos Augusto Palhares Licnio C. Lima Manuel Sarmento Maria da Glria Gohn Mariano Fernndez Enguita Paula Cristina Guimares Pedro Abrantes Rui Canrio Sofia Marques da Silva Xavier Bonal

    Edio: Centro de Investigao em Educao (CIEd) Instituto de Educao Universidade do Minho Braga - Portugal Composio e arranjo grfico: Carla Soares, Jos Augusto Palhares Capa e design: Joo Catalo Formato: Livro Eletrnico, 3 Volumes, 2110 Pginas Volume I: [pp. 1 680] | Volume II: [pp. 681 1292] | Volume III: [pp. 1293 2110] ISBN: 978-989-8525-27-7 Este trabalho financiado por Fundos Nacionais atravs da FCT Fundao para a Cincia e a Tecnologia no mbito do Projeto PEst-OE/CED/UI1661/2011

    CIEd, Dezembro 2013

  • NDICE

    VOLUME III Culturas de Infncia, Contextos e Quotidianos Uma experincia desenhada na educao no-formal | Juliana Aico Moraes Fujishiro, Natasha Caramaschi Del Galo

    1302

    Os amigos do facebook: Espaos ldicos e relaes sociais da infncia contempornea | Alessandra Alcntara, Annio Jos Osrio

    1312

    Desafios e perspectivas do brincar entre adultos e crianas: Relato de uma experincia sobre o brincar no Brasil | Lucelina Rosa, Anne Binder, Jaqueline Fernandes, Sandra. Siqueira

    1321

    Projetos de ocupao de tempos livres na infncia em contextos no-formais | Carla Lacerda, Henrique Ramalho

    1330

    Infncia e ludicidade: A forma e o formato | Alberto Ndio Silva 1338 Cotidiano de meninas e meninos: Modos de ver da infncia em desenhos e fotografias | Marcia Aparecida Gobbi

    1347

    A educao no-escolar no quotidiano das crianas: O contributo da atividade ldica | Ilda Freire-Ribeiro, Maria Jos Rodrigues, Lus Pinto Castanheira

    1355

    Infncia Indgena: As crianas Sater-Maw como produtoras de culturas | Roberto Sanches Mubarac Sobrinho

    1365

    Pesquisa brasileira recente em gnero, infncia e desempenho escolar | Fbio Hoffmann Pereira

    1374

    O contexto educativo das crianas em acolhimento familiar: Evidncias do quotidiano, reptos para o futuro | Vnia S. Pinto, Paulo Delgado

    1382

    PACC - Produo afro-cultural para a criana: A construo da identidade da criana negra brasileira | Leunice Martins Oliveira, Stira Pereira Machado, Maria Elisabete Machado, Germana Nery Machado

    1391

    A escolarizao no cotidiano de crianas em situao de trabalho, em zona rural | Indira Caldas Cunha Oliveira, Rosngela Francischini

    1399

    Prticas de cuidado e educao desde o ponto de vista e foras do desejo dos bebs e crianas bem pequenas | Ana Cristina Coll Delgado, Marta Nrnberg, Francine Almeida Porcincula Barbosa

    1405

    A fotografia pinhole e a vivncia de um processo | Maria Cristina Stello Leite 1413 Partilha de boas prticas: Msica e poesia- Para uma participao efetiva, responsvel e autnoma na vida escolar | Joana Nogueira, Regina Pires

    1420

    Prticas de atendimento criana pequena em Francisco Beltro/PR: Um olhar sobre alternativas no institucionais | Caroline Machado Cortelini Conceio

    1429

    Ambiguidades e tenses na relao pedaggica entre crianas e adultos | Marta Nrnberg, Ana Cristina Coll Delgado, Patrcia Pereira Cava, Francine de Vargas Silva

    1437

    Msica e crianas em dilogo: Contribuies da sociologia da infncia | Sandra Mara Cunha 1445 Envolvimento parental e suporte social em contextos inclusivos | Sara Alexandre Felizardo, Esperana Jales Ribeiro

    1453

  • 1296

    Educao de infncia e famlia: Desafios para uma ao educativa integrada | Maria Angelina Sanches, Idlia S-Chaves

    1459

    As impresses e representaes criadas por crianas no Parque do Ibirapuera na cidade de So Paulo | Nailze Neves Figueiredo

    1468

    Autoria infantil: Direito, legitimidade e encantamento | Flavia Lopes Lobo 1479 Brincadeira, educao e psicologia: Percurso histrico e interrelaes | Carmem Virgnia Moraes Silva, Rosngela Francischini

    1488

    Crianas de Abril. Uma abordagem s questes da educao popular em jardim de infncia | Ana Levy Aires

    1496

    Tecnologias e Redes de Aprendizagem Educao compartilhada: Apontamentos de uma formao esttica on-line | Julio Pancracio

    Valim 1505

    Currculo e tecnologia: Perspectivas de integrao no cotidiano escolar a partir de projetos governamentais | Marlia Beatriz F. Abdulmassih, Dinamara P. Machado

    1513

    Na interseco da educao no-formal e informal, uma experincia piloto de e-learning em organizao e animao de bibliotecas, com animadores/as socioculturais | Ana Silva

    1524

    Juventude e cultura digital: A zona leste de Uberlndia em questo | Joo Augusto Neves, Arlindo Jos Sousa Jr

    1536

    A centralidade da ateno no ensino e aprendizagem na escola global: Entre quadros normativos e estratgias de informalidade | Nuno Ferreira

    1547

    Midiatizao: Modos de ser jovem e ser aluno no contexto da cultura contempornea | Cirlene Cristina de Sousa, Geraldo Magela Pereira Leo

    1558

    Educao escolar, uso das TIC pelas crianas e mediao familiar | Pedro Silva, Ana Diogo, Carlos Gomes, Conceio Coelho, Conceio Fernandes, Joana Viana

    1568

    Inter-relaes entre espaos-tempos no-formais e formais de aprendizagem na educao superior: Limites e possibilidades dos recursos da World Wide Web | Marcos de Abreu Nery

    1580

    O processo de formao de mediadores em EAD no Centro Paula Souza e na Univesp | Dilermando Piva Jr, Elizabete Briani M. Gara, Marcio L. Andrade Netto, Waldomiro P. D. de C. Loyolla

    1590

    Potencialidades do software educativo na promoo da interao social das crianas com autismo: Contributos de um estudo qualitativo | Vanessa Benigno, Belmiro Rego, Sara Felizardo

    1601

    Processo de produo de materiais didticos: O modelo da Univesp e Centro Paula Souza | Dilermando Piva Jr, Marcio L. Andrade Netto, Waldomiro P. D. de C. Loyolla, Elizabete Briani M. Gara

    1610

    Evaso no ensino distncia Um estudo de caso no curso de segurana do trabalho no campus So Gonalo do Amarante RN | Andr Luiz Ferreira de Oliveira

    1620

    Aprendizagem informal online | Joana Viana 1636 Entraves na integrao curricular das tecnologias e redes de aprendizagem no 5 ano do ensino fundamental | Andra Patricia Lins Silva

    1644

    @prender Web comunicao, simulao, MDV3Ds e comunidades de aprendizagem como novas prticas educomunicacionais | Malizia Pierfranco

    1652

    Outros Espaos e Tempos de Aprendizagens Experincias brasileiras de Educao Integral: Os diferentes usos dos espaos e dos tempos de aprendizagem e suas implicaes | Lcia Helena Alvarez Leite, Brbara Ramalho

    1663

  • 1297

    Tempo escolar fora da escola: O caso das explicaes em Seoul, Braslia e Lisboa | Antnio Neto Mendes, Alexandre Ventura, Jorge Adelino Costa, Andreia Gouveia

    1671

    Classe hospitalar: Educao formal fora dos muros da escola | Maria Alice de Moura Ramos 1682 Experincias e aprendizagens de egressas do sistema penitencirio paraibano | Helen Halinne Rodrigues Lucena, Timothy Denis Ireland

    1692

    Racionalidades e informalidades no ensino domstico em Portugal | lvaro Ribeiro 1700 Situaes de hospitalizao, aprendizagem e escolarizao: Dilogos entre o no-formal e o formal no processo de ensino e aprendizagem da criana deficiente | Marco Antonio Melo Franco, Leonor Bezerra Guerra, Alysson Massote Carvalho

    1709

    Duplicao curricular ou emergncia de outra escola? Uma anlise com base em centros de explicaes de Lisboa | Catarina Rodrigues, Jorge Adelino Costa

    1719

    Pedagogia expressiva criativa: Uma formao transversal para professores, construda a partir da criatividade, do movimento, e do uso das TICs (Tecnologias da Informao e Comunicao) | Max Gnther, Haetinger, Rui Trindade, Ariana Cosme

    1728

    Os conhecimentos da Educao Fsica no exame nacional do ensino mdio ENEM | Jos Arlen Beltro, Leopoldo Katsuki Hirama, Paulo Csar Montagner

    1736

    A sala de aula como um lugar de dilogo de saberes | Ana Lcia Souza Freitas 1743 Ter em conta a primeira lngua para a aprendizagem do francs pelos alunos emigrantes: O caso dos alunos portugueses no sistema escolar francs ou a posio do professor no detentor do saber | Elisabeth Faupin

    1751

    Cidade, educao e polticas pblicas: Qual o espao da educao no formal e informal nas polticas educacionais? | Reinaldo Pacheco

    1760

    O trabalho em rede e sucesso escolar: Uma estratgia para a melhoria das escolas | Marisa Silva, Helena Costa Arajo, Sofia Marques Silva

    1766

    Conselho de escola (ce): Espao de educao no-formal na escola | Cileda dos Santos SantAnna Perrella

    1771

    A capoeira na escola: Caminhos possveis de seu ensino | Paula Cristina da Costa Silva 1779 Da relao com a formao formao como relao. Vivncias, experincias e (re)significaes em processos de formao para a incluso | Patrcia de Oliveira Ribeiro

    1787

    Do que falamos quando falamos de abandono escolar | Maria lvares, Pedro Estvo 1794 A retrica do no-formal e a expanso da forma escolar na poltica de escola a tempo inteiro | Carlos Pires

    1802

    A relao pedaggica: O que existe para l da palavra? | Joana Manarte, Amlia Lopes, Ftima Pereira

    1809

    As relaes de poder na escola pblica: Entre o formal, o no-formal e o informal | Amlia Cndida Gonalves Fernandes, M. Custdia J. Rocha

    1815

    Dilogos em roda: Uma prxis pedaggica possvel com a educao formal e no-formal | Maria Elisabete Machado, Leunice de Oliveira Martins

    1826

    Os espaos e tempos de aquisio da lngua brasileira de sinais (LIBRAS): Uma anlise do desenvolvimento de crianas surdas | Simone D`Avila Almeida, Mrcia Denise Pletsch

    1834

    A evaso em projetos socioeducativos esportivos: Inadequao de propostas ou liberdade de escolha? | Leopoldo Katsuki Hirama, Jos Arlen Beltro Matos, Cssia dos Santos Joaquim, Jilvania dos Santos Santana, Natally Oliveira Santos, Paulo Cesar Montagner

    1844

    Experincias escolares significativas: Encontros e desencontros entre perspetivas de alunos e de professores | Slvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral

    1850

    Olhar a diferena na igualdade da presena | Zlia Maria Gonalves, Maria Rosrio Ferreira 1859

    Jovens, experincias e aprendizagens na educao do campo: Desafios e perspectivas de estudantes do ensino mdio integrado no IFRN/Brasil | Mrcio Adriano Azevedo, Andrezza Maria Batista do Nascimento Tavares, Snia Cristina Ferreira Maia

    1868

  • 1298

    O no-formal e o formal no ensino superior: Valorizao das aprendizagens adquiridas em contexto de trabalho e de vida | Ana Luisa de Oliveira Pires

    1876

    O dilogo entre educao formal e no-formal como alternativa para uma educao de qualidade | Joelma Maral

    1886

    A experimentao no caminho da Educao no-formal e informal. A Educao Fsica/Desporto como um bom exemplo | Antnio Camilo Cunha

    1892

    O marketing escolar numa era de modernidade liquida | Isabel Farinha 1898 Educao, moral e ps-modernidade. As perspectivas da teoria sociolgica de Durkheim frente aos desafios da educao contempornea | Marcelo Augusto Totti

    1908

    Alguns aspectos sociolgicos do entrecruzamento de educao formal e no-formal | Stefan Klein

    1915

    Cotas raciais e mercado de trabalho: O caso dos egressos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) | Marluce de Souza Oliveira Lima, Joanna de ngelis Lima Roberto

    1921

    Cesteiro que faz um cesto, faz um cento: Da importncia do no formal na construo da Escola como espao pblico do conhecimento | Joaquim Almeida Santos

    1929

    Articulaes entre a educao formal e a no-formal: Possibilidades escola pblica brasileira em tempos de avaliao em larga escala | Elton Luiz Nardi, Marilda Pasqual Schneider

    1940

    Alm da forma escolar: Problemas e solues no processo de interao escolar de crianas brasileiras imigrantes em Londres | Denise Hosana de Sousa Moreira

    1948

    Seduo, autonomia e poder: Experimentaes socioeducativas nas escolas | Alexandra Leandro

    1956

    A contribuio da teorizao foucaultiana para a anlise dos processos de educao no-formal | Julio Groppa Aquino

    1962

    A educao como um dever e uma filosofia de vida: Trajetrias educativas atpicas no contexto de emigrao | Paula Guimares, Clarisse Faria-Fortecef

    1970

    Assembleia de delegados: Ecos de uma direo autnoma e democrtica? | Elisabete Ferreira, Paulo Frana

    1978

    Projeto jornal escola e comunidade. A Tribuna: Uma experincia de educao | Arminda Tereza dos Santos Costa

    1985

    Conselheiros de escola e aprendizagens necessrias prtica democrtica | Cileda dos Santos SantAnnaPerrella

    1993

    A educao no formal e informal na escola atravs de programas de assistncia estudantil: O caso do Instituto Federal do RN Brasil | Monica Arajo da Costa Nunes Dantas, Eduardo Janser de Azevedo Dantas

    2001

    A educao formal e no-formal no mesmo espao | Jorge Alberto Lago Fonseca 2011

    Relao com o saber em espaos no formais de educao e suas potencialidades na melhoria da qualidade em escolas da periferia do Rio de Janeiro | Wania Gonzalez, Lalia Portela Moreira

    2018

    Transio de ciclos, agrupamentos de escolas e inovao educacional: Contributos da investigao multimtodo | Maria Margarida da Rocha Barbosa, Rosa Maria Silva S, Joo Paulo da Silva Miguel

    2026

    A relevncia das atividades de enriquecimento curricular para a aprendizagem da msica: Um estudo na transio do 1. para o 2. ciclo do ensino bsico | Mrcia Ribeiro, Ana Paula Cardoso

    2033

    As atividades de enriquecimento curricular na rea de msica: Desmistificando o carter ldico e informal proposto nos documentos orientadores a partir de um estudo de caso | Snia Rio Ferreira, M. Helena Vieira

    2039

    Afetos ambientais na educao escolar Guarani | Rosemary modernel-Madeira, Malvina do Amaral Dorneles

    2048

    A educao social nas interfaces do sistema educativo: Um estudo de caso de integrao escolar a partir do empowerment comunitrio | Joana Faria

    2061

  • 1299

    Propsito de um programa de lazer no IFRN Cmpus Pau dos Ferros: Analisando a participao dos servidores/atores | Amilde Martins da Fonseca, Rosalva Alves Nunes, Maria Custdia Jorge da Rocha

    2069

    Desenvolvimento de competncias pessoais e sociais atravs do desporto em contexto escolar: Uma realidade, um exemplo, | Alexandra Jesus, Maria Joo Rodrigues, Anabela Vitorino, Carla Chicau Borrego

    2079

    A gesto dos tempos educativos no-formais e as atividades de enriquecimento curricular | Paula Maria Sequeira Farinho

    2092

    Novos espaos e formas de aprendizagem: Contributos da mediao | Mrcia Aguiar, Ana Maria Silva

    2102

  • CULTURAS DE INFNCIA, CONTEXTOS E QUOTIDIANOS

  • Culturas de Infncia, Contextos e Quotidianos | ISBN: 978-989-8525-27-7

    Uma experincia desenhada na educao no-formal

    Juliana Aico Moraes Fujishiro Universidade de So Paulo

    [email protected]

    Natasha Caramaschi Del Galo Universidade de So Paulo [email protected]

    Este trabalho apresenta um estudo com as crianas da Ciranda Infantil de um assentamento do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Franco da Rocha, regio metropolitana de So Paulo. A ciranda infantil um espao de educao no-formal dentro dos assentamentos, cujo objetivo organizar as crianas sem-terrinhas em coletividade e desenvolver o trabalho educativo, buscando a emancipao humana. O presente estudo teve o intuito de compreender os espaos do desenho neste contexto, sobretudo reafirmando que os desenhos so fontes documentais, chave para dilogos fecundos a serem estabelecidos entre crianas e estas com adultos e adultas. Um dos desafios desta pesquisa com as crianas sem-terrinhas foi assumir uma metodologia que explicitasse as percepes das crianas e ao mesmo tempo garantisse o papel de coautoras no processo de investigao. Partindo dessa premissa, o procedimento de coleta de dados foi realizado a partir dos desenhos feitos pelas crianas ao longo das nossas experincias na Ciranda. Realizados em determinados contextos sociais, culturais e histricos, os desenhos so riqussimos artefatos culturais, uma alternativa metodolgica nas pesquisas com crianas, abrindo um leque de possibilidades que apresentam o desenho como interlocutor, no para encontrar uma explicao para as formas e para as cores de suas obras, mas para experimentar mergulhar no mundo invisvel de seu pensamento que, atravs da imagem grfica, tornou-se visvel e que pode ajudar-nos a entrar na complexidade da mente do autor. (Staccioli, 2011) Observou-se que o desenho se apresenta nas paredes, nos cadernos, mas sempre a mesma casa, o mesmo sol, a mesma rvore, as mesmas linhas. So desenhos estereotipados, invisveis. Esses desenhos enrijecidos, como afirma Derdyk, so fruto da supremacia do olho sobre a mo e o corpo, da perda do sentido ldico e original que carrega a palavra desenho. Ainda assim, desvelam atravs de suas metforas visuais (Staccioli, 2011), aspectos da infncia de meninos e meninas sem-terrinhas que se desdobram em mltiplas anlises dos mais diferentes elementos constituintes destes desenhos. Entretanto, cabe a ns discutir a importncia do desenho como artefato cultural e ferramenta metodolgica. Por fim, reafirma-se a relevncia dos estudos da imagem, neste caso do desenho, para se conhecer, bem como lanar novos olhares para essa infncia sem-terrinha, que se apresenta para todos que queiram olh-las.

    Palavras-chave: movimento social, ciranda infantil, desenho. Introduo

    Como pesquisadoras do grupo de estudos Sociologia da Imagem, Artes e Infncias, buscamos nos desenhos das crianas pequenas uma ferramenta metodolgica de anlise, compreenso e acesso s culturas produzidas por elas. As pesquisas com diferentes linguagens permitem considerar uma perspectiva no centrada no adulto ou

    mailto:[email protected]:[email protected]
  • Uma experincia desenhada na educao no-formal

    1303

    adulta, desta maneira as crianas assumem o papel de co-participantes dos procedimentos de pesquisa.

    No desafio de desenvolver pesquisas acadmicas que reflitam sobre metodologias que realmente tenham como foco meninas e meninos em suas distintas formas de expresso considerando ento seus modos de ver, suas experincias e seus pontos de vista, objetivando confluir tais conhecimentos queles construdos pelos adultos (as) que pesquisam, estudam ou trabalham diretamente com as crianas, optou-se por eleger o desenho como nossa fonte documental. No se trata de complementaridade meramente instrumental aos dados coletados, mas de garantia de presena desta manifestao infantil e busca pela compreenso da mesma alm das anlises j empreendidas, que tm nas etapas do desenvolvimento do desenho o foco central.

    Durante parte do ano de 2012 concentramos nossos olhares para as crianas de um assentamento do MST na regio da Grande So Paulo. O que ora se apresenta a pesquisa que buscou compreender os modos de ver, as experincias, os pontos de vistas destas crianas sem-terrinhas frequentadoras das cirandas infantis.

    O desenho representa olhares, percepes e ideias dos pequeninos e pequeninas sobre este mundo anunciado. a manifestao dos medos e anseios de uma criana, somados e realizados em determinados contextos sociais, culturais e histricos. Ao desenhar eles se projetam para o mundo, documentam seus mundos no desenho. Uma entre tantas linguagens e manifestaes expressivas essenciais para a criana pequena, o desenho como ferramenta metodolgica uma fecunda fonte de informao e dilogo entre crianas e estas com adultos e adultas. Partindo dessa premissa, qual o espao do desenho nas cirandas infantis? O que os desenhos das crianas sem-terrinhas nos mostram, que mundo anunciam? O movimento dos trabalhadores sem terra e suas crianas

    Antes de se pensar e compreender aspectos da infncia de meninos e meninas sem-terrinhas diante das suas metforas visuais necessrio que se contextualize de que grupo de crianas se pretende falar, crianas estas inseridas num movimento social.

    O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, conhecido por MST, surge no Brasil no incio da dcada de 1980 como movimento social de resistncia represso sofrida por trabalhadores rurais e urbanos durante o regime militar no pas.

    Em sua primeira organizao, em Cascavel, no estado do Paran, os trabalhadores rurais coordenaram diversas aes de ocupao de terras que culminaram no estabelecimento de acampamentos que posteriormente eram legalizados e divididos em lotes para as famlias ento chamadas de assentadas.

    Desde o incio da formao dos acampamentos uma grande preocupao dos trabalhadores do movimento a manuteno da vida em comunidade, disseminando os valores socialistas na educao dos mais jovens, perpetuando o esprito revolucionrio de luta que leva a mobilizaes.

    Nesse universo surgem as cirandas, espaos educativos onde as crianas sem-terrinhas constroem as relaes entre si, com as pessoas adultas e com a comunidade. Aprendem a viver coletivamente, aprendem a respeitar o seu companheiro e fazer amizade com as outras crianas (Rosseto,2011, p. 91,). Ainda segundo Rosseto (2011), as cirandas so espaos de vivncia das crianas, que possuem uma cultura infantil e

  • Juliana Aico Moraes Fujishiro, Natasha Caramaschi Del Galo

    1304

    que deve ser pensada levando em conta a condio social de ser criana neste lugar, um movimento social de luta pela terra.

    As cirandas infantis so espaos de educao no formal, isto , sem vnculo com o sistema educacional do pas, mantidas por cooperativas, centros de formao e pelo prprio MST, que tm por objetivo desenvolver o trabalho educativo, cuja perspectiva da emancipao humana. A principio a ciranda infantil era uma opo para aquelas famlias que o homem e a mulher trabalhavam para o sustento da casa. Com o tempo as cirandas passaram a ser pensadas como parte do processo educativo das crianas sem-terrinhas.

    Nas cirandas ficam crianas de 0 a 12 anos no perodo que no esto na escola. Com forte dimenso de coletividade, as cirandas unem num mesmo espao e tempo crianas de diferentes faixas etrias.

    Com valores cultivados pelo MST a ciranda um espao educativo com o objetivo de trabalhar as vrias dimenses de ser criana sem-terrinha, como sujeito de direitos, com valores, imaginao, fantasia, vinculando as vivncias do cotidiano, as relaes de gnero, a cooperao, a criticidade, e a autonomia. (Rossetto, 2011, p. 84-85)

    A pesquisa apresentada ao longo deste texto foi realizada na Comuna da Terra Dom Toms Balduino, assentamento do MST localizado em Franco da Rocha. Lugar este que frequentamos e estivemos. As visitas foram poucas, mas as experincias intensas. Desenho como objeto de estudos e ferramenta metodolgica

    Construir olhares metodolgicos para investigar as infncias das crianas sem terrinha que frequentavam aquela ciranda foi um grande desafio. Como contemplar uma realidade to diversa distanciando-se da naturalizao perpetuada pelo senso comum? Como falar de meninos e meninas que, de forma to rica e plural, empreendem seus processos de significao do mundo e de criao de culturas?

    Perguntas como essas se estruturam a partir de uma concepo muito particular de crianas e infncias, bem distante das verdades apregoadas pelo senso comum. Na expectativa de construir prticas de pesquisa que enaltecessem a voz da criana nos deparamos com uma dificuldade:

    o paradoxo maior da expresso ouvir a voz das crianas reside no apenas no facto de que ouvir no significa necessariamente escutar, mas no facto que essa voz se exprime frequentemente no silncio, encontra canais e meios de comunicao que se colocam fora da expresso verbal, sendo, alis, frequentemente infrutferos os esforos por configurar no interior das palavras infantis aquilo que o sentido das vontades e das ideias das crianas. Mas essas ideias e vontades fazem-se ouvir nas mltiplas outras linguagens que as crianas comunicam. (Sarmento, 2011, p.28)

    As crianas sem-terrinha so, a partir desse olhar, sujeitos de direitos, cidados

    completos que pertencem a uma estrutura social desigual e que apesar do cenrio de marginalizao criam e recriam culturas atravs de suas inmeras linguagens expressivas.

    Em virtude de nosso particular apreo pela linguagem do desenho ambas pesquisamos o desenho das crianas em contextos diferentes do Assentamento o

  • Uma experincia desenhada na educao no-formal

    1305

    elegemos como linguagem expressiva a ser privilegiada, procurando suas manifestaes e diferentes momentos da experincia em campo.

    Os desenhos das crianas tm sido objetos de estudo de diferentes cincias que construram, ao longo do tempo, diferentes correntes tericas que investigam, fundamentam e analisam as linhas e traos que crianas fazem. Talvez pelo desenho ser um raro gesto autnomo da criana, sem a tutela de adultos, haja essa atmosfera misteriosa de que o desenho capaz de desvendar os mistrios infantis.

    Essa perspectiva, de certa forma, inaugura os estudos do desenho. Traos, linhas e cores vistos como manifestaes expressivas do inconsciente, desvelando os conflitos e angstias do indivduo. As relaes entre o desenho e a psicologia do desenvolvimento so bastante estreitas. Apesar desta no ser a perspectiva adotada em nossa pesquisa cabe ressaltar a importncia e atualidade das pesquisas que ainda servem de interlocutoras e fundamentadoras a diferentes estudos na rea de educao atualmente.

    Um dos tericos pioneiros e relevantes da rea Luquet (1969), que centrava seus esforos na busca pelos traos espontneos das crianas, dividindo sua produo grfica em diferentes estgios (realismo fortuito, realismo fracassado, realismo intelectual, realismo visual) influenciando contemporneos como Lowenfeld (1977). Essa perspectiva etapista de ambos congrega a concepo de infncia como sucesso de etapas de desenvolvimento at que se atinja o pice do aperfeioamento, encarando a criana como uma promessa, um futuro sujeito e no como os meninos e meninas criadores de cultura com os quais nossa pesquisa dialoga.

    Outra importante pesquisadora Rhoda Kellogg (1979) que pesquisou 300.000 desenhos de crianas do mundo todo, classificando e analisando os traos que encontrava. Para alm das perspectivas etapistas, ela classificou e registrou 20 rabiscos bsicos presentes nos desenhos infantis e 6 diagramas da forma como esses desenhos se distribuem. Apesar de considerar todos esses movimentos como produtos da espontaneidade infantil ela no descarta o papel relevante e constitutivo da cultura na organizao destes esquemas bsicos, apresentando os desenhos catalogados como rica amostra da pluralidade de formas infantis de rabiscar ao redor do mundo.

    J no campo das artes plsticas vem Edith Derdyk (2010). Para alm das sugestes de etapas pr definidas ela reitera que o ato de desenhar concretiza material e visivelmente a experincia de existir (idem, ibidem:63). A criana guiada pela sugesto de seu gesto e se vale da experincia do desenho para expressar suas representaes da realidade, para agir sobre o mundo que a cerca, intercambiar, comunicar (idem, ibidem:48).

    Essa perspectiva dialoga intensamente com os questionamentos metodolgicos iniciais e auxiliou na fundamentao e estruturao de diferentes pesquisas posteriores que lanaram olhares sobre os desenhos como artefatos culturais e documentos histricos capazes de tecer narrativas que o silncio dos meninos e meninas ocultava. Aliceradas nas proposies da Sociologia da Infncia estruturamos diferentes momentos desenhantes no assentamento para, atravs deles, termos algumas pistas de quem so, o que fazem, o que pensam e principalmente o que desenham as crianas de uma Ciranda do MST. Sem terrinhas desenhantes

  • Juliana Aico Moraes Fujishiro, Natasha Caramaschi Del Galo

    1306

    Os desenhos coletados foram feitos pelas crianas sem-terrinhas em dois diferentes momentos de nossas visitas ao assentamento. O primeiro grupo de desenhos foi realizado durante uma atividade que buscava captar os olhares e percepes das crianas em uma brincadeira chamada Mquina ou Fotgrafo.

    A brincadeira coloca a criana em diferentes posies, ora mquina, ora fotgrafo. Os fotgrafos saem em busca de uma imagem que queiram registrar e retornam para narrar suas escolhas. As mquinas desenham aquilo que os fotgrafos narram, dando vida imagem mental do fotgrafo.

    Essa brincadeira foi feita de modo que todas as crianas foram mquinas e fotgrafos. No dia desta atividade haviam 11 crianas na ciranda, com idades entre 4 e 10 anos. Elas mesmas se organizaram em duplas, e estabeleceram um critrio de agrupamento de crianas maiores com crianas menores, opo esta feita pelas prprias crianas.

    Uma parcela dos desenhos coletados nesta atividade pode ser a seguir.

    Imagem 2 - Desenho produzido na brincadeira mquina ou fotgrafo

    Imagem 1 - Desenho produzido na brincadeira mquina ou fotgrafo

    Fonte: Desenho - Antonio Fonte: Desenho - Anderson

  • Uma experincia desenhada na educao no-formal

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    Imagem 6 - Desenho produzido na brincadeira mquina ou fotgrafo

    Fonte: Desenho - Gabriel

    Imagem 5 - Desenho produzido na brincadeira mquina ou fotgrafo

    Figura 4 - Desenho produzido na brincadeira mquina ou fotgrafo

    Imagem 3 - Desenho produzido na brincadeira mquina ou fotgrafo

    Fonte: Desenho - Isabela Fonte: Desenho - Isabela

    Fonte: Desenho Maria Eduarda

  • Juliana Aico Moraes Fujishiro, Natasha Caramaschi Del Galo

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    Outro momento de coleta dos desenhos foi durante as oficinas Viagem das Percepes e Desenhando no Tecido. Estas oficinas aconteceram no ltimo dia de visita ao assentamento. A oficina Viagem das Percepes consiste na disponibilizao de diversos materiais, dentre eles: tintas guache, cola, papis de todos os tamanhos, cores, texturas, barbantes, botes, fitas, fita adesiva, adesivos, p de caf, acar, sal grosso, sementes, etc. Esta variedade de materiais tem o propsito de oferecer possibilidades para que as crianas explorem as texturas, os cheiros, os sons, a coleta de objetos, segundo seus desejos e vontades. Nada era pedido, os materiais estavam ali caso quisessem inventar, explorar, criar. Essa oficina aconteceu no ptio da ciranda, um ambiente com msica, luz do dia e suportes materiais diversos. Um exerccio ldico de criao e fruio. J na oficina Desenhando no Tecido propusemos que as crianas primeiramente desenhassem o que quisessem em uma transparncia. Aps cada desenho elas, em grupo, escolheriam os desenhos que mais gostassem para compor um desenho no tecido. O retroprojetor projetava cada parte escolhida no tecido. Ento, as crianas com a tinta preta contornavam os traos projetados. E finalmente, pintavam o desenho. Esta oficina aconteceu em duas salas da ciranda. Em uma sala as crianas faziam os desenhos nas transparncias e na outra estava o retroprojetor e o tecido.

    Imagem 9 - Desenho produzido na oficina Viagem das Percepes

    Imagem 7 - Desenho produzido na brincadeira mquina ou fotgrafo

    Imagem 8 - Desenho produzido na oficina Viagem das Percepes

    Fonte: Desenho - Ednei

    Fonte: Fotografia captada por Juliana Fujishiro Fonte: Fotografia captada por Juliana Fujishiro

  • Uma experincia desenhada na educao no-formal

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    Nos primeiros desenhos coletados temos suportes materiais clssicos (lpis e papel) convidando os meninos e meninas a expressarem aquilo que a mquina fotogrfica havia captado. So diferentes representaes que buscam alcanar a perfeio de formas, o desenho figurativo clssico, aquilo que Derdyk chama de herana da misso francesa. A preocupao com a representao fidedigna se exalta em dois casos: primeiramente nos desenhos da balana e do gira gira, onde as linhas geomtricas, endurecidas e friamente controladas oferecem a falsa segurana da representao do real. Uma segunda tentativa de garantir o carter figurativo do desenho aparece nos desenhos que nomeiam, tal qual as professoras da pr-escola, os objetos desenhados. Como se a compreenso da figura fosse comprometida caso no ficasse bem claro que aqueles eram um figo e um abacate, e no uma laranja ou qualquer outra fruta.

    Essas inquietaes, discutidas pertinentemente por Silvio Dworecki em seu livro Em busca do trao perdido, situam o desenhar em um porto de passagem. Uma linguagem que praticamente se extingue com a chegada da escrita. Traos antes to empoderados e potentes que se perdem nas perigosas curvas dos esteretipos. O desenho estereotipado aparece, quase que automaticamente. Junto com a paixo pelos esteretipos as crianas, aos poucos, perdem seus traos, esquecem-se da expresso individual e prpria, deixam de confiar nas mos que desenham.

    Os desenhos vistos nas fotografias captadas durante as outras oficinas tambm deixam evidente a presena de esteretipos. Linhas estreis que formam aquilo que se popularizou como a forma de uma casa. Diferentes suportes (tecido, isopor, acar) servindo de espao para a reproduo daquilo que tido como aceitvel deixando pouco ou nenhum espao para a experimentao e toda a potncia da expressividade. A oferta de diferentes meios materiais para a execuo dos desenhos foi pensada de forma a ampliar o campo de experincias das crianas sem terrinha com o desenho, carregando a ideia que o verdadeiro limite do desenho no implica de forma alguma o limite do papel, nem mesmo pressupondo margens (Mario de Andrade citado por Derdyk, 2010, p.25).

    Em um cenrio to devastado pelas prticas do desenho escolarizado, estereotipado, fragmentado e rotulado felizmente ainda encontramos marcas das histrias e das vivncias destes meninos e meninas que, durante a oficina de desenho no tecido, escolheram nomear a casa como Casa do Che Guevara. Uma escolha que no

    Imagem 10 - Desenho produzido na oficina Desenhando no Tecido

    Imagem 11 - Desenho produzido na oficina Desenhando no Tecido

    Fonte: Fotografia captada por Juliana Fujishiro

    Fonte: Fotografia captada por Juliana Fujishiro

  • Juliana Aico Moraes Fujishiro, Natasha Caramaschi Del Galo

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    poderia passar inclume em meio a tantas linhas impessoais: a escolha de um lder revolucionrio para nomear a casa que era desenhada ali, dentro de um assentamento sem-terra, permeada pela educao e formao ideolgica que o MST tanto preza que acontea em suas Cirandas.

    As escolhas metodolgicas se provam acertadas em situaes como estas. na expresso das diferentes linguagens que reside o silncio que os discursos ocultam. atravs de casinhas como essas, to estereotipadas e impessoais e ao mesmo tempo to peculiares e significativas, que podemos enxergar narrativas de meninos e meninas enraizados em um tempo e um espao. Sem terrinhas que partilham conosco suas vidas atravs de desenhos. Referncias bibliogrficas Abrao, Carolina; Del Galo, Natasha; Figueiredo, Nailze; Finco, Daniela; Fujishiro, Juliana; Gobbi, Mrcia; Leite, Maria Cristina; Viudes, Anita & Silva, Rosa (2012). Sociologia da imagem, artes e infncia: Fotografias e desenhos e seus desafios na pesquisa com crianas na primeira infncia. In III Seminrio de grupos de pesquisas sobre crianas e infncias. GRUPECI 2012 (pp. 38-50). Aracaju. Anais do III GRUPECI. Alves, Bruna Pereira (s/d). Infncia e descoberta: Conhecendo a linguagem da arte, indo de encontro aos esteretipos. Disponvel em: http://www.artenaescola.org.br /pesquise_artigos_texto. php?id_m=87. Demartini, Zeila de B.F (2011). Diferentes infncias, diferentes questes para pesquisa. In Filho, Altino J. Martins & Prado, Patricia Dias (Orgs.), Das pesquisas com crianas complexidade da infncia (pp. 11-26). Campinas: Autores Associados. Derdyk, Edith (1989). Formas de pensar o desenho: Srie pensamento. So Paulo: Scipione. Gobbi, Mrcia A. & Leite, Maria Isabel (s/d). O desenho da criana pequena: Distintas abordagens na produo acadmica em dilogos com a educao. Disponvel em: http://www.ced.ufsc.br/~nee0a6/LEITE.pdf. Gobbi, Mrcia A. (s/d). Mltiplas linguagens de meninos e meninas no cotidiano da educao infantil. Disponvel em: http://portal.mec.gov.br/index.php? option=com_content&view =article&id=15860&Itemid=1096. Gobbi, Mrcia A. (2007). Ver com olhos livres: Arte e educao na primeira infncia. In Ana Lcia Goulart Faria (Org.), O coletivo infantil em creches e pr-escolas (pp. 29-54). So Paulo: Editora Cortez. Gobbi, Mrcia A. (2002). Desenho infantil e oralidade: Instrumentos para pesquisas com crianas pequenas. In Zeila de Brito Demartini Fabri; Ana Lcia Faria & Patrcia Dias Prado (Orgs.), Por uma cultura da infncia: Metodologias de pesquisa com crianas (pp. 69-93). So Paulo: Autores Associados. Gobbi, Mrcia A. (2012). Meninas e meninos das cirandas infantis: Alteridade e diferena em jogos de fotografar. In Educao e diversidade cultural: Desafios para os estudos da infncia e da formao docente (pp. 20-44). Araraquara: Junqueira & Marin Editores.

  • Uma experincia desenhada na educao no-formal

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    Martins, Mirian Celeste; Picosque, Gisa. & Guerra, Maria Terezinha Telles (1998). A lngua do mundo: Poetizar, fruir e conhecer arte. So Paulo: FTD. Moreira, Ana Anglica (s/d). O espao do desenho: A educao do educador. So Paulo: Edies Loyola. Rossetto, Edna (2011). A educao das crianas sem-terrinha nas cirandas infantis. A construo de uma alternativa em movimento. In Ana Lucia Goulart Faria & Daniela Finco (orgs), Sociologia da infncia no Brasil (pp. 81-104). Campinas: Autores Associados. Rossetto, Edna (2008). Essa ciranda no minha s, ela de todos ns: A educao das crianas sem terrinha no MST. Dissertao Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil. Sarmento, Manuel Jacinto (2011). Conhecer a infncia: Os desenhos das crianas como produes simblicas. In: Filho, Altino J. Martins & Prado, Patricia Dias (Orgs.), Das pesquisas com crianas complexidade da infncia (pp. 27-60). Campinas: Autores Associados. Staccioli, Giranfranco (2011). Libert va cercando ... un bambino che disegna. Scuola Dell Infanzia (10. ed.). Firenze: Giunti Scuola. Staccioli, Gianfranco (2011, Agosto). As di-verses visveis das imagens infantis. Pro-Posies, Campinas, 2(22), s/p. Vianna, Maria Leticia Rauen (s/d). Desenhos estereotipados: Um mal necessrio ou necessrio acabar com este mal?. Disponvel em http://www.artenaescola.org .br/pesquise_artigos.php.

  • Culturas de Infncia, Contextos e Quotidianos | ISBN: 978-989-8525-27-7

    Os amigos do facebook: Espaos ldicos e relaes sociais da infncia contempornea

    Alessandra Alcntara Instituto de Educao, Universidade do Minho

    Universidade de Fortaleza [email protected]

    Antnio Jos Osrio

    Instituto de Educao, Universidade do Minho [email protected]

    De acordo com a Sociologia da Infncia, as culturas da infncia exprimem a cultura da sociedade na qual as crianas se inserem, porm representando essa realidade de forma distinta, a partir das relaes que as crianas estabelecem com seus pares e com os adultos, expressando as formas especificamente infantis de simbolizao do mundo. A criana atua ativamente no seu contexto social e a partir dessa atuao constri saberes, estabelece vnculos e produz representaes e prticas culturais. A expresso cultural produzida pela criana gerada tambm nas relaes estabelecidas entre as crianas e as produes culturais dos adultos para elas, e as produes culturais geradas entre elas prprias. Assim, alm da cultura escolar, existe uma gama de produtos pensados para as crianas, ou partilhadas por elas. Entre as formas culturais produzidas pelas crianas, s brincadeiras e jogos infantis ocupam um espao privilegiado, partilhado com seus pares, no qual a criana se apropria, reinventa e reproduz o mundo que a rodeia. Para as crianas contemporneas o espao do ldico vem sendo ampliado pela possibilidade de interao e diverso oferecida pela internet e suas redes sociais, que se apresentam como proponentes de novas maneiras de formar vnculos. Neste contexto, consideramos a brincadeira um fator essencial do desenvolvimento infantil e que, tal como a infncia, ela tambm se constri histrica e socialmente. Assim, buscamos a partir de uma investigao qualitativa, fazendo uso de entrevistas e da observao participante e nos guiando pelo discurso da prpria criana, identificar qual o papel das redes sociais online nas prticas ldicas infantis e no estabelecimento dos vnculos sociais das crianas contemporneas. Nesta fase da pesquisa apresentamos a participao de quatro crianas que conhecem e utilizam pelo menos uma rede social online. Essas crianas nos mostram como resultado que esse tipo de ferramenta se tornou uma possibilidade ldica e de produo de contedo; que os vnculos sociais, assim reconhecidos pelas crianas, so geralmente trazidos de contextos sociais vivenciados no cotidiano da criana, tais como a famlia e a escola.

    Palavras Chave: infncia, ludicidade, redes sociais. Introduo

    O presente texto foi elaborado no quadro da pesquisa de doutoramento em Cincias da Educao Tecnologia Educativa e se prope a apresentar as discusses e resultados parciais de uma investigao que tem como preocupao compreender a funo que a internet desempenha nas atividades ldicas infantis. A discusso aqui traada enfatiza a brincadeira como uma forma de construo cultural partilhada entre a

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    criana e seus pares, na qual a internet e suas redes sociais ganham espao como artefato ldico. 1. No contexto da infncia

    As mltiplas representaes que a sociedade constri da infncia compartilham os mesmos espaos culturais: possvel discutirmos a existncia de uma infncia inocente que precisa ser protegida, assim com discutirmos a infncia e suas relaes com as vrias facetas da violncia e explorao infantil. possvel falar de uma infncia contempornea, versada nas tecnologias digitais, mas tambm apresentar vrias manifestaes culturais e produtos infantis que se mantm associados a uma percepo do modelo de infncia construdo na modernidade (Postman, 1999).

    Independente do discurso assumido, a infncia no deixa de ser o lugar e o espao da criana. Este lugar est desenhado na sociedade globalizada, construdo ao longo de sua histria, em parte pela relao estabelecida desse mundo com o mundo adulto, doutra parte pela produo de uma cultura infantil com identidade prpria. Esta construo expressa a partir da sociedade na qual as crianas se inserem, porm representando a realidade social de forma distinta, nas relaes que as crianas estabelecem com seus pares e com os adultos, manifestando as formas especificamente infantis de simbolizao do mundo. Portanto falamos de vrias infncias, com contextos sociais e vivncias diferentes, deste modo com culturas infantis diversas. Segundo Sarmento (2002, p. 3), a construo histrica da infncia foi o resultado de um processo complexo de produo de representaes sobre a criana, de estruturao de seus quotidianos e mundos de vida e, especialmente, de constituio de organizaes sociais para as crianas. Esta construo no acontece de maneira isolada, mas decorrente de vrios acontecimentos sociais, sendo a escola, a famlia e os meios de comunicao instncias que esto intrinsecamente relacionadas a este fenmeno.

    Responsvel pela construo de sua cultura, a criana o ator social, sujeito concreto que d sentido e movimento a categoria social conhecida como infncia (Sarmento, 2002) e que se define como tal a partir das etapas de desenvolvimento humano, seja ele psquico, cognitivo e/ou motor. Por isso no possvel considerar hoje a criana como um ser passivo, nem pensar na infncia apenas como um perodo de preparao para a fase adulta. Por sua atuao no contexto social a criana constri saberes, estabelece vnculos e produz representaes e prticas culturais.

    A infncia contempornea, como em outras pocas, se transforma e assume novas feies. Esse processo de transformao em parte sustentado pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicao e informao, mas tambm pelas mudanas que ocorrem marcadamente em seus cotidianos, pois as instncias socializadoras so redefinidas, a escola passa por transformaes que a coloca em crise entre duas posies: disciplina e autonomia; a dinmica familiar tambm sofre transformaes, tanto no seu papel, como em sua constituio, a criana passa a ocupar um lugar central da ateno e cuidados familiares (Barra, 2004; Sarmento, 2004).

    As crianas participam ativamente da sociedade de consumo, inclusive no que se refere ao consumo de artefatos tecnolgicos, na busca de visibilidade e pertencimento a uma sociedade que visa no s a aquisio de bens materiais, mas tambm a aquisio de significados e representaes que permitem a busca da satisfao de desejos, tanto quanto a busca de uma identidade (Momo, 2008). Na contemporaneidade, as crianas tambm so apresentadas como desbravadores que sem medo das novidades enfrentam

  • Alessandra Alcntara, Antnio Jos Osrio

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    com ousadia e criatividade o desconhecido (M. Barra, 2004), buscam autonomia, esto motivadas para desenvolver sua prpria forma de aprender e de interagir com o mundo adulto, acrescentando elementos novos cultura (Corsaro, 2011).

    A proposta de representao da infncia como desbravadores de novas formas de conhecimento em parte deriva da perspectiva de que as tecnologias digitais possibilitam novas formas de cultura e comunicao interativas. Os computadores e mais fortemente a internet teriam um enorme potencial para a educao, pois oferecem criana oportunidades diferenciadas de comunicao, criatividade, e de socializao.

    Assim, se por um lado as crianas passaram a ter mais acesso ao mundo adulto e a uma srie de riscos percebidos por meio da interao com as mdias eletrnicas, por outro, a forma com as quais elas se apropriam desses contedos e se relacionam com essas mdias, influencia novos saberes, formas de relacionamento, percepes de mundo e reconhecimento que dependem dos processos de significao das prprias crianas e num outro contexto, dos adultos que constroem um discurso sobre e para elas.

    Muitos desses discursos apresentam posies claramente otimistas sobre o uso das tecnologias pelas crianas e jovens, nos quais as crianas deixam os papeis de vtimas dos poderes negativos das mdias e passam a serem manipuladores de mdia, assumindo os papeis de agentes de transformao da sociedade. Alguns pontos so colocados como fundamentais para que essa inverso de papeis tenha acontecido. A internet apresentada como ativa, democrtica e interativa, permitindo a construo de novas redes sociais e comunidades, portanto seus usurios estariam se tornando criativos, independentes, confiantes, colaborativos, tolerantes e estariam construindo uma nova cultura totalmente diferente daquela da gerao anterior (Tapscott, 2009).

    Por outro lado, apesar de banir a ideia da criana como consumidora passiva de mdia, esse otimismo exagerado pode esconder questes mais desconfortveis que passam pelo entendimento de como as tecnologias so concebidas, produzidas e comercializadas e como so usadas de fato pelas crianas.

    A interao da criana com a internet e suas ferramentas vem sendo sujeito de intenso debate. A internet como um poderoso veculo de comunicao interativo (Barra, 2004, p. 62), presente no dia-a-dia das crianas contemporneas protagoniza uma srie de inquietaes acerca do acesso aos seus contedos, usos, exposio e riscos que acaba por provocar as mais diversas necessidades de investigao, ora com o objetivo de proteo infncia, ora por necessidade de controle e manuteno da infncia dentro de padres morais e relacionais estabelecidos, ou ainda como forma de conhecer a realidade infantil e de preparar o adulto para intervir e se relacionar de forma produtiva com a nova gerao e a permanente perspectiva de mudanas. Neste sentido devemos deixar de lado as certezas do mundo adulto, nos aproximar da realidade construda pela criana, seu cotidiano, e formas de apropriao das tecnologias, mesmo que no tenhamos ainda um quadro bem definido de como isso acontece. Devemos buscar identificar as competncias que as crianas tm ou devem desenvolver para tratar com a tecnologia. Por ser um processo histrico e cultural, a ideia de infncia avana, nesse contexto afirma Buckingham (2007, p. 295),

    No podemos trazer as crianas de volta ao jardim secreto da infncia ou encontrar a chave mgica que as manter para sempre presas entre seus muros. As crianas esto escapando para o grande mundo adulto um mundo de perigos e oportunidades onde as mdias eletrnicas desempenham um papel cada vez mais importante. Est acabando a era em que podamos esperar proteger as crianas desse mundo. Precisamos ter a coragem de prepar-las para lidar com ele, compreende-lo e nele tornar-se participantes ativas, por direito prprio.

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    As crianas apreendem de forma criativa aquilo que vem do mundo adulto,

    reinventando-o, reproduzindo-o e se apropriando de significados e representaes que so partilhados entre elas e seus pares num espao privilegiado que muitas vezes escapam a interveno do adulto. nesse mesmo espao e tempo que produzida a cultura de pares, um conjunto de atividades, rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianas produzem e compartilham (M. Barra, 2004; Corsaro, 2011; Montandon, 2001). Nesse espao de partilha as crianas aprendem com outras crianas, na relao que se estabelece entre elas. Os pares so aquelas crianas que fazem parte de um grupo com as quais habitualmente se partilham os mesmos espaos (Corsaro, 2011). A convivncia entre os pares fundamental na construo das relaes da criana com o outro e com o mundo que a rodeia, contribuindo, juntamente com as demais instncias sociais como a famlia, a escola e outras, para que ela entre em contato com vrias realidades e construa seus prprios valores e atitudes. 2. Brincadeiras de hoje

    A brincadeira um dos espaos privilegiados onde as formas culturais produzidas pelas crianas so transmitidas e se desenvolvem. Como espaos sociais as brincadeiras no so inatas, as crianas aprendem a brincar e esse aprendizado se d a partir dos elementos presentes na cultura, que definem as atividades ldicas. Portanto a criana brinca de acordo com a educao e as referncias que recebe. a partir dessas referncias que a criana assimila, representa e significa sua cultura (Brougre, 1998). Essa possibilidade simblica converge para a brincadeira um apanhado de recursos que permitem criana viver a cultura que a cerca e integrar-se a ela, ao mesmo tempo em que possibilita seu desenvolvimento nos aspectos motores, afetivos, psquicos, moral e social. Por ser de natureza essencialmente interativa, o brincar se constitui como pea fundamental para o desenvolvimento da aprendizagem, mas tambm da construo das relaes sociais; alm de aprender a brincar, a criana aprende a se relacionar com o outro, com seus pares.

    Mesmo sendo um espao reconhecidamente infantil, as brincadeiras no esto desvinculadas da cultura adulta. Faz parte do processo de assimilao do acervo cultural da criana o acesso e a manipulao das construes culturais que os adultos operam sobre e para ela, a partir de sua compreenso e representao do universo infantil. Essa interveno se configura em elementos caractersticos das culturas infantis, tais como os brinquedos (Barra & Sarmento, 2006; Brougre, 1998). O brinquedo, assim como a brincadeira, no so elementos independentes de um contexto histrico e social determinado. Esses objetos carregam significados e representaes da infncia. A cultura fornece muitas fontes de apropriao dessas representaes e o brinquedo uma delas, pois se ele traz para a criana um suporte de ao, de manipulao, de conduta ldica, traz-lhe, tambm, formas e imagens, smbolos para serem manipulados (Brougre, 1997, p. 40-41).

    Neste contexto, as tecnologias de informao e comunicao vm tomando espao no cotidiano e nas brincadeiras da infncia contempornea, compondo o seu universo ldico. Desse universo so representantes os videogames, os computadores, e a internet. Estes dispositivos, tais como as brincadeiras infantis, esto impregnados de valores, modelos de estilos de vida e ideologias que representam a cultura em que se inserem e que os tornam tambm agentes socializadores. Na interao com esses

  • Alessandra Alcntara, Antnio Jos Osrio

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    brinquedos eletrnicos as crianas desenvolvem novas formas de conhecimento e de interao com o outro (Alves, 2005), tendo como referncia uma variedade de formatos que possibilitam vivncias ldicas e a construo de representaes sociais partilhadas (Aranha, 2004).

    As novas tecnologias vm exercendo grande atrao nas crianas, transformando-se em fonte de experincias ldicas prazerosas. A possibilidade de utilizao de recursos como: sons, imagens, textos e interatividade contribuem para cativar a criana que manipula esses dispositivos a partir de seus interesses, necessidades e ritmo; dentre eles destaca-se a internet, considerada uma poderosa fonte de cultura e socializao (Barra & Sarmento, 2006), pois permite s crianas se relacionar com uma gama imensa de informaes e conhecimentos, se comunicar com pessoas de qualquer lugar do mundo, conhecer outras culturas e construir sua prpria ideia de mundo.

    As possibilidades que a internet traz para o cotidiano infantil no esto isentas de riscos, muitas vezes associados exposio da criana na rede, como a contedos considerados inadequados, uso indevido de dados pessoais ou negligenciar as outras esferas de seus contextos sociais, como a escola ou os amigos. Mesmo que esses riscos sejam de alguma maneira conhecidos ainda h a possibilidade do desconhecimento das formas de proteo que podem ser adotadas, ou mesmo conhecidas, que elas no sejam praticadas (Monteiro, 2011). 3. Brincando com os amigos do facebook

    As discusses apresentadas alimentam questes acerca da vivncia ldica da criana na internet, foco do estudo que aqui expomos parcialmente. Deste modo, propomos uma investigao cuja problemtica identificar o lugar ocupado pela internet na ludicidade infantil, dando voz s prprias crianas para discutirmos como a internet representada por ela no dia a dia e qual a funo que a internet desempenha nas suas brincadeiras, com destaque para o uso das redes sociais e as possibilidades de construo de vnculos sociais. Consideramos a criana um participante ativo no processo de investigao, portanto partimos do ponto de vista da prpria criana para estabelecer as relaes entre os vrios aspectos levantados neste percurso.

    Optamos por uma metodologia de carter qualitativo, pois o que estudamos resulta de uma interseo de situaes e prticas que devem ser estudadas em seu contexto dirio, respeitando a sua diversidade. Assim, a pesquisa qualitativa atenderia essa expectativa por apresentar, segundo Bogdan & Biklen (1994), as seguintes caractersticas: preocupao com o contexto, o interesse maior pelo processo e no simplesmente pelo resultado, os dados tendem a ser analisados de forma indutiva; o significado que as pessoas atribuem s suas experincias tem grande importncia na anlise dos dados. Utilizamos a observao participante e a entrevista como ferramentas metodolgicas na compreenso das relaes e cotidianos infantis. Optamos por privilegiar a interao e a espontaneidade dos encontros, sem determinar as atividades antecipadamente. Os dados foram recolhidos em dirio de campo, permitindo um exerccio analtico e de interpretao. Participaram deste momento 04 crianas, sendo trs meninos com idades de 7, 8 e 11 anos e uma menina com idade de 12 anos. Em todos os encontros as crianas estavam acompanhadas por um adulto responsvel. As quatro crianas possuem pginas pessoais na rede social facebook.

  • Os amigos do facebook

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    3.1 Sobre as possibilidades ldicas das redes sociais:

    As crianas participantes deste grupo usam a internet todos os dias. As maiores (11 e 12 anos) realizam pesquisas para a escola, utilizam ferramentas de busca para ajudar nas tarefas escolares, buscam informaes e imagens com destreza e rapidez. Uma vez as tarefas terminadas e as obrigaes cotidianas (como aulas de lnguas, ou esporte) concludas, a internet possibilita momentos de descontrao e divertimento, quando utilizada para brincar com os jogos online preferidos ou atualizar as pginas do facebook, que mantm h mais de um ano. O uso das redes sociais considerado para essas crianas como uma possibilidade de atividade ldica na internet.

    Eu estou sempre atualizando meu facebook. Descobrindo coisas e postando na minha pgina. Eu acho isso muito divertido. (Menino, 11 anos)

    Quando eu acho uma coisa legal e divertida, eu coloco logo no meu facebook. (Menina, 12 anos)

    Para as crianas menores (7 e 8 anos), a internet rapidamente associada a

    diverso e a possibilidade de brincar com jogos online. Apesar de exibirem um perfil na rede social h mais de trs meses, as crianas deste grupo a utilizam para acessar a determinados jogos.

    Tem uns jogos bem legais no facebook. (Menino, 7 anos)

    Eu tenho facebook, mas o que eu gosto de jogar. (Menino, 8 anos)

    3.2 O que dito e mostrado nas redes sociais:

    As crianas mais velhas utilizam o facebook como uma forma de partilhar com os amigos um pouco do que gostam, as suas descobertas e seus interesses. Constroem seu perfil a partir de atividades que fazem e que curtem, muitas vezes produzindo o seu prprio contedo, tais como fotos, imagens e textos, outras vezes compartilhando contedos que consideram divertidos, ou que traduzem atitudes sociais consideradas por eles como positivas, para isso divulgam fotos, cartazes ou citaes de livros.

    Todo mundo sabe que eu toro por esse time e que eu gosto de jogar futebol! s olhar no meu facebook. T l! (Menino, 11 anos)

    Eu vivo postando fotos da minha banda preferida. Quando tem alguma novidade, eu compartilho no meu facebook.

    Quando eu vejo alguma coisa legal, assim... que traz uma mensagem para as pessoas, eu gosto de compartilhar. (Menina, 12 anos)

  • Alessandra Alcntara, Antnio Jos Osrio

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    3.3 Os amigos do facebook:

    As crianas entrevistadas no percebem o facebook como uma maneira de

    fazer novos amigos, mas uma maneira de manter contato com pessoas que conhecem, como familiares, amigos e colegas da escola. Os pais esto sempre presentes nas pginas destas crianas, o que significa que eles tambm possuem perfil na rede social. Em todas as pginas das crianas entrevistadas foram encontradas postagens dos pais, como fotos e comentrios. Para as crianas menores, os pais tambm so aqueles que postam os contedos nas pginas das crianas. Quando perguntados sobre a razo de ter um perfil no facebook, alm dos jogos, os pais foram uma fonte de influncia.

    Meu pai tem e minha me tambm, a eu queria ter um facebook. Ento eu pedi pro meu pai e ele fez o meu. (Menino, 8 anos)

    Foi minha me que fez o meu. A minha irm j tinha e eu no. (Menino, 7 anos)

    As crianas mais velhas percebem a utilizao das redes sociais como uma

    forma de pertena a um grupo. Nestes casos, os amigos, que j tinham perfil no facebook, servem de modelo.

    A minha amiga queria me adicionar no facebook, e eu no tinha o meu. s vezes ela queria me mostrar alguma coisa e eu no tinha como acessar. (Menina, 12 anos)

    Todos os meus amigos da escola tem facebook. (Menino, 11 anos)

    Vale salientar que essas crianas possuem certa noo de que o uso das redes

    sociais pode trazer algum tipo de risco. Mesmo as crianas menores parecem ter sido orientadas quanto ao uso da rede. Essa orientao vem em grande parte dos pais, provavelmente por serem tambm usurios desta ferramenta conhecem suas possibilidades e riscos. A presena dos pais e familiares como amigos nas pginas das crianas pode ser interpretada como uma autorizao para que elas faam usos das redes sociais, mesmo que a idade mnima recomendada pelo prprio facebook seja a partir de treze anos.

    No comeo minha me no gostou muito da ideia, ela pediu para pensar no assunto, mas ela acabou deixando. Meu irmo no pode ter uma conta no facebook, a minha me disse que ele ainda no muito responsvel para isso. (Menino, 11 anos)

    Eu no sou louco de ir aceitando todo mundo no meu facebook. (Menino, 8 anos)

    Uma vez o facebook saiu disparando uma mensagem para todos os meus amigos, com uma pergunta muito chata, e o pior que era como se fosse eu. A eu tive que passar uma mensagem para todos os meus amigos do facebook,

  • Os amigos do facebook

    1319

    pedindo desculpa. (Menina, 12 anos)

    Cabe ainda como uma noo de segurana, o fato que, as crianas entrevistadas

    no adicionam como amigos pessoas que so completamente desconhecidas. A maioria dos amigos do facebook das crianas pequenas so membros da famlia ou colegas de classe na escola. As crianas maiores possuem uma rede mais extensa de amizades na rede, porm mesmos aqueles que no so considerados amigos prximos, foram adicionados por serem pessoas que conhecem de algum outro lugar, como filhos de amigos dos pais, ou alunos da mesma escola. Quando perguntadas sobre os tipos de amizade, encontramos respostas como,

    Tem os amigos de verdade, e os conhecidos. No facebook tenho muitos amigos, mas nem todo mundo amigo de verdade. (Menina, 12 anos)

    Consideraes finais

    No h como negar que as crianas esto investindo no uso das tecnologias como espaos possveis de atuao. A internet pode ser utilizada como espao de brincadeira e diverso, assim como espao de convivncia social e produo de contedo. As crianas esto utilizando espaos que foram pensados e protagonizados pelos e para os adultos de forma criativa, pois como sujeitos ativos de suas experincias, elas vivenciam, interpretam, representam e modificam a sua cultura, num movimento contnuo de integrao daquilo que a sociedade oferece e aquilo que considerado prprio da infncia e vivenciado entre seus pares, como os jogos e brincadeiras.

    As crianas entrevistadas nos mostraram que as redes sociais pensadas para os adultos como possibilidade de estabelecer e construir vnculos sociais, esto sendo utilizadas pelas crianas de forma significativamente ldica, trazendo para este espao as marcas das culturas infantis e daquilo que partilhado como interesse entre seus pares. Interesses estes que, medida que a criana cresce, vo trazendo traos mais ntidos da cultura adulta. Entretanto vale salientar que, o que aqui apresentamos so resultados parciais e que deixamos muitas questes ainda em aberto: sabemos da importncia de debatermos outros contextos infantis, onde talvez encontremos uma diversidade de experincias.

    O uso das redes sociais pelas crianas pode ser considerado um exemplo desta coexistncia entre as duas culturas: adulta e infantil. No se trata de optar por um estilo de vida ou outro, ou deixar de viver suas prprias experincias, mas trazer para a cultura infantil, transformar e adaptar criativamente os elementos que a sociedade disponibiliza. Porm, no sem correr riscos. Buscar o perfeito equilbrio entre as vivncias reais e virtuais, as experincias vividas e simuladas, um grande desafio. Esse desafio ainda maior para os pais, adultos responsveis, quando percebemos a importncia que tem o acompanhamento e a orientao das crianas na vivncia destes contextos diversificados. Referncias Bibliogrficas

  • Alessandra Alcntara, Antnio Jos Osrio

    1320

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  • Culturas de Infncia, Contextos e Quotidianos | ISBN: 978-989-8525-27-7

    Desafios e perspectivas do brincar entre adultos e crianas: Relato de uma experincia sobre o brincar no Brasil

    Lucelina Rosa Servio Social do Comrcio/Sesc, So Paulo, Brasil

    [email protected]

    Anne Binder Servio Social do Comrcio/Sesc, So Paulo, Brasil

    [email protected]

    Jaqueline Fernandes Servio Social do Comrcio/Sesc, So Paulo, Brasil

    [email protected]

    Sandra Siqueira Servio Social do Comrcio/Sesc, So Paulo, Brasil.

    [email protected]

    Este trabalho objetiva compartilhar as reflexes feitas a partir de experincias e prticas vivenciadas pela equipe do Espao de Brincar, um programa criado pelo Servio Social do Comrcio, Sesc, SP, Brasil. Direcionado s crianas de at 6 anos, o Programa Espao de Brincar desenvolvido em diversas unidades do Sesc no Estado de So Paulo, uma instituio privada, sem fins lucrativos, que atua na melhoria da qualidade de vida dos cidados, especialmente dos trabalhadores do comrcio, por meio de um conjunto de aes realizadas no mbito da educao no-formal. Este Programa tem como principal diretriz a valorizao do ato de brincar, que reconhecido pela instituio como um direito cultural da criana, e foi criado especificamente para a realizao e garantia do livre brincar. As aes desenvolvidas fundamentam-se em referenciais terico-metodolgicos que tratam da pluralidade das infncias, da valorizao do brincar, da perspectiva de que as crianas so produtoras de cultura, dos quais se destacam Kishimoto (1998), Friedmann (1996), Sarmento (2003), Kramer (2003), entre outros. A partir das prticas desenvolvidas, verificou-se que a presena e o envolvimento dos adultos nas brincadeiras algo que precisa ser revisto e reelaborado no mbito do programa. Observou-se que o adulto participante complexifica, incrementa, ressignifica as experincias, fortalecendo uma relao de troca que amadurece os vnculos afetivos das crianas. E, por fortalecer os laos entre os adultos e as crianas por meio do brincar que as aes educativas tm sido cada vez mais reconhecidas pela comunidade.

    Palavras-chave: brincar, infncia, adulto.

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
  • Lucelina Rosa, Anne Binder, Jaqueline Fernandes, Sandra Siqueira

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    1. Apresentao

    O Servio Social do Comrcio Sesc1 uma organizao privada, sem fins lucrativos, mantida pelos empresrios do comrcio de bens e servios e que possui como principal objetivo proporcionar bem-estar e qualidade de vida aos cidados, especialmente aos trabalhadores do comrcio, servio, turismo e suas famlias. Localizado em todos os Estados do Brasil, o Sesc tem como valor principal a responsabilidade social e como principais diretrizes: a realizao de processos educativos de qualidade, a valorizao da diversidade local e a promoo do aprendizado permanente.

    As aes e projetos desenvolvidos pela instituio so executados pelo Departamento Nacional e por Departamentos Regionais em reas de atuao como Educao No-Formal, Sade e Ao Comunitria, Esportes, Recreao, Cultura e Lazer. Por meio delas, o pblico tem acesso s atividades artsticas e culturais, fsico-esportivas, tem atendimento na rea de sade e alimentao, participa de deslocamentos tursticos e de diversas programaes que contribuem para a fruio cultural, a formao e ampliao dos conhecimentos. Para o Sesc, a educao est presente em todas as aes, j que compreendida como uma ferramenta de transformao social e exerccio da cidadania.

    Tendo em vista a extenso territorial e a multiplicidade de culturas presentes nas regies brasileiras, todas as atividades e projetos desenvolvidos tm especificidades que buscam valorizar as identidades locais, atender o perfil do pblico e considerar o contexto sociocultural em que ele se insere.

    O Sesc do Estado de So Paulo est localizado na regio Sudeste do Brasil, onde encontram-se, hoje, as maiores cidades do pas em estrutura urbana e densidade populacional. Nesta regio tambm se concentram importantes redes de infraestrutura, transporte, comrcio, agropecuria e instituies de ensino e pesquisa. Apenas neste Estado, o Sesc possui mais de 32 centros culturais e desportivos. As aes socioeducativas realizadas pela instituio valorizam a importncia dos diferentes agentes no processo educacional das pessoas: as famlias, as escolas, as comunidades.

    Os Programas Socioeducativos do Sesc So Paulo atendem pessoas idosas, jovens e crianas. As crianas so contempladas tanto em programaes eventuais, quanto nas propostas processuais. Programas contextualizados para as crianas (de 0 at 12 anos) so desenvolvidos, tendo como objetivos centrais: ampliar o repertrio e o universo sociocultural; garantir espaos e tempos para o brincar; estimular a interao e a convivncia; potencializar o respeito mtuo e o exerccio da autonomia.

    Nesta perspectiva a criana compreendida como cidad, como um sujeito de direitos, agente produtor de cultura, que deve ser pensada em sua pluralidade e que possui no ato de brincar sua principal forma de expresso, comunicao, aprendizado e significao do mundo. 2. O programa Espao de Brincar: Um olhar sobre a cultura da infncia

    O Espao de Brincar um Programa relativamente recente, oficialmente implementado em 2010 pelo Sesc de So Paulo e surge a partir da preocupao com a 1 O Servio Social do Comrcio foi criado no Brasil por iniciativa do empresariado do comrcio e servios em 1946. Ao longo dos anos a instituio ampliou e diversificou suas aes, tornando-se uma das principais referncias na realizao de projetos socioculturais no Pas.

  • Desafios e perspectivas do brincar entre adultos e crianas

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    garantia do ato de brincar enquanto direito da criana2, assim como da necessidade de se proporcionar espaos e tempos para a convivncia ldica.

    Neste aspecto vale salientar que, no Brasil, se explicitam fortemente os reflexos de processos sociais que acontecem mundialmente. Transformaes histricas, socioeconmicas, polticas; reestruturao constante dos processos produtivos; fluidez do papel do Estado; multiplicao de um modo de vida caracterizado pelo consumo; aumento das inter-relaes virtuais, da conectividade e das articulaes em rede; reconfigurao das famlias; aumento da insegurana, das incertezas e da globalizao dos riscos3. Estes e diversos outros aspectos tm impactos importantes sobre a educao e a cultura da infncia. A diminuio do tempo de convivncia entre adultos e crianas, a terceirizao4 do processo educacional e a reduo da experincia do brincar so impactos que merecem ser refletidos e problematizados. Nestes atuais contextos sociais em que a possibilidade de contato se amplia e as informaes circulam em larga escala revela-se, ao mesmo tempo, a perda de valores humansticos e a necessidade de fortalecer processos de educao para a cidadania.

    frente a este contexto que surge o Espao de Brincar como Programa direcionado s crianas de at 6 anos. Mais do que o espao fsico, sua criao diz respeito a um olhar especfico sobre a cultura da infncia. Uma das ideias centrais desenvolver aes no somente para mas, sobretudo, com as crianas. Entre as caractersticas principais deste Programa, destacam-se que:

    - crianas e adultos responsveis devem ser acolhidos e includos em sua diversidade, independentemente das diferenas tnicas, de gnero, posio social;

    - as aes ldicas devem ser planejadas de modo a garantir a convivncia e interao entre as crianas e seus pares, e delas com os adultos;

    - o foco no deve estar nos objetos, mas no ato do brincar, dando s crianas a oportunidade para que elas organizem sua realidade a partir do repertrio que possuem;

    - a equipe de educadores deve ser formada, interessada na cultura do brincar, na faixa etria em questo e possuir condies de gerir o espao em toda a sua extenso. 3. O espao de Brincar no Sesc Campinas

    Caracterizado pela existncia de um espao fsico gratuito e aberto a qualquer interessado, o Programa Espao de Brincar foi implementado em 2012 na unidade do Sesc Campinas5. A perspectiva da criana em relao ao espao foi o ponto central de todo o projeto. Por destinar-se tambm aos adultos, o projeto foi composto por elementos em diferentes escalas, como um convite aos pequenos e aos grandes brincantes. O mobilirio e os adereos so mveis, o que permite grande flexibilidade na composio de nichos e ambientaes, sendo possvel o manuseio destes itens pelas

    2 No Brasil, a garantia dos direitos das crianas regulamentada, principalmente, pelo Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei 8.069 de 13 de julho de 1990), que estabelece em seu artigo 4: dever da famlia, da comunidade, da sociedade em geral e do poder pblico assegurar, com absoluta prioridade, a efetivao dos direitos referentes vida, sade, alimentao, educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria. 3 Giddens, 1991. 4 No sentido de que a educao tem sido, de maneira progressiva, uma atribuio exclusiva de agentes externos s famlias: escolas, instituies de ensino, entre outras. 5 A cidade de Campinas uma das maiores e mais importantes cidades do Estado de So Paulo. O Espao de Brincar do Sesc Campinas localiza-se em um Galpo Multicultural e foi projetado pela arquiteta Adriana Freyberger (http://oficinadebrincar.com.br/).

  • Lucelina Rosa, Anne Binder, Jaqueline Fernandes, Sandra Siqueira

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    prprias crianas, de modo a potencializar a criao, inveno, reinveno. O local dividido em quatro ambientes integrados: a sala faz-de-conta, o quintal, a rea expandida e o jardim ldico.

    Na sala faz-de-conta crianas e adultos so convidados a sentir, explorar, criar e reinventar suas prprias brincadeiras. A imaginao e a fantasia so estimuladas a partir de cenrios e elementos inspirados em temas criteriosamente escolhidos, tais como: fauna e flora brasileiras, expresses artsticas, cidade e urbano, alimentao. O quintal desta sala possui uma rea aberta com plantas nativas da flora brasileira.

    Fonte: Sesc Campinas

    A rea de transio entre a sala e o jardim torna-se um ambiente bastante confortvel, composto por mobilirios e almofadas de vrios formatos e tamanhos. J o Jardim Ldico uma rea externa que conta com diferentes cores, texturas, formatos e aromas de plantas como lavanda, alecrim, hortel, entre outras.

    Para a criao das propostas de ambientao, existe um rico acervo de materiais ldicos, divididos em duas grandes categorias: brinquedos estruturados e objetos no estruturados ou de longo alcance. Os brinquedos estruturados remetem s temticas previamente escolhidas e so compostos por materiais macios, confortveis e seguros, tais como: pelcias, fantoches, dedoches, livros de tecido, bonecas e bonecos tnicos, entre outros. J os objetos de longo alcance mais utilizados so tecidos, fitas, elsticos, tneis, entre outros. 4. Observar, mediar, estimular: Ser educador se educar

    No mbito do Espao de Brincar, a equipe de educadoras tem como principais atribuies orientar, observar as relaes, mediar, problematizar, estudar, preparar situaes que estimulam o universo ldico das crianas.

    Para o planejamento e desenvolvimento das programaes, assim como para as mediaes que as educadoras realizam na prtica, parte-se da concepo de que existem vrias infncias. Porm, acredita-se que em todas elas comum um conjunto de caractersticas que as tornam sujeitos ativos na construo permanente das culturas infantis, pelo fato de construrem em suas interaes ordens sociais instituintes (Ferreira, 2002) que regem as relaes de conflito e de cooperao, e que atualizam, de modo prprio, as posies sociais, de gnero, de etnia e de cultura que cada criana integra (Sarmento, 2003). Ainda nesta perspectiva, levam-se em considerao quatro eixos estruturadores das culturas da infncia: ludicidade, interatividade, fantasia do real e reiterao, eixos que no mbito do Programa, fruem por meio do livre brincar, entre seus pares e com os adultos.

    Vale salientar que, especificamente com relao primeira infncia, compartilha-se da concepo de que as crianas de at 3 anos, a despeito de no

    Imagem 2: Sala Faz-de-Conta

  • Desafios e perspectivas do brincar entre adultos e crianas

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    saberem falar, dispem de complexas e sofisticadas formas de comunicao, de modo que acionam constantemente suas redes de vnculos afetivos (Faria, 1994). Isso aponta para a importncia do olhar, da escuta, da observao, da alfabetizao dos adultos (Prado, 1999, p.110).

    Neste contexto, o planejamento das aes educativas pela equipe de educadoras passa pelo estudo e pesquisa constantes, seleo de objetos, preparao de materiais, organizao e preparao do espao. H, ainda, toda a perspectiva pedaggica de mediao das relaes, dos conflitos e de diversas situaes que ocorrem no cotidiano do espao, assim como de registro e avaliao dos usos e apropriaes que nele so feitos.

    Ao escolher e disponibilizar os materiais ldicos nos ambientes, h um direcionamento por parte das educadoras e uma proposta ldica sugestiva que pode ser de movimento, de faz-de-conta, de jogo. De forma singela, e no necessariamente dirigida, a equipe de profissionais sugere possibilidades de como brincar no espao.

    Dentro desse conjunto de possibilidades de montagem e ambientao, as educadoras criam distintas propostas temticas. Inmeros projetos j foram postos em prtica, dentre os quais, destacam-se:

    O Circo Chegou: proposta de aproximar as crianas do universo circense e das expresses artsticas;

    Luz e Sombra: jogo de luz e sombra a partir de brincadeiras com diversas lanternas;

    Fitas e Tecidos: o desafio foi brincar sem brinquedos estruturados, potencializando a imaginao e a criao;

    Recriar: as crianas e familiares puderam experimentar e brincar com tinta, argila, giz-de-cera e outros materiais que fazem parte do universo artstico;

    Alm do estmulo ao livre brincar, diversas programaes conduzidas por especialistas convidados so oferecidas ao pblico, tais como: dana para gestantes, dana materna, shantala para bebs, yoga para crianas, entre outras.

    Esses so apenas alguns exemplos de aes educativas realizadas no Programa, pois, as propostas e atividades esto em constante estudo e o ambiente em permanente movimento. Sempre que possvel, procura-se dialogar com outras reas, enriquecer e agregar ao pblico frequentador o conhecimento de outros profissionais. 5. A ludicidade em movimento: Os usos e apropriaes do espao

    As apropriaes do espao e dos objetos so dinmicas e variadas. A presena do adulto amplia as formas de explorao e criao das brincadeiras e incrementa o repertrio das crianas.

    No processo de amadurecimento das propostas oferecidas, as educadoras constataram a necessidade de, cada vez mais, pensar no adulto como um brincante. Isso fez com que o olhar da equipe para o espao e os objetos se transformasse. Hoje, no planejamento das propostas, as seguintes perguntas so consideradas: Que transformao possvel fazer no ambiente para que surja o desejo de brincar? Que objetos podem ser dispostos, de forma a instigar a criatividade e a imaginao?

    Desta forma, o espao passa a ser convidativo a todos. Ao perceberem uma estrutura fsica que acolhe no s a criana, mas tambm ao adulto, amplia-se a disposio para o brincar. Ainda que haja uma preparao prvia na organizao do

  • Lucelina Rosa, Anne Binder, Jaqueline Fernandes, Sandra Siqueira

    1326

    espao com os objetos, ao longo das brincadeiras, s a partir delas, esta organizao sofre alteraes.

    Nestas transformaes do espao e dos objetos feitas por quem nele brinca, observam-se, inmeras ressignificaes: um mesmo objeto como uma caixa vazia, pode transformar-se em um carrinho, em uma cama ou um avio. Constatam-se, ainda, maneiras de brincar que no partem do brinquedo, por exemplo: adultos e crianas que juntos desenrolam uma histria sem usar objetos ou a composio proposta no ambiente. Em outras situaes, o brincar est em seus prprios corpos e neles constroem enredos ldicos.

    Estas variaes tm em comum a presena da imaginao, condutora do brincar dos adultos e das crianas, bem como dos adultos com as crianas. Aqui, este imaginrio se revela como capacidade humana e no como uma caracterstica exclusiva da infncia. 6. O brincar entre as crianas e os adultos

    Ao considerarmos o brincar como a principal forma que as crianas tm para se expressar, se comunicar e aprender, compreende-se que relevante a presena e participao dos adultos nas brincadeiras.

    Os adultos dos quais falamos aqui so, em sua maioria, pessoas que fazem parte do crculo afetivo e de confiana das crianas6. Acredita-se que, por meio do brincar, os responsveis pelas crianas podero conhec-los melhor e participar ativamente de seus processos de formao cultural, como um outro que complexifica, incrementa, ressignifica as experincias (Salgado, 2008). Alm deste aspecto, existe a possibilidade de estreitar esta relao atravs da brincadeira, no como o adulto que direciona o brincar da criana, mas como participante de sua construo.

    possvel observar que existem tempos diferentes dentro do perodo em que as pessoas permanecem no espao. O tempo da criana de perceber e se apropriar dele; o tempo do adulto e o tempo em que juntos se relacionam. Percebe-se que entre os adultos difere a compreenso sobre a proposta do livre brincar e da convivncia ldica sem objetivos pr-estabelecidos e da possibilidade de que ele, como um integrante, pode trazer suas contribuies. Para alguns bem difcil entregar-se a este propsito, embora a maioria, aps algum estranhamento, logo se dispe.

    Fonte: Sesc Campinas

    Por meio do brincar, interaes sociais variam em intensidade e complexidade e implicam em lidar com diferentes situaes: a deciso de brincar sozinho ou em grupo; a participao de cada um; os possveis grupos que podem ser constitudos; os 6 Ou seja, no necessariamente que possuem vnculos consanguneos.

    Imagem 3: Adultos e Crianas no Espao de Brincar

  • Desafios e perspectivas do brincar entre adultos e crianas

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    princpios e valores de cada grupo familiar. Vale salientar que so estas situaes que orientam a equipe de educadoras quanto s possibilidades de abordagens e mediaes.

    No entanto, importante mencionar que a ideia de convvio e interao nem sempre facilmente aceita pelos adultos. A despeito de o nmero de pessoas que procuram as aes realizadas no Programa ser cada maior, alguns revelam resistncia. Frequentemente, o que os adultos buscam um local de entretenimento seguro, onde possam deixar suas crianas e se voltar para outros afazeres sem, necessariamente, envolv-la nisso. Para Debertoli (2006),

    Essa separao adulto-criana faz ambos ficarem sem significado na histria. Se verdade que a criana precisa do adulto, verdade tambm que o adulto precisa da criana. Somos todos seres humanos incompletos, com fragilidades e em permanente processo de desenvolvimento (p. 80).

    Neste contexto, quando so frustradas as expectativas destes adultos, algumas

    barreiras surgem, especialmente com relao ao dilogo e entrosamento. Nestas situaes, a abordagem das educadoras sempre para com o adulto e prioriza dar o tempo de assimilao da proposta. Num primeiro momento, so compartilhadas as regras de funcionamento e, em seguida, feito o convite ao brincar. Se este no for um desejo imediato do responsvel, ele pode apenas observar e auxiliar. Comumente, aps um tempo, a criana acaba por estimular o adulto a brincar. Sempre que necessrio, as educadoras atuam no sentido de salientar importncia da participao deste adulto nas brincadeiras das crianas7. 7. Consideraes finais

    Diante de estudos que apontam para o empobrecimento das relaes humanas e sociais, especificamente nas relaes adulto-criana, criana-criana,8constata-se que o Programa Espao de Brincar promove a socializao, o estreitamento dos vnculos e a afetividade fazendo com que, juntos, adultos e crianas construam saberes, fazeres e aprendizados.

    Em relao aos papis das educadoras responsveis pelo espao e s aes educativas propostas, h muito que se dizer. Um dos principais aspectos o contnuo aprendizado, de maneira a considerar sempre a perspectiva da criana, fato que leva a olhar para o detalhe, a explorar o simples, o singelo. Durante o brincar, as educadoras se colocam como observadoras atentas das relaes que se estabelecem. Esta observao cuidadosa fundamental, tanto para a atuao imediata, quanto para o registro, avaliao e planejamento de aes futuras. O aporte terico estudado, discutido e pensado em relao aos registros e ao cotidiano no Espao, traz segurana s propostas e abordagens.

    Assim, se considerarmos que o isolamento dos sujeitos constitui uma das primeiras formas de renncia autonomia (Todorov, 1999, p.25), as aes desenvolvidas no Espao de Brincar se apresentam como uma alternativa aos modelos de educao e lazer que perpetuam a ideia de isolar e institucionalizar as crianas, em

    7 Abordagens especficas so realizadas, quando o adulto utiliza-se de outras distraes tais como falar em celulares por longos perodos e/ou utilizar equipamentos eletrnicos. 8 Friedmann (1992), Sarmento (2003).

  • Lucelina Rosa, Anne Binder, Jaqueline Fernandes, Sandra Siqueira

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    nome de sua proteo e educao, e que acabam por restringir suas relaes9 e afast-las da convivncia ldica com seus familiares.

    A proposta do Programa um trabalho processual, lento e permanente, onde se busca deixar o espao ainda mais convidativo para o adulto, para que se sinta realmente confortvel. O adulto precisa superar a vergonha e seus preconceitos em relao ao brincar, que visto pejorativamente pelo senso comum como coisa de criana. Porm, os que compreendem a proposta, veem nela o quanto pod