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A RAÇAS E CRUZAMENTOS NA PRODUÇÃO DE BOVINOS DE CORTE Daniel Perotto 1 SUMÁRIO 1 Engenheiro Agrônomo, M.Sc. e Ph.D. IAPAR, Caixa Postal 2031, CEP 80011-970, Curitiba-PR Telefone (041) 865-6336 Endereço Eletrônico: [email protected]

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A

RAÇAS E CRUZAMENTOS NA PRODUÇÃO DE BOVINOS DE CORTE

Daniel Perotto1

SUMÁRIO

1 Engenheiro Agrônomo, M.Sc. e Ph.D.

IAPAR, Caixa Postal 2031, CEP 80011-970, Curitiba-PR Telefone (041) 865-6336 Endereço Eletrônico: [email protected]

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1. BASES GENÉTICAS DO MELHORAMENTO Introdução As bases científicas do melhoramento animal A célula e o material genético Ações gênicas Caracteres qualitativos Caracteres quantitativos Melhoramento de caracteres quantitativos O valor genético Conceitos básicos em genética quantitativa A curva normal A média A variância O desvio padrão Decomposição da variância fenotípica Herdabilidade Correlação genética 2. ESTIMAÇÃO DO VALOR GENÉTICO Introdução Fontes de informação sobre o valor genético O fenótipo do animal As progênies Os ancestrais Parentes colaterais ou irmãos 3. MÉTODOS DE MELHORAMENTO

Introdução Mudança das freqüências gênicas

Seleção Diferencial de seleção Modalidades de Seleção

Seleção genealógica Seleção com base em informações de parentes colaterais

Seleção pelo teste de progênie

Características correlacionadas

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C

Seleção indireta Seleção simultânea para várias características

Método contínuo

Método dos níveis de eliminação independentes Índice de seleção 4. MELHORAMENTO GENÉTICO DE BOVINOS DE CORTE

Introdução Aspectos inerentes ao melhoramento de bovinos de corte Seleção de bovinos de corte Interpretação e uso das informações contidas nos sumários das raças

Cruzamentos na bovinocultura de corte Complementaridade Heterose Esquemas sistemáticos de cruzamentos

Uso de touros mestiços Formação de raças sintéticas ou compostas

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1. BASES GENÉTICAS DO MELHORAMENTO Introdução Os primeiros documentos relativos ao melhoramento genético de bovinos referem-se aos trabalhos de Robert Bakewell, entre 1760 e 1795, na Inglaterra. Em seguida vieram os trabalhos dos irmãos Colling, que aplicaram os princípios de Bakewell na formação da Raça Shorthorn, cujo livro de registro genealógico foi estabelecido em 1822. Durante o resto do século XIX, várias novas raças e respectivos livros genealógicos foram formadas. Esse período de formação de raças durou pelo menos 150 anos. As características ideais de cada raça eram definidas e os criadores norteavam a reprodução de seus rebanhos visando imprimir tais características em seus animais. Os padrões de cada raça eram definidos basicamente em termos de coloração da pelagem ou tipo fenotípico, sem muita ênfase em características produtivas. Isto era feito porque se acreditava que os padrões ideais de cor e conformação adotados pelos criadores se correlacionavam geneticamente com padrões superiores para caracteres produtivos. As bases científicas do melhoramento animal O melhoramento genético animal baseado em princípios científicos começou a se tornar realidade através de dois importantes fatos ocorridos por volta da virada do século XX. O primeiro foi a formação da associação para teste de vacas leiteiras, na Dinamarca, em 1895. Associações semelhantes se difundiram rapidamente pela Europa e Estados Unidos da América, onde a primeira associação começou a funcionar em 1906, em Michigan. O segundo e mais importante acontecimento foi a redescoberta dos trabalhos de Mendel em 1900. As pesquisas de Mendel se tornaram a base científica da moderna genética. Entretanto, o crescimento e a expansão desse conhecimento básico não ocorreu imediatamente. Várias décadas foram desperdiçadas pelos melhoristas tentando explicar a hereditariedade de todos os caracteres em termos das leis de Mendel. Foi somente em meados dos anos 30 que a evolução metodológica permitiu aos criadores aplicar o melhoramento genético em características como produção de leite e ganho de peso. Nessa época ocorreu a compatibilização entre genética e biometria, dando origem à aplicação de métodos científicos de melhoramento animal. Os homens que deram as maiores contribuições para o desenvolvimento da genética bem como para sua aplicação no melhoramento animal foram: William Bateson (1861-1926), geneticista inglês que cunhou a palavra genética; Francis Galton (1822-1911), estatístico inglês considerado o fundador da biometria; Ronald A. Fisher (1890-1962), biometrista inglês, e, Sewall Wright (1889- ), geneticista americano, que juntos lançaram as bases da genética de populações; e, Jay L. Lush (1896-1982), que através de seu próprio trabalho, e de seguidores como Gordon G.

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Dickerson e Charles R. Henderson, traduziu a teoria para a prática e incentivou o uso de princípios científicos no melhoramento. A evolução do melhoramento animal, desde os anos 30, tem sido fortemente influenciada por acontecimentos como o advento da inseminação artificial, o desenvolvimento da computação eletrônica e o surgimento das chamadas técnicas modernas de reprodução e de biologia molecular como a transferência de embriões e a manipulação do DNA. A célula e o material genético Todos os organismos vivos são constituídos de células. Entre os vários constituintes celulares está o "material genético". A maior parte desse material está nos cromossomas, localizados no núcleo celular. Os bovinos possuem 30 pares de cromossomas. É nesses cromossomas, mais especificamente no acido desoxi-ribonucleico, do qual os mesmos são constituídos, que se encontra a codificação genética do animal. Basicamente existem dois tipos de células no organismo: células sexuais e células somáticas. A células sexuais (óvulo e espermatozóide) são aquelas cujo comportamento especial durante a divisão celular fazem a reprodução sexual possível. Células somáticas são aquelas que constituem o resto do corpo. Todas as células somáticas se dividem e se reproduzem através do processo chamado mitose, enquanto as células sexuais se reproduzem através do processo denominado meiose. A diferença entre os dois processos é que na mitose cada célula paterna origina duas células filhas que são essencialmente cópias idênticas da célula de origem, ao passo que na meiose cada célula paterna sofre um processo que resulta na divisão do número de cromossomas à metade do número original. Esse processo é essencial para que da união do espermatozoide com o óvulo, o número de cromossomas característico da espécie seja reconstituído.

Ações gênicas Ação gênica aditiva Exemplo desse tipo de ação gênica ocorre na determinação da plumagem da raça de marrecos conhecida pelo nome de Andaluz Azul. A coloração das penas das aves dessa raça pode ser facilmente classificada em três categorias. Existem aves com plumagem totalmente branca, aves com plumagem totalmente preta e aves cuja plumagem é uma mistura de penas brancas e pretas. É esta última categoria que é conhecida como o verdadeiro marreco Andaluz Azul. A base genética dessa característica é simples. As aves brancas e as aves pretas são homozigotas e aquelas conhecidas como Andaluz Azul são heterozigotas. O resultado do acasalamento entre aves de plumagem misturada (Andaluz Azul) resulta numa progênie com 25% de aves brancas, 50% de aves Andaluz Azul e 25% de aves pretas. O exemplo ilustra o fato de que o gene para plumagem branca e o gene para plumagem preta agem aditivamente quando se combinam para formar o heterozigoto. Outro exemplo de ação gênica aditiva ocorre da

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F

determinação da pelagem da raça de bovinos Shorthorn. Animais vermelhos e animais branco creme são homozigotos enquanto os animais rosilhos (mistura de pelos brancos e pelos vermelhos) são heterozigotos. Ação gênica dominante-recessiva Um exemplo de um par de genes ou de alelos que exibem ação do tipo dominante-recessiva pode ser encontrado na raça Hereford. A coloração de pelagem branca da face dos animais dessa raça é controlada por um único gene dominante. Quando touros Hereford são cruzados com vacas de outras raças, por exemplo com vacas leiteiras para produzir animais de corte, os bezerros cruzados têm todos a face branca que identifica o Hereford. Esse fato encontra aplicação prática permitindo distinguir novilhas que só servem para corte daquelas que podem ser usadas como animais de reposição do rebanho leiteiro. Um gene similar existe também na raça Simental, que hoje está muito difundida no Brasil. Sobredominância O termo sobredominância se refere à ação gênica verificada num loco onde a expressão fenotípica do heterozigoto supera aquelas de ambos os homozigotos. Um bom exemplo desse tipo de ação gênica é encontrado na raça de aves White Wyandotte. Esta raça apresenta dois tipos de crista, rosa e simples, que são determinados por um só par de genes. O gene para crista rosa, R, é dominante sobre o gene para crista simples, r. O fenótipo estabelecido para a raça era crista rosa e por muitos anos não se sabia porque a crista simples persistia na população apesar dos esforços para diminuir sua freqüência através da seleção para crista rosa. Mais tarde foi verificado que a fertilidade do macho homozigoto RR é menor em relação que àquelas dos outros dois genótipos, principalmente do heterozigoto Rr. Dessa forma, o efeito desse loco no fenótipo da raça pode ser sumariado como se segue: Sexo

Genótipo e Fenótipo

RR, Rosa Rr, Rosa rr, Simples Macho Baixa fertilidade Fertilidade normal Fertilidade normal Fêmea Fertilidade normal Fertilidade normal Fertilidade normal Ao selecionar machos com o fenótipo crista rosa, os avicultores não podiam fazer a distinção entre o homozigoto e o heterozigoto. Entretanto, por causa da desvantagem seletiva, o homozigoto deixava menos descendentes que o heterozigoto e assim o gene recessivo permanecia na população.

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G

Epistasia O termo epistasia se refere à situação em que há interação entre genes em dois ou mais locos, de maneira que o fenótipo para uma determinada característica é controlado por mais de um loco, em conjunto agindo de forma não-aditiva. Um exemplo bem conhecido de ação gênica epistática é o controle genético do tipo de crista em galinhas. Além de cristas simples e rosa, existem também cristas tipo ervilha e tipo castanha. A crista ervilha é determinada por um gene dominante em relação ao gene para crista simples, mas num loco separado daquele para crista rosa. O tipo de crista castanha se manifesta em qualquer indivíduo que tenha em seu genótipo pelo menos um gene para crista rosa e um gene para crista ervilha. Assim os genótipos e seus correspondentes fenótipos são: Loco para crista rosa RR Rr rr

PP RR PP Castanha

Rr PP Castanha

rr PP Ervilha

Pp RR Pp Castanha

Rr Pp Castanha

rr Pp Ervilha

Loco para crista ervilha

pp RR pp Rosa

Rrpp Rosa

rr pp Simples

Caracteres qualitativos Caracteres que apresentam herança simples geralmente são conhecidos como "caracteres mendelianos". Geralmente, um só loco ou poucos locos têm grandes efeitos sobre tais caracteres. Freqüentemente existem locos adicionais que exercem efeitos menores através de genes chamados modificadores. Esses caracteres são mais corretamente denominados "caracteres qualitativos" porque os fenótipos (aquilo que o animal é ou faz, seus atributos físicos ou seu desempenho) tendem a ocorrer em categorias discretas ao invés de poderem ser mensurados numa escala contínua. O meio geralmente desempenha um papel irrelevante na manifestação fenotípica dos caracteres qualitativos. Para muitos desses caracteres em bovinos, são conhecidos o número de locos envolvidos, o número de alelos em cada loco e as ações gênicas (aditividade, dominância ou epistasia) entre esses alelos. Entretanto, mesmo para esses caracteres mais simples, ainda não se conhece completamente em que cromossoma estão localizados os locos que os contém. Esta lacuna de conhecimento está sendo preenchida rapidamente à medida que avançam os trabalhos de mapeamento genético e sequenciação de DNA. Exemplos de caracteres qualitativos em bovinos são a coloração da pelagem, o caráter mocho ou aspado, as anomalias hereditárias e os antígenos sangüíneos.

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H

Caracteres quantitativos Os caracteres quantitativos distinguem-se dos caracteres qualitativos através de duas importantes diferenças: (1) eles são influenciados por muitos pares de genes, ou seja, por genes situados em muitos locos; (2) a expressão fenotípica é fortemente afetada pelo meio. Estes dois efeitos se combinam de modo a fazer com que os fenótipos dos caracteres quantitativos apresentem uma distribuição contínua. Por exemplo, o peso corporal de uma vaca não se classifica em categorias distintas como podem ser classificados os caracteres qualitativos citados anteriormente. Ao contrário, o peso varia segundo valores muito pequenos, fazendo com que a distribuição fenotípica seja verdadeiramente contínua. A natureza básica dos caracteres quantitativos, isto é, os efeitos combinados de muitos pares de genes e de mudanças ambientais, fazem com que seja muito mais difícil determinar corretamente o genótipo do que no caso dos caracteres qualitativos. Muitas vezes os fenótipos dos animais nada dizem sobre os correspondentes genótipos. Por exemplo, mudanças ambientais, especialmente de um rebanho para outro, podem causar enormes diferenças nos fenótipos para produção de leite ou para ganho de peso. Consequentemente, o melhoramento genético de caracteres quantitativos representa um grande desafio. Enfrentar esse desafio é muito importante porque a maioria dos caracteres de interesse econômico nas espécies de animais domésticos como produção e composição do leite, conformação, eficiência alimentar e resistência a doenças apresentam herança quantitativa. Melhoramento de caracteres quantitativos O fenótipo de um animal para um determinado caráter quantitativo é o resultado das ações e interações do genótipo e do ambiente. O melhoramento animal tem por objetivo final a produção do genótipo que vai operar com máxima eficiência no ambiente ao qual será submetido, de modo a produzir o máximo de lucro ao criador. Na prática, o trabalho para se alcançar este objetivo representa um processo em duas fases. Na primeira, procura-se estimar o valor (ou o mérito) genético de cada animal para identificar os genótipos superiores. Na segunda fase, procura-se fazer o melhor uso possível dos animais de genótipos superiores identificados na primeira fase, para fins de reprodução do rebanho de modo a fazer com que a taxa de progresso genético seja maximizada. O valor genético O valor genético (na verdade valor gênico ou genético aditivo) de um animal pode ser definido como duas vezes o valor médio dos gametas por ele produzidos. O valor médio dos gametas é o mérito genético médio que o animal transmite às suas progênies. Este valor é denominado de capacidade de transmissão. Portanto, a capacidade de transmissão é igual à metade do mérito genético. É importante entender que o valor genético não é uma quantidade absoluta. Ele é relativo à população onde o animal é usado como reprodutor.

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I

Conceitos básicos em genética quantitativa Familiaridade com os conceitos que serão apresentados a seguir facilitará a compreensão das discussões subsequentes. Estes conceitos são ferramentas usadas no trabalho de melhoramento genético. No início eles poderão parecer abstratos e difíceis de serem entendidos completamente, mas à medida que a discussão for se desenvolvendo, o significado e o valor destes conceitos deverão tornar-se mais claros. A curva normal Os procedimentos de estimação estatística usados em genética quantitativa geralmente envolvem o uso de grandes números de registros chamados banco de dados. Obviamente, são requeridas técnicas para sumariar esses grandes números de dados num pequeno número de valores denominados estatísticas. Muitos dos procedimentos de estimação baseiam-se no fenômeno que é característico de dados biológicos conhecido pelo nome de distribuição normal ou simplesmente curva normal. O formato da curva normal é mostrado na Figura 1. Esta curva é uma distribuição de freqüências onde a altura da curva em qualquer ponto da linha da base representa a freqüência (f) ou proporção relativa de indivíduos na população cujo fenótipo tem aquele valor particular (x). A variabilidade da maioria dos caracteres biológicos, como eles ocorrem em seu estado natural, segue a distribuição normal com bastante aproximação. Portanto, conhecendo-se este fato acerca da distribuição desses caracteres, tem-se um ótimo ponto de partida para os trabalhos de estimação. Os mais importantes parâmetros da distribuição normal são o ponto central, ou seja, a média de todos os valores de x, denotado pela letra grega µ (lê-se mi) e a forma como os dados se distribuem a partir da média, chamado variância, denotado pela letra grega sigma elevada ao quadrado (σ2), indicando que matematicamente este parâmetro é uma média dos quadrados dos desvios de cada valor de x em relação à media. A medida da variância mais comumente usada em conjunto com a média para descrever uma dada distribuição é o desvio padrão, denotado por σ.

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J

Figura 1- Curva de distribuição de probabilidades normal A média A média nada mais é do que a soma dos valores de todos os indivíduos ou observações dividida pelo número destes. Conhecendo-se a média de um conjunto de observações tem-se apenas parte do quadro. A maneira como as observações se distribuem em torno da média também precisa ser conhecida para se ter uma idéia completa da figura. A variância Por definição, a variância é a média dos quadrados dos desvios de cada valor a partir da média da população. Entretanto, quando se trabalha com dados que representam amostras retiradas de uma população, a variância é computada dividindo-se a soma dos quadrados dos desvios de cada observação a partir da média da amostra pelo número de observações menos 1 (um). Tal procedimento permite que se obtenha uma estimativa não-viezada da variância. Diz-se que a estimativa de um dado parâmetro é não-viezada quando seu valor esperado é algebricamente igual ao valor do parâmetro. O importante a ser apreendido é o conceito de variabilidade dos dados biológicos. A variância é o parâmetro mais comumente utilizado como medida da variabilidade de dados que seguem a curva normal. Em fórmulas matemáticas a variância é representada pela letra grega sigma (σ) com um 2 sobrescrito. Letras subscritas são usadas para identificar o tipo de variância. Assim σ2

P significa a variância fenotípica, onde o P significa fenótipo. Em trabalhos de

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K

genética quantitativa é possível dividir a variância fenotípica em porções devidas à herança e ao ambiente. Tal procedimento se constitui num poderoso instrumento analítico bem como na espinha dorsal do conhecimento sobre a hereditariedade de caracteres quantitativos em animais domésticos. O desvio padrão O desvio padrão é a mais conhecida das funções da variância usada junto com a média para se descrever um conjunto de observações. Matematicamente, o desvio padrão é a raiz quadrada positiva da variância. Em termos da curva normal, a área entre um desvio padrão acima e um desvio padrão abaixo da média contém aproximadamente 68% das observações; a área entre dois desvios padrão acima e dois desvios padrão abaixo da média contém aproximadamente 95% das observações; e, a área entre três desvios padrão acima e três desvios padrão abaixo da média contém aproximadamente 99% das observações. Estas percentagens resultam da formulação matemática da distribuição normal. Decomposição da variância fenotípica O objetivo de todos os métodos de estimação do valor genético é fazer com que alguma função do fenótipo seja um indicador, tão exato quanto possível, do genótipo. A melhor maneira de se alcançar este objetivo é estudando-se a variância dos fenótipos com a finalidade de determinar a importância relativa dos vários fatores que causam tal variabilidade. A variância fenotípica pode ser representada pela seguinte relação matemática: σ2

P = σ2G + σ2

E + covGE Esta equação diz que a variância fenotípica (σ2

P) é composta de três partes a saber: a variância devida ao genótipo (σ2

G) mais a variância devida ao ambiente (σ2E) mais a co-variância

entre o genótipo e o ambiente (covGE). A variância fenotípica é a que pode ser observada ou medida. A variância genética é a parte que precisa ser estimada com a maior exatidão possível. Portanto, o objetivo é remover da variância fenotípica tanto quanto for possível da variância ambiental e da co-variância entre o genótipo e o ambiente. Matematicamente esta operação pode ser representada pela relação: σ2

P - (σ2E + covGE) = σ2

G Tomando como exemplo a produção de leite por lactação de uma vaca, σ2

G = 0,25, ou seja, 25% da variância fenotípica, em média. Consequentemente, 75% da variância fenotípica é devida a (σ2

E+ covGE).

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L

A maior parte da variância não-genética pode ser atribuída à variância ambiental (σ2E), pois

muitos estudos têm revelado que a co-variância entre o genótipo e o ambiente (covGE) é pequena e pode até ser desconsiderada na maioria dos trabalhos de melhoramento. A variância genética pode ser decomposta em três partes a saber: variância genética aditiva, variância devida aos desvios da dominância e variância devida aos desvios epistáticos. Este decomposição segue a decomposição do valor genotípico do indivíduo em três componentes, sendo um devido aos efeitos genéticos aditivos, um devido aos efeitos da dominância e outro devido à epistasia. Por sua vez, a variância ambiental pode ser dividida em duas categorias: uma devida a efeitos ambientais permanentes; e, outra devida a efeitos ambientais temporários. Exemplos típicos de efeitos ambientais permanentes são as diferenças entre rebanhos como diferentes regimes alimentares, estabulação, instalações e equipamentos de ordenha, manejo de novilhas e de vacas secas e controle de doenças como a mastite. Efeitos ambientais temporários são aqueles que duram relativamente pouco tempo como as quedas de produção de leite causadas por surtos de doenças. Herdabilidade No sentido amplo do termo, herdabilidade é a fração da variância fenotípica que é causada por diferenças entre os genótipos dos indivíduos. Em termos da equação utilizada para representar a variância fenotípica, a herdabilidade pode ser representada pela relação:

GEEG

G

P

G

COVH

++==

22

2

2

2

2

σσσ

σσ

Quanto maior for a influência genética sobre o fenótipo de um dado caráter, maior será a herdabilidade do mesmo. De um modo geral, quanto mais alta for a herdabilidade de um caráter, maior será o progresso genético que pode ser obtido pela seleção. Como definida acima, a herdabilidade (H2) engloba toda a variância de origem genética, cujos componentes são a variância aditiva, a variância devida aos desvios causados pela dominância e a variância devida aos desvios epistáticos. Por esta razão, H2 é denominada herdabilidade no sentido amplo. O conceito mais importante de herdabilidade refere-se à fração entre a variância genética aditiva, denotada por σ2

A e a variância fenotípica, σ2P. Esta relação,

denotada por h2, é definida como herdabilidade no sentido estrito e se constitui num dos mais importantes parâmetros genéticos porque é utilizada para estimar valores genéticos de animais candidatos à seleção e para calcular o progresso genético pela seleção. Métodos para estimar a herdabilidade

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M

Antes de mais nada é preciso chamar a atenção para o fato de que a herdabilidade no sentido estrito, definida como h2, é uma razão entre duas variâncias e se refere a uma característica particular de uma população específica num dado tempo. Assim, não deve ser surpresa se diferentes estimativas forem obtidas para uma mesma característica em diferentes populações ou para a mesma população em diferentes períodos de tempo. A variância aditiva que aparece no numerador pode ser reduzida pela seleção ou a variância fenotípica que aparece no denominador pode ser alterada por mudanças ambientais ou, ainda, ambas podem ser alteradas por outras razões. Além disso, os erros envolvidas na estimação dessas duas variâncias, principalmente a variância aditiva, podem ser grandes. Os métodos convencionais para estimar a herdabilidade (no sentido restrito) baseiam-se na utilização de medidas da semelhança entre parentes. Regressão do fenótipo do filho sobre o fenótipo do pai A herdabilidade pode ser estimada multiplicando-se por 2 o valor do coeficiente de regressão do valor fenotípico do filho sobre o valor fenotípico do pai. Este método se presta para estimar a herdabilidade quando um macho, por exemplo um touro, é acasalado com várias fêmeas (vacas) e cada fêmea tem uma progênie. O método pode também ser usado quando cada macho é acasalado com apenas uma fêmea para estimar as regressões pai-filho, pai filha, mãe-filho e mãe-filha. O modelo estatístico que serve de base ao método da regressão pode ser escrito assim:

Zi = bXi + ei onde: Zi é a média ou o valor do fenótipo do filho do i-ésimo pai; b é o coeficiente de regressão de Z sobre X; X i é o valor do fenótipo do i-ésimo pai; e, ei é o erro aleatório associado com os Z´s. Em correspondência a este modelo estatístico, existe o seguinte modelo genético:

Cov(ZX) = 1/2σ2A + 1/4σ2

AA + 1/16σ2AAA

onde: Cov(ZX) é a covariância entre o valor do fenótipo do filho e o valor do fenótipo do pai, termo que aparece no numerador da fórmula de cálculo do coeficiente de regressão b; σ2

A é a variância genética aditiva; σ2

AA é a variância epistática do tipo aditiva x aditiva; e, σ2

AAA é a variância epistática do tipo aditiva x aditiva x aditiva.

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N

Tomando-se Var(X), que é a variância dos fenótipos dos pais, ou seja, a variância da variável independente, como estimativa de σ2

P , a variância fenotípica, tem-se:

b = Cov(ZX)/Var(X) = ( ½ σ2A + ¼ σ2

AA + 1/16 σ2AAA ) / (σ2

P) Portanto, dividindo-se a covariância entre os fenótipos dos filhos com os fenótipos dos pais pela variância dos fenótipos dos pais obtém-se uma estimativa da metade da herdabilidade mais um pequeno erro representado pelas variâncias epistáticas. Como, Cov(ZX)/Var(X) é a regressão do valor do fenótipo do filho sobre o fenótipo do pai, tem-se que a herdabilidade (h2), é estimada multiplicando-se por dois a estimativa de b. O procedimento computacional é o seguinte: Covariância de meio-irmãos paternos O método que estima a herdabilidade a partir da covariância entre meio-irmãos paternos considera que um certo número de touros é escolhido aleatoriamente da população e cada touro é acasalado com um certo número de vacas, não aparentadas, também escolhidas aleatoriamente, produzindo um certo número de bezerros por touro. O valor fenotípico de cada bezerro pode ser representado estatisticamente pelo modelo:

Yik = µ + αi + εik onde: Yik é o valor do fenótipo do filho; µ é a média da população (todos os fenótipos de todos os filhos de todos os touros); αi é o efeito do i-ésimo touro; εik é o erro aleatório associado a cada Yik. Em correspondência com este modelo estatístico, o modelo genético preconiza que a variância entre touros (σ2

T) é devida ao fato de que os grupos de filhos diferem entre si. Esses grupos são constituídos de meio-irmãos paternos e portanto, o componente de variância entre touros é equivalente à covariância entre meio-irmãos paternos. A fórmula geral da covariância entre parentes é:

cov = ασ2A + δσ2

D + α2σ2AA +2δσ2

AD + δ2σ2DD + α3σ2

AAA + ... etc. Os coeficientes α e δ para a covariância entre maio-irmãos paternos são 1/4 e 0 (zero), respectivamente. Substituindo esses valores na fórmula geral da covariância tem-se:

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O

cov(MEIO-IRMÃOS PATERNOS) = 1/4(σ2A) + 1/16(σ2

AA) + 1/64(σ2AAA )

Vê-se portanto que a variância entre touros estima 1/4 da variância genética aditiva, mais 1/16 da variância epistática do tipo aditiva x aditiva e mais algumas pequenas frações de variâncias epistáticas de elevadas ordens. A variância entre filhos do mesmo touro (σ2

W) é equivalente a (σ2P - σ2

T) onde (σ2P)

significa a variância fenotípica ou variância total. Esse componente estima 3/4 da variância genética aditiva mais toda a variância ambiental. A estimação da herdabilidade pelo método da covariância entre meio-irmãos paternos é portanto um problema que se resume em: 1. Obter uma estimativa da variância entre touros; 2. Multiplicar essa estimativa por 4 para ter uma estimativa da variância aditiva inflada por alguma variância epistática); e, 3. Obter uma estimativa da variância fenotípica, geralmente tomada como sendo a soma da variância entre touros mais a variância residual. A obtenção dessas variâncias é alcançada pelo uso da análise de variância. Para o modelo estatístico proposto acima, a forma da análise de variância é a seguinte: TABELA - ANÁLISE DE VARIÂNCIA PARA ESTIMAR A HERDABILIDADE PELA COVARIÂNCIA ENTRE MEIO-IRMÃOS PATERNOS Fonte de Variação Graus de

Liberdade Soma de Quadrados Quadrados Médios Quadrados Médios

Esperados Fator de correção (F.C.)

n. Y2../n. - -

Entre touros S-1 Σ( Y2i./ni) - (F.C.) SQT/(S-1) = QMT (σ2W) + k(σ2

T) Entre filhos dentro de touro (resíduo)

n. - S Σ(Y2ik) - Σ( Y2i./ni) SQE/(n. - S) = QME (σ2

W)

onde: S é o número de touros; ni é o número de filhos por touro; k = ni (quando o número de filhos por touro é igual) n. é o número total de filhos. As estimativas dos componentes de variância são dadas por:

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P

(σ2T) = (QMT - QME)/k

e

(σ2W) = QME

4 x (σ2

T) = 4 x cov(MEIO-IRMÃOS PATERNOS) = (σ2A) + (σ2

AA) + (σ2AAA )

(σ2

W) + (σ2T) = (σ2

P) = Variância fenotípica

WT

Th

22

22 4

σσσ+

=

Correlação genética e correlação ambiental Quando dois ou mais caracteres são considerados simultaneamente nos indivíduos de uma população, seus valores fenotípicos podem estar correlacionados, de maneira positiva ou de maneira negativa. As causas dessas correlações fenotípicas podem ser genéticas ou ambientais. A principal causa genética da correlação fenotípica entre duas características é a ação pleiotrópica dos genes. Pleiotropia é simplesmente a propriedade segundo a qual um determinado gene afeta duas ou mais características, de modo que, se ele estiver segregando, ela causa variação nessas características. Por exemplo, genes que controlam a velocidade de ganho de peso aumentam também a estatura e o peso do indivíduo. Assim, eles tendem a causar uma correlação entre as características peso e estatura. Genes que controlam deposição de gordura, contudo, influenciam o peso sem afetar a estatura e portanto não causam correlação entre essas duas características. Existem casos em que alguns genes afetam duas características na mesma direção, enquanto outros aumentam o valor de uma e diminuem o de outra. Os primeiros tendem a causar uma correlação positiva enquanto os últimos tendem a causar correlação negativa. O ambiente é outra causa de correlação fenotípica na medida em que duas características podem ser influenciadas pelas mesmas diferenças de condições ambientais. Uma vez mais, existem fatores ambientais que causam correlações positivas, outros negativas, entre duas características. A associação entre duas características que pode ser observada diretamente é a correlação entre os valores fenotípicos, chamada correlação fenotípica. Esta pode ser avaliada tomando-se mensurações de um determinado número de indivíduos na população. Supondo-se, entretanto, que fosse possível conhecer não somente os valores fenotípicos dos indivíduos avaliados, mas também seus valores genotípicos e seus correspondentes desvios ambientais, para as duas características, poder-se-ia também computar as correlações entre os valores genotípicos bem como entre os desvios ambientais das duas características e assim separar as causas da correlação fenotípica. Além disso, se os valores genotípicos pudessem ser desdobrados em seus componentes aditivo e não-aditivo (desvios causados pela dominância e pela epistasia), poder-

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Q

se-ia também computar uma correlação entre os valores genéticos aditivos das duas características. Em princípio, existem também correlações entre os desvios causados pela dominância e entre os desvios causados pelos vários tipos de ações epistáticas. Na prática, os problemas são trabalhados em termos de apenas duas correlações. Estas são a correlação genética, entendida como sendo a correlação entre valores genéticos aditivos, e a correlação ambiental, que não engloba somente a correlação causada por desvios ambientais, mas também as correlações devidas a desvios causados por ações genéticas não-aditivas. Assim, as correlações genética (rA) e ambiental (rE) correspondem à decomposição da covariância fenotípica entre duas características em um componente genético-aditivo versus o resto. A primeira tarefa consiste em demonstrar como a correlação genética e a ambiental se combinam para dar origem à observável correlação fenotípica. Os símbolos que serão usados para estudar a correlação genética são: X e Y são os fenótipos das duas características sob consideração; rP é a correlação fenotípica entre X e Y; rA é a correlação genética entre X e Y (isto é, a correlação entre os valores genético-aditivos de X e de Y); rE é a correlação ambiental entre X e Y, incluindo efeitos genéticos não-aditivos; cov é a covariância entre X e Y, com subscritos P, A e E, denotando covariância entre fenótipos, entre valores genético-aditivos e entre desvios ambientais; σ2 e σ são, respectivamente, a variância e o desvio padrão, com subscritos PX, AX, EX, PY, AY e EY, denotando variâncias fenotípicas, genético-aditivas e ambientais para as características X e Y; h2 é a herdabilidade, com subscritos X e Y, dependendo da característica; e2 = 1 - h2. Estatisticamente, uma correlação entre duas variáveis é sempre a razão entre a covariância pelo produto dos dois desvios padrão. Por exemplo, a correlação fenotípica entre X e Y é:

YX

YX

PP

PPP

COVr

σσ=

assim, a covariância fenotípica pode ser escrita como:

cov(PX,PY) = rP(σPXσPY) A covariância fenotípica é a soma das covariância genética e ambiental, isto é:

covP = covA + covE

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R

Escrevendo-se as covariâncias genética e ambiental em termos das correlações e dos desvios padrão, tem-se:

rP(σPXσPY) = rA(σAXσAY) + rE(σEXσEY) Lembrando que σA = hσP, e σE = hσP, e fazendo-se as pertinentes substituições tem-se:

rP(σPXσPY) = rA(hXσPXhYσPY) + rE(eXσPXeYσPY) Dividindo ambos os lados da expressão por σPXσPY tem-se:

rP = rA(hXhY) + rE(eXeY) Esta expressão mostra como as causas genéticas e ambientais se combinam para dar origem à correlação fenotípica observável entre duas características. Se essas características têm baixas herdabilidades, então a correlação fenotípica será determinada principalmente pela correlação ambiental. Se as características têm altas herdabilidades, então a correlação genética terá maior importância. A expressão deixa claro que nem a magnitude nem o sinal da correlação genética podem ser determinados somente a partir da correlação fenotípica. Estimação da correlação genética A estimação da correlação genética baseia-se na semelhança entre parentes, de maneira análoga à estimação da herdabilidade. Além de se computar os componentes de variância das duas características pela análise de variância, computa-se também a covariância entre as duas características por meio de uma análise de covariância, que tem a mesma forma da análise de variância. Na análise de covariância, computa-se os produtos dos valores das características em cada indivíduo e somam-se os resultados. O resultado dessa soma de produtos é decomposto segundo as fontes de variação. Isto conduz ao cálculo dos componentes de covariância observados, cujas interpretações em termos de componentes causais é igual às interpretações dos componentes de variância. Assim, numa análise de grupos de meio-irmãos paternos, o componente de covariância entre pais (touros, por exemplo) estima ¼covA, isto é, um quarto da covariância genética (um quarto da covariância entre os valores genético-aditivos das duas características). Para estimar a correlação, os componentes de variância também são necessários. Lembrando que o componente de variância entre pais estima 1/4(σ2

A) + 1/16(σ2AA) +

1/64(σ2AAA ). Portanto, a correlação genética é obtida por:

YX

XYA

COVr

varvar=

onde cov e var denotam covariância e variância respectivamente.

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S

A relação entre pai e filho também pode ser usada para estimar a correlação genética. Para estimar a herdabilidade de uma característica usando a semelhança entre pai e filho, computa-se a covariância entre pai e filho para a característica tomando-se o produto entre do valor do pai (ou da média dos pais) e o valor médio dos filhos. Para estimar a correlação genética entre duas características computa-se o que poderia ser chamada de “covariância cruzada”, obtida pela multiplicação entre o valor de X no pai (ou média dos pais) e de Y nos filhos. Esta covariância cruzada é a metade da covariância genética entre as duas características, isto é, ½covA. As covariâncias entre pai e filho para cada uma das características separadamente também são necessárias, e a correlação genética é dada por:

YYXX

XYA

COVCOV

COVr =

onde: cov XY é a covariância cruzada; covXX é a covariância pai-filho para a característica X; covYY é a covariância pai-filho para a característica Y.

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T

2. ESTIMAÇÃO DO VALOR GENÉTICO Introdução O primeiro passo de qualquer programa de melhoramento consiste em identificar o valor ou o mérito genético de cada animal para o caráter ou para os caracteres a serem aprimorados. O valor genético é definido separadamente para cada caráter. Assim uma vaca pode ter um elevado mérito genético para produção de leite, mas, ao mesmo tempo, um baixo mérito genético para o teor de gordura do leite. Como os genes que controlam caracteres quantitativos não podem ser conhecidos diretamente, os procedimentos para se estimar valores genéticos devem utilizar fontes de informação indireta sobre o genótipo de cada animal. Independentemente de qual seja a fonte de informação, ela é sempre baseada em valores fenotípicos. Fontes de informação sobre o valor genético Existem quatro fontes básicas que podem fornecer informações sobre o mérito genético de um animal. Estas são: (1) o fenótipo do próprio animal; (2) os fenótipos da progênie; (3) os fenótipos dos ancestrais; e, (4) os fenótipos de parentes colaterais. A Figura 2 mostra como cada uma dessas fontes de informação se relaciona com o mérito genético do animal de interesse.

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U

h 0,5 h 0,5 0,5 h 0,5 0,5 0,5 0,5 h h h

Figura 2 - Fontes de informação para estimar o valor genético de um animal.

Genótipo de uma filha

Genótipo de um animal

Genótipo De uma filha

Genótipo de um pai

Genótipo de uma mãe

Genótipo de uma irmã

Genótipo de uma filha

Fenótipo de uma

filha

Fenótipo de uma

irmã

Fenótipo do animal

Fenótipo de uma

irmã

Fenótipo da mãe

Fenótipo de uma

filha

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V

Na Figura 2, em todos os casos onde uma linha conecta dois valores genéticos ou um valor genético e um fenótipo, há uma relação direta. As linhas indicam os fluxos de influência biológica. A seta em cada linha indica a direção segundo a qual a influência é exercida. Cada fluxo tem um valor que define o grau de relacionamento. Assim a relação entre o valor genético do pai e o valor genético do animal é 0,5, indicando que pai e filho têm uma relação de 50%. O fluxo entre o valor genético do animal e seu próprio fenótipo é dado por h onde h representa a raiz quadrada do coeficiente de herdabilidade. Estas quatro fontes de informação e como cada uma se relaciona com o valor genético do animal serão discutidas separadamente a seguir. Nesta discussão, a precisão com que cada fenótipo é conhecido será ignorada. Obviamente, existem caracteres para os quais certos indivíduos não possuem fenótipo. Por exemplo, um touro não tem fenótipo para produção de leite. O fenótipo do animal Como indicado no diagrama, a relação entre o fenótipo de um animal e seu próprio genótipo é dada pela raiz quadrada do coeficiente de herdabilidade. Assim sendo, quanto maior for o coeficiente de herdabilidade do caráter, mais valor terá o fenótipo do animal como estimador do correspondente genótipo. Consequentemente, quanto mais alta for a herdabilidade, menos razão haverá para se considerar fontes de informação outras que não o fenótipo do próprio animal. Para o caso de touros leiteiros, que não possuem fenótipo para produção de leite, o genótipo só pode ser estimado utilizando-se fontes de informação indiretas como os fenótipos das filhas ou dos ancestrais. O fenótipo da progênie Cada progênie contém uma amostra de 50% dos genes do animal. Entretanto, dada a natureza aleatória da transmissão hereditária, nunca se sabe quais genes foram transmitidos a uma progênie particular nem o valor genético da amostra transmitida. Portanto, quanto maior for o número de progênies disponíveis com fenótipos conhecidos maior será o valor da fonte de informação como auxílio à estimação do valor genético do animal. A relação entre o fenótipo de uma progênie e o genótipo de um animal é 0,5h, indicando que quando existem duas ou mais passagens entre a fonte de informação e o genótipo sendo estimado, o valor total da relação será dada pelo produto dos valores das relações envolvidas. Nesse caso, a relação entre o fenótipo da progênie e seu genótipo é h e entre o genótipo da progênie e o genótipo do animal é 0,5, donde o resultado final da relação é 0,5h. Quando existirem duas progênies, o valor da relação entre a média de seus fenótipos e o valor genético do animal será 2(0,5h), ou seja, h. Ancestrais

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W

A terceira fonte de informação sobre o genótipo de um indivíduo está em seus ancestrais. O cálculo da relação entre o genótipo do animal e as fontes representadas pelos ancestrais é feito como nos casos anteriores, isto é, multiplicando-se os valores encontrados em cada passagem entre a fonte de informação e o genótipo de interesse. Por exemplo, a relação entre o fenótipo da mãe e o genótipo do animal é dada por 0,5h. Note-se que neste caso as passagens que foram percorridas não exerciam influência biológica na mesma direção, como era o caso nos exemplos anteriores. Partindo-se do fenótipo da mãe, a primeira passagem (h) foi percorrida contra o sentido da influência biológica. Depois, a passagem (0,5), entre o genótipo da mãe e o do animal, foi percorrida no sentido do fluxo de influência. Isto demonstra o princípio de que é permitido mudar o sentido da influência biológica, uma vez, quando percorrendo uma seqüência de passagens. Entretanto, tal mudança só pode ser feita numa fonte que está exercendo influência em múltiplas direções. A única maneira segundo a qual essa mudança faria sentido biologicamente seria quando a fonte de variação fosse percorrida contra o sentido da influência biológica. Em outras palavras, o valor genético do pai não pode ser estimado partindo-se do valor genético da mãe no sentido da influência biológica até o valor genético do animal e, depois, contra o sentido da influência biológica até o valor genético do pai, pois o valor genético do animal não exerce qualquer influência biológica sobre os genótipos de seus pais pelo simples fato de que o animal não transmite genes a seus ancestrais. Parentes colaterais ou irmãos Uma quarta fonte de informação sobre o genótipo de um animal é representado pelos parentes colaterais ou irmãos. Um irmão (inteiro ou meio-irmão) é um animal relacionado a outro através de ancestrais comuns. Quando irmãos inteiros são usados para estimar o valor genético de um animal um novo princípio é introduzido. Existem duas passagens distintas indo do fenótipo do irmão ao genótipo do animal. Uma através do genótipo do pai e outra através do genótipo da mãe. O valor total de cada uma dessas passagens é dado, como anteriormente, pelo produto dos valores de cada passagem individual. Após computado o valor total de cada uma dessas passagens, o valor da relação entre a fonte de informação e o genótipo do animal é dado pela soma das duas passagens. Ou seja, o valor total da relação entre o fenótipo de um irmão inteiro e o genótipo do animal é 0,5h. Qualquer fonte de informação usada para estimar o valor genético de um animal poderá ser localizada numa dessas quatro categorias. O uso dessas relações será discutido com mais detalhes posteriormente.

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X

3. MÉTODOS DE MELHORAMENTO Introdução Existem basicamente dois métodos para se orientar os acasalamentos visando a melhoria genética das populações: (1) aumentando a freqüência dos genes reponsáveis pela expressão de genótipos desejáveis, e (2) re-arranjando os genes em combinações genotípicas desejáveis, sem alterar as freqüências gênicas. Na maioria dos casos, o melhoramento genético animal resulta da combinação destes dois métodos. Mudança das freqüências gênicas As três forças capazes de mudar as freqüências gênicas de uma população são: (1) mutação, (2) migração; e (3) seleção. As maneiras como cada uma destas forças atua sobre as freqüências gênicas não serão discutidas neste curso. Entretanto, serão apresentados a seguir os principais aspectos envolvidos na seleção visando o melhoramento de animais domésticos Seleção Em rebanhos de animais domésticos estabilizados, as quantidades de gametes e de indivíduos produzidos excedem os números necessários para manter a população. Ao longo do ciclo de vida, muitos gametas e indivíduos são eliminados e, desse modo, não contribuem com material genético para as gerações futuras. A determinação de quais gametas ou indivíduos sobreviverão e, dentre estes, quais serão os pais da próxima geração, constitui o processo mesmo da seleção. Onde a escolha é determinada pela adaptação das características do gameta ou do indivíduo para sobreviver no ambiente em que terão que viver, a seleção será dita natural. Onde a escolha é determinada pala ação do Homem, dando preferência a animais que apresentem características de seu interesse, a seleção é dita artificial. O objetivo implícito da seleção artificial é mudar, num período compreendido por algumas gerações, as freqüências gênicas na população, de tal modo que os genótipos produzidos tenham as características desejadas pelo criador. Qualquer programa de seleção artificial deve começar pela definição de seu objetivo, tarefa que nem sempre é fácil porque no início o tipo de animal desejado pode nem existir e porque a definição de um objetivo em termos quantitativos nem sempre é possível. Tendo estabelecido o objetivo, o passo seguinte é determinar as características que serão mensuradas e registradas para cada indivíduo da população, as quais serão usadas como critério de seleção. Em muitos casos, as medidas registradas para os animais podem coincidir com os termos estabelecidos para o objetivo, mas em outros casos, as medidas usadas para fins de seleção representam uma avaliação indireta do objetivo da seleção. Assim, se o objetivo é selecionar animais mais pesados, os candidatos à seleção podem ser pesados com relativa

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Y

facilidade e seus pesos podem ser usados como critério de seleção. Entretanto, se o objetivo é selecionar um animal que produza mais tecido muscular, a medida a ser usada na seleção será uma medida indireta porque a composição da carcaça só será conhecida após o abate. Nesse caso, o peso do animal em combinação com alguma mensuração da camada de gordura sobre o músculo Longissimus dorsi, determinada in vivo por meio de ultra-sonografia, se constituem num critério indireto de seleção. Os princípios que devem nortear a escolha dos critérios de seleção podem ser assim resumidos: 1. ter estreita relação com o objetivo da seleção; 2. ser mensurado de maneira fácil, rápida e econômica; 3. permitir sua mensuração no animal jovem, preferencialmente antes da maturidade sexual e de preferência nos dois sexos. Diferencial de seleção A seleção artificial é a escolha de alguns indivíduos, dentre os muitos que estão disponíveis, para serem pais da próxima geração. Todos os candidatos devem ser avaliados para o critério de seleção e aqueles cujas medidas mais se aproximam dos objetivos da seleção são selecionados enquanto os remanescentes são descartados. A diferença entre o valor médio do critério de seleção dos indivíduos selecionados (Ps) e a média do rebanho, antes da seleção (Pu), é denominada diferencial de seleção e denotada por DS. Na suposição de que a característica sob seleção se distribui segundo a curva normal, pode-se calcular a relação entre a proporção selecionada e o diferencial de seleção dividindo-se o diferencial de seleção pelo desvio padrão da distribuição dos fenótipos. Esta relação, dada por

PP

DSPuPs

σσ=−

é denominada intensidade de seleção em unidades de desvio padrão e denotada pela letra i. A intensidade de seleção, i, depende somente da proporção da população incluída no grupo selecionado e, desde que a distribuição dos valores fenotípicos seja normal, ela pode ser determinada a partir de tabelas das propriedades da distribuição normal. Se p denota a proporção selecionada, isto é, a proporção de indivíduos situados além do ponto de truncamento, e z a altura da ordenada nesse ponto, então, com base nas propriedades da curva normal, tem-se:

p

zi

DS

P

==σ

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Z

Portanto, dada somente a proporção selecionada, p, pode-se dizer de quantas unidades de desvio padrão o grupo selecionado excede a média da população, ou seja, pode-se dizer qual a intensidade de seleção i. Recordando que herdabilidade é a regressão do valor genético aditivo sobre o valor fenotípico e que o valor genético aditivo de uma progênie é a metade da soma dos valores genéticos aditivos dos dois pais, o valor genético aditivo, e portanto o valor fenotípico Po da progênie pode ser predito pelo produto da média dos valores fenotípicos dos pais pela herdabilidade. Na suposição de que não há mudança ambiental de uma geração para a seguinte, o valor fenotípico da progênie será:

Po = (Ps-Pu)h2 + Pu ou seja, o ganho genético predito, ∆G, para uma geração de seleção pode ser representado por:

∆G = Po - Pu = (Ps-Pu)h2 - DSh2 = iσph2

Assim, conhecendo-se a herdabilidade, o desvio padrão da distribuição dos valores fenotípicos e escolhendo-se uma dada proporção da população como indivíduos selecionados, é possível predizer a média dos valores fenotípicos da progênie. Na prática, o ganho genético efetivamente alcançado pode ser mensurado. Tomando-se esse ganho efetivo, RS (resposta à seleção), a fórmula acima pode ser rescrita da seguinte maneira:

P

Ri

RSh

σ=2

em que h2

R é a herdabilidade realizada. Por várias razões, a herdabilidade realizada geralmente difere, embora não muito, da herdabilidade estimada a partir de dados da população antes da seleção. Deve-se observar que as equações da resposta à seleção fornecem o ganho genético por geração. Entretanto, o intervalo de gerações, t (a idade média dos pais quando nascem os filhos que serão os pais da próxima geração) varia consideravelmente entre espécies e entre diferentes programas de seleção. Ao melhorista, interessa mais o ganho genético por unidade de tempo, de modo que uma fórmula mais adequada para aferir o ganho genético é:

∆G por ano =t

hi P2σ

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AA

Em todas as importantes espécies de animais domésticos, devido à diferença de taxa reprodutiva entre os sexos, a intensidade de seleção aplicada aos machos é maior do que a que é possível aplicar nas fêmeas. Por exemplo, através da inseminação artificial, é possível acasalar um touro com mais de 30 000 vacas por ano. Assim sendo, uma pequena fração de todos os machos nascidos, talvez 1/10 000, deva ser selecionada para reproduzir a população. Por outro lado, entre a metade e dois terços das fêmeas nascidas têm que ser mantidos para manter a população. Além disso, o intervalo de geração pode ser diferente entre machos e fêmeas dependendo do programa de seleção. Para levar em conta essas diferenças, a equação de predição do ganho genético torna-se:

∆G por ano 2ht

i

t

iP

f

f

m

m σ

+=

em que im e i f referem-se às intensidades de seleção dos machos e das fêmeas, respectivamente, e tm e tf aos intervalos de geração dos machos e das fêmeas respectivamente. Modalidades de Seleção A discussão precedente se aplica à seleção chamada individual, massal ou fenotípica. Basicamente essa modalidade envolve a mensuração ou o teste de desempenho dos indivíduos que são candidatos a pais da próxima geração, seguindo-se a seleção daqueles cujas medidas ou cujos desempenhos mais se aproximam do critério estabelecido pelo objetivo da seleção. A seleção massal é apropriada para características com herdabilidade entre 0,25 e 1,00 e que podem ser medidas com relativa facilidade em ambos os sexos. Por várias razões, existem casos onde outras modalidades de seleção se apresentam mais apropriados. As modalidades alternativas envolvem a seleção baseada no desempenho de parentes dos candidatos à seleção. Esses parentes podem ser de três tipos, a saber: ancestrais, parentes colaterais como meio-irmãos, irmãos inteiros ou primos, e, finalmente, os filhos (progênies). As modalidades de seleção baseadas nesses parentes denominam-se, respectivamente, seleção genealógica ou pelo pedigree, seleção pela família e seleção pelo teste de progênie. Seleção genealógica Quando informações sobre o desempenho de ascendentes dos candidatos à seleção são disponíveis, as mesmas podem ser usadas na seleção. Quando a seleção baseia-se no fenótipo de um só ascendente, o ganho genético para uma geração de seleção será:

∆G = ibAiPjσp onde:

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BB

bAiPj = regressão do valor genético, A, do indivíduo i sobre o fenótipo de seu ascendente Pj bAiPj = h2 x 2rij 2rij = Rij = coeficiente de parentesco entre o indivíduo e o ascendente. No caso de o ascendente ser pai ou mãe, Rij= 1/2. Quando se trata de parentesco entre avô e neto, Rij= 1/4. Os ganhos genéticos serão, respectivamente, ∆G =1/2ih2σp, quando a seleção é baseada na informação de um dos pais, e ∆G =1/4ih2σp, quando baseada na informação de avós. A eficiência da seleção genealógica em relação à seleção individual é dada por:

E = Rij Quando se usa a média de n observações do ascendente, a eficiência aumenta para:

E = Rij[n/(1+(n-1)r)]1/2 onde: r = repetibilidade da característica. A expressão indica que a seleção genealógica é mais eficiente quanto maior for o grau de parentesco entre o indivíduo e o ascendente e quanto maior o número de informações do ascendente. Seleção com base em informações de parentes colaterais Entre os parentes colaterais mais comuns, estão os irmãos, primos, tios etc. Na seleção baseada na informação de irmãos, os candidatos são escolhidos ou eliminados de acordo com a média fenotípica de seus meio irmãos ou de irmãos inteiros. Podem existir dois casos, que resultam em diferentes ganhos genéticos. No primeiro, o indivíduo candidato à seleção é incluído na média, enquanto no outro caso, o indivíduo selecionado não é incluído na média. Como exemplo de seleção em que o valor do indivíduo é incluído na média, pode-se considerar o ganho de peso e a eficiência alimentar quando os irmãos são alimentados em grupo. O ganho genético proporcionado pela seleção de grupos de melhor desempenho é:

∆G = ih2σp[(1+ (n-1)Rij)/(n{1+(n-1)t})1/2] onde: i = intensidade de seleção;

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CC

σp = desvio padrão da distribuição de valores fenotípicos; h2 = herdabilidade; n = número de irmãos no grupo; Rij = coeficiente de parentesco entre meio-irmãos (1/4) ou entre irmãos inteiros (1/2); e, t = correlação entre os valores fenotípicos dos indivíduos do grupo.

t = Rij(σ2A + σ2

c)/σ2P

A eficiência da seleção baseada em irmãos em relação à seleção individual é:

E = [1 + (n-1)Rij]/[1 + (n-1)tn]1/2 Como exemplo de seleção com base em irmãos, sem que o valor do indivíduo selecionado seja incluído na média do grupo, pode-se considerar a seleção para certas características de carcaça quando os dados de indivíduos abatidos são usados como informação para a seleção de seus irmãos. Nesse caso o ganho genético será dado por:

∆G = ih2σp[n´Rij/(n´{1+(n´-1)t})1/2] onde: n ́= número de irmãos do indivíduo escolhido; Rij = coeficiente de parentesco entre o indivíduo escolhido e qualquer outro do grupo [meio-irmão (1/4) irmão inteiro (1/2)]; e, t = correlação entre os valores fenotípicos dos indivíduos do grupo. Nesse caso, a eficiência em relação à seleção individual será:

E = (Rij)[n´/{1+(n´-1)t]1/2 Seleção pelo teste de progênie O teste de progênie é um critério de seleção segundo o qual o valor genético aditivo de um animal é estimado com base na média dos valores fenotípicos de seus filhos. A aplicação desse critério é necessária quando os objetivos da seleção envolvem características que só se expressam num dos sexos, como produção de leite, ou que exigem o sacrifício do animal para serem mensuradas, como certas medidas de carcaça. O teste de progênie se presta ainda na seleção para características de baixa herdabilidade, pois a herdabilidade efetiva aumenta com o aumento do número de filhos em teste.

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DD

A estruturação de um teste de progênie deve obrigatoriamente considerar dois aspectos: 1) a capacidade física que vai estabelecer o número de progênies de touros em teste que poderá ser avaliado em cada geração, e 2) o número de touros a ser selecionado em cada geração. As fontes de erros que devem ser consideradas na execução de um teste de progênie em rebanhos bovinos são as seguintes: 1. Fatores de variação que atuam ao acaso (erros devidos a esses fatores podem ser eliminados aumentando-se o número de filhos por touro); 1.1. Variação genética entre filhos de um mesmo touro resultante da segregação mendeliana; 1.2. Erros de mensuração aleatoriamente distribuídos nos registros de desempenho. 2. Erros sistemáticos (esses erros, em grande parte, podem ser eliminados por fatores de correção ou pelo uso de dados comparáveis). 2.1. Efeitos da idade das mães sobre características como peso dos bezerros à desmama; 2.2. Efeitos resultantes de acasalamentos preferencias, ou seja, quando as mães dos filhos de um determinado touro não constituem uma amostra retirada aleatoriamente da população. 2.3. Diferenças ambientais sistematicamente distribuídas entre grupos de filhos pelo fato de terem registrado seus desempenhos em diferentes épocas ou rebanhos. Se as mães dos filhos dos touros objeto do teste de progênie constituem um grupo aleatoriamente retirado da população, os méritos ou valores genéticos aditivos dos touros podem ser estimados pela fórmula:

Âi = 2b(Fi - R) Em que: Âi é a estimativa do valor genético aditivo do touro i; Fi é a média de desempenho das progênies do touro i; R é a média do rebanho onde e quando os filhos do touro i registraram seus desempenhos; b é o coeficiente de regressão do valor genético aditivo do touro i sobre a média de desempenho de suas progênies. O valor de b depende da herdabilidade da característica e do número de filhos testados e é dado por:

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EE

4)1(1

25,02

2

hn

hb

−+=

em que: h2 é a herdabilidade da característica; n é o número de filhos do touro. Quando, além de causas genéticas, existirem causas ambientais responsáveis por similaridades entre filhos de um mesmo touro e a correlação devida a essas causa é representada por c2, a regressão do valor genético aditivo do touro sobre a média fenotípica de n filhos é dada por:

22

2

25,0)1(14

chn

nh

b+−+

=

Basicamente, os vários métodos de avaliação de touros usam diferentes enfoques para calcular b e/ou para estimar (Fi - R). O objetivo comum a todos os métodos de avaliação de touros é estimar a “superioridade das progênies” de modo que um touro possa ser comparado com outro. Isto eqüivale a estimar a diferença entre a metade dos valores genéticos aditivos dos dois touros. Nos sumários das raças esse valor é chamado “diferença esperada da progênie” (DEP) que pode ser definida como a diferença esperada entre a média de desempenho dos filhos de um determinado touro e a média das progênies dos demais touros em rebanhos cuja média é igual à média da raça. Alguns dos métodos de avaliação de touros, como o das comparações com as companheiras de rebanho, o das comparações com grupos contemporâneos e o das diferenças cumulativas, têm hoje apenas valor histórico. O método de avaliação de touros conhecido pela sigla BLUP (best linear unbiased predictor), que emprega modelos lineares mistos, foi inicialmente adotado no Nordeste dos Estados Unidos para depois se espalhar pelo mundo e tornar-se, durante muito tempo, o mais conhecido e mais confiável método de avaliação do valor genético de animais. Uma síntese deste método pode ser apresentada da seguinte maneira: Suponha-se que o modelo estatístico que descreve o desempenho (lactação, peso etc.) de um indivíduo seja: Yijk = µ + HYSi + Tj + εijk

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FF

Em que: Yijk = registro de desempenho do k-ésimo filho do j-ésimo touro na i-ésima classe de rebanho-estação-ano; µ = média da população; HYSi = efeito fixo da i-ésima classe de rebanho-estação-ano; Tj = efeito aleatório do j-ésimo touro; e, εijk = efeito aleatório peculiar ao desempenho do k-ésimo filho do j-ésimo touro na i-ésima classe de rebanho-estação-ano. Escrevendo-se cada registro de desempenho em termos do modelo acima, forma-se um sistema de equações simultâneas que é resolvido para se estimar o vetor dos efeitos de touro. Após estimados os efeitos dos touros, os valores genéticos podem ser computados pela fórmula:

2

2

)1(4

2

hn

ThnÂ

j

jjj −+

=

em que: Âj = estimativa do valor genético aditivo do j-ésimo touro; nj = número de filhos do j-ésimo touro; h2 = o coeficiente de herdabilidade da característica; e, Tj = o efeito do j-ésimo touro. Na verdade, a avaliação do valor genético de touros usando-se a metodologia BLUP não é tarefa tão simples quanto possa parecer pela breve descrição acima. Este método leva em consideração as relações genéticas entre os touros computadas a partir dos pedigrees dos touros e dos avôs maternos. Isto é feito incorporando-se a matriz de parentesco genético entre os touros à matriz de incidência dos touros por ocasião da formação do sistema de equações acima mencionado. Procedendo dessa maneira, este método melhora a precisão das estimativas, especialmente de touros jovens com menos de 50 filhos. A partir de 1989, começou a ser implementado no Canada e nos Estados Unidos, o método de estimação de valores genéticos através do chamado modelo animal. Hoje, os programas de avaliação de bovinos em andamento nesses dois países e também no Brasil usam este sofisticado método para fornecer estimativas da capacidade de transmissão de animais para vários caracteres como produção de leite, produção de gordura, produção de proteína, conformação, tipo, facilidade de parto, peso, medidas de carcaça e outros. As avaliações através do modelo animal baseiam-se no próprio animal bem como em outros animais sendo avaliados. O método incorpora informação sobre o animal, seus ancestrais e

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GG

suas progênies, levando em conta todas as relações de parentesco genético entre eles. Dessa forma, todos os parentes considerados influenciam a estimativa da capacidade de transmissão do animal assim como o animal influencia as estimativas das capacidades de transmissão de seus parentes. O grau de influência depende da proximidade do parentesco. Filhas, filhos e pais têm mais impacto sobre a avaliação de um animal do que parentes mais distantes como primos e avôs. As principais vantagens do método do modelo animal são: 1. corrige para os efeitos do uso de acasalamentos dirigidos porque leva em conta o mérito genético de ambos os pais; 2. usa informação disponível em todos os membros da família, incluindo progênie e ancestrais; 3. corrige para os efeitos da seleção à medida que ela ocorre ao longo do tempo; e, 4. permite a expressão das provas dos touros bem como dos índices das vacas numa mesma base. Outra característica do método baseado no modelo animal é o fato de que as avaliações genéticas de um animal vão sendo atualizadas ao longo de sua vida à medida que o volume de informações disponíveis vai aumentando. A primeira fonte de informação sobre um animal é derivada de seus ancestrais. Com o passar do tempo, a produção do próprio animal é adicionada ao volume de informações. Posteriormente, informações sobre as progênies são também utilizadas. O resultado é que as estimativas das capacidades de transmissão de animais, obtidas por esta metodologia, são as mais confiáveis que o conhecimento atual pode oferecer. A representação estatística do modelo animal é semelhante àquela usada na avaliação direta de touros, substituindo-se o efeito de touro (Tj) pelo efeito do animal (aj). A matriz de parentesco genético inclui todos os animais e não somente os touros e avôs maternos. O sistema de equações que se forma é muito maior porque ao invés de uma equação para cada touro ele terá uma equação para cada animal. As estimativas dos valores genéticos de cada animal incluído na matriz de parentesco genético são obtidas resolvendo-se o sistema de equações simultâneas acima referido. Características correlacionadas Quando duas características X e Y são geneticamente correlacionadas, a seleção aplicada a uma delas, por exemplo a X, causará também alguma mudança em Y. Qual a magnitude da mudança em Y quando a seleção é aplicada para mudar X? A resposta pode ser obtida a partir do seguinte raciocínio: A resposta da característica X, isto é, a característica sob seleção, é equivalente à média dos valores genéticos dos indivíduos selecionados. A conseqüente resposta

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HH

na característica Y é portanto dada pela regressão do valor genético de Y no valor genético de X. Esta regressão é:

X

Y

X A

AA

A

AYXA r

COVb

σσ

σ==

2)(

A resposta de X, a característica sob seleção é:

RX = ihXσAX Portanto, a resposta de Y é:

RY = (b(A)YX )(RX)= ihXσAX(rA(σAY/σAX)) = ihXrAσAY Ou, substituindo, σAY por ihYσPY, a resposta de Y é:

RY = ihXhYrAσPY Portanto, a resposta de Y (denominada resposta correlacionada), pode ser predita conhecendo-se as herdabilidades das duas características e a correlação genética entre elas. Seleção indireta Define-se como seleção indireta a seleção aplicada a uma característica, chamada característica secundária, quando o objetivo é melhorar outra característica, chamada característica primária. As condições sob as quais a seleção indireta seria vantajosa podem ser deduzidas facilmente. Denote-se por RX a resposta da característica primária e denote-se por CRX a resposta da característica X qquando a seleção é praticada sobre uma característica secundária Y. O mérito da seleção indireta em relação à seleção direta é CRX/RX. Tomam-se a resposta indireta deduzida anteriormente e a resposta direta, também deduzida anteriormente, tem-se:

XX

AYY

AXX

AAYY

X

X

hi

rhi

hi

rhi

R

CR

X

X ==σσ

Pode-se portanto perceber que a seleção indireta só será vantajosa sobre a seleção direta se rAhY for maior que iXhX. Estas duas quantidades são as exatidões dos dois critérios de seleção e a razão indica que a seleção indireta será vantajosa se a característica secundária tiver herdabilidade consideravelmente mais alta que a característica primária e a correlação genética entre ambas for alta.

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II

Existem contudo, situações práticas onde a seleção indireta pode ser preferível à seleção direta. Exemplos: 1. Se a característica desejável (primária) for difícil de medir com precisão. Nesse casso erros de mensuração reduzem a herdabilidade e a resposta será baixa; 2. Se a característica desejável só expressa num sexo, mas a característica secundária se manifesta nos dois. Nesse caso uma intensidade de seleção maior será obtida pela seleção indireta; 3. Se a característica desejável é difícil de medir como eficiência de conversão alimentar. Nesse caso seleção para ganho de peso será vantajoso porque as duas têm alta correlação genética. Seleção simultânea para várias características No melhoramento animal, geralmente procura-se melhorar mais que uma característica ao mesmo tempo. Por exemplo, em bovinos de corte, o melhorista precisa melhorar a taxa de conversão de alimento em peso ao mesmo tempo em que está buscando animais com melhor grau de acabamento de carcaça. No âmbito de um rebanho isolado, existem três maneiras de se selecionar simultaneamente para mais de uma característica. Método contínuo Este procedimento consiste em selecionar para uma característica durante algumas gerações e depois mudar os objetivos da seleção para outra característica, por mais algumas gerações, e assim sucessivamente até contemplar todas as características de interesse. Na prática, o método não é usado porque requer muito tempo até provocar mudanças em todas as características desejáveis, porque geralmente se está interessado em mudanças simultâneas em duas ou mais características e porque as características podem ter correlação genética negativa de sorte que ao se selecionar para a segunda se estará anulando o ganho provocado pela seleção da primeira. Método dos níveis de eliminação independentes Este procedimento consiste em estabelecer níveis de desempenho desejáveis para cada característica de interesse e escolher como pais aqueles indivíduos cujos desempenhos satisfazem simultaneamente a todos esses níveis. Este método é de fácil operação prática e

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JJ

encontra ampla aplicação em situações onde os recursos computacionais são limitados e onde o tempo entre as mensurações e a seleção é curto. Índice de seleção Em sua forma mais simples, a construção de um índice de seleção consiste em combinar os valores fenotípicos de duas ou mais características num só valor (I) para cada indivíduo, de forma que I tenha a maior correlação possível com o valor genético total (T) de cada indivíduo. Na prática, um índice de seleção toma a forma seguinte:

I = b1P1 + b2P2 + ...+ bnPn onde: b1, b2, ..., bn são os fatores de ponderação que devem ser calculados para cada situação; e, P1, P2, Pn são os valores fenotípicos das características sob seleção. Quando os indivíduos são selecionados com base no índice I, espera-se que os mesmos estejam sendo selecionados com base e T, cuja forma seria:

T = a1A1 + a2A2 + ...+ anAn onde: a1, a2, ..., an são os valores econômicos das características; e A1, A2, ..., An, são os valores genéticos aditivos de cada característica. O valor econômico é definido como o aumento em lucro obtido pelo aumento de uma unidade na característica em foco, independentemente das outras características. Na maioria dos casos, a construção de um índice de seleção não é tarefa simples. Para se obter a maior taxa possível de progresso genético para todas as características sob seleção simultânea, é necessário combinar os valores fenotípicos de cada característica de maneira a levar em conta os valores econômicos relativos, as herdabilidades, as variâncias fenotípicas e as correlações genéticas entre essas características. Quando as características são independentes umas das outras e têm aproximadamente as mesmas herdabilidades, ou quando as herdabilidades são desconhecidas, os melhores pesos a serem atribuídos a elas são seus valores econômicos relativos. À medida que o número de características incluídas no índice aumenta, os cálculos se tornam mais complexos e o progresso para cada característica diminui, especialmente nos casos em que as correlações genéticas se opõem à direção da seleção. Os índices de seleção são amplamente usados, mas requerem conhecimento avançado e acesso á computação.

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KK

Exemplo: A construção de um índice de seleção será ilustrada através de um exemplo com apenas duas características: peso à desmama e classificação para tipo à desmama em gado de corte (MILAGRES, 1979). Os parâmetros genéticos usados foram tirados da literatura e os valores econômicos foram estimados. Então: P1 = Peso à desmama; P2 = Classificação de tipo à desmama. V(P1) = 2233 (variância fenotípica de P1); V(P2) = 44 (variância fenotípica de P2); V(A1) = 394 (variância genética aditiva de P1); V(A2) = 14 (variância genética aditiva de P2); cov(P1,P2) = 282 (covariância fenotípica entre P1 e P2); cov(A1,A2) = 51 (covariância genética aditiva entre P1 e P2); a1 = 15 (valor econômico de P1); a2 = 10 (valor econômico de P2). O problema consiste em computar b1 e b2, da equação abaixo.

I = b1P1 + b2P2 O sistema de equações que precisa ser resolvido é o seguinte: b1V(P1) + b2cov(P1,P2) = a1V(A1) + a2cov(A1,A2) b1cov(P1,P2) + b2V(P2) = a1cov(A1,A2) + a2V(A2) Substituindo-se os valores das variâncias e das covariâncias dados acima tem-se: b1(2233) + b2(282) = a1(394) + a2(51) b1(282) + b2(44) = a1(51) + a2(14) Agora substituindo-se também os valores econômicos: b1(2233) + b2(282) = 15(394) + 10(51) b1(282) + b2(44) = 15(51) + 10(14)

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LL

b1(2233) + b2(282) = 6420 b1(282) + b2(44) = 905 b1 = 1,4561 b2 = 11,2360 Assim, o índice é: I = 1,4561P1 + 11,2360P2 Dividindo-se ambos os lados da equação por 1,4561, o índice se simplifica para: I = P1 + 7,72P2

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4. MELHORAMENTO GENÉTICO DE BOVINOS DE CORTE Introdução Juntamente com a adoção de práticas zootécnicas como a controle profilático sanitário, o manejo adequado das pastagens e dos animais e a suplementação alimentar conforme as exigências de cada categoria do rebanho, o melhoramento genético animal também representa uma alternativa através da qual os criadores podem aumentar a produtividade da bovinocultura de corte. Fundamentalmente existem dois métodos que não se excluem mutuamente para promover o melhoramento genético dos rebanhos. O primeiro método é a seleção, que se baseia no aproveitamento da variabilidade genética existente entre animais de uma mesma raça. O outro método procura explorar as diferenças genéticas entre animais de raças diferentes pelo emprego dos sistemas de acasalamentos exogâmicos, dos quais os cruzamentos são exemplo. Segundo TRENKLE e WILLHAM (1977), tanto a variância genética dentro das raças (variância aditiva), como aquela entre raças (em parte variância não-aditiva) são importantes e por isso a combinação da seleção com os cruzamentos representa a melhor maneira de acelerar a taxa de progresso genético. A seleção é um processo lento, mas efetivo, enquanto os cruzamentos proporcionam ganhos mais imediatos, que dependem apenas da caracterização das raças e de seus cruzamentos. Aspectos inerentes ao melhoramento de bovinos de corte Alguns aspectos inerentes à exploração de bovinos para produção de carne devem ser considerados antes de se cogitar do melhoramento per se. Esses aspectos referem-se à interação entre o nível genético dos animais e o ambiente onde os mesmos terão que produzir, à segmentação da atividade em cria e terminação, à relativa importância das características biológicas de interesse do melhoramento, segundo o segmento do sistema de produção, e às correlações genéticas entre essas características. O primeiro e mais importante aspecto a considerar antes de se decidir por uma estratégia de melhoramento de bovinos de corte diz respeito ao fato de que o desempenho de um animal para qualquer característica biológica de interesse para a produção de carne é influenciado pelo seu valor genético e pelo ambiente físico, nutricional, sanitário e sócio-econômico onde o mesmo terá que produzir. Por esta razão, a implementação de qualquer programa para melhorar a produtividade da bovinocultura de corte de uma região ou mesmo de um rebanho isolado deve compatibilizar os recursos genéticos e ambientais sem que um seja enfatizado em detrimento do outro. Sabe-se, por exemplo, que através da seleção para maior velocidade de ganho de peso ou através de cruzamentos com raças pesadas, o tamanho médio de um rebanho de vacas pode ser aumentado rapidamente. Entretanto, esse aumento não se refletirá em maior produtividade a não ser que o ambiente nutricional seja capaz de atender às exigências desses novos animais. Por

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NN

outro lado, o melhoramento dos aspectos nutricionais de uma propriedade não surtirá o efeito desejado se os animais não tiverem o potencial genético para aproveitar a melhor alimentação. Outro importante aspecto a considerar diz respeito à genética dos parâmetros matemáticos da curva de crescimento dos bovinos. Conforme demonstram as análises de FITZHUGH e TAYLOR (1971), a taxa absoluta de crescimento, ou seja, a derivada primeira do peso com respeito à idade, é positivamente correlacionada com o peso à maturidade, ou seja, com o valor assimptótico do peso. Consequentemente, animais cujos ganhos diários durante o crescimento superam a média do rebanho também tendem a ser mais pesados quando adultos. Igualmente, à medida que o potencial genético para ganho de peso ou para peso à maturidade aumenta, os animais tendem a alcançar qualquer grau de maturidade, por exemplo, puberdade, em idades mais avançadas e em pesos mais altos. Como em qualquer idade, os nutrientes necessários para a manutenção do animal são proporcionais ao seu peso vivo, os animais mais pesados têm maiores exigências nutricionais. Assim, se uma vaca de 540 kg de peso vivo é comparada com outra de 360 kg, a primeira, pesando 50% a mais, requer 35% a mais de NDT que a segunda (MADDOX, 1974). Em termos de área de pastagens, onde seriam mantidas 100 vacas de 360 kg, manter-se-iam apenas 65 vacas de 540 kg. Logo, para que as duas alternativas tenham a mesma produtividade, as vacas pesadas devem compensar a defasagem em número com maior taxa de desmame e/ou com maiores pesos à desmama de seus bezerros. Tanto pesquisas apoiadas nos conceitos de sistemas (LONG et al., 1975; GREGORY e CUNDIFF, 1980) como avaliações experimentais (JENKINS e FERREL, 1994) confirmam que algumas fontes de germoplasma podem ser mais apropriadas que outras dependendo das condições do ambiente de produção. O uso de raças ou de cruzamentos com alto potencial de crescimento em rebanhos de cria onde há falta de alimentação terá efeito negativo sobre a produtividade, preponderantemente através de redução na reprodução. Em condições de produção onde a disponibilidade alimentar não limita a reprodução, maior produtividade pode ser obtida usando-se raças ou cruzamentos com elevado potencial de crescimento. A bovinocultura de corte, vista como atividade bio-econômica, compreende duas fases distintas, sendo a cria a fase onde o rebanho cresce em número e a recria/terminação a fase onde o rebanho ganha peso. Dependendo do sistema de produção adotado, principalmente da idade de abate, a fase de cria pode consumir até o dobro da quantidade de nutrientes necessários na recria e terminação dos bezerros por ela produzidos. Assim sendo, programas de melhoramento animal voltados para o aumento da eficiência da cria geralmente resultam em maior impacto sobre a eficiência total do sistema de produção. Outro aspecto que também deve ser levado em conta no melhoramento de bovinos de corte diz respeito à importância relativa das características biológicas de interesse econômico, segundo a fase do sistema de produção. A Tabela 1, idealizada por CARTWRIGHT (1970) apresenta a importância relativa de várias características biológicas segundo a fase do sistema de produção.

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TABELA 1 - IMPORTÂNCIA DE ALGUMAS CARACTERÍSTICAS EM VACAS, TOUROS E NOS NOVILHOS DE CORTE Importância Relativa1 Característica Vaca

(fase de cria) Touro (cria)

Novilho (Terminação)

Alta fertilidade + + 0 Tamanho pequeno + 0 - Puberdade precoce + 0 - Facilidade ao parto + 0 0 Boa produção de leite + 0 0 Adaptabilidade ao ambiente + + 0 Longevidade + 0 0 Docilidade + + + Alta velocidade de ganho de peso - 0 + Alto rendimento de carcaça 0 0 + Maciez e palatabilidade da carne 0 0 + 1 Desejável = +; neutro ou sem grande importância = 0; e, indesejável = -. A Tabela 1 indica que o conjunto de características de maior importância na vaca de cria difere substancialmente do conjunto de características importantes no novilho. Em alguns casos, existe conflito de interesses entre as duas fases. Por exemplo, alta velocidade de ganho de peso é desejável na recria e terminação por associar-se a maior eficiência de utilização de alimentos e a menor tempo para chegar ao peso de abate. Entretanto, como velocidade de ganho de peso correlaciona-se positivamente com peso à maturidade, vacas com maior ganho de peso diário durante o crescimento nem sempre são desejáveis porque serão mais pesadas quando adultas. Diante da discussão precedente, tanto a implementação de programas de seleção, como a adoção de sistemas de cruzamentos devem levar em conta as condições ambientais do sistema de produção e as características biológicas que serão objeto do melhoramento. Seleção de bovinos de corte O aumento da velocidade de ganho de peso tem sido o objetivo explícito da grande maioria dos programas de melhoramento genético de bovinos de corte no Brasil e no Exterior. Entretanto, diante das considerações acima discutidas, CARTWRIGHT (1970) argumenta que tal estratégia desloca a eficiência do processo produtivo para a fase de terminação, mas pode resultar em perda de eficiência na criação, pois implica na manutenção de vacas mais pesadas, com possíveis prejuízos para a eficiência total do sistema de produção. Esse fato resulta do conflito de interesses entre as duas fases da produção quanto à relativa importância das características e da correlação genética positiva entre velocidade de ganho de peso na fase de crescimento do animal e seu peso adulto (FITZHUGH e TAYLOR, 1971).

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PP

Como conseqüência desse argumento, endossado por outros pesquisadores, hoje já é possível encontrar-se, em catálogos de venda de sêmen de certas empresas estrangeiras, anúncios como este que se segue: “curva de crescimento ideal, moderado peso ao nascimento, crescimento explosivo até um ano e moderado tamanho adulto”. Independentemente de existirem ou não animais com as características acima anunciadas, mensagens comerciais como esta denotam mudança de paradigma na seleção de bovinos de corte, admitindo a existência de condições ambientais onde a seleção única e exclusivamente para imprimir maior velocidade de ganho de peso, e aumentar o peso adulto, pode não ser é o melhor critério. De fato, em ambientes onde a disponibilidade de alimentos não supre as necessidades dos animais, aumentar o tamanho pode resultar em pouco, nenhum ou mesmo em adverso efeito sobre a produtividade por acarretar maiores custos de manutenção do rebanho de cria que não serão compensados com maiores índices de fertilidade das vacas nem com maiores pesos de bezerros à desmama. Se esta quebra de paradigma é aceita, pode-se então vislumbrar quatro estratégias de melhoramento de bovinos de corte através da seleção. A primeira é a seleção com base num índice que contemple todas as características biológicas consideradas relevantes pelo criador ou pela associação de criadores. Nesse caso, o progresso genético para o conjunto de todas as características sob seleção será lento por ser função inversa do número de características incluídas no índice e porque poderão existir correlações genéticas negativas entre características, impedindo avanço além de um certo limite. Outra alternativa é a seleção para alterar a forma da curva de crescimento do bovino, de maneira a fazer com que o animal não só ganhe peso rapidamente na fase de crescimento mas também atinja a maturidade num peso mais baixo. Análises genéticas de estimativas dos parâmetros de funções matemáticas usadas para descrever a curva de crescimento dos bovinos (FITZHUGH e TAYLOR, 1971; FITZHUGH 1976; PEROTTO, 1992) indicam a possibilidade teórica de se alterar a arquitetura genética da curva de crescimento de bovinos. Entretanto, a extensão segundo a qual a curva poderia ser alterada geneticamente é limitada, a implementação prática dessa estratégia seria difícil e o intervalo de gerações seria longo. Muitas gerações de seleção seriam necessárias dentro de uma raça para se obter as diferenças extremas hoje existentes, por exemplo, entre uma raça zebuína tardia e uma européia precoce. Existe ainda a possibilidade de que a mudança no formato da curva de crescimento de uma raça bovina se faça acompanhar de mudanças indesejáveis em outras características como, por exemplo, perda de adaptabilidade. Outra estratégia para a seleção de bovinos de corte é o desenvolvimento de linhagens especializadas em características maternais e de outras especializadas em características terminais, dentro das raças hoje existentes. A implementação dessa estratégia demandaria o uso de critérios de seleção diferenciados dentro da mesma raça. Pouco se sabe sobre a viabilidade dessa estratégia, mas certamente as magnitudes das estimativas dos coeficientes de herdabilidade das características apresentadas na Tabela 1 e as correlações genéticas negativas entre características ou entre efeitos genéticos que influenciam uma mesma características asseguram a possibilidade teórica de se obter rápidas mudanças dentro das principais raças de bovinos de corte em exploração no Brasil. Finalmente, a última estratégia de seleção de bovinos de corte consiste em se enfatizar, através da seleção, as qualidades que cada raça já possui, aumentando as diferenças entre raças para

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características maternas versus características paternas, de modo que essas diferenças possam ser exploradas através do fenômeno da complementaridade inerente aos cruzamentos entre raças. Do ponto de vista prático, o melhoramento de bovinos de corte através da seleção envolve uma série de atividade, algumas realizadas no âmbito da fazenda, outras, realizadas por instituições especializadas como centros de pesquisa, universidades ou empresas privadas. No âmbito da fazenda, são essenciais a identificação dos animais e o registro de seus desempenhos. No âmbito das instituições especializadas, destacam-se as análises estatísticas visando a obtenção de estimativas de valores genéticos dos animais para as características objeto da seleção. Independentemente de raça, as principais características que devem constar de um programa de registros de desempenho visando os trabalhos de seleção são: Precocidade sexual; Fertilidade; Habilidade materna (produção de leite e facilidade ao parto); Peso ao nascer, ao desmame, aos 12 e aos 18 meses de idade; Circunferência escrotal aos 12, 18 e 24 meses deidade; Longevidade; e Peso adulto das vacas. Nem todas essa características são medidas diretamente no animal, algumas só se expressam num dos sexos e outras só podem ser mensuradas indiretamente computando-se variáveis a elas relacionadas. Identificando-se cada animal ao nascimento, registrando-se sua genealogia e sua data de nascimento e pesando-se todos os animais periodicamente para se calcular seus pesos às chamadas idades-padrão, pode-se montar um banco de dados que conterá as informações necessárias ao cômputo das variáveis sobre as quais será aplicada efetivamente a seleção. O controle do desenvolvimento ponderal no âmbito da fazenda deve contemplar uma pesagem do bezerro do decorrer das primeiras 24 horas de vida (indicativa do peso ao nascimento) e pesagens periódicas, preferencialmente de 60 em 60 dias, até que se tenha uma pesagem após os 550 dias de idade do animal. Com essas pesagens, serão calculados, para machos e fêmeas, os pesos às idades-padrão de 205 dias (indicativo do peso à desmama), aos 365 dias (indicativo do peso ao ano) e aos 365 dias (indicativo do peso ao sobre ano). Se, além dessas pesagens, as vacas que permanecerem no rebanho de cria forem pesadas a cada parto, a cada desmame e no início de cada estação (primavera, verão, outono e inverno), essas pesagens poderão ser usadas para traçar a curva de crescimento de cada vaca e finalmente estimar seu peso adulto. Completam o elenco de características avaliadas ao nível da fazenda, as medidas da circunferência escrotal (indicativas da fertilidade do touro), que são calculadas às idades-padrão de 205, 365 e 550 dias.

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Quando um programa de melhoramento transcende os limites de uma fazenda para abranger várias fazendas de uma mesma empresa ou vários rebanhos de uma mesma raça, organizada em associação de criadores, pode-se recorrer às provas de ganho de peso, que consistem em submeter animais da mesma faixa etária (340 a 430 dias de idade no início da prova), oriundos de diversas fazendas, a um período de confinamento, em recinto comum (oficial ou privado), por um período de 154 dias, para se lhes medir a velocidade de ganho de peso. Caso as instalações permitam, pode-se também medir o consumo alimentar. No final da prova, dependendo de um processo de amostragem, alguns animais podem ser abatidos para fins de avaliação de carcaça, permitindo assim a obtenção de estimativas de méritos genéticos de touros em uso, com base no desempenho de suas progênies, ou de futuros touros, com base no desempenho de irmãos (parentes colaterais). É prudente mencionar que a prova de ganho de peso é um instrumento passível de críticas, sendo a principal aquela que diz respeito ao fato de que os animais são avaliados em condições que nem sempre refletem as condições reais de produção. A partir de um programa de registro de desempenho como este aqui detalhado, podem ser computadas as seguintes variáveis: Para as fêmeas: Idade ao primeiro parto (indicativa da precocidade sexual); Intervalo entre partos (indicativo da fertilidade); Habilidade materna mais provável (indicativa da habilidade materna); HMMP = 100 + [(n x 0,4)/(1 + (n-1)x0,4)] x (MFV - 100) onde: HMMP é a habilidade materna mais provável; 100 representa a média do índice de peso calculado à idade de 205 dias, para todo o rebanho; n é o número de filhos da vaca para a qual a HMMP está sendo calculada; MFV é a média do índice de peso calculado aos 205 dias, para os filhos dessa vaca; 0,4 represente a repetibilidade do peso calculado aos 205 dias de idade; e, x denota multiplicação. Índice de precocidade-reprodução e sobrevivência (combina precocidade sexual, fertilidade, instinto materno e grau de imunidade transmitido ao bezerro); IPRS = (IDUP - 365)/(nde +1) onde:

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IPRS é o índice de precocidade reprodução e sobrevivência; IDUP é a idade em dias ao último parto; e, nde é o número de desmames efetivos. Eficiência reprodutiva (indicativa da fertilidade). ER = [(n x 365 + 1030)/(IPP + ΣIEP)] x 100 onde: ER é a eficiência reprodutiva (%); n é o número de intervalos entre partos; 1030 representa a idade ideal ao primeiro parto (dias) IPP é a idade ao primeiro parto (dias); ΣIEP é a soma dos intervalos entre partos (dias); Para os machos Peso ao nascimento; Peso ao desmame; PCD = {[(POD - PN)/ID] x 210} + PN onde: PCD é o peso corrigido à desmama (210 dias); POD é o peso observado à desmama; ID é a idade à desmama; e, PN é o peso ao nascimento. Peso aos 12 meses; PC365 = {[(PO365 - PN)/I365] x 365} + PN onde: PC365 é o peso corrigido para a idade de 365 dias; PO365 é o peso observado ao ano; I365 é a idade em que o peso ao ano foi registrado; e, PN é o peso ao nascimento.

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TT

Peso aos 18 meses; {[(PO550 - PN)/I550] x 550} + PN onde: PC550 é o peso corrigido para a idade de 550 dias; PO550 é o peso observado ao sobreano; I550 é a idade em que o peso ao sobreano foi registrado; e, PN é o peso ao nascimento. Interpretação e uso das informações contidas nos sumários das raças O melhoramento genético de um rebanho pode ser feito também a partir da introdução de material genético selecionado e disponível no mercado através das empresas que comercializam sêmen bovino. Nesse caso, a escolha do sêmen a ser usado deve ser feita com base nas características que se pretende melhorar no rebanho objeto do melhoramento. A correta interpretação das informações contidas nos sumários é importante. Embora existam pequenas diferenças entre sumários no que se refere à forma de apresentação das informações bem como na quantidade de informações que são fornecidas, alguns itens são imprescindíveis e comuns a praticamente todos os sumários. As principais partes componentes de um sumário de touros são as seguintes: 1. Desempenho Individual É um quadro que apresenta os dados do próprio touro para aos pesos ao nascimento, 205 dias (desmama), 365 dias (ano) e 550 dias (sobreano). Na maioria dos casos, esse item apresenta também os ganhos médios diários (GMDs) registrados pelo animal para os intervalos compreendidos entre as idades-padrão acima definidas. Parta todas essas características, alguns sumários apresentam os índices do reprodutor, que são números indicativos do desvio percentual do animal, em relação à média da raça, para a característica em questão. Assim, um animal com um índice de peso aos 205 dias de 115 indica que seu peso à desmama foi 15% superior à média da raça. É comum também, encontrar-se, nesse item do catálogo, uma referência ao regime alimentar, indicando se os desempenhos do animal foram registrados a pasto, em semi-estabulação ou em estabulação completa. 2. Desempenho Esperado da Progênie (DEP) É o item que condensa o resultado do teste progênie do touro. A DEP de um determinado touro para uma dada característica estima a diferença esperada entre a progênie desse reprodutor e a média de desempenho das progênies contemporâneas de todos os outros reprodutores avaliados daquela raça. Em outras palavras, a DEP prediz o desempenho de progênies futuras

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UU

com base no desempenho das progênies já avaliadas. De modo geral, os catálogos apresentam DEPs para peso ao nascer, peso à desmama, peso ao ano, peso ao sobreano, perímetro escrotal, peso de carcaça, área de olho de lombo, marmorização, gordura da carcaça, rendimento de cortes nobres, duração da gestação e facilidade ao parto. Para algumas características, como peso à desmama e facilidade ao parto, os catálogos apresentam as DEPs para efeitos diretos e as DEPs para efeitos maternos. Por exemplo, a DEP de um touro de corte para “leite” indica a diferença esperada entre o peso à desmama dos bezerros das filhas de um determinado touro e a média dos pesos à desmama dos bezerros das filhas dos demais touros avaliados pela raça. A DEP materna para facilidade ao parto indica a diferença percentual de partos não assistidos das filhas de um determinado touro e os partos não assistidos das filhas dos outros touros. Associada a cada DEP, os sumários trazem uma medida da exatidão da seleção, ou seja, do grau de confiabilidade da estimativa. Esta medida é expressa pelo termo “acurácia”, que varia de zero a 1,00, sendo que quanto mais próxima da unidade, maior será a confiança que se pode depositar na avaliação do animal. É importante salientar que as DEPs não são medidas absolutas, mas que variam para cada indivíduo em função da quantidade de informação (número de progênies avaliadas e número de rebanhos onde as progênies se distribuem) disponível e do nível genético dos contemporâneas. 3. Medidas Corporais do Reprodutor Neste item são informadas as principais medidas anatômicas do reprodutor juntamente com as idades em que as mesmas foram avaliadas. Dentre essas medidas destacam-se: comprimento do corpo, profundidade torácica, perímetro torácico, altura da garupa, comprimento da garupa, largura da garupa, distância dos ísquios, ângulo da garupa, perímetro escrotal. Cruzamentos na bovinocultura de corte Outra alternativa de melhoramento genético de bovinos de corte é utilização de cruzamentos entre raças visando a exploração das diferenças raciais bem como dos fenômenos da heterose e da complementaridade. Através dos cruzamentos é possível chegar-se a uma compatibilização entre o genótipo do animal para peso e tamanho e as demandas da fase do processo produtivo onde o mesmo vai ser utilizado (GREGORY, 1961; CARTWRIGHT, 1970). Além disso, a resposta resultante da adoção de cruzamentos se faz notar muito mais rapidamente do que aquela da seleção. O cruzamento nada mais é do que um exemplo extremo de acasalamentos exogâmicos onde são acasalados indivíduos de diferentes raças ou linhagens. Na bovinocultura, a prática do cruzamento tem sido utilizada com três diferentes finalidades:

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VV

1. Substituição de germoplasma; 2. Implementação de esquemas sistemáticos de cruzamentos; e, 3. Formação de raças sintéticas. A substituição de germoplasma é mais comumente conhecida pelo nome de absorção. Consiste em se cruzar inicialmente touros de uma raça exótica que se pretende introduzir numa determinada região com vacas da raça ou população local que se pretende absorver. O processo tem continuidade pelo acasalamento de touros da mesma raça exótica com as fêmeas das sucessivas gerações mestiças ("meio-sangue", 3/4, 7/8, 15/16 etc.) que vão surgindo ao longo do tempo. Trata-se de uma estratégia de melhoramento animal indicada quando as diferenças entre os méritos genéticos das raças envolvidas, para o conjunto das característica de interesse, são grandes e a raça exótica não apresenta problemas quanto à adaptação às condições ambientais da região onde a mesma será introduzida. Um exemplo bem sucedido de substituição de germoplasma é a absorção das populações de gado leiteiro pela raça Holandesa (McALLISTER, 1986), processo que está em marcha em vários países do mundo, inclusive no Brasil. Por outro lado, as várias tentativas de absorção da raça Caracú por raças européias (Charolês, Hereford e outras) no extremo sul do Estado do Paraná, mais especificamente em Palmas, não lograram sucesso (MARIANTE, 1993), tanto que o Caracú sobreviveu como raça nativa e hoje, após ser considerada raça extinta, encontra-se em grande expansão, tendo como principal mercado os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, onde é usado como raça de touro em cruzamentos com vacas zebuínas. A formação de raças sintéticas é um processo bastante complexo, tanto em seus aspectos teóricos como no tocante ao tempo e ao volume de recursos demandados. Resume-se em fazer cruzamentos iniciais entre as raças envolvidas até atingir-se um predeterminado "grau de sangue" ou composição racial para posteriormente dar-se continuidade ao trabalho através do inter-acasalamento dos mestiços que possuem esse "grau de sangue" desejado. Recomenda-se a formação de raças sintéticas quando não há perda de vigor híbrido nas gerações avançadas de cruzamentos ou quando se pretende unir características desejáveis de duas ou mais raças numa só população. Pelas dificuldades inerentes a esta estratégia de melhoramento, a formação de novas raças é trabalho geralmente circunscrito ao âmbito de instituições oficiais ou de grandes empresas agropecuárias. São exemplos de raças sintéticas formadas no Brasil o Canchim (5/8 Charolês x 3/8 Zebu), o Ibagé (5/8 Aberdeen Angus x 3/8 Nelore) e o Pitangueiras (5/8 Red Poll x 3/8 Guzerá). Os esquemas sistemáticos de cruzamentos visam principalmente a exploração dos fenômenos da heterose e da complementaridade. Para melhor entender esses fenômenos, faz-se necessária uma breve exposição das bases genéticas do desempenho de animais cruzados. Denotando-se por PX o fenótipo ou o desempenho do animal X para uma característica influenciada pelos efeitos direto e materno, pode-se escrever:

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WW

PX = PX

I + PWM

onde: PX

I é o fenótipo do indivíduo X (componente direto) e PW

M é o fenótipo da mãe do indivíduo X (componente materno). Os componentes PX

I e PWM podem ser desdobrados segundo os termos genético e ambiental

conforme indicado a seguir:

PXI = GX

I + EXI

PW

M = GWM + EW

M. onde: GX

I é o valor genotípico de X para o efeito direto; EX

I é o efeito ambiental sobre PXI;

GWM é o valor genotípico de W para o efeito materno; e,

EWM é o efeito ambiental sobre PW

M. Mais adiante, os componentes GX

I e GWM podem também ser desdobrados segundo os

possíveis efeitos genéticos que os compõem em:

GXI = AX

I + DXI + (IX

I)

GWM = AW

M + DWM + (IW

M) onde: A representa os efeitos genéticos aditivos; D representa os efeitos genéticos da dominância; e, I representa os efeitos genéticos epistáticos. Como os efeitos epistáticos geralmente são ignorados, a equação que representa o fenótipo, ou o desempenho de um animal, X, pode ser rescrita da seguinte maneira:

PX = AXI + DX

I + EXI + AW

M + DWM + EW

M.

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XX

Esta equação que representa o desempenho individual pode ser estendida para representar a média de um grupo de animais da mesma raça. Ignorando-se EX

I e EWM, a média de uma dada raça, i, pode ser assim representada:

Pi = Ai

I + DiI + Ai

M + DiM.

De maneira análoga, a média de outra raça, j, pode ser escrita assim:

Pj = AjI + Dj

I + AjM + Dj

M. A média dessas duas raças

(Pi + Pj)/2 = 1/2(Pi + Pj) pode ser escrita por extenso da seguinte forma:

(Pi + Pj)/2 = 1/2(AiI + Ai

M + DiI + Di

M + AjI + Aj

M + DjI + Dj

M), ou ainda como:.

1/2(Pi + Pj)=1/2(AiI + Aj

I)+ 1/2(DiI + Dj

I) + 1/2(AiM + Aj

M) + 1/2(DiM + Dj

M). Se os efeitos não-aditivos são desprezados, a média se reduz a:

1/2(Pi + Pj) = 1/2(AiI + Ai

M) + 1/2(AjI + Aj

M). Esta média é a base para se aferir se há ganho genético através do cruzamento. Como já foi salientado anteriormente, esse ganho genético, ou seja, os benefícios advindos do cruzamento, pode ser atribuído aos fenômenos da complementaridade e da heterose: Complementaridade Desconsiderando-se os efeitos genéticos não-aditivos e supondo-se, por exemplo, que Aj

M > AiM,

a média de desempenho do cruzamento touro da raça i x vaca da raça j é:

Pij = 1/2(AiI + Aj

I) + AjM.

A superioridade desse cruzamento, em comparação com a média das duas raças, é:

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YY

Pij - 1/2(Pi + Pj) = 1/2(Ai

I + AjI) + Aj

M - [1/2(AiI + Aj

I) + 1/2(AiM + Aj

M)], ou seja:

∆AM = AjM - 1/2Ai

M - 1/2AjM = 1/2Aj

M - 1/2AiM

∆AM = 1/2(Aj

M - AiM).

Isto é, a diferença entre as duas raças quanto ao mérito genético para desempenho materno pode ser explorada pela escolha apropriada da raça paterna, i, e da raça materna, j. Esta diferença é a base do fenômeno da complementaridade. Heterose Considerando-se agora os efeitos da dominância em maior profundidade, a média dos recíprocos: Pij e Pji é:

Pij = 1/2(AiI + Aj

I) + AjM + Dij

I

Pij = 1/2(AiI + Aj

I) + AiM + Dij

I _______________________________________________________

1/2(Pij + Pij) = 1/2(Ai

I + AjI) + 1/2(Aj

M + AiM) + Dij

I E a diferença

1/2(Pij + Pij) - 1/2(Pi + Pj) é:

1/2(AiI + Aj

I) + 1/2(AjM + Ai

M) + DijI - [(1/2(Ai

I + AjI) + 1/2(Aj

M + AiM) + 1/2(Di

I + DjI)].

Que pode ser simplificada para:

HijI = Dij

I - 1/2(DiI + Dj

I) onde:

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ZZ

Dij

I denota o efeito da dominância em animais cruzados; e, Hij

I denota a heterose para o componente direto. Esta heterose resulta do aumento da heterozigose em animais oriundos do cruzamento entre raças geneticamente divergentes. Nesse caso a heterose é atribuída somente aos efeitos da dominância, mas pode também ocorrer heterose devida aos efeitos epistáticos. Quando as mães usadas no cruzamento são elas mesmas animais cruzados, pode-se, da mesma maneira, definir heterose para o componente materno:

HijM = Dij

M - 1/2(DiM + Dj

M) Portanto, os três parâmetros básicos do cruzamento são: ∆AM, HI e HM. Além desses, podem ser visualizados parâmetros para representar as perdas de combinações epistáticas favoráveis presentes nas raças paternas bem como para representar a heterose paterna.

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AAA

Na prática, o termo heterose, cuja base genética foi detalhada acima, define o montante pelo qual a média dos F1's ("meio-sangues") excede a média das raças paternas para características específicas como fertilidade, viabilidade, velocidade de crescimento, longevidade etc. Geralmente a resposta heterótica é mais acentuada para características de baixa herdabilidade, ou seja, que não respondem prontamente à seleção, como aquelas determinantes do desempenho reprodutivo, e menos acentuada para características de alta herdabilidade, ou seja, que respondem prontamente à seleção, como ganho de peso em confinamento e rendimento de carcaça. A heterose é também mais marcante quando o cruzamento envolve raças geneticamente distantes, como Red Angus e Nelore e menos marcante quando envolve raças geneticamente mais próximas como Hereford e Aberdeen Angus. Segundo NITTER (1978), dependendo do animal onde é explorada, a heterose pode ser classificada em três tipos a saber: 1. Heterose individual ou direta, que vem a ser qualquer superioridade no desempenho de um indivíduo em relação à média de seus pais, que não possa ser atribuída e efeitos maternos, paternos ou ligados ao sexo. É a heterose comumente definida pela equação

onde: H representa a heterose expressa percentualmente: MC representa a média dos cruzados; e, MP representa a média das raças paternas. 2. Heterose materna, a qual se refere ao melhor desempenho de um animal atribuível ao fato de sua mãe ser cruzada ao invés de pura. 3. Heterose paterna, que diz respeito a qualquer vantagem no desempenho da progênie resultante do uso de touros mestiços em substituição a touros puros. As várias teorias formuladas para explicar as bases genéticas da heterose foram resumidas por SHERIDAN (1981) da seguinte maneira: 1. Teoria da dominância, a qual postula que as raças ou linhagens puras usadas no cruzamento são homozigotas dominantes, para genes favoráveis, em diferentes posições cromossômicas (loci). Como conseqüência, os F1's ("meio-sangue"), por serem heterozigotos, possuem genes favoráveis num maior número de posições cromossômicas que qualquer das raças ou linhagens paternas.

H =MC - MP

MPx100,

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BBB

2. Teoria da sobredominância, que postula a superioridade do heterozigoto sobre qualquer dos homozigotos. 3. Teoria epistática, que advoga ser a heterose um fenômeno resultante de interações não-alélicas, ou seja, interações entre genes situados em diferentes posições cromossômicas. BOWMAN (1974) pondera que provavelmente não existe uma só base genética da heterose, mas que diferentes graus de dominância, inclusive sobredominância, bem como várias formas de epistasia se combinam em diferentes proporções e circunstâncias para resultar na heterose medida pela equação acima. Tanto a teoria como a prática têm demostrado que a heterose é máxima no "meio sangue" (F1). Aproximadamente a metade da heterose exibida pelo F1 é perdida pelo F2 ou pelo "retrocross" (3/4). Uma das grandes vantagens econômicas da heterose é a que resulta de seus efeitos cumulativos sobre dois ou mais atributos biológicos determinantes de caracteres compostos. Em bovinos de corte, por exemplo, pequenas respostas heteróticas na taxa de natalidade, na taxa de sobrevivência e no peso dos bezerros à desmama podem resultar numa heterose de até 50% para o peso de bezerro desmamado por vaca no rebanho (CARTWRIGHT et al., 1964; KOGER et al., 1975). Além disso, os trabalhos do citados autores mostraram que até 60% dessa heterose cumulativa podem ser atribuídos a efeitos heteróticos sobre caracteres maternos. Dessa forma, é sensato afirmar-se que o emprego de cruzamentos em bovinos de corte deve ser orientado pelo objetivo de criar e manter um alto nível de heterose na expressão de caracteres da mãe. Além da exploração da heterose, os cruzamentos sistemáticos permitem também o aproveitamento dos benefícios da complementaridade entre raças. Este conceito foi proposto por CARTWRIGHT (1970) para descrever as diferenças entre esquemas de cruzamentos resultantes da maneira como dois caracteres se combinam ou se complementam. O fenômeno encerra tanto componentes genéticos como ambientais e pode ser definido como o efeito cumulativo das interações entre os fenótipos dos indivíduos (touro, vaca e bezerro) que compõem a unidade de produção em gado de corte. Dessa forma, o fenótipo de interesse passa a ser uma característica do rebanho e não dos indivíduos que o integram. Esquemas sistemáticos de cruzamentos Para qualquer região onde se pretenda iniciar um programa de melhoramento genético de bovinos de corte, existirá sempre um número relativamente grande de critérios de seleção, esquemas de cruzamentos e combinações de raças que poderão, em princípio, ser considerados viáveis. Segundo TRENKLE e WILLHAM (1977), a taxa de progresso genético pode ser maximizada pela seleção dentro das raças seguida do cruzamento entre raças. Isto significa que a

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CCC

seleção e os cruzamentos não são métodos mutuamente exclusivos. Entretanto, ao contrário dos efeitos da seleção, os efeitos dos cruzamentos podem ser explorados prontamente, dependendo apenas da caracterização das raças e da avaliação dos esquemas de cruzamentos considerados potencialmente promissores para a região de interesse. Fundamentalmente existem apenas dois tipos básicos de esquemas sistemáticos de cruzamentos à disposição dos criadores de bovinos de corte a saber: 1. Esquemas específicos ou terminais; e, 2. Esquemas rotacionais. Estes esquemas diferem entre si quanto às expectativas teóricas em termos de exploração da heterose bem como quanto ao aproveitamento da complementaridade. Diferem também quanto certos aspectos operacionais como produção das fêmeas de reposição, percentagem máxima de mestiços no rebanho, necessidade de identificação dos animais, número de divisões de pastos necessárias e tamanho mínimo do rebanho. Estes dois últimos aspectos têm maior importância quando o método de reprodução é baseado na monta livre a campo. Os esquemas específicos podem ser implementados com duas, três ou mesmo com quatro raças. O cruzamento específico entre duas raças, sendo uma paterna (A) e outra materna (B) (Figura 1), tem como principal característica o fato de que tanto os produtos machos como as fêmeas são destinados ao abate. O esquema permite o aproveitamento da heterose individual e da complementaridade em sua plenitude, pois a lógica indica que a raça do touro seria forte em características desejáveis na fase de terminação (ganho de peso e mérito da carcaça) enquanto a raça da vaca deveria ser escolhida com base em características importantes para a fase de cria (fertilidade, habilidade materna, produção de leite e tamanho adulto). Em princípio, a implementação deste esquema deve levar em consideração a necessidade de manutenção de rebanhos puros das duas raças para garantir a reposição de touros da raça paterna e de fêmeas da raça materna. A manutenção desses rebanhos puros implica na produção de excedentes que devem ser contabilizados no cálculo da economicidade do sistema de produção. O uso da inseminação artificial elimina a necessidade de manutenção do rebanho supridor de touros. Da mesma forma, a aquisição de fêmeas de terceiros elimina também a necessidade de se manter o rebanho supridor de ventres. Entretanto, o criador que optar pela aquisição de fêmeas para repor as vacas descartadas estará sempre sujeito às leis de oferta e demanda que regem o funcionamento de qualquer mercado. Exemplos de esquemas específicos com duas raças seriam implementados cruzando-se raças terminais como Limousin, Charolês, Simental ou Marchigiana com vacas Nelore, enviando-se toda a produção de “meios-sangue” (machos e fêmeas) para o abate. A raça Nelore, nesse caso usada como raça materna, não preenche todos os pré-requisitos de tais raças, principalmente no tocante à produção de leite e à precocidade sexual, mas por seu tamanho, sua rusticidade e sua representatividade no Brasil, praticamente não se pode cogitar da utilização de cruzamentos na pecuária de corte brasileira, sem que se inicie com vacas Nelore ou aneloradas desempenhando a função materna. Num sistema onde as fêmeas de reposição fossem produzidas no próprio rebanho, seria aconselhável proceder à primeira cobertura

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DDD

das novilhas Nelore com touros ou com sêmen da própria raça. Tal procedimento diminuiria o risco de partos distócicos que, de outra forma, poderiam ocorrer se essas novilhas fossem cobertas, já no primeiro serviço, por touros de raças pesadas. Em condições ambientais onde não se pode usar a inseminação artificial, esquemas específicos com duas raças ainda podem ser implementados, mas nesse caso a adaptabilidade da raça paterna deve ser cuidadosamente considerada. As principais raças de touro que podem ser usadas para cruzamentos com vacas Nelore a campo são a Canchim, a Caracu e a Brangus. O uso do Canchim ou do Brangus diminui as expectativas teóricas de exploração da heterose enquanto o uso do Caracu diminui a possibilidade de exploração da complementaridade.

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EEE

MACHOS FÊMEAS

AB

MACHOS E FÊMEAS PARA O ABATE

Figura 1 - Esquema de cruzamentos específicos entre duas raças As principais características deste esquema são:

1. A heterozigose do produto AB é máxima; 2. Permite a exploração da complementaridade; e, 3. O produto AB está sujeito a perdas epistáticas.

A X A

A X B

B X B

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FFF

O esquema específico envolvendo três raças (Figura 2) requer inicialmente o acasalamento entre duas das raças envolvidas (B e C) para produzir fêmeas "meio-sangue" que serão acasaladas com touros da terceira raça (A). Pelo menos uma das raças iniciais deve ser forte em características maternas ao passo que a terceira raça deve ser forte em características paternas. A principal característica do esquema reside no fato de que os tri-mestiços, tanto machos como fêmeas, são enviados ao abate. O esquema permite a exploração das heteroses individual e materna bem como da complementaridade. Quanto à necessidade de manutenção de rebanhos puros, as mesmas observações feitas para o esquema com duas raças são também pertinentes ao esquema com três raças. Em condições onde se pode usar a inseminação artificial, exemplos desse tipo de esquema seriam implementados acasalando-se inicialmente touros de raças britânicas (Aberdeen Angus, Red Angus ou Hereford) com vacas Nelore. Os machos desse cruzamento seriam enviados ao abate enquanto as fêmeas seriam retidas para reposição no rebanho de cria. Quando essas fêmeas entrassem em reprodução, seriam inseminadas com sêmen de touros de raças pesadas (Charolês, Limousin, Marchigiana ou Simental) para produzir bezerros “tri-cross” que seriam todos enviados ao abate. Prescindindo-se do emprego da inseminação artificial, esquemas específicos envolvendo três raças podem ser implementados, na pecuária de corte brasileira, cruzando-se inicialmente touros Caracu ou Brangus com vacas Nelore e posteriormente as fêmeas “meio-sangue” com touros Canchim ou Santa Gertrudis.

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GGG

MACHOS FÊMEAS MACHOS FÊMEAS

½ A ¼ B ¼ C

MACHOS E FÊMEAS PARA O ABATE

Figura 2 - Esquema de cruzamentos específicos com três raças As principais características deste esquema são:

1. A heterozigose das mães BC e dos produtos 2A1Bb1C é máxima; 2. Permite a exploração da complementaridade; e, 3. As mães BC e produtos 2A1B1C estão sujeitos a perdas epistáticas.

A X A

A X BC

C X C

B X B

B X C

B X B

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HHH

O acasalamento de touros bimestiços com vacas puras de uma terceira raça também é um esquema específico entre três raças. Tal esquema permite a exploração da heterose individual, da heterose paterna e da complementaridade. Sua recomendação parece promissora para regiões inóspitas onde o criador não tem condições de adotar a inseminação artificial e o ambiente físico não permite o bom desempenho de touros puros de origem européia em regime de monta natural a campo. Exemplos desse tipo de esquema de cruzamentos estão sendo difundidos no Centro-Sul do Estado do Paraná, através do IAPAR, que disponibiliza aos pecuaristas touros bimestiços Charolês x Caracu e Aberdeen Angus x Canchim para cruzamentos com vacas comuns (aneloradas) da região. O esquema específico envolvendo quatro raças (touro A x vaca B, touro C x vaca D e touro AB x vaca CD) utiliza o máximo de heterose individual, materna e paterna bem como a complementaridade entre as raças maternas e paternas; entretanto, está sujeito a um alto coeficiente de recombinação gamética, o que indica a possibilidade de perda de combinações epistáticas favoráveis presentes nas raças puras envolvidas. Além disso, tal esquema pode tornar-se complicado na prática. Esquemas específicos, sejam com duas, três ou mais raças, por implicarem no abate de fêmeas, são recomendados somente para rebanhos de cria estabilizados. Tais esquemas não se prestam para rebanhos em expansão. Os esquemas rotacionais ou alternados envolvem a realização de acasalamentos puros apenas para a produção de touros enquanto geram as próprias fêmeas de reposição. Estes esquemas têm a vantagem de utilizar um alto grau de heterose potencial tanto para o componente materno como para o indivíduo, além de resultarem numa baixa taxa de recombinação gamética porque só as mães produzem gametas recombinantes. Como inconveniente, os esquemas rotacionais sacrificam a possibilidade de complementação entre raças porque os mesmos tipos de genótipos devem ser aceitos para os desempenhos individual e materno. Tais esquemas requerem raças compatíveis quanto ao tamanho para não provocarem muita desuniformidade entre gerações e, consequentemente, problemas de manejo devidos ao fato de que no mesmo rebanho poderão existir animais com diferentes potenciais de crescimento e, portanto, diferentes exigências nutricionais. Se o sistema de produção envolve monta a campo, a implementação de um esquema rotacional com duas raças requer um rebanho mínimo de 60 a 70 matrizes. O esquema rotacional entre duas raças estabiliza-se quando os produtos têm, na composição racial, 2/3 de germoplasma da raça do pai e 1/3 de germoplasma da raça do avô materno. Isto significa que o coeficiente de heterozigose com respeito à raça de origem dos genes é 0,67 e que 67% da heterose exibida pelo "meio-sangue" (1A1B) será mantida nas gerações avançadas de cruzamentos, desde que tal heterose seja devida exclusivamente à ação gênica da dominância. A campo, o esquema pode ser conduzido conforme mostra a Figura 3. Os retângulos podem representar touros ou mesmo reservatórios de sêmen. As fêmeas cujos pais são da raça A são cobertas ou inseminadas por touros da raça B e vice-versa. Note-se que na primeira geração os

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III

produtos são F1’s recíprocos (1A1B e 1B1A), na segunda seriam 3/4 recíprocos (3A1B e 3B1A), na terceira seriam 5/8 recíprocos (5A3B e 5B3A), até que, após várias gerações de cruzamentos alternados, os produtos aproximar-se-iam das composições 3A1B e 3B1A.

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JJJ

FÊMEAS MACHOS MACHOS FÊMEAS 2/3 A 1/3 B 2/3 B 1/3 A

MACHOS PARA O ABATE

Figura 3 - Esquema de cruzamentos rotacional entre duas raças As principais características deste esquema são:

1. As mães e produtos têm 67% da heterozigose do F1 (AB e BA); 2. Não permite a complementaridade; 3. Mães e produtos estão sujeitos a perdas epistáticas; e, 4. Raças devem ter tamanhos compatíveis.

A X A

A X B

B X B

B X A

A X 2/3 B 1/3 A B X 2/3 A 1/3 B

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KKK

O criador que possui um rebanho de vacas de uma determinada raça, exemplificada pela letra A e que pretende implementar um esquema rotacional entre A e outra raça qualquer, exemplificada pela letra B, poderá fazê-lo efetuando os acasalamentos indicados no Quadro 1.

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LLL

Quadro 1 - Acasalamentos para implementar o esquema de cruzamentos rotacionais entre

uma raça local, A, e uma raça exótica, B

Gerações1 Acasalamentos

1 2 3 4 5 . . . n

Touro B x vaca A Touro B x vaca 3A1B Touro B x vaca 11A5B Touro B x vaca 2A1B

touro A x touro 1B1A touro A x vaca 5B3A touro A x vaca 2B1A

1Após algumas gerações as composições raciais se estabilizam em 2/3 de germoplasma da raça do pai e 1/3 de germoplasma da raça do avô materno.

O criador poderia modificar a orientação indicada no Quadro 1, fazendo o acasalamento touro B x vaca 1B1A na 2a. geração, o acasalamento touro A x vaca 3B1A na 3a. geração e assim sucessivamente. Esse caminho é mais aconselhável quando a raça B não tem problemas de adaptabilidade às condições ambientais onde a raça A vinha sendo criada, pois o animal resultante do acasalamento touro B x vaca 1B1A teria 3/4 de germoplasa da raça B, o que poderia ser excessivo em muitas circunstâncias. Outra situação prática surge quando o criador possui um rebanho de vacas de raça não definida, exemplificada pela letra M, e pretende evoluir para um esquema rotacional entre duas raças exemplificadas pelas letras A e B. Nesse caso o caminho a seguir pode ser o indicado no Quadro 2.

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MMM

Quadro 2 - Acasalamentos para implementar o esquema de cruzamentos rotacionais entre as

raças A e B, sobre um rebanho de vacas de raça não definida, M

Gerações Acasalamentos1

1 2 3 4 5 . . n

Touro B x vaca M touro B x vaca 2A1B1M touro B x vaca 10A5B1M touro B x vaca 2A1B

touro A x vaca 1B1M touro A x vaca 5B2A1M touro A x vaca 2B1A

1Note-se que a fração de germoplasma M vai diminuindo a cada geração, podendo-se admitir que desaparece após algumas gerações.

O caminho indicado no Quadro 2 também admite variantes. O criador poderia, por exemplo, efetuar o acasalamento touro B x vaca 1B1M na 2a. geração, o acsalamento touro A x vaca 3B1M na 3a. geração a assim por diante. Cruzamentos rotacionais com duas raças, baseados no uso da inseminação artificial, podem ser implementados entre o Nelore e uma raça britânica (Angus ou Hereford). Quando o sistema de reprodução adota a monta a campo, pode-se fazê-los entre Nelore e Caracu ou entre Nelore e Brangus. No Centro-Sul do Estado do Paraná, o IAPAR vem obtendo bons resultados com os cruzamentos rotacionais Charolês x Caracu e Aberdeen Angus x Canchim. O esquema rotacional envolvendo três raças, exemplificadas pelas letras A, B e C (Quadro 3), estabiliza-se numa composição racial em que os produtos apresentam 4/7 de germoplasma da raça do pai, 2/7 de germoplasma da raça do avô materno e 1/7 de germoplasma da raça do bisavô materno. O coeficiente de heterozigose com respeito às raças de origem dos genes será de 0,87, indicando portanto que a heterose individual bem como a heterose materna poderão chegar a 87% da heterose computada com base na média de todos os possíveis trimestiços de primeira geração (2A1B1C, 2A1C1B, 2B1A1C, 2B1C1A, 2C1A1B e 2C1B1A), desde que a heterose desses trimestiços seja devida inteiramente à dominância.

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NNN

Quadro 3 - Acasalamentos que compõem o esquema de cruzamentos rotacionais com três

raças

Geração Acasalamentos

1 2 3 . . . n

touro A x vaca B touro A x vaca 1B1C touro A x vaca 2B1C1A . . . touro A x vaca 4B2C1A

touro B x vaca C touro B x vaca 1C1A touro B x vaca 2C1A1B . . . touro B x vaca 4C2A1B

touro C x vaca A touro C x vaca 1A1B touro C x vaca 2A1B1C . . . touro C x vaca 4A2B1C

Um exemplo de como este esquema funcionaria a campo é detalhado na Figura 4. Uma vez mais os retângulos representam touros das raças A, B e C, respectivamente, ou então depósitos de sêmen das mesmas raças. Conforme indicam as setas, fêmeas cujo pai é da raça A são cobertas ou inseminadas por touros da raça B. Aquelas cujo pai é da raça B são cobertas ou inseminadas por touros da raça C e, finalmente, aquelas cuja raça do pai é C são cobertas ou inseminadas por touros da raça A.

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OOO

MACHOS A MACHOS B

FÊMEAS

FÊMEAS FÊMEAS

MACHOS C

4A2C1B 4C2B1A 4B2A1C

MACHOS PARA O ABATE

Figura 4 - Esquema de cruzamentos rotacional entre três raças As principais características deste esquema são: 1. As mães e produtos têm 87% da heterozigose do F1; 2. Não permite a complementaridade; 3. Mães e produtos estão sujeitos a perdas epistáticas; e, 4. Raças devem ter tamanhos compatíveis.

A X4C2B1A B X 4A2C1B

C x 4B2A1C

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PPP

A exemplo do que foi dito para o esquema rotacional com duas raças, este esquema também requer que as raças envolvidas sejam compatíveis quanto ao tamanho para evitar desuniformidade entre os produtos bem como entre as mães. Em sistemas onde é adotada a monta a campo, a implementação de um esquema rotacional com três raças requer um rebanho mínimo de 90 a 100 matrizes. Caso o criador tenha um rebanho de vacas exemplificado pela letra M e pretenda implantar um esquema de cruzamentos rotacionais com três raças, poderá fazê-lo seguindo os passos indicados no Quadro 4.

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QQQ

Quadro 4 - Esquema de cruzamentos rotacionais com três raças iniciado sobre um rebanho

de raça não definida, M

Geração Acasalamentos1

1 2 3 4 5 6 . . . n

touro A x vaca M touro A x vaca 4C2B1A1M touro A x vaca 4C2B1A

touro B x vaca 1A1M touro B x vaca 9A4C2B1M touro B x vaca 4A2C1B

touro C x vaca 2B1A1N touro C x vaca 18B9A4C1M touro C x vaca 4B2A1C

1O germoplasma da população inicial, M, vai sendo dividido ao meio a cada geração até eventualmente ser absorvido pelas três raças em rotação.

Exemplos de esquemas rotacionais com três raças podem ser implementados envolvendo Nelore, uma raça materna como Angus, Brangus ou Caracu e uma raça paterna como Limousin ou Canchim. Nesse caso deve-se evitar raças muito pesadas como Marchigiana ou Chianina. A seqüência de uso das raças também é importante. Deve-se primeiro cruzar a raça materna com o Nelore e depois a raça paterna com as mestiças resultantes do primeiro acasalamento. Algumas das vantagens dos esquemas específicos podem ser combinadas às vantagens dos sistemas rotacionais através da implementação dos esquemas mistos, isto é, esquemas que envolvem uma fase rotacional e uma fase específica ou terminal (Figura 5). Note-se que o esquema envolve um componente rotacional que após muitas gerações de cruzamentos alternados A x B estará produzindo animais 2/3A+1/3B e 2/3B+1/3A. Os machos dessas composições raciais são enviados ao abate enquanto as fêmeas são retidas para repor vacas descartes. Para que o esquema funcione a contento, é recomendável que as novilhas 2A1B e 2B1A produzam suas primeiras crias ainda na fase rotacional. Somente a partir do segundo entouramento elas devem ser expostas ao touro da raça terminal (C) para produzir trimestiços (3C2B1A e 3C2A1B) que vão todos para o abate, independentemente do sexo. Esquemas mistos envolvendo três raças podem ser implementados fazendo-se a fase rotacional entre Nelore e uma raça materna (Angus, Hereford, Brangus ou Caracu). Como raça terminal pode-se usar qualquer raça pesada como Charolês, Limousin, Marchigiana ou Canchim.

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RRR

MACHOS A MACHOS B FÊMEAS FÊMEAS FÊMEAS MACHOS C MACHOS 2A1B MACHOS 2B1A 3C2B1A e 3C2A1B

MACHOS E FÊMEAS PARA O ABATE Figura 5 - Esquema de cruzamento misto (rotacional/terminal) com três raças

As principais características deste esquema são: 1. Permite a complementaridade; 2. Os tri-mestiços têm heterozigose máxima; 3. Mães e produtos 2A1B e 2B1A têm 67% da heterozigose do F1 (AB e BA): e, 4. Mães e produtos estão sujeitos a perdas epistáticas.

A X2B1A B X 2A1B

C x 2A1B C X 2B1A

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SSS

Uso de touros mestiços Apesar das vantagens teóricas e das potencialidades econômicas, a adoção dos cruzamentos tem esbarrado em aspectos de ordem prática e outros de ordem biológica que limitam ou até anulam a efetividade dessa tecnologia. Os principais aspectos práticos que vêm entravando o uso mais efetivo dos cruzamentos na bovinocultura de corte são: 1. Pouca difusão da inseminação artificial na bovinocultura de corte brasileira; 2. Tamanho de rebanho de cria insuficiente para acomodar o número mínimo de touros exigido pelo sistema de cruzamentos; 3. Baixo nível de qualificação da mão-de-obra na pecuária de corte, o que dificulta ou inviabiliza tarefas simples como identificação, controle zootécnico e orientação dos acasalamentos. Com o pouco uso da inseminação artificial na bovinocultura de corte brasileira, resulta que a reprodução dos rebanhos é feita predominantemente pelo método da monta natural a campo. Este fato traz à tona a principal limitante biológica ao uso efetivo de cruzamentos, que vem a ser a falta de adaptabilidade, e o conseqüente baixo desempenho reprodutivo, de touros de raças européias quando expostos ao ambiente subtropical. Nesse contexto, o uso de touros mestiços, produzidos pelo cruzamento de animais superiores de duas ou mais raças, surge como alternativa capaz de contornar as principais limitações genéticas, práticas e biológicas inerentes aos sistemas de cruzamentos terminais e alternados acima descritos. As principais vantagens que podem ser auferidas pelo emprego de touros mestiços na pecuária bovina de corte são: 1. Exploração da heterose paterna sobre características como adaptabilidade e fertilidade masculina, o que não é possível através de qualquer dos sistemas usuais de cruzamentos; 2. Possibilidade de exploração das heteroses individual e materna bem como da complementaridade, pois é possível idealizar-se um sistema onde as vacas sejam, por exemplo, meio-sangue Brangus x Nelore, e os touros, meio-sangue Limousin x Caracu. Tal esquema de cruzamentos permitiria a exploração da heterose no touro, na vaca e no bezerro além da complementaridade entre as raças paternas (Limousin e Caracu) e maternas (Brangus e Nelore);

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TTT

3. Simplificação do manejo reprodutivo pela diminuição da possibilidade de acasalamentos indevidos uma vez que a manutenção de touros de duas ou mais raças na propriedade é eliminada; 4. Uniformização da produção quanto ao potencial de ganho de peso dos bezerros, o que facilita o manejo na fase de terminação. Embora a possibilidade de se obter essas vantagens pelo uso de touros mestiços seja incontestável, deve-se ressalvar que a origem genética do touro mestiço é tão importante quanto a do touro puro. Por esta razão, recomenda-se que a produção de touros mestiços seja feita a partir de animais puros de mérito genético já comprovado, preferencialmente em teste de progênie. A qualidade genética das mães também é fundamental para o sucesso do touro mestiço. Formação de raças sintéticas ou compostas A formação de raças sintéticas ou compostas, pelo inter-acasalamento de mestiços gerados pelo cruzamento entre duas ou mais raças, também se propõe a contornar as dificuldades de implementação de esquemas sistemáticos de cruzamentos e a explorar as vantagens acima preconizadas para o uso de touros mestiços. Trata-se de uma estratégia recomendada para condições onde existem grandes diferenças individuais e maternas entre as raças envolvidas e a heterose para as características de interesse for conseqüência da ação gênica da dominância. O desenvolvimento de populações compostas ou sintéticas não é novo. Exemplos de iniciativas bem sucedidas no Brasil incluem o Canchim, o Ibagé, o Girolando e o Pitangueiras (BARBOSA e DUARTE, 1989; LÔBO e REIS, 1989) . A principal vantagem do uso de populações compostas é que após a formação, as exigências de manejo tornam-se iguais às de um rebanho puro. A primeira questão a ser respondida experimentalmente acerca das possibilidades da formação de rebanhos sintéticos consiste em verificar se o montante de heterose retido nas gerações avançadas é proporcional à heterozigose. Se a relação entre heterose e heterozigose for linear, então o uso de sintéticos pode ser uma alternativa capaz de competir com os sistemas de cruzamentos contínuos. A extensão segundo a qual a heterose em características individuais e maternas é proporcional ao coeficiente de heterozigose nas gerações avançadas de populações compostas depende das ações gênicas (dominância e epistasia) repensáveis pela heterose. Se toda a heterose exibida pelo F1 for devida à dominância, o nível de heterose mantido pelos F2, F3 e gerações subsequentes é proporcional ao nível de heterozigose. Contudo, como o coeficiente de recombinação gamética em populações compostas é igual ao coeficiente de heterozigose, os efeitos epistáticos podem fazer com que a heterose retida pelas gerações avançadas de cruzamentos desvie-se da expectativa teórica baseada na heterozigose (DICKERSON, 1973).

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UUU

Em trabalhos experimentais citados por KOCH et al. (1989), o desempenho de populações sintéticas tem se comparado favoravelmente ao de outras raças. Entretanto, poucos são os experimentos onde o desempenho de gerações como o F2 e o F3 tenha sido comparado com o das raças fundadoras para avaliar a heterose retida. Resultados de um trabalho envolvendo Angus, Hereford e seus F1, F2, F3 e retrocruzamentos, conduzido em Nebraska, nos Estados Unidos (KOCH et al., 1985) reportam que os níveis de heterose retidos pelas gerações avançadas foram proporcionais à heterozigose, exceto para algumas características como taxa de sobrevivência, taxa de prenhez e marmoreio. Para características como peso ao nascimento, peso à desmama, ganho de peso pós-desmama, espessura da camada de gordura de cobertura da carcaça e área de olho do lombo, os resultados mostraram-se favoráveis à formação de sintéticos. Igualmente, MORRIS et al.. (1986) não encontraram perda de heterose, além daquela esperada com base na perda de heterozigose, para ganho de peso do nascimento a um ano de idade em F3 de Angus e Hereford. Com base nesses resultados, um extenso projeto visando avaliar populações compostas como alternativa para sistemas contínuos de cruzamentos foi iniciado em Nebraska, nos Estados Unidos (GREGORY et al., 1988). O projeto teve como principal objetivo avaliar até que ponto o nível de heterose mantido em populações compostas é proporcional ao nível esperado de heterozigose. Os resultados, sumariados por GREGORY et al. (1994), permitiram formular as seguintes conclusões: 1. Em geral, altos níveis de heterose para ganho de peso, reprodução, habilidade materna, incluindo produção de leite, foram observados em todas as gerações (F1 a F4) de três populações compostas; 2. O nível de heterose para algumas características pode variar segundo a combinação de raças; 3. Geralmente, o nível de heterose retido nas gerações avançadas de três populações compostas foi igual ou maior que o esperado com base na retenção esperada de heterozigose; 4. Os resultados suportam amplamente a hipótese de que a heterose em bovinos de corte pode ser atribuída à ação gênica de dominância entre os genes; 5. A formação de populações compostas representa uma alternativa capaz de competir, na maioria dos casos, com os sistemas contínuos de cruzamentos quanto às possibilidades de uso da heterose, além de ser mais fácil de manejar e independer do tamanho do rebanho; 6. As populações compostas superam os cruzamentos contínuos quanto às possibilidades de exploração das diferenças aditivas entre raças para obter e manter ótimos níveis de desempenho para as principais características de importância econômica entre as quais estão: a) taxa de ganho de peso e tamanho; b) composição da carcaça; c) produção de leite; d) adaptabilidade climática e nutritiva; e, e) idade à puberdade.

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VVV

Com base nas informações geradas pelas pesquisas de Nebraska, alguns pecuaristas dos Estados Unidos deram início à formação de populações compostas de bovinos de corte para fins comerciais. Dentre as iniciativas em marcha, YASSU (1995) destaca as seguintes: Stabilizer (1/4 Gelbivieh + 1/4 Simental + 1/4 Hereford + 1/4 Angus); Range Maker ( 3/8 Aberdeen Angus + 3/8 South Devon + 1/8 Salers + 1/8 Tarantaise); e, Range Calver ( 1/4 Aberdeen Angus + 1/4 South Devon + 1/4 Jersey + 1/8 Salers + 1/8 Tarantaise). O mesmo autor informa sobre algumas iniciativas de formação de populações compostas no Brasil. A mais adiantada é a formação do gado Fênix (8/32 Chianina + 8/32 Charolês + 8/32 Nelore + 5/32 Shorthorn + 3/32 Brahman) pelo pecuarista Cláudio Muniz em Belém do Pará. Outra iniciativa, sendo conduzida pelo Sr. Humberto Ribeiro Vergueiro Filho, em Ribeirão Claro, no Paraná, pretende formar um composto com 50% de germoplasma zebuíno (Brahman e Nelore) e 50% de germoplasma taurino (Angus e Chianina). Embora essas combinações raciais contemplem razoáveis diferenças aditivas para características como ganho de peso, composição da carcaça, idade à puberdade e produção de leite (KOCH et al., 1989), deve-se admitir que pouco ou nada se sabe sobre os níveis de heterose nos cruzamentos entre essas raças para essas, bem como para qualquer outra característica. As principais recomendações para se formar uma raça composta são as seguintes: 1. Definição do tipo biológico que vai caracterizar a nova raça, por exemplo: porte médio, precoce, tolerante ao calor e boa produção de leite; 2. Escolha das raças integrantes em função das características definidoras do tipo biológico do composto, procurando incluir raças cujos valores genéticos se complementem; isto é, se uma raça é forte em ganho de peso a outra deve ser precoce; 3. Definição da percentagem de participação de cada raça em função do equilíbrio pretendido entre as características definidoras do tipo biológico do composto, ou seja, se ganho de peso é mais importante que produção de leite, então a raça pesada terá que entrar em maior proporção que a raça produtora de leite; 4. Definição de um sistema de acasalamentos que proporcione a desejada percentagem de cada raça prevista no composto, dentro do menor tempo possível; 5. Estabelecimento do tamanho do rebanho ou do sistema de acasalamentos que minimize os efeitos da consangüinidade; 6. Implementação de um sistema de controle genealógico e de registro de desempenho para auxiliar na seleção futura;

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WWW

7. Implementação de um critério de seleção para manter e melhorar as características desejadas. A rigor, as decisões sobre a escolha das raças integrantes do composto bem como da percentagem de cada uma na “fórmula” do mesmo deveriam estar embasadas em trabalhos de caracterização biológica dessas raças no ambiente em que a nova raça será explorada. Outro pré-requisito indispensável à formação de compostos ou sintéticos é o conhecimento das bases genéticas da heterose resultante do cruzamento entre as raças que formarão o composto. Na prática isto significa obter estimativas da heterose retida nas gerações avançadas dos cruzamentos. Como já foi mencionado anteriormente, se a heterose em pauta não for devida à ação da dominância, a superioridade das gerações iniciais dos cruzamentos em relação à média das raças puras pode dissipar-se completamente nas gerações avançadas do composto. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, P.F., DUARTE, F.A.M. Crossbreeding and new beef cattle breeds in Brazil. Rev. Brasil. Genet., Ribeirão Preto. v. 12, n. 3 - Supplement, p. 257-301. 1989. BOWMAN, J.C. An Introduction to Animal Breeding. Edward Arnold (Publishers) Ltd. London.

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