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APRESENTAÇÃO DO PRESO EM JUÍZO
ESTUDO DE DIREITO COMPARADO PARA SUBSIDIAR O PLS 554/2011
APRESENTAÇÃO
Como apontado por estudo desenvolvido pelo Núcleo Especializado de Cidadania e
Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, as normas
brasileiras que tratam da comunicação do flagrante, segundo o Código de Processo
Penal, estão em desconformidade com o que estabelecem o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos,
tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil, que estabelecem
a obrigatoriedade de a autoridade pública conduzir a pessoa presa, sem demora, à
presença de um juiz para verificação da legalidade da prisão e como forma de
prevenir a ocorrência de tortura e maus tratos.1
A partir de articulações realizadas pela Defensoria Pública, em conjunto com o
Ministério da Justiça (Secretaria de Assuntos Legislativos) e Organizações Não
Governamentais (em especial o Instituto de Defesa do Direito de Defesa - IDDD)
formou-se a convicção sobre a necessidade de alteração do artigo 306 do Código de
Processo Penal, resultando em Projeto de Lei do Senado, de autoria do Senador
Antônio Carlos Valadares.
Para subsidiar os trabalhos legislativos, o Núcleo Especializado de Cidadania e
Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo solicitou a
diversos especialistas que fizessem um apanhado a respeito das previsões
legislativas correlatas em outros países, do que resulta o presente estudo, aqui
cabendo agradecer aos Doutores Mario Coriolano (Subcomitê de Prevenção à
Tortura das Nações Unidas), Alex Wilks (International Bar Association / Associação
1 http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3042.
2
Internacional dos Advogados) e Erivaldo Ribeiro dos Santos (Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça) pela inestimável
contribuição.
1. INTRODUÇÃO
O direito à liberdade pessoal é um dos direitos humanos mais básicos e muitas
jurisdições possuem uma longa tradição de protegê-la em seus sistemas legais
domésticos. Existem também numerosos tratados internacionais e acordos
consagrando-a, dois dos quais serão discutidos abaixo em detalhe. No entanto, o
direito à liberdade não é absoluto e pode ser restringido sob certas circunstâncias e
em bases legais determinadas. O princípio da legalidade subordina a idéia de tais
limitações e compreende as noções de certeza legal, previsibilidade e proteção
contra arbitrariedades. Assim, todas as causas para a privação de liberdade devem
ser claramente definidas por previsões legais pertinentes. No interesse da justiça, o
prazo máximo para a prisão provisória ainda sem acusação2 deve ser claramente
definido por lei, pois o aprisionamento é uma das punições mais severas e a pessoa
presa deve ser trazida ao controle judicial como uma questão de urgência. A
supervisão judicial de uma pessoa presa, acusada de um crime, é essencial para
assegurar a proteção dos cidadãos em face do Poder Executivo.
O objetivo do presente estudo é oferecer uma visão geral da situação no plano
internacional e interno de outros países, em relação à questão da privação inicial da
liberdade de uma pessoa detida. Na primeira parte, será discutida a abordagem do
Comitê de Direitos Humanos e da Corte Européia de Direitos Humanos. Na
segunda, seguir-se-á uma análise de algumas previsões legais e constitucionais
nacionais. As jurisdições que serão enfocadas são as do Reino Unido, França,
Espanha, Portugal, Alemanha, Suécia, África do Sul e Argentina, com ênfase na
2
Pre-charge custody, no original. No Brasil, assim como na França e na Alemanha, não há um conceito perfeitamente equivalente ao de “pre-charge detention”. Trata-se, por exemplo na Inglaterra, da prisão anterior ao oferecimento da denúncia, que é facultada aos agentes policiais em relação a suspeitos do cometimento de crimes graves, para a viabilização da investigação policial; nesse caso, independentemente de autorização judicial. No Brasil, há mais de um tipo de prisão provisória passível de aplicação durante as investigações, ou seja, anteriormente à denúncia.
3
custódia policial inicial, em oposição à prisão pré-julgamento3, que é uma questão
bem mais complexa.
2. JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL
2.1 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS
O Artigo 9.3 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos estipula que:
“Qualquer pessoa presa ou detida em virtude de uma infração penal deverá ser
conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei
a exercer funções jurisdicionais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou
de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam
julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar
condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão
à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da
sentença.
Noção de rapidez:4
Embora o Comitê de Direitos Humanos considere que a noção de rapidez deva ser
determinada caso a caso, ele também estabelece que, em geral, o tempo anterior à
apresentação do acusado a um juiz “não deve exceder uns poucos dias.”5 Por
exemplo, o Comitê considerou que a noção de rapidez no artigo 9.3 foi violado em
um caso no qual houve uma demora de quatro dias até que o acusado fosse levado
perante as autoridades judiciais.6
O órgão legitimo para a tomada de decisões:
3 Pre-trial detention, no original. Em oposição ao conceito de “pre-charge detention”, refere-se à prisão
decretada após a denúncia, no curso do processo, portanto. Assemelha-se, quanto à aplicabilidade, à prisão preventiva brasileira e, como esta também pode ser decretada no curso do processo, é a figura mais adequada à comparação. 4 Na redação original do texto, em inglês, utiliza-se o advérbio “promptly”, que foi traduzido pelo
Governo Federal para “sem demora” cf. http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_politicos.htm. Aqui, optamos pelo substantivo “rapidez”. 5 Comunicação nº 373/1989, L. Stephens v. Jamaica (parecer adotado em 18 de outubro de1995), em
UN doc. GAOR, A/51/40, vol. II, p.9, parágrafo 9.6. 6 Comunicação nº 625/1995, M. Freemantle v. Jamaica (parecer adotado em 24 de março de 2000),
em UN doc. GAOR, A/55/40, vol. II, p. 19, parágrafo 7.4.
4
De acordo como o Comitê de Direitos Humanos, o poder judicial deveria ser
exercido por uma “autoridade independente, objetiva e imparcial”7. Desta forma, o
Comitê considerou que o promotor não é imparcial o suficiente para exercer o poder
judicial.8
Julgamento em um prazo razoável:
Embora o Comitê de Direitos Humanos sustente que a razoabilidade da detenção
deva ser decidida caso a caso9, ele considerou que certas razões como a falta de
“recursos adequados para a administração da justiça”10 ou “o fato de que
investigações em um caso criminal ... sejam conduzidas na forma de procedimentos
escritos”11 não justificam a detenção continuada do acusado.
Garantia de estar presente ao julgamento:
Em várias ocasiões o Comitê de Direitos Humanos sustentou que a detenção pré-
processual deve ser uma exceção e que a fiança deve ser concedida12. Em outras
palavras, as autoridades nacionais devem tomar todas as medidas de segurança
possíveis para assegurar que o detido possa ser solto, e não mantido em detenção
antes de ser levado a julgamento. Por exemplo, o órgão sustentou que há uma
violação do artigo 9 (3) quando o Estado-parte não justifica suas preocupações de
que o acusado deixaria o país, assim como “por que a questão não pode ser
encaminhada com a fixação de um valor apropriado de fiança e outras condições
para a soltura.13”
7Comunicação nº 521/1992, Kulomin v. Hungary (parecer adotado em 22 de março de 1996) em UN
doc. GAOR, A/51/40, vol. II, p. 81, parágrafo 11.3. 8Ibid
9Comunicação nº336/1988, N. Fillastre v. Bolivia (parecer adotado em 5 de novembro de 1991), em
UM doc. GAOR, A/47/40, p. 306, parágrafo 6.5.
10Ibid
11Ibid
12Ver Comunicação nº526/1993, M. and B. Hill v. Spain (parecer adotado em 2 de abril de1997), UN
doc. GAOR, A/52/40, vol. II, p.17, parágrafo 12.3. E, mais recentemente, a Comunicação nº 1887/2009, Juan Peirano Basso v. Uruguay (parecer adotado em 19 de outubro de 2010), disponível em: <http://sim.law.uu.nl/SIM/CaseLaw/CCPRcase.nsf/f24e71b48a2b7174c1256835003ceaa3/e4926f6c47959cb6c12579110032eca2?OpenDocument>. Último acesso em 19 de dezembro de 2011. 13
Ibid
5
2.2 CORTE EUROPÉIA DE DIREITOS HUMANOS:
O Artigo 5.314 estipula que: “Qualquer um que for preso ou detido em conformidade
com as disposições do parágrafo 1 (c) deste Artigo deve ser levado rapidamente
perante um juiz ou oficial autorizado pela lei a exercer poderes judiciais e tem direito
a um julgamento em tempo razoável ou de aguardar julgamento em liberdade. A
soltura pode ser condicionada a garantias que obriguem o preso a comparecer ao
julgamento."
Noção de rapidez:
Embora a Corte Européia de Direitos Humanos (CEDH) estabeleça a noção de
rapidez caso a caso, ela destacou que “o grau de flexibilidade relacionada a esta
noção ... é limitada.”15 Mais precisamente, a CEDH considera que a importância de
se ater às especificidades de cada caso nunca pode ser levada ao ponto de
prejudicar a própria essência do direito garantido pelo artigo 5 (3)16.
Julgamento em um prazo razoável:
Embora a CEDH considere que a fixação de um prazo razoável seja uma questão
caso a caso, ela adotou uma interpretação restritiva sobre as razões legítimas que
justificam a prisão preventiva. Sem dúvida, são limitadas as razões que justificam a
prisão continuada. Entre outras, a suspeita razoável de que a pessoa detida
cometeu um delito, o perigo de se evadir, a suspeita de envolvimento em delitos
graves, o risco de reincidir no crime, o prejuízo para a ordem pública e a pressão
sobre testemunhas e o risco de fraude17. No entanto, a corte insiste que cada uma
dessas razões deve ser altamente justificada e que algumas delas não são
suficientes por si sós. Por exemplo, a persistência de suspeita razoável que a
pessoa presa tenha cometido um delito não é suficiente após certo tempo. Outros
14
da Convenção Européia sobre Direitos Humanos. 15
CEDH, caso Brogan and Others v.The United Kingdom, sentença de 29 de novembro de1988, Série A, nº.145, p.31-32, parágrafo 58. 16
Ibid 17
Para mais informações acerca da jurisprudência relacionada a tais razões, ver: IBA, Human Rights in the Administration of Justice, a Manual on Human Rights for Judges, Prosecutors and Lawyers, pp.192-194.
6
motivos para justificar a prisão continuada precisam ser apresentados pelas
autoridades nacionais18.
Garantia de estar presente ao julgamento:
De acordo com a CEDH “quando a única razão remanescente para a continuidade
da prisão é o medo de que o acusado se evada e, assim, subsequentemente deixe
de comparecer ao julgamento, sua soltura deve ser ordenada se for possível obter
dele garantias que assegurem tal comparecimento”19.
3. DISPOSIÇÕES DE DIREITO COMPARADO
Em todas as seis jurisdições discutidas a seguir, a lei garante que qualquer atraso
para que um preso seja levado perante um juiz seja breve e aconteça apenas se
necessário. Em cada um dos países há também disposições que regulam os
motivos para a prisão e/ou detenção continuada. A compreensão da detenção
comoúltimo recurso é o denominador comum para todos os países que se seguem.
3.1 Reino Unido:
Aspectos constitucionais:
Não existe nenhuma constituição escrita no Reino Unido e os princípios
constitucionais são derivados do direito costumeiro, bem como a partir de certos
Atos do Parlamento. Uma das mais famosas peças de legislação de caráter
constitucional é o Ato de Direitos Humanos de 1998 (ADH), que entrou em vigor em
2 de Outubro de 2000. O ADH dá eficácia às disposições da Convenção Européia
dos Direitos Humanos, incluindo o direito à liberdade pessoal. Os direitos da
Convenção adotada estão consagrados no Anexo 1 do Ato. O artigo 5º do Anexo e
18
CEDH. Caso Assenov and Others v. Bulgaria, sentença de 28 outubro de 1998, Relatório 1998-VIII, p.3300, parágrafo 154. 19
CEDH, Wemboff Case v. The Federal Republic of Germany , sentença de 27 de junho de1968, Série A, nº 7, p.25, parágrafo 15.
7
da Convenção, conforme discutido acima, prevê o "direito à liberdade e à segurança"
e enfatiza a necessidade de trazer a pessoa detida rapidamente perante um juiz ou
uma autoridade competente. O artigo 6º, "direito a um julgamento justo", salienta
também a necessidade de ter uma audiência justa dentro de um prazo razoável.
Ao contrário de outras jurisdições que serão discutidas abaixo, não há limite máximo
para a custódia inicial da polícia estipulado em um documento constitucional. No
entanto, existem diretrizes legislativas claras que estão em conformidade com os
requisitos da Convenção20 e qualquer violação delas equivaleria a uma violação de
um princípio constitucional.
Custódia policial sem acusação:
De acordo com seção 37 (1) da Lei das Provas Políciais e Criminais de 1984
(LPPC)21:
s.37 (1) Se-
(A) uma pessoa é presa por um crime
(I) sem um mandado, ou
(II) sob um mandado que não pode ser endossado por fiança,
(B) (...)
o agente de custódia da delegacia de polícia onde a pessoa esteja detida
deve determinar após de sua prisão se tem diante de si provas suficientes
para acusá-la pelo o delito pelo qual foi presa e pode detê-la na delegacia
de polícia pelo período necessário para fazê-lo.
Uma vez presa, a pessoa suspeita de ter cometido uma infracção deve ser acusada
dentro de 24 horas22. O suspeito pode ser detido na delegacia de polícia sem
acusação apenas se não houver provas suficientes para acusá-lo(a) imediatamente.
Segundo s.37 (2) LPPC, a detenção sem acusação só deve ser aceita se o policial
possuir "motivos razoáveis" para acreditar que a detenção é necessária para
20
Brogan v UK (1988), 11 EHRR 117. 21
Police and Criminal Evidence Act (PACE) 22
PACE (LPPC) 1984, s. 37(8B) and s.41(1).
8
"proteger ou preservar as provas relativas ao delito ou para obter tais evidências,
questionando o suspeito”23. O período de detenção pré-acusação pode, sob a
autoridade de um superintendente da polícia ou um oficial de grau superior, ser
extendida para 36 horas. Isso pode ser feito, desde que a detenção seja
considerada necessária para garantir, preservar ou obter provas. Também está
sujeito à condição de que o delito cometido seja passível de denúncia e a
"investigação esteja sendo conduzida de forma diligente e célere"24. Um juiz tem o
poder de emitir um mandado posterior, estendendo a detenção anterior à acusação
pelo "período que ele considerar justo, levando em conta a evidência perante si"25 e
se acredita que há motivos razoáveis para isso26. Sob tais circunstâncias, a
detençãopré-acusação pode ser prolongada por mais 36 horas27, ou mesmo, ser
renovada por ainda mais 36 horas. Consequentemente, o período total de custódia
pré-acusação pode alcançar 96 horas. Em Brogan v UK28, o período de detenção de
quatro dias foi considerado como em conformidade com os requisitos do art. 5 (3)
CEDH.
Prazo para o preso ser apresentado a um juiz:
Uma pessoa acusada de um delito deve ser levada perante um juiz “o mais cedo
possível e, de qualquer forma, não depois de sua primeira audiência, na qual ele é
indiciado pelo crime”29. Na prática isso significa que se o acusado é detido pela
polícia, ele(a) será mantido sob custódia por até 24 horas, após o que ele(a) deve
ser levado perante um juiz30. Nos casos em que a fiança seja concedida, o acusado
deve comparecer no tribunal no prazo de dois dias31.
Razões para a detenção:
23
PACE (LPPC) 1984, s. 37(2). 24
PACE (LPPC) 1984, s. 42(1). 25
PACE (LPPC) 1984, s. 43(11). 26
PACE (LPPC) 1984, s. 43(1). 27
PACE (LPPC) 1984, s. 43(12). 28
Brogan v UK (1989), 11 EHRR 117, parágrafo. 57. 29
PACE (LPPC), s. 46(2). 30
KALMTHOUT, KNAPEN, MORGENSTERN (ed.),Pre-Trial Detention in the European Union/ United Kingdom, capítulo 28, p.945. 31
Ibid.
9
Depois de ter acusado uma pessoa de um crime, o policial deve ou liberar o suspeito
sob fiança ou detê-lo(a) de acordo com os critérios estabelecidos no s.38 do LPPC32.
O acusado não deve ser detido a não ser que:
Seja impossível saber o nome dele/dela ou o endereço ou se houver
motivos razoáveis para duvidar que seus dados estão corretos33;
Existam motivos razoáveis para crer que o acusado não comparecerá
ao tribunal34;
Existam motivos razoáveis para crer que, em casos de crimes graves,
o acusado irá reincidir35;
Para permitir que uma amostra seja retirada do réu36;
Em casos de crimes que não acarretam em prisão, existam razões
para acreditar que a prisão é necessária para impedir a pessoa acusada
de causar lesão a uma pessoa ou perda de propriedade37;
Existam motivos razoáveis para crer que o detido, de outra forma
possa interferir com a administração da justiça38;
A detenção seja necessária para proteger a pessoa detida39.
3.2 França:
Prazo para o preso ser apresentado a um juiz:
A França tem uma longa tradição de proteção do direito à liberdade. O direito à
liberdade está consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
(Déclaration des droits de l'Homme et du Citoyen) de 1793, que foi elaborada a fim
de codificar os valores pelos quais as pessoas estavam lutando durante a Revolução
32
KALMTHOUT, KNAPEN, MORGENSTERN (ed.),Pre-Trial Detention in the European Union/ United Kingdom, capítulo 28, p.945. 33
PACE (LPPC), s.38(1)(a)(i). 34
PACE (LPPC), s.38(1)(a)(ii). 35
PACE (LPPC), s.38(1)(a)(iii). 36
PACE (LPPC), s.38(1)(a)(iiia). 37
PACE (LPPC), s.38(1)(a)(iv). 38
PACE (LPPC), s.38(1)(a)(v). 39
PACE (LPPC), s.38(1)(a)(vi).
10
Francesa. Nos Artigos 7-9 Prazo para o acusado ser apresentado a um juiz
observa-se o seguinte:
Artigo 7º- Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos
determinados pela Lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os
que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens
arbitrárias devem ser castigados; mas qualquer cidadão convocado ou
detido em virtude da Lei deve obedecer imediatamente, senão torna-se
culpado de resistência.
Artigo 8º- A Lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente
necessárias, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei
estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.
Artigo 9º- Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado
e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à
guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela Lei.
A Declaração, apesar de ter sido elaborada há mais de 200 anos, ainda é uma das
pedras angulares do Direito francês. Seu valor constitucional foi afirmado no
preâmbulo da Constituição Francesa de 4 de Outubro de 1958:
"O povo francês proclama solenemente a sua adesão aos Direitos do
Homem e aos princípios da soberania nacional, tal como definidos pela
Declaração de 1789, confirmada e complementada pelo Preâmbulo da
Constituição de 1946, e aos direitos e deveres, tal como definidos na
Carta do Meio Ambiente de 2004".
Ao contrário de alguns dos países discutidos no texto, a Constituição Francesa não
estipula o limite exato para o termo de custódia inicial pela polícia. No entanto, os
artigos acima citados expressam claramente que a prisão deve ser "considerada
indispensável" e todas as penas (incluindo prisão) devem ser "estritamente e
evidentemente necessárias". Isto se reflete no Código de Processo Penal francês,
no qual o prazo máximo de detenção é classificado de acordo com a gravidade do
11
caso e a duração da sentença em potencial. Razoabilidade e proporcionalidade
desempenham papéis-chave.
O Código estipula que a polícia tem o direito de manter um suspeito sob custódia
(garde à vue) por 24 horas. Mediante autorização escrita do promotor e com
justificação suficiente, a prisão pode ser estendida para 48 horas, desde que a
sentença em potencial seja de pelo menos um ano de prisão40. Em circunstâncias
especiais, a detenção pode ser ainda mais prolongada: para 72 horas, para casos
considerados complicados e sérios41, e para 96 à 120 horas para casos com
suspeita de terrorismo42.
Razões para a continuidade da detenção43:
Para a prisão preventiva ser decretada no curso do processo é necessário que a
detenção prolongada seja a única maneira de evitar a interrupção do julgamento. A
prisão preventiva é aplicada para atingir os seguintes objetivos:
1. Para preservar as provas;
2. Para evitar a imposição de pressão sobre testemunhas ou vítimas e
suas famílias pelo suspeito;
3. Para evitar a colaboração entre o suspeito e seus cúmplices;
4. Para proteger o suspeito;
5. Para garantir que o suspeito está à disposição do Judiciário;
6. Para encerrar a violação de uma ordem ou para prevenir que ela ocorra
novamente44.
A prisão preventiva é ordenada pelos tribunais quando o acusado não cumprir suas
obrigações decorrentes de ordem judicial e sob sua fiscalização ou violar sua prisão
domiciliar45.
40
Code de procédure pénale: Artigo 63. 41
Code de procédure pénale: Artigo 706-88. 42
Code de procédure pénale: Artigo 706-88-1. 43
http://vosdroits.service-public.fr/F1042.xhtml 44
Code de procédure pénale: Artigo 144. 45
Code de procédure pénale: Artigo 141-2.
12
Alternativamente, a detenção pode ser ordenada com a ocorrência de qualquer uma
das duas seguintes condições46:
1. As medidas de controle judicial ou prisão domiciliar forem inadequadas, e
2. A penalidade potencial associada com a acusação, de cunho criminal ou de
cunho civil, seja de, pelo menos, três anos de prisão.
3.3 Espanha:
Prazo para o preso ser apresentado a um juiz:
A lei espanhola distingue a prisão policial inicial (detención) da prisão preventiva
(pré-julgamento), sendo esta última contada a partir do momento em que o juiz
ordena a detenção do suspeito.
"Sob a lei espanhola em vigor, o período inicial de detenção policial não
se enquadra na noção de prisão preventiva (pré-julgamento). De acordo
com LECrim47, a prisão pré-julgamento, regulada nos artigos 502-527 da
LECrim, compreende somente a prisão preventiva ordenada por uma
decisão judicial"48.
O prazo máximo de detenção anterior à apresentação do suspeito ao juiz é de 72
horas49. Além de ser codificada, a regra é também consagrada na Constituição
espanhola de 1978. Na seção 17 (2) da Constituição está escrito:
"A prisão preventiva não pode durar mais do que o tempo estritamente
necessário para que se realizem as investigações que visam estabelecer
46
Code de procédure pénale: Artigo 143-1. 47
Ley de Enjuiciamiento Criminal 48
Ver a discussão em: KALMTHOUT, KNAPEN, MORGENSTERN (ed.), Pre-Trial Detention in the European Union/ Spain, capítulo 26, p.883. 49
Ley de Enjuiciamiento Criminal: Artigo 520. Disponível em: http://noticias.juridicas.com/base_datos/Penal/lecr.l2t6.html#a492
13
os fatos; em qualquer caso, a pessoa presa deve ser posta em liberdade
ou entregue às autoridades judiciais no prazo máximo de 72 horas”50.
As duas proposições acima devem ser lidas em conjunto. Assim, mesmo se um
suspeito for detido por menos de 72 horas, sem que sua detenção seja estritamente
necessária para a realização da investigação e apuração dos fatos, o seu direito
constitucional à liberdade está sendo violado. 51
Uma vez apresentado o suspeito a um órgão judicial autorizado, um juiz competente
tem 72 horas para ordenar o prolongamento da detenção52 ou liberar o suspeito53.
Razões para detenção54:
O Capítulo II do Código de Processo Penal espanhol prevê os motivos pelos quais
uma pessoa pode ser inicialmente detida pela polícia. O Artigo 490 do Código
enumera as seguintes hipóteses:
1. Qualquer um que tente cometer um crime;
2. Um agente preso em flagrante;
3. Uma pessoa evadida de uma instituição penal onde cumpria pena;
4. Uma pessoa evadida de uma instituição penal durante a espera pelo
transporte para outro estabelecimento;
5. Uma pessoa evadida durante seu transporte a outro estabelecimento;
6. O processado ou condenado que descumpre ordens judiciais.
Além disso, o artigo 491 dispõe:
“O particular que detiver outra pessoa justificará, se este o exigir, ter
atuado em virtude de motivos racionalmente suficientes para crer que o
detido se encontrava compreendido em algum dos casos do artigo
anterior.”
50
http://www.senado.es/constitu_i/indices/consti_ing.pdf 51
Constituição espanhola de 1978, Seção 17(1). 52
Mediante a decretação da prisão preventiva. 53
Ver discussão em: KALMTHOUT, KNAPEN, MORGENSTERN (ed.), Pre-Trial Detention in the European Union/ Spain, capítulo 26, p. 882-883. 54
http://www.tuabogadodefensor.com/01ecd193e810f1e01/Penal/detencion.htm
14
3.4 Portugal:
Prazo para o preso ser apresentado a um juiz:
A Constituição portuguesa oferece a base legal para as leis que regulam a custódia
policial inicial e a prisão pré-julgamento. O artigo 27 enfatiza a importância do direito
à liberdade e enumera as exceções a este princípio. A Constituição também estipula
o prazo máximo de detenção antes de o suspeito ser submetido ao controle judicial.
No Artigo 28 (1) estabelece:
"Dentro de, no máximo, quarenta e oito horas, todas as detenções devem
ser submetidas ao escrutínio judicial com o propósito da liberação do
detento ou da imposição de uma medida coercitiva adequada. O juiz deve
se inteirar-se das razões da detenção e informá-las ao detento, deve
interrogá-lo e dar-lhe a oportunidade de apresentar uma defesa”55.
Além disso, o artigo acima citado salienta a importância da aplicação da detenção
policial inicial somente quando nenhuma outra medida mais favorável for apropriada.
Assim, de acordo com a lei portuguesa, a prisão deve ser vista como último
recurso56.
O Código de Processo Penal português codifica os prazos máximos da custódia
policial inicial. O suspeito pode ser mantido preso por 48 horas antes de/para ser
apresentado ao juiz (artigo 254(1)(a)57). Se a pessoa é presa a fim de trazer-lhe
perante o tribunal ou o Ministério Público para atos processuais instrutórios, o prazo
máximo de detenção é de 24 horas (artigo 254(1)(b)58).
Razões para a detenção59:
55
http://app.parlamento.pt/site_antigo/ingles/cons_leg/Constitution_VII_revisao_definitive.pdf 56
Constituição Portuguesa, Artigo 28(2). 57
http://www.legix.pt/docs/CPP.pdf 58
Ibid. Ver também: http://www.ecba.org/extdocserv/projects/JusticeForum/Portugal180309.pdf, p.7. 59
Ibid, p.10.
15
As principais hipóteses de cabimento da prisão pré-julgamento (preventiva) no
Código de Processo Penal Português são as seguintes:
1. Prisão em flagrante, em caso de crime punido com reclusão60;
2. Ter o suspeito fugido ou haver risco de fuga61;
3. Perigo de interferência na investigação ou inquérito judicial preliminar,
principalmente na coleta e manutenção de evidências;
4. Perigo de perturbação da ordem pública;
5. Continuidade da atividade criminosa.
Os dispositivos pertinentes são os artigos 255 e 257 do Código de Processo Penal.
3.5 Alemanha:
Prazo para o preso ser apresentado a um juiz:
A legislação alemã prevê que a pessoa presa deve ser trazida perante o juiz no dia
seguinte à sua prisão62. Tal regra é consagrada tanto na Constituição alemã
(Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland - GG), como no Código de
Processo Penal. O Artigo 104, II, da Constituição determina que:
"Só um juiz pode decidir sobre a admissibilidade ou a continuidade de
qualquer privação de liberdade. Se tal privação não estiver embasada
num mandado judicial, uma decisão judicial deve ser obtida sem demora.
A polícia não pode manter ninguém sob custódia em razão de sua própria
autoridade para além do fim do dia seguinte à detenção. Os detalhes
devem ser regulados pela lei."
60
Código de Processo Penal, Artigo 255. 61
Código de Processo Penal, Artigo 257. 62
Código de Processo Penal (Strafprozessordnung) na versão publicada em 7 de abril de 1987 (Diário de legislação federal [Bundesgesetzblatt], parte I, p. 1074, 1319), como mais recentemente reformado pelo artigo 2º do Ato de 22 de dezembro de 2010 (Diário de legislação federal [Bundesgesetzblatt] parte I, p. 2300), seção 128.
16
Isso significa que o período máximo de detenção sem autorização judicial é de 47
horas e 59 minutos63. No entanto, o suspeito deve ser submetido a um juiz o mais
rapidamente possível. Assim, na prática, o período máximo de detenção não deve
ser posto em uso com frequência64.
Razões para a detenção65:
A prisão de alguém pode ser ordenada, se o acusado é fortemente suspeito do
crime e a detenção não é "desproporcional à importância do caso ou à pena ou
medida de segurança a ser provavelmente aplicadas"66. Os hipóteses para prisão
são as seguintes67:
1. O acusado fugiu ou está se escondendo.
2. Existe um risco de que ele(a) vá fugir dos processos penais.
3. Risco de que ele vá destruir, alterar, remover, suprimir ou falsificar as
provas.
4. Risco de que ele vá indevidamente tentar influenciar os co-acusados,
testemunhas e peritos ou tentar convencer outros a fazê-lo.
Seções relevantes do Código de Processo Penal: Capítulo 9, Seções. 112, 112a e
11368.
3.6 Suécia:
Prazo para o preso ser apresentado a um juiz:
A Constituição sueca prevê a proteção do direito à liberdade. No Instrumento de
Governo69, Capítulo 2, Artigo 8º, o texto é o seguinte:
63
KALMTHOUT, KNAPEN, MORGENSTERN (ed.), Pre-Trial Detention in the European Union/ Germany, capítulo 11, p. 409. 64
Ibid. 65
Link para o Código de Processo Penal (Strafprozessordnung): http://www.gesetze-im-internet.de/englisch_stpo/englisch_stpo.html#p0848 66
Ibid. Section 112(1) 67
Ibid. Section 112(2) 68
Vide Anexo I.
17
"Todo cidadão deve ser protegido em suas relações com as instituições
públicas contra a privação da liberdade pessoal. A eles, também em
outros aspectos, deve ser garantida a liberdade de locomoção dentro do
reino e liberdade para deixá-lo.” 70
O Capítulo 2, artigo 12, parágrafo 2 da Constituição enfatiza a importância do exame
periódico pelo tribunal da privação da liberdade do suspeito determinada por outra
autoridade (por exemplo, a polícia) 71. Tal determinação alude aos princípios de uma
sociedade democrática e salienta que, para que seja aplicada a detenção, ela deve
ser necessária. Ademais, exclui explicitamente a imposição de restrições
"unicamente em razão de uma opinião política, religiosa, cultural ou correlatas”72
Quanto ao prazo máximo da prisão policial inicial, o Código de Processo Judiciário
sueco estipula o período máximo de 72 horas73:
"Um requerimento para uma ordem de detenção deve ser feito sem
demora, até o meio-dia do terceiro dia após a ordem de prisão”74.
Razões para a detenção75:
Quando há um risco razoável de que a pessoa irá:
1. Fugir ou esquivar-se dos procedimentos legais ou do cumprimento da
pena;
2. Impedir a investigação das questões controversas através da remoção
de indícios ou por qualquer outro meio;
3. Continuar a atividade criminosa.
69
http://www.riksdagen.se/templates/R_Page____6307.aspx 70
KALMTHOUT, KNAPEN, MORGENSTERN, Pre-Trial Detention in the European Union/ Sweden, capítulo 27, pp. 913-914. 71
Ibid, p. 914. 72
Ibid. 73
Código de Processo Judicial, capítulo 24, seção 12, 1° parágrafo. 74
KALMTHOUT, KNAPEN, MORGENSTERN (ed.), Pre-Trial Detention in the European Union/ Sweden, capítulo 27, p. 914. 75
Ibid, p.916.
18
3.7 África do Sul:
Prazo para apresentação do preso ao Juiz:
A Constituição sul-africana, em seu artigo 35, prevê, conforme abaixo transcrito, o
prazo de 48 horas para apresentação do preso à autoridade judiciária, prevendo
exceções somente em caso de expiração do prazo em momento em que não haja
expediente forense. Nesse caso, o indivíduo será indiciado ou informado acerca das
razões de continuidade da detenção, ou ainda liberado.
Conforme o artigo 35:
1. Todo indivíduo preso por ter supostamente cometido um delito tem o
direito:
d. de ser trazido perante um tribunal o mais rápido possível, não
ultrapassando o limite de (i) 48 horas após a detenção; ou (ii) do fim do
primeiro dia de expediente forense depois da expiração das 48 horas, se
as 48 horas expirarem fora do horário de expediente ou em um dia em
que não haja expediente forense;
Também o Ato de Processo Criminal nº 51 de 1977 dispõe acerca do tema em seu
artigo 50, em termos semelhantes aos da Constituição. Estabelece-se o imperativo
de razoabilidade e o limite de 48 horas, podendo somente ser excedido caso não
haja expediente forense.
Razões para detenção:
Inicialmente, acerca das razões para a detenção, o artigo 35 da Constituição da
África do Sul é de suma importância por explicitar que a regra geral é a liberdade,
podendo esta ser razoavelmente condicionada:
1. Todo indivíduo preso por ter supostamente cometido um delito tem o
direito:
19
f. de ser liberado da detenção, se a justiça permitir, com base em
condições razoáveis.
A Lei de Processo Penal n º 51 de 1977 enumera, em seu artigo 40, as hipóteses de
cabimento da prisão, sendo elas:
1. O cometimento ou tentativa de cometimento de uma infração penal na
presença de um policial (Artigo 40, 1, a);
2. A suspeita razoável do cometimento de uma infração penal (Artigo 40,
1, b);
3. A fuga de uma prisão legítima ou sua tentativa (Artigo 40, 1, c);
4. A posse de qualquer instrumento de invasão a residências ou carros,
sem que se possa justificá-la (Artigo 40, 1, d);
5. A posse de qualquer coisa acerca da qual o policial tenha suspeita
razoável de que tenha sido obtida por meios ilícitos e a suspeita
razoável de que o indivíduo tenha cometido o crime relativo à coisa
(Artigo 40, 1, e);
6. Quem é achado em qualquer lugar à noite em circunstâncias que
façam crer que a pessoa tenha cometido ou esteja prestes a cometer
uma infração penal (Artigo 40, 1, f);
Há ainda outras razões possíveis, constantes do artigo 40, nas letras g – q, de modo
que ficam exauridas em lei as hipóteses de prisão sem que haja mandado
anteriormente expedido. Outra possibilidade consta do artigo 41, letra c, segundo a
qual o policial poderá abordar:
c. Aquele que, em sua opinião, possa oferecer informações relacionadas
ao cometimento ou suposto cometimento de qualquer infração penal, para
fornecer ao policial seu nome completo e endereço; e, se essa pessoa
falha em fornecer nome e endereço, o policial poderá, em seguida e sem
mandado, prendê-lo; ou, se suspeitar da falsidade do nome e endereço,
20
prendê-lo e detê-lo por período não excedente a doze horas, enquanto
seu nome e endereço são verificados.
3.8 Argentina:
Prazo para apresentação do preso ao Juiz:
A Constituição argentina não estipula um prazo específico para a apresentação do
preso ao Juiz, lidando com a questão da privação de liberdade em termos gerais nos
artigos 18 e 43, ao tratar respectivamente de princípios penais constitucionais e de
remédios constitucionais. Já o Código Processual nacional (Codigo Procesal Penal
de La Nación Argentina) o faz expressamente em seu artigo 286, nos seguintes
termos:
Art. 286 – O funcionário auxiliar da polícia que tenha executado uma
detenção sem ordem judicial, deverá apresentar o detento imediatamente,
em um prazo que não exceda seis (6) horas, à autoridade judicial
competente.
Percebe-se, dessa maneira, que, como determina a Constituição no mencionado
artigo 18, a restrição de liberdade deve ser ordenada por ordem escrita da
autoridade competente. Nos casos em que é cabe a prisão sem mandado, a
apresentação faz-se necessária e urgente.
Razões para detenção:
Cabe pontuar, inicialmente, que o Código Processual, acerca da restrição de
liberdade, no artigo 280, determina que esta se dará somente nos termos ali
expressos e nos limites absolutamente indispensáveis para assegurar o
descobrimento da verdade e a aplicação da lei. Ao juiz, em regra, compete
determinar a prisão e detenção dos indivíduos. Em alguns casos, no entanto, a
autoridade policial deverá fazê-lo – contanto que indivíduo seja em seguida
apresentado à autoridade judicial que determinará sua liberação ou decretará prisão
preventiva. A prisão sem mandado é somente permitida em caso de:
21
1. Tentativa de cometimento de um delito de ação penal pública
punido com pena privativa de liberdade (Art. 284, 1);
2. Fuga de indivíduo legalmente detido (Art. 284, 2);
3. Excepcionalmente, em caso da existência de indícios veementes
de culpabilidade e de perigo iminente de fuga ou de sério atraso/
embaraço das investigações e com o propósito de conduzir o
suspeito imediatamente ao juiz competente para que decida sobre
sua detenção e sobre as investigações (Art. 284, 3);
4. Flagrante, em se tratando de cometimento de delito de ação
pública punido com pena privativa de liberdade (Art. 284, 4).
4. CONCLUSÃO GERAL:
Em todos os casos acima discutidos, há uma ênfase sobre a necessidade de
limitação do período máximo de custódia antes da apresentação do acusado a um
juiz, sendo que, em todos os países estudados, a pessoa deve ser levada à
presença de um juiz, no que diferem substancialmente da realidade brasileira.
Nem a Corte Europeia de Direitos Humanos, nem o Comitê de Direitos Humanos
estipulam um prazo específico, entretanto, encontra-se orientação substancial sobre
a questão em sua jurisprudência. Em “Brogan versus Reino Unido”, foi considerado
que o prazo de quatro dias, conforme previsto na legislação do Reino Unido, está
em conformidade com o artigo 5(3). Por outro lado, considerou-se quatro dias e onze
horas uma violação deste mesmo artigo. Tendo em mente a discussão acima, pode-
se concluir que a questão sobre ser ou não justificável a duração da detenção
depende das circunstâncias e deveria ser observada caso a caso. Qualquer coisa
para além de poucos dias (presumivelmente, quatro), no entanto, normalmente não
se justificaria. Todas as jurisdições consideradas, apesar de não serem idênticas,
estão de acordo com a jurisprudência dos órgãos internacionais.
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O denominador comum entre as jurisdições analisadas é o fato de que todas elas
têm normas claramente definidas relativas à duração da prisão policial inicial. Nem
todas (por exemplo, Reino Unido e França) têm uma clara disposição constitucional
estipulando um exato limite de tempo; contudo, todas elas se referem nas
respectivas Leis Fundamentais à razoabilidade e à proporcionalidade. Mesmo nos
exemplos em que nenhum limite exato é definido na Constituição, o Código de
Processo Penal nacional, na França e na Argentina, e um Ato do Parlamento, na
Inglaterra, fornecem orientação detalhada. Um importante fundamento comum a
todas as jurisdições é a regra, segundo a qual, para que a detenção seja justificada,
a sua custódia deve ser necessária e deve constituir a única forma possível de
restrição da liberdade. Além disso, não deve ser negligenciada a questão dos
motivos da detenção. Estes devem também satisfazer os critérios de não-
arbitrariedade e da proporcionalidade. Portanto, a detenção deve ser ordenada
somente se a suposta infração for relativamente grave e a potencial punição exceder
o nível mínimo - algo a ser deixado para a decisão do legislativo nacional.
Em breve apanhado, é possível verificar que são os seguintes os prazos para a
apresentação do preso a um juiz:
Reino Unido: Em regra o prazo é de 24 horas, excepcionalmente podendo ser
prorrogado uma ou duas vezes por 36 horas, alcançando, no máximo 96
horas (4 dias);
França: Em regra o prazo é de 24 horas, podendo ser estendido para 48
horas a pedido da Promotoria. Em circunstâncias especiais, a detenção
alcançar 72 horas, e de 96 a 120 horas (5 dias) para casos com suspeita de
terrorismo.
Espanha: O prazo máximo é de 72 horas.
Portugal: O prazo máximo é de 48 horas.
Alemanha: O prazo máximo é de 47 horas e 59 minutos.
Suécia: O prazo máximo é de 48 horas.
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África do Sul: O prazo é de 48 horas, salvo se o seu término se der em dia em
que não houver expediente forense, quando se prorroga até o próximo dia
útil.
Argentina: O prazo máximo é de 06 horas.
No caso do Brasil e da proposta segundo a qual um suspeito deve ser levado
perante um juiz dentro de 24 horas, seria coerente com a abordagem alemã e, no
patamar mais fundamental, com a maioria das demais jurisdições discutidas. Estas
últimas permitem a extensão do período para além de 24 horas, sob certas
circunstâncias.
Não há dúvidas que, uma vez introduzida a regra discutida, as bases do Estado de
Direito e do princípio da legalidade serão reforçadas no Brasil. Como decorre do
relatório anterior elaborado pela IBA (International Bar Association), a detenção
injustificada pode ocasionar abusos e, potencialmente, tortura e outros tratamentos
desumanos e degradantes, dada a condição frequentemente insatisfatória das
penitenciárias e centros de detenção brasileiros. A introdução da disposição
discutida no sistema jurídico brasileiro limitaria a possibilidade da sujeição de
pessoas a maus tratos, já que um grande número de pessoas desnecessariamente
detidas por um período excessivamente longo seria mais rapidamente liberado.
São Paulo, junho de 2012.
CARLOS WEIS Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos
Defensor Público – Coordenador
NATHALIE FRAGOSO Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos
Estagiária de Direito