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  • Antropologia

    Vera Cristina de Souza

    Adaptada por Vera Cristina de Souza / Revisada por Silvia Maria Carbone

  • APRESENTAO

    com satisfao que a Unisa Digital oferece a voc, aluno(a), esta apostila de Antropologia, parte integrante de um conjunto de materiais de pesquisa voltado ao aprendizado dinmico e autnomo que a educao a distncia exige. O principal objetivo desta apostila propiciar aos(s) alunos(as) uma apre-sentao do contedo bsico da disciplina.

    A Unisa Digital oferece outras formas de solidificar seu aprendizado, por meio de recursos multidis-ciplinares, como chats, fruns, aulas web, material de apoio e e-mail.

    Para enriquecer o seu aprendizado, voc ainda pode contar com a Biblioteca Virtual: www.unisa.br, a Biblioteca Central da Unisa, juntamente s bibliotecas setoriais, que fornecem acervo digital e impresso, bem como acesso a redes de informao e documentao.

    Nesse contexto, os recursos disponveis e necessrios para apoi-lo(a) no seu estudo so o suple-mento que a Unisa Digital oferece, tornando seu aprendizado eficiente e prazeroso, concorrendo para uma formao completa, na qual o contedo aprendido influencia sua vida profissional e pessoal.

    A Unisa Digital assim para voc: Universidade a qualquer hora e em qualquer lugar!

    Unisa Digital

  • SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................................................... 5

    PARTE I - TEORIA ANTROPOLGICA

    1 ANTROPOLOGIA .................................................................................................................................... 71.1 O que Antropologia? ..................................................................................................................................................71.2 Quais so os Objetivos da Antropologia? Para que Serve? .............................................................................91.3 Resumo do Captulo ....................................................................................................................................................101.4 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................10

    2 CINCIA, CONHECIMENTO CIENTFICO E CONHECIMENTO DE SENSO COMUM ......................................................................................................................................................11

    2.1 A Especificidade da Metodologia dos Estudos e das Pesquisas Antropolgicas .................................112.2 A Etnografia e a Etnologia: de que forma ocorre o Estudo Antropolgico? ..........................................122.3 O Conceito de Neutralidade - mile Durkheim .................................................................................................122.4 Alguns Conceitos Antropolgicos Importantes ...............................................................................................132.5 Resumo do Captulo ....................................................................................................................................................202.6 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................20

    3 AS PRINCIPAIS ESCOLAS DO PENSAMENTO ANTROPOLGICO CLSSICO .......... 213.1 As Principais Escolas ....................................................................................................................................................213.2 Os Cinco Polos do Estudo Antropolgico ...........................................................................................................243.3 Resumo do Captulo ....................................................................................................................................................253.4 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................25

    PARTE II - CLSSICOS DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA

    4 CASA GRANDE E SENZALA E O POVO BRASILEIRO ........................................................294.1 Gilberto Freyre ...............................................................................................................................................................294.2 Darcy Ribeiro ..................................................................................................................................................................324.3 Resumo do Captulo ....................................................................................................................................................404.4 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................40

    5 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................................... 41

    RESPOSTAS COMENTADAS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS ..................................... 43

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................. 45

  • Unisa | Educao a Distncia | www.unisa.br5

    com grande satisfao que fazemos chegar a suas mos a apostila Antropologia, seu contedo e respectivos objetivos.

    No descabido afirmar que a sociedade brasileira inserida em contexto mundial palco de inmeras e intensas ebulies sociais, econmicas, polticas e culturais.

    Nesse sentido, uma vez que o homem o ator social responsvel por tais transformaes, cabe re-fletirmos sobre de que forma as mesmas nascem, se desenvolvem e se estabelecem, ou seja, necessrio discutirmos sobre tradies e modernidades.

    Nesse sentido, a Antropologia cincia que tem como objetivo estudar o homem e suas respecti-vas diversidades culturais muito nos auxilia a esse respeito.

    Assim, com o propsito de encontrarmos respostas ainda que passageiras para tantas inquieta-es, produzimos desta apostila.

    Nela, considerando as discusses multidisciplinares, voc encontrar reflexes acerca do conceito, objeto e objetivos antropolgicos, bem como a metodologia de investigao cientfica pertinente.

    Estudaremos os conceitos antropolgicos elementares, como cultura, diversidades culturais, etno-centrismo, julgamentos de valores, relativismos, entre outros.

    Conheceremos igualmente o pensamento clssico de mile Durkheim e suas reflexes acerca do conceito de neutralidade.

    Discutiremos tambm o pensamento de dois importantes antroplogos brasileiros: Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala (1933) e Darcy Ribeiro em O Povo Brasileiro (1995).

    Para melhor compreenso de toda a discusso terica, apresentaremos contextualizaes e exer-ccios correlatos.

    Dessa forma, acreditamos que voc muito apreciar a apostila Antropologia aqui apresentada!

    Bons estudos!

    Profa. Vera Cristina

    INTRODUO

  • PARTE I - TEORIA ANTROPOLGICA

  • Unisa | Educao a Distncia | www.unisa.br7

    Antropo, origina do grego e significa ho-mem. Logia, de origem igualmente grega, quer dizer estudo. Ento, o nosso desafio conhecer, estudar o homem, sob a perspectiva antropol-gica.

    Para tanto, utilizar-nos-emos das quatro reas de conhecimento ou reas do saber huma-no1 em que se divide a Antropologia, ou seja: 1. Antropologia Fsica ou Biolgica (aspectos orgni-cos); 2. Antropologia Cultural (smbolos, mitos, ri-tos e valores); 3. Antropologia Social (organizao social, econmica, poltica e jurdica); e 4. Arqueo-logia2 (sociedades antigas, existentes ou no).

    O objeto da Antropologia o estudo dos di-ferentes comportamentos sociais e culturais exer-cidos pelos distintos grupos humanos.

    ANTROPOLOGIA1

    E o que cultura?

    Cultura

    So os hbitos, costumes, expresses lin-gusticas, danas, alimentao, religio, cren-as, valores, estrutura familiar, diverso, enfim, o modo, o estilo de vida de cada grupo populacio-nal que compe as sociedades.

    Por meio do estudo antropolgico ou o estudo do homem , possvel conhec-lo, assim como a sua interao com seu meio cultural. O homem produz e reproduz a sua prpria cultura. Sendo assim, a Antropologia estuda a especifici-dade cultural de cada povo, de cada grupo social, de cada realidade cultural.

    A Antropologia busca investigar, compreen-der, e, sobretudo, respeitar e considerar aquilo que tido como diferente, distinto, em uma dada sociedade. Busca considerar as pluralidades sem emitir julgamentos de valor.

    1.1 O que Antropologia?

    Saiba maisSaiba mais

    A Cincia Antropolgica: visa a estudar os diferentes agrupamentos sociais, bem como as respectivas parti-cularidades sociais e culturais. Para tanto, divide-se em quatro reas do saber: 1. Antropologia Fsica ou Bio-lgica (aspectos orgnicos); 2. Antropologia Cultural (smbolos, mitos, ritos e valores); 3. Antropologia Social (organizao social, econmica, poltica e jurdica); e 4. Arqueologia (sociedades antigas, existentes ou no).

    1 reas em que h concentrao e profundidade de estudos especficos.2 Arqueologia: arque, archaios, vem do grego e significa antigo. Ento, arqueologia significa o estudo de sociedades tradicionais, antigas existentes ou no , atravs das suas culturas, arquiteturas, artes etc.

    Saiba maisSaiba mais

    Cultura: so os diferentes estilos de vida, prprios dos distintos grupos sociais no que tange a valores religio-sos, crenas, mitos, ritos, hbitos alimentares, musica-lidade, dana, enfim, expresses culturais de todas as ordens.

  • Vera Cristina de Souza

    Unisa | Educao a Distncia | www.unisa.br8

    E o que so pluralidades?

    Pluralidades

    Como o prprio nome diz, pluralidade vem da palavra plural: muitos, vrios, diferentes, dis-tintos. O oposto pluralidade a singularidade (nico, um).

    Ns, seres humanos, vivemos em sociedade e somos diferentes uns dos outros, ou seja, somos plurais. Essa diferena no significa superioridade ou inferioridade e sim, diversidade.

    E o que so diversidades?

    Diversidades

    Diversidade significa diversos, diferentes. Os homens so diversos, diferentes entre si. Dife-renciamo-nos uns dos outros por vrios fatores, por vrias caractersticas: distintas raas/etnias (brancos, negros, japoneses, judeus, ciganos, n-dios etc.), distintas nacionalidades (brasileiros, americanos, japoneses, franceses, alemes etc.), distintas naturalidades (paulistas, baianos, cario-cas, recifenses, mato-grossenses etc.), distintos esteretipos, tipos fsicos (baixo, alto, gordo, ma-gro etc.), distintas religies (catolicismo, protes-

    Saiba maisSaiba mais

    Pluralidades: significa tudo aquilo que diverso, plu-ral, vrios, distintos. No contexto antropolgico deve ser entendido como pluralidades sociais; pluralidades culturais.

    3 No universo acadmico, o profissional de quaisquer reas do saber pode, se assim desejar, enveredar-se, debruar-se sobre o estudo de um tema especfico, um assunto que lhe chame a ateno, que lhe atrai, desenvolvendo sobre ele novos estudos e pesquisas em profundidade.4 Adiante trataremos com mais vagar o conceito de etnocentrismo.5 Conceitos: so significados, ideias, pensamentos oriundos de estudos e pesquisas. Os conceitos podem variar de acordo com as definies atribudas a eles pelo pesquisador, ou seja, um conceito poder ter mais de um significado. Dessa forma, necessrio utilizarmos aquele que expressa o nosso pensamento; exemplo: vrios autores desenvolvem e adotam distintos conceitos sobre classes mdias: a) posso referir-me a uma pessoa como sendo de classe mdia de acordo com os bens materiais que possui; ou b) posso referir-me a ela somente pelo nvel de escolaridade independentemente de suas posses; ou c) por ambos.

    tantismo, candoblecismo etc.), distintas culinrias tpicas (acaraj e vatap, na Bahia; churrasco, no Rio Grande do Sul etc.), entre outras caractersti-cas culturais.

    O desenvolvimento ou a aplicao dos es-tudos antropolgicos devem fundamentalmente ocorrer sem que o pesquisador3, o antroplogo, utilize-se de seus valores, de suas prprias cren-as. Para tanto, necessrio que ele se dispa de todos e quaisquer julgamentos de valor.

    E o que significa julgamento de valor?

    Julgamento de valor

    Refere-se s prticas etnocntricas4 (o ho-mem no centro do universo) que julgam a cultura, o comportamento, a forma de ser, de se relacio-nar a partir de seus prprios valores. Atribui valo-res ao outro de acordo com aquilo que considera ser o correto, o justo, o aplicvel. uma viso que despreza o conceito5 de diversidades e se ocupa do conceito de superioridade. Parte da crena de que tem o poder, o domnio da verdade.

    Saiba maisSaiba mais

    Diversidades: o mesmo que pluralidades (varieda-des). No contexto antropolgico deve ser compreen-dido como diversidades sociais, diversidades culturais.

    Saiba maisSaiba mais

    Julgamento de Valor: significa a emisso de opinio com conotaes de avaliao ou crtica negativa.

  • Antropologia

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    Como vimos, a Antropologia tambm co-nhecida como a cincia da humanidade ocu-pa-se do estudo das diferenas culturais ou das diversidades culturais. Ao cumprir os seus obje-tivos, ou seja, investigar e compreender as espe-cificidades culturais do outro, tem como maior misso demonstrar que diferenas culturais no significam desigualdades culturais, no cabendo valoraes. Trata-se, portanto, de respeitar as di-ferenas.

    Cabe chamar a ateno para o fato de que, em larga medida, quando adentramos no univer-so antropolgico, remetemo-nos ao campo dos estudos sociolgicos.

    E o que Sociologia?

    Sociologia

    Palavra hbrida (socio vem do latim e quer dizer sociedade / logia origina do grego e signifi-ca estudo). Assim, Sociologia o estudo da socie-dade, dos comportamentos, instituies, prticas sociais.

    Percebam que a Antropologia se prope ao estudo dos comportamentos individuais in-seridos nos contextos sociais. Dessa forma, as diferenas entre os saberes sociolgicos e os an-tropolgicos so tnues, quase imperceptveis, e esto basicamente voltadas metodologia de investigaes cientficas aplicada, quais sejam: as tcnicas quantitativas e qualitativas. Enquanto a Sociologia privilegia os resultados mensurveis, estatsticos, a Antropologia, por sua vez, preocu-pa-se com a histria oral, com o dizvel, com o re-latado. H de se notar que tais prticas no so rgidas, mas, sim, complementares, uma vez que se somam, completam-se, confluem-se.

    1.2 Quais so os Objetivos da Antropologia? Para que Serve?

    A Diversidade Profissional e a Cincia Antropolgica: Qual a Importncia do Estudo da Disciplina de Antropologia para as Distintas reas do Saber?

    Inicialmente, cabe dizer que a aplicao dos conhecimentos advindos das Cincias Sociais pertinente a todas as reas do saber humano. Como visto, a Antropologia, ao valorizar as diver-sidades culturais, refuta as prticas associadas aos julgamentos de valores ou prticas etnocntricas. A fim de tornar ainda mais compreensvel a im-portncia disto, Franois Laplantine (2000) nos apresenta, entre outros, o conceito de alteridade.

    Ns seres humanos enquanto seres indivi-duais no vivemos sozinhos, no nos bastamos e, portanto, dependemos do outro para viver es-tabelecendo, consequentemente, relaes sociais e interpessoais.

    Tais relaes, por sua vez, so distintas umas das outras, j que os homens no que tange aos aspectos subjetivos diferenciam-se entre si, de acordo com sua cultura, seus valores, suas emo-es. Logo, independentemente de nossa von-tade, deparamo-nos com o outro existente na sociedade. Dessa forma, deparando-nos com o diferente, e mediante a respectiva reflexo, re-conhecemo-nos em nossa prpria cultura. A esse respeito, nas palavras de Laplantine, a Antropolo-gia nos permite uma revoluo no olhar. Ensina--nos ele:

    A experincia da alteridade (e a elabo-rao dessa experincia) leva-nos a ver aquilo que nem teramos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fi-xar nossa ateno no que nos habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos evidente. Aos poucos, notamos que o me-

  • Vera Cristina de Souza

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    nor dos nossos comportamentos (gestos, mmicas, posturas, reaes afetivas) no tem realmente nada de natural. Comea-mos, ento, a nos surpreender com aqui-lo que diz respeito a ns mesmos, a nos espiar. O conhecimento (antropolgico) da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possvel entre tantas outras, mas no a nica. (2000, p. 21).

    Dessa forma, os estudantes, desde o incio de seu curso de graduao, aprendero a refletir sobre realidades sociais e culturais diferentes das suas, j que quando do exerccio de sua profisso j formados estaro, sistematicamente, em contato com o outro. Como compreend-los, se no souber lidar com as diferenas?

    1.3 Resumo do Captulo

    O entendimento do significado da Antropologia e de sua importncia para a prtica do assistente social de primordial importncia.

    Neste captulo, pudemos ter clareza do significado social e etimolgico da Antropologia, sendo que procuramos construir um breve resgate histrico, imbricando-a cultura e esclarecendo a impor-tncia dessa relao, bem como discorrendo sobre a importncia do conhecimento antropolgico s diferentes reas do saber.

    1.4 Atividades Propostas

    1. De que forma podemos conceituar Antropologia e quais so os seus objetos e objetivos?

    2. No que se refere metodologia cientfica utilizada pela cincia antropolgica, como podemos definir os conceitos de Etnografia e Etnologia?

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    CINCIA, CONHECIMENTO CIENTFICO E CONHECIMENTO DE SENSO COMUM2

    Metodologia Cientfica Como Proceder ao Estudo Antropolgico?

    Para se proceder ao correto estudo da An-tropologia bem como ao de todas as demais disciplinas de fundamental importncia do-minarmos a definio de cincia.

    Cincia consiste na produo de teorias e de conceitos obtidos a partir de pressupostos tericos resultantes de investigaes cientficas. A produo do conhecimento cientfico requer o auxlio de mltiplos saberes e por essa razo tem carter multidisciplinar.

    Multidisciplinaridade

    Multidisciplinaridade (multi = vrios; disci-plinaridade = disciplinas) significa a soma dos co-nhecimentos produzidos pelas diferentes discipli-nas, pelos conhecimentos cientficos diversos. Em oposio a isso, est o monoculturalismo (mono = um, nica cultura na qual as diversidades so desprezadas).

    Fundamenta-se no conhecimento cientfi-co, que, por sua vez, produzido mediante o rigor cientfico. Para ser considerado cientfico, deve ser emprico.

    Emprico/Empirismo

    O conhecimento cientfico emprico, o que significa dizer que foi experimentado, testado, comprovado. E ainda, os conhecimentos cientfi-cos obtidos no so estticos, estando, portanto, em constantes movimentos (sempre repensados, sempre revistos, sempre reavaliados).

    Os dados resultantes das investigaes cientficas podem ser corroborados (comprova-dos, validados) ou refutados (negados, invalida-dos), sendo que as respectivas anlises devem ocorrer de forma minuciosa e imparcial (neutra).

    Logo, ao tratarmos de cincia, de conheci-mento cientfico, estaremos igualmente tratando do conceito de epistemologia.

    Epistemologia

    Significa a fundamentao do conhecimen-to cientfico, ou seja, a busca pelo conhecimento erudito, minucioso, criterioso, aprofundado.

    As Cincias dividem-se em Humanas (An-tropologia, Sociologia, Psicologia etc.), Naturais (Qumica, Fsica, Astronomia etc.) e Abstratas (pensamento lgico-matemtico, estatstico etc.).

    Em oposio ao conceito de Cincia ou Epis-temologia, temos o conceito de senso comum.

    2.1 A Especificidade da Metodologia dos Estudos e das Pesquisas Antropolgicas

  • Vera Cristina de Souza

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    Senso comum

    So os conhecimentos ditos de forma no cientfica, no emprica; so as suposies.

    Como dito, a aplicao dos conceitos refe-rentes cincia cabe a todas as reas do saber. No entanto, cada uma delas apresenta os seus pr-prios instrumentais ou a sua prpria metodolo-gia. Dessa forma, nos ocuparemos daqueles per-tinentes Antropologia, quais sejam a etnografia e a etnologia.

    Etnografia

    Etno quer dizer povo e grafia significa es-crita, ou seja, etnografia destina-se escrita do povo e mais exatamente, coleta de informa-es relativas ao povo. Trata-se do desenvolvi-mento do trabalho de campo, da pesquisa de campo.

    Ento, quando o pesquisador decide-se por fazer um estudo antropolgico, significa dizer que o antroplogo/pesquisador far um estudo etnogrfico (pesquisa de campo).

    Ao procedermos a um estudo cientfico e etnogrfico, propomo-nos a buscar respostas para as seguintes questes: como e onde pes-

    2.2 A Etnografia e a Etnologia: de que forma ocorre o Estudo Antropolgico?

    quisar? Como coletar os dados? Como devo fazer para me aproximar do meu entrevistado? Como perguntar? Como analisar? Como no me envol-ver emocionalmente? Como cumprir os meus ob-jetivos? Entre outras indagaes pertinentes.

    Etnologia

    Etno quer dizer povo e logia, estudo. Logo, etnologia significa a anlise dos dados obtidos, coletados, quando da execuo do trabalho de campo (etnogrfico). Dessa forma, o pesquisa-dor/antroplogo se inclinar sobre os resultados etnogrficos e desenvolver o estudo etnolgico.

    Saiba maisSaiba mais

    Metodologia Cientfica dos Estudos Antropol-gicos:

    1. Etnografia: pesquisa de campo.2. Etnologia: estudo dos resultados coletados na

    pesquisa de campo.

    2.3 O Conceito de Neutralidade - mile Durkheim

    Conforme apresentado, o conceito de neu-tralidade parte integrante da Metodologia do Trabalho Cientfico, cabendo ento debruarmos sobre ele.

    mile Durkheim (2007) entende que o pes-quisador, quando do desenvolvimento do tra-balho de campo, deve conceber os fatos sociais estudados como coisas. Essa coisificao seria

    necessria para que se possa investig-los de modo neutro (neutralidade) e distante (distancia-mento). Segundo ele, tal procedimento metodo-lgico permite a no interferncia dos valores do pesquisador sobre a realidade do grupo estuda-do.

    No entanto, parte dos pesquisadores sociais critica o conceito de neutralidade apregoado por

  • Antropologia

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    Durkheim e sua aplicabilidade. Questionam se de fato possvel ao pesquisador manter-se neu-tro e distante frente ao estudo de determinadas realidades sociais e culturais. Como respostas a essas inquietaes, entendem que indepen-dentemente das emoes possivelmente desper-tadas a minuciosidade do rigor cientfico deve prevalecer.

    Apresento abaixo uma realidade que me-rece ser refletida, considerando, para tanto, a discusso acerca dos conceitos de neutralidade, diversidade cultural e rigor cientfico. Como voc se portaria diante desta situao?

    Infanticdio pe em xeque respeito tradio indgena6

    Mayut, ndio de quase dois anos de idade, deveria estar morto por conta da tradio de sua etnia kamaiur. Na lei de sua tribo, gmeos devem ser mortos ao nascer porque so sinnimos de maldi-o. Paltu Kamaiur, 37, enviou seu pai, paj, s pressas para a casa da famlia de sua mulher, Yakuiap, ao saber que ela ha-via dado luz a gmeos. Mas um deles j tinha sido morto pela famlia da me. Paltu enfrentou discriminao da tribo,

    6 Este artigo, bem como outros aqui apresentados, esto disponveis em http://www.folha.com.br/.

    para a qual a criana amaldioaria a al-deia. [...] Ainda praticado por cerca de 20 etnias entre as mais de 200 do pas, esse princpio tribal leva morte no apenas gmeos, mas tambm filhos de mes sol-teiras, crianas com problema mental ou fsico, ou doena no identificada pela tribo.

    Projeto de lei

    H Projeto de Lei que trata de combate s prticas tradicionais que atentem con-tra a vida, que tramita na Cmara desde maio passado [...] A proposta polmica entre ndios e no-ndios. H quem argu-mente que o infanticdio parte da cultu-ra indgena. Outros afirmam que o direito vida, previsto no artigo 5 da Constitui-o, est acima de qualquer questo [...]. (BONI, 2008).

    Saiba maisSaiba mais

    Neutralidade: metodologia cientfica, de carter Po-sitivista, defendida, entre outros, por mile Durkheim. Para este autor o pesquisador deve analisar os fatos sociais com distanciamento, imparcialidade, neutrali-dade.

    Estruturas Familiares

    Sistema monogmico

    Monogamia sistema familiar, cultural, so-cial e religioso que legitima os matrimnios me-diante um s parceiro durante determinado pe-rodo de tempo.

    Sistema bigmico

    Bigamia sistema familiar, cultural, social e religioso que legitima os matrimnios mediante

    2.4 Alguns Conceitos Antropolgicos Importantes

    dois parceiros durante determinado perodo de tempo.

    Sistema poligmico

    Poligamia sistema familiar, cultural, social e religioso que legitima os matrimnios mediante mais de dois parceiros durante determinado pe-rodo de tempo.

  • Vera Cristina de Souza

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    Endogamia

    Endogamia (endo = dentro / gamo = casa-mento) unies, matrimnios, ocorridos no inte-rior do mesmo grupo a que pertencem os envol-vidos (religioso, familiar, tnico, classes sociais).

    Exogamia

    Exogamia (exo = fora / gamo = casamento) unies, matrimnios ocorridos exteriormente aos grupos pertencentes (religioso, familiar, tnico, classes sociais).

    Estruturas Familiares Caractersticas:

    1. Sistema Monogmico: legitima os matrimnios/unies com um nico parceiro.2. Sistema Bigmico: legitima os matrimnios/unies com dois parceiros.3. Sistema Poligmico: legitima os matrimnios/unies com mais de dois parceiros. 4. Endogamia: legitima os matrimnios/unies ocorridos no interior dos grupos nos quais pertencem os envolvidos.5. Exogamia: legitima os matrimnios/unies ocorridos no exterior dos grupos nos quais pertencem os envolvidos.

    CuriosidadeCuriosidade

    Etnocentrismo

    O termo etno significa povo e centrismo significa centro. Esse conceito quer dizer que o homem e o seu grupo social, racial/tnico consi-deram-se o centro do universo. Tudo aquilo que lhes pertencem estruturas familiares, sociais, culturais, econmicas e polticas so padres por eles considerados como superiores, corretos, nicos, verdadeiros e que, portanto, devem ser seguidos.

    De outra forma, tudo aquilo que for diferen-te quilo que conhecem, pensam, acreditam, va-lorizam, defendem , aos seus olhos, moralmente inaceitvel, inferior, anormal, selvagem, primitivo e degradante, devendo, portanto, ser modificado, destrudo, exterminado.

    As consequncias das prticas etnocn-tricas so todas elas negativas, devastadoras e violentas, verificadas nas relaes de superiori-dade empreendidas por aqueles que mandam, impem, julgam. Estes so representados pelas

    figuras dos colonizadores, civilizadores (os que mandam) e, do outro lado, esto os colonizados, civilizados (civilizveis), ou seja, aqueles que so violentados, subjugados, inferiorizados. As rela-es de poder so fortemente verificadas nas re-laes de colonizadores e colonizados7.

    Selvagem/Brbaro/Primitivo

    Termos pejorativos e preconceituosos utili-zados por aqueles que se consideram superiores aos membros de sociedades diferentes das suas e que desenvolvem modos de vida distintos dos seus.

    Saiba maisSaiba mais

    Etnocentrismo: compreenso de que o homem e o seu grupo social, racial/tnico esto no centro do uni-verso.

    7 Indico as leituras de Michel Maffesoli (1997) e Albert Memmi (1999).

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    Xenofobia

    Xeno significa estrangeiro e fobia, medo. Xenofobia significa, ento, medo, horror, pnico quele que diferente. As consequncias xenof-bicas so verificadas nas violncias praticadas so-bre os grupos considerados minoritrios: negros, ndios, homossexuais, nordestinos, portadores de necessidades especiais.

    Segue abaixo um exemplo clssico de pr-ticas xenfobas exercidas, cotidianamente, na so-ciedade brasileira:

    AO URGENTE: TEMOR PELA SEGU-RANA

    Um grupo neonazista enviou pacotes--bomba para a casa do funcionrio da Anistia Internacional em So Paulo, Eduardo Bernardes da Silva, e para os or-ganizadores da Parada do Orgulho Gay. [...] Em 5 de setembro, o grupo neonazis-ta tambm enviou cartas a dois destaca-dos membros de comisses de direitos humanos de So Paulo, Renato Simes e talo Cardoso, ameaando exterminar gays, judeus, negros e nordestinos (pes-soas oriundas da empobrecida Regio Nordeste do Brasil), assim como aqueles que procuram proteger os direitos dessas pessoas. (FOLHA ONLINE, 2000).

    Eugenia

    Em meados do sculo XIX (1859), o bilogo ingls Charles Darwin publica a sua famosa obra A Origem das Espcies. Mediante estudos desen-volvidos com plantas e animas, conclui a sua Teo-ria da Seleo Natural de cunho evolucionista.

    Frente concepo evolucionista e de-turpando os estudos de Charles Darwin , Fran-cisco Dalton (primo de Charles Darwin) funda no ano de 1908 a Sociedade de Educao Eugnica, condenando a miscigenao a fim de manter a pureza das raas, surgindo, assim, o conceito de Eugenia (SOUZA, 2002). Com ela, Dalton defendia que na sociedade haveria dois grupos humanos distintos entre si, sendo um forte e o outro, fra-

    co. Consequentemente, dada a supremacia das capacidades intelectuais inatas do primeiro gru-po (o forte), somente este sobreveveria. O outro (o fraco) estaria naturalmente fadado ao fracasso.

    Interessante notar que muito recentemente manifestaes a esse respeito se fizeram presen-tes, como mostra o artigo abaixo publicado pelo Jornal Folha de So Paulo, em outubro de 2007.

    Africano menos inteligente, diz Nobel

    Uma entrevista do bilogo James Wat-son, 79, com declaraes racistas an-teontem a um jornal britnico atraiu uma enxurrada de crticas de cientistas, so-cilogos, polticos e ativistas de direitos humanos. Watson, ganhador do Prmio Nobel por ter descoberto a estrutura do DNA juntamente com Francis Crick, em 1953, afirmou ao jornal britnico The Sunday Times que africanos so menos inteligentes do que ocidentais e, em ra-zo disso, se declarou pessimista em re-lao ao futuro da frica. Todas as nossas polticas sociais so baseadas no fato de que a inteligncia deles (dos negros) igual nossa, apesar de todos os testes dizerem que no, afirmou o cientista. Pessoas que j lidaram com emprega-dos negros no acreditam que isso (a igualdade de inteligncia) seja verdade. [...] Pessoas que apontaram erros na de-clarao de Watson afirmam que a rea-o ao cientista precisa ser contundente. Em outra ocasio, defendeu o direito ao aborto, se as grvidas pudessem saber se a criana nasceria homossexual. Entre os cientistas que reagiram de maneira mais dura contra Watson esto os prprios ge-neticistas. Definitivamente, isso no faz sentido nenhum e totalmente estapa-frdio, disse Folha Srgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais. uma falcia de autoridade. Ele no es-pecialista no estudo de evoluo de po-pulaes humanas. Ele estuda biologia molecular pura. Pena, cujo trabalho so-bre populaes brasileiras contribuiu em grande medida para derrubar o conceito biolgico de raas humanas, afirma que a maioria das pessoas no vai levar Watson a srio, mas que ele pode inflamar os ni-mos daqueles que j so racistas. Sobre a situao da frica, Pena diz que nem sequer uma questo de inteligncia. O

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    Watson confunde uma situao histrica e social da frica com uma situao bio-lgica, disse. O que acontece que os africanos foram vtimas de uma coloniza-o brutal por parte dos europeus. (GAR-CIA, 2007).

    Raa

    A Organizao das Naes Unidas para a Educa-o, a Cincia e a Cultura (UNESCO), entre as dcadas de 1950 a 1960, iniciou no Brasil uma srie de estudos com o objetivo de investigar como se processava a insero dos negros na sociedade e, sobretudo, de identificar as barreiras sua ascenso social. Entre os seus achados, concluiu que o conceito de raa inaplicvel aos seres humanos, ou seja, raa no existe, expressando, portanto, um com-ponente social e poltico.

    Cor

    Atributo, caracterstica fsica e biolgica cambiante (varivel), relacionada cor da pele, dos olhos e do cabelo, proveniente do processo de miscigenao.

    Etnia

    Conceito antropolgico que trata das espe-cificidades culturais (lngua, religio, mito, rito, rit-mos, vestimenta, canto, dana, alimentao etc.).

    Racismo

    Cr na existncia de superioridade, de hie-rarquia entre as raas, defendendo-a e conside-rando os esteretipos, sobretudo os relacionados

    cor da pele: brancos superiores aos negros ver-sus negros inferiores aos brancos.

    Discriminao

    Violao dos direitos das pessoas em de-corrncia de seus atributos fenotpicos (fsicos) e genotpicos (genes, biolgicos), tais como cor da pele, etnia, idade, religio, procedncia regional e humanos. a prtica racista, o tratamento dife-renciado advindo do preconceito racial.

    Preconceitos

    No que tange s questes sociais, raciais, regionais, de gnero, entre outras, o preconceito manifestado atravs da repulsa, da intolerncia, do desafeto, da violncia, da discriminao afeti-va, fsica ou emocional.

    O artigo abaixo registra a pertinncia das discusses antropolgicas acerca das prticas dis-criminatrias exercidas, por exemplo, no mercado de trabalho, envolvendo as minorias.

    Discriminao no trabalho

    Atualmente, as empresas brasileiras es-to continuamente sujeitas a sofrer pro-cessos trabalhistas por prticas discrimi-natrias. Cerca de dois milhes de aes deram entrada no Judicirio em 2006, se-gundo um levantamento do TST (Tribu-nal Superior do Trabalho). [...] O tratamen-to discriminatrio no Brasil est ligado s grandes diferenas na distribuio da renda e cultura secular de tratamento discriminatrio, que nos acompanha des-de o Brasil Colnia e que at hoje se refle-te em atos contra determinados grupos, como mulheres, negros, soropositivos, deficientes, entre outros. No mbito das relaes de trabalho, a Conveno 111 da OIT sobre discriminao em matria de emprego e profisso que impe limi-tes ao comportamento das empresas em relao aos indivduos, tanto em termos de escolha de candidatos ao emprego quanto aos critrios na promoo de fun-o e na deciso de rescindir o contrato de trabalho. Eventual diferena numrica

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    Etnia: refere-se s especificidades culturais (estilos de vidas) presentes nos distintos grupos sociais.

  • Antropologia

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    entre homens e mulheres, negros e bran-cos, por exemplo, resulta da legitimidade que tem o empregador de avaliar a qua-lificao e capacitao de cada um dos candidatos que se apresentam para uma vaga ou posio dentro da empresa, no podendo ser tida como conduta discrimi-natria punvel. (LACERDA, 2008).

    Aculturao/Assimilao

    Refere-se ao processo de perda da prpria cultura, dos valores, dos comportamentos de um grupo social em detrimento da aceitao, incor-porao, das apresentas por outro grupo. No tem, necessariamente, conotao negativa, uma vez que pode haver, ou no, as respectivas trocas entre os grupos envolvidos.

    Reflitamos acerca do artigo a seguir:

    ESCOLA DA VIDA

    Com ar provocador, o aluno dispara em um portugus hesitante: Profes-sora, o que quer dizer c...? Rosnge-la Portela, 46, a professora, entendeu de imediato. O estudante, um jovem negro anglfono da frica Ocidental, agora desterrado, estava testando-a. Eu respondi sem piscar. Repeti pausada-mente a palavra e a traduzi para o ingls. Expliquei que se tratava de um palavro que pessoas bem educadas no deve-riam pronunciar. Perguntei, ento, se ele havia compreendido, lembra a pro-fessora. O rapaz, que nunca havia visto uma professora (em seu pas s homens desempenham a funo), que junto a isso nunca ouviu uma mulher direita se referir aos genitais masculinos, fez que sim e teve, dessa forma, sua primeira aula de cultura brasileira. O episdio ocorreu na semana passada, em uma sala de aula no Sesc (Servio Social do Comrcio), no centro da cidade de So Paulo, onde comeava mais um curso de portugus para refugiados de guerras e tragdias humanitrias, dentro de um programa de aculturao com o Brasil. Na ocasio, o jovem acabava de completar dez dias no pas. [...] Expressando-se em ingls (a maioria), ou francs e espanhol, a atual leva de refugiados tem como primeira

    misso aprender portugus. A professo-ra lembra-se de um aluno nigeriano que viveu dias de euforia na chegada. Depois de um ms, ele entrou em depresso se-vera. Percebeu que estava sozinho (per-deu todos os vnculos com parentes na frica), que obter trabalho era compli-cado. Tivemos de ampar-lo seriamente. (CAPRIGLIONE, 2004).

    Sincretismo Religioso

    a mistura, a fuso, a assimilao de um ou mais elementos culturais entre religies diferen-tes, ou seja, determinada religio se utiliza dos mitos e ritos religiosos distintos aos seus. Exemplo disto pode ser verificado no processo histrico re-lativo ao trfico de escravos para o Brasil. Como sabido, uma das caractersticas profundamente marcantes que impulsionaram a colonizao bra-sileira foi o trfico de escravos. Na frica, os negros viviam em regies distintas, cada grupo com os seus prprios valores culturais, inclusive do ponto de vista da religiosidade. Aqui chegando, foram impedidos de cultivarem suas religies e obri-gados a praticar a imposta pelo branco europeu, qual seja, o catolicismo. No entanto, como forma de resistncia e preservao da religio africana, os africanos frequentavam os ritos catlicos, mas mantinham secretamente os seus, misturando os elementos da religio africana aos elementos da cultura catlica. A umbanda exemplo disso.

    Cabe destacar que o sincretismo religioso no est presente somente na cultura africana, conforme abaixo ilustrado:

    Ch do Santo Daime transborda para outros cultos

    O Santo Daime - culto apoiado no cato-licismo popular e conhecido pelo consu-mo de um ch chamado ayahuasca - est em uma terceira onda de expanso. Aps

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    Aculturao/Assimilao: processo pelo qual se per-de ou se troca cultura entre distintos grupos sociais.

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    sair da floresta amaznica para chegar aos grandes centros e depois chegar ao exte-rior, agora a vez do culto se fundir com outras religies, em especial o hindusmo e a umbanda, relata Roberto de Oliveira. Para o antroplogo Edward MacRae, 61, da Universidade Federal da Bahia, assim como outras religies, o Santo Daime tambm tem a propriedade de aglutinar elementos de outras crenas, como um-banda, traos indgenas, cristos, afro e esotricos, ocidentais ou orientais. A aya-huasca facilita a experincia mstica. E justamente essa experincia, sem a inter-mediao da figura de um sacerdote, que est colaborando para a sua expanso, diz o professor. Coordenador do Conub (Conselho Nacional da Umbanda do Bra-sil) no Estado de So Paulo, Pai Medeiros, 39, no condena a mistura. Ele diz que a umbanda inclusiva, abrange muitas vertentes e que a umbandaime - mistura da umbanda com o Santo Daime - uma delas. Qualquer forma de manifestao do sagrado respeitada. (FOLHA ONLINE, 2007).

    Relativismo Cultural (RC)

    O conceito de relativismo cultural est in-timamente associado ao amplo conceito de di-versidades e ao de alteridade, bem como aos julgamentos de valores dicotmicos: bom e mal, permitido e proibido, certo e errado, feio e bonito, f e heresia, moral e imoral, entre outros. Como sabido, qualquer tentativa de propor a um deter-minado grupo social que exera crenas, valores e comportamentos semelhantes aos nossos, es-taremos incorrendo certamente em prticas pre-conceituosas, portanto, etnocntricas. H de se considerar que o que vlido e verdadeiro para um determinado grupo social no se faz neces-sariamente realidade para os demais. Cabe-nos perguntar: qual o critrio para se definir e, con-

    sequentemente, julgar a realidade de terceiros? Qual o critrio utilizado para se estabelecer aquilo que melhor (ns, o nosso) em contrapo-sio ao pior (eles, deles)?

    Exemplos do no exerccio do conceito de relativismo cultural estiveram presentes no Brasil quando do processo de colonizao que envolvia de um lado os europeus e os padres-jesutas e de outro, os indgenas, vistos pelo grupo europeu sob duas ticas etnocntricas.

    Selvagens, brutos e ignorantes

    Os ndios eram concebidos como animais vestidos em pele humana, incapazes, feios, fleu-mticos (lentos, preguiosos). Viviam em uma sociedade sem Estado, sem leis, sem organizao social, moral ou poltica. Eram imorais, andavam nus e praticavam a poligamia, desrespeitando, dessa forma, o sagrado significado da famlia e dos bons costumes:

    [...] as pessoas deste pas, por sua natu-reza, so to ociosas, viciosas, de pouco trabalho, melanclicas, covardes, sujas, de m condio, mentirosas, de mole consistncia e firmeza [...] Nosso senhor permitiu, para os grandes, abominveis pecados dessas pessoas selvagens, rsti-cas e bestiais, que fossem atirados e bani-dos da superfcie da terra. (OVIEDO apud LAPLANTINE, 2000, p. 42).

    Dceis, ingnuos, bestializados, sem razo, sem raciocnio

    Aqui os ndios eram inocentes, pueris, in-capazes e de pouca inteligncia, necessitando ser conduzidos a uma vida dignamente humana: eles so afveis, liberais, moderados [...] todos os

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    Sincretismo Religioso: a fuso/assimilao de um ou mais elementos culturais entre religies diferentes.

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    Relativismo Cultural: refere-se compreenso acerca da pluralidade cultural existente entre os distintos gru-pos sociais.

  • Antropologia

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    nossos padres que freqentaram os selvagens consideram que a vida se passa mais docemente entre eles do que entre ns [...] (OVIEDO apud LA-PLANTINE, 2000, p. 33).

    Como visto, para ambas as situaes caberia aos europeus seres superiores domesticar e, para tanto, seria necessrio propiciar aos ndios, de modo imediato, uma alma, conferindo-lhes, portanto, uma religio evidentemente, a catli-ca.

    Apresentamos abaixo um trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha8 que trata disso:

    [...] parece-me gente de tal inocncia que, se ns entendssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristos, visto que no tm nem entendem crena alguma, se-gundo as aparncias. E, portanto, se os degredados que aqui ho de ficar apren-derem bem a sua fala e eles a nossa, no duvido que eles, segundo a santa teno de Vossa Alteza, se faro cristos e ho de crer na nossa santa f, qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certa-mente esta gente boa e de bela simpli-cidade. E imprimir-se- facilmente neles todo e qualquer cunho que lhes quise-rem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o fato de Ele nos haver at aqui trazido, creio que no foi sem causa. E portanto, Vossa Alteza, pois tan-to deseja acrescentar santa f catlica, deve cuidar da salvao deles. E aprazer Deus que com pouco trabalho seja assim.

    Representaes Sociais

    So as formas pelas quais os distintos gru-pos sociais se veem e se valorizam social e cultu-ralmente. Tais consideraes podem ser positivas ou negativas, sendo formadas pela ao do cons-ciente coletivo. O consciente coletivo constru-do a partir da soma dos conscientes individuais; ou seja, um indivduo se identifica com o outro devido a vrios fatores, entre eles: sua forma de pensar, sua viso de mundo, seus valores, suas

    crenas e assim sucessivamente. Dessa forma, surge um grupo maior, um grupo social onde seus membros comungam de um mesmo pensamen-to. Esse grupo mediante a soma das variveis sociais, econmicas e ideolgicas multiplica--se e acaba por se encontrar com demais grupos que tm representaes sociais distintas das suas. Os valores, os esteretipos e os preconceitos so produzidos e reproduzidos no interior desses grupos, como tambm aplicados cotidianamen-te. Expresses como: a maioria dos negros mar-ginal, nordestino preguioso, homossexual imoral e mulher menos capaz do que os ho-mens, entre outras, so frequentemente ouvidas.

    O artigo abaixo exemplifica um dos com-portamentos das Representaes Sociais em nos-so cotidiano:

    Caio Blat relata o preconceito que sofreu em So Paulo ao incorporar caractersti-cas de um jovem do Capo Redondo, na periferia da cidade

    Numa tarde de domingo [...] o ator Caio Blat estava caminhando na rua So Car-los do Pinhal (paralela avenida Paulista), onde mora, quando comeou a chover. Buscou abrigo em um restaurante fur-reba [...] Resolveu comer alguma coisa e sentou-se em uma mesa no meio do salo. O ator est com aparncia bem di-ferente daquela de mocinho das novelas da TV Globo. Para estrelar o filme Brder!, do diretor Jeferson De, que acaba de ser rodado na regio do Capo Redondo, em SP, ele incorporou caractersticas do personagem Macu (inspirado em Macu-nama), um rapaz de periferia que bran-co, se v como negro e acaba no crime. Caio [...] raspou o cabelo [...] e fez at um risco na cabea com gilete, imitando o visual que, diz, surgiu na cadeia e depois foi imitado na favela. mesa, naquele domingo, ele foi surpreendido por um funcionrio do restaurante. Era o geren-te [...] Encostou e falou assim: Eu no vou ter problema com voc no, n?, conta. O ator perguntou a que tipo de proble-ma ele se referia. Voc sabe muito bem. Eu te conheo, eu te conheo. Vai querer

    8 A ntegra da Carta do Descobrimento do Brasil sc. XVI, de Pero Vaz de Caminha, pode ser verificada em http://www.cce.ufsc.br/.

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    alguma coisa? Quero um suco de laranja e um galeto, respondeu. O que voc qui-ser, voc pede no caixa. Caio perguntou se os outros clientes tambm precisaram fazer aquilo. O gerente repetiu as instru-es e o deixou sozinho na mesa. [...] Em outra ocasio, foi barrado na porta gira-tria de um banco. Vi como ser tratado como suspeito.. Por sugesto da coluna, Caio Blat aceitou voltar ao Arcadas Gale-to... desta vez, ele veste camiseta branca, cala jeans e havaianas azuis. O risco na testa quase invisvel, porque seu cabelo comea a crescer. Tem que pegar ficha no caixa ou pode pedir na mesa?, diz, aps se sentar no mesmo assento que ocupou um ms antes e receber o cardpio. Pode ser na mesa, responde o garom. Desta vez, atendido. Uma garota o reconhe-ce, pede autgrafo e tira fotos. O garom passa, pe a mo em seu ombro e diz: bom ser famoso. Todo mundo vem falar com voc. [...] Depois que Caio recebe o suco, o reprter chama o gerente. [...]

    Reconhece o ator? Sim, ele esteve aqui h um ms, responde. E por que no foi atendido na ocasio? Foi um equvoco. A gente no chegou a um entendimento e s percebemos depois que era ele. [...] Caio argumenta que ficou dez minutos na mesa, esperando. Eu estava fazendo um filme no qual vivia um marginal e tive a ntida sensao de que no fui atendido pela minha aparncia, diz Caio ao geren-te. Eu at perguntei se no te conhecia, responde Paulo Roberto. [...] Fiquei pen-sando se vocs j foram assaltados aqui, se achou que eu era algum bandido. Graas a Deus, nunca aconteceu, diz o gerente, [...] O ator cancela o pedido feito no restaurante e pega o caminho de casa. (BERGAMO, 2008).

    Saiba maisSaiba mais

    Representaes Sociais: maneira pela qual o indiv-duo se v e se valoriza, bem como visto e valoriza-do pelos demais.

    2.5 Resumo do Captulo

    2.6 Atividades Propostas

    O presente captulo teve como principal objetivo apresentar as especificidades da pesquisa em Antropologia, esclarecendo conceitos importantes que determinam a qualidade da pesquisa e conheci-mento dessa importante disciplina.

    Conceituar significa conceber, qualificar, entender o que importante e precisa ser considerado. Ao preocupar-se em conceituar as formas de interao da dinmica social, a Antropologia como cincia manifesta sua relevncia para as cincias sociais e, sobretudo, atuao do assistente social.

    1. No que tange s discusses voltadas aos conceitos de Cincia, de que forma podemos concei-tuar Conhecimento Cientfico?

    2. A Cincia Antropolgica discute amplamente o Conceito de Diversidades/Pluralidades. De que forma podemos compreend-lo?

    3. De que forma podemos entender o conceito de Diversidade Cultural?

    4. Para mile Durkheim, qual a prtica que deve ser adotada quando da anlise dos Fatos So-ciais?

    5. De que forma a Cincia Antropolgica conceitua Famlia?

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    Entre os sculos XVI e XIX (antes do surgi-mento da Antropologia como cincia), os relatos sobre as especificidades culturais dos povos que aqui habitavam (comportamentos, crenas, cos-tumes) e de seu habitat (fauna, flora) eram pro-duzidos de forma especulativa pelos primeiros missionrios, viajantes e comerciantes que aqui estiveram. A Carta do Descobrimento (1500) de Pero Vaz de Caminha uma referncia literria desse perodo.

    Escola Evolucionista: Sculo XIX

    Caractersticas principais

    A escola evolucionista e eugnica , ba-seada nas concepes de Francisco Dalton (So-ciedade de Educao Eugnica, 1908), acreditava haver superioridade entre as raas. A sociedade estaria dividida em dois grupos: os primitivos, inferiores, incapazes, em contraposio aos ci-vilizados, superiores, capazes. Entendia-se que o progresso viria mediante a evoluo do estado primitivo para o estado mais civilizado, ou seja, uns chegariam aos estados de civilizao e os ou-tros, devido sua incapacidade nata, o mesmo no ocorreria.

    Como visto, o pensamento evolucionista e eugnico despreza e desqualifica o amplo concei-to de diversidades, de pluralidades, estimulando,

    AS PRINCIPAIS ESCOLAS DO PENSAMENTO ANTROPOLGICO CLSSICO3

    dessa forma, s prticas racistas, sexistas e xen-fobas.

    Referncias literrias

    Herbert Spencer Princpios da Biolo-gia (1864);

    Edward Tylor A Cultura Primitiva (1871);

    James Frazer O Ramo de Ouro (1890).

    Antes de seguirmos com as definies acer-ca das escolas antropolgicas, segue abaixo inte-ressante artigo acerca da visita de Charles Darwin ao Brasil no ano de 1832.

    Grupo refaz passos de Darwin no Brasil

    Para cientista, brasileiros eram despre-zveis

    Se a floresta tropical brasileira provocou deleite em Charles Darwin, o naturalis-ta no teceu muitos elogios aos brasi-leiros. Miserveis e desprezveis foram algumas das classificaes dadas por ele durante a sua temporada no pas. Logo no incio, no Rio, Darwin se queixava da burocracia para conseguir a autorizao para viajar pelo interior do Estado, exi-gida aos estrangeiros. No dia 6 de abril, ele escreveu: Nunca muito agradvel submeter-se insolncia de homens de escritrio, mas aos brasileiros, que so

    3.1 As Principais Escolas

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    to desprezveis mentalmente quanto so miserveis as suas pessoas, quase intolervel. Contudo, a perspectiva de flo-restas selvagens zeladas por lindas aves, macacos e preguias, lagos, roedores e aligtores far um naturalista lamber o p at da sola dos ps de um brasileiro. Durante a viagem, queixa-se da falta de opes de comida na estalagem em Mari-c. medida que a conversa prosseguia, a situao geralmente se tornava lastim-vel, escreveu, queixando-se das repeti-das respostas Oh, no, senhor aps pedir peixe, sopa e carne seca. Se tivssemos sorte, depois de esperar umas duas ho-ras, conseguamos aves, arroz e farinha. At o Carnaval baiano o incomodou. As ameaas consistiam em sermos cruel-mente atingidos por bolas de cera cheias de gua [...] Achamos muito difcil man-ter nossa dignidade andando pelas ruas. Durante a viagem, Darwin relata com horror as condies a que os escravos eram submetidos. Relata o caso em que um dono de fazenda, em razo de uma briga, estava prestes a tirar todas as mulheres e crianas da companhia dos homens e vend-las separadamen-te num leilo. No creio que tivesse ocorrido ao proprietrio a idia de de-sumanidade de separar trinta famlias. Ele tinha um posicionamento precon-ceituoso. Apesar de ser abolicionista, ele tinha uma viso aristocrata, disse Ildeu Moreira, do Ministrio da Cincia e Tec-nologia. (NOGUEIRA, 2008).

    Escola Sociolgica Francesa: Sculos XIX e XX

    Caractersticas principais

    A Escola Sociolgica Francesa defendia e aplicava a investigao dos Fatos Sociais Totais, ou seja, entendia que a busca pelo conhecimento dos grupos sociais deveria partir da interao dos elementos biolgicos (fsicos) com os psicolgi-cos (emocionais), aos sociolgicos (fenmenos sociais) e aos culturais (diversidades/pluralida-des).

    Para tal processo investigativo, criada uma metodologia denominada Regras do Mtodo So-ciolgico.

    Referncias literrias

    mile Durkheim Regras do Mtodo Sociolgico (1895);

    Marcel Mauss Ensaio sobre a Ddiva (1923-1924).

    Escola Funcionalista: Sculo XX (Anos 20)

    Caractersticas principais

    Privilegia a produo da monografia advin-da da aplicao das tcnicas voltadas observa-o participante (etnografia), bem como da siste-matizao das informaes coletadas (etnologia).

    Defende e desenvolve estudos voltados s diversidades culturais, entendendo que elas exer-cem funes sociais. Busca entender as formas de funcionamento de determinadas sociedades.

    Referncias literrias

    Bronislaw Malinowski Argonautas do Pacfico Ocidental (1922);

    Radcliffe Brown Estrutura e Funo na Sociedade Primitiva (1952).

    Escola Culturalista: Sculo XX (Anos 30)

    Caractersticas principais

    Entende que, por serem as sociedades di-ferentes entre si, so distintas tambm as res-pectivas realidades culturais, procurando, assim, investigar os contextos sociais e polticos em que so desenvolvidas. Investiga e compara os aspec-

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    tos subjetivos, emocionais e de personalidade de seus atores. Busca estabelecer conexes/compa-raes entre aspectos culturais e aspectos da per-sonalidade.

    Referncias literrias

    Franz Boas Raa, Lngua e Cultura (1940);

    Margaret Mead Sexo e Temperamen-to em Trs Sociedades Primitivas (1935);

    Ruth Benedict Padres de Cultura (1934); O Crisntemo e a Espada (1946).

    Escola Estruturalista: Sculo XX (Anos 40)

    Caractersticas principais

    Procura entender de que maneira os ho-mens concebem, estruturam, legitimam e repro-duzem as especificidades culturais. Investiga as estruturas familiares e de parentesco.

    Referncias literrias

    Claude Lvi-Strauss As Estruturas Ele-mentares do Parentesco (1949) e Pensa-mento Selvagem (1962).

    Escola Interpretativa: Sculo XX (Anos 60)

    Caractersticas principais

    Privilegia a compreenso minuciosa acerca do valor, do significado e da interpretao que cada grupo social atribui sua prpria cultura.

    Referncias literrias

    Clifford Geertz A Interpretao das Culturas (1973) e Saber Local (1983).

    Escola Crtica (Ps-Moderna): Sculo XX (Anos 80)

    Caractersticas principais

    Nos anos recentes, os antroplogos se en-veredam para uma viso crtica acerca do saber antropolgico, ou seja, reveem os fundamentos das escolas, os elementos tericos e os metodol-gicos que a compem.

    Referncia literria

    Michel Taussig Xamanismo, colonia-lismo e o homem selvagem (1987).

    Saiba maisSaiba mais

    As Principais Escolas do Pensamento Antropolgico Clssico:

    1. Escola Evolucionista: sculo XIX. Um de seus importantes representantes, e respectiva referncia literria, James Frazer O Ramo de Ouro (1890).2. Escola Sociolgica Francesa: sculos XIX e XX. Um de seus importantes representantes, e respectiva referncia literria, mile Durkheim Regras do Mtodo Sociolgico (1895). 3. Escola Funcionalista: sculo XX (anos 20). Um de seus importantes representantes, e respectiva referncia literria, Bro-nislaw Malinowski Argonautas do Pacfico Ocidental (1922). 4. Escola Culturalista: sculo XX (anos 30). Um de seus importantes representantes, e respectiva referncia literria, Franz Boas Raa, Lngua e Cultura (1940).5. Escola Estruturalista: sculo XX (anos 40). Um de seus importantes representantes, e respectiva referncia literria, Claude Lvi-Strauss As Estruturas Elementares do Parentesco (1949). 6. Escola Interpretativa: sculo XX (anos 60). Um de seus importantes representantes, e respectiva referncia literria, Clifford Geertz A Interpretao das Culturas (1973).7. Escola Crtica (Ps-Moderna): sculo XX (anos 80). Um de seus importantes representantes, e respectiva referncia liter-ria, Michel Taussig Xamanismo, Colonialismo e o Homem Selvagem (1987).

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    Antropologia Simblica

    Os smbolos so objetos de investigaes, pois revelam mltiplas significaes, sobretudo nos aspectos religiosos, mitos e ritos. Questio-nam: qual o significado de tal comportamento? Qual o significado disto ou daquilo? Qual o valor deste smbolo?

    Antropologia Social

    Aqui, as variveis sociais, econmicas e de poder so consideradas, assim como os relaciona-mentos sociais e intergrupais. A Antropologia So-cial inclina-se sobre os seguintes questionamen-tos: a que classe social pertence? Qual o nvel de interao deste grupo social?

    Antropologia Cultural

    Preocupa-se minuciosamente com a diver-sidade cultural. Investiga a sua essncia, as fun-es dos sentidos, dos smbolos e dos valores subjetivos (psicolgicos) e a interao cultural e social.

    3.2 Os Cinco Polos do Estudo Antropolgico

    Antropologia Estrutural e Sistmica

    Interessa-se pela compreenso acerca do modo pelo qual a sociedade a comunidade, o grupo social est estruturada. Considera a inte-rao das variveis lingusticas, econmicas, so-ciais e psicanalticas. absolutamente contrria aos juzos de valores dicotmicos (certo/errado); defende o saber antropolgico enquanto teoria epistemolgica.

    Antropologia Dinmica

    Aqui, os conhecimentos e prticas sociol-gicas e antropolgicas se aproximam. A linha que separa ambas as cincias extremamente tnue, a ponto de ser definida por alguns socilogos/antroplogos como conhecimento sociolgico. Questiona: qual a dinmica social de tal grupo?

    Observaes: os cinco polos apresentados acima no so excludentes, havendo, inclusive, inter-relacionamento entre eles.

    Os Cinco Polos dos Estudos Antropolgicos:1. Antropologia Simblica 2. Antropologia Social3. Antropologia Cultural4. Antropologia Estrutural e Sistmica5. Antropologia Dinmica

    CuriosidadeCuriosidade

  • Antropologia

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    O terceiro captulo desta apostila buscou esclarecer a voc quais as escolas existentes relacionadas ao pensamento antropolgico, bem como explic-las para que voc compreendesse qual a relevncia do conhecimento sobre essas escolas. So elas:

    Escola Evolucionista: Sculo XIX Escola Sociolgica Francesa: sculos XIX e XX Escola Funcionalista: sculo XX (anos 20) Escola Culturalista: sculo XX (anos 30) Escola Estruturalista: sculo XX (anos 40) Escola Interpretativa: sculo XX (anos 60) Escola Crtica (Ps-Moderna): sculo XX (anos 80)

    Voc viu tambm os Cinco Polos da Antropologia, que estabelecem basicamente os eixos de estu-do da Antropologia em nossa sociedade. So eles:

    Antropologia Simblica Antropologia Social Antropologia Cultural Antropologia Estrutural e Sistmica Antropologia Dinmica

    3.3 Resumo do Captulo

    3.4 Atividades Propostas

    1. Cite as principais Escolas do Pensamento Antropolgico Clssico, citando um representante e sua respectiva obra.

    2. Quais so os cinco Polos do Estudo Antropolgico?

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    O captulo a seguir tratar de dois clssicos da Antropologia (e Sociologia) Brasileira: Casa Grande e Senzala: Formao da Famlia Brasileira sob o Regime de Economia Patriarcal, de Gilberto Freyre, e O Povo Brasileiro: a Formao e o Sentido do Brasil, de Darcy Ribeiro.

    Tem como objetivo refletir acerca da principal questo que ambos autores se fizeram: quem o povo brasileiro?. As respostas fornecidas por Freyre e Ribeiro so amplas, podendo ser buscadas sob os pontos de vistas econmicos, polticos, sociais, antropolgicos, histricos ou populacionais.

    Aqui, debruaremos sobre a especificidade da formao populacional e mais exatamente sobre o processo de miscigenao que envolveu e envolve a populao brasileira. Para tanto, ocupar-nos--emos basicamente das discusses voltadas ao branco europeu, ao negro africano e ao ndio.

    PARTE II - CLSSICOS DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA

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    Todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indgena ou do negro.

    Gilberto Freyre

    CASA GRANDE E SENZALA E O POVO BRASILEIRO4

    4.1 Gilberto Freyre

    Vida e Obra

    Gilberto Freyre nasceu em Recife, no ano de 1900, e faleceu em 1987, na mesma cidade. Foi an-troplogo, socilogo e escritor. De renome interna-cional, uma referncia fundamental quando se objetiva estudar a formao da sociedade brasilei-ra. Autor de vrios livros com a temtica regional, cultural, poltica e econmica, publicou em 1933 o clssico Casa Grande e Senzala: Formao da Fam-lia Brasileira sob o Regime de Economia Patriarcal, sobre o qual nos ocuparemos adiante.

    Casa Grande e Senzala

    Considerada uma obra de especial exce-lncia, Gilberto Freyre inova no contedo e no formato da metodologia utilizada. No contedo, aborda os elementos econmicos, polticos, hu-manos e regionais responsveis pela gestao populacional brasileira. Segundo Freyre (apud IN-TRPRETES..., 2005),

    vinham sendo acumulados estudos so-bre a formao do Brasil, mas faltava um estudo convergente, que alm de ser his-trico, geogrfico, geolgico, fosse um estudo social, psicolgico, uma interpre-

    tao [...] Creio que a primeira tentativa nesse sentido representou um servio de minha parte.

    No formato, Gilberto Freyre buscou no inte-rior de sua prpria famlia os elementos para de-senvolver suas pesquisas: Freyre era descendente de donos de escravos; somados a isso, desenvol-veu estudos junto ao Museu Afro-Brasileiro Nina Rodrigues na Bahia e visitou a frica, Portugal e os Estados Unidos. Aps anos de estudos profun-dos, no Brasil e no exterior, sobre sistemas patriar-cais, processos colonizadores, relaes escravo-cratas e exploraes negras e indgenas, concluiu: o que houve no Brasil foi a degradao das raas atrasadas pelo domnio da adiantada [...] os ndios foram submetidos ao cativeiro e prostituio. A relao entre brancos e mulheres de cor foi a de vencedores e vencidos. (INTRPRETES..., 2005).

    Aqui, iremos nos ater s discusses acerca da formao populacional.

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    Como ocorreu a formao da sociedade brasileira?

    Logo no incio de seu estudo, Gilberto Frey-re discute que o Brasil, pas miscigenado, foi for-mado pelo cruzamento de etnias distintas; ou seja, pelo branco europeu, pelo indgena e pelo negro africano. Os resultados mais expressivos so verificados, at os dias atuais, na constituio do caboclo ou mameluco (branco + ndio), mula-to (branco + negro) e cafuzo (ndio + negro).

    O povo mulato foi gerado sob duas gides: a econmica, era preciso povoar o Brasil, era ne-cessrio obter mo de obra para o cultivo da terra; e a sexual, os portugueses quando aqui chegaram no trouxeram consigo suas esposas, vieram sozi-nhos, passando a se relacionar sexualmente pri-meiro com as ndias (nativas) e, mais tarde, com as negras trazidas da frica.

    So vrias as contribuies de Gilberto Freyre para a compreenso acerca do processo de gestao do povo brasileiro. A primeira delas, como atestam os estudiosos dessa questo, que Freyre desqualifica de modo exaustivo, brilhan-te e cientfico, as teorias defendidas pela Escola Antropolgica Evolucionista (j tratada anterior-mente), ou seja, desmistifica o conceito de deter-minao biolgica, de superioridade racial/tnica de quaisquer sociedades ou grupos humanos.

    Ao invs disto, Freyre se debrua sobre a Antropologia Cultural (igualmente discutida), enaltecendo as especificidades culturais dos po-vos que compem a sociedade brasileira (bran-cos, negros e ndios), bem como os resultados positivos advindos da miscigenao.

    Saiba maisSaiba mais

    Clssicos da Antropologia Brasileira Gilberto Freyre:

    Gilberto Freyre (Recife, 1900-1987). Antroplogo, socilogo e escritor. Autor do Clssico Casa Grande e Senzala: Formao da Famlia Brasileira sob o Regime de Economia Patriarcal (1933), se ocupa em estudar a formao da sociedade brasileira.

    O indgena

    Segundo Freyre, quando da chegada ao Brasil, os europeus, inicialmente representados pelos portugueses, depararam-se com duas bele-zas naturais: de um lado, uma belssima paisagem natural e, de outro, um povo nativo que a habita-va (os indgenas).

    Os ndios construam suas aldeias ao lon-go da floresta, produzindo e reproduzindo a sua cultura, seus mitos e ritos e relacionando-se de modo particular entre si, bem como com os ele-mentos da natureza.

    No que se refere composio do povo bra-sileiro, o autor destaca o papel relevante ocupado e desenvolvido pela mulher indgena. Foram elas as responsveis pela gestao e reproduo dos ndios puros que aqui habitavam, bem como pela primeira gerao de povos miscigenados diversidade tnica , representada pelos mame-lucos, frutos das relaes sexuais entre brancos e ndios. Depois, com a chegada dos africanos no Brasil, surgiu o grupo tnico denominado cafuzo, resultado da relao intertnica entre negros e ndias e vice-versa. Aquilo que mais tarde Darcy Ribeiro denominou por criatrio de gente!

    Freyre enaltece a beleza das mulheres ind-genas que, segundo ele, logo de pronto encan-taram os portugueses recm-chegados: a sexua-lidade das ndias manifestada, sobretudo, pela exposio de seus corpos nus despertaram os desejos carnais dos europeus. Por outro lado, Freyre critica a interpretao equivocada e pre-

    Saiba maisSaiba mais

    Miscigenao A primeira gerao de povos mis-cigenados:

    1. caboclo/mamelucos = relao intertnica entre brancos e ndios.

    2. cafuzos = relao intertnica entre negros e n-dios.

    3. mulatos = relao intertnica entre brancos e ne-gros.

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    conceituosa dos europeus sobre um trao da cultura indgena, ou seja, a prtica da poligamia (trata-se de um sistema familiar prprio, no ca-bendo, portanto, juzos de valores ou julgamen-tos morais).

    No que tange aos aspectos culturais, Freyre (apud INTRPRETES..., 2005) destaca:

    da cunh que nos veio o melhor da cul-tura indgena. O asseio pessoa, a higiene do corpo, o milho, o caju, o mingau [...] o brasileiro de hoje, amante do banho e sempre de pente no bolso, o cabelo bri-lhante de loo ou de leo de coco, re-flete a influncia de to remotas avs. Ela nos deu, ainda, a rede em que se embala-ria o sono ou a volpia do brasileiro.

    De outra forma, Freyre trata tambm das violncias fsicas, morais e culturais que vitima-ram a populao indgena, podendo ser exempli-ficadas na invaso de seus territrios, na escravi-zao praticada pelos imigrantes europeus que os foravam ao trabalho na terra e nas dilapida-es religiosas pelo processo de evangelizao (catequese), de responsabilidade dos padres je-sutas. Estes, do ponto de vista cultural e religioso, entendiam que os ndios eram apenas animais selvagens, primitivos e sem alma, devendo, por-tanto, ser humanizados nos moldes europeus, ou seja, nos ditos da religio catlica (juzo de valor).

    Para tanto, a ttulo de facilitar o processo de doutrinao, fora necessrio rever o processo de comunicao e, dessa forma, o Tupi, lngua nativa, foi transformada pelos padres em tupi-guarani a nova lngua brasileira. Alm disso, o culto na-tureza, ao Deus Mara, o andar nu, entre outros, foram considerados do ponto de vista etnocn-trico comportamentos imorais, vulgares e infe-riores.

    Do ponto de vista econmico, o ndio no se adaptou ao trabalho escravo e tampouco ce-deu facilmente ao processo de aculturao im-posto pela Igreja Catlica. A resistncia da cultura indgena resultou em disputa por terras, fugas de seu prprio habitat compuseram junto aos afri-

    canos os quilombos , doenas mortais, mortes e destruio de famlias inteiras.

    Frente a isso, para o cumprimento de seus propsitos, entendiam os europeus ser necess-rio substituir a mo de obra indgena pela mo de obra negra, dando incio ao processo de escravi-do africana. Segue o artigo que trata de uma das consequncias negativas relativas escravizao indgena, cujos desdobramentos so verificados nos dias atuais.

    Roraima vira palco de guerra at entre grupos de ndios

    Pontes incendiadas, mquinas agrcolas bloqueando acessos s estradas, ndios pintados para a guerra. Este foi o cenrio encontrado pela reportagem ao trafegar no interior da terra indgena Raposa/Ser-ra do Sol, em Roraima, nos ltimos dias [...] O clima de tenso e violncia na rea aumentou aps a chegada a Roraima de agentes federais que faro a retirada dos no-ndios que ainda permanecem na terra indgena. Na sexta-feira, desembar-caram em Boa Vista integrantes da Fora Nacional de Segurana. [...] O epicentro do conflito a vila do Surumu, na regio de Pacaraima, onde h cerca de 300 fam-lias, a maioria no-ndia [...] De um lado da vila esto concentrados os ndios fa-vorveis homologao, que defendem que a terra deve ser exclusivamente dos indgenas. [...] Queremos viver no que nosso, em paz, sem interferncia, diz o coordenador do CIR, Dionito de Souza. Do outro lado, esto os ndios contrrios medida do governo federal e que de-fendem a permanncia de no-ndios na rea, inclusive os arrozeiros. [...] Para a n-dia Deise Maria Rodrigues, contrria ho-mologao, a luta dos moradores pelo desenvolvimento. No compartilhamos com essa poltica do governo federal de nos isolar, de nos colocar sob a tutela da Funai e de ns termos que pedir bno aos ndios do CIR. Somos brasileiros tam-bm e queremos investimentos e a ga-rantia dos nossos direitos constitucionais. Os grupos rivais se tratam como inimigos. Qualquer tipo de relacionamento proi-bido. [...] (TRAJANO; RONDON, 2008).

  • Vera Cristina de Souza

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    O negro africano no Brasil

    Dando continuidade aos estudos acerca da composio da populao brasileira, Gilberto Freyre discute o papel exercido pela mulher ne-gra africana, que, segundo ele, substituiu a mu-lher indgena nos ambientes das casas grandes, bem como nos interiores das senzalas.

    Para habitar as casas grandes, os senhores escolhiam aquelas que consideravam ser as mais belas e sensuais, a fim de desenvolverem as fun-es domsticas, cuidados com as crianas, bem como para servi-los sexualmente.

    Quanto a essa ltima funo, cabe desta-car que as mulheres negras eram vtimas dos abu-sos sexuais constantes praticados pelos senhores, resultando no elevado grau de contaminao pelas doenas sexualmente transmissveis, en-

    tre elas a sfilis. Em contrapartida, como medida depurativa para as DSTs, ocupavam-se das meni-nas negras, uma vez que acreditavam que a cura das doenas venreas estava em manter relao sexual entre uma negrinha virgem e o homem contaminado.

    Alm disso, sofriam tambm com as violn-cias praticadas pelas esposas enciumadas: corpos queimados, dentes arrancados e espancamentos eram prticas constantes e recorrentes.

    Das relaes sexuais ocorridas entre senho-res e escravas nasciam os mulatos que, segundo Freyre (apud INTRPRETES..., 2005), eram gera-dos nas casas grandes e paridos na senzala.

    Isso posto, e a fim de nos debruarmos com mais vagar sobre os conceitos de Identidade t-nica e Famlias Miscigenadas, utilizaremos a obra clssica O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro.

    4.2 Darcy Ribeiro

    Todos ns, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e ndios suplicia-dos. Como descendentes de escravos e

    de senhores de escravos seremos sempre marcados pelo exerccio da brutalidade so-

    bre aqueles homens, mulheres e crianas. Esta a mais terrvel de nossas heranas.

    Mas nossa crescente indignao contra esta herana maldita nos dar foras para,

    amanh conter os possessos e criar aqui, neste pas, uma sociedade solidria.

    Darcy Ribeiro

    Biografia

    Darcy Ribeiro nasceu em 1922, na cidade de Montes Claros, em Minas Gerais, e faleceu em Bra-slia, Distrito Federal, em 1997. Foi antroplogo, professor e escritor.

    Entre as vrias atividades, todas de consi-derveis envergaduras, dedicou-se aos estudos relacionados Educao e Questo Indgena:

    fundou o Museu do ndio, criou a Universidade de Braslia, onde foi o primeiro Reitor, elaborou o Projeto Caboclo, voltado ao povo da Flores-ta Amaznica, e escreveu os romances Mara, O Mulo, entre outros.

    Clssicos da Antropologia Brasileira Darcy Ribeiro:

    Darcy Ribeiro (MG, 1922 DF, 1997). Antroplo-go, professor e escritor. Autor do Clssico O Povo Brasileiro A Formao e o Sentido do Brasil (1995), que se ocupa em responder indagao: quem o povo brasileiro?, considerando as discusses so-ciais, econmicas, polticas, culturais, bem como a miscigenao e as diversidades.

    CuriosidadeCuriosidade

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    O Povo Brasileiro

    O objetivo central da obra (prima) O Povo Brasileiro oferecer ao leitor a resposta para a questo inicialmente formulada, qual seja: quem o Povo Brasileiro? Para tanto, Darcy Ribeiro, ini-cia sua reflexo discutindo a composio tnica da populao brasileira, tratando, portanto, do processo da miscigenao.

    Assim como Freyre (2005), Ribeiro (1995) apresenta os grupos tnicos cafuzo (negro + n-dio), mameluco (branco + ndio) e mulato (negro + branco).

    Ao tratar dos primrdios da colonizao brasileira, logo de pronto, discute o choque cul-tural ocorrido entre os ndios e os europeus. Como sabido, os ndios foram os primeiros seres humanos que aqui nasceram e que aqui habita-ram (habitat natural) e, por essa razo, tm a g-nese de sua cultura.

    A contradio cultural discutida por Freyre (2005) se manifestava, de um lado, pelos euro-peus que mediante suas vises etnocntricas consideravam-se o povo civilizado e desenvol-vido quando comparados queles que julgavam brbaros e selvagens, fazendo as seguintes inda-gaes, entre outras: que animais so esses que devoram uns aos outros? (referindo-se antro-pofagia ou canibalismo), Que tamanha imorali-dade essa? (referindo-se ao fato de no usarem roupas). De outro lado, estavam os indgenas sur-preendidos e atnitos, pois aquela era a primeira vez em toda a sua histria que se deparavam com homens de pele clara, vestidos, gesticulando e falando alto em uma lngua incompreensvel. Era algo totalmente inusitado, chegando a julgar que aquele cenrio representava um castigo divino:

    [...] o que aquilo que vem? Eles (os n-dios) olhavam, encantados com aqueles barcos de Deus, do Deus Mara chegando pelo mar grosso. Quando chegaram mais perto, se horrorizaram. Deus mandou pra c seus demnios, s pode ser. Que gen-te! Que coisa feia! Porque nunca tinham visto gente barbada os portugueses to-dos barbados, todos feridentos de escor-

    buto, ftidos, meses sem banho no mar. (GRANDES EDUCADORES..., 2010).

    Depois, uma vez aqui instalados, os euro-peus concluram que as terras brasilis significavam para eles um verdadeiro paraso, quer do ponto de vista sexual (encantamento pelas ndias as-sociado ao cunhadismo e, consequentemente, reproduo da mo de obra), quer do ponto de vista econmico (vidos pelo enriquecimen-to proveniente da explorao do pau-brasil, logo era necessrio, como diz Darcy Ribeiro, povoar o pas).

    Assim, ora concebendo os ndios como bestializados e inocentes, e ora como vadios, preguiosos e, portanto, inteis para o trabalho , entendiam os portugueses que algo deveria ser feito para a conquista de seus objetivos eco-nmicos mercantis. Para tanto, partiram para a evangelizao e escravizao indgena. De fato, tratava-se do moinho de gastar gente, como dis-cute Darcy Ribeiro.

    Um dado interessante que favorecia a con-quista dos selvagens estava no fato de os portu-gueses trazerem consigo utenslios de viagens espelhos, facas, faces, machados que encan-tavam e seduziam os ndios. As consequncias disso foram negativas, uma vez que o desejo e a disputa por esses objetos geraram, entre outras, situaes de violncias entre eles: [...] para o n-dio passou a ser indispensvel ter uma ferramen-ta. Se uma tribo tinha uma ferramenta, a tribo do lado fazia uma guerra pra tom-la. (GRANDES EDUCADORES..., 2010).

    Guerras, escravizao fsica e moral, mortes, doenas, invases e evases de suas prprias ter-ras, desmonte cultural e dilapidaes de famlias. Muitas foram as violncias causadas pelo europeu ao povo indgena no intento de colonizar o pas, o que de fato justificam as palavras de Darcy Ri-beiro (GRANDES EDUCADORES..., 2010): o Brasil, formado por um povo mestio, lavado em san-gue negro, em sangue ndio, sofrida e tropical [...]

    As discusses acerca da posse e manuten-o das terras indgenas, bem como a preserva-o de suas culturas, geram polmicas entre os

  • Vera Cristina de Souza

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    estudiosos da questo e a populao em geral, no sendo incomum a ocorrncia de discordn-cias e divises entre eles. O artigo abaixo trata disso:

    Minerao implica degradao social, dizem especialistas

    Especialistas alertam que empreendi-mentos para explorao mineral instala-dos em terras indgenas podem causar impactos to grandes nos povos que, se no implicarem apenas sua degradao social e perda de territrio, podem mes-mo lev-los extino. [...] O antroplogo Rogrio Duarte do Pateo, do ISA (Institu-to Socioambiental), explica que, de acor-do com a magnitude da presena da mi-neradora e a proximidade das aldeias, as populaes podem ter hbitos alterados. Isso porque o barulho das mquinas para a extrao dos minrios, por exemplo, as-sustaria animais num local onde a caa o principal meio de subsistncia. Com isso, somado ao dinheiro dos royalties que os ndios receberiam, eles passariam a co-mer produtos industrializados. Da vem doena de branco, como diabetes, coles-terol, problemas dentrios [...] Os ndios encostam a barriga no empreendimento e passam a depender de uma fonte exter-na [...] H tambm o impacto ambiental, j que toda atividade de explorao de minrios implica uma rea de servido, onde vivem os funcionrios da empresa, complementa o advogado Paulo Macha-do, do Cimi (Conselho Indigenista Mis-sionrio). Cria-se uma verdadeira cidade para dar suporte atividade mineradora. Isso por dcadas. Dessa forma, o entorno alterado devido construo de estra-das para escoar a produo, rios podem ser desviados e sua gua, poluda. Para o antroplogo Ricardo Verdum, assessor de polticas indigenistas do Inesc (Institu-to de Estudos Socioeconmicos), o maior dos males seria a perda da autoridade do ndio sobre seu territrio, sendo os povos colocados em segundo plano e poden-do, inclusive, ter de sair de uma aldeia por conta de uma jazida de minrio [...] h populaes que podem desaparecer, afirma Pateo. [...]. (BONI, 2007).

    Os mamelucos e a miscigenao indgena

    Na continuidade de seus estudos acerca da composio populacional, Darcy Ribeiro discute o delicado tema acerca da miscigenao associa-do identidade tnica e questiona: o mameluco resultado da mistura biolgica entre brancos e n-dios considerado branco ou ndio?

    Da mesma forma, a criana mameluca meio europeia e meio ndia frequentemente rejeitada pelo pai sendo somente reconhecida pela me, qual grupo tnico pertence?

    Assim, para os mestios (mulatos e mame-lucos) sem identidade tnica, Darcy Ribeiro de-senvolve o conceito de ninguendade e discute: essa criana de um lado, rejeitada e vista pelos membros da tribo como um estrangeiro, um dife-rente, e de outro, no assumida pelo pai europeu e por vezes ela prpria abrindo mo da cultura in-dgena tornava-se um Z Ningum.

    Como visto, a discusso acerca da mestia-gem encerra considervel complexidade. O de-poimento abaixo nesse sentido revelador:

    Depoimento de Olvio Zeferino, estu-dante de Filosofia na USP

    Meu nome Olvio Zeferino. No sou n-dio puro, sou mestio guarani... porque o que causa essa questo de ser ou no ser essa identidade em que voc metade. Ento, por exemplo, voc um mestio. Tem uns que assumem a cultura indge-na. Tem uns que so mestios e assumem a cultura do branco. Ento uma pessoa que nasceu com fisionomia de ndio no adianta querer falar que branca, por-que todo mundo v. Agora, o importan-te voc assumir, porque mesmo sendo mestio voc pode lutar pelo seu povo. (GRANDES EDUCADORES..., 2010).

    De fato, ao mestio, de qualquer etnia, cabe o sentimento de pertencimento cultural, o pertencimento de ser brasileiro, uma vez que o Brasil um pas, como mostrado, genuinamente mestio.

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    Ns, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de s-lo. Um povo mestio na carne e no esprito, j que aqui a mesti-agem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por sculos sem conscincia de si [...] Assim foi at se definir como uma nova iden-tidade tnico-nacional, a de brasileiros. (GRANDES EDUCADORES..., 2010).

    E, mais tarde, aprofunda e amplia, entre ou-tros, a discusso acerca da identidade tnica dos mulatos (resultados da mistura entre brancos e negros) associando sua anlise as variveis so-ciais, como ser tratado em seguida.

    A populao negra brasileira: o negro africano

    [...] sob trezentas chicotadas de uma vez para matar ou cinqenta chicotadas di-

    rias para sobreviver [...]

    Darcy Ribeiro

    Como sabido, o processo da escravido negra no Brasil teve incio com os insucessos obti-dos pelos europeus quando viram frustrados seus projetos de explorao da mo e obra indgena.

    Na frica, os negros viviam em regies dis-tintas com os seus prprios valores culturais (dan-a, canto, lngua, crenas, religies). Aqui chegan-do, deparavam-se com a diversidade cultural de seus conterrneos, bem como com a aqui impos-ta pelo branco, europeu, colonizador.

    Ao tratar da composio da populao bra-sileira, necessrio nos reportarmos, ainda que brevemente, s condies de vida existentes nas senzalas e as consequncias negativas resultan-tes para os negros nos dias atuais. Para tanto, a fim de balizarmos essas discusses sobre a pers-pectiva antropolgicas, ocupar-nos-emos inicial-mente das condies de sade dos escravos e, em seguida, passaremos pelos conceitos acerca do evolucionismo, eugenia e mestiagem.

    Como sabido, na poca da escravido no Brasil, negros e brancos ressentiam-se da dificul-

    dade de obter assistncia sade, j que prati-camente no existiam mdicos. Para os negros, porm, essa situao se agravava em virtude do desinteresse dos senhores pela sade de seus es-cravos.

    Costa (1989), entre outros, mostram que muitas das doenas que acometiam os negros decorriam das suas pssimas condies de vida. Sofriam de problemas pulmonares, sobretudo de tuberculose, por causa do ambiente insalubre das senzalas. Por estarem submetidos a trabalhos exaustivos e, consequentemente, estafa, era co-mum entre os negros das zonas rurais os aciden-tes nos engenhos, que os levavam morte ou a mutilaes. Para os escravos gravemente doentes como, por exemplo, os vitimizados pela hanse-nase , a soluo encontrada pelos senhores era a alforria. Assim, abandonados e inutilizados para o trabalho, restava-lhes a mendicncia.

    Frente crescente mortalidade de escravos, os senhores entendiam que de nada adiantaria melhorar as condies de vida da populao es-crava, pois para eles os negros encontravam-se em extino.

    Mesmo com o fim do trfico de escravos, em 1850, mantiveram-se os altos ndices de mor-talidade infantil, materna e adulta devido, sobre-tudo, precariedade nas condies de moradia, de alimentao e sanitrias.

    De outro lado, evidente que os efeitos des-truidores advindos da escravido negra se fazem presentes sobre os seus descendentes nos dias atuais. No entanto, artigo recente nos traz uma nova reflexo acerca das possveis consequncias negativas de mbito econmico para os pases exportadores e receptores de escravos, inclusive o Brasil. Reflitamos acerca do artigo a seguir:

    O preo de um escravo

    Estatsticas comprovam: vender escravos faz mal frica. o que diz Nathan Nunn, 33, professor de economia na Universida-de Harvard. Nunn apresentou, no incio do ano, resultados de uma pesquisa que correlaciona a exportao de escravos no passado baixa renda de hoje. A pesqui-sa usou informaes do Projeto Base de

  • Vera Cristina de Souza

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    Dados do Comrcio Transatlntico de Es-cravos, que rene documentos diversos, como inventrios, arquivos religiosos e registros de compra e venda, relaciona-dos ao trfico de escravos africanos do s-culo 15 ao 19. No artigo Efeitos de Longo Prazo do Comrcio de Escravos Africanos, publicado no Quarterly Journal of Econo-mics, Nunn diz que no apenas o uso de escravos deletrio para uma sociedade, mas a produo de escravos, ocorrida por meio da guerra domstica, da pilhagem e dos seqestros, tambm tem impactos negativos no desenvolvimento. Em seus estudos, o Brasil aparece perfeitamente enquadrado linha de correlao segun-do a qual quanto maior a proporo de escravos na populao em 1750, menor o PIB per capita em 2000. E, do outro lado do Atlntico, as regies africanas que mais exportaram escravos se tornaram os pases de menor renda hoje. Apesar de colegas o criticarem por cruzar dados no mnimo heterogneos, o estudo j vis-to nos EUA como prova matemtica do dano causado pelo Ocidente frica. Em entrevista Folha, Nunn no arrisca con-cluses prticas. Devem-se reparaes frica? No estudei esse ponto. (GUIMA-RES NETO, 2008).

    Ento, no final do sculo XIX, persistiam epi-demias como o mal de Chagas, febre amarela, fe-bre tifoide, entre outras. Os intelectuais brasileiros da poca entendiam que o pas estava doente e era necessrio encontrar a causa e a cura desses males; sendo que mestiagem foi atribuda a responsabilidade por essa situao. Para alguns, o cruzamento constante das raas proporcionaria, atravs da depurao, a pureza da raa branca e, consequentemente, a soluo para o problema. Para outros, diferente disso, a soluo cientfica apontada era condenar, conter a mestiagem (SCHWARCZ, 1993).

    A esse respeito, como j apontado em nosso curso, o pensamento eugnico entendia que a so-ciedade brasileira se desenvolveria nos mesmos moldes da evoluo biolgica, ou seja, somente os mais fortes, capazes, superiores, sobreviveriam. A eugenia, por sua vez, visava reproduo dos mais aptos e extino dos inferiores. No Bra-sil, em 1917, foi fundada a Liga Pr-Saneamento e, em 1918, a Sociedade Eugnica de So Paulo. No entanto, o movimento eugnico, aps atingir o seu apogeu, declinou e retornou nos anos 1930, quando da ascenso do nazismo, que difundia o arianismo. No incio da dcada de 1930, foi criada na cidade do Rio de Janeiro a Comisso Central Brasileira de Eugenia, que publicava o Boletim da Eugenia (SOUZA, 2002).

    No final do sculo XIX, foram fundadas as Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, cabendo-lhes detectar o surgimento de doenas e traar planos para erradic-las. Expandem-se, na escola baiana, os estudos sobre medicina legal, com o objetivo de investigar me-nos a doena e mais o doente, atravs dos estudos da craniologia9.

    Para se compreender o papel ocupado pelo negro no contexto evolucionista e eugnico, e para a compreenso do comportamento da mis-cigenao nos dias atuais, Pereira (1981) elencou trs fases distintas para caracteriz-lo: 1) o negro como expresso de raa; 2) como expresso de cultura; e 3) como expresso social.

    Na primeira fase, os atributos biolgicos compem uma imagem negativa e patolgica do homem de cor perante os outros ramos raciais que formam a populao. (PEREIRA, 1981). Nina Rodrigues10 iniciou seus estudos sobre os negros na Bahia baseado em uma viso evolucionista, objetivando identificar quem era aquele povo de origem africana e em qual estgio se encontrava a sua cultura.

    9 Craniologia: teorias de matriz evolucionista foram palco dos estudos antropomtricos realizados pela Antropologia Fsica ou Biolgica. Tratava do tamanho, peso e formato do crnio, onde