apostila de conto_ávila gois (aula do dia 15.07)

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AULA SOBRE CONTO

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CONTODEFINIO: Conto uma narrativa ficcional escrita em prosa e de curta extenso, cujo enredo apresenta uma sequncia de fatos que mantm entre si uma relao de causa e feito. Ele pode ser classificado como conto maravilhoso e conto fantstico. ESTRUTURA:

a) SITUAO INICIAL: Constitui o incio da histria a ser narrada. Neste momento, o narrador apresenta os fatos a ser narrada. Neste momento,iniciais, os personagens e; na maioria das vezes, o tempo e o espao.

b) CONFLITO: Representa a parte em que se desenvolve o conflito. O conflito o momento em que algo comea a acontecer e os leitores ficam surpresos espera do que est por vir.

c) CLMAX: o momento mais tenso da narrativa, pois tudo pode acontecer, podendo ser aquilo que espervamos ou no.

d) DESFECHO: Revela o final da histria, a soluo vara o conflito sendo que este fim poder ser de vrios modos (triste, alegre, surpreendente, engraado, trgico, etc)

O elemento principal do conto o conflito, porque ele cria uma situao antagnica entre os fatos que compem a histria.

Entre outras caractersticas, o conto apresenta um nmero reduzido de personagens e poucas aes; tanto o tempo como o espao do conto so simplificados. O tempo pode ser cronolgico, quando os fatos acontecem em uma ordem natural ou linear, de acordo com o relgio e o calendrio. Ou o tempo psicolgico, os fatos desenvolvem-se fora da ordem natural, ou seja, de maneira no linear, ocorre de acordo com a vontade ou memria da personagem ou do narrador.

ESTUDO DO TEXTO

A MENINA DOS FSFOROSEstava tanto frio! A neve no parava de cair e a noite aproximava-se. Aquela era a ltima noite de Dezembro, vspera do dia de Ano Novo. Perdida no meio do frio intenso e da escurido, uma pobre rapariguinha seguia pela rua fora, com a cabea descoberta e os ps descalos. certo que ao sair de casa trazia um par de chinelos, mas no duraram muito tempo, porque eram uns chinelos que j tinham pertencido me, e ficavam-lhe to grandes, que a menina os perdeu quando teve de atravessar a rua a correr para fugir de um trem. Um dos chinelos desapareceu no meio da neve, e o outro foi apanhado por um garoto que o levou, pensando fazer dele um bero para a irm mais nova brincar.

Por isso, a rapariguinha seguia com os ps descalos e j roxos de frio; levava no avental uma quantidade de fsforos, e estendia um mao deles a toda a gente que passava, apregoando: Quem compra fsforos bons e baratos? Mas o dia tinha-lhe corrido mal. Ningum comprara os fsforos, e, portanto, ela ainda no conseguira ganhar um tosto. Sentia fome e frio, e estava com a cara plida e as faces encovadas. Pobre rapariguinha! Os flocos de neve caam-lhe sobre os cabelos compridos e loiros, que se encaracolavam graciosamente em volta do pescoo magrinho; mas ela nem pensava nos seus cabelos encaracolados. Atravs das janelas, as luzes vivas e o cheiro da carne assada chegavam rua, porque era vspera de Ano Novo. Nisso, sim, que ela pensava.

Sentou-se no cho e encolheu-se no canto de um portal. Sentia cada vez mais frio, mas no tinha coragem de voltar para casa, porque no vendera um nico mao de fsforos, e no podia apresentar nem uma moeda, e o pai era capaz de lhe bater. E afinal, em casa tambm no havia calor. A famlia morava numa gua-furtada, e o vento metia-se pelos buracos das telhas, apesar de terem tapado com farrapos e palha as fendas maiores. Tinha as mos quase paralisadas com o frio. Ah, como o calorzinho de um fsforo aceso lhe faria bem! Se ela tirasse um, um s, do mao, e o acendesse na parede para aquecer os dedos! Pegou num fsforo e: Fcht!, a chama espirrou e o fsforo comeou a arder! Parecia a chama quente e viva de uma candeia, quando a menina a tapou com a mo. Mas, que luz era aquela? A menina julgou que estava sentada em frente de um fogo de sala cheio de ferros rendilhados, com um guarda-fogo de cobre reluzente. O lume ardia com uma chama to intensa, e dava um calor to bom! Mas, o que se passava? A menina estendia j os ps para se aquecer, quando a chama se apagou e o fogo desapareceu. E viu que estava sentada sobre a neve, com a ponta do fsforo queimado na mo.

Riscou outro fsforo, que se acendeu e brilhou, e o lugar em que a luz batia na parede tornou-se transparente como tule. E a rapariguinha viu o interior de uma sala de jantar onde a mesa estava coberta por uma toalha branca, resplandecente de loias finas, e mesmo no meio da mesa havia um ganso assado, com recheio de ameixas e pur de batata, que fumegava, espalhando um cheiro apetitoso. Mas, que surpresa e que alegria! De repente, o ganso saltou da travessa e rolou para o cho, com o garfo e a faca espetados nas costas, at junto da rapariguinha. O fsforo apagou-se, e a pobre menina s viu na sua frente a parede negra e fria.

E acendeu um terceiro fsforo. Imediatamente se encontrou ajoelhada debaixo de uma enorme rvore de Natal. Era ainda maior e mais rica do que outra que tinha visto no ltimo Natal, atravs da porta envidraada, em casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas ardiam nos ramos verdes, e figuras de todas as cores, como as que enfeitam as montras das lojas, pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mos para a rvore, mas o fsforo apagou-se, e todas as velas de Natal comearam a subir, a subir, e ela percebeu ento que eram apenas as estrelas a brilhar no cu. Uma estrela maior do que as outras desceu em direo terra, deixando atrs de si um comprido rasto de luz.

Foi algum que morreu, pensou para consigo a menina; porque a av, a nica pessoa que tinha sido boa para ela, mas que j no era viva, dizia-lhe muita vez: Quando vires uma estrela cadente uma alma que vai a caminho do cu.

Esfregou ainda mais outro fsforo na parede: fez-se uma grande luz, e no meio apareceu a av, de p, com uma expresso muito suave, cheia de felicidade!

Av! gritou a menina leva-me contigo! Quando este fsforo se apagar, eu sei que j no estars aqui. Vais desaparecer como o fogo de sala, como o ganso assado, e como a rvore de Natal, to linda.

Riscou imediatamente o punhado de fsforos que restava daquele mao, porque queria que a av continuasse junto dela, e os fsforos espalharam em redor uma luz to brilhante como se fosse dia. Nunca a av lhe parecera to alta nem to bonita. Tomou a neta nos braos e, soltando os ps da terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas to alto, to alto, que j no podiam sentir frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham chegado ao reino de Deus.

Mas ali, naquele canto, junto do portal, quando rompeu a manh gelada, estava cada uma rapariguinha, com as faces roxas, um sorriso nos lbios mor ta de frio, na ltima noite do ano. O dia de Ano Novo nasceu, indiferente ao pequenino cadver, que ainda tinha no regao um punhado de fsforos. Coitadinha, parece que tentou aquecer-se! exclamou algum. Mas nunca ningum soube quantas coisas lindas a menina viu luz dos fsforos, nem o brilho com que entrou, na companhia da av, no Ano Novo.

Hans Christian AndersenOs melhores contos de AndersenEditora Verbo, s/d

ANLISE DA LEITURA

1. Nos contos maravilhosos, a histria normalmente ocorre no passado, mas nem sempre o tempo e o lugar so descritos com exatido.

a. Nessa narrativa, o tempo e o lugar esto bem definidos? Esclarea sua resposta.

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b. Voc j viu algum vender fsforos na rua? O que o fato de a menina ser uma vendedora de fsforo nos permite deduzir, ainda, quanto poca em que se passa a histria? Pesquise sobre o fato para responder.

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2. Nessa histria, temos um narrador-personagem ou um narrador-observador? Justifique sua resposta.

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3. Como voc j viu, em relao s personagens do conto h sempre um protagonista, ou personagem principal, e um antagonista, ou vilo, que interfere de forma negativa na vida do protagonista. Sendo assim, responda as perguntas a seguir.

a. No texto, quem o protagonista da histria e quais so suas caractersticas?

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________b. Nesse conto, quem representa o antagonista ou vilo?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________c. Que atitudes desse antagonista o caracterizam como um terrvel vilo?

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________d. De acordo com o texto, a menina tinha me? Justifique sua resposta.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________4. Na narrativa, os fatos acontecem devido a uma causa que acarreta sempre uma consequncia, e assim a histria se desenvolve, sucessivamente. Complete o quadro a seguir com a causa e a consequncia de cada fato. A letra a j est feita.

FATOCAUSACONSEQUNCIA

a. A menina no tinha vendido nenhum fsforoNevava muito naquela noite e a cidade estava deserta. A menina no podia voltar para casa sem dinheiro.

b. Os chinelos sumiram quando a menina atravessou a rua.

c. A menina estava com as mos geladas.

d. A menina riscou o primeiro fsforo.

e. O esprito da av apareceu de repente.

5. Pode-se concluir que a menina, aos poucos, vai perdendo a noo de realidade, confundido-a com sua imaginao.

a. Explique por que a menina passou a fantasiar os fatos.

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b. Como o texto um conto maravilhoso, o que h de mais fantstico nos fatos narrados?

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CONTO FANTSTICODEFINIO: uma narrativa de fico condensada, em que ocorre uma oposio entre a realidade e a fantasia, de tal modo que as causas dos fatos no tm uma explicao lgica. O enredo apresenta, em geral, um nico conflito, tempo e espao reduzidos, poucas personagens e ao rpida e enxuta. CARACTERISTICAS DO CONTO FANTSTICO

- A magia o elemento capaz de mudar os acontecimentos;

- Sofrimento do heri;

- fundamental a imaginao, pois no h limite para a mesma;

- Fantstico (mundo da fico);

- Linguagem simples e direta;

- Narrativa curta;

- As aes se encaminham diretamente vara o desfecho;

- Aes em um s espao, um s conflito.

No conto fantstico, h uma oposio entre o mundo real e o mundo ficcional, nem sempre totalmente clara, por essa razo, o leitor se surpreende diante de fatos estranhos e misteriosos, hesitando entre uma explicao racional e uma justificativa sobrenatural para os acontecimentos. Por isso, pode-se dizer que as causas dos fatos, geralmente, no tem uma motivao lgica, deixando o sentido final da narrativa aberto para a interpretao pessoal de cada leitor.

ANLISE DO TEXTO:

Leia o conto As formigas, de Lygia Fagundes Telles.

AS FORMIGAS.

Quando minha prima e eu descemos do txi j era quase noite. Ficamos imveis diante do velho sobrado de janelas ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles vazado por uma pedrada. Descansei a mala no cho e apertei o brao da prima.

sinistro.

Ela me impeliu na direo da porta. Tnhamos outra escolha? Nenhuma penso nas redondezas oferecia um preo melhor a duas pobres estudantes, com liberdade de usar o fogareiro no quarto, a dona nos avisara por telefone que podamos fazer refeies ligeiras com a condio de no provocar incndio. Subimos a escada velhssima, cheirando a creolina.

Pelo menos no vi sinal de barata disse minha prima. A dona era uma velha balofa, de peruca mais negra do que a asa da grana. Vestia um desbotado pijama de seda japonesa e tinha as unhas aduncas recobertas por uma crosta de esmalte vermelho-escuro descascado nas pontas encardidas. Acendeu um charutinho.

voc que estuda medicina? perguntou soprando a fumaa na minha direo.

Estudo direito. Medicina ela.

A mulher nos examinou com indiferena. Devia estar pensando em outra coisa quando soltou uma baforada to densa que precisei desviar a cara. A saleta era escura, atulhada de mveis velhos, desaparelhados. No sof de palhinha furada no assento, duas almofadas que pareciam ter sido feitas com os restos de um antigo vestido, os bordados salpicados de vidrilho.

Vou mostrar o quarto, fica no sto disse ela em meio a um acesso de tosse. Fez um sinal para que a segussemos. O inquilino antes de vocs tambm estudava medicina, tinha um caixotinho de ossos que esqueceu aqui, estava sempre mexendo neles.

Minha prima voltou-se:

Um caixote de ossos?

A mulher no respondeu, concentrada no esforo de subir a estreita escada de caracol que ia dar no quarto. Acendeu a luz. O quarto no podia ser menor, com o teto em declive to acentuado que nesse trecho teramos que entrar de gatinhas. Duas camas, dois armrios e uma cadeira de palhinha pintada de dourado. No ngulo onde o teto quase se encontrava com o assoalho, estava um caixotinho coberto com um pedao de plstico. Minha prima largou a mala e pondo-se de joelhos puxou o caixotinho pela ala de corda.

Levantou o plstico. Parecia fascinada. [...]

Ficamos nos olhando e rindo enquanto ouvamos o barulho dos seus chinelos de salto na escada. E a tosse encatarrada.

Esvaziei a mala, dependurei a blusa amarrotada num cabide que enfiei num vo da veneziana, prendi na parede, com durex, uma gravura de Grassmann e sentei meu urso de pelcia em cima do travesseiro. Fiquei vendo minha prima subir na cadeira, desatarraxar a lmpada fraqussima que pendia de um fio solitrio no meio do teto e no lugar atarraxar uma lmpada de duzentas velas que tirou da sacola. O quarto ficou mais alegre. Em compensao, agora a gente podia ver que a roupa de cama no era to alva assim, alva era a pequena tbia que ela tirou de dentro do caixotinho. Examinou-a. Tirou uma vrtebra e olhou pelo buraco to reduzido como o aro de um anel. Guardou-as com a delicadeza com que se amontoam ovos numa caixa.

Um ano. Rarssimo, entende? E acho que no falta nenhum ossinho, vou trazer as ligaduras, quero ver se no fim da semana comeo a montar ele.

Abrimos uma lata de sardinha que comemos com po, minha prima tinha sempre alguma lata escondida, costumava estudar at a madrugada e depois fazia sua ceia. Quando acabou o po, abriu um pacote de bolacha Maria.

De onde vem esse cheiro? perguntei farejando. Fui at o caixotinho, voltei, cheirei o assoalho. Voc no est sentindo um cheiro meio ardido?

de bolor. A casa inteira cheira assim ela disse. E puxou o caixotinho para debaixo da cama.

No sonho, um ano louro de colete xadrez e cabelo repartido no meio entrou no quarto fumando charuto. Sentou-se na cama da minha prima, cruzou as perninhas e ali ficou muito srio, vendo-a dormir. Eu quis gritar, Tem um ano no quarto!, mas acordei antes. A luz estava acesa. Ajoelhada no cho, ainda vestida, minha prima olhava fixamente algum ponto do assoalho.

Que que voc est fazendo a? perguntei.

Essas formigas. Apareceram de repente, j enturmadas. To decididas, est vendo? Levantei e dei com as formigas pequenas e ruivas que entravam em trilha espessa pela fresta debaixo da porta, atravessavam o quarto, subiam pela parede do caixotinho de ossos e desembocavam l dentro, disciplinadas como um exrcito em marcha exemplar.

So milhares, nunca vi tanta formiga assim. E no tem trilha de volta, s de ida estranhei.

S de ida.

Contei-lhe meu pesadelo com o ano sentado em sua cama.

Est debaixo dela disse minha prima e puxou para fora o caixotinho. Levantou o plstico. Preto de formiga!

Me d o vidro de lcool.

Deve ter sobrado alguma coisa a nesses ossos e elas

descobriram, formiga descobre tudo. Se eu fosse voc, levava isso l pra fora.

Mas os ossos esto completamente limpos, eu j disse. No ficou nem um fiapo de cartilagem, limpssimos. Queria saber o que essas bandidas vm fuar aqui.

Respingou fartamente o lcool em todo o caixote. Em seguida, calou os sapatos e, como uma equilibrista andando no fio de arame, foi pisando firme, um p diante do outro na

trilha de formigas. Foi e voltou duas vezes. Apagou o cigarro. Puxou a cadeira. E ficou olhando dentro do caixotinho. [...]

Ela cobriu o caixotinho com o plstico, empurrou-o com o p e levou o fogareiro para a mesa, era a hora do seu ch. No cho, a trilha de formigas mortas era agora uma fita escura que encolheu. Uma formiguinha que escapou da matana passou perto do meu p, j ia esmag-la quando vi que levava as mos cabea, como uma pessoa desesperada. Deixei-a sumir numa fresta do assoalho.

Voltei a sonhar aflitivamente, mas dessa vez foi o antigo pesadelo com os exames, o professor fazendo uma pergunta atrs da outra e eu muda diante do nico ponto que no tinha estudado. s seis horas o despertador disparou veementemente. Travei a campainha. Minha prima dormia com a cabea coberta. No banheiro, olhei com ateno para as paredes, para o cho de cimento, procura delas. No vi nenhuma. Voltei pisando na ponta dos ps e ento entreabri as folhas da veneziana. O cheiro suspeito da noite tinha desaparecido. Olhei para o cho: desaparecera tambm a trilha do exrcito massacrado. Espiei debaixo da cama e no vi o menor movimento de formigas no caixotinho coberto. [...]

Fui buscar o tablete de chocolate e perto da porta senti de novo o cheiro, mas seria bolor? No me parecia um cheiro assim inocente, quis chamar a ateno da minha prima para esse aspecto, mas ela estava to deprimida que achei melhor ficar quieta. Espargi gua-de-colnia Flor de Ma por todo o quarto (e se ele cheirasse como um pomar?) e fui deitar cedo. Tive o segundo tipo de sonho, que competia nas repeties com o tal sonho da prova oral, nele eu marcava encontro com dois namorados ao mesmo tempo. E no mesmo lugar. Chegava o primeiro e minha aflio era lev-lo embora dali antes que chegasse o segundo. O segundo, desta vez, era o ano. Quando s restou o oco de silncio e sombra, a voz da minha prima me fisgou e me trouxe para a superfcie. Abri os olhos com esforo. Ela estava sentada na beira da minha cama, de pijama e completamente estrbica.

Elas voltaram.

Quem?

As formigas. S atacam de noite, antes da madrugada.

Esto todas a de novo.

A trilha da vspera, intensa, fechada, seguia o antigo percurso da porta at o caixotinho de ossos por onde subia na mesma formao at desformigar l dentro. Sem caminho de volta.

E os ossos?

Ela se enrolou no cobertor, estava tremendo.

A que est o mistrio. Aconteceu uma coisa, no entendo mais nada! Acordei pra fazer pipi, devia ser umas trs horas. Na volta, senti que no quarto tinha algo mais, est me entendendo? Olhei pro cho e vi a fila dura de formigas, voc se lembra? No tinha nenhuma quando chegamos. Fui ver o caixotinho, todas se tranando l dentro, lgico, mas no foi isso o que quase me fez cair pra trs, tem uma coisa mais grave: que os ossos esto mesmo mudando de posio, eu j desconfiava mas agora estou certa, pouco a pouco

eles esto... Esto se organizando.

Como, se organizando?

Ela ficou pensativa. Comecei a tremer de frio, peguei uma ponta do seu cobertor. Cobri meu urso com o lenol.

Voc lembra, o crnio entre as omoplatas, no deixei ele assim. Agora a coluna vertebral que j est quase formada, uma vrtebra atrs da outra, cada ossinho tomando o seu lugar, algum do ramo est montando o esqueleto, mais um pouco e... Venha ver!

Credo, no quero ver nada. Esto colando o ano, isso?

Ficamos olhando a trilha rapidssima, to apertada que nela no caberia sequer um gro de poeira. Pulei-a com o maior cuidado quando fui esquentar o ch. Uma formiguinha desgarrada (a mesma daquela noite?) sacudia a cabea entre as mos. Comecei a rir e tanto que se o cho no estivesse ocupado, rolaria por ali de tanto rir. Dormimos juntas na minha cama. Ela dormia ainda quando sa para a primeira aula. No cho, nem sombra de formiga, mortas e vivas desapareciam com a luz do dia.

Voltei tarde essa noite, um colega tinha se casado e teve festa. Vim animada, com vontade de cantar, passei da conta. S na escada que me lembrei: o ano. Minha prima arrastara a mesa para a porta e estudava com o bule fumegando no fogareiro.

Hoje no vou dormir, quero ficar de vigia ela avisou.

O assoalho ainda estava limpo. Me abracei ao urso.

Estou com medo.

Ela foi buscar uma plula para atenuar minha ressaca, me fez engolir a plula com um gole de ch e ajudou a me despir.

Fico vigiando, pode dormir sossegada. Por enquanto no apareceu nenhuma, no est na hora delas, daqui a pouco que comea. Examinei com a lupa debaixo da porta, sabe que no consigo descobrir de onde brotam?

Tombei na cama, acho que nem respondi. No topo da escada o ano me agarrou pelos pulsos e rodopiou comigo at o quarto, Acorda, acorda! Demorei para reconhecer minha prima que me segurava pelos cotovelos. Estava lvida. E vesga.

Voltaram ela disse.

Apertei entre as mos a cabea dolorida.

Esto a?

Ela falava num tom mido, como se uma formiguinha falasse com sua voz.

Acabei dormindo em cima da mesa, estava exausta. Quando acordei, a trilha j estava em plena movimentao. Ento fui ver o caixotinho, aconteceu o que eu esperava...

O que foi? Fala depressa, o que foi?

Ela firmou o olhar oblquo no caixotinho debaixo da cama.

Esto mesmo montando ele. E rapidamente, entende? O esqueleto j est inteiro, s falta o fmur. E os ossinhos da mo esquerda, fazem isso num instante. Vamos embora daqui.

Voc est falando srio?

Vamos embora, j arrumei as malas.

A mesa estava limpa e vazios os armrios escancarados.

Mas sair assim, de madrugada? Podemos sair assim?

Imediatamente, melhor no esperar que a bruxa acorde. Vamos, levanta!

E para onde a gente vai?

No interessa, depois a gente v. Vamos, vista isto, temos que sair antes que o ano fique pronto.

Olhei de longe a trilha: nunca elas me pareceram to rpidas. Calcei os sapatos, descolei a gravura da parede, enfiei o urso no bolso da japona e fomos arrastando as malas pelas escadas, mais intenso o cheiro que vinha do quarto, deixamos a porta aberta. Foi o gato que miou comprido ou foi um grito?

No cu, as ltimas estrelas j empalideciam. Quando encarei a casa, s a janela vazada nos via, o outro olho era penumbra.

TELLES. Lygia Fagundes. Venha ver o pr do sol e outros contos.

So Paulo: tica, 1997. P. 35-42

ANLISE DO TEXTO

1. O texto em estudo um conto fantstico, pois os fatos narrados despertam no leitor perplexidade e duvida, entre uma explicao racional, diante do inusitado, e uma explicao com base no sobrenatural.a. Nesse conto, os fatos inexplicveis no comeam a ocorrer subitamente, pois antes h indcios bem claros de que algo estranho acontecia. Identifique esses indcios.___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________b. Observe que, mesmo impressionas com os acontecimentos, as jovens mantm-se presas ao mundo real. No incio, que explicao racional uma das jovens apresenta vara o aparecimento das formigas?______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

c. Que fatos acontecem depois que as formigas so mortas e as jovens comeam a imaginar que algo inusitado estava se passando? _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________2. medida que o conto avana, aumenta o suspense. As formigas pareciam surgir do nada, i que deixava as jovens mais assustadas. Na terceira investida das formigas, o que acontece?______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________3. Em geral, o conto apresenta em sua estrutura uma situao inicial, um conflito, um clmax e um desfecho.

a. Qual a situao inicial do conto em estudo?

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

b. Como se desenvolve a complicao ou o conflito central do conto?

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________c. Identifique o clmax, isto , o ponto mximo de tenso da narrativa.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________d. De que forma a autora criou um desfecho que ainda mantm o leitor imerso no mundo ficcional?

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4. O conto caracteriza-se pela narrativa condensada, pois apresenta um nmero reduzido de personagens e de aes, que se desenvolvem num tempo e num espao simplificados. a. Quem so as personagens que participam dessa histria?

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________b. Quais so as caractersticas principais das duas personagens centrais do conto?

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________c. No conto, h sempre um protagonista, ou personagem principal, e um antagonista, ou vilo, que interfere de forma negativa na vida do protagonista. Que personagens representam o protagonista e o antagonista nesse conto?

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________5. O tempo na narrativa pode ser cronolgico ou psicolgico. O tempo cronolgico apresenta os fatos em ordem linear ou natural, de acordo com o enredo, e pode ser medido em horas, meses, etc. J o tempo psicolgico se processa em funo da memria ou da imaginao do narrador ou da personagem, por isso, os fatos ocorrem em ordem no linear.

a. O tempo dessa narrativa cronolgico ou psicolgico? Justifique sua resposta.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________b. Identifique no texto indcios que comprovem que as personagens passaram trs noites na casa.

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VAMOS PRATICAR?

1 PROPOSTA- DESENVOLVIMENTO DE UM CONTO FANTSTICO.

Leia o incio de dois contos e escolha um deles para desenvolver o seu prprio conto fantstico.

TEXTO 1O HOMEM CUJA ORELHA CRESCEUEstava escrevendo, sentiu a orelha pesada. Pensou que fosse cansao, eram 11 da noite, estava fazendo hora-extra. Escriturrio de uma firma de tecidos, solteiro, 35 anos, ganhava pouco, reforava com extras. Mas o peso foi aumentando e ele percebeu que as orelhas cresciam. Apavorado, passou a mo. Deviam ter uns dez centmetros. Eram moles, como de cachorro. Correu ao banheiro. As orelhas estavam na altura do ombro e continuavam crescendo. Ficou s olhando. Elas cresciam, chegavam a cintura. Finas, compridas, como fitas de carne, enrugadas. Procurou uma tesoura, ia cortar a orelha, no importava que doesse. Mas no encontrou, as gavetas das moas estavam fechadas. O armrio de material tambm. O melhor era correr para a penso, se fechar, antes que no pudesse mais andar na rua. Se tivesse um amigo, ou namorada, iria mostrar o que estava acontecendo. Mas o escriturrio no conhecia ningum a no ser os colegas de escritrio. Colegas, no amigos. Ele abriu a camisa, enfiou as orelhas para dentro. Enrolou uma toalha na cabea, como se estivesse machucado.

Quando chegou na penso, a orelha saia pela perna da cala. O escriturrio tirou a roupa. Deitou-se, louco para dormir e esquecer. E se fosse ao mdico? Um otorrinolaringologista. A esta hora da noite? Olhava o forro branco. Incapaz de pensar, dormiu de desespero [...]

BRANDO, Igncio de Loyola. Os melhores contos.

Seleo de Dionsio da Silva. So Paulo: Global, 1993. P. 135. (Fragmento)

TEXTO 2

APTO. 606

No poderia dizer, foi na semana passada. Nem foi isto ou aquilo. Mas a partir de um momento impreciso alguma coisa se modificava no seu apartamento. Sensao talvez de diferena que no sabia bem definir. Depois os livros comearam a cair da estante. E noite percebeu que a luz desenhava um ngulo diferente sobre o quadro. Observou bem, mediu. Fez marcas no cho, tornou a medir

Sim, seu apartamento encolhia.

Temeu por sua segurana. Mas medida que as paredes se contraam expulsando-o, percebeu que num supremo esforo de vontade e concentrao podia adaptar-se, aos poucos tambm reduzindo suas medidas.

Diminuam agora em idntico ritmo. Menores os cmodos, menor o seu ocupante. Abandonadas as roupas enormes, envolto em tiras, viu aproximar-se o momento de lutar por sua sobrevivncia. Quando o sof rangeu e as madeiras rasgaram panos em lamentos de navio, ele escondeu-se atrs da televiso. Quando a televiso estilhaou-se entre centelhas, protegeu-se atrs do pote de plantas. Quando o bojo de cermica partiu-se esboroando terras e razes, defendeu-se com um caco. E quando finalmente parede encontrou parede aniquilando espaos, deixou-se escorregar junto ao piso, na fenda entre dois tacos.

Estranha arquitetura. Alturas gticas, escurido de gruta, um ar secreto que chegava. Ali seria sua nova casa. E tratou de instalar-se.

COLASANTI, Marina. A morada do ser contos. Rio de Janeiro:

Record, 2004. P. 79-80. (Fragmento)

ORIENTAES:- Escolhido o conto, imagine que o trecho lido a situao inicial. Continuem a histria, desenvolvendo o conflito, isto , o acontecimento que vai ter grande impacto na vida das personagens e gerar vrias consequncias.

- Lembre-se que voc deve desenvolver um conto fantstico ou maravilhoso com base no contedo inslito j relatado pelo autor. Aproveite as ideias apresentadas e, depois do conflito, criem um clmax e o desfecho.

- Seja criativo(a), portanto, imagine situaes inusitadas que tornem o leitor perplexo e hesitante em manter uma explicao racional dos fatos ou justific-los com base no sobrenatural.

- O conto fantstico deve ter protagonista e antagonista, como toda narrativa. No se esquea de que as personagens e as aes so poucas, e o tempo e espao reduzidos. Narre o desenrolar dos fatos e criem desfecho ou a concluso, que pode apresentar uma soluo de conflito, uma revelao ou uma interrogao, isto , uma explicao em aberto, que vai depender da interpretao de cada leitor.

- Empregue os vernos no pretrito e na 3 pessoa, como nos contos lidos. Use a variedade padro e altere o ttulo, se desejar.

C.E.A.G - CENTRO EDUCACIONAL VILA GIS

DATA: ________________________SRIE ________________

ALUNO (A) __________________________________________________________

PROFESSORA: DENISE GONALVES DISCIPLINA: PORTUGUS/GRAMTICA

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