apostila fit 1310.filo.c03.2015-2 -...

40
1 APOSTILA FILOSOFIA - 2015/2 Educação Física FIT 1310-C03 Conteúdo O QUE É E O QUE NÃO É FILOSOFIA ......................................................................................................... 2 Pensamento, Educação e Corpo: Idade Antiga .................................................................................................. 3 Pensamento, Educação e Corpo: Idade Média ................................................................................................... 5 Pensamento, Educação e Corpo: Início Da Modernidade ................................................................................. 7 KARL MARX .................................................................................................................................................. 11 Educação física escolar e filosofia: uma prática consciente ............................................................................ 12 FREUD E A EDUCAÇÃO .............................................................................................................................. 18 Pensamento, Educação e Corpo: CONTEMPORANEIDADE ....................................................................... 23 Uma atitude reflexiva filosófica acerca da Edu Física Brasileira: críticas e possibilidades ............................ 25 Ética e Educação Física escolar: reflexões e possibilidades ............................................................................ 34 [email protected] (ao enviar e-mail, gentileza identificar turma FIT 1310-C03)

Upload: buibao

Post on 09-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

APOSTILA FILOSOFIA - 2015/2

Educação Física FIT 1310-C03

Conteúdo

O QUE É E O QUE NÃO É FILOSOFIA ......................................................................................................... 2

Pensamento, Educação e Corpo: Idade Antiga .................................................................................................. 3

Pensamento, Educação e Corpo: Idade Média ................................................................................................... 5

Pensamento, Educação e Corpo: Início Da Modernidade ................................................................................. 7

KARL MARX .................................................................................................................................................. 11

Educação física escolar e filosofia: uma prática consciente ............................................................................ 12

FREUD E A EDUCAÇÃO .............................................................................................................................. 18

Pensamento, Educação e Corpo: CONTEMPORANEIDADE ....................................................................... 23

Uma atitude reflexiva filosófica acerca da Edu Física Brasileira: críticas e possibilidades ............................ 25

Ética e Educação Física escolar: reflexões e possibilidades ............................................................................ 34

[email protected]

(ao enviar e-mail, gentileza identificar turma FIT 1310-C03)

2

O QUE É E O QUE NÃO É FILOSOFIA

Platão dizia que a primeira virtude do filósofo é ADMIRAR-SE. A filosofia é, sobretudo uma ATITUDE, um PENSAR

PERMANENTE. Ela questiona o saber instituído, não é um saber acabado, uma doutrina com conteúdo determinado. Não é a

POSSE da verdade, mas sua BUSCA. Não se confunde com a ciência, pois considera o objeto do ponto de vista da

TOTALIDADE. A visão da filosofia é uma visão de conjunto. Relaciona cada aspecto com os outros do contexto onde está

inserido. A ciência tende para a especialização. A filosofia tenta superar esta fragmentação, resgata o homem na sua integridade,

não sucumbe ao saber parcelado. O saber parcelado, o excesso de especialização, perde a noção de conjunto e acarreta os excessos

do discurso competente e consequentes formas de dominação.

A filosofia é a reflexão crítica dos fundamentos do conhecimento e do agir. Refletir no sentido latino (reflectere: fazer retroceder,

voltar atrás). Retomar o próprio pensamento, PENSAR O JÁ PENSADO, o que se conhece. A reflexão filosófica deve ser

RADICAL, RIGOROSA e de CONJUNTO.

Como a arte, a filosofia não tem utilidade para fins imediatos e pragmáticos. Não ter utilidade imediata não significa ser

desnecessária. Filosofia é a possibilidade de transcendência humana. Capacidade que só o homem tem de superar sua imanência (a

situação dada e não escolhida). Pela transcendência o homem surge como um SER DE PROJETO, capaz de construir seu destino,

capaz de LIBERDADE. A filosofia sempre se confronta com o PODER. Sua investigação não pode estar alheia à ética e à

política. A filosofia é crítica da ideologia, ela desnuda, põe à nu. A vocação e o compromisso do filósofo é o desvelamento do que

está encoberto pelo costume, pelo convencional, pelo poder.

A filosofia exige CORAGEM: enfrentar o estagnado, o status quo. É preciso sempre aceitar a mudança. SABER PARA

TRANSFORMAR.

A filosofia é movimento, pois o mundo é movimento. Na filosofia, certeza e negação são dois momentos da busca do saber (tese e

antítese), que serão superados pela síntese, a qual será nova tese e assim por diante.

Como disse Jaspers: “FAZER FILOSOFIA É ESTAR A CAMINHO”

Baseado em textos de Maria L. Arruda, Saviani e Chauí.

3

Pensamento, Educação e Corpo: Idade Antiga Em nossa disciplina, os aspectos da História da Educação e da Filosofia da Educação ambas têm

contribuições importantes para o processo de formação do educador, bem como para se repensar o nosso paradigma educacional e principalmente as possibilidades de intervenção e de uma real transformação. E você, já parou para pensar nessas questões? Vamos criar juntos, um espaço para essas reflexões?

TRADIÇÃO GREGA

É impossível pensar no Mundo Ocidental sem as contribuições dos povos gregos. Vejamos abaixo o que esses habitantes da região balcânica da Europa ensolarada e banhada pelo mar Mediterrâneo, legaram à sociedade ocidental.

O ideal esportivo – O sistema de educação dos gregos interessava-se tanto pelo corpo quanto pelo

espírito. A beleza do corpo e a harmonia dos gestos eram procurados através de exercícios diários. O ideal cívico – Embora não tivessem chegado à ideia de uma pátria unificada, os gregos

amaram ardentemente as suas cidades e chegaram a morrer por elas. O regime democrático – Os atenienses conheceram e transmitiram à posteridade um regime político

que chamaram de democracia e que se caracteriza pelo governo do povo, pelo povo ou através de representantes do povo.

O desenvolvimento das ciências – Os gregos desenvolveram as raízes fundamentais das ciências

experimentais e aplicadas. A influência literária – Os gregos criaram o teatro, a tragédia e a comédia. Criaram também

uma nova forma de ver a História, que até então não passava de uma lista de nomes e de datas aproximadas. A influência artística – A arte grega produziu monumentos cuja beleza nos emociona, mesmo

quando parcialmente em ruínas, como o Partenon da Acrópole de Atenas. O ideal de beleza dos gregos ainda hoje é sinônimo de perfeição plástica.

EDUCAÇÃO HELENÍSTICA Imaginemos se no mundo atual, o Brasil fosse conquistado por uma grande potencia mundial

(EUA ou França, por exemplo). Com certeza a nossa cultura sofreria mudanças. Isso foi o que aconteceu com a Grécia no período helenístico.

Alexandre Magno (Rei da Macedônia), dominou a Grécia no século IV a.C e colocou sob seu domínio a Grécia e o Oriente(desde o Egito até a Pérsia), a partir daí a cultura grega se universalizou, ampliou e tornou-se multicultural, sobretudo pela larga influência dos orientais. É dessa fase o chamado despotismo que séculos mais tarde foi aplicado na Europa de maneira generalizada.

Nessa época a Paideia transformou-se em enciclopédia. A educação passou a valorizar o aspecto intelectual ao invés dos aspectos físicos e estéticos.

A leitura, o cálculo e a escrita experimentaram grande desenvolvimento, mas o método utilizado era a memorização. Se a memorização ainda era valorizada, a disciplina era bastante rigorosa e os castigos corporais eram considerados como algo natural. A escola dos grammátikos foi a que mais cresceu, nela estudava-se: literatura clássica, poesia e história. No ensino superior (Universidade de Atenas e no Museu de Alexandria), as matérias de ensino dividam-se em:

- Humanistas – gramática, retórica e filosofia ou dialética. - Realistas – aritmética, música, geometria e astronomia.

4

O ensino privado ainda existia, mas possuía uma dimensão bastante restrita, os pedagogos passam a ser mais bem remunerados e ganham certo prestígio social.

MOMENTO DE REFLEXÃO:

No período helenístico a Grécia teve a sua cultura tradicional modificada. No mundo atual, você considera isso um aspecto positivo ou negativo?

Justifique.

PRINCIPAIS EDUCADORES GREGOS: SÓCRATES (469 a 399 a.C.) É o grande nome da filosofia grega na Antiguidade. Educado a partir da obra de

Homero, Sócrates viveu em Atenas quando a cidade era um centro cultural dos mais importantes. Sócrates realizou uma tarefa de educador público e gratuito. Colocou os homens em face da seguinte evidencia oculta: as opiniões não são verdades, pois não resistem ao diálogo crítico.

São contraditórias. Acreditamos saber, mas precisamos descobrir que são sabemos. É conhecido

seu famoso método, sua arte de interrogar, sua “maiêutica” (Platão criou a palavra maieutiké para referir-se ao “parto das ideias” ou “parto das almas”), que consiste em forçar o interlocutor a desenvolver seu pensamento sobre a questão que ele pensa conhecer, para conduzi-lo, de consequência em consequência, a contradizer-se, e, portanto, a confessar que nada sabe. Para Sócrates as etapas do saber são: a) Ignorar sua ignorância; b) Conhecer sua ignorância; c) Ignorar seu saber; d) Conhecer seu saber.

PLATÃO (428-354 a.C) Foi o segundo da tríade dos grandes filósofos clássicos, sucedendo Sócrates e

precedendo Aristóteles, que foi seu discípulo. Como Sócrates, Platão rejeitava a educação que se praticava na Grécia em sua época e que estava a cargo dos sofistas incumbidos de transmitir conhecimentos técnicos, sobretudo a oratória, aos jovens da elite para torná-los aptos a ocupar as funções públicas.

No âmbito educacional nos deparamos com um Platão muito preocupado com a qualificação dos cidadãos, para se ter uma sociedade justa (etica e políticamente). Sociedade essa que para ele deveria ser composta por homens virtuosos, capaz de dominar suas paixões, o que o mesmo denominava “equilíbrio de si”.E também formar cidadãos com 2 capacidade de argumentação e retórica, para que assim fossem habitantes ativos e não passivos como os escravos, mulheres e crianças na cidade

Baseado na ideia de que os cidadãos que tem o espírito cultivado fortalecem o Estado e que os melhores entre eles serão os governantes, o filósofo defendia que toda educação era de responsabilidade estatal, um princípio que só se difundiria no Ocidental muitos séculos depois. Igualmente avançada, quase visionária, era a defesa da mesma instrução para meninos e meninas e do acesso universal à educação.

Na história do pensamento grego houve uma fase muito particular que foi extremamente importante, mas de duração relativamente curta: o período dos SOFISTAS (séc. IV e V a.C).

Os SOFISTAS sistematizaram e transmitiram uma série de conhecimentos estudas até os dias de hoje, dominavam técnicas avançadas de discurso e atraiam muitos aprendizes. Para eles não interessava se o que estavam falando era verdadeiro, pois o essencial era conquistar a adesão do público ouvinte.

Contrapondo-se à maiêutica de Sócrates, a retórica dos sofistas não se propunha a levar o interlocutor a questionar-se sobre a verdade dos fatos, dos princípios éticos ou dos sentimentos, ao contrário, a retórica busca inculcar no ouvinte ideologias que sejam aproveitáveis para manipulação do povo.

Em resumo, os sofistas eram considerados mestres da oratória, ensinavam de forma intinerante e cobravam um alto preço dos cidadãos para aplicação e ensino de suas habilidades de discurso, que para os gregos eram fundamentais para a política. Os sofistas defendiam que a verdade surgia por meio do consenso entre os homens.

5

ARISTÓTELES (384-322 a.C)

De todos os grandes pensadores da Grécia antiga, Aristóteles foi o que mais influenciou a civilização ocidental. Até hoje o modo de pensar e produzir conhecimento deve muito ao filósofo. Foi ele o fundador da ciência que ficaria conhecida como lógica e suas conclusões nessa área não tiveram contestação alguma até o século 17.

A educação, para Aristóteles, é um caminho para a vida pública. Cabe à educação a formação do caráter do aluno. Perseguir a virtude significaria, em todas as atitudes, buscar o "justo meio". A prudência e a sensatez se encontrariam no meio-termo, ou medida justa - "o que não é demais nem muito pouco", nas palavras do filósofo.

Imitação era o princípio do aprendizado Aristóteles não era como Platão, um crítico da sociedade e da democracia de Atenas. Ao contrário, considerava a família, como se constituía na época, o núcleo inicial da organização das cidades e a primeira instância da educação das crianças. Atribuía, no entanto, aos governantes e aos legisladores o dever de regular e vigiar o funcionamento das famílias para garantir que as crianças crescessem com saúde e obrigações cívicas. Por isso, o Estado deveria também ser o único responsável pelo ensino. Na escola, o princípio do aprendizado seria a imitação. Segundo ele, os bons hábitos se formavam nas crianças pelo exemplo dos adultos. Quanto ao conteúdo dos estudos, Aristóteles via com desconfiança o saber "útil", uma vez que cabia aos escravos exercer a maioria dos ofícios, considerados indignos dos homens livres. EDUCADOR PRESSUPOSTO MÉTODO

SÓCRATES Autoconhecimento do educando Diálogo crítico, dividindo em duas etapas: ironia e maiêutica

PLATÃO Elevação do ‘espírito’ Dialética a partir de etapas precisas para o processo educacional

ARISTÓTELES Hábitos virtuosos e orientação racional para os alunos

Lógico, partindo da percepção do objeto, memorização do percebido e inter-relação entre os mesmos.

Pensamento, Educação e Corpo: Idade Média A educação na Idade Média é profundamente marcada pela presença da Igreja Católica.

Depositária do conhecimento e guardiã da herança greco-romana, a Igreja era grande controladora da vida mental dos medievos e assim se deu com a educação.

Vejamos abaixo como se dava efetivamente essa influência analisando os tipos de escola na Idade Média e também o surgimento das universidades:

ESCOLAS PAROQUIAIS No quadro da cidade romana, cada comunidade cristã organiza-se tendo à sua cabeça um bispo -

epíscopos, que quer dizer vigilante eleito pelos fiéis. As primeiras remontam ao século II. Limitavam-se à formação de eclesiásticos, sendo o ensino ministrado por qualquer sacerdote encarregado de uma paróquia, que recebia em sua própria casa os jovens rapazes. À medida que a nova religião se desenvolve, passa-se das casas privadas às primeiras igrejas nas quais o altar substitui a tribuna. O ensino reduz-se aos salmos, às lições das Escrituras, seguindo uma educação estritamente cristã.

ESCOLAS MONÁSTICAS E EPISCOPAIS É nos mosteiros espalhados pela Europa, séc. VI, longe do rebuliço das novas cidades

emergentes na Europa, que surgem as Escolas Monásticas que visavam, inicialmente, apenas a formação de futuros monges. Funcionando de início apenas em regime de internato, estas escolas abrem mais tarde escolas externas com o propósito da formação de leigos cultos (filhos dos Reis e os servidores).

Paulatinamente, nas cidades, começam a surgir as Escolas Episcopais que funcionam numa dependência da habitação do bispo. Estas escolas visavam, em especial, a formação do clero secular (parte do clero que tinha contato direto com a comunidade) e também de leigos instruídos

6

que assim eram preparados para defender a doutrina da Igreja na vida civil. ESCOLÁSTICA No século VIII, Carlos Magno resolveu organizar o ensino por todo o seu império e fundar escolas

ligadas às instituições católicas. A cultura greco-romana, guardada nos mosteiros até então, voltou a ser divulgada, passando a Ter uma influência mais marcante nas reflexões da época. A fundação dessas escolas e das primeiras universidades do século XI fez surgir uma produção filosófico-teológica denominada escolástica (de escola).

A partir do século XIII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pensamento escolástico, marcando-o definitivamente. Isso se deveu à descoberta de muitas obras de Aristóteles, descobertas até então, e à tradução para o latim de algumas delas, diretamente do grego.

A busca da harmonização entre a fé cristã e a razão manteve-se, no entanto, como problema básico de especulação filosófica..

ESCOLAS CATEDRAIS Se, até ao século XI, a vida intelectual era praticamente monopólio da Igreja, a partir do

século XII, inaugura-se uma nova fase. O ensino literalmente deixa o campo e instala-se definitivamente nas cidades. As Escolas Catedrais (escolas urbanas), saídas das antigas escolas episcopais (que alargaram o âmbito dos seus estudos), tomaram a dianteira em relação às escolas dos mosteiros. A atividade intelectual abre-se ao exterior, ainda que de forma lenta, absorvendo elementos das culturas judaica, árabe e persa, redescobrindo os autores clássicos, como Aristóteles e, em menor escala, Platão.

Até século XII o ensino era monopolizado pela igreja. Aos poucos, este poder é delegado ao chanceler, cujo poder diminui com o tempo. Com o crescimento do número de alunos, surge a licença para lecionar (licencia docendi) delegada a cidadãos leigos. Nasce as universidades (séc. 13)

A Universidade tornou-se pólo criador de literatura científica especializada. Instituiu-se o costume de publicar livros (copiados) chamados de exemplares que continham a matéria ministrada (“apostilas”), copiadas à mão.

Com o surgimento da imprensa, a divulgação de novos trabalhos científicos se acelerou, diminuindo o tempo necessário para a difusão e o surgimento de comentários, refutações e extensões desses trabalhos. Com a intensificação da vida urbana, o desenvolvimento laico e autônomo da Universidade e a difusão de livros impressos, encontravam-se reunidas, no final da Idade Média, as condições para a eclosão da uma rápida transformação cultural que seria o Renascimento.

ESCOLAS SECULARES Ao final da Idade Média, a burguesia se fortaleceu cada vez mais e começou a exigir uma

educação menos retórica e reflexiva. Era preciso dar aos mais jovens uma formação mais prática, voltada para as necessidades cotidianas e não absolutamente embebida na teologia e filosofia. Ao mesmo tempo, com a Reforma Protestante de 1517, essa mesma burguesia adere em massa ao movimento dos reformados, o que impossibilita a permanência dos seus filhos nos colégios católicos.

Daí surgem as escolas seculares, instituições que buscavam uma educação mais afinada com os novos tempos. Nessas instituições o ensino das operações matemáticas, da escrita e da leitura era reforçado, para que esses jovens pudessem gerir futuramente os negócios de seus pais.

Com efeito, o desenvolvimento do comércio faz brotar novamente a necessidade de se aprender a ler, escrever e calcular. Nessas escolas burguesas, acontece uma forte contestação à Igreja, pois as mesmas se opunham ao ensino puramente religioso. Na verdade essas escolas queriam uma proposta ativa, que atendesse aos interesses da classe burguesa.

As mulheres, apesar de trabalharem arduamente ao lado do marido, continuariam analfabetas. As

meninas nobres aprendiam artes domésticas em seu próprio castelo. Com o surgimento das escolas seculares, as meninas burguesas, começaram a ter acesso à educação formal. Nos mosteiros (alunas internas) e nos educandários (alunas externas) as meninas aprendiam a: ler, escrever, fazer artes e a executarem cópias de manuscritos.

7

Pensamento, Educação e Corpo: Início Da Modernidade A CULTURA RENASCENTISTA

Conhecer e compreender a importância histórica do Renascimento para o desenvolvimento da civilização ocidental, e de seu processo educacional, é de fundamental importância para o entendimento das mudanças sociais, culturais e científica ocorridas nesse período. Na construção do que é a educação moderna partiremos da análise do contexto histórico renascentista e centramos nosso foco no estudo de seus aspectos fundamentais.

Para iniciar é bom ressaltar que tanto para a história quanto para a filosofia o período renascentista marca o principio da idade moderna por: constituir-se dos seguintes aspectos principais, que o diferem em geral do modelo medieval:

VISÃO DE MUNDO MEDIEVAL VISÃO DE MUNDO RENASCENTISTA

Teocentrismo Antropocentrismo A verdade está na Bíblia, na tradição e na autoridade da Igreja Católica

A verdade é obtida pela experimentação, pela observação e pela razão

A vida material é pouco importante. A vida dedicada à religião é tudo. Afinal, a realidade é explicada somente pela vontade de Deus.

A vida terrena e material também é importante. Deve-se explicar a realidade terrestre pelo que acontece aqui na Terra.

Conformismo: todas as mudanças são contrárias à vontade de Deus.

O homem pode e deve progredir, tanto material quanto culturalmente

Conhecer para contemplar a realidade. Conhecer para transformar a natureza. Saber => Poder

A natureza é fonte de pecado e deve-se ficar afastado de suas ‘tentações’.

A natureza é maravilhosa e o home faz parte dela.

Ascetismo: vida simples e afastada dos prazeres e desejos

Hedonismo: valorização do corpo e dos prazeres materiais e intelectuais.

FILOSOFIA ESCOLÁSTICA FILOSOFIA HUMANISTA Adaptação que São Tomás de Aquino fez do pensamento do grego Aristóteles (tomismo).

Contestação da escolástica. Busca de novas verdades, questionando dogmas tradicionais.

Dogmatismo: aceita certas ‘verdades’ sem discutir. Separação entre fé e razão: uma cuida do Céu e a outra da Terra.

A razão é serva da fé. Revalorização dos estudos dos clássicos Greco-romanos.

Assim também, como para a história da filosofia, no contexto da história da educação, renascimento

é encarado como uma fase de transição entre as idades moderna e medieval. Por apresentar elementos de ambos os períodos, dessa forma não é possível classificá-lo puramente como medieval ou moderno.

Podemos destacar como elementos comuns: o foco na figura do mestre; o privilégio de ser exclusiva de quem tinha o poder; e as temáticas ligadas a ordem religiosa em seu final.

Contudo com vamos ver alguns pontos que irão gerar, por assim dizer, a verdadeira educação moderna ou educação iluminada. São os seguintes então:

� Interesse pelo passado greco-romano clássico, especialmente pela sua arte; � A razão como a principal forma pela qual o conhecimento seria alcançado; � Privilégio à matemática e às ciências da natureza; � O Humanismo como tendência semelhante no campo da ciência.

O Humanismo é um movimento filosófico surgido no século XV dentro das transformações

culturais, sociais, políticas, religiosas e econômicas desencadeadas pelo Renascimento. Seu foco está na re-valorização do homem e da sua cultura, com base no modelo Greco-romano, ou clássico, de pensamento.

8

Foi essa nova mentalidade que influenciou a educação tornando-a mais prática, incluindo a cultura do corpo e substituindo processos mecânicos por outros mais acessíveis. Foram as grandes navegações e a invenção da imprensa que exerceram grande influência neste pensamento pedagógico. A educação renascentista preparou a formação do homem burguês e, por isso, essa educação não chegou às massas populares.

Outros dois elementos importantes dessa fase foram os processos da Reforma Protestante e da Contra-Reforma Católica. O movimento da Reforma é considerado, junto com o Renascimento, o prelúdio da Modernidade na Europa. Tal consideração ocorre porque tal movimento está totalmente vinculado - isso se não for sua semente originária - à liberdade política e ao capitalismo. A marca que identifica ambos movimentos é a instauração da liberdade humana: tanto a Reforma como o Renascimento foram produtos do Humanismo, onde literários e bíblicos tinham desejos de voltar no tempo e buscar na pureza da Antigüidade Clássica a origem para Renovação que o homem tanto almejava. Ou seja, era necessário que o homem voltasse ao seu passado para conseguir se libertar no seu presente.

No entanto, mesmo tendo o mesmo embrião filosófico/teórico (o Humanismo), o desenrolar dos dois movimentos teve uma diferença brutal na sociedade que o criara: enquanto o Renascimento atingiu apenas as elites sociais (tanto econômicas como políticas e culturais) buscando a educação como elemento de difusão das ciências e artes modernas; já a Reforma alcançou toda a massa populacional européia: tanto os altos governantes como os simples camponeses foram tocados por ela. Seu objetivo ao utilizar-se da educação era fomentar a religiosidade e o pensamento protestante então nascente.

Devido a esse movimento de reforma foi que por volta de 1540 a Igreja Católica reage a todas estas situações que a faziam perder estados para o protestantismo. A Contra-Reforma serviu também para revitalizar a Igreja servindo-se de diversos meios dentre os quais a educação também estava inserida. A proposta educacional que a Igreja lançou mão foi a criação de uma ordem que tinha por objetivos: ser missionária; “educar” por meio da confissão, do ensino “cientifico e do teatro” e da pregação; ser elemento de evangelização e conversão. Essa ordem era a Companhia de Jesus, ou Jesuítas, criados por santo Inácio de Loyola com forma de combater a educação protestante e em parte o modelo renascentista também visto dessa forma temos então que o período renascentista possui o seguinte esquema de organização no tocante a educação.

Linha de pensamento

fundamental: Humanismo

Educação Educação Protestante Educação Contra- Renascentista, ou Reformista Católica ou Humanística Pura Jesuíta

Os principais pensadores desse período são:

• Erasmo Desidério ou Erasmo de Rotterdã (1467-1536): o verdadeiro caminho deveria ser criado pelo homem, enquanto ser inteligente e livre;

• Juan Luís Vives (1492-1540): foi um dos primeiros a solicitar uma remuneração para os professores;

• François Rabelais (por volta de 1483-1553): para ele o importante não eram os livros, mas a natureza. A educação precisava primeiro cuidar do corpo, da higiene, da limpeza, da vida ao ar livre, dos exercícios físicos, etc.;

• Martinho Lutero: para ele a exaltação Renascentista do indivíduo de seu livre arbítrio, tornara inevitável a ruptura no seio da igreja. Iniciou a reforma Protestante, que foi considerada como a primeira grande revolução burguesa.

9

RACIONALISMO

DESCARTES (1596-1650) defende pois que, para chegar à verdade, temos de duvidar de tudo. Todas as coisas em que aparecer a menor dúvida devem ser tomadas por falsas. Assim temos que duvidar das coisas sensíveis, pois os sentidos muitas vezes erram. O cogito é, assim, a expressão final sintética e intuitiva do processo de aplicação metódica da dúvida. Com efeito, é através deste processo como o que se atinge a substância da alma puro pensamento e que se define a essência do homem por via desta substância: “eu penso, logo existo”.

Descartes vê a razão matemática o ‘elo entre o homem e o universo’. Descartes encerra o homem no cogito e cava um profundo abismo entre o mundo material e o mundo espiritual, constituindo espírito e matéria dois princípios distintos e irreconciliáveis. A ideia de uma união do corpo e da alma não é, para Descartes, uma ideia clara e distinta, que se apresenta ao espírito com evidência o que o leva a negar-lhe veracidade. Para ele, é ‘somente ao espírito e não ao composto de espírito e corpo, que compete conhecer a verdade das coisas’.

Colocando na mente o centro e o suporte de toda a realidade, Descartes, por um lado abre uma nova perspectiva no pensamento filosófico, que inaugura realmente a modernidade – a descoberta da subjetividade, da consciência, do ‘eu’. Por outro lado, Descartes encerra o ‘eu’ na imanência do cogito – o ‘eu’ de Descartes é somente um ‘eu’ pensante. Excluindo do ‘eu’, o sentir e o agir, ele fragmenta o homem/, dividindo-o em dois princípios distintos e irredutíveis: o corpo e a alma. Em São Tomás a alma como princípio co-constituinte da unidade substancial – o homem – não era somente pensamento, mas também sentimento e ação. O ‘eu’ de Descartes é um ‘eu’ fragmentado em si mesmo e isolado do mundo. A vivência da corporeidade é substituída pela sua representação na mente, e os objetos do mundo exterior transformam-se em meros dados da consciência.

Como consequência da separação cartesiana do corpo e alma, os fatos psíquicos e fisiológicos

começaram a ser estudados separadamente, permanecendo até hoje. Essa separação se faz sentir na Educação Física até os nossos dias, tanto na sua prática pedagógica como nas ciências que a embasam. Estas últimas se constituem em campos estanques, que não se intercomunicam: cada uma trata do corpo sob sua perspectiva, como se esta fosse absoluta, ignorando a globalidade do homem.

ILUMINISMO ROUSSEAU (1712-1778) resgata ao mesmo tempo o homem como um ser corpóreo dotado de

necessidades e paixões e o homem como um ser espiritual e histórico, que possui razão e livre-arbítrio. A humanidade do homem reside na consciência de seu livre-arbítrio, na consciência de poder escolher suas ações e no sentimento que acompanha essa possibilidade. O ato de liberdade moral não deriva, portanto de uma decisão desvinculada da realidade corpórea, mas também dele participam os sentimentos e emoções do homem: “existir para nós é sentir, nossa sensibilidade é anterior à nossa inteligência”. Para Rousseau as paixões enraizadas nas necessidades corporais, em seu estado natural ou modificadas pelas circunstâncias estão na base de todo ato humano, impulsionando a razão.

Para Rousseau o homem não é um ser social por natureza, mas por necessidade por sua fragilidade corporal, da assistência dos seus semelhantes, o homem foi com a convivência ao mesmo tempo aperfeiçoando sua razão e transformando seus sentimentos de amor de si e piedade em egoísmo e indiferença para com seus semelhantes, criando tanto os vícios como as virtudes e gerando a desigualdade social. Assim, os vários acasos que aperfeiçoam a razão humana corrompem o homem.

Para mudar a realidade social o homem deveria resgatar a pureza dos sentimentos naturais que possuía antes do convívio social e, ao mesmo tempo, superar a sua natureza independente e natural e transformar-se num ser comunitário. A educação deveria proporcionar, primeiramente pela experiência um desenvolvimento espontâneo da sensibilidade, até que o ser humano ao tornar-se adulto, no exercício da liberdade moral, submeter-se-ia livremente à razão, obedecendo a um sentimento interior.

Resumindo: para Rousseau, o corpo é o componente desde sempre integrado no homem, origem do sentimento no qual ressoa e vive a clarividência do espírito. O conflito é entre o homem e o cidadão. Somente a educação e o compromisso político poderiam levar a uma “reconciliação da natureza e da história”.

10

KANT (1724-1804) Homem natural e o homem moral = necessário ter disciplina. A educação está sob signo do esforço e

do trabalho. Ele prevê um educação do corpo em que o educando cultivaria a habilidade natural, aperfeiçoando o uso dos movimentos voluntários e dos órgãos dos sentidos, deixando-se guiar pela natureza, sem forçar, e dando mais importância à disciplina do que à instrução.

Por um lado, percebemos em Kant uma separação entre o ser natural e o ser moral, entre o corpo e a razão, entre afetividade e inteligência, que deixa entrever a suspeita de que a corporeidade e a afetividade poderiam impedir o exercício espontâneo do ato moral: por isso, é necessário que o homem se submeta ao dever, por um imperativo categórico, um mandamento da consciência, que em si mesmo é incondicional e independente da experiência. Por outro lado, o pensamento de Kant trouxe uma nova compreensão à problemática da corporalidade humana. Na problemática do conhecimento, o corpo não é, assim, uma máquina que reage mecanicamente a forças internas ou externas, mas, ao entrar em contato com o mundo, está impregnado da subjetividade do ser que, ao conhecer, de certa forma cria esse mundo.

11

KARL MARX CRITICA IDEOLÓGICA

(concepção da pessoa humana)

CRITICA POLÍTICA

(relação indivíduo e Estado)

Estado abstrato -

Não existe uma igualdade real

na sociedade o indivíduo tem uma diversidade hierarquizada

⇒ conflito entre si

CRITICA ECONÔMICA

(relação indivíduo –

modo de produção capitalista)

A mercadoria de valor prático foi acrescido de valor simbólico

felicidade

Estado Burguês representante

DEUS

Onipresente

Onipotente

Onisciente

Bom

Justo ....

Mercadoria produzida

$

representa

a felicidade

Esta parte deveria dominar o mundo

Bom

Inteligente

Forte

Criativo

ALI

EN

ÃO

relig

ião

conf

essa

relig

ião

pol

ítica

est

ado

relig

ião

da m

erca

doria

ALI

EN

ÃO

ALI

EN

ÃO

Direitos e

Deveres

�� Trabalha e

produz a

mercadoria

�� ��

12

Educação física escolar e filosofia: uma prática consciente http://www.efdeportes.com/efd87/efe.htm

Maria Bernadete Schreiber e Evânea Joana Scopel [email protected] (Alunas do Mestrado em Ciências do Movimento Humano) Alexandro Andrade (Prof. Dr. do Programa de Pós-graduação "Stricto-Sensu"em Ciências do Movimento Humano)

Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desportos – CEFID / Univ. de Santa Catarina - UDESC http://www.efdeportes.com/ Rev. Digital - Buenos Aires - Ano 10 – N.87 - Agos to de 2005

Introdução Considerando o crescimento, a qualidade da literatura na área da Educação Física (Oliveira 1983, Bracht 1985, Santin 1987, Kunz 1991, Tubino 1992, Freire 2003), entre tantos, percebe-se a evolução contínua da área, conforme Freire (2001, p. 19) comenta "... a Educação Física não é, ela está sendo construída a cada instante, e ainda bem".

Questionamentos referentes ao seu papel na sociedade, qual seu objeto de estudo? O que é Educação Física e para quê? Tem servido como temas para discussões em debates, estudos, enfim, local onde haja pessoas interessadas no desenvolvimento da disciplina.

Assim como na educação em geral percebemos que o foco de ensino deixou de ser somente o desenvolvimento do raciocínio lógico ou a memorização de fórmulas e informações, na Educação Física as mudanças de ponto de vista também acontecem, comprovando a dinâmica da área. Citamos como exemplo o fato de vários profissionais refletirem sobre os aspectos negativos da supervalorização do esporte competitivo (TUBINO, 1992).

Relegada a um segundo plano, a Educação Física praticada nas escolas carece de uma reflexão mais aprofundada. O professor tem geralmente sua atuação restrita a desenvolver a aptidão física dos alunos e a ensinar os fundamentos técnico-tático dos esportes (OLIVEIRA, 1986). É discutível o fato de tais atividades serem de responsabilidade do professor de Educação Física, entretanto, este profissional em sua ação pedagógica precisa encontrar caminhos que apontem a descoberta de valores mais amplos para serem inseridos no planejamento dos objetivos da Educação Física escolar. As contradições existentes no sistema educacional resultam em grande parte, devido ao distanciamento que há entre a teoria e a prática.

Conforme Medina (1989), os professores apresentam dificuldade em perceber a importância da relação do processo de reflexão em comunhão com as nossas ações.

Segundo Betti (1991) não há neutralidade no conteúdo da Educação Física, assim como de qualquer outra área. Ele é instrumento para a formação de um homem, com uma visão antecipada de qual homem se deseja formar. O conhecimento reflexivo e global sobre o saber prático do homem é encontrado na visão da Filosofia, pois a mesma busca a visão de totalidade.

Freire (2003), em seu livro "Educação como Prática Corporal" aponta diversos pontos que por meio da reflexão quanto à metodologia na Educação Física, acabam por se tornarem mais claros e objetivos para o professor e o aluno. Os autores relatam uma abordagem filosófica reflexiva que orienta o educador para uma prática consciente: "...levar a criança a aprender a ser cidadã de um novo mundo, em que o coletivo não seja sobrepujado pelo individual..."(FREIRE e SCAGLIA, 2003, p.32).

Afirma Santin (1987, p.28) que: “a Educação Física terá maior identidade e maior autonomia quando se aproximar mais do homem e menos das antropologias; quando deixar de ser instrumento ou função para ser arte; quando se afastar da técnica e da mecânica e se desenvolver criticamente. A Educação Física deve ser gesto criador.”

Por intermédio de um maior comprometimento com a Filosofia, o professor em suas reflexões poderá reformular conceitos que podem orientar a conduta do seu aluno e interpretar melhor o que ele faz do seu corpo, de seus movimentos e das suas relações com o mundo (SANTIN, 1987). Consciente da importância da valorização do ser como um todo, respeitando os seus limites o professor poderá tornar a sua ação pedagógica mais humanizada e assumir a postura de quem está ciente do seu verdadeiro papel e função na sociedade.

A partir da dificuldade manifestada por parte dos profissionais da Educação Física escolar, em relação a maior exploração de conhecimentos filosóficos, o presente estudo tem por objetivo contribuir com uma breve revisão de literatura, convidando os educadores da área da Educação Física escolar para que em sua prática pedagógica procurem caminhos que os conduza a possibilidades de melhor compreensão e mudanças significativas em sua prática. É provável que por meio desta conscientização, o professor possa transformar sua ação pedagógica, buscando a valorização do ser, bem como conscientizar sobre a necessidade de acrescentar à sua formação disciplinas de conhecimento pedagógico-filosófico.

13

Educação Física: refletindo a ação A variedade de abordagens sobre a Educação Física depõe contra o estabelecimento dos seus objetivos. O que a distingue das demais disciplinas é o movimento humano, característica essencial da Educação Física. "Enquanto processo individual a Educação Física desenvolve potencialidades humanas. Enquanto fenômeno social ajuda este homem a estabelecer relações com o grupo a que pertence" (OLIVEIRA, 1986, p.105). Segundo este mesmo autor "... a colocação da disciplina nos centros de saúde subverteu os seus objetivos. Educação Física é educação, portanto seu espaço é nos Centros de Ciências Humanas e Sociais das universidades a que pertencem".

Para Oliveira (1994, p. 105), "A Educação Física no Brasil foi durante muito tempo considerada uma prática neutra, sem conotação ideológica. Restringia-se a uma atividade física cujo movimento era apreendido pela pedagogia do consenso em seus aspectos eminentemente biomecânicos". Não se pode esquecer que o corpo humano não se move, age; não se pode confundir, pois, pedagogia do movimento humano com pedagogia do deslocamento humano (Ferreira, 1990). Segundo Oliveira (1994, p. 105), "o panorama educacional brasileiro dos anos 1980 parece que desmistificou esse estereótipo. Apesar de educação e política terem suas especificidades, todo ato político pressupõe uma dimensão pedagógica, da mesma forma que toda pedagogia deixa transparecer uma dimensão política".

Os benefícios que a prática de exercícios físicos podem trazer à saúde foram considerados argumentos suficientes e decisivos para a inclusão da Educação Física na escola do século XIX. Considerando as ideologias as quais a Educação Física tem servido, pensamos nos benefícios que a Filosofia da Educação Física nos aponta, entre eles: "... a sabedoria filosófica não está apenas em conservar e utilizar o que nos foi deixado, está na transformação da realidade através do desenvolvimento da razão e da emoção formadora da condição humana..." (TOMELIN, 2003, p.63).

Na constante busca por uma identificação e servindo as ideologias dominantes, a Educação Física já assumiu diversos papéis na sociedade. Considerada como cultura do físico, como parte da medicina, como criadora de sofisticadas técnicas esportivas dentre outras atribuições, esta área acabou por possuir diversos papéis que geraram conflitos quanto à sua identificação.

Apesar da falta de reflexão teórica e de atitude científica que caracterizou a Educação Física como um todo até poucos anos, houve avanços consideráveis nas áreas de influência biomédica e técnico-desportiva, mas os avanços nesta área tendem a apresentar o professor como um formador de atletas, com tendências elitistas. Deve-se considerar que precisamos evoluir de forma mais conjunta, sendo capazes de formar mentes críticas e conscientes (OLIVEIRA, 1986). Neste sentido, estaremos nos direcionando à conquista quanto a capacidade de comprometimento e entendimento de conhecimentos filosóficos.

O pensamento pedagógico até o presente momento teve um real significado, pois possibilitou um aprimoramento da prática docente, bem como uma evolução constante na forma de pensar a Educação Física Escolar brasileira. Ao nos interarmos desse pensamento, novas concepções de ensinar, foram internalizadas, propiciando um distanciamento de abordagens de ensino mecânico, pautado nos métodos ginásticos, que objetivam trabalhar o corpo, fragmentando assim o direcionamento da Educação Física Escolar, que não pode preterir a influência da mente sobre os comandos corporais.

Percebe-se nesta prática, que muitos profissionais que não possuem acesso a esse pensamento acadêmico, e quanto tem, não o vê como possibilidade de mudanças em suas práticas docentes e, no entanto, desenvolvem o seu trabalho de forma dinâmica, criativa, atingindo objetivos formadores reais, atendendo plenamente o trabalho que a sociedade espera da Educação Física na escola.

De acordo com Pereira (1998, p. 170) "aos olhos dos professores, a teoria não é um problema, mas a relação teoria-prática é que se constitui um problema prático". Esta citação explica a preocupação do estreito relacionamento entre a teoria e a prática da Educação Física Escolar, porém o que temos percebido é o distanciamento e o caminhar independente da teoria e da prática.

Entendemos que as discussões teóricas que ocorrem nos espaços acadêmicos culminam em conceitos cada vez mais complexos. Por outro lado, nas ações docentes, na prática percebe-se que o exercício reflexivo sobre a ação não tem muito espaço. Dessa forma, somos levados à compreensão de que há um extenso trabalho teórico da Educação Física Escolar publicado que é decorrente do exercício da reflexão no espaço acadêmico que, nem sempre, é um produto real de uma prática concreta e pouco se tem publicado côo resultado dessa prática real da Educação Física Escolar.

14

De acordo com Oliveira (1986, p.5) está inserido na função social da Educação Física escolar: ... criar uma atmosfera que permita o despertar de uma consciência crítica que permitirá o futuro profissional estar apto a cumprir a sua missão: educar; impedir, portanto, que a Educação Física - em especial a escolar - transforme-se numa máquina de não fazer nada. Desta forma, o maior passo estará dado para que a Educação Física encontre o seu verdadeiro lugar, onde nunca esteve e de onde nunca deverá sair.

Conforme Guerra (1998), a sociedade ainda traz consigo uma forte valorização do conhecimento técnico que instrumentaliza o homem para a produção. Transferindo este pensamento para a Educação Física, nos encontramos novamente pressionados pelo resultado, pela competitividade. A Educação Física esta em busca de conhecimentos em bases mais amplas. Para tanto, sendo a educação, uma prática social que tanto influencia como recebe influência dos valores e códigos sociais vigentes e precisa ser orientada para responder as necessidades mais incisivas tanto dos indivíduos quanto da sociedade. Nesta busca surge a Filosofia, instigando reflexões que possam validar a prática.

Para Medina (1983, p. 68) A tarefa do novo profissional da Educação Física em sua função básica como agente renovador e transformador de cultura subdesenvolvida em que vive só será possível de se concretizar por intermédio de uma prática. Some as nossas ações é que poderão efetivar mudanças numa determinada situação. Aliás, seja qual for a área de atuação, nada acontecerá de fato à realidade existente se não houver uma prática dinamizando esta mesma realidade. Contudo, qualquer prática humana, sem uma teoria que lhe de suporte, torna-se uma atitude tão estéril (apenas imitativa) quanto uma teoria distante de uma prática que o sustente.

O autor foi oportuno ao incitar os profissionais da área para se engajarem em mudanças que possibilitem uma prática mais eficiente. Além disso, esse chamado sugere aos profissionais que façam uma reflexão em relação a novas idéias a partir de suas práticas, pois, para Medina (1983, p. 83), "é deste elo entre a ação e reflexão que os profissionais vão retirar os elementos que servirão de alavanca na mudança desta realidade por uma outra", ou seja, a reflexão na ação e a reflexão da ação são condições importantes para dar um contorno geral para o verdadeiro significado da Educação Física, principalmente no contexto escolar.

Medina (1983, p. 72): “pode-se definir como arte e a ciência do movimento humano que, através de atividades específicas, auxiliam no desenvolvimento integral dos seres humanos, renovando-os e transformando-os no sentido de sua auto-realização e em conformidade com a própria realização de uma sociedade mais justa e livre”.

Kolyniak (2000), alerta para o fato que: mediante o desenvolvimento de uma atuação pautada no compromisso com a construção do conhecimento, estaremos mais próximos de sermos profissionais que refletem e elaboram sobre um saber específico.

A Educação Física é um componente importante no caminho de construção da cidadania, na medida em que seu objeto de estudo é a produção cultural da sociedade, da qual os cidadãos têm o direito de se apropriar. Neste sentido, entende-se a Educação Física como uma área de conhecimento da cultura corporal e de movimento integra o ser humano, transformando-o num cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, para usufruir os jogos, os esportes, as danças, as lutas e as ginásticas, em benefício do exercício crítico da cidadania e até mesmo da melhoria da qualidade de vida da população em geral.

Frente à busca constante por uma melhor clareza de idéias e objetivos, nos encontramos caminhando em direção a reflexões com tomada de consciência. Tal reflexão conduz a procura de uma adequada postura pedagógica. Ao aproximar-se desta postura torna-se de fácil compreensão: "... Educação Física é educação, na medida em que reconhece o homem como o arquiteto de si mesmo e da construção de uma sociedade melhor e mais humana. Onde não será necessário levar vantagem em tudo" (OLIVEIRA, 1986, p. 106).

Educação Física: formação É fato comum observarmos na prática a deficiência apresentada por diversos representantes da Educação Física ao serem questionados em relação às idéias e objetivos mais concretos com relação à disciplina em evidência. O mesmo desacerto se faz presente ao perceber que existe um grande distanciamento entre as disciplinas curriculares oferecidas na graduação e o que realmente necessitamos para um bom desenvolvimento do trabalho pedagógico. Grande parte dos currículos atuais encontra-se fragmentado e desarticulado das idéias sócio político-pedagógico. Nas faculdades de Educação Física o currículo deveria dar subsídios básicos ao futuro professor, tornando-o capaz de acompanhar as transformações da sociedade e do conhecimento científico pedagógico (OLIVEIRA, 1986). Para Ghiraldelli Júnior (1992, p. 23), as finalidades da Educação Física como componente curricular destaca o seguinte:

A Educação Física pode contribuir para a autodisciplina, fortalecer a saúde, desenvolver os valores estéticos, os valores cooperativos, o raciocínio e a presteza mental, sem esquecer que a ela cabe também o estudo da fisiologia, a anatomia, das técnicas, da história, etc. Enfim, ela compõe o conjunto das disciplinas escolares e cumprirá o seu papel quanto mais conseguir tornar-se Educação Física Escolar.

15

Segundo Escobar apud Tavares e Morais (1997, p.36.), “as avaliações do atual o currículo de formação evidencia um processo de ensino - aprendizagem desarticulado seqüencialmente e incoerente, o qual não solicita que o aluno utilize as informações recebidas ou retidas e proceda a análises, trabalhe com opiniões pessoais e se posicione criticamente”.

Parte desta defasagem se dá em função dos desencontrados currículos oferecidos na grade curricular do curso de Educação Física. A valorização de disciplinas técnicas e a insignificância ou até mesmo nenhuma importância voltada as disciplinas de caráter reflexivo/filosófico resultam em desarticulação com a realidade.

Por não haver neutralidade no ato educativo, o próprio currículo traz explicitamente o aspecto político, demonstrando o comprometimento com o interesse de uma outra classe social (Soares apud MORAIS e TAVARES, 1997, p. 32).

Parte da fragmentação existente no currículo da área acontece pela preocupação demasiada em atender o mercado de trabalho, fato que contribui para a desqualificação do profissional de Educação Física (Tavares apud MORAIS e TAVARES 1997).

Nesta sociedade, competitiva, mecanizada é preciso conhecimento para não se deixar manipular. "A formação do professor é um processo contínuo e permanente, mas a criação de uma predisposição do professor para esta exigência de sua profissão tem de começar a ser construída na formação inicial". (MATOS apud MORAIS e TAVARES, 1997, p. 33).

Ao vivenciar durante o curso de graduação a excessiva valorização do movimento técnico, onde a avaliação pode comprometer a sua aptidão para a regulamentação da habilitação e somado às cobranças de trabalhos teóricos que jamais são socializados ou discutidos, são fortes argumentos para dificultar o ideal de "educador"; "... o pior acontece quando, já matriculados, aquele desempenho físico continua sendo fundamental no processo de avaliação acadêmica. A preocupação dos cursos de graduação em Educação Física deveria ser, essencialmente, ensinar a ensinar" (OLIVEIRA, 1986, p. 102).

O amadurecimento e a percepção do vazio costumam acontecer mais tarde, quando em sua atuação percebem que existem situações questionadoras as quais não encontram respostas convincentes, orientações que lhe foram passadas não apresentam o resultado esperado. Então, é hora de entrar em crise e buscar argumentos que o conduzam a uma caminhada mais consciente, sem tantos desagrados.

Nesta sociedade competitiva e mecanizada é preciso conhecimento para não se deixar manipular. "A formação do professor é um processo contínuo e permanente, mas a criação de uma predisposição do professor para esta exigência de sua profissão tem de começar a ser construída na formação inicial". (Matos apud MORAIS e TAVARES, 1997, p. 33).

Munaro (apud TAVARES e MORAES, 1997) destaca a falta de estímulo do professor diante das mais variadas situações que acontecem na rotina inclusive ao constatar que as orientações recebidas durante a graduação diferem da realidade. Comprovadamente há incoerência e insuficiência de conhecimentos ao longo do curso.

Segundo Morais e Tavares (1997), a formação dos professores deve abranger uma orientação mais profunda sobre o homem, incluindo aspectos filosóficos, antropológicos e pedagógicos, com uma ampla fundamentação, para uma atuação na escola básica não esquecendo sua participação sócio-política.

A formação de professores de Educação Física ainda tem sido centrada numa tradição cultural que preconiza a transmissão e aquisição de conhecimentos, que privilegia conteúdos esportivos, com ênfase em aspectos biológicos e neuro-comportamentais.

Para Sonoo et al (2002, p. 18): Com o passar dos anos, a partir da evolução das necessidades da sociedade e do próprio conhecimento veiculado na área, o espaço de intervenção deste profissional é ampliado. De fato, os profissionais desempenham suas funções formulando e implementando programas de intervenção que, tendo como base a atividade corporal, são altamente diferenciados em termos dos objetivos, clientela e meios.

Cabe aos profissionais manifestar opinião com relação às urgentes mudanças que se fazem necessárias com relação ao currículo de Educação Física. Buscar uma formação pautada em qualidade, mais embasada filosoficamente visando atuar de forma mais reflexiva, capaz de acompanhar e sugerir mudanças que venham ao encontro ao crescimento de toda uma sociedade, evidenciando assim a valorização de toda a classe.

16

A AÇÃO Vivemos em um mundo pragmático, isto é, voltado para as coisas práticas da vida, com uma posição imediatista para qualquer situação. Sendo assim, com freqüência a Filosofia é repudiada como sendo inútil e conseqüentemente perda de tempo.

Em todos os setores de conhecimento a Filosofia deve estar presente como reflexão crítica a respeito dos fundamentos desse conhecimento, desse agir (ARANHA, 1989).

A Filosofia é natural e necessária ao homem. Demonstramos frequentemente insatisfação diante de muitos acontecimentos do nosso cotidiano. Estamos a todo instante buscando significações. Tomelin (2003) nos alerta que: pela reflexão filosófica poderemos ter mais clareza sobre qual caminho tomar em nosso posicionamento ético e político, de forma a contribuir para a construção de valores humanos.

Por meio da reflexão é possível que se tenha mais de uma dimensão dos fatos. A palavra Filosofia é de origem grega: philos = amigo; Sophia = sabedoria. Neste sentido ser filosofo é ser amigo do saber e não seu dono. Sabendo que ensinar a filosofar é ensinar a questionar, duvidar, admirar, conceituar implica numa postura de maior abertura em tudo o que envolve o espaço da ação pedagógica (TOMELIN, 2003).

O conhecimento filosófico possibilita ao professor acompanhar de forma reflexiva e crítica a ação pedagógica transformando a sua educação assistemática (de senso comum) em uma educação sistematizada (guiada pela consciência filosófica).

As articulações mascaradas por trás de ideologias acabam por colaborar para o surgimento de novos caminhos, desde que a sociedade tenha conhecimento capaz de identificar estes focos e contra-atacar. Gradativamente a Educação Física apresenta-se mais credenciada para estar nestas lutas objetivando conquistas significativas para toda a classe.

Para Betti (1998, p. 18): A Educação Física não é uma ciência, como propõe a matriz científica, mas uma área de conhecimentos relativos à cultura corporal de movimento, que sistematiza e critica conhecimento científicos e filosóficos, recebe e envia demandas à prática, às ciências e à Filosofia. Concebemos a Educação Física como um campo dinâmico de pesquisa e reflexão. Os problemas e as questões emergem da prática, e sua articulação vem a constituir uma problemática que questiona as ciências e a Filosofia.

Como resultado da pesquisa científica e da reflexão filosófica, emergem novas perspectivas e questões sobre a prática, e também indicações para a usa transformação em prática de melhor qualidade (humana). Conforme Betti (1998, p.18), assim “adquirimos da prática uma visão mais sofisticada, emergem questões mais complexas, aparecem problemas onde tudo parecia estar bem. Novos questionamentos são enviadas às ciências e a Filosofia, a partir de uma prática revisitada. Prática e conhecimento são indissociáveis em nosso entendimento na Educação Física”.

Não podemos acreditar que encontramos na Filosofia o caminho exato para a resolução de todos os nossos conflitos. Convém observar que não será apenas enfatizando a preocupação com as disciplinas das ciências humanas que tornará o professor de Educação Física um educador completo. Espera-se que diante de uma visão mais crítica este profissional possa estabelecer uma relação mais produtiva e real dos seus objetivos com valores mais humanos e reflexivos. Conforme Betti (1998, p. 18), "só a Filosofia pode propiciar essa integração".

Entretanto os estudos nas áreas médica e esportiva devem continuar tendo seu papel de relevância sob pena de se descaracterizar uma profissão que já tem um amplo e determinado mercado de trabalho (OLIVEIRA, 1986).

Para Santin (1987, p. 40), "a Filosofia desenvolve um gênero específico de raciocínio e lança mão de um número mais ou menos ilimitado de recursos, através dos quais é possível ter acesso aos mais variados assuntos e às mais complexas questões do mundo humano".

Medina (1989, p.63), afirma que: ...enquanto os profissionais da Educação Física não abrirem os olhos procurando penetrar em sua realidade de forma concreta através da reflexão crítica e da ação, não serão capazes de promover conscientemente o homem a níveis mais altos de vida, contribuindo assim com sua parcela para a realização da sociedade e das pessoas em busca de sua própria felicidade.

17

Esse autor ainda considera de fundamental que todos os professores envolvidos com a Educação Física escolar reflitam consideravelmente suas bases filosóficas, buscando resgatar a essência do ato verdadeiramente humano, conhecer nossa realidade e encontrar caminhos diferentes daqueles até aqui trilhados.

Betti (1998, p. 19), entende que a principal tarefa da Educação Física na escola é: “introduzir e integrar o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir do jogo, do esporte, da dança e das ginásticas em benefício de sua qualidade de vida”.

O mesmo autor relata ainda que a Educação Física também propicia aos alunos, como os outros componentes, certo tipo de conhecimento. Mas não é um conhecimento que se possa incorporar dissociado de uma vivência concreta. A Educação Física não pode se transformar num discurso sobre a cultura corporal de movimento, sob pena de perder a riqueza de sua especificidade, ela deve se constituir como uma ação pedagógica com aquela cultura.

De acordo com Betti (1998, p. 19), essa ação pedagógica a que se propõe a Educação Física "será sempre uma vivência impregnada da corporeidade do sentir e do relacionar-se. A dimensão cognitiva far-se-á sempre sobre esse substrato corporal. O professor de Educação Física deve auxiliar o aluno a compreender seu sentir e seu relacionar-se na esfera da cultura corporal de movimento".

Considerações finais O suporte teórico mencionado nesta pesquisa tem a intenção de incentivar o professor de Educação Física para que por meio de suas reflexões critico-filosóficas, em especial sobre educação e sociedade, consiga vincular a sua prática com a teoria. Ainda são fatos isolados os momentos em que o professor transmite a visão de mundo, despertando, ou não, no aluno o senso crítico e a capacidade de intervenção social, através de questionamentos e reflexões sobre a realidade em que se vive. Enquanto permanece alienado e vazio, não percebe que está distante de uma intervenção crítica na sociedade, portanto a possibilidade de êxito é nenhuma, a frustração é certa e a ação de moldar vai continuar prevalecendo.

O momento atual sugere que se repense a Educação Física, para que ela venha á ocupar seu lugar dentro da educação como um todo, ultrapassando a concepção de uma Educação Física com autoritarismo e massificação dos movimentos, preocupada com a ordem, a disciplina e a mecanização do ser. Estas são algumas das questões que geram inquietações na área e merecem uma reflexão filosófica e contínua. Observando como fator positivo à ligação entre Educação Física e conhecimentos filosóficos, sugere-se em especial ao professor de Educação Física escolar que procure suprir a defasagem filosófica encontrada nos cursos de graduação por meio da formação continuada e pela busca incessante de novos caminhos, que venham contribuir para o fortalecimento deste valoroso elo: Educação Física e Filosofia.

Referências bibliográficas ANDRADE, Alexandro. Por uma Filosofia da Educação Física brasileira. In: Jornal da Acafe. Florianópolis, ano II, n. 10, set., 1988. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. São Paulo: Moderna, 1989. BARBOSA, Cláudio Luís de Alvarenga. Educação Física Escolar: as representações sociais. Rio de Janeiro: Shape, 2001. BETTI, Mário. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Movimento, 1991. BETTI, Mauro. A janela de vidro: esporte, televisão e Educação Física. Campinas: Papirus, 1998. FERREIRA, Nilda T. Curso de Filosofia da educação. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 1990. FREIRE, João Batista. Educação como Prática Corporal. São Paulo: Spicione, 2003. GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Educação Física progressista: a pedagógica crítica-social dos conteúdos e a educação brasileira. 3 ed. São Paulo: Loyola, 1992. GUERRA, Ricardo Filosofia e Educação Física Vislumbres de Uma Relação. In: Revista Córporis, Esef-Upe, ano 4, Vol 1, n.1, 1997. KOLYNIAK, Carol Filho. O Objeto de Estudo da Educação Física. In: Revista Corpoconsciência.vol. 5, ano 2000, Santo André. MEDINA, João Paulo Subina. A Educação Física cuida do corpo...e mente: bases para a renovação e transformação da Educação Física. Campinas: Papirus, 1983. MORAIS, Gizelle de A. O currículo nos cursos de formação de professores de Educação Física: uma experiência à luz dos acadêmicos da ESEF-UPE-96.1. In: Revista Córporis, Esef-Upe, ano 4, Vol 1, n.1., 1996 OLIVEIRA, Vitor Marinho. O que é Educação Física. São Paulo: Brasiliense, 1983. __________. Educação Física Humanista. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1986. __________. Consenso e conflito da Educação Física brasileira. Campinas: Papirus, 1994. PEREIRA, Elisabete Monteiro de Aguiar. Professor como pesquisador: o enfoque da pesquisa-ação na prática docente. In CORINTA, Maria Grisolia Geraldi; FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabethe Monteiro de A. (orgs.) Cartografias do trabalho docente: professor pesquisador. Campinas: Mercado das Letras, 1998. SANTIN, Silvino. Educação Física uma abordagem filosófica da corporeidade. Ijuí: Unijuí, 1987. SONOO, C. N. et. al. Educação Física e esportes: os novos desafios da formação profissional. Maringá: DEF, 2002. TOMELIN, Janes Fidélis. A Filosofia na educação e a educação filosófica. In: Revista de divulgação cultural, Blumenau. Ano 25. n. 81, set., p.57-64, 2003.

18

FREUD E A EDUCAÇÃO

Amanda de Carvalho Maia Oliveirae Sílvio José Benelli. UNESP – Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Filosofia e

Ciências – 17525-900 – Marília/SP. Revista de Iniciação Científica da FFC, v. 8, n.2, p. 239-248, 2008

RESUMO O intuito deste trabalho é apresentar aos educadores uma concepção freudiana do desenvolvimento

infantil, isto é, o que faz com que uma criança aprenda. O motivo pelo qual um neófito questiona tanto, o que ele deseja em sua busca. Freud investiga o surgimento das preocupações que a criança possui; e para ele as primeiras investigações são sexuais e servem como meio de situar a criança no mundo. Além disso, defende que as dúvidas das crianças estão ligadas às relações paternas. Suas análises percorrem da angústia da castração ao complexo de Édipo. No que concerne à educação, pode-se comparar a transferência que ocorre no sonho com a que ocorre em relação ao analista e ao professor. Essa transferência acontece no inconsciente, e isto faz com que o aluno não possa saber dela, e menos ainda saber como ela se realiza singularmente. É uma situação muito complicada esta que envolve docente-discente. A partir disso, é proposta uma educação não repressora, e sem que o docente renuncie a si mesmo. Pois assim, haverá uma contribuição à formação pessoal do neófito.

Palavras-Chave: Freud. Educação. Inconsciente. Transferência. Freud não publicou nada relacionado ao tema da aprendizagem; suas preocupações estavam voltadas

aos problemas clínicos e não a questões especificadamente de educação. Seu principal objetivo era o de tratar as neuroses que afetavam as pessoas, mas após muitos trabalhos descobriu que podia apenas amenizá-las, livrando o indivíduo dos sintomas. Anna Freud tentou mostrar aos educadores uma concepção de como Freud tratava o desenvolvimento da criança e por isso focou o viés da aprendizagem, ou seja, o que possibilita o aprendizado de uma criança. O que faz com que alguém seja um desejador do saber? Por que uma criança questiona tanto, ou seja, o que ela deseja em sua busca? Freud investiga o surgimento das preocupações que a criança possui. Para ele há um momento de determinação na vida dos homens: é o momento da descoberta da diferença sexual anatômica. A partir disto, as crianças descobrem que meninos são providos de pênis e as meninas não o são. Isto não quer dizer que os meninos e as meninas nunca observaram que eram diferentes, pois ambos já teriam tido a oportunidade de fazer esta constatação. Os meninos poderiam ter imaginado até então que um dia o pênis cresceria também nas meninas.

A descoberta concerne na interpretação de que alguma coisa falta. Ela provoca uma certa angústia que é ligada a uma nova compreensão da perda. A nova interpretação do fato é que angustia. Freud a definiu como “angústia da castração”. Novas descobertas angustiam até os adultos, além de poder frustrá-los, o que faz com que tenham de carregar este peso por toda a vida – e talvez a forma de conviver com uma descoberta frustrante é sublimá-la, e a criança não é diferente neste ponto.

Mais tarde, Freud buscou determinantes estruturais que explicassem a passagem das crianças pela “angústia da castração”. Isto o ajudou na construção de sua teoria, no desenvolvimento do complexo de Édipo. Para que a menina se defina como mulher e o menino como homem, os dois devem passar pelo complexo de Édipo; esta definição ocorre graças aos referenciais tirados dos laços com o pai e a mãe. Como já foi dito, a angústia vem de uma nova descoberta, uma nova interpretação de que há diferenças. O querer saber é causado pela angústia; e para que a criança não se angustie tanto, ela acaba por utilizar instrumentos de “investigações sexuais infantis” - não diretamente sexuais. As crianças descobrem que fisiologicamente homens e mulheres são diferentes. Segundo M.C. Kupfer, num relato de Melanie Klein, um menino poderia vir a pensar que homens e mulheres pensam diferente pois os primeiros possuem pênis.

De acordo com Freud, as primeiras investigações são sexuais e servem para situar a criança no mundo, colocá-la em seu lugar: um lugar sexual. As indagações das crianças estão ligadas a relações que elas possuem com os pais. Conforme Kupfer, “o lugar de onde viemos equivale a ‘qual é a minha origem em ralação ao desejo de vocês?; por que me puseram no mundo, para atender a quais expectativas e esperando que eu me torne o quê?’ (para onde vamos?). De novo o Édipo está presente” (Kupfer, M. C. 1998).

19

Há uma determinada etapa em que o conflito edipiano cessa e parte da investigação sexual é reprimida. A criança sublima em uma pulsão de saber, que é associada às pulsões de domínio e à de ver. É como se a criança tivesse várias portas no seu inconsciente e, com o fim do Édipo, trancasse uma dessas portas. Ela faz isso inconscientemente, pois não pode saber naquele momento sobre a sexualidade. Como já se afirmou, trata-se de uma criança, e estas não têm seu corpo amadurecido para discorrer a respeito da sexualidade com muito conhecimento material do assunto. Existe uma transferência de interesses sexuais para os não-sexuais. Mesmo assim, a carga energética que é a pulsão continua a exercer sua influência. E com isso, a criança não suspende o ato de interrogar para que possa permanecer pensando sobre as dúvidas essenciais.

O que está atrás daquela mesma porta trancada inconscientemente pela criança, ainda exerce parte de seu domínio; este último se reflete no querer saber focado em objetos não-sexuais. Os objetos sexuais que estão atrás da porta funcionam como uma pessoa que bate incessantemente na porta – e as batidas ressoam muito longe dentro desta mente. Destarte, não se pode colocar a Educação como a principal responsável pela repressão das investigações sexuais.

Sigmund Freud afirmava que a sublimação da investigação sexual se associa com a pulsão de domínio; o saber e o dominar estariam no mesmo patamar. Além do poema “A mosca azul”, de Machado de Assis, há num escrito de Galileu Galilei a história de um homem que se encantou pelo canto da cigarra e que desejava muito saber mais sobre o lugar de onde vinha aquele som, ou seja, qual parte da cigarra seria a responsável pela melodia; tanta foi sua curiosidade que acabou por matar a cigarra e assim destruiu a música. A criança também mata bichinhos, desmonta brinquedos, destrói objetos jogando-os no chão só para ouvir o barulho.

Ela é uma eterna investigadora que tem como força motriz a curiosidade. É de extrema importância o fato de que o educador tenha entendimento das várias maneiras que a curiosidade possa se manifestar. “O que se pretende destacar é que o modo de lidar com isto depende da compreensão que se tenha desses fatos” (M. C. Kupfer, 1998).

A pulsão de domínio associada à ação de pulsão de morte é que faz com que uma criança mate um bichinho a fim de conhecer; é a curiosidade em sua dimensão sádica. Freud também ressalta a relação da sublimação da investigação sexual com o ver. A pulsão visual é tão importante quanto a oral, a anal e a fálica. Esta pulsão constitui a sexualidade e tem como objeto a fantasia da cena primária, ou cena da relação sexual entre os pais: em que o indivíduo imagina a sua origem. Além disso, o indivíduo se coloca como personagem, pois se identifica com uma das personagens em cena. O desejo de ver coisas novas estão implicados nesta pulsão. É feita uma ponte entre a curiosidade intelectual, a curiosidade sexual e a fantasia da cena primária. “Não é preciso ir muito longe para estabelecer essa filiação. Basta lembrar o termo bíblico para designar que houve uma relação sexual: Adão conheceu Eva...” (Kupfer, 1988).

A teoria psicanalítica pauta o desenvolvimento intelectual na sexualidade. O que impulsiona a inteligência pesquisadora é algo sexual. Este fato é crucial para diferenciar esta teoria das outras teorias cognitivas do desenvolvimento da inteligência, como a de Piaget. Nos estudos feitos por Clara Regina Rappaport, ela entende que Freud coloca a criança como não tendo um desenvolvimento seqüencial e que as fases de desenvolvimento ocorrem aproximadamente na mesma idade em todas as crianças. É como se o desenvolver biológico comandasse o desenvolvimento psicológico. E assim, tal sucessão de desenvolvimento e a formação da personalidade seriam pré-fixados num curso natural, o que faria com que a criança não fosse ativa em seu desenvolvimento, mas passiva. É o mesmo que dizer que tudo já estaria programado para acontecer, seria uma espécie de determinação psicológica.

Certamente esta é uma leitura que apresenta pontos de equívoco no que se refere à determinação da seqüência das fases de desenvolvimento da criança, já que dizer que estas fases ocorrem na mesma idade para todas as crianças e existe uma pré-programação para o desenvolvimento e personalidade é algo questionável. Apesar da inteligência pesquisadora ser impulsionada por uma carga energética sexual, a criança não é passiva em seu desenvolvimento, pois ela faz investigações, e estas a ajudam em seu desenvolvimento psíquico. Há uma inter-relação entre o desenvolvimento biológico e psicológico. Ainda que haja determinantes que levem a criança a desejar aprender, ela precisa de alguém que intermedeie seu aprendizado; e este alguém é o professor. “Então, a pergunta ‘O que é aprender?’ supõe, para a psicanálise, a presença de um professor, colocado numa determinada posição, que pode ou não propiciar aprendizagem” (Kupfer, 1998).

Não se aprende sozinho: existe uma relação entre professor e aluno. No caso do autodidatismo é criada a figura de alguém que fala, ensina através de um livro. E se não tem um livro presente, há um dialogo interior entre o aluno e algo que é fruto de sua imaginação. Quem nunca estudou sozinho e conversou

20

consigo mesmo, trocando idéias, mesmo que numa conversa interior? O aprendizado supõe um relacionamento de mestre e aluno. O professor só consegue transmitir conhecimento se é autorizado e acreditado pelo aluno, não importa se está dizendo a verdade ou não. O aprendiz que ouve o seu mestre é porque deu a ele um lugar especial em sua vida. Assim, o mestre ganha um poder de influência sobre o aluno. Na fase da latência a criança dirige ao educador um afeto antes transmitido aos pais, principalmente ao pai; um afeto transmitido ao pai no momento da determinação do complexo de Édipo - para Kupfer, “uma relação afetiva primitivamente dirigida ao pai” (Kupfer, 1998); ele acrescenta:

“Bem, isto está correto, mas até certo ponto. Os esquemas desenvolvidos posteriormente pelo próprio Freud apontam numa direção um pouco diferente, nos quais a palavra afeto deixa de ter tanta importância” (Kupfer, 1998).

A psicanálise dá importância à relação entre docente e discente e as condições que esta fornece à aprendizagem; o conteúdo não tem importância. A relação professor-aluno apresenta o que se pode chamar de “transferência”. O termo transferência foi usado pela primeira vez por Freud na obra: A interpretação dos sonhos, de 1900. Freud acreditava que no decorrer do dia algumas situações marcavam o indivíduo, isto é, os “restos diurnos”. Estas situações marcantes eram transferias ao sonho e nele se modificavam. Passado algum tempo, ele usou o termo transferência para designar a relação analista-paciente, assim como professor-aluno. Do mesmo modo que um paciente poderia transferir seu pai para o analista, um aluno também seria capaz de realizar a mesma transferência, mas para o seu professor – e tudo isto inconscientemente. Por ser inconsciente, seria um bom instrumento de análise deste. Ademais, a transferência faz parte da vida das pessoas e das relações destas.

“‘Que são transferências?’, perguntava Freud no epílogo de Uma Análise fragmentária de uma histeria,

escrito em 1901. E ele próprio respondia: ‘São reedições dos impulsos e fantasias despertados e tornados conscientes durante o desenvolvimento da análise e que trazem como singularidade característica a substituição de uma pessoa anterior pela pessoa do médico. Ou, para dize-lo de outro modo: toda uma série de acontecimentos psíquicos ganha vida novamente, agora não mais como passado, mas como relação atual com a pessoa do médico’.” (KUPFER, 1998).

Tanto os sonhos quanto a sua análise se apresentam no campo do inconsciente. O sonho trabalha com

os “restos diurnos”. Em Cinco Lições de Psicanálise, Freud relata o caso de uma paciente do Dr. Joseph Breuer; era uma moça que sofria de ataques histéricos, estes compostos por vários sintomas, dentre os quais uma paralisia do braço direito. Este trauma foi causado por uma alucinação que a paciente teve ao entrar em estado de semi-sonho. Ao adormecer na cadeira apoiou seu braço direito e teve a alucinação de ver uma serpente querer morder o enfermo [na época em que ela adquiriu este trauma, ela tomava conta de se pai que estava doente]; tentou afugentar a cobra, mas seu braço estava adormecido... chegou até a confundir seus dedos com pequenas cobras. É provável que esta paciente já havia se assustado com cobras e por esse motivo teve uma alucinação num estado de semi-sonho. A cobra funcionou como um resto diurno, no qual o sonho trabalhou e lhe atribuiu outro significado, devido à transferência dos restos diurnos.

De acordo com o que foi explicitado anteriormente, pode-se comparar a transferência que ocorre no sonho com a que acontece em relação ao analista e ao professor. O aluno transfere um sentimento, que antes era direcionado ao seu pai, para a figura do analista ou professor. “O importante é fixar a idéia de que o desejo inconsciente busca aferrar-se a ‘formas’ (o resto diurno, o analista, o professor) para esvaziá-los e colocar aí o sentido que lhe interessa” (Kupfer, 1998).

Na transferência que se faz ao analista ou ao professor, é implicado um desejo que atribui um sentido especial a eles. Essas figuras (analista, professor) ganham poder, já que pela transferência de sentido dada pelo desejo também envolve um vínculo de poder. Outro ponto a ressaltar é que esses objetos em que o desejo opera fazem parte do inconsciente. Muitas vezes, um aluno toma decisões em sua vida baseadas nas de seu mestre. Mas, nem sempre um docente é amado por todos os alunos, talvez apenas um lhe dirija o poder; e este docente nem precisa ser um bom conhecedor da ou das disciplinas em que atua.

O desejo que move a transferência de sentido é processado no inconsciente e isto faz com que o aluno não possa saber dele, muito menos saber como ele se realiza singularmente. O professor somente tem consciência de tal transferência se estiver atento a toda construção do desejo. Porém, não poderá ter consciência total, já que isto é para o analista. O aluno concede o poder ao professor por desejo inconsciente. O docente é impulsionado a abusar deste poder e o usa para reprimir o discente, inflingindo-lhe seus

21

próprios valores e idéias; quer destruir a ação do desejo do aluno e instaurar a ação do seu próprio desejo, isto é, fundará sua autoridade. É como se o docente tivesse o papel de regular o discente, de submetê-lo ao seu próprio jugo. A Educação então é submetida a uma lei fixada pelo pedagogo que não aceita discussões, no que diz respeito à suas idéias. O aprendiz que é educado desta maneira se torna capaz de decorar conteúdos e repetir como um papagaio; tornar-se-á um sujeito passivo.

“É evidente que nós também não educamos as crianças só pelo bem delas, mas também, e talvez principalmente, por razões egoístas” (F. Savater. 1998).

É uma situação muito complicada esta que envolve docente-discente, pois o primeiro também tem seu próprio desejo inconsciente. Ele é mestre e ensina devido a um desejo. Porém, deve abrir mão de seu desejo para deixar que seu aluno seja um sujeito ativo e possa sair dessa relação sem frustrações – descobrir a si próprio. As escolas, os educadores, criam forças, máquinas úteis que dêem continuidade ao trabalho. Ao passo que algumas pessoas morrem, outras estão ou já estavam moldadas e prontas para a substituição. Os educandos são transformados em sujeitos passivos, meros produtos de substituição. O que até certo ponto chega a ser algo alienante.

Os alunos não têm autonomia, são sujeitados a obedecer a uma lei disciplinar. “O neófito começa a estudar, em certa medida, à força. Por quê? Porque lhe é pedido um esforço, e as crianças só se esforçam voluntariamente naquilo que as diverte” (Savater, 1998).

Acrescenta Savater que, “a recompensa que coroa o aprendizado é demorada e, além do mais, a criança só a conhece de ouvir falar, sem entender muito bem do que se trata” (Savater, 1998).

Ainda assim, as crianças são muito curiosas; e, em decorrência disto, são extremamente investigativas. Porém, a curiosidade delas é muito mais instantânea, e não tão sistemática do que se precisa para estudar disciplinas escolares como aritmética, química ou história. A curiosidade infantil é muito importante à educação que deve desenvolvê-la. A criança não se importa com o conhecimento que lhe falta; é o professor que deve adquirir a confiança dela, e com isso despertar um anseio pelo conhecimento.

Os escritos de Michel Foucault, e de seus seguidores, representam um papel significativo na relação entre poder, vigilância e educação. Ao contribuírem com a análise do desenvolvimento da escola, colocando esta como sendo um meio de controle social, conectaram-na com o reformatório, o cárcere, o manicômio e só então situaram o processo educacional no tempo e na história. Atualmente, não são utilizados mais os castigos físicos para controlar o aprendizado, mas a repressão adotada é aquela que age no psicológico, com a intenção de criar massas produtivas. Em cada época existe um grupo dominante que controla o poder disciplinar de acordo com os seus próprios interesses. Os grupos dominantes de cada época podem até achar que exercem total vigilância sobre seu povo, pois pensam que podem controlar a maneira de agir deles, mas o que não sabem, ou fingem não saber, é o fato de não controlarem o que cada indivíduo pensa em seu íntimo.

Da mesma forma, pode-se afirmar que a aproximação da psicanálise da Educação constitui um grande desafio. O inconsciente é como uma grande porta de entrada que fica trancada; não sabemos o que vamos encontrar por detrás dela. Num tratamento psicanalítico, o analista pode saber qual o problema do paciente e como deve proceder no tratamento. Todavia, não tem controle sobre os efeitos que provoca no paciente, isto é, quais os caminhos o sujeito analisado irá seguir. A educação também enfrenta um desafio, pois não pode conhecer os efeitos que gera em seus alunos. “Pensar assim leva o professor a não dar tanta importância ao conteúdo daquilo que ensina, mas a passar a vê-los como a ponta de um iceberg muito mais profundo, invisível aos seus olhos” (Kupfer, 1998).

Freud notou ser impossível ensinar como um pedagogo clássico, ou seja, dar uma aula e pedir para que os alunos reproduzam o que entenderam. Com isso, é possível afirmar que a Psicanálise serve ao professor como indivíduo, e de modo algum à Pedagogia como um todo.

Ela ajuda na assimilação de uma ética, de um modo de conduzir a educação. Em cada indivíduo ela pode atuar de uma forma, produzindo saberes. Além disso, pode ser útil à Antropologia e Filosofia, dentre outras disciplinas. Logo, se a Psicanálise trabalha com o inconsciente, do qual não se pode prever nada, é impossível a criação de um método que vincule Pedagogia e Psicanálise, pois isto implica numa imprevisibilidade.

No que diz respeito ao poder que permeia o relacionamento entre docente-discente, Freud examinou a fundo esse poder que é dado aos educadores e o impulso de exorbitar dele.

Tratou da repressão que a Pedagogia faz uso para ensinar, que necessita da energia sexual sublimada. “Como fazer uso do controle e ao mesmo tempo renunciar a ele?” (Kupfer, 1998).

22

O professor que se guiar pela Psicanálise deve realizar uma busca a esta questão. Tem de ser capaz de ensinar o conhecimento aos alunos, mas tem que estar ciente de que eles darão importância ao que lhes for conveniente; além de manterem seus desejos mais íntimos guardados a sete chaves. Permitir isto nos alunos é essencial ao desenvolvimento intelectual deles como indivíduos de personalidade própria. A subjetividade de cada um processa o ensino criando novos conhecimentos. Quando o professor nega o poder que lhe é dado, está preservando o íntimo de cada um de seus alunos. O que se chama insolência não é arrogância e nem agressividade: é o ímpeto de conquistar a própria autonomia. É através da interrogação que se afirma a liberdade. Em alguns momentos, a insolência é incômoda aos professores sensatos, psicanaliticamente orientados. Entretanto, é necessário unir na educação o respeito com uma certa irreverência, com um caminho de amadurecimento intelectual.

O educador deve agir segundo a arte da persuasão, sem dominar. Muitas vezes, o aluno descobre sua vocação graças a um professor e não à matéria que este transmite. O docente não pode deixar de ter sua própria personalidade, de ser ele mesmo. Mas tem a obrigação de controlar os excessos e a tentação do poder. É preciso: “matar o mestre para se tornar o mestre de si mesmo, esta é uma lição que, já vimos, pode ser extraída até mesmo da vida de Freud” (Kupfer, 1998).

O mestre que recebe a transferência do aluno, e que freia a tentação de dominar, se liberta de uma carga excessiva e indesejável, ao passo que se torna impotente diante de outro ser humano para ajudar este a ser uma pessoa livre e produtiva – e isto tudo é algo muito penoso. Ao aceitar que não deve obrigar o discente a seguir as vias da educação repressora, e sem renunciar a si mesmo, o docente está contribuindo à formação pessoal do neófito. Este último tomará posse real do saber, além de alicerçar condições para futuros saberes e conhecimentos.

REFERÊNCIAS KUPFER, M. C. Freud e a Educação – o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 1998. SAVATER, F. O valor de educar. Tradução de M. Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 107 -132. RAPPAPORT, C. R. Modelo Piagetiano. In: Teorias do Desenvolvimento - Conceitos Fundamentais.

São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1981. Vol. I FREUD, S. Cinco Lições de Psicanálise. 2.ed.Tradução de Durval Marcondes e J. Barbosa Corrêa. São Paulo: Comp. Editora Nacional, 1930.

AGRADECIMENTOS Agradeço especialmente aos professores que tornaram possível os meios da minha pesquisa:

Dr. Vandeí P. da Silva e Dr. Sílvio José Benelli, e a todos aqueles que me apoiaram.

ARTIGO RECEBIDO EM 31/08/08

Revista de Iniciação Científica da FFC, v. 8, n.2, p. 239-248, 2008

23

Pensamento, Educação e Corpo: CONTEMPORANEIDADE

No livro “Mal-estar na pós-modernidade“, Zygmunt Bauman, sociólogo polonês contemporâneo, irá discorrer sobre vários aspectos que marcam o período atual que vivemos, chamado por ele de “pós-modernidade“. Vale lembrar que este termo não é um consenso para designar a contemporaneidade, embora seja o mais usual. Como ponto de partida, Bauman faz uma releitura da clássica obra de Freud, “O mal-estar na civilização“. Freud, analisando o surgimento das primeiras civilizações, irá dizer que o homem trocou um quinhão de liberdade por um quinhão de segurança; já Bauman, olhando para o homem pós-moderno irá dizer que este trocou um quinhão da segurança por um quinhão de felicidade.

“Quinhão” aqui é uma forma de dizer, pois a busca pela felicidade não é quantificável, é uma profusa característica marcante das pessoas nesse atual momento. Não que antes as pessoas não buscassem a felicidade, mas é que a felicidade inventada pelo modernismo, isto é, uma espécie de panacéia, torna-se peremptoriamente uma necessidade que deve ser buscada a qualquer custo por homens e mulheres pós-modernos. A dinâmica constante desse movimento se dá pelo fato da felicidade não ter um ponto de chegada, pelo contrário, a chegada parece guarnecer o cheiro do horror. Dessarte, o prazer é justamente a incessante e infrutífera busca: a ordem é obter as benesses da felicidade, mas marcada com a eterna – pelo menos no plano terreno – sensação de insatisfação, um dos principais espectros do pós-modernismo.

Bauman analisa que a pós-modernidade é a era dos especialistas em “identificar problemas”, dos

restauradores da personalidade, dos guias de casamento, dos autores dos livros de “auto-afirmação”: é a era do “surto de aconselhamento.

Nesse sentido, homens e mulheres pós-modernos não precisam mais de padres, pastores e sacerdotes tradicionais que falam das fraquezas do homem, eles já estão fartos de suas fraquezas e precisam de “auto-afirmação”, e mais do que isso, precisam de uma “receita” breve, rápida, curta e para o agora de como podem resolver seus males e conseguir suas satisfações. (Nesse ponto quero fazer uma nota irresistível: a difusão dos blogs também se deve aos escatológicos títulos que o internauta deve bem conhecer, tais como “Saiba como…”, “Tudo sobre…”, “Os 10 melhores/maiores…”, “Descubra aqui como…”, essas breves notas despontam acenando aos desesperados que buscam consolo na leve virtualidade)

A efígie fluida do homem pós-moderno, isto é, a busca incessante pelo acúmulo de sensações de prazer, que se produz na teia das incertezas onde o paraíso e o inferno se entrelaçam no cotidiano, cria condições para uma procura crescente por “mestres”, “gurus”, “autoridades”, ou “deuses humanos” capazes de “vender” produtos que possam intensificar as sensações de prazer. Isso não implica que as “casas divinas” fechem suas portas, mas em novas diretrizes de adaptação a essa ordem do consumo para que não se tornem obsoletas. As instituições religiosas são, antes de tudo, empresas que se confrontam com as leis – agora humanas – da economia liberal na difícil competição do mercado, competem por almas potenciais que, em troca do “conselho” para se dar bem na trama social, oferecem o que podem no momento.

Bauman nos diz que a cultura pós-moderna, ao alcance de todo indivíduo, desde que ele possua a

moeda de troca, exige uma vida devotada ao consumismo. Longe de discursar sobre as fraquezas humanas e seus pecados, as mercadorias discursam sobre o aumento das potencialidades humanas em suas múltiplas formas e conteúdos.

Torna-se máxima das vitrines do paraíso na terra, atiçar a fragilidade dos homens e mulheres pós-modernos através de mensagens como “Você pode fazer isso”, “Todo o mundo pode fazê-lo”, “Cabe somente a você decidir”, “Se você deixa de fazê-lo, só tem de botar a culpa em você mesmo”. É fundamental no consumismo afastar qualquer projeção que não seja a ubíqua felicidade felicitando na vida terrena. Os novos profetas, diz Bauman, são aqueles recrutados da aristocracia do consumismo, que conseguiram transformar a vida numa obra de arte da acumulação e intensificação das sensações, dos bens materiais, da riqueza na terra. É desnecessário apresentações desses profetas, temos vários que estão no palco, em geral, com seus livros autobiográficos que mostram a trajetória da miséria à luxúria.

Considerações finais Aparentemente opostas, as intenções religiosas e consumistas se encontram e se abraçam num

horizonte onde os atores em busca da “experiência máxima” estão em constantes aventuras, espirituais e materiais, na eterna busca daquilo que um dia irá preenchê-los em totalidade psicofísica.

24

Se a religião tradicional oferecia a “experiência máxima” à custa de uma vida de miséria e privação, a versão pós-moderna da religião concilia os dogmas com a ordem liberal do consumo. Seus seguidores, embora não abandonem os dogmas, sabem muito bem que as ofertas de algum paraíso ou de um submundo de trevas já não os convencem mais a ponto de sacrificarem suas felicidades. São aceitáveis os elementos recrutados do mundo supra-sensível, como Deus, Jesus Cristo, santos e outros personagens, desde que eles sirvam para aumentar os potenciais psicológicos e físicos para conseguir acumular mais sensações de prazer oferecidas na vida terrena. Deuses e heróis mágicos perderam seu poder de sedução frente às mercadorias e à “religião do consumo”, estas sim, únicas e eficientes para promoverem a “experiência máxima” do prazer, mesmo que seja momentânea, a ponto do término de abrir uma embalagem, verificar o conteúdo, sentir o perfume do “novo” e se embriagar novamente em busca da próxima oferenda…

Assistir homens e mulheres pós-modernos em busca da felicidade é como assistir um burro correndo

atrás de um alimento que vai a sua frente, bamboleando, de acordo com o trotar que afeta o montador que, em sua perniciosa astúcia, vai segurando o pedúnculo.

Nos últimos dez anos, assistimos a uma intensa internacionalização da economia, das

comunidades e das informações, o que tem exigido muitas reconstruções teóricas no campo da educação.

Uma das questões presentes nas discussões é o novo tipo de associação entre ensino, educação e aprendizagem: emerge daí uma dubiedade de conceitos entre formar e informar, treinar e educar, ensinar e aprender, fato este que amplia a responsabilidade dos docentes nas instituições educativas em seus diferentes níveis (DEMO, 1998).

Os avanços das tecnologias e o processo de globalização da economia exigem que os trabalhadores estejam em constante apropriação de conhecimentos, o que determina a necessidade de ampliação de sua escolaridade e permanente educação, para que possa refletir sobre o seu fazer. Para dar conta das competências requeridas para um mundo em constante transformação que exige capacidade de reflexão e prontidão para adquirir conhecimento e acompanhar as inovações que surgem constantemente o profissional necessita atualizar-se permanentemente (PROVENZANO; MOULIN, 2002). “A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Paulo Freire

Referências: BAUMAN, Z. O mal-estar na pós-modernidade. São Paulo: Jorge Zahar, 1998. DEMO, P. Questões para a Teleducação. Petrópolis, Vozes, 1998. FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930). Rio de Janeiro, Imago, 1974. PROVENZANO, M. E; MOULIN, N. M. Formação pedagógica em educação profissional na área da saúde: enfermagem: núcleo estrutural: proposta pedagógica: avaliando a ação. 8/. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Projeto de profissionalização dos Trabalhadores da área de Enfermagem. Fundação Oswaldo Cruz. 2. ed. rev. E ampliada. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. Série F

25

Uma atitude reflexiva filosófica acerca da Edu Física Brasileira: críticas e possibilidades Sidnei Lopes Dos Santos Junior1

Este estudo caracteriza-se por uma atitude reflexiva filosófica acerca da Educação Física. Queremos,

outrossim, encaminhar este estudo dentro de uma abordagem critico-reflexiva, enfocando os vários e complexos fenômenos que envolvem a Educação Física brasileira, que salvo raras e oportunas exceções, são marcadas, pelo academicismo e por posturas e políticas educacionais equivocadas, ingênuas quando não populistas.

Já aqui podemos salientar o entendimento da Educação Física, como um prática pedagógica, concordando assim com Bracht (1999) e Libâneo (2001). Segundo Libâneo (2001) se a Educação Física não tiver esse caráter pedagógico ela é inócua enquanto prática educativa intencional. O mesmo autor elucida este ponto ao afirmar que “a educação, as práticas educativas, é a ação, os processos de formação das pessoas, a pedagogia é a reflexão e decisão sobre essa ação para definir objetivos e formas de realizar o trabalho educativo. Como a educação refere-se a assimilação e reconstrução da cultura, a pedagogia lida com tudo o que diz respeito à transmissão e assimilação de saberes e modos de ação, como são os conceitos, os códigos, as técnicas, as habilidades, as atitudes, os valores.

Se temos saberes, modos de agir, modos de fazer, atitudes em relação à motricidade, ao corpo, ao desenvolvimento físico, a serem internalizados pelas pessoas, então posso falar de uma educação física e de uma pedagogia da educação física ou da dimensão pedagógica da educação física”. Este modo de compreender a dimensão pedagógica da Educação Física apoia-se na idéia de que a escola é um lugar em que os alunos aprendem a desenvolver a razão crítica e a se construírem como sujeitos autônomos e críticos (Libâneo, 2001).

Por outro lado, constata-se que a alienação consiste num importante obstáculo a ser superado quotidianamente, pois de certa forma, opõe-se ao pensamento crítico-reflexivo e a consciência individual, se baseando numa relação acritica fora da realidade numa concepção de mundo ocasional e desagregada. Caracteriza-se portanto, pela sua adesão total e sem restrições a uma concepção de mundo fragmentada incompreendida e elaborada fora dele próprio, que se realiza num conformismo cego e numa obediência irracional a princípios e preceitos indemonstráveis (Codo, 1985).

Em contra partida, tem-se uma concepção de mundo unitária, coerente e homogênea é formada de uma maneira crítica e consciente, num processo critico-reflexivo, questionador da realidade. Esclarecendo esta discussão, Chauí (2001), identificou na sociedade moderna a existência de pelo menos três formas básicas de alienação: a social, a econômica e a intelectual. Num esforço de aproximação destas ao contexto da Educação Física encontramos as mesmas sem maiores dificuldades, principalmente a alienação social, na qual os docentes e discentes não se reconhecem como construtores das relações e instituições sócio-políticas. Da mesma forma existe alienação intelectual, que resulta da separação social entre o trabalho material e o trabalho intelectual, evidenciada com maior significância no corpo docente, onde o taylorismo aliado ao positivismo fragmentou o mesmo em departamentos, e mais adiante em laboratórios. Sendo que a principal conseqüência do taylorismo é a fragmentação do trabalho que conduz a uma fragmentação do saber, e em função desse processo de especialização não tardou a instalar-se no seio da Educação Física brasileira um "dialogo de surdos" (Bracht, 1999) e um isolamento tanto da realidade como do conhecimento.

Interessante é observar que, apesar da flagrante necessidade de mediação e entre os saberes disciplinares no campo da Educação Física, os especialistas nas diferentes subdisciplinas do nosso campo não conseguem dialogar a partir de sua especialidade com outra (Bracht, 1999). As razões que nos faz indagar estas contradições e incoerências e apontam para a dificuldade que a maioria dos acadêmicos e professores tem de "ler o mundo" a sua volta ( na ótica de Paulo Freire), ir do fragmentado ao holístico, da alienação à consciência filosófica, do senso comum à autonomia crítica de pensamentos, ou seja, não conseguimos ter uma visão crítica da realidade, do todo universal, indissolúvel e indissociável, mas apenas de suas dependentes e alienantes partes.

Nesse sentido, somos conduzidos a um processo ingênuo de alienação que atinge o campo social, pessoal e do trabalho, talvez pela nossa já denotada incapacidade de refletir e criticar as intenções, as atitudes, as

1 Professor de Educação Física, especialista em Ciência do Movimento Humano, sub-área Pedagogia do Movimento Humano e Mestrando em Educação PPGE/CE.UFSM. e-mail: [email protected].

26

decisões vivenciadas e/ou tomadas por nós durante o processo de formação acadêmica. Nessa perspectiva, poucos acadêmicos conseguem romper a barreira do senso comum e avançar até a

autonomia crítica de pensamentos, e isto me leva a crer que "muitos" de nós não se preocupam em construir uma consciência filosófica que permita-lhes, ao menos, serem críticos sem serem incoerentes com suas ações e concepções de educação, saúde, escola, sociedade, cultura, política e de mundo.

Segundo Mochcovictch (1988) para passar da consciência ocasional e desagregada para a consciência coerente e homogênea é preciso criticar as concepções que se tem, partindo da consciência daquilo que somos e chegando a consciência social.

Voltando ao senso comum, Gramsci apud Mochcovictch (1988) diz que ele é a filosofia dos não-filósofos, isto é, a concepção de mundo absorvida acriticamente pelos diferentes meios sociais e culturais, em que se desenvolve a individualidade, pois não se baseia numa reflexão crítica, numa interrogação.

E porque tão poucos estariam preocupados em se constituírem em sujeitos críticos e conscientes, a luz filosofia? As respostas a esta indagação são amplas e complexa, mas analisando-a de perto, ela parece flutuar entre o campo dos conhecimento relacionados ao "ser" e ao do "ter", estabelecendo a seguinte relação na atual conjuntura da sociedade capitalista: quanto mais nós preocupamos em "termos", menos preocupamos em "sermos" ou seja, hoje cada vez mais somos levados pela lógica do mercado a primeiro "termos" e após, que sabe, "sermos". O "ser" aqui enfocado é constituído por saberes filosóficos, sociológicos, antropológicos e históricos. Que via de regra, na sociedade atual, por razões econômicas obvias, são tidos para "muitos" como conhecimentos "inúteis", de pouca valia, pois não dão um bom retorno material. Ao passo que o "ter", composto pelas ciências positivas que segundo Santin (2002) "dispensam a reflexão filosófica por entendê-la com uma atividade estéril, improdutiva e por vezes incômoda e inútil" encontra-se em uma situação privilegiada, confortável, cômoda, hegemônica, ideológico e extremamente "útil", sendo o influenciador determinante de uma sociedade capitalista excludente, marcada por significativas desiguales sociais, econômicas e sobretudo de saberes. Sendo assim, interessante! para "poucos" e alienante! para "muitos".

Recorrendo-se Chauí (2001) a mesma nos ensina que o primeiro ensinamento filosófico é justamente perguntar: o que é útil? Para que e para quem algo é útil? O que é o inútil? E por que e principalmente para quem algo é inútil? O senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá e/ou representa simbolicamente prestígio, poder, fama, riqueza e poder nas relações sociais. Julga o útil pelos resultados quantificáveis e visíveis das coisas e das ações, identificando utilidade e a famosa expressão "levar vantagem em tudo".

Desse ponto de vista, a filosofia é inteiramente inútil e defende o direito de ser inútil (Chauí, 2001). A autora indaga então, qual seria a ‘utilidade’ da História, da Sociologia e sobretudo da Filosofia? Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações e ações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade, a eqüidade e a felicidade para todos para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.

Entretanto, Saviani (1996) adverte que "passar do senso comum à consciência filosófica significa passar de uma concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista a uma concepção unitária, coerente, articulada, explícita, original, intencional, ativa e cultivada". Para passar da consciência ingênua e desagregada para a consciência coerente e homogênea é preciso criticar a concepções que se tem, partindo da consciência daquilo que somos e chegando à consciência do que podemos "ser."

Santin, (1988) reforça este aspecto ao afirmar que a consciência crítica, não é uma conquista, nem um fato dado, nem um bem adquirido, mas ela é uma atitude é um comportamento que se refazem e se renovam a cada momento. Por isso mais do que "ter" consciência crítica, é preciso "ser" consciência crítica. Portanto, "ser" consciência crítica não é fixar-se em uma perspectiva, mas mergulhar no movimento que conduz a estabelecer várias e distintas relações e direções. Entendendo-a como uma eterna inquietude de quem não quer repetir-se, de quem não quer ser sempre o mesmo, de quem quer evoluir nas mais variadas formas de conhecimentos e sentimentos.

Diante do exposto, destaca-se neste processo, a indubitável importância da educação. E cabe entendê-la não como um processo passivo e autoritário de fragmentação e transmissão de conhecimento e, portanto da

27

realidade social, mas como um instrumento pedagógico de conscientização, reflexão, crítica, indagação e é claro curiosidade, realçando sempre a importância dos porquês de certas iniciativas, leis e reivindicações, pois na opinião de Freire (1996) a raiz da educação consiste basicamente em oportunizar ao ser humano a reflexão sobre si mesmo e colocar-se, num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que esta em constante de busca.

Neste momento, é oportuno lembrar que estranhamente a Educação Física não está ainda atrelada de fato a área da educação, mas sim a área da saúde que etimologicamente consiste em um erro. No entanto, os conhecimentos desenvolvidos curricularmente nas instituições de ensino superior fazem jus a tal vinculação, pois os mesmos não são oriundos na sua imensa maioria, nem da educação e muito menos da Educação Física, mas da física, bioquímica, medicina e outras áreas de produção conhecimentos. O que é importante ressaltar aqui que o campo da Educação Física historicamente tem sido marcado menos como um campo de construção do conhecimento, e mais como aplicação do conhecimento (Bracht, 1999).

O mesmo autor, exterioriza suas preocupações e coloca um ponto que julgo ser importante, ele nos mostra que no campo da Educação Física, no tocante à produção de conhecimento científico, surgiram os especialistas, não em Educação Física , mas, em fisiologia do exercício, em biomecânica, em psicologia do esporte, em aprendizagem motora, em sociologia do esporte, etc. Neste contexto, o mesmo autor argumenta que os professores de Educação Física , enquanto "cientistas", passaram a se identificar como especialistas em fisiologia, em biomecânica, etc. E não em Educação Física. Entretanto, a fisiologia do exercício, a biomecânica e etc, continuam sendo áreas de conhecimentos importantes na investigação da atividade física se houver uma perspectiva de mudança para não priorizar investigações isoladas e fragmentadas do conhecimento, distanciadas da interdisciplinaridade e de problemas relevantes.

Com a sua privilegiada e impar capacidade de elaborar analogias e metáforas Rubem Alves (2000, p. 31), opina a sobre “acho que a educação freqüentemente cria antas: pessoas que não se atrevem a sair das trilhas aprendidas, por medo da onça. De suas trilhas sabem tudo, os mínimos detalhes, especialistas. Mas o resto da floresta permanece desconhecido”.

A anta descrita por pelo autor é um animal apetitoso, sem defesas e presa fácil para as onças. Contra a onça ela só dispõe de uma arma: estabelece uma trilha pela floresta, e dela não se afasta. Este caminho passa por baixo de um galho de árvore, rente às suas costas. Quando a onça ataca ela sai em desabalada corrida por sua trilha. Seu corpo passa por baixo do galho, mas o da onça não. E assim, a anta consegue fugir com ferimentos, mas viva dessa embosca feita pelo desconhecido.

Considerando-se estas afirmações, pensa-se que apesar de diversos pensadores alertarem que a história é a mestra da vida, poucas pessoas despendem tempo, atenção e a preocupação merecida e necessária para o seu entendimento. E em se tratando de Educação Física a situação é ainda mais complexa, pois além de estudá-la, principalmente temos que "re" significá-la a ponto construir e/ou consolidar uma identidade pedagógica consistente e sobretudo coerente com a realidade da educação brasileira. Superando assim, o entendimento de vê-la subordinada ao eixo paradigmático da aptidão física, compreensão essa arcaica e limitada.

Nesse particular, urge chamarmos a atenção de nossa academia, muito mais preocupada com as formalidades do rigor científico, banalizando-o, do que com a imperiosa necessidade de intervenção qualificada e conseqüente na nossa realidade educacional, abrindo e preservando espaços de debate e reflexão crítica em torno das questões nela presentes (Castellani Filho, 1998).

Dentro da conjuntura atual da Educação Física, enquanto uma prática pedagógica, a mesma apresenta-se fortemente fundamentada e teoricamente valorizada por grandes pensadores e educadores, sendo ainda amparada por legislação específica. Entretanto, evidencia-se que entre a palavra escrita, o discurso e a situação concreta de seu ensino, incoerências, interpretações ingênuas e errôneas, ou até mesmo o desconhecimento se interpõe. Em outras palavras, é no âmbito das ciências biológicas e esportivas que os profissionais da área vêm buscando o saber necessário às suas práticas pedagógicas.

No Brasil, a Educação Física ainda não recebeu o tratamento adequado face a sua denotada importância no processo sociocultural, fruto de uma história marcada em sua maioria por uma total ou parcial ausência de consciências críticas capazes de coibir a manipulação de seus fins através de políticas públicas educacionais ditadoras que objetivavam o controle e a dominação social, bem como a mercantilização da educação como um todo.

A Educação Física no início desse século traduz a incapacidade histórica dessa área de conhecimento

28

para perceber e aprender as novas demandas sociais que emergem ao longo do tempo, devido à forte rigidez dos paradigmas da Educação Física conservado.

Na verdade, a atual Educação Física representa a sociedade brasileira, que tenta definir novos pressupostos que possibilitem articular os interesses, não de uma minoria privilegiada, mas de uma maioria excluída. Nesta conjuntura, não é mais compatível que o intelectual mantenha uma postura de alienamento completo com relação a sociedade.

Querendo encaminhar à finalização deste texto, na perspectiva apontada até este momente, cabe a citação de Libâneo apud Ghiraldelli Junior (1988) que também considera a Educação Física como uma atividade educativa que será tanto mais conseqüente em relação aos seus objetivos político-pedagógicos, quanto mais os professores, como intelectuais critico-reflexivos, desenvolverem a capacidade de descobrir a todo o instante, na sua prática de vida e trabalho, as relações sociais reais que estão por trás das tendências, das técnicas, dos discursos, dos programas de ensino e, por aí, dar uma dimensão política à sua pedagógica.

Nesse sentido, o mesmo autor destaca que o trabalho docente deve buscar ao invés do condicionamento à ordem social, formar alunos críticos e participativos, ao invés de adestramento físico, a compreensão sociocultural do corpo, ao invés do esporte-espetáculo e ufanista, o esporte educativo, ao invés da disciplina imposta e da repetição mecânica e autoritária de ordens do professor, o autodomínio, a formação do caráter, a autovalorização da atividade física, ao invés do corpo-instrumento, o corpo como ser social crítico e consciente.

Ainda nessa direção, Castellani Filho (1998) aponta que seja na faculdade, no nosso local de trabalho (faculdade, escola, clube, administração pública...), enfim, seja lá onde for, devemos estar cientes de que é no nosso cotidiano que podemos e devemos construir as condições objetivas (na extrapolação dos limites impostos pelas reformas educacional e política imperantes), tanto para a superação da forma atual de ser da Educação Física, enquanto (num alargado horizonte) da forma de organização social brasileira o que, em última instância, defendemos e almejamos.

Em suma, o trabalho do professor de Educação Física como vai além da pura e simples transmissão de técnicas. É fundamental que realmente a aula de Educação Física se transforme num ambiente crítico, onde a riqueza cultural se estabeleça como trampolim para a consciência. Ou seja, a Educação Física deverá deixar de ser uma prática inócua, para transformar-se num real complexo educacional capaz de efetivamente oportunizar o desenvolvimento das inúmeras potencialidade humanas de forma critica, reflexiva e portanto consciente.

Dentro desse quadro, cabe perguntar, porém, longe de dar por inteiramente respondidas às questões aqui levantadas. Quem vai assumir o papel de ser o cultivador, semeador e alimentador de curiosidade e criticidade, de que a Educação Física brasileira tanto necessita? Olhando mais de perto, suspeito que comecemos, talvez, a priori pelo exercício continuado da autoconsciência critico-filosófica, para a posteriori levá-la até o senso comum, "extraindo o seu núcleo válido (o bom senso)" (Saviani, 1996), com vistas à elaboração e consolidação de uma concepção pedagógica de Educação Física impregnada de paradigmas socio-humanos, identidade, autonomia e reflexão. Oportunizando a construção de consciências, capazes de construir outras, novas e necessárias perspectivas educacionais.

"Nem tudo o que se enfrenta pode ser modificado. Mas nada pode ser modificado até que se enfrente". James Baldwin

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES. Rubem; A alegria de ensinar. Campinas: Papirus, 2000. BRACHT, V. Educação Física e Ciência: cenas de um casamento (in)feliz. Ijuí: Uniijuí, 1999. CASTELLANI FILHO, Lino; Política educacional e Educação Física. Campinas: Autores Associados; 1998. CODO, Wanderley. O que é alienação. São Paulo: Brasiliense, 1985. CHAUÍ, Marilene, Convite à Filosofia. , 12ªed, São Paulo: Ática, 2001. FREIRE, Paulo, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 20ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GHIRALDELLI JUNIOR. P. Educação Física Progressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos e a Educação Física Brasileira. São Paulo: Edições Loyola, 1988. LIBÂNEO, José Carlos. A dimensão pedagógica da educação física: questões didáticas e epistemológicas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, XII., 2001, Caxambu, MG. Sociedade, ciência e ética: desafios para a educação física/ciências do esporte. Anais... Caxambu, MG: DN CBCE, Secretarias Estaduais de Minas Gerais e São Paulo, 2001. MOCHCOVITCH, L. G. Gramsci e a Escola. São Paulo: Ática, 1986. SANTIN, Silvino, Pelos Caminhos do Pensamento Crítico: universidade e sociedade. Santa Maria: UFSM/CCSH, 1988. ______, Textos Malditos: Porto Alegre: Est edições, 2002. SAVIANI, Demerval, Educação: do sendo comum à consciência filosófica. 12ª Ed. Campinas: Ed. Autores Associados, 1996.

29

O QUE É ÉTICA INTRODUÇÃO

A ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que é, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta. Tradicionalmente ela é entendida como um estudo ou uma reflexão, científica ou filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas. Mas também chamamos de ética a própria vida, quando conforme aos costumes considerados corretos. A ética pode ser o estudo das ações ou dos costumes, e pode ser a própria realização de um tipo de comportamento.

Enquanto uma reflexão científica, que tipo de ciência seria a ética? Tratando de normas de comportamentos, deveria chamar-se uma ciência normativa. Tratando de costumes, pareceria uma ciência descritiva. Ou seria uma ciência de tipo mais especulativo, que tratasse, por exemplo, da questão fundamental da liberdade?

Que outra ciência estuda a liberdade humana, enquanto tal, e em suas realizações práticas? Onde se situa o estudo que pergunta se existe a liberdade?

E como ele deveria ser definida teoricamente, a como deveria ser vivida, praticamente? Ora, ligado ao problema da liberdade, aparece sempre o problema do bem e do mal, e o problema da consciência moral e da lei, e vários outros problemas deste tipo.

DEFINIÇÃO

DICIONÁRIO é.ti.ca

sf (gr ethiké) 1 Parte da Filosofia que estuda os valores morais e os princípios ideais da conduta humana. É ciência normativa que serve de base à filosofia prática. 2 Conjunto de princípios morais que se devem observar no exercício de uma profissão; deontologia. 3 Med Febre lenta e contínua que acompanha doenças crônicas. É. social: parte prática da filosofia social, que indica as normas a que devem ajustar-se as relações entre os diversos membros da sociedade.

OUTROS AUTORES A seguir são apresentadas algumas ideias de diferentes autores sobre o que é Ética e as suas

definições mais usuais. ÉTICA é uma palavra de origem grega, com duas origens possíveis. A primeira é a palavra grega éthos,

com e curto, que pode ser traduzida por costume, a segunda também se escreve éthos, porém com e longo, que significa propriedade do caráter. A primeira é a que serviu de base para a tradução latina Moral, enquanto que a segunda é a que, de alguma forma, orienta a utilização atual que damos a palavra Ética.

Ética é a investigação geral sobre aquilo que é bom. Moore GE. Princípios Éticos. São Paulo: Abril Cultural, 1975, p.4

A Ética tem por objetivo facilitar a realização das pessoas. Que o ser humano chegue a realizar-se a sí mesmo como tal, isto é, como pessoa. (...) A Ética se ocupa e pretende a perfeição do ser humano. Clotet J. Una introducción al tema de la ética. Psico 1986;12(1)84-92.

A Ética existe em todas as sociedades humanas, e, talvez, mesmo entre nossos parentes não-humanos mais próximos. Nós abandonamos o pressuposto de que a Ética é unicamente humana.

A Ética pode ser um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar que guiam, ou chamam a si a autoridade de guiar, as ações de um grupo em particular (moralidade), ou é o estudo sistemático da argumentação sobre como nós devemos agir (filosofia moral). Singer P. Ethics. Oxford: OUP, 1994, p.4-6.

MORAL A seguir são apresentadas algumas definições e considerações de diferentes autores sobre o

significado da palavra Moral. Vale destacar que alguns a igualam a Ética, mas o importante é saber que atualmente ambas tem significados e usos diferentes entre si.

A palavra Moral tem origem no latim - moralis - significando os usos e costumes.

30

Moral é o conjunto das normas para o agir específico ou concreto. A Moral está contida nos códigos, que tendem a regulamentar o agir das pessoas.

Segunto Augusto Comte (1798-1857), "a Moral consiste em fazer prevalecer os instintos simpáticos sobre os impulsos egoístas." Entende-se por instintos simpáticos aqueles que aproximam o indivíduo dos outros. Roux A. La pensée d'Auguste Comte. Paris: Chiron, 1920, p.254.

Para Piaget, toda Moral é um sistema de regras e a essência de toda a moralidade consiste no respeito que o indivíduo sente por tais regras. Piaget J. El juicio moral en el niño. Madrid: Beltrán, 1935, p.9-11.

Eu sei o que é moral apenas quando você se sente bem após fazê-lo e o que é imoral é quando você se sente mal após. Ernest Hemingway. Death in the afternoon. (1932)

Se ele realmente pensa que não há distinção entre virtude e vício, então, Senhor, quando ele abandonar nossa casa, deixe-nos contar nossos talheres. Samuel Johnson. James Boswell's Life of Johnson. 14/07/1763.

ÉTICA E MORAL

Ética e moral são temas relacionados, mas são diferentes, porque moral se fundamenta na obediência a normas, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos e a ética, busca fundamentar o modo de viver pelo pensamento humano.

Na filosofia, a ética não se resume à moral, que geralmente é entendida como costume, ou hábito, mas busca a fundamentação teórica para encontrar o melhor modo de viver; a busca do melhor estilo de vida. A ética abrange diversos campos, como antropologia, psicologia, sociologia, economia, pedagogia, política, e até mesmo educação física e dietética.

Didaticamente, costuma-se separar os problemas teóricos da ética em dois campos: num, os

problemas gerais e fundamentais (como liberdade, consciência, bem, valor, lei e outros); e no segundo, os problema específicos, de aplicação concreta, como os problemas da ética profissional, da ética política, de ética sexual, de ética matrimonial, de bioética, etc. É um procedimento didático ou acadêmico, pois na vida real eles não vêm assim separados.

HISTÓRIA O exercício de um pensamento crítico e reflexivo quanto aos valores e costumes vigentes tem início,

na cultura ocidental, na Antiguidade Clássica com os primeiros grandes filósofos, a exemplo de Sócrates, Platão e Aristóteles. Questionadores que eram, propunham uma espécie de “estudo” sobre o que de fato poderia ser compreendido como valores universais a todos os homens, buscando dessa forma ser correto, virtuoso, ético. O pano de fundo ou o contexto histórico nos qual estavam inseridos tais filósofos era o de uma Grécia voltada para a preocupação com a pólis, com a política.

Na medida em que se convencionou chamar a Idade Média europeia o período cristão do Ocidente, o

pensamento ético que conhecemos está, portanto, todo ele ligado à religião, à interpretação da Bíblia e à teologia.

Na Idade Moderna, que coincide com os últimos quatro ou cinco séculos, apresentam-se então duas tendências: a busca da uma ética laica, racional (apenas), muitas vezes baseada numa lei natural ou numa estrutura (transcendental) da subjetividade humana, que se supõe comum a todos os homens, e, por outro lado, novas formas de síntese entre o pensamento ético-filosófico e a doutrina da Revelação (especialmente a cristã").

Pensadores como Kant e Sartre, por exemplo, tentam formular teorias Éticas aceitáveis pela pura razão. Pensadores como Hegel, Schelling, Kierkegaard e Gabriel Marcel, ou mesmo Martin Buber, discutem apenas a maneira de relacionar as doutrinas religiosas com a reflexão filosófica.

31

Ao lado desta tendência moderna que busca formas de unir uma ética religiosa e uma reflexão filosófica, desenvolvem-se no mundo moderno e contemporâneo práticas e teorias que ignoram as contribuições da religião. Estas tendências são as mais variadas e podemos no máximo esquematizá-las.

Há, como veremos mais adiante, a concepção determinista que ignora, por princípio, a liberdade humana como sendo uma ilusão. Há uma concepção racionalista que procura deduzir da "natureza humana" (numaperspectiva naturalista, fisicalista ou materialista, ou numa perspectiva transcendental kantiana, que define a natureza humana como liberdade, e a consciência humana como "legisladora universal") as formas corretas da ação moral. Esta concepção, na sua linha kantiana, procura principalmente formas de procedimento prático que possam ser universalizáveis, isto é, uma ação moralmente boa é aquela que pode ser universalizável, de tal modo que os princípios que eu sigo pudessem valer para todos, ou ao menos que eu pudesse querer que eles valessem para todos.

Enfim, há outras tendências bastante difundidas, como a do utilitarismo: bem é o que traz vantagens

para muitos (a daí se deduziu até uma matemática ou cálculo moral). Esta tendência aparece em muitas formulações que podem ser definidas como pragmatismo: deixam-se de lado as questões teóricas de fundo, apelando-se para os resultados práticos, muitas vezes imediatos. Este pragmatismo parece estar bastante ligado ao pensamento anglo-saxão, e se desenvolveu sobretudo nos países de fala inglesa.

Próximo a este pragmatismo, há duas outras tendências atuais importantes, para um estudo da ética, e que até certo ponto se completam. Há uma prática, especialmente desenvolvida nos países de capitalismo mais avançado, que busca a utilidade e a vantagem particular: bom é o que ajuda o meu progresso (econômico, principalmente) e o meu sucesso pessoal no mundo (carreira, amizades úteis, etc.). Está próxima, portanto, das formas gregas do hedonismo, ou busca do prazer terreno, porém mediada pelas condições que o progresso técnico e o econômico proporcionaram ao mundo atual.

A outra linha atual, até certo ponto complementar, encontra-se mais entre os pensadoras do positivismo lógico, que ignoram muitas vezes aquelas questões fundamentais, que chamam de metafísicas ou especulativas, e se dedicam apenas a pesquisar as formas da linguagem moral, os tipos válidos de formulações éticas, a lógica e a sintaxe dos imperativos éticos e assim por diante. É um estudo certamente excitante e bem feito, mas que leva muitas vezes o pensador a "se esquecer de si mesmo", como diria Kierkegaard, a se esquecer de que ele é um sujeito existente, que tem de decidir eticamente sobre suas acões, e que não pode passar a vida toda somente estudando a linguagem da ética, sem viver a ética, isto é, sem viver eticamente.

HOJE Assim, hoje em dia, os grandes problemas éticos se encontram nestes três momentos da eticidade

(família, sociedade civil e Estado), e uma ética concreta não pode ignorá-los. 1) Em relação à família, hoje se colocam de maneia muito aguda as questões das exigências éticas do

amor. O amor não tem de ser livre? O que dizer então da noção tradicional do amor livre? Ele é realmente livre? E como definir, hoje, o que seja a verdadeira fidelidade, sem identificá-la com formas criticáveis de possessividade masculina ou feminina? Como fundamentar, a partir dos progressos das ciências humanas, os compromissos do amor, como se expressam na resolução (no sim) matrimonial? E como desenvolver uma nova ética para as novas formas de relacionamento heterossexual? E como fundamentar hoje as preferências por formas de vida celibatária, casta ou homossexual?

As transformações histórico-sociais exigem hoje igualmente reformulações nas doutrinas tradicionais éticas sobre o relacionamento dos pais com os filhos. Novos problemas surgiram com a presença maior da escola e dos meios de comunicação na vida diária dos filhos. As figuras tradicionais, paterna e materna, não exigem hoje uma nova reflexão sobre os direitos e os deveres dos pais e dos filhos?

Em especial, a reflexão sobre a dominação das chamadas minorias sociais chamou a atenção para a necessidade de novas formas de relacionamento dentro do próprio casal. O feminismo, ou a luta pela libertação da mulher, traz em si exigências éticas, que até agora ainda não encontraram talvez as formulações adequadas, justas e fortes. A libertação da mulher, como a libertação de todos os grupos

32

oprimidos, é uma exigência ética, das mais atuais. E, como lembraria Paulo Freire, em seu Pedagogia do Oprimido, a libertação não se dá pela simples troca de papéis: a libertação da mulher liberta igualmente o homem.

2) Em relacão à sociedade civil, que para Hegel também significaria a forma histórica da sociedade burguesa, os problemas atuais continuam os mais urgentes: referem-se ao trabalho e à propriedade. Como falar de ética num país onde a propriedade é um privilégio tão exclusivo de poucos? E não é um problema ético a própria falta de trabalho, o desemprego, para não falar das formas escravizadoras do trabalho, com salários de fome, nem da dificuldade de uma auto-realização no trabalho, quando a maioria não recebe as condições mínimas de preparação para ele, e depois não encontram, no sistema capitalista, as mínimas oportunidades para um trabalho criativo e gratificante? Num país de analfabetos, falar de ética é sempre pensar em revolucionar toda a situação vigente.

Assim, se é verdade que as grandes reformas de que nosso país necessita não são questões apenas éticas, mas também políticas, o inverso não é menos verdade: não são só políticas, são questões éticas que desafiam o nosso sentido ético.

A ética contemporânea aprendeu a preocupar-se, ao contrário das tendências privativistas da moral, com o julgamento do sistema econômico como um todo. O bem e o mal não existem apenas nas consciências individuais, mas também nas próprias estruturas institucionalizadas de um sistema. Antigos compêndios de moral, de inspiração católica, ainda afirmavam, há cinquenta anos, por exemplo, que o socialismo seria intrinsecamente mau, enquanto o capitalismo permitiria corrigir os seus erros eventuais. Hoje dificilmente um livro de ética teria a coragem de fazer uma afirmação deste tipo.

Por outro lado, as experiências socialistas destes últimos cem anos ensinaram aos teóricos de esquerda a revalorizar a importância que a propriedade tem para a auto-realização humana. A crítica atual insiste muito mais, agora, sobre a injustiça que reside no fato de só alguns possuírem os meios da riqueza, e a crítica à propriedade se reduz sempre mais apenas aos meios de produção, enquanto pensadores do século XIX ainda afirmavam que "toda propriedade é um roubo". A propriedade particular aparece agora, nas doutrinas éticas, principalmente como uma forma de extensão da personalidade humana, como extensão do seu corpo, como forma de aumentar a sua segurança pessoal, e de afirmar a sua autodeterminação sobre as coisas do mundo.

3) Em relação ao Estado, os problemas, éticos são muito ricos e complexos. A ética política revisou, entre outros, os ideais de um cosmopolitismo indeterminado de um Kant, e soube reconhecer as análises de um Hegel a respeito do significado da nacionalidade e da organização estatal como o ápice do edifício da liberdade. A liberdade do indivíduo só se completa como liberdade do cidadão de um Estado livre e de direito. As leis, a Constituição, as declarações de direitos, a definição dos poderes, a divisão destes poderes para evitar abusos, e a própria prática das eleições periódicas aparecem hoje como questões éticas fundamentais. Ninguém é livre, numa ditadura; a velha lição de Hegel se confirmou até os nossos dias.

O que foi questionado, da doutrina hegeliana, e eté hoje constitui um problema sério, é a verdadeira função, na prática, do Estado. Os Estados que existem de fato são a instância do interesse comum universal, acima das classes e dos interesses egoístas privados e de pequenos grupos. Ou são de fato aparelhos conquistados por estes grupos, por uma classe dominante, que conquista o Estado para usar dele como seu instrumento de hegemonia, para a dominação e a exploração dos desprivilegiados? Em outras palavras, o Estado real resolve o problema das classes, ou serve a um dos lados, na luta de classes?

A luta e a exploração assumiram em nosso século formas muito mais sutis. A exploração se deslocou, muitas vezes, para formas de neocolonialismo, de tal maneira que em certos casos, patrões e operários de países desenvolvidos podem perfeitamente ter os mesmos interesses, para o prejuízo dos povos da periferia. Assim como a nível microeconômico a exploração deixou de ser diretamente política, para passar pela sutil mediação da exploração econômica, regulamentada até numa legislação trabalhista, assim também a chamada parceria entre as nações, em termos econômicos, apresenta hoje aspectos gritantes, para uma reflexão ética.

Também inquietam ao extremo a consciência ética atual as formas políticas ditatoriais, totalitárias, autoritárias ou, eufemisticamente, militares, que se tornaram tão familiares aos homens do final do século XX. O cinismo dos poderosos hoje é muito mais explícito do que o dos gregos. As relações internacionais

33

baseiam-se hoje em que? Na justiça ou na força? Uma justiça entre as nações ou os Estados é um conceito que até o momento ainda não se desenvolveu nem se firmou, nem nas consciências, nem na prática política.

Muitos filósofos das últimas décadas se dedicaram a estudar e denunciar o problema relativamente moderno que recebeu o nome demassificação. É claro que isto, na boca de muitos, pode muito bem ser sintoma de pensamento aristocrático ou elitista. Mas, quando é tratado objetivamente, o problema da massificação se refere a formas de relações sociais onde o indivíduo se perde e se desvaloriza (e se sente objetivamente desvalorizado). Nas fábricas, nas praças diante do demagogo ou sentados em casa ante um aparelho de televisão durante horas a fio, os homens de hoje vão sendo reduzidos cada vez mais a funções simplesmente passivas, vão desaprendendo a arte de falar e de se expressar, vão perdendo sua voz e sua vez.

Pensadores como J. Habermas descrevem o problema da despolitização das massas, do desaparecimento ou da dominação do espaço público e, enquanto descrevem as características típicas das formas do espaço burguês, sugerem formas de criação de um novo espaço, um espaço proletário. O espaço, mesmo o espaço físico, é também uma das condições do exercício concreto da liberdade. Assim (como num retorno à Grécia antiga), um problema físico entra de novo no coração da preocupação ética. Para que o homem seja livre, ele precisa do seu espaço interior, de sua casa, de seu salão, de sua praça, de sua terra.

Assim, o rádio e a televisão podem ser muito mais ditatoriais do que o telefone, o qual, como as antigas cartas, possui uma forma mais dialogal.

Isto não significa que aqueles, como meios de comunicação, não possam ser postos a serviço da democracia, nem mesmo que eles, em si, não tenham elementos democráticos, na medida em que a informação também é uma forma de poder e, como tal, se bem distribuído, de favorecer as relações éticas entre os homens. Mas valeria a pena analisar a lógica e a sintaxe da comunicação que aparecem, por exemplo, nos noticiários atuais.

Tudo é ligado pela lógica simples do e, da adição pura e simples: "o Papa visita o Brasil e os negros são mortos na África do Sul e o cruzeiro se desvaloriza e na Eritréia multidões inteiras morrem de fome e um espião troca de lado e o Presidente inaugura uma escola e a polícia descobre um escândalo financeiro e os bóias-frias fazem uma greve e um candidato afirma que em política só a derrota é feia e assim por diante . . . ". Se este tipo de comunicação não favorece subliminarmente um cinismo indiferente a qualquer julgamento moral, certamente não favorece o despertar de uma consciência eticamente mais crítica. No mínimo, reforça a indiferença e o sentimento de impotência no espectador. E este sentimento de impotência diante do sistema da realidade é o aspecto negativo que anula, em grande parte, as vantagens do poder de dispor de informações.

"Saber é poder", dizia o grande iluminista Francis Bacon. Mas pensadores atuais, como Adorno e Horkheimer, mostraram que existe uma maldosa dialética neste Iluminismo, de tal maneira que muitos dos melhores ideais iluministas foram traídos, colaborando esse grande movimento da Idade Moderna muito rnais para o mal-estar em que vivemos hoje, do que jamais os grandes filósofos modernos poderiam suspeitar. Mesmo assim, parece importante hoje, como sempre, buscar o antídoto no próprio veneno. E se o maior dos iluministas foi Kant, não deixa de ser espantoso verificar, estudando-o, o quanto ele, entre outros grandes pensadores acima enunciados, nos pode ajudar a assumir a nossa vida de maneira mais ética, e, neste sentido, mais livre a mais humana.

REFERÊNCIAS

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995. RODRIGUES, Carla SOUZA, Hebert. Ética e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1994. SUNG, Jung Mo. Conversando sobre ética e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1995. VALLS, Álvaro L. M. O que é ética. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

34

Ética e Educação Física escolar: reflexões e possibilidades *Mestre em Ciências da Motricidade pela UNESP – Rio Claro

Docente das Faculdades Integradas Claretianas **Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano

pela USP, São Paulo. Docente da Universidade Estadual Paulista. Rio Claro (Brasil) Fernanda Moreto Impolcetto* [email protected]

Suraya Cristina Darido** [email protected] Resumo

O desenvolvimento de uma educação voltada para a cidadania pressupõe a apresentação de questões sociais que contribuam para a aprendizagem e reflexão dos alunos, que ofereçam a possibilidade de uma visão ampla e consistente da realidade da qual fazem parte e proporcione o desenvolvimento da capacidade de posicionar-se diante das questões que interferem na vida coletiva. O presente trabalho apresenta reflexões sobre a inclusão do tema transversal ética, indicado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs/BRASIL, 1998), nas aulas de Educação Física escolar, indicando algumas possibilidades para a inserção dos princípios de respeito mútuo, justiça, solidariedade e diálogo nessas aulas. Palavras chaves: Ética. Educação Física escolar. Temas transversais.

EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 156 - Mayo de 2011. http://www.efdeportes.com/

Introdução

Buscar o desenvolvimento de uma educação voltada para a cidadania, requer segundo os PCNs (BRASIL, 1998) a apresentação de questões sociais que efetivamente contribuam para a aprendizagem e reflexão dos alunos, que ofereçam a possibilidade de uma visão ampla e consistente da realidade da qual fazem parte e proporcione o desenvolvimento da capacidade de posicionar-se diante das questões que interferem na vida coletiva. Na perspectiva de consolidar este objetivo, o documento apresenta os Temas Transversais, alguns temas sociais emergentes, indicando-os como questões geradoras da realidade social, que, portanto, necessitam ser problematizados, criticados, refletidos e possivelmente encaminhados. De acordo com Darido et al (2001) este conjunto de temas propostos pelos PCNs (BRASIL, 1998) recebe a denominação de “transversais” pois podem e/ou devem ser trabalhados por todos os componentes curriculares. Deste modo, sua interpretação pode se dar entendendo-os como as ruas principais do currículo escolar que necessitam ser atravessadas por todas as disciplinas. A reflexão ética aparece como eixo norteador dessa concepção, pois envolve posicionamentos e ideias a respeito das causas e efeitos de sua dimensão histórica e política. Discute sobre temas como a liberdade de escolha, interroga sobre a legitimidade de práticas e valores consagrados pela tradição e pelos costumes sociais, abrangendo a crítica das relações entre os grupos, dos grupos nas instituições e ante elas, como também a dimensão das ações pessoais. Trata portanto, de discutir o sentido ético da convivência humana nas relações com várias dimensões da vida social, como o ambiente, a cultura, o trabalho e o consumo, a sexualidade e a saúde (BRASIL, 1998). Especificamente em relação ao tema transversal ética, os PCNs (BRASIL, 1998) apresentam quatro princípios básicos nos quais o embasamento da prática pedagógica é proposto, sendo eles: o respeito mútuo, a justiça, a solidariedade e o diálogo. Pensando na inclusão destes princípios nas aulas de Educação Física, será que um trabalho de valorização do diálogo pode ajudar na resolução dos conflitos que geralmente acontecem nessas aulas? O que pode ser feito para que os alunos respeitem as diferenças individuais? Ética no jogo implica em respeito pelo adversário? Os jogos podem possibilitar discussões sobre valores éticos? A televisão pode auxiliar o professor de Educação Física no trato de questões referentes a valores e ética?

O objetivo deste trabalho é refletir sobre a inclusão do tema transversal ética nas aulas de Educação Física escolar, indicando algumas possibilidades para a inserção dos princípios de respeito mútuo, justiça, solidariedade e diálogo nessas aulas.

A Ética

O conceito de ética está diretamente relacionado aos contextos históricos e culturais que marcam o desenvolvimento e a vida das diversas sociedades. Estes contextos diversos nos

35

revelam que, com o passar do tempo, as sociedades sofreram mudanças e, desta maneira, também os homens que a compõem. Práticas que são condenadas pela sociedade atualmente, como a escravidão, por exemplo, já foram legítimas tanto na Grécia Antiga quanto no Brasil. Dentro de cada cultura, criada a partir de diversos grupos com formas peculiares de viver, foram elaborados vários princípios e regras que regulam a convivência entre seus membros. Estes princípios e regras específicas possuem a função de indicar os direitos, deveres e obrigações dos indivíduos que participam da vida comum de uma sociedade. Os valores transformam-se em propriedades que são atribuídas pelos seres humanos à realidade, por meio das relações que são estabelecidas entre si e com essa realidade, transformada continuamente. Sendo assim, é por meio da criação cultural de cada grupo social que se instala a referência sobre o que se é e o que se deve ser. O que se deve fazer é traduzido numa série de determinações criadas pelas sociedades para orientar a conduta dos indivíduos. E este seria o campo da moral e da ética (BRASIL, 1998). De acordo com os PCNs (BRASIL, 1998) apesar das palavras moral e ética possuírem o mesmo significado etimológico (mores, no latim e ethos, no grego, remetem a definição de costume) os conceitos incorporaram ao longo do tempo significações diferenciadas. A moral é considerada como “o conjunto de princípios, crenças e regras que orientam o comportamento dos indivíduos nas diversas sociedades”, enquanto a ética é classificada como a “reflexão crítica da moral” (p.49). Considerando tal definição, podemos verificar que a moral torna-se o campo no qual predominam os valores relacionados ao bem e ao mal, como aquilo que deve ser buscado e o que deve ser afastado. É importante ressaltar, porém, que o conteúdo destas noções é concretizado no interior dos contextos sociais específicos e varia muito de uma sociedade para outra, de acordo com as culturas, interesses, poderes e conflitos que as regem. Sendo assim, a moralidade é componente de todas as culturas e sua dimensão está presente no comportamento de cada pessoa em relação às outras, das culturas e dos povos entre si. No entanto, quando ocorrem conflitos a partir de questões complexas (por exemplo, a legalização do aborto) é que se constatam os limites das respostas oferecidas pela moral e neste ponto entramos no domínio da ética, a partir da necessidade de problematizar respostas e verificar a consistência de seus fundamentos. Sendo assim, a ética possui a característica de não ser normativa, pois quando se realiza uma reflexão ética, pergunta-se sobre a consistência e a coerência dos valores que norteiam as ações, buscando o esclarecimento e questionamento a respeito dos princípios que orientam as ações, para que elas adquiram um significado autêntico no âmbito das relações. A função da ética, portanto, seria verificar a coerência entre a prática e os princípios, questionando, reformulando e fundamentando os valores e as normas componentes da moral, num constante movimento que vai da ação para a reflexão sobre os sentidos e fundamentos da moral, da reflexão retornando para a ação revigorada e transformada. Nas aulas de Educação Física a vivência de diferentes sensações como irritação, excitação, prazer, cansaço, somadas a estados intensos de emoções, sentimentos de satisfação, medo, vergonha, alegria e tristeza tornam-se um desafio à racionalidade das crianças e adolescentes, na medida que demandam controle e adequação na expressão destes sentimentos e emoções, pois são processados em um contexto no qual as regras, os gestos, as relações interpessoais e suas conseqüências são claramente delimitadas. Além disso, geralmente são experiências diferentes das vivenciadas nas salas de aula e na vida cotidiana. Na verdade, esta complexa estrutura é que possibilita a riqueza e a contradição das práticas da cultura corporal, principalmente nas situações que envolvem interação social e intensa mobilização afetiva, em que o caráter ético dos indivíduos torna-se explícito por meio de atitudes que permitem a tomada de consciência e a reflexão sobre os valores mais íntimos.

36

Assim, cabe ressaltar as possibilidades que estas situações vivenciadas nas aulas de Educação Física oferecem para a construção de formas funcionais de praticar e refletir sobre os valores que as permeiam, sob a constatação de que apenas a prática das atividades e o discurso dos professores resultam insuficientes na sua transmissão e incorporação pelos alunos.

Os componentes da ética na Educação Física escolar

RESPEITO MÚTUO

A afirmação do respeito mútuo fundamenta-se no princípio de que todos os indivíduos merecem ser respeitados independentemente de sua origem social, etnia, religião, sexo, manifestações sócio-culturais, opinião etc., pois o respeito implica na valorização de cada indivíduo de acordo com sua singularidade e as características que o constituem. Uma sociedade com bases democráticas exige que se respeite a dignidade do ser humano e a convivência com respeito no ambiente escolar é a melhor experiência que pode ser oferecida ao aluno pois, desta maneira, além de vivenciar ele pode refletir sobre o respeito nas diferentes áreas de conhecimento, aprendendo a respeitar e a exigir respeito (PCNs/BRASIL, 1998). Para que os alunos sejam capazes de exercer o respeito mútuo, é imprescindível que professores e administração também o façam, o que exige coerência entre o discurso e a prática cotidiana. Assim como no contexto escolar de forma geral, nas aulas de Educação Física há meninos e meninas, alunos com características diferentes, alguns com limitações no desempenho, outros habilidosos para determinadas atividades, alunos portadores de necessidades especiais, outros tímidos e resistentes à aproximação etc. Todos os alunos estão, como na sala de aula, usufruindo o mesmo direito à educação e à participação. Nas situações de preconceito como aquelas em que se estigmatizam indivíduos com apelidos pejorativos, por exemplo, os alunos cuja aparência não corresponde a um “modelo” criado e ocasionalmente valorizado, todos devem ter consciência para identificar e repudiar as situações de desrespeito, assim como de humilhação e vergonha. Em relação aos alunos menos habilidosos para as modalidades esportivas tradicionais das aulas de Educação Física sugerimos a inclusão de outras modalidades, com o objetivo de oportunizar a participação do maior número possível de alunos. Nos campeonatos realizados nas escolas, além das modalidades tradicionais, outras como o atletismo, a dança, jogos da cultura local podem ser adicionadas. Sugerimos também, quando o espaço permitir, a realização de mais de uma atividade por vez, para que um número maior de alunos possa participar, cada um na modalidade que se considerar mais capaz. Com a inclusão dos alunos portadores de necessidades especiais, os professores podem incentivar as turmas a promover adaptações para que estes possam participar das atividades das aulas. Além disso, surge a possibilidade de que todos aprendam a lidar com as limitações e dificuldades que os indivíduos apresentam. Na interação com os adversários em um jogo ou modalidade esportiva, o respeito mútuo pode ser exercido na busca pela participação na atividade de forma leal e não-violenta. A colaboração, a cooperação, o respeito às regras do jogo, dos limites de determinadas brincadeiras, são todas questões que podem ser tratadas pelos professores nas aulas de Educação Física buscando desenvolver o princípio do respeito mútuo. Em relação aos meios de comunicação, o professor pode incentivar debates e discussões, especialmente em relação aos jogos de futebol transmitidos pela televisão, nos quais se assistem atitudes incompatíveis com o respeito mútuo, como faltas violentas e desleais, tentativas de se enganar o juiz, lances ilegais, gols cometidos de maneiras irregulares etc. Atitudes como estas, muitas vezes, são glorificadas. Um jogador que marcou um gol com a mão salvando seu time da derrota é valorizado por sua esperteza em vez de ser criticado por sua

37

atitude “anti-esportiva”. Exemplos como estes somados à importância que o futebol representa na sociedade brasileira, conduzem a necessidade de se refletir sobre todos os valores e atitudes nele presente. JUSTIÇA

O princípio da justiça, além de basear-se na busca da igualdade de direitos e oportunidades, pressupõe a consideração das condições concretas das situações e dos sujeitos envolvidos para o julgamento do que é justo ou injusto. O critério da igualdade indica que todas as pessoas têm direitos iguais, não existe razão para que sejam tratadas de maneiras diferentes ou que alguns grupos recebam mais privilégios que outros, contudo deve-se considerar a igualdade de direitos articulada às diferenças que caracterizam os indivíduos. Deste modo, de acordo com os PCNs (BRASIL, 1998) este conceito deve ser ampliado pelo de equidade, pois, na grande maioria das vezes, as pessoas não se encontram em posição de igualdade. Existem as diferenças físicas, de condições sociais, econômicas etc. Seria injusto não considerar essas diferenças, por exemplo, ao destinar crianças e adultos aos mesmos trabalhos, assim como, dar igual recompensa ou castigo a todas as ações, punir um crime de infração e um de assassinato da mesma maneira ou atribuir a mesma nota a todos os alunos. No contexto escolar, atuar com justiça nas diferentes situações que se apresentam é um desafio muito grande, pois não existe um modelo que indique como ser justo, muito menos métodos que garantam esse aprendizado, já que as situações reais são sempre complexas. Tratando-se de um princípio, a legitimação da justiça envolve a construção conceitual, o aprendizado de procedimentos e o desenvolvimento de atitudes. Decorre disso a necessidade de que a escola seja uma “sociedade justa”, na qual as relações e sua própria organização estejam orientadas de acordo com parâmetros de justiça (PCNs/BRASIL, 1998). A escola pode desenvolver um papel fundamental para que os alunos adquiram a capacidade de se pautarem pelo princípio da justiça de modo autônomo, e, para que isso aconteça, algumas condições se fazem necessárias. É fundamental que os alunos tenham conhecimento das normas de conduta estabelecidas pela escola, que estas estejam relacionadas à aprendizagem e que sejam expostas e explicadas. Os deveres também devem ser compreensíveis, normas ambíguas impedem que os alunos saibam o que exatamente se espera deles e o que se cobra. Os direitos devem ser esclarecidos para que saibam quando estão sendo injustiçados. Nas aulas de Educação Física os professores também devem estar atentos a todas estas questões, às normas para o bom andamento das aulas e a preservação da segurança dos alunos devem ser expostas e esclarecidas de modo que todos entendam a necessidade de se respeitá-las. Por exemplo, dirigir-se à quadra em silêncio e sem correria evita atrapalhar as outras classes e o contato brusco com outros alunos, o que pode ferir a integridade física de alguém. É imprescindível ainda que os professores tenham conhecimento do regimento escolar e das leis que permeiam o campo educacional, para que nenhum tipo de infração seja cometida no ambiente de trabalho, como atitudes de preconceito, humilhação, exclusão, discriminação, etc. É preciso ter claro que as sanções devem punir somente os culpados (por exemplo, não optar por aplicar castigo a uma classe toda por não conhecer o responsável pelo delito), ser aplicadas de maneira justa, por reciprocidade, ou seja, proporcionais à falta cometida. Aplicar castigos físicos também é algo que deve ser totalmente evitado, pois pode humilhar os alunos, enquanto as sanções coletivas podem causar sentimento de revolta e injustiça nos que não têm culpa e estão sendo punidos.

38

O professor deve estar muito atento também para a questão da inclusão dos alunos nas aulas, pois independentemente de suas habilidades, todos têm o mesmo direito de usufruir as atividades propostas. A respeito das relações entre a afetividade e a racionalidade, uma situação freqüente no cotidiano escolar e nas aulas de Educação Física é o conflito que se estabelece entre a afetividade e o limite, quando por exemplo, um professor tenta impor limites de uma maneira mais branda, demonstrando sua afetividade e os alunos acabam por não levar tão a sério. Outra variável para esta questão diz respeito ao sentido que é atribuído ao “não” dependendo do aluno que está sendo censurado: o “não” atribuído um aluno bom é igual ou tem o mesmo sentido do emitido a um aluno considerado “bagunceiro”?

Não podemos deixar de considerar que o componente da afetividade faz com que os professores acabem por criar laços com determinados alunos que são diferentes em relação a outros, por isso, a necessidade em se procurar sempre estabelecer uma postura que não demonstre qualquer tipo de injustiça frente a uma mesma falta cometida por alunos diferentes. Atuar com justiça em todas as situações que ocorrem no contexto escolar é muito difícil, pois vários fatores fazem com que cada caso seja diferente. No entanto, os professores devem estar sempre muito atentos para não cometer injustiças com os alunos, especialmente diante da classe. Tratamentos privilegiados são percebidos pelos alunos e constituem injustiças, já que por direito todos devem ser tratados da mesma maneira. Durante o desenvolvimento das aulas, outras situações como o confronto com o resultado de um jogo e a presença do árbitro, permitem a vivência e o desenvolvimento da capacidade do julgamento de justiça. O respeito às regras torna-se necessário para que o jogo seja “limpo”, qualquer infração resulta em um ato de injustiça contra a equipe adversária e o contrato estabelecido por meio das regras. Estes são exemplos de situações para as quais os professores devem estar atentos e que podem ser utilizadas nas aulas de Educação Física para o desenvolvimento do princípio da justiça que, além de fundamental no contexto escolar e das diversas áreas de conhecimento, também o é para a vida em sociedade. SOLIDARIEDADE

A solidariedade pode ser considerada como a expressão concreta do respeito que os indivíduos tem entre si, demonstrando sentimentos de interdependência e pertinência, por meio dos quais a pessoa ou comunidade se sente unida e adquire como dever compartilhar interesses e ideais, considerando a repercussão de seus atos na vida coletiva (PCNs/BRASIL, 1998). Podemos considerar que existem diversas formas de ser solidário, como ajudar pessoas necessitadas engajando-se em campanhas de socorro, por exemplo, em prol de vítimas de terremotos ou enchentes e participar ativamente do espaço público e na vida política (PEREIRA-AUGUSTO, 2001). Na escola o desenvolvimento do princípio da solidariedade deve passar pela prática e reflexão, por meio das quais os alunos sejam levados a pensar e a praticar sobre ela, juntamente com os outros valores. A organização e a participação em ações comunitárias, o aprendizado de primeiros socorros, a formação de uma biblioteca comunitária, o engajamento em campanhas de saúde, contra as drogas, a preservação do meio ambiente, são exemplos de atividades que podem ser estimuladas pela escola para que os alunos se envolvam na resolução de problemas reais (PEREIRA-AUGUSTO, 2001). Nas aulas de Educação Física, muitas situações podem proporcionar o desenvolvimento da atitude solidária nos alunos. Por exemplo, em relação aos alunos portadores de necessidades

39

especiais é preciso que se crie um ambiente de acolhida, no qual estes alunos possam participar das atividades da melhor maneira possível, sem sofrer qualquer tipo de discriminação. Essa participação é tão importante para o aluno especial quanto para os demais que têm a oportunidade de aprender a lidar com uma situação diversa, respeitando as limitações do outro e contribuindo para que cada vez mais elas sejam minimizadas. A convivência com estes alunos pode ser muito valiosa para toda a comunidade escolar no sentido de que permite que todos os alunos aprendam a convier com as limitações e diferenças das pessoas, além disso, nas aulas de Educação Física, por exemplo, pode mobilizar os alunos a procurar meios que facilitem a participação dos alunos especiais nas atividades físicas realizadas. Por meio do conhecimento, da vivencia de situações concretas e pela reflexão sobre elas é que os alunos podem construir uma postura solidária. As atividades em grupo, principalmente os jogos, em que é fundamental o trabalho em equipe, podem estimular a partilha e a cooperação, fazendo com que a solidariedade possa ser exercida e valorizada. Como isso não ocorre naturalmente, torna-se muito importante a intervenção pedagógica do professor. Aulas nas quais algumas noções de primeiros socorros sejam ensinadas também podem preparar os alunos para lidar com questões deste tipo quando necessário, assim como a elaboração de uma lista com os principais números de telefones que podem ser consultados em situações de emergência. Incentivar os alunos a fazer um levantamento através de pesquisas sobre os locais públicos da cidade que oferecem a possibilidade da prática gratuita de atividades físicas para que sejam divulgados para a comunidade, também é um exemplo de ato solidário que pode ser executado pelos alunos. DIÁLOGO

O ato da comunicação é inerente aos seres humanos e pode ser praticado em diversas dimensões, como a expressão corporal por meio de gestos ou olhares, uma conversa entre duas pessoas, um debate público, uma discussão científica etc. (PCNs/BRASIL, 1998). De acordo com os PCNs (BRASIL, 1998), pela própria necessidade que o homem possui de se comunicar, um dos objetivos mais importantes da educação é, sem dúvidas, fazer com que os alunos consigam participar do universo da comunicação criado pelos homens, para que, utilizando os instrumentos de que ela dispõe, consiga elaborar e emitir suas próprias mensagens. Os PCNs (BRASIL, 1997) indicam que a relação professor-aluno tem uma importância fundamental neste processo, a fala do professor dever ser sempre muito clara e objetiva, evitando-se ambigüidades. Da mesma forma, deve exigir dos alunos clareza, evitando a ocorrência de expressões vagas que permitam interpretações variadas. Neste sentido, o diálogo será um instrumento fundamental na escola para que o aluno participe do processo de ensino-aprendizagem interagindo com o professor e os colegas. Deve ser utilizado ainda sempre que necessário para o esclarecimento e superação de conflitos. A participação de toda a comunidade escolar deve ser valorizada na elaboração e efetivação de projetos, na discussão e implementação das normas e regras escolares, e em todas as atividades cujo desenvolvimento envolva a aprendizagem dos alunos. Neste processo, as opiniões devem ser respeitadas, as decisões baseadas em critérios de justiça, nas quais a solidariedade e o bem comum sejam priorizados. Nas aulas de Educação Física o diálogo é instrumento fundamental para o desenvolvimento dos conteúdos e atividades, nas quais as possibilidades de construções coletivas devem ser valorizadas.

40

Nos trabalhos em grupo, a cooperação obtida propicia o estabelecimento e cumprimento de contratos, e é onde os alunos aprendem a honrar a palavra empenhada e constituem relações de reciprocidade. O professor pode estimular os alunos na construção de jogos e brincadeiras, nos quais as regras sejam estabelecidas por meio democrático através do diálogo. Assim, o descumprimento do que foi combinado estabelece uma relação de responsabilidade dos participantes pela conseqüência de suas atitudes relativas à própria atividade. As situações de conflito geradas durante as aulas de Educação Física podem proporcionar situações de diálogo, nos quais as soluções mais justas possam ser encontradas com base no respeito mútuo entre as partes envolvidas. Desta maneira, evita-se que a lei do mais forte seja imposta e que os direitos de cada um sejam respeitados por todos.

Considerações finais

Considerando que o comportamento e as atitudes são fatores de fundamental importância para a formação do cidadão crítico e reflexivo, é que justifica-se a inclusão da ética no curriculos escolares como condição fundamental para uma formação que vise à preparação de indivíduos conscientes que possam atuar em uma sociedade justa e democrática. Sendo, pois, a formação ética uma das funções da formação escolar, apresentamos neste trabalho, reflexões sobre o tema transversal ética e possibilidades para a inclusão dos principios do respeito mútuo, justiça, solidariedade e diálogo, indicados como componentes da ética pelos PCNs ( BRASIL, 1998) nas aulas de Educação Física escolar. Entendendo que a Educação Física escolar, como componente curricular da Educação Básica também é responsável pela formação dos alunos para a cidadania, é que acreditamos na inclusão dos temas transversais e especificamente neste trabalho, do tema transversal ética, de modo intencional nas aulas, talvez assim, como indica Betti (1999) possamos desenvolver em nossos alunos as capacidades necessárias para a reivindicação e o exercício dos direitos que garantem o bem estar social, de uma maneira crítica e criativa. Esta é uma possibilidade de contribuição da Educação Física para a construção da cidadania democrática e participativa. Referências bibliográficas BETTI, Mauro. Educação Física, esportes e cidadania. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.20, n.2, p.84-92, 1999.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais e ética / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos: Apresentação dos temas Transversais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

DARIDO, Suraya Cristina et al. Educação Física, a formação dos cidadãos e os Parâmetros Curriculares Nacionais. Revista Paulista de Educação Física, v.5, p.17-32, jan/jun, 2001.

PEREIRA-AUGUSTO, Maria Alice. A ética como tema transversal: Um estudo sobre valores democráticos na escola. 2001. 194 f. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001.

http://www.efdeportes.com/efd156/etica-e-educacao-fisica-escolar-reflexoes.htm acessado em 08 março 2015