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APRENDENDO SOBRE A RELAÇÃO PRESA-PREDADOR POR MEIO DE JOGOS PEDAGÓGICOS
José Henrique Benedetti Piccoli FERREIRA Karol Pinheiro LAMARCA
Renato Eugenio da Silva DINIZ Silvia Mitiko NISHIDA1
Resumo: O emprego da ludicidade por meio de jogos pedagógicos tem sido uma prática crescente por causa do potencial de interatividade e da retenção de atenção dos alunos. O objetivo do presente trabalho foi o de produzir dois jogos: um de representação (RPG) o qual permite aos alunos de Ensino Médio vivenciarem personagens de uma aventura e favorece uma percepção vívida e uma experiência marcante. O outro é um jogo de perguntas e respostas para alunos do Ensino Fundamental que tem como finalidade o aprendizado sobre a ecologia do Cerrado Paulista, com destaque a Cuesta da região de Botucatu. Em ambos os casos, os jogadores, isto é, os estudantes aprendem através de conceitos multidisciplinares como é a interação dos animais entre si e com o meio ambiente e ainda, aprendem sobre as características geomorfológicas, paisagísticas, históricas e culturais em relação à região. Cada jogo é constituído além do manual de instruções, um texto de apoio ao professor.
Palavras-chave: material didático; ecologia; comportamento animal; Biologia; Ciências.
INTRODUÇÃO
Cada vez mais, a nossa responsabilidade em relação à proteção e preservação dos
recursos do planeta é premente e a disseminação de ações educativas é urgente, não só em nível
formal nas escolas como através da mídia. Assim, os temas acadêmico-cientifícos têm ganhado
popularidade e termos como “qualidade de vida” estão intimamente associados à Saúde, ao Meio
Ambiente e à Preservação de Recursos Naturais. O interesse do ser humano por outros animais
não se restringe mais aos de estimação e aos de fazenda, como também às espécies selvagens
em seu ambiente natural. Os variados padrões de comportamento animal sempre fascinaram as
pessoas, despertando uma curiosidade imediata (ISHARA, 2002; CONDE 2003; GOMES, 2004;
Conde et al, 2005) e, nos jovens, são bastante eficazes para mobilizar a sua atenção
(KRASILCHIK & TRIVELATO, 1995). Em relação aos temas ecológicos, os biomas da Amazônia,
Pantanal Mato-grossense e da Mata Atlântica são bastante valorizados pela mídia em detrimento
da Caatinga e do Cerrado, apesar da imensa riqueza e graves problemas ambientais que
possuem. Infelizmente, nos documentários sobre a vida dos animais, prevalece o destaque sobre
a fauna africana, européia ou da América do Norte. Há muito material didático tanto impresso
como digital disponível para ser utilizado na sala de aula, contudo, normalmente, a espécie
lembrada numa relação presa-predador é a de um felino (leão, guepardo, lince) ou canídeo (lobo,
1 Departamento de Fisiologia – UNESP/ Instituto de Biociências/Botucatu. Correspondência: [email protected].
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coiote, raposa) ausentes na nossa fauna. Por outro lado, experiências da EMA (Escola do Meio
Ambiente) gerenciadas pelas secretarias de Educação e do Meio Ambiente do município de
Botucatu-SP tem obtido resultados interessantes sobre o comprometimento dos jovens com bioma
do seu município (http://www.botucatu.sp.gov.br/ema/#). Em outras palavras, a prática institucional
de Educação Ambiental tem se mostrado bastante satisfatória.
O processo de ensino-aprendizagem de jovens requer mais do que mobilizar a sua
atenção; é necessário saber escolher responsavelmente os conteúdos e há outros fatores como a
motivação e o afeto que influenciam a consolidação das informações. Por exemplo, nos jovens, a
aprendizagem em contexto lúdico parece favorecer a aprendizagem (MIRANDA, 2001,
BROUGÈRE, 1998, 2000; KISHIMOTO, 1996). Cabe ainda destacar o papel de protagonista desse
processo que os alunos devem assumir. Dentro de uma perspectiva do sujeito como construtor do
próprio conhecimento, atividades que promovam a participação ativa dos alunos, envolvendo-os
em situações problemáticas e motivadoras, certamente representarão contribuições efetivas para
uma aprendizagem significativa dos mesmos.
Uma das metas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2002; BRASIL,
1998) para o ensino de Biologia e de Ciências é a de desenvolver a concepção de que os seres
vivos e o meio ambiente constituem um conjunto reciprocamente interdependente, e que vida e
meio físico interagem resultando em uma estrutura organizada, ou seja, constituem um grande
sistema vivo dentro do qual o ser humano é agente e paciente. A questão é como abordar os
conteúdos de várias disciplinas e se ensinar de maneira multi e interdisciplinar?
OBJETIVOS
Considerado o exposto, os objetivos do presente trabalho foram os de se ensinar
conteúdos de ecologia e de comportamento através de dois jogos pedagógicos:
a) Um para o ensino de Ciências “Descobrindo a Cuesta” baseado em perguntas
e respostas
b) Outro para o ensino de Biologia “Carcará: uma aventura na Caatinga”
inspirado em jogos de representação (RPG)
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MATERIAL E MÉTODOS
Parte I. “Carcará: uma aventura na Caatinga” um jogo baseado em RPG para o ensino de
Biologia
Inserção do conteúdo no jogo
Esse jogo contempla o tópico recomendado no PCN+, (BRASIL, 2002), “A interação
entre os seres vivos” (pág. 42) e os conteúdos sugeridos em várias unidades de ensino da
Proposta Curricular para o Ensino de Biologia 2º Grau (São Paulo, 1992): Unidade 1 – Biologia,
Ciência da vida; Unidade 2 – Seres Vivos, Ambiente e suas Interações; Unidade 5 – Diversidade
dos seres vivos e Unidade 6 – O Homem na Natureza.
O que é o RPG?
Qualquer boa história necessita de um enredo excitante, um cenário atraente e de
personagens carismáticos. A sigla RPG vem do termo "Role-Playing Game” que pode ser
traduzido como “Jogo de Representação” e se refere ao desenvolvimento de uma aventura onde
os jogadores (isto é, os estudantes) representam os personagens de uma história (ou aventura).
Na prática, um narrador (o professor) propõe o roteiro da aventura estimulando os jogadores a
darem vida aos respectivos personagens que possuem atributos próprios e estabelecendo as
missões a serem cumpridas (BROUGÈRE, 1998; RODRIGUES, 2004).
A escolha do cenário e o local da aventura
Escolhemos a Caatinga como cenário da aventura por ser um dos biomas
brasileiros menos valorizados e divulgados. A aventura ocorre no sertão do Piauí próximo ao
município de São Raimundo Nonato. Considerando-se a necessidade de expor os problemas
relacionados com a preservação do patrimônio histórico e natural da região, seriamente
ameaçados, escolheu-se o Parque Nacional da Serra da Capivara situado no sudeste do Piauí
como o cenário da nossa aventura. Desde 1991, o Parque é considerado pela UNESCO, como
patrimônio cultural da humanidade. Segundo a FUMDHAM (Fundação do Museu do Homem
Americano), o Parque possui uma rica diversidade faunística e botânica, assim como, mais de 350
sítios arqueológicos e paleontológicos sobre a pré-história do homem americano
(http://www.fumdham.org.br/sitios.php ). Uma ave de rapina, o carcará (Polyborus plancus) tem um
grande destaque na aventura para ilustrar a relação presa-predador e é o objeto de pesquisa de
um biólogo, prontagonista da aventura. Escolheu-se o carcará porque é um representante típico da
fauna sertaneja e também considerado o próprio espírito do sertanejo.
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A pesquisa bibliográfica
Surpreendentemente, a pesquisa sobre a Caatinga resultou em escassez de
material tanto na Internet como em publicações impressas, livros-texto, revistas técnicas e
científicas. Os seguintes materiais bibliográficos serviram para selecionar os animais e descrever o
cenário ecológico: LEAL,TABARELLI e SILVA, 2004; AB’SABER, 2003a e 2003b). Fizeram
também parte da pesquisa, leituras sobre as clássicas obras da Literatura como “Vidas Secas” de
Graciliano Ramos e “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa, possibilitando a concepção de
detalhes sobre o ambiente e a condição social dos sertanejos.
O roteiro da aventura: contextos e personagens
O roteiro da aventura tem um clima de suspense e de expectativas cujos “heróis”
devem cumprir missões especificas. Os personagens foram criados com biografias que
permitissem uma exploração detalhada das condições sociais do sertão, da cultura, da ecologia da
caatinga, do comportamento de predação do carcará, da legislação ambiental e dos graves
problemas sócio-ambientais da região. Assim como para os personagens, foram criadas fichas
técnicas para os animais e plantas citadas na aventura, destacando aspectos biológicos, os
potenciais de uso para a população e status de conservação, permitindo assim uma melhor
interação com a trama. O jogo é acompanhado de mapas representativos da América do Sul,
Brasil (destacando o Estado do Piauí), região do Parque Nacional da Serra da Capivara e do
vilarejo imaginário criado para a ambientação da aventura. Os mapas permitem a localização
espacial dos jogadores e a realização da correlação macroscópica e espacial entre o continente, o
país, o estado do Piauí, a região do Parque e o Vilarejo, compondo mais um elemento de uma
atividade interdisciplinar.
O cenário natural e cultural da ventura
A Figura 1 apresenta os mapas extraídos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística no site http://www.ibge.gov.br/, representando o território geográfico brasileiro,
destacando-se o Estado do Piauí, o Parque Nacional da Serra da Capivara e da Região do Vilarejo
Capitão Manoel Rodrigues. O mapa permite que cada jogador se localize espacialmente durante o
desenvolvimento do jogo.
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Personagens e a aventura
A leitura de “Vidas Secas” e de “Grande Sertão: Veredas” possibilitaram a
concepção de detalhes sobre a condição social dos sertanejos e a criação de vários personagens.
Cada personagem da aventura (quinze no total) recebeu atributos como nome, prelúdio (ou
historia de vida), personalidade, características físicas, conhecimento e outras habilidades que
foram detalhadamente descritos em uma ficha individual. A Tabela 1 resume a lista dos
personagens e algumas características essenciais e na Figura 2 há um exemplo de uma ficha
biográfica de um dos personagens.
Tabela 1 Lista de personagens e breve descrição dos personagens Nome Personagem Nome Personagem
Carlos E. Ribeiro Biólogo que acompanha os patrulheiros
João M. Rodrigues
“Coronel” ou o proprietário do terreno que compreende o vilarejo
Roberto machado Policia Ambiental a procura pistas sobre os traficantes Sebastião Feirante e comerciante de animais de
montaria (fonte de recursos) Ricardo de Jesus Policia Ambiental... Seu Raimundo Vaqueiro (fonte de informações)
Juliana Moreira Agente do IBAMA Dona Socorro Moradora do lote ao sul da ponte (fonte de informações)
Fernando Carvalho Agente do IBAMA Pedrinho Filho de Zacarias, morador do lote que se encontra na porção central da fazenda (fonte de informações)
Maria de Assis Dona da mercearia (fonte de alimento)
Antônio
Vaqueiro e agricultor, do lote ao norte (fonte de informações)
Jose Mendes Dono do bar (fonte de informações) Velho Ermitão
Sábio popular, vive vagando pelas terras ao redor da Reserva. Conhece as grutas do Parque e as pinturas rupestres (fonte de informações)
Olavo do Massapé Padre da capela
Entre as espécies de animais e de plantas, além do carcará são citados: tatu-peba,
veado catingueiro, cachorro do mato, preá, calango verde, urubu-comum, periquito, sapo-cururu,
asa-branca, umbú, mandacarú, juazeiro, barriguda, baraúna, amburana, maniçoba, xique-xique,
aroeira, etc. Como no caso dos personagens, cada espécie de planta ou animal, possui uma ficha
com os respectivos descritores biológicos (Figura 2).
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Figura 1. Em cima, à esquerda, o mapa geográfico do Brasil indicando em vermelho a localização do Parque Nacional da Capivara na região nordeste destacando o Estado do Piauí. À direita, a localização do Parque e alguns municípios, incluindo o de São Raimundo Nonato. Abaixo, o mapa imaginário do vilarejo.
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Informações Biológicas do Carcará
Distribuição Geográfica: ampla distribuição geográfica estende-se no Continente Americano, da Argentina ao Sul dos E.U.A . Habitat: regiões diversificadas, compostas por localidades úmidas e alagadas, áreas de produção agrícola e regiões desérticas como é o caso da Caatinga durante o inverno seco. Descrição Física: médio porte, de 53 a 60 centímetros de altura e envergadura de 1,2 metro. Penas longas e amarelas, bico curvo e amarelado. Cabeça com uma coroa negra e uma crista amarela ou avermelhada. Plumagem branca e preta. Reprodução: monogâmica, com poderoso vínculo, somente desfeito na morte de um dos parceiros. O casal possui um grande território e nidifica no alto das árvores. Seu ninho é formado por um emaranhado de gravetos e abriga de 2 a 3 ovos, incubados por cerca de 32 dias. O período reprodutivo é de Janeiro a Março. Hábitos Alimentares: animal carnívoro, oportunista, alimenta-se de presas vivas e mortas. Compõem sua cadeia alimentar insetos, ovos, répteis, aves e mamíferos de pequeno porte. Ao caçar animais maiores costuma fazê-lo aos pares. Status de Conservação: a destruição do seu habitat natural leva a população ao decline, no entanto ainda encontra-se fora de perigo de extinção.
Biografia do Biólogo Carlos Eduardo Nascido em Teresina capital do Piauí, Carlos Eduardo tomou gosto pela leitura dos grandes clássicos da moderna literatura brasileira durante sua juventude. Destacava-se em seu grupo de amigos quando o assunto era a Caatinga, tema amplamente elucidado pelos principais escritores que admirava. Seus conhecimentos do bioma eram superficiais e romantizados, motivo pelo qual se empenhou a entrar no curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Piauí após sair do colégio. Interessado em Ecologia e mais profundamente em Zoologia, Carlos se preocupava com a biodiversidade ameaçada da Caatinga, iniciando projetos na área. Seu Mestrado consistiu em um profundo levantamento bibliográfico de inúmeros trabalhos publicados a respeito fauna ameaçada do Parque Nacional da Serra da Capivara, na tentativa de utilizar essa coletânea na construção de uma nova lista da composição taxonômica da região. Terminando o mestrado ingressou no doutorado, podendo agora realizar seus sonhos de vivenciar a Caatinga. A tese baseia-se no estudo da relação presa-predador de avifauna, focalizando o Carcará como principal espécie.
Após um ano em Teresina fazendo novo levantamento bibliográfico, agora sobre a avifauna, Carlos Eduardo resolve que é chegada a hora de se embrear em meio à rica biodiversidade do Sertão. • Descrição Física: possui estatura mediana (1,70m), é magro, longe de possuir um porte atlético. Possui cabelo
levemente encaracolado e estão presentes seu sorriso carismático e suas inseparáveis marcas de olheira. Como um filósofo, possui os olhos inquietos e negros. Veste-se com roupas largas de tons pasteis.
• Personalidade: inquieto, busca conhecimento assim como um morto de fome, não tem medo de embrenhar-se em meio os espinhos. Fala pouco, mas cativa aqueles com quem entra em contato. É possuidor de uma curiosidade e criatividade inspiradora.
• Peculiaridades: tem necessidade de tocar e retirar amostras do ambiente. Tem como companheiro inseparável seu canivete. Segui uma dieta vegetariana, mas apesar disso ainda não se acostumou com a culinária sertaneja.
• Perícias: - Amplo conhecimento teórico da Ecologia da Caatinga; - Conhecimento Sistemático Botânico e Zoológico; - Conhecimentos superficiais de etnozoologia e etnobotânica. - Conhecimento básico de técnicas de apreensão de animais e de coleta de exsicatas; - Conhecimento de Literatura Modernista, com destaque para a Sertanista.
Reino: Animalia Filo: Chordata Subfilo: Vertebrata Classe: Aves Ordem: Falconiformes Família: Falconidae Gênero: Caracara Espécie: Polyborus plancus�
Figura 2. Modelos de fichas sobre os animais, plantas e personagens.
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A aventura
O carcará é o objeto de estudo do protagonista, um biólogo que está
desenvolvendo a sua tese de doutorado e a sua missão é a de observar o comportamento
alimentar do carcará em seu ambiente natural e desvendar as características ecológicas,
zoológicas e botânicas da região. O carcará é um falconídeo imponente que se alimenta de
insetos, aranhas, minhocas, ovos e pequenos vertebrados. Combater o tráfico de animais
silvestres é a missão de um grupo de patrulha, responsável pelo monitoramento das fronteiras do
Parque. O grupo de patrulheiros é composto por dois policiais ambientais e dois fiscais do IBAMA
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). O biólogo aproveita a interação com esses agentes e
seguem juntos para o Parque, fazendo comentários sobre as funções de cada um e sobre
legislação ambiental e o tráfico de animais e de objetos arqueológicos na região.
As ações envolvendo esses personagens ocorrem num vilarejo imaginário próximo
ao Parque, onde corre o Riacho Bom Jesus, um dos afluentes do Rio Piauí, que separa o vilarejo
em uma “área rural” e outra “urbana” (Figura 1). Aqui está o grupo de moradores da região (de
uma área mais urbanizada e de outra que reside numa área essencialmente rural) e que
fornecerão importantes pistas para que o biólogo e o grupo de patrulha atinjam as respectivas
missões. Os moradores da área mais urbanizada são personagens do cotidiano: a dona da
mercearia, o dono do bar, o padre responsável pela capela, o fazendeiro dono das terras que
compõem o vilarejo e um feirante responsável pela venda de animais para montaria. Já os
moradores da área rural são vaqueiros, agricultores, os seus familiares e um ermitão que vive
vagando pelas terras ao redor do Parque.
Quando a equipe de patrulha chega na área urbanizada obtém informações de
interesse do biólogo e dos agentes e seguem a área rural do vilarejo. Durante a viagem, seguindo
o curso do minguado rio, o biólogo aponta várias espécies de animais e de plantas típicas da
região que havia visto apenas em livros e o carcará que, por sorte, inicia o comportamento de
forrageamento. O grupo prossegue e com as pistas e as informações recolhidas com os sertanejos
levam o grupo ao encontro dos traficantes.
Modo de Jogar
A prática do jogo em sala de aula somente inicia-se após o professor apresentar o
mecanismo de funcionamento do mesmo para a classe. Sugere-se dividir a classe em grupos de 8
a 10 alunos, distribuindo os personagens aos jogadores de cada grupo, por meio de sorteio. Os
personagens devem ser conhecidos pelos alunos anteriormente à prática do jogo para que
estejam devidamente familiarizados com as características de cada um. O professor será o
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narrador da aventura (ou o mestre), cuja função será controlar a representação de alguns
personagens, a de promover a interação entre os personagens, desses com o cenário e garantir
que as missões sejam cumpridas. Durante a narração, o professor introduzirá os jogadores ao
contexto espacial do jogo (cenário), narrando as respectivas missões dos personagens,
preparando-os para a trama que vivenciarão. O sucesso do jogo dependerá muito do professor-
narrador: como um diretor, é conveniente que o narrador estimule a percepção imaginária de
sensações visuais, táteis, olfativas, sonoras e gustativas conforme o contexto. A riqueza de
detalhes da paisagem da caatinga depende do seu conhecimento e da capacidade de estimular a
imaginação dos jogadores e para o cumprimento da missão, deve ser hábil limitando a criação de
narrativas paralelas entre os personagens. A imposição de limites é necessária na prática
pedagógica, pois devido à dinâmica e flexibilidade do RPG, a aventura pode se distanciar da
missão didaticamente planejada. Esse jogo possibilita, a partir de um enredo básico recriar
possibilidades alternativas para o cumprimento da missão. Além da flexibilidade os custos são
baixíssimos, pois só exigem papel, informações e criatividade.
Em resumo, o jogo (didático) de RPG é constituído de 2 mapas; 15 fichas de
personagem; 11 fichas de animais; 12 fichas de plantas; 1 roteiro; um Manual de Regras sobre o
jogo; Um texto explicativo sobre “O Que é o RPG” e um Texto de apoio ao Professor “Ecologia da
Caatinga”.
O desenrolar dessa aventura deve ser concluído em duas aulas subseqüentes de
50 minutos cada, e ao final de sua prática, deve ocorrer uma avaliação, na qual os alunos se
referirão à história vivenciada. O Comportamento é o tema principal do material, no entanto, ao se
abordar temas de Ecologia, Geografia, Zoologia e Botânica, além de referências sobre Legislação
Ambiental, Arqueologia, História e Literatura, espera-se que, ao final da aventura pedagógica, o
aluno: a) tenha aprendido a localizar a Caatinga no mapa do Brasil e se familiarizado com algumas
das as espécies típicas da fauna e flora; b) tenha conhecimento sobre a existência de um
patrimônio histórico cultural da humanidade em pleno sertão; c) se familiarize com as leis
ambientais, a existência de órgãos públicos reguladores e fiscalizadores dos recursos ambientais e
como os mesmos atuam; e finalmente, d) tenha conseguido realizar algumas associações entre
clima, geografia, relevo e o regime das chuvas, assim como suas influências sobre o as
adaptações das espécies viventes e sobre o cotidiano sócio-econômico dos sertanejos que moram
na Caatinga.
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Parte II. A Cuesta de Botucatu e o Cerrado
Introdução
Com a finalidade de desenvolver nas escolas o exercício da cidadania, esse
material didático tem como finalidade proporcionar aos estudantes da região de Botucatu um maior
conhecimento sobre as características naturais do Bioma da região que o estudante habita. Assim,
promove-se uma aprendizagem significativa (MOREIRA & MASINI, 1982) que além de aumentar a
dimensão do conhecimento sobre recursos naturais e a sua história, possa ser um agente atuante
nos movimentos de sua conservação e de defesa.
A região de Botucatu está inserida em um dos cenários paisagísticos mais belos do
Estado de São Paulo, constituída pela Cuesta de Botucatu. Vários municípios vizinhos estão
juntos, incluídos na Área de Proteção Ambientais (APA). A Cuesta é uma formação geológica que
se estende de um paredão de 80 quilômetros de extensão até a margem do rio Paraná, protegida
pela APA Corumbataí-Tejupá-Botucatu (ENGEA, 1990; UIEDA & PALEARI, 2004).
Dado o grande potencial turístico, um consórcio de municípios criou o “Pólo
Regional de Desenvolvimento Turístico” (Lei Estadual N° 10.855, de 31 de agosto de 2001) onde
no sopé da Cuesta temos: os municípios de Conchas, Bofete e Anhembi; na crista: Botucatu,
Pardinho e Itatinga; na costa, São Manuel, Pratânia e Areiópolis com a
Represa de Jurumirim em Paranapanema. Esta também é mais uma razão para estimular os
jovens da região a se inserirem na apropriação do potencial ecológico e turístico da região da
Cuesta.
O jogo de perguntas e respostas foi escolhido por apresentar flexibilidade
(possibilidade de mudar o tipo e o número de perguntas), custo baixo e possibilitar uma avaliação
preliminar sobre o conteúdo previamente ensinado.
O assunto contemplado nesse jogo está de acordo com o eixo “Vida e Ambiente” do
conteúdo de Ciências Naturais para o Ensino Fundamental da 5a e 6a séries. (BRASIL, 1998)
atendendo a recomendação de se introduzir conceitos sobre ecologia (com ênfase aos biomas
brasileiros), comportamento dos animais e geografia e história.
Para familiarizar os jogadores (moradores da região) sobre a formação geológica
bastante peculiar e única (e pouco conhecida) da Cuesta de Botucatu, sua avi-fauna, o potencial
turístico e despertar a necessidade de conhecer e preservar o patrimônio natural realizou-se uma
pesquisa bibliográfica em fontes impressas (livros e revistas), virtuais (internet) e entrevistas com
pesquisadores que estudam a fauna e flora da região.
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Elementos do Jogo
Fichas Biológicas de Planta e Animais do Cerrado
Em função da freqüência de ocorrência decidiu-se enfatizar o comportamento de
predação de 3 espécies típicas da região: a coruja-buraqueira, o teiú e o tatu-galinha. Veja o
modelo de ficha da coruja na Figura 3. Para cada animal ou planta citado no jogo foram
confeccionadas fichas sobre as características biológicas de modo que durante o jogo a idéia de
cadeia alimentar pudesse ser construída.
Para confeccionar o jogo utilizamos papel cartão em várias cores, um painel
paisagístico da Cuesta de Botucatu, bonecos de animais representativos, pedaços de rochas e
sementes de plantas e uma caixa para guardar o material.
Figura 3. Modelo de ficha dos animais e plantas para serem estudas pelos alunos antes do jogo.
Ficha da Coruja Buraqueira
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+2
-1
+3
-2
Regras do jogo
As perguntas
O jogo tem 4 rodadas correspondentes a 5 temas sobre a Cuesta de Botucatu: 1)
Ecologia e Comportamento Animal; 2) Zoologia e Botânica; 3) Geografia e Paleontologia; 4)
Fisiologia Animal ; 5) História e Cultura (Tabela 2). Em uma rodada há um grupo de 10 perguntas
com 2 de cada tema. Entre as perguntas há algumas perguntas-chave que quando respondidas
corretamente levam o jogador à colocação de peças no painel temático ou ao encontro de algum
outro objeto relacionado ao tema. Cada pergunta foi impressa em cartões individuais coloridos
cada qual identificando o assunto e ao final, são respondidas 40 perguntas.
Pontuação
Para cada resposta confeccionou-se cartões de
pontuação especificas. Pensamos em cartões para possibilitar a
realização do jogo sem a necessidade de lousa ou papel. Os cartões
correspondem a 4 possibilidades:
a) respostas certas: ganha-se 2 pontos
b) respostas erradas: perde-se 1 ponto
c) ausência de resposta: perde-se 2 pontos
d) respostas certas das perguntas-chave: ganha-se 3 pontos
Figura 3. Estrutura proposta para o jogo de perguntas. As cores representam cada equipe (4 equipes).
Grupo 1
Grupo 2
Grupo 4
Grupo 2 �
Eu sei!
Painel Temático
��
Professor
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Tabela 2. Seqüência de 4 rodadas, os respectivos assuntos e os grupos de perguntas .
Assuntos Rodada 1 Rodada 2 Rodada 3 Rodada 4 Total de Perguntas
Geografia e Paleontologia 2 2 2 2 8
Zoologia e Botânica 2 2 2 2 8 Ecologia e
Comportamento Animal 2 2 2 2 8
Fisiologia Animal 2 2 2 2 8 Historia 2 2 2 2 8
10 10 10 10 40
Ao final do jogo cada equipe terá um conjunto de pontuações que devem ser
contabilizados pela própria equipe em público e verificar como foi a classificação geral de cada
uma.
Modo de jogar
Seja na sala de aula ou num espaço aberto (Figura 3), os integrantes das equipes
competitivas são sorteados pelo professor para estimular a integração, desfazendo, pelo menos
durante o jogo, os grupinhos só de meninos ou só de meninas.
Depois, cada uma elegerá um representante que, em nome do grupo, emitirá as
respostas às perguntas do jogo. Em cada rodada, cada representante sorteará um conjunto de 10
cartões (duas de cada cor) no banco de perguntas. O jogo começa com o professor lendo a
pergunta em voz alta e clara para as equipes desafiantes. Aguarda-se 1 minuto (a ser
cronometrado pelo professor) para que a resposta possa ser emitida pela primeira equipe. Se esta
não souber ou errar, passa-se para a equipe seguinte e assim por diante. Ao final de cada
resposta, o professor deverá distribuir o cartão de pontuação para as equipes correspondentes
que deverá guardá-los até o final do jogo.
Como podemos observar pela Tabela 2, ao final do jogo 40 questões são
respondidas englobando diversos temas alinhavados em torno da Cuesta, proporcionando dessa
maneira, uma visão multidisciplinar sobre o bioma da região onde o próprio estudante habita.
Texto de apoio
O texto intitulado “Descobrindo o Cerrado e a Cuesta de Botucatu” é uma revisão
geral sobre os 5 temas do jogo e a sua leitura possibilita construir um banco muito maior de
perguntas. O texto foi ricamente ilustrado com figuras coloridas sobre a paisagem do cerrado e
seus representantes mais típicos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma característica natural do ser humano é a solução de problemas mediante a
combinação necessidade e criatividade. Levando-se em consideração a necessidade de produzir
material didático de baixo custo que fosse simultaneamente interessante para a o processo de
ensino-aprendizagem de jovens, o emprego de jogos pareceu-nos uma boa solução.
Aproveitando-se que os licenciandos em Ciências Biológicas optam pela área de produção de
material didáticos e tendo o apoio do Núcleo de Ensino da Unesp e da Estação Ciência da Unesp
que valorizam essas atividades, ensaios como esses e outros que vimos executando há mais
tempo, tem sido bastante frutíferas. Durante essa experiência, o licenciando testa o aprendizado
acadêmico e contribui com uma proposta pedagógica a ser utilizada prontamente pelos
professores de ensino médio ou fundamental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BROUGÈRE, G. A Criança e a Cultura Lúdica. Revista Faculdade de Educação, São Paulo, v.24, n.2, p.103-16, jul./dez. 1998.
BROUGÈRE, G. Brinquedo e Cultura. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2000. 110p.
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