aprendendo com os erros dos outros:

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97 João Feres Jr. City University of New York RESUMO Rev. Sociol. Polít. , Curitiba, 15, p. 97-110, nov. 2000 APRENDENDO COM OS ERROS DOS OUTROS: O QUE A HISTÓRIA DA CIÊNCIA POLÍTICA AMERICANA TEM PARA NOS CONTAR I. INTRODUÇÃO O que a história da Ciência Política americana pode ensinar aos cientistas sociais brasileiros? Essa é a questão de fundo que orienta este artigo. Como a maioria das questões de que se ocupam as Ciências Humanas, essa também não tem uma resposta simples. Não há “uma” história da Ciência Política americana, mas de fato várias narrativas que diferem de maneira significativa entre si. É exatamente do embate entre essas versões que podemos aprender algumas lições esclarecedoras que talvez nos ajudem a melhor compreender o passado e o presente, e a projetar o futuro das Ciências Sociais no Brasil, assim como a pensar as relações entre Ciências Sociais, democracia e republicanismo em nosso país. II. ANATOMIA DA PROFISSÃO A Ciência Política é uma invenção americana. Apesar de aparentemente exagerada, essa afirmação é em boa medida verdadeira. Claro que a idéia de um esforço sistemático de compreensão da política é coisa bem mais antiga. O Platão das Leis e Aristóteles são candidatos óbvios ao título Este artigo pretende mostrar que a análise da história da Ciência Política americana pode nos ajudar a pensar criticamente as Ciências Sociais no Brasil. A versão historiográfica dominante, representada por John Gunnell e outros, ignora o papel ideológico e antidemocrático que a Ciência Política behaviorista assumiu durante a Guerra Fria, enquanto histórias mais críticas são mantidas à margem da disciplina. Essa situação espelha o arranjo institucional da própria Ciência Política, que promove o isolamento da sub- área de teoria política das outras sub-áreas mais “científicas”. PALAVRAS-CHAVE: história da Ciência Política; Ciência Política americana; teoria política; Guerra Fria; positivismo; revolução comportamentalista. de fundadores desse tipo de reflexão. Desde então uma horda de pensadores sucedeu-os: gregos, romanos, italianos, espanhóis, ingleses, franceses etc. Em suma, a invenção do estudo sistemático da política não pode ser atribuída aos americanos. O que estes fizeram, de fato, foi criar uma profissão acadêmica especializada no estudo da política e institucionalmente separada do estudo da História e da Filosofia. Mais tarde essa disciplina se diferenciaria também da Sociologia, da Psicologia e da Antropologia. A institucionalização da Ciência Política americana, na prática, correspondeu à criação de empregos, cursos, departamentos, programas, centros de pesquisa, revistas especializadas, associações e linhas de financiamento de pesquisa sob o mesmo rótulo disciplinar da Ciência Política. Paralelo a esse processo de desenvolvimento institucional ocorreu um movimento de especia- lização. A estrutura institucional da Ciência Política americana é hoje dividida em cinco sub-áreas: política americana, política comparada, relações internacionais, políticas públicas e teoria política. Cada sub-área apresenta um alto grau de autonomia “We have a practical task of world education in the American way of life and in the spirit of American government, made in its image”. Leonard D. White, cientista político ARTIGOS

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João Feres Jr.City University of New York

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 15, p. 97-110, nov. 2000

APRENDENDO COM OS ERROS DOS OUTROS:O QUE A HISTÓRIA DA CIÊNCIA POLÍTICA

AMERICANA TEM PARA NOS CONTAR

I. INTRODUÇÃO

O que a história da Ciência Política americanapode ensinar aos cientistas sociais brasileiros? Essaé a questão de fundo que orienta este artigo. Comoa maioria das questões de que se ocupam asCiências Humanas, essa também não tem umaresposta simples. Não há “uma” história da CiênciaPolítica americana, mas de fato várias narrativasque diferem de maneira significativa entre si. Éexatamente do embate entre essas versões quepodemos aprender algumas lições esclarecedorasque talvez nos ajudem a melhor compreender opassado e o presente, e a projetar o futuro dasCiências Sociais no Brasil, assim como a pensaras relações entre Ciências Sociais, democracia erepublicanismo em nosso país.

II. ANATOMIA DA PROFISSÃO

A Ciência Política é uma invenção americana.Apesar de aparentemente exagerada, essaafirmação é em boa medida verdadeira. Claro quea idéia de um esforço sistemático de compreensãoda política é coisa bem mais antiga. O Platão dasLeis e Aristóteles são candidatos óbvios ao título

Este artigo pretende mostrar que a análise da história da Ciência Política americana pode nos ajudar apensar criticamente as Ciências Sociais no Brasil. A versão historiográfica dominante, representada porJohn Gunnell e outros, ignora o papel ideológico e antidemocrático que a Ciência Política behavioristaassumiu durante a Guerra Fria, enquanto histórias mais críticas são mantidas à margem da disciplina. Essasituação espelha o arranjo institucional da própria Ciência Política, que promove o isolamento da sub-área de teoria política das outras sub-áreas mais “científicas”.

PALAVRAS-CHAVE: história da Ciência Política; Ciência Política americana; teoria política; GuerraFria; positivismo; revolução comportamentalista.

de fundadores desse tipo de reflexão. Desde entãouma horda de pensadores sucedeu-os: gregos,romanos, italianos, espanhóis, ingleses, francesesetc. Em suma, a invenção do estudo sistemáticoda política não pode ser atribuída aos americanos.O que estes fizeram, de fato, foi criar uma profissãoacadêmica especializada no estudo da política einstitucionalmente separada do estudo da Históriae da Filosofia. Mais tarde essa disciplina sediferenciaria também da Sociologia, da Psicologiae da Antropologia.

A institucionalização da Ciência Políticaamericana, na prática, correspondeu à criação deempregos, cursos, departamentos, programas,centros de pesquisa, revistas especializadas,associações e linhas de financiamento de pesquisasob o mesmo rótulo disciplinar da Ciência Política.Paralelo a esse processo de desenvolvimentoinstitucional ocorreu um movimento de especia-lização. A estrutura institucional da Ciência Políticaamericana é hoje dividida em cinco sub-áreas:política americana, política comparada, relaçõesinternacionais, políticas públicas e teoria política.Cada sub-área apresenta um alto grau de autonomia

“We have a practical task of world education in theAmerican way of life and in the spirit of Americangovernment, made in its image”.

Leonard D. White, cientista político

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disciplinar e endogenia. Conseqüentemente, umprofessor de política comparada, por exemplo, sóensina cursos de política comparada, publica emperiódicos especializados em política comparada,e participa de conferências nas mesas e painéis damesma sub-área.

Tal nível de especialização acadêmica não foiigualado até hoje por nenhum outro país do mundo.Mesmo no Brasil, onde a academia caminha apassos largos em direção ao modelo americano, aCiência Política não é muito institucionalizada.Muitas universidades preferem ter programas dedoutorado em Ciências Sociais; não há periódicoalgum especializado em Ciência Política, quantomais em alguma sub-área da disciplina; e a recém-criada Associação Brasileira de Ciência Política équase 100 anos mais nova e 100 vezes menor quesua irmã americana.

Em parte, por ter sido vanguarda na criaçãoda Ciência Política, a academia americana tornou-se modelo para os departamentos de CiênciaPolítica em outros países e pólo exportador detendências teóricas e temáticas. A influência daCiência Política americana no mundo também sedá por meio da formação de acadêmicos de outrospaíses nos inúmeros programas de doutorado emCiência Política dos EUA. O fato de a maioria dosbolsistas brasileiros no exterior que fazemdoutorado em Ciência Política estarem alocadosem universidades americanas é evidência claradessa influência. Ou seja, o contribuinte brasileirotem financiado essa “importação” de “conhe-cimento”. Nada mais razoável, portanto, do queaperfeiçoarmos nossa apreciação crítica da históriae papel político desse produto no seu lugar deprodução original.

III. A HISTÓRIA “OFICIAL”

O uso da expressão “Ciência Política” já eracorrente nos EUA ao final do século XVIII, durantea guerra de libertação – que os americanos chamamsem ironia alguma de “revolução” – e, princi-palmente, durante os debates entre federalistas eanti-federalistas, que precederam a ratificação daConstituição americana. De acordo com JamesFarr, nesse contexto a expressão era usada demaneira retórica por escritores de diferentesorientações políticas. Em outras palavras, seusignificado era vago e aberto à contestação. JohnAdams, o segundo presidente americano, falou da“divina Ciência Política”. Alexander Hamilton, umdos autores de O federalista, usou a expressão

para glorificar o progresso da Ciência Política emvista das novas experiências institucionais postasem prática pelo recém-criado governo americano.James Madison, outro importante federalista equarto presidente dos EUA, via a Ciência Políticacomo instrumento fundamental de correçãoinstitucional e aprimoramento da governança(FARR, 1993).

A entrada da Ciência Política no ambienteacadêmico ocorreu somente sete décadas após osdebates sobre a Constituição. Em 1857, o imigrantealemão Fancis Lieber foi nomeado catedrático emHistória e Ciência Política pela Universidade deColumbia, o primeiro posto desse tipo a ser criadona academia americana. Em 1880, na mesmauniversidade, foi criado o primeiro departamentode Ciência Política, sob a direção de John W.Burgess. Finalmente, em 1903, a Associação Ame-ricana de Ciência Política (APSA) se consolidou.

Farr declara que muitos cientistas políticosamericanos do século XIX, entre eles Lieber,Burguess e Woodrow Wilson, entendiam que suatarefa era eminentemente pedagógica e política,qual seja, ensinar aos cidadãos americanos asvirtudes republicanas. “O fim do século XIX foium período de vitalidade e fertilidade para a ciênciaamericana da política, que proclamou sua iden-tidade e unidade como a ciência do Estado. Aopromover a educação dos cidadãos, ao mesmotempo que a teorização científica, a disciplina tor-nou-se mais profissional e inteiramente acadêmica”(FARR, 1988).

Farr parece não ver uma contradição insolúvelno fato de a ciência americana ter sido, no séculoXIX, uma “ciência do Estado” ao mesmo tempoque uma atividade dedicada à educação políticados cidadãos. Isso porque, seguindo seu raciocínio,o Estado americano, por ser democrático, estarianaturalmente interessado na promoção dessaeducação republicana. De fato, a vocação demo-crática da Ciência Política americana é tomada porFarr, e por muitos outros historiadores da CiênciaPolítica naquele país, como um dado histórico in-questionável. Após defender a idéia de que a históriada Ciência Política americana deveria ser estudadadando prioridade à relação entre Ciência Política epolítica, Farr conclui que entre todas as diversasatividades que definem o exercício da CiênciaPolítica, a “educação dos cidadãos para a demo-cracia” é historicamente predominante. SegundoFarr, o apego à democracia une cientistas políticos

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de todas as gerações (idem). Para reforçar essaconvicção, o autor cita a seguinte passagem deautoria de Erkki Berndtson: “A Ciência Políticaapareceu com o crescimento da democracia repre-sentativa. A conclusão lógica a ser tirada é que odesenvolvimento da Ciência Política, da maneirapela qual a entendemos, depende do futuro dademocracia representativa” (ANCKAR &BERNDTSON, 1987).

Contudo, a história da vocação democráticada Ciência Política americana tem também os seuspercalços. Farr lamenta que o comprometimentorepublicano da Ciência Política tenha se dete-riorado devido à excessiva profissionalização dadisciplina. Para o autor, o inchamento do sistemauniversitário e a autonomia dos critérios acadê-micos de promoção e sucesso profissional levaramo cientista político para longe da política. Ao invésde se envolverem na solução dos problemas con-cretos da democracia americana, os cientistaspolíticos cada vez mais passam seu tempo dis-cutindo entre si teorias com pouca relevânciaprática.

Esse veredicto é repetido de maneira similarpor outros autores. Em um livro de título suges-tivo, The Tragedy of Political Science. Politics,Scholarship and Democracy, David Ricci afirmaque a Ciência Política americana tem se dedicado,através de suas teorias e engajamento político, àtransmissão e à compreensão dos valores demo-cráticos (RICCI, 1984). A tragédia fica por contada interação histórica entre o projeto científico eas aspirações democráticas. Segundo Ricci, o ri-gor do procedimento científico levou os cientistaspolíticos americanos a descobrirem “fatos reais”que contradizem os valores democráticos, como,por exemplo, que o sistema político americano ésustentado pela indiferença dos cidadãos e não porseu engajamento político. Além disso, a demandapor factualismo e a rejeição de julgamentos de valortêm por conseqüência o abandono de questõesnormativas importantes para a saúde democrática,como a virtude política e o patriotismo. A profis-sionalização também contribuiu para o estra-nhamento entre o exercício da Ciência Política esua vocação, ao afastar do escopo dos estudosacadêmicos as questões políticas mais contro-versas e debatidas. Em suma, o quadro pintadopor Ricci se assemelha ao de Farr: uma vocaçãodemocrática problematizada por um profissio-nalismo alienante que, apesar de não ameaçaraquela convicção, é a causa principal de uma crise

de falta de relevância política.

Raymond Seidelman e Edward J. Harphamtambém seguem um script parecido. Em um estudocentrado nas contribuições individuais de dez doscientistas políticos mais influentes no período deConstituição da academia americana, Seidelman eHarpham identificam uma tradição de engajamentopolítico desses intelectuais com questões relativasà reforma progressista das instituições demo-cráticas. Contudo, geração após geração, essesintelectuais viram seus projetos de reforma rejei-tados pelas instituições políticas dos EUA. Emresposta a essa rejeição, os cientistas políticospassaram a incrementar o rigor científico de suasteorias na esperança de adquirirem maior aceitaçãoe autoridade social e, conseqüentemente, maiorcacife político. Segundo os autores, essa táticateve resultados infelizes, pois acabou por afastaros cientistas políticos do problemas mais candentesda democracia americana, e encerrá-los em umacomunidade autocentrada e estanque. De novo, anarrativa se repete: a inspiração democrática daCiência Política mantém-se mas sua eficáciaprática é prejudicada pelo excessivo enquistamentoprofissional.

A defesa mais ardente da identidade entre Ciên-cia Política e democracia é feita for David Easton,John G. Gunnell e Michael Stein no livro Regimeand Discipline: Democracy and the Developmentof Political Science, editado pelos mesmos auto-res (EASTON & GUNNELL, 1995). Easton e Steinfundaram em 1985 o Comitê Internacional para oEstudo do Desenvolvimento da Ciência Política(ICSDPS), que é afiliado à Associação Interna-cional de Ciência Política (IPSA). Esse comitêpromoveu três encontros internacionais, em Cor-tona (Itália), Barcelona e Paris, para discutir ahistória e o desenvolvimento da Ciência Políticaem diferentes nações do mundo. O livro é umacoletânea de textos produzidos durante esses en-contros e selecionados de maneira a dar granderelevância ao papel fundador da Ciência Políticaamericana. A questão que supostamente orienta oprojeto de Regime and Discipline é a da relaçãocausal “recíproca” entre Ciência Política e regimepolítico. No texto introdutório do livro, Easton,Gunnell e Stein começam por afirmar que a CiênciaPolítica é uma invenção americana, para logodepois dizer que, historicamente, a Ciência Políticaesteve tão intimamente ligada à democracia queela é às vezes chamada de “ciência da democracia”;os autores concluem que em países democráticos

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a Ciência Política é mais desenvolvida porque “[...]o estabelecimento de instituições democráticasajuda a fomentar um clima político e cultural maispropício ao aparecimento da Ciência Política comodisciplina, e a disciplina, em si, pode contribuirpara a instituição e posterior evolução da demo-cracia em um dado país. Isso porque a CiênciaPolítica como disciplina está mais apta a florescerem um contexto liberal de discussão e crítica,controle estatal limitado, e desenvolvimentoprofissional autônomo. O cientista político pro-fissional, por sua vez, se inclina a promoverativamente regimes que proporcionam taiscondições” (idem).

Descontando a repetição e circularidade dosargumentos na passagem acima, devemos notaro tom de universalidade com o qual os autores sereferem às leis do desenvolvimento da CiênciaPolítica. Contudo, o que está sendo de fato univer-salizada é a compreensão que esses autores têmda história da Ciência Política em seu próprio país,os EUA. Uma compreensão que beira a auto-adulação. Coerentemente, em uma passagemposterior, os mesmos autores igualam o desenvol-vimento da Ciência Política à emulação do modeloamericano. Pairando sobre esse raciocínio está apremissa de que a democratização tambémcorresponde à implantação do modelo liberal-democrático americano.

Em textos escritos sem a colaboração dosoutros dois colegas, John Gunnell apresenta umanarrativa mais acabada da história da CiênciaPolítica americana. De acordo com esse autor, aCiência Política americana era umbilicalmenteligada à democracia desde sua fundação, emmeados do século XIX. Nesse contexto não haviadivisão entre ciência e teoria, como hoje há, e osprofissionais da disciplina se dedicavam à críticaconstrutiva e ao avanço das instituições demo-cráticas daquele país. Segundo Gunnell, a tradiçãoda Ciência Política nos EUA deve ser entendidacomo uma tentativa de substituir a religião, comofator de coesão social, por uma ciência de controlesocial e políticas públicas que promovesse osvalores liberais. Ou seja, como Farr, ele não vêcontradição em um projeto que vise ao controlesocial e à educação cívica liberal. Contudo, esseidílio entre Ciência Política e democracia sofreuum grave abalo por volta da Segunda GuerraMundial.

Os causadores desse abalo foram os inte-lectuais judeus alemães que imigraram para os EUA

na década de 30, fugindo do nazismo na Europa.Gunnell lembra que, apesar de suas diferençasideológicas, tanto Leo Strauss como Eric Voeglin,Hannah Arendt e Herbert Marcuse foram críticosseveros do liberalismo americano. Todos viam naneutralidade em relação aos valores pregada pelaCiência Política empiricista americana uma formade relativismo moral absoluto e, portanto, umpasso certeiro em direção ao totalitarismo(GUNNELL, 1988).

Gunnell defende que os intelectuais imigranteserraram gravemente em sua avaliação. Primeiro,porque sua experiência traumática com o tota-litarismo na Europa os fez projetar essa ameaçano contexto dos EUA, onde não havia risco dedegeneração totalitária. Segundo, porque seu modode pensar estava impregnado de questõesfilosóficas, epistemológicas e universais que osimpedia de compreender o pragmatismo naorientação da Ciência Política americana. ParaGunnell, a orientação pragmática ditava que aCiência Social americana produzisse soluções que“funcionassem” para problemas políticos con-cretos, e não teorias que fossem epistemolo-gicamente coerentes ou filosoficamente infor-madas. A miopia dos imigrantes impediu-os deenxergar a relação umbilical que unia o empiricismopositivista praticado pela Ciência Política a umcompromisso absoluto com o liberalismo demo-crático. Gunnell insiste em que a defesa da neutra-lidade em relação a valores não deve ser entendidacomo um relativismo moral absoluto. Pelocontrário, a defesa da neutralidade só foi possívelporque havia um entendimento tácito de que aCiência Política como um todo estava limitada aocampo da democracia liberal e, portanto, compro-metida com seus valores básicos.

Contudo, apesar de equivocada, a críticaelaborada pelos intelectuais imigrantes surtiu efeitosque, segundo Gunnell, foram nefastos para ofuturo da Ciência Política nos EUA. Sentindo aautoridade de seu saber ameaçada, os cientistaspolíticos lançaram a behavioral revolution, umnovo esforço de produção de uma Ciência Políticaobjetiva aos moldes das Ciências Naturais1 . Um

1 A behavioral revolution, expressão que pode ser traduzidacomo “revolução comportamentalista”, foi um movimentode crítica e revisão da Ciência Política americana iniciadonos anos 50, e que rapidamente se tornou hegemônico dentrodos meios acadêmicos daquele país. O livro The PoliticalSystem de David Easton (EASTON, 1953) contém o

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dos pontos programáticos da behavioral revolu-tion era a separação da Ciência Política verdadei-ramente científica da história do pensamentopolítico e das teorias políticas normativas(EASTON, 1953). Na prática, essa proposta levouà criação da teoria política como sub-área daCiência Política, uma solução institucional que,segundo Gunnell, acabou causando o isolamentoda teoria política das questões práticas maiscandentes.

Gunnell conta que, antes da behavioralrevolution, não havia distinção entre teoria políticae Ciência Política. Naquele período, os cientistaspolíticos se consideravam os descendentesmodernos dos clássicos do pensamento político.Gunnell chega a argumentar que a idéia de umatradição da história do pensamento político é defato uma invenção da Ciência Política americana.Tudo isso se acabou com a behavioral revolution.A análise da literatura de Ciência Política produzidaatualmente nos EUA mostra que textos de teoriapolítica, sejam eles clássicos ou modernos, sãoliteralmente ignoradas pela produção acadêmicadas quatro sub-áreas mais “científicas” da CiênciaPolítica: política americana, política comparada,relações internacionais e políticas públicas.

Uma vez isolada das outras sub-áreas daCiência Política, a teoria política, segundo contaGunnell, começou a ser “colonizada” pela filosofiapolítica e pela metateoria, abandonando assimproblemas políticos concretos e dedicando-se aquestões abstratas como a da natureza doconhecimento e da ação política. Outros teóricospolíticos concentraram-se no estudo da históriado pensamento, disciplina vista por Gunnell comoum culto ao antiquarianismo sem relevânciapolítica e, portanto, uma forma de fuga dosproblemas concretos da política (GUNNELL,1993).

Mas os efeitos nefastos não se limitam aoenquistamento da teoria política. Ao responder àameaça imigrante com um novo projeto quepregava maior rigor científico, a Ciência Políticatambém acabou por se envolver com questõesepistemológicas e filosóficas. Os fundadores dabehavioral revolution foram buscar no positivismológico do círculo de Viena os fundamentos paraseu “novo” projeto de Ciência Política baseado naseparação radical entre fatos e valores e na verifica-bilidade empírica das teorias. Ironicamente, quan-do do lançamento do movimento, na década de50, o positivismo lógico já estava em franco

declínio nos meios filosóficos. Desde então, aCiência Política americana tem visitado a filosofiada ciência repetidas vezes em busca de um modelodefinitivo que lhe proporcione o tão almejado, masnunca alcançado, status científico2.

Segundo Gunnell, a behavioral revolutioncometeu um erro ao confundir a filosofia dasCiências Naturais, e suas teorias sobre como aciência opera, com a prática das Ciências Naturaisem si. Cientistas naturais se preocupam comproblemas teóricos concretos e não com a filosofiado fazer científico. Em contraposição, os cientistaspolíticos passaram a se ocupar mais e mais comquestões de cunho metateórico, a tal ponto quequase todo livro de Ciência Política se inicia comuma digressão sobre os pressupostos do conhe-cimento científico nas Ciências Sociais, e/ou umdebate teórico sobre a natureza dos fenômenossociais em questão.

Gunnell afirma que, apesar do barulho, aproposta disciplinar avançada pela behavioralrevolution não trazia nada de substantivamentenovo do ponto de vista da adesão histórica daCiência Política americana ao empiricismo e àseparação entre fato e valor. Para Gunnell erramos que acreditam que também por detrás doradicalismo da behavioral revolution havia umrelativismo moral total. Ainda de acordo com esseautor, como seus predecessores, os arquitetosdesse movimento eram também partidários dosvalores do liberalismo democrático americano. Nabehavioral revolution, como anteriormente, ocompromisso com a democracia era tão consen-sual que esse assunto sequer era tratado.

2 Foi com esse intento que Grabriel Almond apelou paraKarl Popper em Clouds and Clouds (POPPER, 1979), AdamPrzeworski para Carl Hempel em The Logic of ComparativeSocial Inquiry (PRZEWORSKI, 1970), Almond e DavidTruman para Thomas Kuhn (TRUMAN, 1965; ALMOND,1966) etc. Os mais recentes exemplos são proporcionadospor cientistas políticos como John S. Dryzek, e Stephen T.Leonard que, para escapar do ceticismo kuhniano e tornarcompreensível a história da própria disciplina, emprestaram,mais uma vez, as teorias de filósofos da ciência de ImreLakatos, Larry Laudan e Stephen Toulmin (DRYZEK &LEONARD, 1988; FARR & GUNNELL, 1990).

Para uma idéia mais completa do debate entre Kuhn, Lakatose Toulmin ver os procedimentos do Colóquio Internacionalem Filosofia da Ciência, ocorrido em Londres, em 1965, epublicados no livro Criticism and the Growth of Knowledge(LAKATOS & MUSGRAVE, 1970).

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No entanto, o envolvimento da Ciência Políticacom questões de ordem epistemológica levou aum abandono da orientação pragmática anterior.Gunnell argumenta que, hoje, após muitas “revo-luções” científicas, tanto cientistas políticos comoteóricos políticos vivem encerrados na torre demarfim universitária, ocupados com questões eproblemas que raramente ultrapassam os limitesda profissão e, portanto, pouco têm a ver com apolítica.

O plano geral da “história” de Gunnell nãodifere muito da de Farr, Ricci, Seidelman eHarpham. Em todas essas narrativas há primeiroum momento de idílio romântico entre uma ciênciaverdadeiramente engajada no aperfeiçoamento dasinstituições políticas democráticas e liberais ameri-canas, depois uma queda, um processo de desen-canto, em que a profissionalização excessiva, sejaela causada por motivos externos ou internos àprópria disciplina, acaba por afastar os cientistaspolíticos da política. O primeiro problema que saltaà vista nesse tipo de narrativa é uma certa confusãoconceitual quanto à democracia. Esses autores nãoraro tratam o liberalismo e o republicanismo ame-ricano como sinônimos de democracia. Ao faze-rem isso, confundem a democracia, como princípionormativo de alargamento da participação política,com a forma de governo real dos EUA. Em suma,reduzem o universal ao particular e o “dever ser”ao “ser”. É nesse ambiente intelectual que decla-rações como a de Leonard D. White são levadas asério: “nós [cientistas políticos] temos o dever deeducar o mundo de acordo com o estilo de vidaamericano e o espírito do governo americano, feitosegundo a sua imagem” (EASTON & GUNNELL,1995). Qualquer semelhança com a frase “fazer omundo livre para a democracia”, ouvida todas asvezes que os EUA cometem atos de violênciainternacional, não é mera coincidência.

A versão mais caricata dessa operação ideo-lógica é dada por Easton, Gunnell e Stein, quandotentam universalizar a suposta relação históricaentre Ciência Política e democracia no EUA,transformando-a em uma hipótese de trabalho aser testada em diferentes nações do mundo. Aúnica coisa que é de fato testada com esse proce-dimento é o quanto um determinado país se asse-melha aos EUA, segundo a imagem gloriosa queos próprios cientistas políticos americanos têmde seu regime político e de sua Ciência Política. Ochauvinismo dessa postura fica explícito noesforço de Gunnell em pôr a culpa do suposto

declínio da Ciência Política nos imigrantes alemães.Só falta agora chamá-los de um bando de judeusressentidos. Ironicamente, esse misto de patrio-tada e liberalismo só confirma os maiores temoresdos intelectuais imigrantes.

IV. A OUTRA HISTÓRIA

As narrativas históricas comentadas acima nãosão as únicas produzidas dentro da academiaamericana, mas são as do mainstream – um termoque os americanos usam para descrever o centro,o núcleo duro, a parte de maior aceitação, eportanto, mais importante de uma determinadaatividade humana. O termo tem também a cono-tação conservadora de desacreditar as críticas àposição mainstream como algo marginal, radicale, portanto, menos relevante. A condiçãomainstream dessas narrativas podem ser com-provadas pelo exame do veículo de divulgação atra-vés do qual elas vieram a público. As principaiscontribuições de Farr, Gunnell, Dryzek e Leonard,Seidelman e Harpham foram todas publicadas emforma de artigo em The American Political ScienceReview ou em The Journal of Politics, os doisperiódicos mais mainstream da Ciência Políticaamericana. Em contraposição, as versões maiscríticas da história da disciplina não conseguiramalcançar tal prestígio acadêmico.

Esse é o caso do texto American PoliticalScience in its Postwar Political Context, deTerence Ball, um autor renomado que, nãoobstante, publicou esse texto somente comocapítulo de livro e não como artigo3. Assim comoFarr, Ball se propõe a entender a história da CiênciaPolítica americana no contexto de suas relaçõescom a política e a sociedade em geral. Suasconclusões, porém, são muito diferentes das deFarr. Ball afirma que a Segunda Guerra Mundialfoi um importante divisor de águas na história dadisci-plina. Até então a Ciência Política era

3 Segundo os critérios formais e informais praticados pelaacademia americana, a publicação de um artigo em periódicocuja seleção é baseada em pareceres de outros acadêmicostem maior reconhecimento e prestígio do que a publicaçãode um capítulo de livro, cuja seleção, geralmente, dependesomente da escolha do editor do livro. As instituições defomento à pesquisa no Brasil recentemente adotaram umcritério de financiamento semelhante, privilegiando osperiódicos que utilizam a avaliação por pareceristas emdetrimento daqueles que restringem a escolha de artigos àcomissão editorial.

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sustentada basicamente por recursos deinstituições privadas. Com a entrada dos EUA noconflito, os cientistas sociais deixaram oconfinamento da cátedra para se engajarem noesforço de guerra. A orientação behaviorista eempiricista da Ciência Política, que precede emmuito a behavioral revolution, foi posta a serviçoda política de guerra. Cientistas políticos esociólogos dedicaram-se a estudar ocomportamento e valores dos soldados, pro-paganda e alistamento militar, relações de raça nacorporação militar, os efeitos sociais de bombar-deios em populações civis etc. (BALL, 1993).

Com o fim do conflito, os cientistas políticosvoltaram à academia, mas a experiência de guerratransformou sua atitude em relação à profissão eàs relações entre academia e política. Ball diz queeles se tornaram “severos realistas com um sensosóbrio das possibilidades e limitações da política”.Esse sobriedade se traduziu, do ponto de vista daprática disciplinar, em um maior interesse porquestões relacionadas ao comportamento políticoconcreto e, conseqüentemente, na rejeição demodos de pensar mais conceituais, inquisitivos eabstratos, próprios da teoria política e da filosofia.Harold Laswell, um dos cientistas políticos maisinfluentes dessa geração, usou o termo “policysciences” para se referir à disciplina4. Foi comesse espírito que nasceu, segundo Ball, abehavioral revolution.

Ball chama a atenção para o fato de que essemovimento intelectual aconteceu ao mesmo tempoem que a guerra “quente” dos campos de batalhafoi substituída pela guerra fria das trincheirasideológicas. No novo contexto da manipulação decorações e mentes, os cientistas políticos semostrariam ainda mais úteis. Mas essa utilidadesocial só poderia tornar-se realidade com o fi-nanciamento consistente das atividades acadê-micas. Como vantagem a seu favor, os cientistaspolíticos contavam com os contatos dentro dogoverno que haviam feito durante a guerra. Porém,a classe política e a opinião pública em geraldesconfiavam da utilidade das Ciências Sociais, e

viam a academia como um antro de radicais eesquerdistas5.

Através da análise dos depoimentos dados àcomissão parlamentar que analisou a criação daDivisão para as Ciências Sociais na Fundação Na-cional de Ciência (National Science Foundation),Ball mostra o esforço dos cientistas políticos paralegitimar sua atividade e a resistência parlamentarem aceitar aqueles argumentos. Os congressistasamericanos compreendiam bem a utilidade doinvestimento público em pesquisas no campo dasCiências Naturais para o esforço da Guerra Fria –afinal de contas, este gerava frutos concretos.Porém, esses mesmos políticos tinham mais difi-culdade em enxergar a mesma utilidade nos conhe-cimentos produzidos pelas Ciências Sociais. Comoresposta, os cientistas sociais intensificaram apregação cientificista, tentando mostrar que haviaapenas uma diferença de grau entre o conhecimentoproduzido pelas Ciências Naturais e aquele produ-zido pelas Ciências Sociais. Ao mesmo tempo,esses mesmos acadêmicos defenderam a utilidadedo conhecimento produzido pelas Ciências Sociaiscomo forma de controle social, tão ou mais neces-sária quanto o controle de novas tecnologias pro-porcionado pelo avanço das Ciências Naturais.

A ênfase na tecnificação das Ciências Sociaisfoi bem recebida pelos órgãos governamentais einstituições privadas de fomento à pesquisa. Jáem 1947, o Presidente do Conselho de Pesquisaem Ciências Sociais (Social Science ResearchCouncil), Pendleton Herring, declarava: “AsCiências Sociais necessitam enormemente daformação de profissionais competentes que pos-sam usar dados sociais na cura dos males sociais,como médicos, que usam informações científicaspara curar os males do corpo [...] O termo ‘técni-co’ em Ciências Sociais designa um indivíduo comtreinamento profissional para aplicar os fatos,generalizações, princípios, leis e fórmulas desco-bertas pela pesquisa em Ciências Sociais às situa-ções práticas [...] Engenharia social é a aplicaçãodo conhecimento de fenômeno sociais a pro-

4 A palavra “policy” em inglês significa “princípio de ação”,“procedimento”, ou ainda “política” em português, como naexpressão “políticas públicas” (public policy). O sentido queLaswell quis dar ao usar a expressão foi o de indicar que opapel da Ciência Política é produzir conhecimentos úteis àcriação e aperfeiçoamento de políticas públicas.

5 Em uma passagem do texto de tom bastante humorístico,Ball cita um Deputado do estado de Ohio que, ao discursarcontra a criação de uma divisão para as Ciências Sociais naFundação Nacional de Ciência (National Science Foundation)em 1946, refere-se aos cientistas sociais como um “bando demulheres de cabelos curtos e homens de cabelos compridosse intrometendo na vida alheia” (BALL, 1993).

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blemas específicos” (idem).

Em 1954, já em plena behavioral revolution, aDivisão para as Ciências Sociais da FundaçãoNacional de Ciência foi finalmente criada. O tipode pesquisa proposto pelos behavioristas erabaseado na técnica de survey, que, por despendermuitas horas de trabalho de coleta e análise dedados, necessitava de um grande aporte derecursos e estrutura institucional. Conseqüen-temente, os acadêmicos que praticavam esse tipode Ciência Política tornaram-se altamentedependentes das fontes de financiamento, privadase públicas, a tal ponto que é difícil contar a históriada behavioral revolution sem notar que aFundação Ford esteve umbilicalmente envolvidacom o financiamento das pesquisas e com apromoção dos acadêmicos desse movimento6.Com a relação de dependência, nota Ball, veio ocontrole e a seleção dos temas de pesquisa. Porsua vez, os cientistas políticos também passarama deixar de lado temas controversos que pudessemser recebidos com desconfiança pelas fontes definanciamento.

Ball nota que por trás da rejeição aparente dejulgamentos de valor há na produção intelectualdos behavioristas uma tendência para enalteceruma versão conservadora do liberalismo americanoe, ao mesmo tempo, caracterizar o comunismocomo uma patologia psicológica e social. Guiadospelo imperativo da glorificação do modo de vida eforma de governo americanos, os cientistas polí-ticos produziram diagnósticos que tentavammostrar que mesmo os aspectos mais problemá-ticos da política americana eram de fato virtudes.Os exemplos mais famosos, e infames, desseesforço intelectual são a adoção quase generalizadade uma teoria democrática de elites, e a “des-coberta” de que a falta de participação popular éde fato uma virtude democrática. Ball conclui que“a Ciência Política fez uma contribuição valorosaao arsenal americano da Guerra Fria” (idem).

Julgando pelas promessas e expectativas quealimentou quanto ao rigor disciplinar, a behavioralrevolution não foi bem-sucedida. Sua capacidade

de explicação e previsão falharam mesmo nas áreasem que mais se investiram recursos: modernizaçãoe desenvolvimento de países de Terceiro Mundo,teoria da revolução, estabilidade política, e, final-mente, o estudo do regime soviético – o seu maisestrondoso fracasso. Paradoxalmente (ou não),esse mau desempenho disciplinar não se refletiuna capacidade dos cientistas políticos de financiarsuas pesquisas, pois essa só cresceu durante todaa Guerra Fria e depois.

V. EVIDÊNCIAS EM FAVOR DA VERSÃOALTERNATIVA

A disparidade entre a versão de Ball e as dosoutros autores não pode ser ignorada. Ball evita aglorificação chauvinista que assume como pre-missas, reproduzidas com mais ou menos inten-sidade nas outras narrativas, de um passado idílicode engajamento dos cientistas políticos com oaperfeiçoamento da democracia americana, umvínculo inelutável entre a Ciência Política americanae a defesa da democracia, e a identificação imediatado sistema político americano com “a democra-cia”. Além do mais, as outras histórias tendem adramatizar um estado de crise da Ciência Políticano pós-guerra, quando a disciplina perde relevânciasocial e se afasta da política real. Ball mostra que,de fato, o contrário aconteceu. Durante a GuerraFria, a Ciência Política ganhou uma relevância quenunca teve, servindo de aparelho ideológico doEstado americano. Não podemos subestimar aimportância da Guerra Fria como fator de coesãopolítica e propaganda nos EUA desse período.Nesse contexto, os imperativos da guerra foramfreqüentemente colocados acima de questõesrelativas à democracia.

Além disso o argumento apresentado porGunnell, segundo o qual o pragmatismo é capazde resolver a contradição entre positivismo cien-tífico e relativismo moral através da limitação dodebate ao âmbito da democracia liberal, deve serproblematizado. John Dewey, o mais ilustre filó-sofo político pragmatista, defende que, em umasociedade democrática, as Ciências Sociais deve-riam ser interpretativas. A diversidade caracterís-tica das sociedades democráticas traduz-se emuma diversidade de perspectivas que geram dife-rentes interpretações dos assuntos politicamenterelevantes. Para Dewey, a resolução dessesconflitos de opinião deve dar-se no embate públicoe não no gabinete do especialista. Conseqüente-mente, na democracia não há lugar para a auto-

6 Segundo estimativas feitas por Albert Somit e JosephTanenhaus, durante as décadas de 40 e 50 a Fundação Fordfoi responsável por 90% do financiamento privado depesquisas em Ciência Política nos EUA (SOMIT &TANENHAUS, 1967).

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ridade científica positivista sobre a política. Deweyargumenta que as Ciências Sociais positivistasacabam facilmente convertendo-se em propa-ganda estatal, isso é, em ferramenta de supressãoda democracia. Ironicamente, apesar de serreverenciado como um dos fundadores da CiênciaPolítica americana, Dewey foi praticamenteignorado pelos cientistas políticos. Em artigorecente, James Farr escreve que a história darecepção da obra de Dewey pela Ciência Políticaamericana é a história de um não-ser, de algo quenão aconteceu (FARR, 1999). Em outras palavras,o imperativo de se produzir uma Ciência Políticapositivista foi mais forte do que o chamado dopragmatismo de Dewey. Os problemas levantadospor Dewey, na verdade, servem para questionarnão a orientação pragmática dos cientistas políticosamericanos, mas sua vocação democrática, que édada gratuitamente por grande parte doshistoriadores da Ciência Política examinados acima.

Infelizmente, a narrativa de Ball parece con-firmar os temores de John Dewey. Dewey tambémnos ajuda a começar a responder à seguinte per-gunta, somente formulada por Ball: se, do pontode vista estritamente “científico”, a Ciência Políticaamericana fracassou, como se explica o sucessona obtenção crescente de recursos para a pesquisa?A hipótese mais provável, já ventilada acima, é ade que a produção dessa ciência da política serviude propaganda do Estado. Mas essa resposta éapenas parcialmente correta. O Estado americanonão foi o único cliente das Ciências Sociais nesseperíodo, apesar de talvez ter sido o maior. Asfundações privadas tiveram um papel de destaqueno fomento à pesquisa em Ciências Sociais naquelepaís, durante todo o período da Guerra Fria7. Nãopodemos nos esquecer também de que a maiorparte do sistema universitário americano, incluindoos centros de pesquisa mais prestigiosos, são pri-vados. Uma série de trabalhos atestam as perse-guições a esquerdistas e a indivíduos ideologica-mente “suspeitos” promovidas dentro das uni-versidades americanas (SANDERS, 1979;RICHARDS, 1986; SCHRECKER, 1986; WINKS,1987; LOWEN, 1997; PRICE, 1998), assim comoa influência dos poderes político e econômico na

academia (CHOMSKY, 1968 e 1997; ME-LANSON, 1983; SILVA & SLAUGHTER, 1984;SIMPSON, 1998)8. Em suma, o Estado não foi oúnico responsável pela produção e reprodução daGuerra Fria. Poderosos interesses privadostambém estavam por detrás desse projeto político.

A resposta à pergunta apresentada no iníciodo parágrafo anterior, portanto, tem que ser feitatraçando-se as ligações entre os interesses maispoderosos por trás do financiamento das CiênciasSociais e o conteúdo e função social do conhe-cimento produzido por essas disciplinas. Esse éum tema para anos de trabalho, que provavelmentenão será feito. O impulso crítico e auto-críticonas Ciências Sociais americanas é bem mais fracoe marginal que o chamado para a produção demais conhecimento positivo. Seria ingênuo pensarque as fontes financiadoras investiriam em projetoscujo objetivo é desmascarar os interesses políticospor trás das políticas de fomento implementadaspor elas próprias.9

Devemos notar também que os autores dessaliteratura marginal de crítica ao mainstream dasCiências Sociais americanas raramente são cien-tistas políticos. Mas não é só no quesito do exercí-cio reflexivo de crítica de sua própria prática quea Ciência Política é omissa. A falta de uma atitudede crítica à sociedade e política americanas é, semdúvida, a característica mais preocupante dessadisciplina. É claro que uma coisa está intimamenteligada à outra, ou seja, a falta de reflexão críticainterna pode ser entendida como sintoma ou causada falta de uma atitude política crítica.

Um exemplo caricato desse estado de coisas é

7 Para uma discussão sobre o papel das fundações na seleçãode temas de pesquisa e suas conseqüências políticas eacadêmicas, ver Berger (1995) e Horowitz (1971).

8 Com raras excessões, essa histórias começaram a vir apúblico depois do arrefecimento da Guerra Fria.

9 O pronunciamento do então presidente do Conselho dePesquisa em Ciências Sociais (Social Science Research Council),Kenneth Prewitt, em 1996, é um exemplo claro de como asfundações de fomento à pesquisa mudaram suas linhastemáticas com o fim da Guerra Fria, evitando, ao mesmotempo, qualquer tipo de revisão crítica do material produzido.No texto, Prewitt defende que a estrutura disciplinar dasCiências Sociais baseada nos estudos de área funcionavadurante a Guerra Fria; porém, com o seu fim, essa estruturatornou-se ultrapassada, precisando ser substituída por umaorganização que possibilite o estudo dos fenômenostransnacionais e globalizantes da atualidade (PREWITT,1996). No mesmo período, as instituições de fomentoamericanas mais importantes passaram a implementarpolíticas similares.

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dado pelo trabalho dos jornalistas Russell Mokhibere Robert Weissman, que juntos editam uma colunachamada Focus on the Corporation, título que po-de ser traduzido por “De olho nas grandes empre-sas”. Aproveitando a disponibilidade, através dainternet, de mais de mil artigos apresentados noencontro anual da Associação Americana de Ciên-cia Política (APSA) do ano 2000, Mokhiber eWeissman resolveram procurar indícios da palavra“corporation” nos resumos dos trabalhos10. So-mente dois resumos incluíam a palavra; a palavra“corporate” estava presente em 11 resumos. Tenta-ram então a palavra “business” e o resultado foi23. Conclusão: aproximadamente apenas 3,6 %dos trabalhos tratavam, de maneira central oumarginal, da questão do poder do capital.

Não contentes com os limites do materialpesquisado, os autores decidiram examinar asteses de doutorado em Ciência Política defendidasnos últimos dois anos mediante a procura dosmesmos temas. Os resultados foram semelhantes.Apenas 75 dissertações usavam a palavra“corporation” no resumo, contra 43 que usavama palavra “baseball”, e 1 008 que continham apalavra “war” (MOKHIBER & WEISSMAN,2000).

A premissa que está por trás do trabalho deMokhiber e Weissman é que, em um país comoos EUA, assim como na maioria do mundo, ocapital tem um poder político imenso. Seria,portanto, coerente esperarmos que esse poderfosse assunto de um grande número de trabalhosem Ciência Política. Contudo, não é isso o queacontece.

O “achado” de Mokhiber e Weissman apontapara a conclusão de que um estudo crítico dahistória da Ciência Política americana deveria levarem conta não só o que foi escrito mas também oque não foi, isto é, as lacunas, os temas-tabu.Assim, poderemos entender quais os nexos ideo-lógicos que possibilitaram, por exemplo, a teoriada modernização atribuir a causa do subde-senvolvimento a fatores culturais nacionais(JOHNSON, 1958; ROSTOW, 1960; LIPSET,1967) e ignorar totalmente a inserção dessasnações no mais que centenário sistema capitalista

internacional, ou as teorias que explicam o sur-gimento do autoritarismo na América Latina(HUNTINGTON, 1968; O’DONNELL, 1973)fazerem vistas grossas à participação direta eindireta do governo americano na desestabilizaçãodos regimes democráticos anteriores. Esta últimaé uma lacuna que interessa particularmente a nós,brasileiros.

VI. ESTRUTURA INSTITUCIONAL E VOCA-ÇÃO CONSERVADORA

A idéia de uma ciência social positivista foibastante criticada durante o século XX. Entre seusmais ilustres opositores estão a hermenêutica deinspiração gadameriana, a teoria crítica da escolade Frankfurt e Michel Foucault. Gadamer argu-menta que nas sociedades contemporâneas há umaidolatria da ciência e da técnica, que leva as pessoasa deferir suas responsabilidades à autoridade doconhecimento científico. O discurso científico émonológico e, portanto, uma ameaça à base dialó-gica da política democrática, onde a reiteraçãointerpretativa deve ser a norma. Essa ameaça éainda mais séria naquelas ciências, crias do em-piricismo britânico, que submetem os homens àlógica dos números e das leis universais (GADA-MER, 1984). A tarefa da filosofia hermenêuticade Gadamer é proteger o espaço político da razãoprática da dominação da autoridade do discursotécnico-científico (GADAMER, 1975).

A teoria crítica, em suas várias versões, tendea expor o caráter ideológico das Ciências Hu-manas. Max Horkeimer afirma que, negando anatureza dialética do conhecimento da coisas dohomem, essas ciências produzem leis universaisque contribuem para a sua reprodução e manu-tenção da sociedade capitalista burguesa. A teoriacrítica, por outro lado, pretende quebrar com essaaparência e “produzir teorias que liberem oshomens da reprodução mecânica do status sociale acabe com a separação entre sujeito e objeto,entre conhecimento e ação” (HORKHEIMER,1972). De maneira semelhante, Jürgen Habermasargumenta que o caráter ideológico das CiênciasSociais positivistas consiste no mascaramento deinteresses concretos por um discurso do conhe-cimento que se apresenta na forma de leis uni-versais imunes a questões de valor (HABERMAS,1971).

Michel Foucault, por sua vez, mostra que portrás dos diferentes projetos de uma ciência do

10 A palavra “corporation” em inglês atual significa, entreoutras coisas, “grande empresa”. Os americanos freqüen-temente usam o termo “corporate power” ou “corporations” parase referirem a empresas gigantes e a conglomerados de capital.

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homem há a vontade de se submeter corpos ementes a um controle disciplinar. Em seus estudoshistóricos, Foucault examina a ligação entre aprodução de tecnologias de controle humano e ocrescimento e sofisticação de instituições moder-nas como o Estado, as instituições penais, oexército, o hospício etc. (FOUCAULT, 1977,1980, 1991).

Enquanto a hermenêutica de Gadamer nãoconseguiu penetrar no meio acadêmico americanode maneira significativa, Habermas e Foucaulttornaram-se autores de grande sucesso nos EUA,atraindo um sem-número de seguidores e comen-tadores. As idéias desses autores penetraram nodebate em disciplinas como História, Sociologia,Antropologia e estudos da cultura. A Ciência Po-lítica, contudo, parece ser praticamente imune aessas influências.

A estrutura institucional da Ciência Políticaamericana atual parece ser a chave paracompreender essa anomalia. Reflexões críticascomo as de Habermas ou Foucault atingem a sub-área de teoria política mas param por aí. Por estarisolada das outras sub-áreas, a teoria política acabafuncionando como uma barreira protetora queimpede o contato das outras sub-áreas da CiênciaPolítica com modos de pensar mais críticos. Édentro dos limites da teoria política que debatesnormativos são travados, sem terem qualquerconseqüência para o resto da disciplina. Nos de-partamentos de Ciência Política das universidadesamericanas há uma distinção clara entre os“cientistas políticos” empiricistas das quatro sub-áreas e os teóricos políticos. Esse isolamento podeser claramente comprovado pela análise da pro-dução acadêmica de cada sub-área. Em umapesquisa recente, examinando as referênciasbibliográficas de artigos publicados no ano de 2000nos periódicos de Ciência Política de maior pres-tígio, os seguintes resultados foram encontrados(FERES, 2001)11 : a) de 110 artigos analisados,93 não tinham qualquer referência bibliográficaque pudesse ser relacionada à teoria política; b) amédia geral de citação de teoria política por artigode Ciência Política era de 0,3.

Somente a título de ilustração, nos 110 artigosexaminados, os nomes de Habermas e Foucaultsão citados somente uma vez, em um mesmo ar-tigo.

VII. APRENDER SEM MACAQUEAR

Fiquei positivamente impressionado com oúltimo congresso da recém-criada AssociaçãoBrasileira de Ciência Política (ABCP). A diversidadetemática era grande, e o vigor com que muitos sededicavam a discutir problemas cruciais da socie-dade e política brasileiras era no mínimo estimu-lante. Uma coisa, porém, deixou-me um poucoaborrecido, senão preocupado. Notei que algunsdos trabalhos limitavam-se a analisar aspectos dasociedade americana sem qualquer conexão com“realidades” brasileiras. Minha preocupação apenasaumentou ao constatar que a platéia, também for-mada por cientistas políticos, não raro se mostravamuito interessada no assunto. Não que essa atitudeseja desconhecida. Todos sabemos da grande in-fluência que, há décadas, as coisas da cultura ame-ricana exercem no Brasil. A necessidade de pare-cer americano e a vontade de ser americano são,para muitos, uma forma de escapar das frustra-ções de um Brasil que parece sempre ficar aquémdas expectativas. Porém, como o estóico descritopor Hegel que se liberta no domínio do pensamentomas continua vivendo concretamente como umescravo, o americanófilo acrítico vive uma liber-dade imaginária que é constantemente negada pelofato de não estar nos EUA, não saber falar ouentender inglês corretamente, e não ter cidadaniaamericana; em suma, de não poder realizar o idealtão sonhado. Essa é a condição do colonizadocultural. Penso somente que nós, cientistas sociaise estudantes de filosofia, temos a obrigação deser um pouco mais críticos em relação a esseassunto.

Esse artigo pretende ter mostrado que o estudodas coisas americanas não precisa ser uma fontede alienação. Pelo contrário, ele pode ser usadopara ajudar-nos a entender melhor os aspectosdessa colonização, pois o pior colonizado é aqueleque ignora sua própria condição.

No tocante às relações acadêmicas, não po-demos nos esquecer de que a imensa maioria daCiência Política que se produz no mundo provémdos EUA. Com a exceção parcial da teoria dadependência e da Ciência Política de inspiraçãomarxista, as outras teorias e tendências da CiênciaPolítica foram criadas naquele país. Além disso, a

11 Os periódicos analisados para a pesquisa foram The Journalof Politics, Politics and Society, Comparative Politics, ComparativePolitical Studies, International Organization e International StudiesQuarterly.

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academia americana produz Ciência Política sobreo Brasil, diretamente através dos brasilianistas, eindiretamente através dos latinoamericanistas12.Conseqüentemente, trabalhos escritos por bra-sileiros tendem a incorporar autores americanosao debate. Mas, ao invés de tratarmos o debateacadêmico como uma troca de idéias desinte-ressada que ocorre em um espaço abstrato dediscussão informada, devemos estar atentos aoalto grau de chauvinismo de grande parte daprodução acadêmica americana13 e aos interessespolíticos e econômicos por trás desses discursos“científicos”. Não se trata aqui de combaterchauvinismo com chauvinismo – afinal de contas,os fenômenos culturais mais originais e vigorososda história brasileira nasceram da incorporação emistura de elementos “estrangeiros” ao cabedal“nacional”. Trata-se, sim, de manter uma atitudecrítica frente a um tipo de discurso que se legitimaatravés da armadilha retórica da veracidade factual.

Devemos reconhecer que a falta de especia-lização na academia brasileira, em comparação àalta fragmentação da academia americana, é, defato, uma característica positiva que não deve serdescartada. Como mostra o exemplo americano,a separação da Ciência Política em especialidadesisoladas em si mesmas, e das Ciências Sociais co-

mo um todo, contribui para o esvaziamento críticodo debate político e acadêmico.

O chauvinismo americano está por trás dacrença em uma ciência social positivista e, aomesmo tempo, democrática. Ele permite que essaciência sobreviva sem a necessidade de criticar asi própria, e que sirva a interesses públicos eprivados sem se perguntar se são de fato demo-cráticos. Felizmente, devido à consciência quetemos dos percalços de nossa história política,nós, brasileiros interessados no alargamento dademocracia, talvez nunca tenhamos esse excessode auto-confiança e, portanto, nunca devamosapostar cegamente em uma “Ciência” política de-mocrática. Se nosso compromisso com a demo-cracia é realmente sério, nosso compromisso coma Ciência deve ser bem relativo14.

Recebido para publicação em 4 de junho de 2001.

12 A academia americana tem instituições desenhadas coma finalidade de se produzir conhecimento sobre outras regiõesdo mundo. Os estudos de área são agrupamentos multidis-ciplinares que se concentram no estudo de uma determinadaregião. A sub-área da Ciência Política que recebe o nome depolítica comparada inclui todo e qualquer trabalho de CiênciaPolítica cujo objeto não são os EUA.

13 Uma caracterísica que, como vimos, afeta não só oscientistas políticos mas também os historiadores da CiênciaPolítica.

14 Não há espaço aqui para se discutir em detalhe os aspectosepistemológicos envolvidos no projeto positivista da CiênciaPolítica americana. O leitor, portanto, talvez sinta-se tentadoa formular as seguintes questões: será que o fato de esseprojeto nascer vinculado a determinados interesses políticoscompromete irremediavelmente o seu “valor científico”? Ouserá que essa vinculação compromete os “avanços meto-dológicos” propiciados por esse projeto? Essas questões,porém, fazem pouco sentido de um ponto de vista pragmá-tico. Afinal de contas, como podemos falar em “avançosmetodológicos” se não há qualquer consenso em relação aosmétodos utilizados em Ciência Política? Em outras palavras,se várias metodologias totalmente díspares e contraditóriassão aceitas como válidas para a análise dos mesmos “fatos”,como podemos afirmar que há “avanços metodológicos”?De maneira similar, do ponto de vista pragmático, devemosprimeiro perguntar: que tipo de “valor científico” devemosesperar de uma “ciência” da política? Ou ainda, como essetipo de conhecimento funciona de fato como forma de inter-venção política e ideológica? Parece-me que é exatamenteesse “valor” científico que está sendo discutido neste artigo.

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