aposentadoria nÃo precisa ser um susto · patrimônio necessário para garantir bons rendimentos...

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26 PROFISSÃO MESTRE ® abril 2012 Q uando encerrou as ativida- des docentes em 1988 na rede pública do Estado de São Paulo, a professora Zilda Halben Guerra percebeu que a aposentado- ria não seria como o esperado. “Eu estava no ponto alto da carreira, com o melhor salário possível na época, e imaginava que conseguiria descan- sar e usufruir do meu trabalho. Mas as regras foram mudadas”, relata a educadora, presidente da Associação dos Professores Aposentados do Magistério Público do Estado de São Paulo (Apampesp). Em 1997, as reformas do go- verno paulista para os gastos com educação culminaram na Lei Complementar Nº 836, que estabe- leceu um novo plano de carreira e a reclassificação de cargos e salários para todos os docentes da rede esta- dual. “Muitos perderam promoções, pontuação e tempo de aulas dadas. Quem estava na ativa na época teve tempo de progredir na carreira e ga- rantir salários maiores para quando deixasse de trabalhar. Os aposen- tados tiveram de arcar com as per- das”, explica Zilda. Quem se aposenta hoje em insti- tuições privadas recebe a aposenta- doria dentro dos tetos estabelecidos no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Na rede pública, que na maioria dos casos dá o direito de vencimentos integrais, a composição salarial de um docente é formada por um valor básico mais gratificações, as quais não seguem com o profissional na aposentadoria. “Há aposentados que chegaram à assistência de dire- ção e hoje recebem R$ 2 mil. Quem não atingiu cargos de coordenação ou direção tem situação semelhante. Se Fabio Venturini CARREIRA APOSENTADORIA NÃO PRECISA SER UM SUSTO Apesar de todas as dificuldades típicas da profissão, professores podem construir uma trajetória que dê mais satisfação profissional e dignidade para quando chegarem ao final da carreira

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Page 1: APOSENTADORIA NÃO PRECISA SER UM SUSTO · patrimônio necessário para garantir bons rendimentos até o final da vida. O ideal é planejar a sustentabilidade financeira já no início

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Quando encerrou as ativida-des docentes em 1988 na rede pública do Estado de

São Paulo, a professora Zilda Halben Guerra percebeu que a aposentado-ria não seria como o esperado. “Eu estava no ponto alto da carreira, com o melhor salário possível na época, e imaginava que conseguiria descan-sar e usufruir do meu trabalho. Mas as regras foram mudadas”, relata a educadora, presidente da Associação dos Professores Aposentados do Magistério Público do Estado de São Paulo (Apampesp).

Em 1997, as reformas do go-verno paulista para os gastos com educação culminaram na Lei Complementar Nº 836, que estabe-leceu um novo plano de carreira e a reclassificação de cargos e salários para todos os docentes da rede esta-dual. “Muitos perderam promoções, pontuação e tempo de aulas dadas. Quem estava na ativa na época teve tempo de progredir na carreira e ga-rantir salários maiores para quando deixasse de trabalhar. Os aposen-tados tiveram de arcar com as per-das”, explica Zilda.

Quem se aposenta hoje em insti-tuições privadas recebe a aposenta-doria dentro dos tetos estabelecidos no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Na rede pública, que na maioria dos casos dá o direito de vencimentos integrais, a composição salarial de um docente é formada por um valor básico mais gratificações, as quais não seguem com o profissional na aposentadoria. “Há aposentados que chegaram à assistência de dire-ção e hoje recebem R$ 2 mil. Quem não atingiu cargos de coordenação ou direção tem situação semelhante. Se

Fabio VenturiniCARREIRA

APOSENTADORIA NÃO PRECISA SER UM SUSTOApesar de todas as dificuldades típicas da profissão, professores podem construir uma trajetória que dê mais satisfação profissional e dignidade para quando chegarem ao final da carreira

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precisar pagar aluguel, não come; se precisar de plano de saúde, não com-pra remédios. Boa parte do professo-rado que se aposenta continua traba-lhando. Poucos por opção e muitos outros por não terem independência financeira e pessoal”, conta a presi-dente da Apampesp.

Construir a aposentadoriaNa avaliação da entidade paulista, os professores da ativa também aspiram não necessitar do trabalho para sobre-viver após encerrar a carreira, mas no geral não acreditam que eventos se-melhantes aos das gerações anterio-res podem acontecer com eles. “O pro-fessor da ativa precisa entender que o aposentado, apesar de ter contribuído a vida toda, é contabilizado pelos go-vernos como um peso no orçamento. Uma nova reclassificação pode surgir a qualquer momento”, avalia Zilda.

Segundo a professora, não há um trauma psicológico na aposentado-ria por não poder mais trabalhar, co-mum em muitas profissões. As frus-trações ocorrem mais durante a parte produtiva da vida, quando as con-dições de trabalho são frustrantes. “A carreira de professor faz a pessoa ser independente intelectualmente, mantém a mente ativa e lúcida até a idade avançada. Esse profissional se torna um velho que quer se manter independente. Por isso deve se pre-parar para não gerar frustrações na velhice”, acrescenta Wally Ferreira Lühmann de Jesuz, primeira vice--presidente da Apampesp.

Uma alternativa são os aperfei-çoamentos e titulações, pois melho-ram as possibilidades de progressão na carreira e também abrem portas em instituições privadas de ensino para classes econômicas mais altas e também no ensino superior, onde há valores mais altos de horas/aula ou postos de dedicação à pesquisa.

Além das instituições públicas, algumas particulares oferecem cur-

sos de mestrado ou doutorado gra-tuitamente, como o Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação da Universidade Nove de Julho (www.uninove.br), na cidade de São Paulo (SP). A Fundação Ford tam-bém oferece diversas modalidades de bolsas de pós-graduação, admi-nistradas no Brasil pela Fundação Carlos Chagas (www.fcc.org.br). As pesquisas stricto sensu também podem obter financiamentos me-diante a aprovação de projetos nas Fundações de Amparo à Pesquisa de cada Estado, no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – www.cnpq.br) e na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes – www.capes.org.br) do Ministério da Educação (MEC).

No caso de uma segunda gra-duação é possível entrar em progra-mas de bolsas de estudos das próprias instituições privadas de ensino supe-rior ou optar por empréstimos como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies – http://sisfiesportal.mec.gov.br/fies.html). Neste caso, o aluno pa-ga uma taxa de juros anual abaixo da correção da caderneta de poupança. No entanto, é necessário atenção e planeja-mento, pois invariavelmente esse valor é restituído ao governo pelo aluno.

O piso nacional do professor de educação básica foi reajustado es-te ano para R$ 1.451 (para 40 horas semanais), mesmo assim, abaixo da média de outras profissões de nível superior. No entanto, coletivamente a categoria é significativa. Segundo o relatório Professores do Brasil: Impasses e Desafios, realizado pelas pesquisado-ras Bernadete Gatti e Elba Siqueira de Sá Barreto, e publicado em 2009 pela Organização das Nações Unidas pa-ra a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), 8,4% das pessoas empre-gadas no Brasil são professores. No mesmo ano, a construção civil, área considerada um dos termômetros da

CARREIRA

Zilda Halben Guerra, presidente da Apampesp: “Boa parte do pro-fessorado que se aposenta conti-nua trabalhando, poucos por opção e muitos outros por não terem inde-pendência financeira e pessoal”

economia nacional, era responsável por 4% de todos os empregos no País.

Aproximadamente 77% dos do-centes trabalham na educação bá-sica; 5,6% no ensino profissionali-zante; 0,6% em educação especial e 16,8% no ensino superior. Além dis-so, 82,6% dos postos de trabalho para profissionais de ensino estão nas ins-tituições públicas. “A representação da docência como ‘vocação’ e ‘missão’ de certa forma afastou socialmente a categoria dos professores da ideia de uma categoria profissional de traba-lhadores que lutam por sua sobrevi-vência, prevalecendo a perspectiva de ‘doação de si’, o que determinou, e de-termina em muitos casos, as dificul-dades que professores encontram em sua luta categorial por salários”, diz o relatório.

A avaliação apresentada pela Unesco converge para o ponto de vis-ta da Apampesp: não há como o do-cente planejar a aposentadoria ape-nas individualmente. “A carreira cada um constrói a sua, mas com a aposentadoria de professor não se so-brevive decentemente. É necessário lutar pelos direitos devidos e melho-rar os já obtidos pela aposentadoria enquanto ainda se está trabalhando”, finaliza Zilda Halben Guerra.

Carlos Marques/A

pampesp

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Enquanto os problemas de condições de trabalho e pla-no de carreira não se resolvem,

os professores da ativa podem se pre-venir financeiramente para garantir um padrão mínimo de tranquilidade financeira ao encerrar sua passagem pelo mundo do trabalho. A Profissão Mestre conversou com a consultora fi-nanceira Odete Reis, que na entrevista a seguir apresenta algumas dicas pa-ra construção de patrimônio e rendi-mentos para que o padrão de vida não caia muito na velhice e os vencimen-tos consigam cobrir os gastos mais sig-nificativos (como saúde, por exemplo).

Profissão Mestre: Quais hábitos financeiros podem comprometer a vida do professor após a apo-sentadoria?Odete Reis: As pesquisas indicam que somente 1% dos brasileiros con-segue manter o padrão de vida após a aposentadoria. Certamente, os maus hábitos financeiros ao longo da car-reira são a causa dessa triste informa-ção. A maioria da população começa a poupar tarde demais e não acumula o patrimônio necessário para garantir bons rendimentos até o final da vida. O ideal é planejar a sustentabilidade financeira já no início de qualquer car-reira. Quanto mais cedo se inicia uma poupança, menor é o valor necessário para a complementação da aposenta-doria.

Profissão Mestre: Há sugestões es-pecíficas para professores?Odete: Com a aposentadoria, os pro-fessores deixam de receber alguns be-nefícios e gratificações, o que reduz o salário em até 20%. O ideal é ter uma

renda complementar. Hoje, a garantia de um rendimento mensal torna o do-cente arrimo de família. No entanto, assim como a maioria dos consumido-res brasileiros, a oferta e a facilidade de crédito fizeram dos professores mais uma categoria atolada em emprésti-mos consignados e gastando muito mais do que ganha.

Profissão Mestre: Como um docen-te que trabalha em diversas institui-ções pode planejar rendas futuras?Odete: Por ser remunerado em datas diferentes, o controle do orçamento doméstico é fundamental, com a visão micro e macro dos rendimentos e das contas. Fazer sobrar 10% do orçamen-to mensal é o ideal para qualquer pes-soa, não somente para o magistério.

Profissão Mestre: E no caso do pro-fessor que se dedica exclusivamente à instituição privada? E os de institui-ções públicas?Odete: Nas instituições públicas há apenas a vantagem de a aposentadoria ser em valor quase integral. Mas tan-to faz onde se trabalha, o importante é pensar no longo prazo. O quanto antes se iniciar o planejamento na fase pro-dutiva, melhor. É necessário começar a formar uma poupança de longo pra-zo desde jovem, independentemente dos bens que se possui. Pode-se fazer uma previdência privada. Hoje em dia, com a vasta oferta de informações so-bre educação financeira, montar car-teira própria de investimento é uma alternativa que depende apenas do es-forço de cada um. Nesse caso é impor-tante conhecer a organização em que se investe e, no início, buscar apoio de um profissional da área. Esta cartei-

ra pode ser diversificada, por exem-plo, com imóveis para aluguel, inves-timentos em fundos de ações ou no Tesouro Direto.

Profissão Mestre: Quais são as me-lhores alternativas em previdência privada?Odete: A previdência privada é uma boa alternativa desde que bem pla-nejada, especialmente avaliando be-nefícios fiscais, taxas de carregamen-to e taxas administrativas cobradas pelas instituições. O Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) é indica-do para quem pode deduzir as suas contribuições da base do cálculo do Imposto de Renda. Já o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) é uma op-ção para quem utiliza o modelo sim-plificado do Imposto de Renda ou pre-tende utilizar mais do que 12% de sua renda bruta em um plano de previ-dência.

Profissão Mestre: O que se deve e não se deve esperar da previdência pública?Odete: Não devemos deixar na res-ponsabilidade do governo a decisão de termos tranquilidade financeira. É de responsabilidade de cada um fazer seu velho e quentinho pé de meia. A regra é começar agora, já!

PREPARO FINANCEIRO DEVE COMEÇAR O MAIS CEDO POSSÍVEL

CARREIRAA

rquivo pessoal

Segundo a consultora financeira Odete Reis, o melhor é não deixar para o Estado o destino da velhice e se planejar o mais cedo possível