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  • 8/19/2019 Apostila -Textos Em Prosa - A Tradição Oral e Narrativas Autorais

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    CURSO FORMAÇÃO DEMEDIADORES DE LEITURA 

    Unidade 4: Textos em prosa: a tradição oral e narrativas autorais Professora: Neide A. de Almeida

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    Profa. Neide A. de Almeida

    Breve currículo

    Socióloga, mestre em Linguística Aplicada pela PUC-SP (1995), pesquisadora independente na área dolivro, leitura, literatura, com ênfase para literaturas africanas e afro-brasileiras. Professora universitáriae consultora, em leitura e literatura, do Polo de leitura LiteraSampa; integra a equipe de consultores doIbeac no Programa Educação Inclusive (em parceria com SME Guarulhos e Mais Diferenças. Autora demateriais didáticos voltados para a formação de leitores. Coordena o Núcleo de Educação do MuseuAfro Brasil.

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    Textos em prosa: a tradição oral e narrativas autorais

    .

    “... a literatura é o sonho acordado das civilizações...”  (Antonio Candido)

    Como já abordado no módulo 3, Diversos gêneros e muitas possibilidades, estamos

    considerando, neste curso, que existem os textos em versos e os textos em prosa.

    Neste módulo, nosso objetivo é tratar da prosa e novamente nossa atenção será

    direcionada para o texto literário. Mais do que isso, desta vez nos interessa refletir sobre as

    narrativas literárias, considerando que há um conjunto delas, cuja origem é a tradição oral e uma

    segunda vertente, que são os textos nascidos sob a égide da escrita.

    Para fins didáticos organizamos o módulo em duas partes. Na primeira nos dedicaremos às

    narrativas, denominadas por muitos autores, como populares ou tradicionais. No segundo

    momento, abordaremos os textos aqui denominados como “autorais”.A proposta do módulo não é estabelecer uma oposição entre esses textos. Ao contrário,

    nosso objetivo é refletir sobre as semelhanças entre eles e sobre suas singularidades, entendidas

    principalmente como pistas que podem orientar a identificação de estratégias mais produtivas para

    promover a aproximação entre os leitores e os diferentes textos.

    Para tanto, assumimos a definição proposta por Antonio Candido:

    Fonte: Boitempo

    E ainda,

    Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível,todas as criações de toque poético, ficcional ou dramáticoem todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos decultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, atéas formas mais complexas e difíceis da produção escritadas grandes civilizações.C  ANDIDO , Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. SãoPaulo: Duas cidades, 2004.

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    “Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com

    seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada

    um a presença e a atuação deles.”  

    Tendo como referência essa proposição de Candido, assumimos que um desafio

    fundamental quando se pretende formar leitores é reconhecer como legítima toda manifestação

    literária. E paralelamente assegurar que todos os cidadãos - independente da idade, formação

    acadêmica, condição social ou econômica  – tenham acesso a este precioso patrimônio cultural: a

    Literatura.

    Nessa perspectiva, as teorias são muito importantes para que leitores e mediadores de

    leitura se apropriem cada vez mais de um conhecimento especializado e consistente sobre essa

    produção. Entretanto, consideramos essencial para esse processo de formação, a experiência

    sistemática de ler, falar e refletir sobre essa prática singular e fundadora.

    Sugerimos que você pesquise mais sobre a crítica literária de Antonio Candido. Segue o link

    para entrevista concedida pelo autor sobre o direito humano à literatura.

    https://www.youtube.com/watch?v=4cpNuVWQ44E 

    Na origem, a tradição oral

    “(...)Tem uma tradição, que eu acredito que seja dos Dogon, que

    diz o seguinte: ‘ eu trago dentro de mim toda a minha

    ancestralidade, toda a minha descendência.’   Todos eles estão

    aqui, presentes dentro de mim; nesse instante, eu sou apenas um

    lapso nessa história. É preciso que a gente se reconheça como

    um lapso, um instante dessa longa história, não somos maior

    que a própria história” . (Oswaldo Faustino, jornalista, escritor e

    contador de histórias)

    Fonte: Museu Afro Brasil. Revista Negras Palavras: À sombra do baobá,p. 7 Disponível em http://www.museuafrobrasil.org.br/docs/default-source/publica%C3%A7%C3%B5es/projeto_negras_palavras.pdf  Acesso 28 dez. 2014.

    https://www.youtube.com/watch?v=4cpNuVWQ44Ehttps://www.youtube.com/watch?v=4cpNuVWQ44Ehttp://www.museuafrobrasil.org.br/docs/default-source/publica%C3%A7%C3%B5es/projeto_negras_palavras.pdfhttp://www.museuafrobrasil.org.br/docs/default-source/publica%C3%A7%C3%B5es/projeto_negras_palavras.pdfhttp://www.museuafrobrasil.org.br/docs/default-source/publica%C3%A7%C3%B5es/projeto_negras_palavras.pdfhttp://www.museuafrobrasil.org.br/docs/default-source/publica%C3%A7%C3%B5es/projeto_negras_palavras.pdfhttp://www.museuafrobrasil.org.br/docs/default-source/publica%C3%A7%C3%B5es/projeto_negras_palavras.pdfhttp://www.museuafrobrasil.org.br/docs/default-source/publica%C3%A7%C3%B5es/projeto_negras_palavras.pdfhttps://www.youtube.com/watch?v=4cpNuVWQ44E

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    Esse depoimento de Faustino é revelador do papel da oralidade como elemento constitutivo

    de nossa cultura. Provavelmente seja esse um dos motivos que nos ajudam a entender que hoje,

    em meio a tantos recursos tecnológicos, pessoas nos diferentes lugares do mundo, se reúnam para

    partilhar histórias.

    Fonte: Pedro Napolitano Prata

    A cena capturada por Pedro Napolitano Prata, durante um dos Encontros Internacionais de

    Contadores de História, que é organizado desde 2001 por Regina Machado, atualiza a antiga

    experiência vivida por nossos antepassados: uma plateia ouve atentamente uma história.

    Compondo com a afirmação de Oswaldo Faustino, a foto revela o contador como “um lapso” e a

    palavra como força poderosa que mantém os ouvintes imersos na narrativa.

    Muitas das obras importantes que hoje fazem parte da literatura universal surgiram da

    produção coletiva popular, e durante séculos foram passadas de uma geração para outra

    oralmente. Em todos os lugares do mundo existiram narradores que foram personagens

    fundamentais para a preservação da memória, da história e da identidade dos diferentes povos.

    Eles eram os responsáveis por contar histórias e também ensiná-las aos mais jovens para que no

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    futuro eles também pudessem contá-las. Já na Europa, por exemplo, por volta do século XVI,

    pesquisadores começaram a registrar essas narrativas que assim chegaram até nós e passaram a

    constituir referencial universal. Em outros casos, como aconteceu com as culturas africanas e

    indígenas, por exemplo, essa prática é mais recente e começou, nos últimos anos, a garantir que

    essas histórias circulem entre nós e sejam encontradas em livrarias e bibliotecas.

    Por meio da tradição oral e do registro escrito, histórias fantásticas, maravilhosas, mitos de

    origem, lendas e fábulas sobreviveram à passagem do tempo, às guerras, às diversas invenções do

    homem e hoje circulam por todos os continentes.

    Desde a antiguidade, os contadores de histórias vêm garantindo nosso contato com o

    passado e mantendo vivas narrativas de diversos tempos e lugares. Assim Homero, Sherazade,

    Trancoso, Marco Polo, a velha Totonha, os griots  africanos, os contadores indígenas são

    importantes tornaram-se referências para nossa memória ficcional.

    Nos últimos séculos, pesquisadores e escritores tem se dedicado a garantir que essas

    narrativas continuem chegando às novas gerações. Alguns deles, fazem isso principalmente

    transformando essas histórias em livros. Outros, além disso, se dedicam a manter acesa aexperiência da palavra falada, como é o caso de Oswaldo Faustino, citado acima.

    Uma lenda

    Para começar essa reflexão, nada melhor do que ouvir uma história. Mas, antes, conheça o

    contador de histórias Giba Pedroza.

    Agora, acesse o link abaixo e ouça a história “A lenda de Santo Antonio casamenteiro”: 

    https://www.youtube.com/watch?v=ny82s4BzT2c 

    Estudioso e pesquisador da cultura

    popular, Giba Pedroza nasceu em 13 deoutubro de 1962. Desde 1987 se dedica arealizar eventos, cursos e oficinas decontação de histórias. Tem participado dediversos encontros e festivais decontadores de histórias, nacionais einternacionais. Lançou o CD Livro,Girasonhos, Roda de Histórias e o CDContos de Todos os Cantos. 

    https://www.youtube.com/watch?v=ny82s4BzT2chttps://www.youtube.com/watch?v=ny82s4BzT2chttps://www.youtube.com/watch?v=ny82s4BzT2c

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    Que tal a experiência? Já conhecia a história? É possível que você já tenha ouvido alguma

    outra versão dessa lenda. Ou, talvez, tenha acabado de descobrir o porquê de Santo Antonio ser

    considerado o santo casamenteiro. Essa é uma característica da lenda, geralmente uma narrativa

    bem curta, em prosa ou verso, em que “o maravilhoso e o imaginário superam o histórico e o

    verdadeiro”, na qual se observa também traços como a antiguidade, persistência, anonimato e as

    marcas de oralidade.

    No caso da lenda contada por Giba Pedroza, registros apontam que o fato que deu origem à

    narrativa aconteceu no século XVI. Até hoje a história é evocada por diferentes gerações, mesmo

    por aquelas que não conhecem a versão aqui apresentada. Além disso, não é possível estabelecer

    uma autoria para essas narrativas, normalmente trata-se de uma produção coletiva, fortemente

    marcada pela “presença” do contador e pela interlocução que ele estabelece com seus ouvintes.

    Muitas vezes uma mesma trama, ganha cores e elementos distintos, de acordo com as

    culturas locais, sem com isso perder sua essência. Você já ouviu a expressão “quem conta um

    conto acrescenta um ponto”? Nas histórias de origem oral é muito comum a existência de versõesdiversas, porque cada um que conta a história introduz pequenas modificações, novos elementos

    que transformam e atualizam essas narrativas. E é exatamente essa constante renovação que

    mantém essas histórias sempre atualizadas e pertinentes para diferentes culturas.

    Um exemplo muito emblemático dessas transformações pode ser observado na diversidade

    de versões para histórias hoje reconhecidas como clássicos da literatura para crianças, como

    acontece com Chapeuzinho vermelho.

    No link abaixo você tem acesso a uma prévia do livro.

    http://books.google.com.br/books/about/Literatura_oral_para_a_inf%C3%A2ncia_e_a_juv.ht

    ml?hl=pt-BR&id=QWeWlfxYnvgC 

    Nesse precioso volume organizado pela escritoramineira Henriqueta Lisboa há duas versões domesmo tema abordado no clássico Chapeuzinhovermelho: “Bicho Ponde” e “A menina e oquibungo”. 

    http://books.google.com.br/books/about/Literatura_oral_para_a_inf%C3%A2ncia_e_a_juv.html?hl=pt-BR&id=QWeWlfxYnvgChttp://books.google.com.br/books/about/Literatura_oral_para_a_inf%C3%A2ncia_e_a_juv.html?hl=pt-BR&id=QWeWlfxYnvgChttp://books.google.com.br/books/about/Literatura_oral_para_a_inf%C3%A2ncia_e_a_juv.html?hl=pt-BR&id=QWeWlfxYnvgChttp://books.google.com.br/books/about/Literatura_oral_para_a_inf%C3%A2ncia_e_a_juv.html?hl=pt-BR&id=QWeWlfxYnvgChttp://books.google.com.br/books/about/Literatura_oral_para_a_inf%C3%A2ncia_e_a_juv.html?hl=pt-BR&id=QWeWlfxYnvgC

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    Vemos assim a força e a permanência das narrativas que marcam o imaginário dos

    diferentes povos. Afinal, essas histórias falam de temas universais: o medo, a morte, as interdições

    que regulam nossas vidas, entre tantas outras questões.

    Outro elemento essencial quando se trata da experiência de ouvir histórias é a relação

    estabelecida entre o contador e seus ouvintes.Relembre (se for possível, assista novamente) a história contada por Giba Pedroza. Procure

    identificar quais foram os recursos usados pelo contador: observe a expressão facial, a

    gestualidade, a entonação... Perceba que esses elementos típicos da oralidade provocam uma

    sensação de proximidade com o contador, mesmo quando o vemos em um vídeo. Isso porque, Giba

    Pedroza recria, em outro contexto, a experiência original, quando a história foi contada pela

    primeira vez.

    Durante muito tempo, os contadores de histórias aprendiam as narrativas com seus pais,

    avós ou com outras pessoas mais velhas das comunidades em que viviam. Hoje é muito comum que

    o contador tenha como ponto de partida o registro escrito realizado, geralmente, por um

    pesquisador que se interessa por essa memória coletiva. Esse é o caso de Lindolfo Gomes, que

    recolheu a história que você ouviu. Para conhecer a versão escrita da narrativa, acesse o link:

    http://jangadabrasil.com.br/revista/junho113/es1130609.asp 

    Há também traços

    dessa história no

    conto africano

    recontado por

    Rogério Andrade

    Barbosa 

    Nas fábulasitalianasreunidas porItalo Calvino,você encontrará“A falsa avó”. 

    http://jangadabrasil.com.br/revista/junho113/es1130609.asphttp://jangadabrasil.com.br/revista/junho113/es1130609.asphttp://jangadabrasil.com.br/revista/junho113/es1130609.asp

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    Lindolfo Gomes, nasceu no interior de São Paulo, em Guaratinguetá, no dia 12 de março de

    1875 e morreu em 15 de maio de 1953. Escritor, foi autor de contos, ensaios poemas e textosteatrais. Foi também um pesquisador das culturas populares.

    Assim como Lindolfo Gomes, outros importantes pesquisadores tornaram possível nosso

    acesso a essas histórias da tradição oral. Um dos mais conhecidos é Câmara Cascudo1. Silvio

    Romero, Mario de Andrade e muitos outros intelectuais brasileiros também dedicaram anos de sua

    vida a recolher e registrar essas narrativas em livros. É importante que você saiba que em todos os

    lugares do mundo existiram e existem pesquisadores que cumprem esse importante papel de

    resgate da nossa memória coletiva: Irmãos Grimm, Perrault, Trancoso, Italo Calvino, RogérioAndrade Barbosa, são alguns deles.

    Há ainda os contadores de histórias como Giba Pedroza, que bebem nessa fonte e dão seu

    toque pessoal a essas narrativas.

    Conheça também o trabalho de Regina Machado, outra importante contadora de histórias e

    pesquisadora da literatura de tradição oral:

    Mas retomemos o exemplo da lenda de Santo Antonio casamenteiro, como ponto de

    partida para refletir um pouco mais sobre os contos tradicionais2. Geralmente trata-se de narrativas

    não muito longas, cujos cenários e personagens são brevemente descritos, explicitando-se apenas

    suas características mais essenciais, uma vez que os tempos, espaços e personagens representam

    aspectos da realidade de uma determinada cultura, portanto, bem conhecidos dos ouvintes.

    Outro traço dessas narrativas é a presença de fórmulas  – no início, ao longo ou ao final das

    histórias  – que funcionam como chaves de leitura para o ouvinte ou leitor. Por exemplo, se uma

    1 Visite o site http://www.cascudo.org.br/ para saber mais a respeito desse importante pesquisador da nossa cultura

    popular.2 Estamos adotando aqui a terminologia utilizada por Cascudo, em sua obra Contos Tradicionais do Brasil ,oportunamente indicado como obra de referência .

    Para conhecer um contador de

    histórias, nada melhor do que vê-loem cena. Então, assista ao vídeo Ocontador de histórias: https://www.youtube.com/watch?v=BUw86lmAQRg

    http://www.cascudo.org.br/http://www.cascudo.org.br/http://www.cascudo.org.br/https://www.youtube.com/watch?v=BUw86lmAQRghttps://www.youtube.com/watch?v=BUw86lmAQRghttps://www.youtube.com/watch?v=BUw86lmAQRghttps://www.youtube.com/watch?v=BUw86lmAQRghttp://www.cascudo.org.br/

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    história começa com “Era uma vez” é bem possível que se trate de um conto de fadas ou um conto

    maravilhoso. Se ao final de uma história encontramos a explicitação da moral, sabemos que lemos

    uma fábula. A lenda, por sua vez, tenta dar conta da explicação de alguns elementos da natureza,

    ao mesmo tempo que apresenta uma experiência da vida, indutora de maiores reflexões,

    prevalecendo uma moral, um ensinamento.”3 

    A narrativa contada por Giba Pedroza, por exemplo, se inicia com uma marca indicativa do

    anonimato “diz que era uma vez...”. Não é possível saber quem contou a história. Algo semelhante

    acontece no desfecho, você pode notar aos 2:58 do vídeo, a expressão “E diz quem me contou...”. A

    partir daí a história justifica como se propagou a fama de Santo Antonio como casamenteiro.

    Um bom exercício para observar essas características é realizar a leitura de um conjunto de

    lendas4. Mas não se esqueça de que o fundamental nessa experiência de leitura é a possibilidade de

    se encantar com os textos.

    Um mito

    Muitas vezes mitos e lendas são apresentados como sinônimos. Outras vezes, se recorre aotermo mito em oposição à lenda como estratégia de hierarquização: não é comum uma referência

    a lendas gregas, mas com frequência mitos indígenas, africanos, indianos etc. são referidos como

    sendo lendas. Há aqui uma implicação ideológica, uma vez que ao mito é atribuído um status,

    enquanto a lenda é considerada como produção menor, folclore ( na conotação pejorativa do

    termo). A esse respeito, reafirmamos que para nós não há uma subordinação da literatura oral à

    “literatura escrita”. Da mesma forma, entendemos que não há produções literárias superiores em

    relação a outras, ou gêneros de texto mais relevantes que outros. Trata-se, na verdade, de

    produções que acontecem em situações diferentes, que têm objetivos e funções sociais distintas,

    que recorrem a estratégias, recursos estéticos e estilísticos diversos e que se realizam

    materialmente de forma singular.

    3 JESUS, Luciana Maria; BRANDÃO, Helena Nagamine. Mito e tradição indígena. In: BRANDÃO, Helena Nagamine. (Org.) Osgêneros do discurso na escola. São Paulo: Cortez, p. 53).

    4  Você encontrará excelentes coletâneas de lendas em duas obras indicadas nesse texto: Contos Tradicionais do Brasil  e Literatura Oral para infância e para juventude. Consulte também o site Jangada Brasil, oportunamente indicado.

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    Por tudo isso, convidamos você agora para um breve exercício de análise de um mito. Em O

     poder do mito5, Campbell afirma que os

    “jovens em geral simplesmente se deixam arrebatar pelo assunto. A mitologia lhes

    ensina o que está por trás da literatura e das artes, ensina sobre sua própria vida. É umassunto vasto, excitante, um alimento vital. A mitologia tem muito a ver com osestágios da vida, as cerimônias de iniciação, quando você passa da infância para asresponsabilidades do adulto, da condição de solteiro para a de casado. Todos essesrituais são ritos mitológicos. Todos têm a ver com o novo papel que você passa adesempenhar, com o processo de atirar fora o que é velho para voltar com o novo,

    assumindo uma função responsável... (p. 12)

    Segundo o autor, a falta de contato das sociedades modernas com a mitologia nos afastou

    de muitas histórias essenciais para a nossa compreensão do mundo. Para ele

    “Quando a história está em sua mente, você percebe a relevância para com aquilo que

    esteja acontecendo em sua vida. Isso dá perspectiva ao que lhe está acontecendo. Coma perda disso, perdemos efetivamente algo, porque não possuímos nada semelhante

     para pôr no lugar... “( p. 4)

    Você já reparou que quando se fala em mito, é muito comum que se pense imediatamente

    na mitologia grega6. Mas, você já parou para pensar que todos os povos criaram seus mitos para

    explicar os fenômenos aparentemente inexplicáveis: como surgiu o primeiro homem? E a lua? O

    sol? O fogo? Por que o sol e a lua nunca aparecem juntos no céu? Sabemos que para todas essas

    interrogações existem explicações científicas, mas há também explicações míticas, poéticas

    formuladas pelos diferentes povos, de acordo com suas experiências, com suas práticas culturais e

    seus modos de dizer.

    Para pensar a esse respeito, propomos mais uma experiência de leitura: como você explica o

    surgimento do Sol? Que explicações conhece para esse fênomeno?

    5 CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Atena, 1990

    6Recorremos mais uma vez a Campbell (p. 6): “...Leia mitos de outros povos, não os da sua própria religião, porque você

    tenderá a interpretar sua própria religião em termos de fatos  –  mas lendo mitos alheios você começa a captar amensagem. O mito o ajuda a colocar sua mente em contato com essa experiência de estar vivo. Ele lhe diz o que aexperiência é...” 

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    Conheça uma explicação mítica produzida pelos Ticuna

    MITO INDÍGENA DO SOL

    (Índios Tucuna, Vale do Rio Solimões, Amazonas)

    Antigamente, muito antigamente, no tempo em que vivia entre os Tucuna, o Sol era um moço forte e muito

    bonito. Por ocasião da festa de Moça-Nova, o rapaz ajudava sua velha tia no preparo da tinta de urucu. Ia à

    mata e trazia uma madeira muito vermelha, chamada muirapiranga. Cortava a lenha para o fogo onde a

    velha fervia o urucu para pintar os Tucuna. A tia do moço era muito mal humorada, estava sempre a

    reclamar e a pedir mais lenha. Um dia o Sol trouxe muita muirapiranga e a velha tia ainda resmungava

    insatisfeita. O rapaz resolveu então que acabaria com toda aquela trabalheira. Olhou para o fogo que ardia,

    soltando longe suas faíscas. Olhou para o urucu borbulhante, vermelho, quente. Desejou beber aquele

    líquido e pediu permissão à tia que consentiu: - Bebe, bebe tudo e logo, disse zangada. Ela julgava e desejava

    que o moço morresse. Mas, à medida que ia bebendo a tintura quente, o rapaz ia ficando cada vez mais

    vermelho, tal qual o urucu e a muirapiranga. Depois, subindo para o céu, intrometeu-se entre as nuvens. E

    passou desde então a esquentar e a iluminar o mundo.

    Observe que esse mito indígena narra de forma poética como o Sol surgiu e faz isso

    atribuindo às personagens a capacidade de encarnar forças da natureza, que são capazes de

    transformar aspectos da condição humana. Pode-se afirmar que o mito elabora de forma singular

    uma realidade que só pode ser revelada por meio de símbolos e imagens. E essas narrativas têm

    uma importante função não apenas para a preservação da memória coletiva, mas também para a

    regulação da dinâmica das relações sociais, conforme se pode constatar na afirmação de Daniel

    Munduruku:

    “O conhecimento das tradições é passado por meio dos mitos –   histórias dasrealizações dos heróis indígenas. São essas histórias que ajudam a comunidade a semanter unida e forte (...). Falam da vida e da morte, das doenças e das curas.Discorrem sobre o respeito que se deve ter à natureza e sobre os castigos quesofrerão aqueles que desobedecerem (...) As crianças e os adultos ouvem as históriasdos mais velhos, a quem respeitam por sua sabedoria e conhecimento das coisas davida.” 

    7  

    7 Munduruku, Daniel. As serpentes que roubaram a noite e outros mitos. São Paulo: Peirópolis, 2001, p.52.

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    Considerando algumas características do gênero, é possível observar no mito, como na

    lenda, a recorrência da estrutura canônica da narrativa, que começa com a apresentação da

    situação inicial, indicada pelo próprio título e pela frase inicial do texto que já indica que haverá

    uma transformação na história. Instaura-se, então, o conflito: a decisão tomada pelo moço de

    “acabar com a trabalheira” (carregar lenha para a tia). Para tanto, ele realiza um desejo que

    consiste em uma transgressão: beber o líquido fervente. Contrariando a expectativa da tia e dos

    efeitos naturais que se poderia esperar, na situação final em vez de morrer, o herói se transforma

    no Sol.

    Observe que assim como na lenda há apenas uma breve referência ao tempo e ao espaço

    em que os fatos acontecem. Da mesma forma, as personagens são apenas mencionadas, com

    indicação de uma ou outra característica, uma vez que é a ação do protagonista que define o rumo

    da história.

    Perceba também marcas da linguagem poética utilizada no texto para construir as imagens

    metafóricas. Veja, por exemplo, no trecho citado, em que o moço resolve ”acabar com a

    trabalheira”, antes de pedir permissão à tia para beber o líquido, sabemos pelo narrador que o

    moço: “Olhou para o fogo que ardia, soltando longe suas faíscas” (uma menção aos raios emitidos

    pelo Sol). “Olhou para o urucu borbulhante, vermelho, quente” (indicação metafórica do poder que

    o sol tem de aquecer, associação entre um elemento usado no cotidiano, o urucu, e sua

    transformação em algo poderoso, que passa a iluminar o mundo), o que não apenas justifica, mas

    ressignifica o desaparecimento (a morte) do moço.

    Como nos diz Ford,

    “os mitos são, realmente, as “histórias sociais” que curam. Isso porque nos dão mais do que

    o desfecho moral que aprendemos a associar há muito tempo às quadrinhas infantis e aos contos

    de fadas. Lidos apropriadamente, os mitos nos deixam harmonizados com os eternos mistérios de

    ser, nos ajudam a lidar com as inevitáveis transições da vida e fornecem modelos para o nosso

    relacionamento com as sociedades em que vivemos e para o relacionamento dessas sociedades

    com o mundo que partilhamos com todas as formas de vida. Quando enfrentamos um trauma,

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    individual ou coletivamente, as lendas e os mitos são uma maneira de restabelecer a harmonia à

    beira do caos.”8 

    Para aprofundar a discussão sobre essas narrativas, sugerimos duas obras de referência:

    Para encerrar essa primeira parte do módulo e sistematizar as reflexões realizadas até aqui,

    conheça mais um mito que está no audiolivro Doze lendas brasileiras, organizado por Clarice

    Lispector.

    Escute o primeiro texto “Como nasceram as estrelas”. 

    https://www.youtube.com/watch?v=CPTq9TV3nuo

    8 Ford, Clyde W. O herói com rosto africano: mitos da África.São Paulo: Summus, 1999. p. 9.

    Em ContosTradicionais do Brasil ,especialmente acategorizaçãodos contosproposta peloautor.

    No livro Os gêneros dodiscurso na escola, ocapítulo ao “Contopopular”  e um outro aoMito e à tradição

    indígena.

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    Para saber mais sobre a prática de contar histórias, mais duas sugestões:

    a) acompanhe o site Boca do Céu, Encontro Internacional de Contadores de Histórias.

    http://bocadoceu.com.br/ 

    Nesse site você encontrará informações sobre os encontros já realizados, na seção  Arte narrativa 

    há indicações de obras que abordam o tema. Em Biblioteca de contos estão disponíveis diversos

    textos. Na seção Passaram por aqui , você terá oportunidade de conhecer contadores de histórias

    que participaram do evento.

    b) conheça a revista Negras palavras: Aos pés do baobá, publicada pelo Museu Afro Brasil. Nesse

    material, você encontrará reflexões teóricas, relatos de experiências e indicações de leitura sobre

    oralidade, leitura e contação de histórias. A revista está disponível no link

    http://www.museuafrobrasil.org.br/docs/default-

    source/publica%C3%A7%C3%B5es/projeto_negras_palavras.pdf

    Narrativas autorais

    Vimos até aqui que a tradição oral está na origem da nossa experiência ficcional e que ela

    tem um caráter universal, uma vez que essas narrativas atravessam tempos e espaços e embora

    sofram transformações e atualizações não perdem sua essência.

    http://bocadoceu.com.br/http://bocadoceu.com.br/http://bocadoceu.com.br/

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    Ao lado dessa produção, cada país, cada cultura conta com um conjunto de textos literários

    que constitui sua Literatura. Assim, podemos falar de uma literatura francesa, inglesa, russa,

     japonesa, nigeriana e da literatura brasileira. Trata-se de obras de arte, produzidas por meio de

    palavras, cujo artista é o escritor. Como toda obra de arte também o texto literário é a expressão

    de uma leitura pessoal do mundo “traduzida” de forma singular, seja pela particularidade de como

    esse discurso se articula, seja pela escolha dos recursos estéticos e estilísticos.

    Essa produção, que acontece num determinado tempo, num certo contexto social, histórico,

    econômico, é marcada também pelas relações de intertextualidade, pelas experiências de leitura

    do autor e pelos diálogos que estão na essência de sua criação. São histórias narradas por um

    escritor que, tendo como referência sua vida, recorta um fato ou aspecto da realidade e cria, a

    partir dele, uma ficção.

    No módulo 3, você teve oportunidade de se aproximar da obra de Machado de Assis e de

    observar características importantes da produção desse autor. Pôde perceber o interesse do

    escritor pelas temáticas sociais, a forte presença da ironia em seus textos, a sofisticação da

    linguagem utilizada.Nesse módulo, você entrará em contato com dois outros escritores: Lygia Fagundes Telles e

    Bartolomeu Campos de Queirós. Com isso, nossa intenção é apresentar dois exemplos de percursos

    possíveis para promover o contato dos leitores com obras literárias e seus autores.

    Lygia Fagundes Telles

    “...O escritor precisa se ver e ver o próximo natransparência da água. Tem de vencer o medo paraescrever esse medo. E resgatar a palavra através doamor, a palavra que permanece como a negação damorte. (Lygia Fagundes Telles, discurso de posse naABL, 1987).Disponível emhttp://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13436&sid=194 Acesso 27 dez. 2014

    http://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13436&sid=194http://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13436&sid=194http://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13436&sid=194http://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13436&sid=194http://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13436&sid=194

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    Nascida em São Paulo, no dia 19 de abril de 1923, foi no interior do estado que Lygia Fagundes

    Telles viveu sua infância. Autora muito premiada e importante representante da literaturabrasileira, foi uma das primeiras escritoras a obter reconhecimento na área literária que até adécada de 1950, era terreno quase exclusivamente masculino. A obra de Lygia Fagundes Tellescontinua conquistando leitores e certamente será sempre uma referência ímpar com sua escritaprecisa, profunda e totalmente comprometida com as questões existenciais e sociais que assolam omundo em que vivemos.

    Após essa breve apresentação, comecemos pela obra da escritora. Assista ao vídeo do

    Programa Contos da Meia Noite, em que Antonio Abujamra diz o conto “A caçada”: 

    http://tvcultura.cmais.com.br/lygia/a-cacada-de-lygia-fagundes-telles-contos-da-meia-noite

    Você pode ler o conto, disponível no link abaixo:

    http://www.releituras.com/i_eleonora_lftelles.asp 

    Comecemos explorando o contato com o texto. Como foi a experiência de ouvir o texto?

    Você percebeu o jogo de vozes que se instaurou nesse momento? A escritora criou um narrador,

    que no vídeo toma emprestada a voz e o corpo de Abujamra, mediador que promove a

    aproximação entre o leitor/ouvinte e o texto. Você identifica semelhanças entre essa experiência e

    a vivida ao ouvir a história contada por Giba Pedroza? E diferenças?

    E quanto ao texto? Você percebeu que se trata de um conto de mistério?

    Que elementos permitem identificar o gênero literário a que o texto pertence?

    http://www.releituras.com/i_eleonora_lftelles.asphttp://www.releituras.com/i_eleonora_lftelles.asphttp://www.releituras.com/i_eleonora_lftelles.asp

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    Iniciemos pelas características gerais do conto. Mais uma vez, sugerimos que você consulte

    o módulo 3 e procure observar se percebe proximidades entre o texto “A caçada” e o “Conto de

    escola”, de Machado de Assis. 

    Em seguida, retomemos também a estrutura geral dos contos populares, apresentada na

    primeira parte desse texto. No conto “A caçada” também é possível perceber uma situação inicial,

    uma complicação e uma situação final. Mas há também diferenças importantes: observe que, no

    texto de Lygia Fagundes Telles, embora sucinta, a apresentação do cenário circunscreve e

    particulariza o espaço onde a trama se desenvolverá. Logo na apresentação do cenário  – uma loja

    de antiguidades - o leitor inicia seu mergulho na história. Afinal, não se trata de uma loja qualquer,

    mas de uma que “tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus anos embolorados e livros

    comidos de traça”. A imagem é tão forte, tão intensa, tão prenhe de indicações sobre os possíveis

    mistérios que ali acontecerão, que o leitor provavelmente já foi “fisgado” pela história. 

    Da mesma forma, ao chegar ao terceiro parágrafo, o leitor já sabe que a trama envolverá

    duas personagens: um homem e uma velha. Não se trata de personagens arquetípicos (como

    costuma acontecer nos contos da tradição oral). O homem dessa história, por exemplo, toca “com

    as pontas dos dedos uma pilha de quadros”, parece se interessar por arte, ser detalhista. Destaca-

    se também a presença de um narrador minucioso que, desde o início, revela detalhes das ações

    que se desenrolam como o voo da mariposa que “foi chocar-se contra uma imagem de mãos

    decepadas.” 

    As passagens que se seguem reiteram o mistério já anunciado, até o momento em que o

    conflito da trama começa a se revelar: o homem nota uma transformação na tapeçaria, que

    “naquele dia” lhe pareceu mais nítida. Assim ficamos sabendo que essa não é a primeira vez que o

    homem visita a loja e observa a tapeçaria. Seguindo um pouco mais, o leitor é surpreendido pela

    constatação misteriosa do homem, também surpreso: ele “conhecia esse bosque, esse caçador,

    esse céu — conhecia tudo tão bem, mas tão bem!” 

    Enquanto isso, a velha se revela alheia aos detalhes que tanto perturbam o cliente. O leitor

    se vê assim entre duas perspectivas que se desencontram: há algo para além dos fatos e dos

    objetos que se encontram na loja? O que seria?

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    Essa ambiguidade é acentuada pela técnica precisa e eficaz que a autora utiliza para

    envolver o leitor na trama, como se ele também estivesse presente na cena que se desenrola. É

    assim, de muito perto, que o leitor acompanha a angústia do homem que se descobre personagem

    da obra de arte que o inquieta. Mas quem ele teria sido: o caçador, o artista que compôs a obra,

    um mero espectador da cena, o caçador. Quem sabe a caça? A narrativa segue nessa tensão até o

    surpreendente final.

    Esse conto pode ser um bom ponto de partida para conhecer melhor a produção de Lygia

    Fagundes Teles. Ler outras obras será fundamental para que você possa identificar os temas mais

    recorrentes na produção da autora. Quais os traços reveladores do estilo da escritora? Quais são

    suas influências literárias?

    Ao fazer esse movimento, você terá a oportunidade de entrar em contato com outros

    autores, com outros textos que também serão importantes para uma compreensão mais ampla e

    profunda da obra da autora.

    Deixamos aqui duas sugestões para esse percurso:

    a) 

    No site da  Academia Brasileira de Letras, você encontrará a biografia, a bibliografia e odiscurso de posse proferido pela escritora.

    http://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13436&sid=194 

    b)  No vídeo Mestres da Literatura: Lygia Fagundes Telles, a inventora de memórias, você

    conhecerá um pouco mais sobre a vida e a obra da autora.

    https://www.youtube.com/watch?v=iYHAnfWp8ig 

    Mediação de leitura:

    Se você foi capturado pelo conto “A caçada”, que tal partilhar essa experiência com os seus

    alunos? Para isso, além de apresentar e discutir o conto com a turma, sugerimos duas outras

    coletâneas de textos que vocês poderão explorar juntos:

    http://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13436&sid=194http://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13436&sid=194https://www.youtube.com/watch?v=iYHAnfWp8ighttps://www.youtube.com/watch?v=iYHAnfWp8ighttps://www.youtube.com/watch?v=iYHAnfWp8ighttp://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13436&sid=194

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    Fica também a sugestão para uma aventura que exigirá um pouco mais de fôlego: um romance:

    Bartolomeu de Campos Queirós

    Considerado pormuitos críticos umdos mais bem-sucedidos livrosde contos daautora, a obrareúne textosproduzidos noperíodo de 1949 a1969.

    Nessa coletânea,

    organizada

    especialmente para

    adolescentes, a autora

    conduz habilmente o

    leitor rumo ao

    desconhecido.

    Experiência que se

    torna ainda mais

    instigante, quando se

    considera asilustra ões de Alvim.

    Obra de grande repercussão e que se tornou livro de referência paramuitos leitores, o romance conta a saga de três jovens universitáriasque se tornam adultas no período da ditadura militar no Brasil.

    Se essa for sua opção, vale a pena considerar a possibilidade de

    recorrer também ao filme homônimo, baseado no romance, comdireção de Emiliano Ribeiro, conforme você pode conferir no link:htt : www.cineclick.com.br as-meninas 

    “Eu acho que hoje inclusive há

    uma presença da minha mãe naminha literatura, porque quandoa dor é muita eu escrevo”. 

    https://www.youtube.com/watch?v=1-z-8O31_qc  Depoimento do autor -vídeo publicado pelo Museu da Pessoa

    http://www.cineclick.com.br/as-meninashttp://www.cineclick.com.br/as-meninashttps://www.youtube.com/watch?v=1-z-8O31_qchttps://www.youtube.com/watch?v=1-z-8O31_qchttps://www.youtube.com/watch?v=1-z-8O31_qchttps://www.youtube.com/watch?v=1-z-8O31_qchttps://www.youtube.com/watch?v=1-z-8O31_qchttp://www.cineclick.com.br/as-meninas

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    Bartolomeu Campos de Queirós nasceu em Papagaio, MG, em 1944. Publicou mais de 40 livros, foi

    professor e atuou em diversos programas voltados para as políticas públicas de leitura, como oProler, por exemplo. Foi idealizador do Movimento Brasil Literário, participou de diversosseminários e eventos destinados à promoção de leitura. Foi também editor. Faleceu em janeiro de2012, em Belo Horizonte, cidade onde morava.

    A literatura de Bartolomeu de Campos Queirós é pura poesia, como foi também o seu jeito

    de estar no mundo. Ouvir Bartolomeu é aula de literatura, aula de poesia. Ler seus textos é uma

    experiência profunda e reveladora da beleza que o autor enxergou ao seu redor e fez questão de

    partilhar, porque em suas próprias palavras a “beleza é tudo aquilo que você não dá conta de ver

    sozinho (...) A beleza não cabe em você...”

    Considerando as duas afirmações do autor citadas acima, é possível inferir que a vida de

    Bartolomeu foi marcada por muitas dores, mas também que, por meio de sua intensa sensibilidade,

    o escritor soube converter dores em obras de arte, em literatura. É como se em cada texto,

    Bartolomeu convidasse o leitor a para olhar junto com ele para a beleza que encontrava nas coisas

    mais simples do cotidiano, inclusive nas mais doídas: como a perda da mãe, do pai, do avô, as

    aventuras e fragilidades que marcaram sua infância... Mas ninguém melhor que o próprio autor

    para apresentar a essência de sua obra. Assista a entrevista realizada para o Programa Vereda

    Literária, em 1996.

    https://www.youtube.com/watch?v=J2TET0bNVbA 

    Escute, agora, um fragmento do romance Por parte de pai :

    https://www.youtube.com/watch?v=J2TET0bNVbAhttps://www.youtube.com/watch?v=J2TET0bNVbAhttps://www.youtube.com/watch?v=J2TET0bNVbA

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    https://www.youtube.com/watch?v=9FUAAHvKWqk 

    Na produção literária de Bartolomeu, as memórias de infância são matéria-prima para a

    ficção. Como ele mesmo diz: “Toda memória é fantasiosa.”

    Você ouviu um fragmento de Por parte de pai . No vídeo Imagem da Palavra Parte 2 terá

    oportunidade de ver o autor falando sobre sua obra e de ouvir um trecho de outro romance de sua

    autoria, Vermelho amargo.

    https://www.youtube.com/watch?v=fbRrCTudoA0 

    Com isso, você poderá perceber a forte presença da memória na obra do autor. E, como ele

    mesmo revela, a metáfora como um recurso que marca sua produção, seu estilo de escrever. Mais

    uma vez nas palavras do próprio autor “eu gosto muito dela (da metáfora). Ao mesmo tempo em

    que eu me escondo nela, eu ponho asas no leitor. A metáfora me serve para isso.”

    https://www.youtube.com/watch?v=9at0MkYeZCw (Imagem da palavra Parte 3).

    De fato, basta abrir um dos livros do autor para perceber que se trata de um texto de

    Bartolomeu, como se pode notar no belo conto:

    “Naquela noite o Gato ocupou a janela.

     Aninhou-se entre seus pelos e seus abraços. Tudo se

    somava como um novelo de veludo: O Gato, a noite,

    o silêncio.

     A noite expulsou o dia, e um mundo escuro

    se fez. Mas entre a maciez do Gato, dormia em seu

    corpo uma dor.

    https://www.youtube.com/watch?v=9FUAAHvKWqkhttps://www.youtube.com/watch?v=9FUAAHvKWqkhttps://www.youtube.com/watch?v=fbRrCTudoA0https://www.youtube.com/watch?v=fbRrCTudoA0https://www.youtube.com/watch?v=9at0MkYeZCwhttps://www.youtube.com/watch?v=9at0MkYeZCwhttps://www.youtube.com/watch?v=9at0MkYeZCwhttps://www.youtube.com/watch?v=fbRrCTudoA0https://www.youtube.com/watch?v=9FUAAHvKWqk

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    Já nesses primeiros parágrafos de O Gato fica evidente tratar-se de prosa poética; as belas e

    poderosas metáforas falam novamente da dor, desta vez da dor de um gato. Mas não se tratariamais uma vez do escritor convertendo uma dor sua em metáfora, por trás da qual ele se esconde e

    dá asas ao leitor? E esse medo de não mais acordar, seria apenas do Gato? Note-se, e não se trata

    de detalhe, que nessa narrativa Gato é substantivo grafado com inicial maiúscula; portanto, o

    narrador fala de um certo Gato, que pode sim representar muitos outros ou todos os gatos, mas

    esse personagem tem uma história singular, que reflete sobre o papel do escuro, que tem medo de

    não mais acordar. Ao alçar o animal a personagem singular, o escritor humaniza o felino e provoca

    o leitor a se identificar com ele, a imaginar que o animal pode ser uma máscara, por trás da qual

    está uma pessoa: o escritor? O narrador? O próprio leitor?

    Assim é a literatura de Bartolomeu: asas fortes para imaginar, para experimentar outros

    voos, outros ares. Asas também para viagens interiores, profundas e revigorantes. Certamente você

    e seus alunos rapidamente aprenderão a gostar da obra e a amar o escritor.

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    Mediação de leitura

    Para apresentar o autor aos seus alunos, muitas são as alternativas como você pôde

    perceber. Ainda assim sugerimos duas possibilidades:

    Esperamos que você tenha apreciado o percurso proposto pelo módulo, que as histórias que

    selecionamos sejam inspiração para o seu trabalho e para o seu percurso como leitor.

    Correspondência foi produzido no momento em que o Brasilvivia o final da ditadura militar. O livro foi ilustrado porÂngela Lago.

    No blog da Editora RHJ, você encontrará umacuidadosa análise do livro. Esse material será, certamente,uma referência valiosa para orientar seu trabalho:

    http://blogeditorarhj.blogspot.com.br/2010/06/correspondencia-

     

    Em Indez, romance autobiográfico, Antonio conduz o leitor a umaviagem para a infância de um menino que nasceu, lutou contra amorte e viveu no interior de Minas Gerais. A história ganha, naescrita de Bartolomeu Campos de Queirós, enorme força metafóricaao transformar elementos do cotidiano em recursos poéticos queencantam e seduzem o leitor. Aliás, as provocações começam antesmesmo da leitura do texto: você sabe o que é Indez? Está aí, um

    excelente ponto de partida para apresentar essa obra deBartolomeu aos seus alunos (e conhecê-la, caso você ainda nãotenha tido oportunidade.)Se a sua escola tiver o material Caderno do Professor: leitura e

     produção de texto 5ª. e 6ª. série, você encontrará na oficina 7, p. 87-94, uma proposta para abordagem dessa obra.

    São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Caderno do professor: leitura eprodução de texto – 5ª. e 6ª. séries/6º. E 7º anos. Secretaria da Educação;coordenação geral, Maria Inês Fini; equipe Ghisleine Trigo Silveira; Ana LuizaMarcondes Garcia, Egon de Oliveira Rangel, Maria Regina Figueiredo Horta, Neide

    Aparecida de Almeida. São Paulo: SEE, 2010.