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APONTAMENTOS PARA AS AULAS PRÁTICAS DE MICROBIOLOGIA ANO LECTIVO 2008/2009 Pedro Carrilho Ferreira

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APONTAMENTOS PARA AS AULAS

PRÁTICAS DE MICROBIOLOGIA

ANO LECTIVO 2008/2009

Pedro Carrilho Ferreira

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Mestrado Integrado em Medicina Disciplina de Microbiologia Faculdade de Medicina de Lisboa Ano Lectivo 2008/2009

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ÍNDICE 1ª AULA: Introdução ao Laboratório de Microbiologia ................................................................................. 7

I. Normas de Segurança e Boas Práticas no Laboratório de Microbiologia ................................................... 8 II. Limpeza, Desinfecção e Esterilização ........................................................................................................ 8 III. Principais Meios de Cultura Utilizados no Laboratório de Microbiologia................................................. 10 IV. Técnicas de Sementeira e Condições de Incubação.............................................................................. 11 V. Estrutura Celular Bacteriana e Coloração de Gram................................................................................. 12 VI. População Microbiana Indígena no Homem ........................................................................................... 13 VII. Normas de Colheita e Transporte de Produtos Biológicos .................................................................... 14 VIII. Lavagem Higiénica, Asséptica e Cirúrgica das Mãos ........................................................................... 18

2ª AULA: Amigdalite................................ ........................................................................................................ 21

I. Quadro Clínico das Amigdalites Infecciosas ............................................................................................. 22 II. Agentes Etiológicos Mais Frequentes de Amigdalite................................................................................ 22 III. Patogénese das Amigdalites Infecciosas ................................................................................................ 22 IV. Diagnóstico de Amigdalite ....................................................................................................................... 23 V. Normas de Colheita e Transporte de Exsudados Faríngeos ................................................................... 23 VI. Terapêutica da Amigdalite....................................................................................................................... 23 VII. Streptococcus spp. ................................................................................................................................. 24 VIII. Streptococcus pyogenes ....................................................................................................................... 25 IX. Complicações de Infecções Estreptocócicas: Febre Reumática ............................................................ 27 X. Complicações de Infecções Estreptocócicas: Glomerulonefrite Aguda................................................... 29 XI. Resistência aos Macrólidos em Streptococcus spp. ............................................................................... 30

3ª AULA: Infecção dos Tecidos Moles................ .......................................................................................... 31

I. Características Gerais da Pele e Tecidos Moles....................................................................................... 32 II. Noções Gerais Sobre Infecções da Pele e Tecidos Moles....................................................................... 32 III. Normas de Colheita e Transporte de Exsudados Purulentos ................................................................. 34 IV. Processamento Laboratorial de Exsudados Purulentos ......................................................................... 35 V. Staphylococcus spp.................................................................................................................................. 35 VI. Staphylococcus aureus ........................................................................................................................... 36

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VII. Staphylococcus Coagulase Negativos ................................................................................................... 37 VIII. Distinção entre Staphylococcus aureus e Staphylococcus Coagulase Negativos ............................... 38 IX. Teste de Susceptibilidade aos Anti-Microbianos..................................................................................... 40 X. Terapêutica e Padrão de Susceptibilidade aos Anti-Microbianos em Staphylococcus spp..................... 41

4ª AULA: Meningite ................................. ........................................................................................................ 42

I. Noções Gerais Sobre Infecções do Sistema Nervoso Central .................................................................. 43 II. Classificação e Etiologia das Meningites.................................................................................................. 44 III. Patogénese da Meningite Bacteriana Aguda .......................................................................................... 45 IV. Quadro Clínico de Meningite ................................................................................................................... 46 V. Normas de Colheita e Transporte de Líquido Céfalo-Raquidiano ........................................................... 47 VI. Diagnóstico de Meningite ........................................................................................................................ 47 VII. Terapêutica e Profilaxia da Meningite Bacteriana Aguda ...................................................................... 49 VIII. Streptococcus spp. ................................................................................................................................ 51 IX. Streptococcus pneumoniae ..................................................................................................................... 51 X. Neisseria spp. ........................................................................................................................................... 53 XI. Neisseria meningitidis.............................................................................................................................. 54 XII. Haemophilus spp. e Haemophilus influenzae ........................................................................................ 56 XIII. Cryptococcus neoformans ..................................................................................................................... 57

5ª AULA: Bacteriémia e Endocardite................. ............................................................................................ 58

I. Noções Gerais Sobre Bacteriémia e Septicémia....................................................................................... 59 II. Noções Gerais Sobre Infecções do Sistema Cardio-Vascular ................................................................. 59 III. Noções Gerais Sobre Endocardite .......................................................................................................... 60 IV. Agentes Etiológicos Mais Frequentes de Endocardite Infecciosa .......................................................... 61 V. Patogénese da Endocardite Infecciosa.................................................................................................... 62 VI. Manifestações Clínicas e Laboratoriais de Endocardite Infecciosa ........................................................ 63 VII. Diagnóstico Clínico de Endocardite Infecciosa ...................................................................................... 64 VIII. Normas de Colheita e Transporte de Sangue Para Hemoculturas....................................................... 64 IX. Processamento Laboratorial das Amostras de Sangue.......................................................................... 65 X. Profilaxia e Tratamento das Endocardites Infecciosas ............................................................................ 65

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XI. Streptococcus spp. .................................................................................................................................. 67 XII. Streptococcus do grupo viridans ............................................................................................................ 67

6ª AULA: Infecção Urinária......................... .................................................................................................... 68

I. Noções Gerais Sobre Infecções do Tracto Urinário .................................................................................. 69 II. Agentes Etiológicos Mais Frequentes de Infecções do Tracto Urinário ................................................... 70 III. Patogénese das Infecções do Tracto Urinário......................................................................................... 71 IV. Normas de Colheita e Transporte de Urina Para Exame Microbiológico................................................ 72 V. Processamento Laboratorial das Amostras de Urina............................................................................... 73 VI. Tratamento das Infecções do Tracto Urinário ......................................................................................... 74 VII. Enterobacteriaceae ................................................................................................................................ 75 VIII. Escherichia coli...................................................................................................................................... 76 IX. Klebsiella spp........................................................................................................................................... 77 X. Proteus spp............................................................................................................................................... 77 XI. Diagnóstico Laboratorial de Infecções por Enterobacteriaceae.............................................................. 78 XII. Meio de Kligler ........................................................................................................................................ 79

7ª AULA: Pneumonia em Doente Ventilado............. ..................................................................................... 81

I. Noções Gerais Sobre Pneumonia ............................................................................................................. 82 II. Patogénese da Pneumonia....................................................................................................................... 82 III. Pneumonia Adquirida na Comunidade .................................................................................................... 84 IV. Pneumonia Nosocomial........................................................................................................................... 85 V. Normas de Colheita e Transporte de Amostras Biológicas do Aparelho Respirató-rio Inferior ............... 86 VI. Diagnóstico Microbiológico de Pneumonia ............................................................................................. 87 VII. Terapêutica e Prevenção da Pneumonia ............................................................................................... 88 VIII. Pseudomonas aeruginosa..................................................................................................................... 89 IX. Acinetobacter spp. ................................................................................................................................... 92 X. Legionella spp........................................................................................................................................... 93

8ª AULA: Malária e Kala-Azar....................... .................................................................................................. 95

I. Classificação dos Protozoários do Sangue e Tecidos............................................................................... 96 II. Malária ...................................................................................................................................................... 96

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III. Noções Gerais Sobre Leishmaniose ..................................................................................................... 101 IV. Leishmaniose Visceral........................................................................................................................... 101 V. Leishmaniose Cutânea........................................................................................................................... 104 VI. Leishmaniose Muco-Cutânea................................................................................................................ 104

9ª AULA: Gastrenterite............................. ..................................................................................................... 106

I. Noções Gerais Sobre Infecções do Tracto Gastro-Intestinal .................................................................. 107 II. Etiologia das Infecções do Tracto Gastro-Intestinal ............................................................................... 107 III. Patogénese das Infecções do Tracto Gastro-Intestinal......................................................................... 108 IV. Normas de Colheita e Transporte de Fezes para Exame Microbiológico............................................. 110 V. Processamento Laboratorial das Amostras de Fezes............................................................................ 110 VI. Profilaxia e Terapêutica das Infecções do Tracto Gastro-Intestinal...................................................... 112 VII. Diarreia do Viajante .............................................................................................................................. 113 VIII. Enterobacteriaceae ............................................................................................................................. 114 IX. E. coli Associadas a Gastrenterite......................................................................................................... 114 X. Salmonella spp. ...................................................................................................................................... 116 XI. Shigella spp. .......................................................................................................................................... 118 XII. Parasitas Intestinais ............................................................................................................................. 120

10ª AULA: Infecções de Transmissão Sexual .......... .................................................................................. 123

I. Noções Gerais Sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis ................................................................ 124 II. Classificação e Etiologia das Principais Doenças Sexualmente Transmissíveis................................... 124 III. Normas de Colheita e Transporte de Amostras do Aparelho Genital ................................................... 127 IV. Neisseria spp. ........................................................................................................................................ 128 V. Neisseria gonorrhoeae e Gonorreia ....................................................................................................... 128 VI. Chlamydiaceae ...................................................................................................................................... 132 VII. Chlamydia trachomatis ......................................................................................................................... 133 VIII. Candida spp. e Candidíase Vulvovaginal............................................................................................ 135 IX. Trichomonas vaginalis e Tricomoníase Vaginal.................................................................................... 136 X. Vaginose Bacteriana .............................................................................................................................. 137 XI. Treponema pallidum e Sífilis ................................................................................................................. 137

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ANEXO – Principais Meios de Cultura Utilizados no L aboratório de Microbiologia........................ ...... 142 BIBLIOGRAFIA....................................... ........................................................................................................ 144

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1ª AULA: Introdução ao Laboratório de Microbiologia Desinfecção e Esterilização Colheita e Transporte de Produtos Biológicos Introdução ao Diagnóstico em Microbiologia População Microbiana Indígena no Homem Lavagem das Mãos I. Normas de Segurança e Boas Práticas no Laboratór io de Microbiologia II. Limpeza, Desinfecção e Esterilização III. Principais Meios de Cultura Utilizados no Labo ratório de Microbiologia IV. Técnicas de Sementeira e Condições de Incubação V. Estrutura Celular Bacteriana e Coloração de Gram VI. População Microbiana Indígena no Homem VII. Normas de Colheita e Transporte de Produtos Bi ológicos VIII. Lavagem Higiénica, Asséptica e Cirúrgica das Mãos

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I. Normas de Segurança e Boas Práticas no Laboratór io de Microbiologia

As normas de segurança em laboratórios encontram-se estabelecidas em legislação própria (decreto de lei número 84/97 de 16 de Abril de 1997) com o objectivo de assegurar a protecção dos trabalhadores contra os riscos de exposição a agentes biológicos.

Esta legislação estipula:

Medidas de protecção individual e colectiva

Entre estas encontram-se a utilização de equipamento de segurança individual (como luvas, bata e máscara) e o aconselhamento de imunização dos trabalhadores (por exemplo em relação à vacina contra a hepatite B). Utilização de processos de trabalho, equipamento e instalações que diminuam o risco

Defende-se a adopção de boas técnicas e práticas microbiológicas (tais como não pipetar à boca e usar de forma cuidadosa e restrita objectos cortantes ou perfurantes) e a existência de equipamentos específicos de segurança biológica (copos de segurança para conter aerossóis, autoclaves para inactivação pelo calor, contentores para objectos cortantes ou perfurantes, câmaras de segurança biológica, etc).

É ainda estabelecida a separação dos locais de trabalho dentro do laboratório e o tipo de materiais a utilizar na construção dos laboratórios. Acções em caso de acidente

Nesta circunstância três medidas devem ser adoptadas imediatamente: � evacuar os funcionários do local do acidente; � isolar o local; � alertar as autoridades competentes.

Esta legislação aborda ainda a classificação, acondicionamento e tratamento dos resíduos resultantes do funcionamento dos laboratórios. II. Limpeza, Desinfecção e Esterilização

Estes termos, coloquialmente utilizados como sinónimos, traduzem processos pelos quais se reduz a contaminação dos materiais e superfícies de utilização hospitalar ou laboratorial.

A escolha do método de descontaminação depende de diversos factores, como: � tipo de material ou equipamento; � microrganismos envolvidos ou potencialmente envolvidos; � tempo disponível para o procedimento; � risco de infecção; � nível de descontaminação pretendido.

Em relação ao risco de infecção do material e nível de descontaminação necessário podemos considerar três níveis:

⇒ Risco baixo – para o material não crítico, ou seja, material que só contacta com pele intacta ou que não contacta de todo com o doente � requer Limpeza.

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⇒ Risco intermédio – em relação ao material semi-crítico: material que pode estar em contacto com mucosas, contaminado com agentes virulentos ou de fácil transmissão cruzada ou antes de uso em qualquer doente imunodeprimido � necessita de Desinfecção;

⇒ Risco elevado – considera-se para todo o material crítico, ou seja, material que é introduzido em

locais estéreis do organismo (exs: corrente sanguínea, líquido céfalo-raquidiano), ou que contacte com soluções de continuidade da pele ou mucosas � requer Esterilização;

Limpeza

Processo pelo qual se remove toda a sujidade, matéria inorgânica e orgânica (exs: sangue, secreções, microrganismos) de um objecto, superfície ou parte do corpo. Tem eficácia de cerca de 80% na remoção de microrganismos.

Mesmo em meio hospitalar é feita com água e sabão ou detergente coadjuvados por acção mecânica. Para o processo de limpeza ficar concluído convenientemente todas as superfícies devem ser bem secas.

A limpeza é ainda um pré-requisito fundamental na desinfecção e esterilização de um local, já que facilita a acção posterior do agente desinfectante ou esterilizante na eliminação dos microrganismos e protege contra a corrosão tornando mais seguro o manuseamento de materiais/equipamento clínico. Desinfecção

Processo que permite a eliminação ou redução para níveis não patogénicos de todos os microrganismos à excepção das formas bacterianas esporuladas. Tem eficácia de 90-99% na eliminação de microrganismos.

Pode ser realizada com agentes físicos ou químicos. Como agente físico utiliza-se o calor. A desinfecção pelo calor obtem-se através da utilização de

máquinas com ciclo de lavagem e desinfecção. Este processo é adequado para tratamento de materiais que tolerem a exposição repetida ao calor

húmido a temperaturas de cerca de 80-90º C, tais como arrastadeiras, urinóis, roupas, equipamentos anestésicos, instrumentos cirúrgicos, etc.

Na desinfecção química utilizam-se vários anti-sépticos ou desinfectantes entre os quais álcool etílico e

isopropílico, cloro, glutaraldeído, clorohexidina, iodo, iodopovidona, etc. Estes compostos designam-se anti-sépticos quando aplicados na pele ou outro tecido vivo e desinfectantes quando aplicados em objectos.

Os álcoois etílico e isopropílico são desinfectantes de acção rápida, com excelente actividade nas bactérias Gram positivas e Gram negativas, vírus e fungos. Devido à sua fraca penetração não actuam na presença de matéria orgânica, requerendo a limpeza adequada prévia de todos os materiais ou equipamentos.

O cloro é o desinfectante de eleição para contaminação por vírus. Tem também uma boa actividade anti-bacteriana. É inactivo na presença de matéria orgânica.

O glutaraldeído é um desinfectante que apresenta excelente actividade para todos os microrganismos tendo mesmo alguma actividade contra esporos. É irritante para a pele e mucosas e apresenta um elevado potencial de toxicidade pelo que deve ser manuseado com as devidas precauções (em locais ventilados e utilizando máscaras, luvas e óculos). Apenas se utiliza na desinfecção de equipamentos de endoscopia.

A clorohexidina apresenta como grande vantagem a sua actividade residual durante algumas horas após a aplicação. Além disso é apenas miminamente inactivado na presença de matéria orgânica. Como desvantagens é de salientar a sua ototoxicidade, a inactivação na presença de detergentes aniónicos e a actividade algo reduzida contra fungos, micobactérias e algumas bactérias Gram negativas. É principalmente utilizada na desinfecção da pele e mucosas.

O iodo e a iodopovidona apresentam boa actividade contra todos os microrganismos incluindo alguma actividade contra esporos bacterianos. No entanto podem provocar reacções de hipersensibilidade cutânea e alterar as provas de função tiroideia, devendo ser evitados em recém-nascidos. São também usados princi-palmente como desinfectantes da pele e mucosas.

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Descontaminação da pele e mucosas Este procedimento, que se considera um sub-tipo de desinfecção, tem também como objectivo reduzir a

quantidade de microrganismos presentes num dado local anatómico. Realiza-se habitualmente: � nas mãos do prestador de cuidados de saúde (médico, enfermeiro...); � na pele do doente onde se vai realizar um procedimento invasivo (colheita de sangue, administração

de fármaco injectável, etc); � na desinfecção pré-operatória do médico e doente. É também efectuada através do uso de substâncias anti-sépticas ou desinfectantes, utilizando-se

principalmente o álcool etílico, álcool isopropílico com etilsulfato de mecetrónio (Sterilium ®), clorohexidina e os compostos iodados (iodo e iodopovidona).

As indicações destes produtos variam consoante o procedimento a efectuar: � Higienização das mãos do prestador de cuidados antes de procedimentos invasivos – álcool isopro-

pílico com etilsulfato ou clorohexidina; � Desinfecção da pele do doente antes de:

o Aplicação de injectáveis ou colheita de sangue – álcool etílico; o Colheita de sangue para hemocultura, algaliação ou desinfecção da pele no campo

operatório – iodopovidona; o Inserção de catéteres endo-venosos centrais ou realização de biópsias percutâneas,

punções lombares, etc – iodopovidona ou clorohexidina;

� Desinfecção das mucosas do doente: o Mucosa oral – clorohexidina ou iodopovidona em solução oral; o Mucosas genitais – iodopovidona.

Esterilização

Processo pelo qual são eliminados todo o tipo de microrganismos incluindo bactérias esporuladas. Para ser eficaz é necessário que a carga microbiana inicial seja baixa devendo os materiais ser previamente submetidos a um processo de lavagem e secagem. A eficácia na remoção de microrganismos é de 100%.

Os agentes esterilizantes podem ser físicos (ex: calor húmido ou seco), ou químicos (ex: óxido de etileno ou ortoftaldeído).

Os processos físicos são preferíveis por serem inócuos, não poluentes e de custo mais baixo, sendo os processos químicos reservados para os materiais termo-sensíveis.

Os métodos de calor utilizam temperaturas mais elevadas e/ou tempos de actuação mais longos do que quando utilizados na desinfecção. III. Principais Meios de Cultura Utilizados no Labo ratório de Microbiologia

Os meios de cultura são ultizados para o crescimento e identificação de bactérias e fungos. Podem ser classificados de duas formas distintas: em relação às suas características físicas (sólidos, semi-sólidos ou líquidos) ou quanto à permissividade e informação que fornecem sobre os microrganismos que neles proliferam; na última classificação consideram-se:

� Meios selectivos (exs: MacConkey, ANC, Sabouraud); � Meios não selectivos (exs: gelose de sangue, gelose de chocolate); � Meios diferenciais (ex: MacConkey).

Alguns dos meios mais utilizados são:

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Gelose de Sangue – meio não selectivo utilizado mais frequentemente. Constituído por gelose enriquecido com sangue de cavalo ou carneiro a 45º C. Permite o crescimento de praticamente todas as bactérias e leveduras, a observação da presença ou ausência de hemólise e a distinção do tipo de hemólise. Meio de MacConkey – meio selectivo e diferencial para isolamento de bacilos Gram negativos. Particularidades da sua constituição:

� grande quantidade de sais biliares permitindo apenas o crescimento de bactérias habituadas a estes produtos do metabolismo, como as Enterobacteriáceas e Pseudomonas (Gram negativos) e Enterococcus (Gram positivos – a excepção à selectividade do meio);

� presença de lactose e indicadores de pH, permitindo a distinção entre colónias fermentadoras da lactose (cor rosada) e não fermentadoras da lactose (transparentes ou de cor amarela);

Meio ANC – meio selectivo para bactérias Gram positivas. Apresenta uma constituição semelhante à gelose de sangue mas com adição de dois anti-bacterianos (ácido nalidíxico e colistina) que impedem o crescimento de Gram negativos (com excepção de Gardnerella vaginalis e alguns Bacteroides spp.). Gelose de Chocolate – meio nutritivo utilizado na cultura de microrganismos fastidiosos como Neiserria spp. e Haemophilus spp. Assim denominado por ter aparência de chocolate, já que contém sangue aquecido a 80º C. Semelhante à gelose de sangue mas enriquecido com diversos factores incluindo os factores X e V necessários ao cresimento de Haemophilus spp. Não permite distinção de padrões hemolíticos. Meio de Sabouraud – meio selectivo para leveduras. Podem ser adicionados anti-bacterianos aumentando a sua selectividade. Meio Líquido de Todd-Hewitt – meio líquido mais utilizado. À semelhança dos restantes meios líquidos é usado com o intuito de permitir o enriquecimento do produto biológico em causa facilitanto o posterior crescimento dos microrganismos nos meios sólidos e a sua identificação. Meio de Muller-Hinton – meio não selectivo utilizado principalmente para o estudo da susceptibilidade aos anti-microbianos. IV. Técnicas de Sementeira e Condições de Incubação

As técnicas de sementeira diferem consoante as características físicas do meio e do produto a semear. Assim em meios líquidos os produtos sólidos são mergulhados directamente no meio enquanto os produtos líquidos são semeados com o auxílio de seringa, pipeta ou ansa. Em meios sólidos em tubo inocula-se com ansa apenas em superfície ou em superfície e em profundidade. Em meios sólidos em placa utilizam-se três métodos:

� Por quadrantes ou em roseta – coloca-se uma pequena porção de produto num quadrante e procede-se à sementeira com a ansa em todos os quadrantes da placa;

� Por espalhamento com zaragatoa – utiliza-se no teste de susceptibilidade aos anti-microbianos

(TSA) por difusão em placa; � Para quantificação de colónias – utiliza-se para a urina; técnica igual aos quadrantes mas

empregando ansa calibrada.

Em relação às condições de incubação é necessário considerar: � Atmosfera – certos microrganismos apenas crescem ou crescem preferencialmente em atmosferas

capnofílicas (alto teor de CO2), microaerofílicas (baixo teor de O2) ou anaeróbias (ausência de O2); � Temperatura – para a maioria dos microrganismos a temperatura óptima de crescimento é 37ºC; no

entanto, alguns preferem temperaturas mais baixas ou elevadas (desde 4ºC a 42ºC);

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� Humidade – a maioria dos microrganismos tem um desenvolvimento óptimo com humidade igual ou superior a 70%.

V. Estrutura Celular Bacteriana e Coloração de Gram

À semelhança das células eucariotas, as células procariotas apresentam citoplasma delimitado por um membrana citoplasmática constituída por uma bicamada fosfolipídica. A envolver esta membrana existe uma parede celular cuja estrutura, componentes e funções permitem classificar a maioria das bactérias em Gram positivas ou Gram negativas.

As bactérias Gram positivas apresentam uma parede celular espessa, composta por múltiplas camadas

de peptidoglicano, um polímero de aminoácidos e polissacáridos. Esta parede pode incluir outros componentes, nomeadamente ácido teicóico e lipoteicóico e polissacáridos complexos (fig. 1).

A parede celular das bactérias Gram negativas é mais complexa, apresentando duas porções distintas.

Externamente à membrana citoplasmática encontra-se uma fina camada de peptidoglicano sem ácido teicóico ou lipoteicóico. Após esta existe a membrana externa. As duas porções estão separadas pelo espaço periplásmico, onde existem várias enzimas, fundamentais para o metabolismo e virulência do microrganismo, e proteínas transportadoras de metabolitos. A membrana externa é assimétrica sendo o folheto interno composto por fosfolípidos e o folheto externo essencialmente constituído por uma molécula anfipática designada lipopolissacárido (LPS) ou endotoxina (fig.1).

Objectivo da coloração de Gram

Esta coloração, desenvolvida originalmente por Christian Gram em 1884, é usada para diferenciar determinados microrganismos e classificar as bactérias com base na sua forma, tamanho, organização (“arranjo”) e “reacção de Gram”.

Permite o diagnóstico presumptivo de determinados agentes infecciosos e a avaliação da qualidade de determinadas amostras biológicas.

Figura 1 – Estrutura da parede celular das bactérias Gram positivas (esquerda) e Gram negativas (direita)

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Materiais e procedimento Após preparação, secagem e fixação (pelo calor ou metanol) do esfregaço: a) Roxo de metilo (Primeiro corante) – 30 segundos; b) Lugol (“mordente” ou fixante) – 60 segundos; c) Limpeza com Álcool ou Acetona (descorante) e Água; d) Fucsina (Segundo corante) – 30 segundos; e) Limpeza com Água e Secagem; Observação ao microscópio óptico. Princípio

Os microrganismos classificam-se como Gram positivos ou negativos com base nas diferenças da composição e arquitectura da parede celular.

As bactérias Gram positivas, devido à espessa camada de peptidoglicano (20-80 nm), retém a coloração inicial (roxo de metilo).não sendo afectadas pela descoloração com solução alcoólica.

As Gram negativos, com uma fina camada de peptidoglicano (5-10 nm), não têm a capacidade de reter o roxo de metilo, que é removido pela descoloração com álcool, permitindo a coloração pela fucsina (o segundo corante). Classificações possíveis através da observação de u m esfregaço corado pelo método de Gram

� Reacção de Gram: Positiva (roxo) ou Negativa (rosa / encarnado). � Forma: cocos, bacilos, coco-bacilos. � Disposição: em cadeia (estreptococos), em cacho (estafilococos), etc.

VI. População Microbiana Indígena no Homem

Os termos flora microbiana normal, indígena e comensal são sinónimos, sendo utilizados para descrever todos os microrganismos encontrados habitualmente em diversos locais anatómicos de indivíduos saudáveis. Estes microrganismos encontram-se na pele e mucosas de todos os seres humanos pouco após o nascimento e mantêm-se até à sua morte. Os locais anatómicos mais colonizados por esta flora são a pele (com particular incidência na pregas e dobras), as mucosas do tubo digestivo (principalmente mucosa oral e cólon), o sistema respiratório (mucosas nasal e faríngea), a uretra e a vagina. Nesta aula abordar-se-à a flora cutânea, oral, gastro-intestinal, nasal e faríngea. Benefícios da flora indígena

� Estimulação precoce do sistema imunitário; � Prevenção da colonização por microrganismos patogénicos; � Síntese de substâncias essenciais (ex: vitamina K).

Incovenientes da flora indígena

� Potencial disseminação para locais previamente estéreis; � Desenvolvimento excessivo de microrganismos potencialmente patogénicos após:

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o alteração das condições locais; o terapêutica anti-microbiana; o imunossupressão.

Pele Microrganismos mais frequentes: Staphylococcus coagulase negativos, difteróides anaeróbicos (como Propionibacterium acnes), Micrococcus spp., Corynebacterium spp., etc. Outros: Bacillus spp., Enterobacteriáceas, Streptococcus spp., Pseudomonas aeruginosa, Candida spp., Pityrosporum spp., etc.

Além da flora descrita acima, nas axilas e períneo de cerca de 10-15% dos indivíduos saudáveis podemos encontrar ainda Staphylococcus aureus. Mucosa Oral

Flora muito diversa chegando a ter mais de 200 espécies diferentes de bactérias Gram positivas e Gram negativas e fungos. Entre os mais frequentes temos Streptococcus spp., Candida spp. e várias bactérias anaeróbias. Mucosa Gastro-Intestinal

A densidade da flora indígena no tracto gastro-intestinal vai aumentando progressivamente desde o estômago até ao cólon. Assim na mucosa gástrica podemos ter apenas alguns lactobacilos tolerantes ao ácido ou Helicobacter pylori.

Por outro lado no íleon e cólon existe um grande número de bactérias; a maioria (cerca de 95-99%) são anaeróbios, principalmente Bacteroides spp., mas também existem Streptococcus spp., Enterococcus spp., Enterobacteriáceas (Escherichia coli, Klebsiella spp., etc), Clostridium spp., entre outras. Mucosa Nasal e Faríngea

A mucosa nasal de cerca de 30% dos indivíduos saudáveis alberga S. aureus. Em termos gerais a mucosa naso-faríngea é habitualmente portadora de microrganismos altamente patogénicos como Streptococcus pneumoniae (ou Pneumococcus), Streptococcus pyogenes, Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis (agentes de infecções respiratórias) ou Neisseria meningitidis (agente de meningite). Também se pode encontrar Candida spp. VII. Normas de Colheita e Transporte de Produtos Bi ológicos Considerações gerais

A avaliação de um produto biológico em Microbiologia depende de diversos factores, mas principalmente da qualidade da amostra biológica. Para assegurar a qualidade desta é necessário que se cumpram determinadas normas de colheita e transporte:

� Durante todo o processo de colheita e manuseamento do produto deve usar-se sempre luvas, bata e outro equipamento de segurança pessoal quando necessário;

� A amostra deve ser constituida por material colhido do verdadeiro local da infecção , com o

mínimo de contaminação por flora dos tecidos adjacentes;

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� Deve-se colher o material biológico mais adequado para o isolamento do(s) agente(s) microbiano(s) em causa e, sempre que possível, antes da administração de anti-microbianos ;

� Todos os recipientes de colheita e transporte têm q ue se encontrar esterilizados ; � Os recipientes para recolha de produtos biológicos não devem encher-se para além dos seus 2/3 de

capacidade; � A identificação das amostras deve ser feita nos própr ios recipientes, nunca na tampa ou

invólucro de papel ou plástico envolvente;

� As amostras devem ser identificadas com os seguintes dados: nome do doente, serviço, tipo de produto biológico, data e hora de colheita;

� Cada amostra biológica deve ser acompanhada por uma requisição de microbiologia a qual

contém habitualmente um inquérito sumário que deve ser completamente preenchido sob pena de o exame ser prejudicado;

� As amostras biológicas devem ser transportadas o ma is depressa possível ao laboratório de

Microbiologia , a fim de evitar a proliferação da flora microbiana indígena ou de colonização; � Quando não for possível transportar de imediato as amostras biológicas ao laboratório, estas devem

ser conservadas de acordo com as condições aconselhadas (refrigeração, meio de conservação, etc), variáveis com o tipo de produto biológico.

Critérios de rejeição de amostras biológicas

� Amostras/requisições incorrectamente (ou não) identificadas;

� Dados de identificação das amostras e requisições não coincidentes;

� Recipientes e/ou requisições visivelmente conspurcados com matéria orgânica;

� Recipientes partidos e/ou a extravasar produto biológico;

� Amostras inadequadas para o exame microbiológico pedido; 1. Urina Preferir a primeira urina da manhã, colhendo a amostra segundo a técnica do jacto médio. Na mulher:

1. Lavar as mãos, região periuretral, genitais externos e períneo com água e sabão; 2. Enxaguar muito bem com água ou soro fisiológico, de preferência esterilizados, e sempre com

movimentos de frente para trás; 3. Afastar os grandes lábios com uma das mãos; 4. Desperdiçar uma pequena quantidade de urina (o “primeiro terço” do jacto urinário); 5. Recolher uma porção de urina (“jacto médio”) para um recipiente esterilizado; 6. Desperdiçar a restante quantidade de urina (“último terço”); 7. Ter cuidado para não tocar com a abertura do recipiente nos genitais externos, coxas e roupa.

No homem:

1. Lavar as mãos com água e sabão; 2. Recolher o prepúcio, expondo a glande; 3. Lavar a glande, sobretudo na região do meato uretral, com água e sabão; 4. Enxaguar muito bem com água ou soro fisiológico, de preferência esterilizados; 5. Desperdiçar uma pequena quantidade de urina; 6. Recolher uma porção de urina (“jacto médio”) para um recipiente esterilizado;

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7. Desperdiçar a restante quantidade de urina; 8. Ter cuidado para não tocar com a abertura do recipiente nos genitais externos, coxas e roupa.

No doente algaliado:

1. Clampar a algália durante 10-15 minutos; 2. Desinfectar a área a puncionar (borracha do tubo colector) como se fosse pele; 3. Aspirar com seringa esterilizada; 4. Enviar a própria seringa ou colocar o seu conteúdo num recipiente esterilizado.

Observações:

� Não puncionar o tubo de plástico ou saco colector da algália nem desconectar a algália para recolher a urina;

� Evitar a algaliação propositada para colheita de urina; � Nunca enviar sacos colectores de urina para exame microbiológico; � A urina poderá ser colhida por punção suprapúbica tratando-se, neste caso, de uma amostra de

excelente qualidade; � Quer no caso de colheita em doente algaliado, quer no caso de colheita por punção suprapúbica,

especificar sempre estes procedimentos ao preencher a requisição de microbiologia; � Independentemente do modo de colheita de urina, se não for possível enviar de imediato a amostra

refrigerar a mesma; � Na suspeita de pielonefrite é sempre aconselhável colher, simultaneamente, sangue para

hemoculturas . 2. Sangue para hemocultura

1. Desinfectar o local de punção venosa, por exemplo, com solução alcoólica iodada, de modo circular e do interior para a periferia;

2. Deixar secar completamente antes de puncionar; 3. Desinfectar, do mesmo modo, o local de punção do frasco de hemocultura; 4. Utilizar seringa esterilizada para colher o sangue; 5. Colocar o sangue colhido no frasco, sem trocar de agulha; 6. Nunca fazer apenas uma hemocultura por doente . O número considerado ideal é de 3

hemoculturas por doente num período máximo de 24 horas e mínimo de 1 hora. Cada punção venosa deve corresponder, apenas, a uma hemocultura.

Observações:

� Se for necessário palpar a veia após desinfecção usar uma luva esterilizada ou desinfectar os dedos que vão fazer a palpação;

� Volume de sangue a colher (consoante as indicações do laboratório) – habitualmente: 10 – 30 mL no adulto; 1 – 5 mL na criança; � Evitar colher sangue para hemocultura através de cateter venoso ou arterial (este poderá estar

colonizado com microrganismos falseando positivamente um resultado); � Evitar, sempre que possível, os locais de punção nos membros inferiores ou na região inguinal; � A colheita de hemoculturas não deve ser condicionada pela existência de pico febril, já que este não

é o momento em que a concentração bacteriana no sangue é mais elevada e este procedimento pode atrasar a colheita e identificação do/s microrganismo/s.

� Nunca refrigerar a amostra. Manter a amostra à temperatura ambiente até enviar ao LM. 3. Exsudado purulento

No caso de se tratar de um exsudado purulento superficial (ex: abcesso) desinfectar cuidadosamente a pele do local de punção com solução alcoólica iodada e realizar o desbridamento dos tecidos necrosados. Deixar secar completamente antes de puncionar.

Sempre que possível colher a amostra com seringa . Colocar a amostra num recipiente esterilizado e

enviar de imediato ao laboratório. Fora do horário normal de funcionamento do mesmo, injectar a amostra

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biológica num meio de transporte. No caso de lesão superficial pode também recorrer-se à biópsia da mesma.

Não esquecer que as colheitas por seringa são de qualidade superior em relação às efectuadas por

zaragatoa, não só porque aumenta a sensibilidade do exame microbiológico como, também, porque os produtos colhidos por zaragatoa não permitem a realização de um exame microscópico directo fiável (após coloração) e são de valorização mais discutível.

Se apenas for possível efectuar a colheita por zaragatoa , como é o caso de certos exsudados purulentos, exsudados oculares, exsudados umbilicais e exsudados auriculares (nestes, nos casos em que é impossível efectuar colheita por punção transtimpânica), deve fazer-se com uma zaragatoa seca ou humedecida em soro fisiológico esterilizado colocando-a dentro de um tubo esterilizado seco adequado. Enviar de imediato ao laboratório.

Fora do horário normal de funcionamento do laboratório de Microbiologia, colocar a zaragatoa em meio de transporte e manter a amostra à temperatura ambiente até a enviar. 4. Expectoração

A colheita deve ser preferencialmente efectuada sob supervisão de um médico, enfermeiro ou técnico de análises clínicas.

Se o paciente tiver dificuldade em expectorar pode ser necessário recorrer à nebulização, hidratação, cinesiterapia ou drenagem postural.

1. Preferir a primeira expectoração da manhã após a higiene da boca; 2. Instruir o doente para obter uma amostra de qualidade (não saliva), se necessário após tosse

profunda. Desprezar a amostra se tiver restos alimentares e/ou saliva; 3. Recolher a amostra para um recipiente esterilizado de boca larga; 4. Quando as amostras não podem ser de imediato enviadas ao laboratório devem ser refrigeradas . Na suspeita de pneumonia é sempre aconselhável colher, simultaneamente, sangue para hemocultu-

ras . 5. Fezes

Exame Bacteriológico: Aproveitar uma porção de fezes com muco, pús e/ou sangue. A amostra deve ser colocada num meio de transporte . Habitualmente, a tampa desse meio tem uma colher agregada, que pode ser usada para retirar a porção de amostra a analisar (aproximadamente do tamanho de uma avelã se não tiver consistência líquida). Podem ser efectuadas até três colheitas por doente, correspondendo a dejecções diferentes consecutivas ou, de preferência, a dejecções em dias diferentes consecutivos. Geralmente, manter a amostra à temperatura ambiente até enviar ao laboratório. Perante um quadro clínico de colite acompanhada de febre é sempre aconselhável colher, simultaneamente, sangue para hemoculturas . Exame Parasitológico A amostra deve ser colocada num recipiente próprio sem meio de transporte . O recipiente adequado possui, habitualmente, uma colher agregada à tampa que pode ser usada para retirar a porção de amostra a analisar. Deve obter-se até três amostras por doente colhidas, de preferência, em dias alternados . Refrigerar as amostras até as enviar ao laboratório.

6. Líquido Céfalo-Raquidiano (LCR)

A colheita é feita, habitualmente, por punção lombar: 1. Desinfectar cuidadosamente a zona de punção, por exemplo, com solução alcoólica iodada; 2. Colher 2-3 mL para um tubo esterilizado;

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3. É recomendada a colheita em três tubos que devem ser numerados , sendo o último utilizado para exame microbiológico;

4. Nunca refrigerar a amostra; É aconselhável efectuar, simultaneamente, colheitas de sangue para hemocultura .

7. Exsudado nasal

1. Com o polegar de uma das mãos levantar a ponta do nariz; 2. Colher com uma zaragatoa seca ou humedecida em soro fisiológico es terilizado , introduzindo a

zaragatoa ao longo do septo nasal, rodando-a gentilmente contra a mucosa nasal; 3. Colocar a zaragatoa em tubo seco esterilizado adequado; 4. Repetir o procedimento para a outra narina com outra zaragatoa.

Fora do horário normal de funcionamento do laboratório de Microbiologia, colocar a zaragatoa em

meio de transporte adequado e manter à temperatura ambiente . 8. Exsudado faríngeo

1. Pedir ao doente para respirar fundo com a boca aberta; 2. Baixar a língua com uma espátula; 3. Colher com zaragatoa seca a partir faringe posterior ou amígdalas, tendo o cuidado de não tocar

nas paredes da cavidade bucal, língua ou úvula; 4. Colocar a zaragatoa dentro de um tubo esterilizado seco adequado.

Fora do horário normal de funcionamento do laboratório de Microbiologia a zaragatoa deve ser colocada

em meio de transporte adequado e mantida à temperatura ambiente . No caso de suspeita de Corynebacterium diphteriae ou Neisseria gonorrhoeae, esse facto deve ser

expressamente destacado na requisição, uma vez que é necessário cultura em meios especiais não utilizados por rotina. VIII. Lavagem Higiénica, Asséptica e Cirúrgica das Mãos

As mãos são consideradas o principal veículo de transmissão de microrganismos causadores de infecção no Homem. Assim, a lavagem/higiene correcta das mãos é uma das medidas mais importantes de controlo de infecção.

Podemos considerar dois tipos de flora microbiana nas mãos, sendo que ambas podem originar infecções cruzadas:

Flora transitória – localiza-se apenas na superfície da epiderme e é adquirida na sequência de um

contacto com o ambiente; qualquer microrganismo pode fazer parte desta flora, sendo os mais frequentes alguns bacilos Gram negativos (ex: E. coli e Pseudomonas spp.) e cocos Gram positivos (ex: S. aureus) – os agentes mais frequentes de infecção adquirida em meio hospitalar ou nosocomial; estes microrganismos sobrevivem por curtos períodos nas mãos, têm um elevado potencial patogénico e são facilmente transmiti-dos por contacto directo; a lavagem das mãos com água e sabão é muito eficaz na sua remoção;

Flora residente – multiplica-se na pele podendo encontrar-se nas camadas mais profundas; muito se-

melhante à flora cutânea em geral; raramente causa doença excepto quando é introduzida traumaticamente nos tecidos mais profundos; para a sua remoção é necessária a utilização de anti-sépticos.

Métodos de higiene/lavagem de mãos: � Lavagem higiénica ou social; � Desinfecção ou lavagem asséptica; � Lavagem ou desinfecção cirúrgica.

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Lavagem higiénica

Tem como objectivo remover toda a flora transitória e está indicada nas seguintes situações: � contacto com objectos próximos de doentes, infectados ou não (ex: roupas da cama); � contactos superficiais com doentes não infectados (ex: medir tensão arterial); � contacto com objectos provavelmente contaminados (ex: materiais de higiene); � após remoção de luvas.

Neste procedimento, após humedecer as mãos com água, utiliza-se sabão líquido de uso geral com pH

adequado (5,5) (ex: Baktolin ®), numa quantidade suficiente para cobrir com espuma toda a superfície das mãos. Após ensaboar as mãos, tendo o cuidado de abranger todas as áreas da mão (de acordo com o procedimento exposto na fig. 2 – cerca de 10-15 segundos cada passo), passa-se por água até retirar toda a espuma e seca-se bem com toalhas de papel. No caso de se utilizar uma torneira de encerramento manual esta deve ser fechada com o toalhete de forma a não recontaminar as mãos.

Como alternativa, e quando as mãos se encontrem visivelmente limpas, pode utilizar-se um soluto alcoólico com emoliente (ex: Sterilium ®). Estes têm a vantagem de ser melhor tolerados do que as lavagens frequentes e apresentarem eficácia pelo menos idêntica ao procedimento tradicional. Deve-se aplicar 2 a 3 mL destes solutos e friccionar todas as áreas das mãos (fig. 2) durante cerca de 15 segundos, deixando, sem seguida, o soluto secar.

Desinfecção das mãos

Indicada nas seguintes situações: � Contacto com qualquer secreção, excreção ou líquido orgânico de um doente; � Contacto com qualquer local infectado; � Antes de procedimentos invasivos; � Antes de qualquer procedimento numa Unidade de Cuidados Intensivos (UCI); � Contacto com doentes com imunossupressão grave;

1 – Palma contra palma 2 – Palma da mão esquerda contra o dorso da mão direita e vice-versa

3 – Palma contra palma com os dedos abertos e entrelaçados

4 – Face dorsal dos dedos na palma da outra mão

5 – Palma direita friccionando polegar esquerdo e vice-versa

6 – Friccionar com movimentos circulares as extremidades distais dos dedos

Figura 2 – Procedimento a utilizar na lavagem das mãos

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� Contacto com doentes colonizados ou infectados com microrganismos multi-resistentes ou altamente infecciosos.

O objectivo é remover toda a flora cutânea (transitória e residente). Pode ser realizada tal como a

lavagem higiénica (fig. 2) mas utilizando sabão líquido com anti-séptico (por exemplo, clorohexidina). As mãos devem ser bem secas após o último passo.

Como alternativa pode recorrer-se a um soluto alcoólico com emoliente aplicado durante 30 segundos nas mãos visivelmente limpas ou após lavagem com água e sabão. Lavagem cirúrgica

Indicada antes de qualquer intervenção cirúrgica. O objectivo é a remoção de toda a flora das mãos e antebraços, sendo o procedimento semelhante à desinfecção mas incluindo 3 passos sucessivos:

� Lavagem dos antebraços, punhos e mãos; � Lavagem dos punhos e mãos; � Lavagem das mãos.

O tempo de cada passo deve ser cerca de 1,5 a 3 minutos e, entre cada um, a passagem por água deve

ser feita deixando escorrer a mesma das mãos para os antebraços e nunca ao contrário, permitindo que a água circule das zonas mais limpas para as zonas mais contaminadas.

Deve também utilizar-se uma escova esterilizada, mas apenas nas unhas e antes da primeira cirurgia do dia, já que o seu uso continuado danifica a pele e aumenta o risco de colonização.

Nos últimos anos surgiram escovas impregnadas com anti-sépticos que mostraram algumas vantagens

em relação ao método tradicional de lavagem cirúrgica, nomeadamente menores custos e redução do tempo de lavagem, sem prejuízo da eficácia. Estas escovas devem ser utilizadas, sem adição de qualquer anti-séptico adicional, na lavagem sequencial dos dedos, mãos, metade distal e metade proximal dos antebraços, alternando sempre entre os dois membros e considerando as quatro faces de cada região (anterior, posterior, interna e externa). A passagem por água é realizada apenas no final de todo o procedimento, com os mesmos cuidados que no método tradicional.

Ainda outra alternativa é realizar a lavagem das mãos e antebraços com sabão líquido sem anti-séptico

tal como descrito acima e, após secagem com toalhete, aplicar soluto alcoólico com emoliente durante pelo menos 3 minutos e deixar secar.

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2ª AULA: Amigdalite I. Quadro Clínico das Amigdalites Infecciosas II. Agentes Etiológicos Mais Frequentes de Amigdali te III. Patogénese das Amigdalites Infecciosas IV. Diagnóstico de Amigdalite V. Normas de Colheita e Transporte de Exsudados Far íngeos VI. Terapêutica da Amigdalite VII. Streptococcus spp. VIII. Streptococcus pyogenes IX. Complicações de Infecções Estreptocócicas: Febr e Reumática X. Complicações de Infecções Estreptocócicas: Glome rulonefrite Aguda XI. Resistência aos Macrólidos em Streptococcus spp.

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I. Quadro Clínico das Amigdalites Infecciosas

O quadro clínico de amigdalite pode ser muito variado, dependendo do agente etiológico envolvido. Alguns dos sinais e sintomas mais típicos são:

� febre; � odinofagia ou dor faríngea ou peri-amigdalina; � presença de hiperémia e exsudado purulento na faringe; � presença de hiperémia, hipertrofia e exsudado purulento nas amígdalas; � adenopatias cervicais.

Podem surgir muitos outros sinais ou sintomas associados, tais como fadiga, mialgias, artralgias,

cefaleias, tosse, hiperémia e exsudado conjuntival, vesículas na faringe, úvula ou palato, adenopatias generalizadas, hepato-esplenomegália, mau estar geral, dor abdominal, exantema cutâneo, etc. II. Agentes Etiológicos Mais Frequentes de Amigdali te

Vários microrganismos podem causar amigdalite. A importância relativa de cada um apenas pode ser estimada já que uma proporção significativa de casos (cerca de 30%) carecem de agente etiológico identificado. Assim entre os agentes etiológicos de amigdalite identificados temos de considerar os vírus (responsáveis por cerca de 70% dos casos) e as bactérias (responsáveis pelos restantes 30%). Vírus : - Rinovírus (cerca de 20% do total de casos) e Coronavírus (~ 5%); - Vírus Parainfluenza e Influenza;

- Adenovírus; - Vírus Herpes Simplex (HSV) tipo 1 e 2; - Coxsackie A e outros Enterovírus; - Citomegalovírus (CMV); - Vírus de Epstein-Barr (EBV); - Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV); Bactérias : - Streptococcus pyogenes (5-15% de todos os casos em adultos); - Corynebacterium diphteriae e outros Corynebacterium spp.; - Neisseria gonorrhoeae; - Treponema pallidum; - Associação de anaeróbios fusiformes e espiralados (Angina de Vincent); - Outros Streptococcus spp. (principalmente dos grupos C e G de Lancefield). III. Patogénese das Amigdalites Infecciosas

Em termos de patogénese esta infecção pode ter duas formas de aquisição: � a partir da flora microbiana indígena da faringe; � através da inalação de aerossóis de indivíduos portadores.

Em relação à primeira hipótese, vários microrganismos potencialmente causadores deste quadro podem

fazer parte da flora comensal da faringe no ser humano. Entre os mais constantes encontram-se: � vários Streptococcus spp.; � vários Corynebacterium spp.; � bactérias anaeróbias.

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Numa percentagem reduzida de indivíduos (inferior a 10%) podemos ainda encontrar outros microrganismos como S. pyogenes ou C. diphteriae. Finalmente os vírus da família Herpesviridae (HSV-1 e -2, EBV e CMV) podem residir, numa forma latente, nos gânglios linfáticos ou neurónios sensitivos da região faríngea, podendo, por reactivação, originar quadros de amigdalite.

Na maioria dos casos, no entanto, a aquisição do agente infeccioso faz-se através da inalação de

aerossóis de indivíduos portadores do microrganismo em causa. Estes indivíduos podem apresentar um processo infeccioso desencadeado pelo agente ou ser apenas portadores assintomáticos do mesmo. IV. Diagnóstico de Amigdalite

O principal objectivo no diagnóstico etiológico da amigdalite infecciosa é a distinção entre a amigdalite estreptocócica aguda e as restantes etiologias possíveis (principalmente viral) de forma a que a terapêutia possa ser prescrita de forma mais eficaz. Para a detecção de S. pyogenes utilizam-se o método cultural ou testes rápidos de detecção de antigénios desta bactéria, ambos a partir de zaragatoas com exsudado faríngeo (ver secção VIII – Streptococcus pyogenes).

O diagnóstico de outros agentes bacterianos é, habitualmente, realizado pelos métodos culturais, sendo que am alguns casos (particularmente N. gonorrhoeae e C. diphteriae) é necessário recorrer a meios de cultura não utilizados por rotina.

Para identificar vários vírus recorre-se a ensaios específicos. Por exemplo, no caso de infecção por EBV pode utilizar-se o teste monospot ou ensaios para anticorpos específicos contra o vírus, para o HIV usam-se testes de detecção do RNA viral ou de antigénios específicos, etc. V. Normas de Colheita e Transporte de Exsudados Far íngeos

A colheita de exsudado amigdalino / faríngeo deve respeitar os seguintes passos: 1. Pedir ao doente para respirar fundo com a boca aberta; 2. Baixar a língua com uma espátula; 3. Realizar a colheita, com zaragatoa seca, a partir da faringe posterior ou amígdalas, tendo o cuidado

de não tocar nas paredes da cavidade bucal, língua ou úvula; 4. Colocar a zaragatoa dentro de um tubo esterilizado seco adequado.

Fora do horário normal de funcionamento do laboratório de Microbiologia a zaragatoa deve ser colocada

em meio de transporte adequado e mantida à temperatura ambiente. No caso de suspeita de Corynebacterium diphteriae ou Neisseria gonorrhoeae esse facto deve ser

expressamente destacado na requisição, uma vez que é necessário cultura em meios especiais não utilizados por rotina. VI. Terapêutica da Amigdalite

A utilização de antibióticos na amigdalite está praticamente restrita aos casos de infecção por S. pyogenes (ver secção VIII – Streptococcus pyogenes), já que esta é uma infecção tipicamente benigna e auto-limitada. Nos restantes casos (principalmente com etiologia viral) a terapêutica é totalmente sintomática, à excepção de alguns casos de infecção por vírus influenza ou HSV e na circunstância de síndrome aguda do HIV.

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Em relação ao vírus influenza existem vários anti-virais eficazes como amantadina ou oseltamivir. Estes devem ser iniciados nas primeiras 36 a 48 horas após o aparecimento da sintomatologia de forma a reduzir a duração da doença.

A infecção oro-faríngea por HSV responde, por vezes, à terapêutica anti-viral com aciclovir. Habitualmen-te estes fármacos são reservados para doentes imunocomprometidos.

A síndrome aguda do HIV é uma indicação formal para início de terapêutica com anti-retrovirais. Infelizmente subsistem algumas dúvidas em relação à duração ideal da terapêutica. VII. Streptococcus spp.

O género Streptococcus congrega um grupo heterogéneo de bactérias que coloniza e infecta o homem e os animais.

São cocos anaeróbios facultativos, Gram positivos, catalase-negativos, fermentadores dos carbohidratos, que se dispõem em cadeia (sobretudo em meio líquido), com necessidades nutritivas complexas (necessitando de meios enriquecidos com sangue ou soro) e podem ser causa de doenças tão diversas como amigdalite, pneumonia, abcessos cerebrais, meningite, endocardite ou gangrena. Classificação

A diferenciação das espécies dentro deste género é complexa utilizando-se três esquemas de

classificação que se baseiam, respectivamente, nos padrões hemolíticos, propriedades serológicas e propriedades bioquímicas dos microrganismos. O último esquema é o menos importante sendo apenas utilizado quando os restantes não são conclusivos.

Classificação de Streptococcus spp. segundo o tipo de hemólise Observando o crescimento das colónias em gelose de sangue: α-hemolíticos � hemólise parcial correspondendo a uma coloração verde-acastanhada da hemoglobina (provavelmente devido à produção de peróxido de hidrogénio) (exs: S. pneumoniae, S. sanguis); β-hemolíticos � hemólise completa observando-se uma zona de descoloração envolvendo as colónias (exs: S. pyogenes, S. agalactiae); γ-hemolíticos � ausência de hemólise (exs: S. bovis, S. mitis). Classificação de Streptococcus spp. segundo as propriedades serológicas

Classificação elaborada em 1933 por Rebecca Lancefield que agrupa os estreptococos de acordo com a constituição da parede celular em determinados antigénios (carbohidratos). Existem os grupos A a H, K a M e O a V de Lancefield. Alguns estreptococos não são grupáveis, nomeadamente a maioria dos α- e γ-hemolíticos.

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Esquema geral de classificação: Streptococcus

β α(γ) outros (ex: maioria Grupo A Grupo B Outros Pneumococo de S.viridans) (Grupo C, G, F e alguns D) Alguns Grupo D

Enterococcus spp. S. bovis VIII. Streptococcus pyogenes

S. pyogenes são cocos Gram positivos dispostos em cadeia, capsulados, não esporulados e imóveis. São β-hemolíticos e classificam-se no grupo A de Lancefield, por possuirem o carbohidrato C na parede celular. Este antigénio é específico deste grupo e é constituído por um dímero de N-acetilglicosamina e ranose. Alguns factores de virulência Cápsula – tem acção anti-fagocítica; Ácido lipoteicóico – permite a ligação a células epiteliais; Proteina M – tem acção de adesina, é anti-fagocítica e degrada o componente C3b do complemento. A sua presença é essencial para a patogenicidade desta bactéria; Toxina eritrogénica – responsável pelo exantema observado na escarlatina. Para a bactéria a possuir é necessário ser infectada por um bacteriófago temperado; Hemolisinas ou estreptolisinas O e S – provocam a lise dos eritrócitos, leucócitos polimorfonucleares, plaquetas e outras células. A estreptolisina O é antigénica e lábil ao oxigénio degradando-se na sua presença (a hemólise que se vê nas placas de cultura é da responsabilidade da estreptolisina S). Quando se pretende pesquisar a presença de anticorpos específicos contra esta bactéria podem utilizar-se anticorpos anti-estreptolisina O; Hialuronidase – lesa o tecido conjuntivo facilitando a dispersão da infecção. Tem também acção anti-fagocítica; Estreptoquinase – dissolve coágulos; DNAse – degrada o DNA em material purulento; C5a peptidase – degrada o componente C5a do complemento.

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Epidemiologia

S. pyogenes coloniza habitualmente a orofaringe de 15 a 20% das crianças e adultos jovens saudáveis. Pode também existir na pele. A colonização é transitória e regulada pela capacidade do portador de iniciar uma resposta imunitária dirigida à proteína M da estirpe colonizadora assim como pela presença de outros organismos na pele e orofaringe que impedem o seu crescimento.

Geralmente a doença é provocada por estirpes recentemente adquiridas que têm a capacidade de estabelecer infecção antes que haja produção de anticorpos específicos.

A transmissão é feita por via aérea (ex: infecções respiratórias superiores) ou por contacto directo (ex: infecções cutâneas). As infecções cutâneas ou dos tecidos moles resultam da capacidade do microrganismo penetrar na pele através de feridas ou quebras na continuidade cutânea pré-existentes. Principais doenças associadas

� Faringite / Amidgalite; � Escarlatina (faringite + exantema cutâneo); � Impétigo; � Erisipela; � Celulite; � Fasceíte necrotizante; � Pneumonia; � Bacteriémia; � Síndrome do choque tóxico estreptocócico; � Etc.

Sequelas não supurativas de infecção a Streptococcus do grupo A

� Febre Reumática: pode surgir após faringite / amigdalite ou escarlatina; � Glomerulonefrite Aguda: pode ocorrer após faringite ou impétigo.

Diagnóstico

� Exame microscópico; � Exame cultural em meio de gelose de sangue; � Detecção de antigénio específico de grupo; � Detecção de antigénios no exsudado faríngeo (Rapid Diagnosis Test – RDT); � Testes serológicos: TASO (teste de detecção de anticorpos anti-estreptolisina O), anti-hialuronidase,

anti-DNAse, etc; � Prova da bacitracina; � Provas bioquímicas.

Os métodos de diagnóstico bacteriológico clássico (exames microscópico e cultural e provas

bioquímicas) continuam, actualmente, a ser os mais sensíveis e específicos para o diagnóstico das infecções provocadas por todas as espécies de Streptococcus spp. incluindo, naturalmente, S. pyogenes.

Nos últimos anos surgiram vários kits que permitem a detecção dos antigénios específicos dos grupos serológicos de Lancefield. Estes testes permitem determinar o grupo serológico das bactérias de forma rápida e sensível, utilizando-se colónias que, após sementeira em gelose de sangue, apresentem padrão β-hemolítico. Estes testes têm particular interesse no caso de faringo-amigdalite, já que permitem distinguir os Streptococcus dos grupos A, C e G de Lancefield, todos possíveis agentes etiológicos destas infecções.

Os testes de detecção de antigénios específicos de S. pyogenes no exsudado faríngeo / amigdalino

representaram um enorme avanço no diagnóstico etiológico da amigdalite. Apesar de menos sensíveis e específicos que o método cultural, são muitíssimo mais rápidos do que este, permitindo obter resultados em poucos minutos. Apresentam especificidade entre 90 e 100% e sensibilidade entre 80 e 90%. A sua maior utilidade verifica-se nas infecções amigdalinas pediátricas onde um resultado positivo deve ser sempre considerado como evidência de infecção por S. pyogenes, e tratado como tal de forma a prevenir as complicações não supurativas deste infecção. Um resultado negativo, na presença de uma forte suspeita

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clínica, deve sempre ser confirmado através do diagnóstico microbiológico clássico. Nos adultos, considerando o menor risco de desenvolvimento daquelas complicações, esta conduta não se encontra tão bem definida.

Os testes serológicos são menos úteis para o diagnóstico da infecção aguda, sendo principalmente utilizados no diagnóstico retrospectivo ou como parte dos critérios diagnósticos de Febre Reumática (ver adiante). Prova da bacitracina

Antes do desenvolvimento de métodos mais eficazes e fiáveis a distinção entre S. pyogenes e os restantes Streptococcus spp. era feita pela prova da bacitracina. Nesta prova coloca-se um disco de bacitracina numa placa inoculada com a espécie de Streptococcus spp. que se pretendia identificar, e deixa-se a incubar durante cerca de 24 horas. Caso os microrganismos sejam sensíveis a este antibiótico considera-se que se trata de S. pyogenes, visto ser esta a única espécie dentro do género sensível à bacitracina.

Esta prova tem sido cada vez menos utilizada devido à disponibilidade de novos métodos de distinção entre os vários grupos antigénicos de Streptococcus spp. e, por outro lado, às evidências de crescente resistência de S. pyogenes à bacitracina. Tratamento e Profilaxia

A terapêutica da faringo-amigdalite estreptocócica está indicacada por diminuir o risco de desenvolvi-mento de febre reumática, reduzir a duração do período sintomático (quando o tratamento é iniciado nas primeiras 48 horas) e diminuir o risco de transmissão do agente a outros indivíduos. No entanto, a terapêutica da amigdalite ou impétigo estreptocócico não parece alterar a epidemiologia da glomerulonefrite aguda pós-infecciosa. Em todos os restantes casos de infecções sistémicas a terapêutica também está, naturalmente, indicada.

Actualmente continuam a não existir casos descritos de S. pyogenes resistentes à penicilina, pelo que a

melhor terapêutica para este agente é penicilina G intra-muscular em dose única. Atendendo ao desconforto desta via de administração podem utilizar -se β-lactâmicos de administração oral, como uma penicilina de espectro mais alargado (ex: amoxicilina) ou uma cefalosporina de 1ª geração (ex: cefradina). Em caso de alergia a estes antibióticos pode optar-se por um macrólido (ex: claritromicina, azitromicina, eritromicina).

Nos últimos anos, no entanto, têm surgido casos de resistência aos macrólidos, atingindo já cerca de 25% das estirpes patogénicas em Portugal. Acredita-se que estas resistências se devam ao uso excessivo deste anti-microbianos no tratamento de diversas infecções.

Outra alternativa são as tetraciclinas que, no entanto, não podem ser utilizadas em crianças por provocarem alterações de crescimento.

A profilaxia das complicações não supurativas deve ser feita com uma injecção mensal de penicilina de

longa duração (ex: penicilina G). IX. Complicações de Infecções Estreptocócicas: Febr e Reumática Epidemiologia

Actualmente a Febre Reumática (FR) é uma doença mais prevalente nos países em vias de desenvolvimento. Pode surgir na sequência de faringo-amigdalite e escarlatina.

A epidemiologia da FR aguda é idêntica à das infecções do tracto respiratório superior por Streptococcus do grupo A, verificando-se um pico de incidência entre os 5 e os 15 anos. O principal factor de risco para esta patologia são as más condições sócio-económicas.

Cerca de 3% dos indivíduos com faringite por Streptococcus pyogenes não tratada desenvolvem FR, dependendo estes números do serótipo em causa.

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Patogénese

FR é uma sequela não supurativa de faringite por Streptococcus pyogenes em seres humanos. Define-se como não supurativa já que não existem nem microrganismos nem reacção inflamatória purulenta nas lesões em causa.

Pensa-se que esta patologia seja provocada pela resposta imunológica do hospedeiro à infecção pelo microrganismo, sendo a FR considerada uma doença auto-imune resultante de “mimetismo antigénico”. Certas estirpes de Streptococcus do grupo A possuem diversos antigénios que compartilham epítopos com tecidos humanos, nomeadamente o músculo cardíaco e o tecido valvular conjuntivo. Estes epítopos são uma parte integrante da proteína M da bactéria. Assim os anticorpos contra a proteína M reagem também contra diversas estruturas humanas, nomeadamente fosforilase, miosina e outras proteínas do músculo cardíaco, assim como contra proteínas cerebrais e da membrana sinovial. Estes auto-anticorpos estão presentes no sangue de doentes com FR. Os imunocomplexos que se formam atraem outros mediadores inflamatórios (células e enzimas) agravando ainda mais a situação.

Certos investigadores colocam também a hipótese de a imunidade celular estar envolvida na patogénese da FR, defendendo que certos fragmentos de proteína M estimulariam a produção de células T citotóxicas específicas contra células do miocárdio.

De qualquer forma a patogénese da FR não se encontra totalmente esclarecida, havendo ainda autores que defendem a existência de uma predisposição genética em alguns indivíduos que explicaria as diferenças na susceptibilidade a esta patologia. Quadro clínico

� Cardite (40 a 60% dos casos) – pancardite que envolve o endocárdio, miocárdio e pericárdio, podendo originar inicialmente taquicardia sinusal, sopro de regurgitação mitral, S3, atrito pericárdico ou cardiomegália, evoluindo posteriormente para espessamento fibroso das válvulas mitral e aórtica, levando a estenose ou regurgitação valvular crónicas;

� Poliartrite migratória (cerca de 75% dos casos) – manifesta-se por dor muito intensa e edema que atinge principalmente as articulações do tornozelo, punho, joelho e cotovelo;

� Coreia de Sydenham (menos de 10% dos casos) – pode surgir dias a meses após a infecção estreptocócica;

� Nódulos sub-cutâneos (<10%) – surgem nas superfícies extensoras das articulações, habitualmen-te após vários anos;

� Eritema marginatum (raro) – erupção macular com bordos arredondados, localizada no tronco; � Febre ; � Artralgias .

Critérios de Diagnóstico:

O diagnóstico de FR é feito aplicando os critérios de Jones , estabelecidos em 1944 e modificados, pela última vez, em 1992. A última revisão da American Heart Association, realizada em 2002, não produziu qualquer alteração. Consistem em critérios major e critérios minor:

� Critérios Major: o Cardite; o Poliartrite migratória; o Coreia de Sydenham; o Nódulos sub-cutâneos; o Eritema marginatum;

� Critérios Minor:

o Clínicos: febre, artralgias; o Exames Complementares de Diagnóstico: aumento da Proteína C reactiva ou prolongamento

do intervalo PR do ECG.

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O diagnóstico é feito se existirem: � 2 critérios major ou 1 critério major e 2 critério minor;

+ � evidência de infecção anterior por Streptococcus do grupo A. Considera-se como evidência de infecção recente a Streptococcus do grupo A se houver: � isolamento anterior de Streptococcus do grupo A a partir de exsudado faríngeo; � aumento dos títulos dos anticorpos contra Streptococcus do grupo A (anti-estreptolisina O, anti-

DNAse B ou anti-hialuronidase). Tratamento O tratamento da FR tem duas componentes:

� terapêutica dirigida contra o Streptococcus do grupo A; � terapêutica das manifestações clínicas da doença.

Terapêutica dirigida contra o Streptococcus do grupo A

No momento do diagnóstico de FR todos os doentes devem ser tratados como se tivessem uma infecção activa a Streptococcus pyogenes (independentemente das culturas serem positivas ou não). Assim opta-se por;

� amoxicilina / cefradina oral, durante 10 dias; � eritromicina oral, durante 10 dias; � penicilina G benzatínica intra-muscular, dose única.

Em todos os doentes deve fazer-se profilaxia secundária da re-infecção do tracto respiratório superior

por S. pyogenes. Esta é feita com uma injecção intra-muscular de penicilina G benzatínica a cada 3 ou 4 semanas. Em alternativa podem utilizar-se antibióticos por via oral. Todos os doentes devem cumprir esta terapêutica por um período mínimo de 5 anos, mantendo-se a mesma indefinidamente nos doentes de alto risco (doença cardíaca reumática documentada ou risco elevado de re-infecção – alunos, professores, pessoal médico e militar).

Terapêutica das manifestações clínicas da doença

Em caso de artrite utilizam-se salicilatos durante 4 a 6 semanas, com “desmame”. Na situação de cardite grave com Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) pode optar-se por corticóide

também durante 4 a 6 semanas com “desmame” posterior, realizando-se também a terapêutica específica da ICC. X. Complicações de Infecções Estreptocócicas: Glome rulonefrite Aguda

Este sequela não supurativa pode surgir na sequência de faringo-amigdalite ou impétigo. Apenas algumas estirpes nefritogénicas específicas de Streptococcus do grupo A estão associadas a esta doença. As suas características epidemiológicas são semelhantes às da infecção estreptocócica primária e às da FR.

Clinicamente existe: � Edema; � Hipertensão arterial; � Hematúria; � Proteinúria.

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No exame anatomo-patológico do glomérulo renal podem observar-se depósitos de imunocomplexos na face epitelial da membrana basal glomerular.

O diagnóstico é feito com base no quadro clínico, biópsia renal e na evidência de uma infecção recente a S. pyogenes. Os doentes jovens habitualmente têm uma recuperação total mas a evolução é incerta. Em alguns adultos observou-se uma perda progressiva e irreversível da função renal, culminando em Insuficiência Renal Grave. XI. Resistência aos Macrólidos em Streptococcus spp . Principais mecanismos de resistência

Existem vários mecanismos de resistência aos macrólidos em Streptococcus spp. sendo os mais impor-tantes a modificação da zona alvo do ribossoma (onde o anti-microbiano actua) por uma enzima metilante ou a acção de um sistema de efluxo do antibiótico. 1 – Modificação da zona alvo do ribossoma

Originada pela acção de um enzima metilante codificado pelo gene erm (“erythromycin resistance

methylase”), que pode existir na forma constitutiva ou indutível. Este mecanismo de resistência origina resistência cruzada afectando macrólidos, lincosamidas e estreptogramina B. Este fenótipo está associado a CMI para os macrólidos muito elevadas (> 64mg/L) e a resistência à clindamicina (um antibiótico do grupo das lincosamidas). 2 – Mecanismo de efluxo

Este mecanismo é codificado pelo gene mef (“macrolide efflux”). Confere resistência à eritromicina, claritromicina e azitromicina mas não às lincosamidas e estreptogramina B. Os microrganismos com este gene apresentam níveis moderados de resistência aos macrólidos (CMI entre 1 e 32 mg/L) e são susceptíveis à clindamicina. Fenótipos de resistência aos macrólidos

O estudo da susceptibilidade de Streptococcus spp. aos anti-microbianos deve ser feita em gelose de Mueller-Hinton com 5% de sangue de carneiro, incubando a 35º C em atmosfera com 5% de CO2, durante 20 a 24 horas.

Para determinação do fenótipo de resistência aos macrólidos deve colocar-se na placa um disco de eritromicina e um disco de clindamicina colocados à distância (entre o centro dos discos) de cerca de 20 mm.

Existem três fenótipos distintos de resistência: � Fenótipo de resistência M � resistente à eritromicina e sensível à clindamicina sem zona de

«blunting» (corte) da zona de inibição da clindamicina próxima ao disco de eritromicina; � Fenótipo de resistência MLSB constitutivo (cMLSB) � resistente à eritromicina e à clindamicina; � Fenótipo de resistência MLSB indutível (iMLSB) � resistente à eritromicina e sensível à clindamicina

com “blunting” (corte) da zona de inibição da clindamicina próxima ao disco de eritromicina.

O fenótipo M é originado pelo mecanismo de efluxo, enquanto o MLSB surge por modificação da zona alvo do ribossoma.

O facto de existirem dois fenótipos MLSB (constitutivo e indutível) deve-se ao facto de o gene erm ter dois tipos de expressão distintos. Assim a forma constitutiva encontra-se permanentemente expressa, conferindo resistência mantida aos antibióticos em causa, originando o fenótipo MLSB constitutivo. Por outro lado a forma indutível do gene só é expressa na presença de concentrações significativas de macrólidos, enquanto que os restantes antibióticos (lincosamidas e estreptogranina B) não têm a capacidade de activar a sua expressão. Isto explica a existência do fenótipo MLSB indutível.

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3ª AULA: Infecção dos Tecidos Moles I. Características Gerais da Pele e Tecidos Moles II. Noções Gerais Sobre Infecções da Pele e Tecidos Moles III. Normas de Colheita e Transporte de Exsudados P urulentos IV. Processamento Laboratorial de Exsudados Purulen tos V. Staphylococcus spp. VI. Staphylococcus aureus VII. Staphylococcus Coagulase Negativos VIII. Distinção entre Staphylococcus aureus e Staphylococcus Coagulase Negativos IX. Teste de Susceptibilidade aos Anti-Microbianos X. Terapêutica e Padrão de Susceptibilidade aos Ant i-Microbianos em

Staphylococcus spp.

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I. Características Gerais da Pele e Tecidos Moles

A pele, estéril à nascença, é rapidamente colonizada com uma flora que compreende bactérias aeróbias e anaeróbias e fungos, sendo diversos os factores que afectam a distribuição, a composição e a densidade dos microrganismos que “habitam” a pele.

A pele tem duas propriedades que a tornam particularmente hostíl à colonização por microrganismos: a exfoliação e a secura. A constante renovação do estrato córneo da pele (camada de células mortas) arrasta muitas das bactérias que aderem à sua superfície. Por outro lado, na pele, as zonas mais húmidas (ex: axilas e virilhas) podem ter até 105 vezes mais microrganismos que as zonas mais secas (ex: região dorsal). Outros factores importantes que limitam o crescimento bacteriano são:

� diminuição do pH (pode baixar como resultado da hidrólise dos lípidos das glândulas sebáceas pelos próprios microrganismos);

� diminuição da temperatura; � concentração de NaCl (o excesso de sal resultante da evaporação do suor inibe diversos

microrganismos seleccionando as espécies resistentes como é o caso de Staphylococcus epidermidis);

� compostos químicos excretados pela pele (exs: sebo, ácidos gordos, ureia); � competição entre diversos microrganismos.

Principais microrganismos que colonizam a pele

A flora cutânea pode ser englobada em dois grandes grupos: � Flora residente; � Flora transitória.

Flora residente

A flora residente encontra-se quase sempre presente na pele e tem a capacidade de se multiplicar na mesma. É constituída por microrganismos de baixa virulência e que raramente causam infecções como Propionibacterium acnes, Staphylococcus epidermidis (associado a infecções de dispositivos médicos, como catéteres vasculares), Micrococcus spp., cocos Gram positivos anaeróbios (como Peptostreptococcus spp.) e bacilos Gram negativos aeróbios (que causam infecções com maior frequência em indivíduos acamados). Flora transitória

Estes microrganismos sobrevivem na pele durante algum tempo mas não têm a capacidade de desenvolver residência permanente. Dela fazem parte os microrganismos que mais frequentemente causam infecções cutâneas: Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus. Enquanto S. aureus tende a causar infecções mais localizadas, S. pyogenes dissemina-se de forma mais extensa pelos tecidos. Outros microrganismos que podem fazer parte desta flora são:

� Haemophilus influenzae � Pseudomonas aeruginosa � Candida albicans � Fungos dermatófitos (Trychophyton spp., Epidermophyton spp. e Microsporum spp.) � Vírus Herpes Simplex (HSV)

II. Noções Gerais Sobre Infecções da Pele e Tecidos Moles

Os agentes infecciosos podem entrar na pele e nos tecidos cutâneos por duas vias: � A partir do exterior: através de cortes, feridas, picadas de insectos, lesões de doenças cutâneas ou

qualquer situação que interfira com a integridade do estrato córneo;

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� A partir do interior: a partir de doença localizada em tecidos adjacentes ou disseminada à distância por via hematogénica ou linfática.

Desta forma a instalação de uma infecção cutânea ou sub-cutânea pode ser explicada de três formas distintas:

� Infecção Exógena – resulta da invasão directa dos microrganismos a partir do exterior; alguns factores predisponentes são humidade excessiva, traumatismo, catéteres percutâneos, situações clínicas associadas a diminuição da irrigação sanguínea local dos tecidos (ex: vasculite), etc;

� Infecção Endógena – surge como manifestação cutânea de uma infecção sistémica; pode ocorrer

por extensão directa (exs: osteomielite, artrite séptica) ou por disseminação hematogénica (exs: bacteriémia, endocardite);

� Lesão Mediada por Toxinas – lesões cutâneas induzidas por toxinas produzidas noutro local do

organismo (exs: escarlatina, síndrome do choque tóxico).

Como se depreende pela estrutura anatómica e histológica da pele, as infecções exógenas podem

ocorrer em várias localizações diferentes, adquirindo denominações distintas e tendo agentes etiológicos particulares. Assim, podemos ter:

Micoses superficiais – Infecção fúngica cutânea da camada queratinizada do estrato córneo, pêlos e unhas. Apresentam-se como lesões eritematosas, pruríticas e descamativas. O tratamento é feito com anti-fúngicos tópicos.

Microrganismos mais frequentes: Trichophyton spp., Epidermophyton spp., Microsporum spp., Candida spp.

Impétigo – Infecção da epiderme que se manifesta como uma lesão eritematosa acompanhada, ou não, de vesículas intra-epidérmicas cheias de exsudado purulento contendo o microrganismo causador. A etiologia mais frequente é distinta para as formas bolhosa e não bolhosa. Trata-se habitualmente com flucloxacilina ou uma cefalosporina.

Microrganismos mais frequentes: S. pyogenes e S. aureus. Foliculite – Infecção dos folículos pilosos. Surge como pápulas ou pústulas, que rodeiam um folículo piloso, circundadas por uma região eritematosa. Pode alastrar localmente originando um furúnculo que se pode complicar num abcesso. O tratamento é feito através da expressão da lesão ou com um antibiótico (ex: flucloxacilina).

Microrganismos mais frequentes: S. aureus. Abcesso – infecção colectada, apresentando um revestimento de tecido conjuntivo e sendo constituída por exsudado purulento contendo bactérias viáveis e mortas, neutrófilos e outros leucócitos, restos celulares, etc. Pode resultar da evolução de um foliculite / furúnculo ou da introdução de microrganismos profundamente na pele, por exemplo através de injecções, picadas ou penetração com outros objectos. Trata-se recorrendo ao desbridamento cirúrgico da lesão e a anti-microbianos (ex: flucloxacilina).

Microrganismos mais frequentes: S. aureus, bactérias anaeróbias. Erisipela – Infecção da derme caracterizada por lesões superficiais dolorosas, eritematosas, endurecidas e elevadas. As lesões estão perfeitamente delimitadas em relação aos tecidos adjacentes. Esta doença, que inicialmente se dissemina pelos vasos linfáticos superficiais da derme, pode originar um quadro clínico com alguma gravidade. A terapêutica é habitualmente feita com penicilina G.

Microrganismos mais frequentes: S. pyogenes, outros Streptococcus spp. Celulite – Processo inflamatório que envolve os tecidos subcutâneos e se caracteriza por dor, eritema, edema e aumento da temperatura local. Pode coexistir com febre, calafrios e linfadenopatia regional. Os bordos da lesão são mal definidos. Pode evoluir para septicémia. No tratamento utiliza-se flucloxacilina, clindamicina ou, em casos mais graves ou que não respondem aos antibióticos anteriores, piperacilina + tazobactam ou tigeciclina.

Microrganismos mais frequentes: S. pyogenes, S. aureus e H. influenzae (agente raro ocorrendo quase exclusivamente em crianças).

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Fasceíte – Infecção da aponevrose que separa o tecido adiposo subcutâneo do músculo. Estas infecções necrosantes são por vezes causadas por bactérias que penetram através de zonas de ulceração cutânea (por exemplo em diabéticos com insuficiência vascular e diminuição da sensibilidade local) podendo disseminar-se de forma rápida e grave. A terapêutica consiste no desbridamento cirúrgico e tratamento anti-microbiano (associação de penicilina G e clindamicina).

Microrganismos mais frequentes: S. pyogenes, Clostridium spp., outras bactérias anaeróbias. III. Normas de Colheita e Transporte de Exsudados P urulentos Normas gerais

� Todas as amostras devem ser devidamente identificadas , incluindo tipo de produto biológico em causa e local anatómico da colheita;

� A amostra deve ser colocada num recipiente estéril . No caso de colheita com seringa, a mesma

pode ser enviada para o laboratório desde que exista uma tampa esterilizada não perfurante ou cortante apropriada;

� O transporte e processamento deve ser feito até 2 horas após a colheita . Neste intervalo os

produtos devem ser mantidos à temperatura ambiente ;

� Os melhores produtos para o isolamento do agente etiológico são os exsudados colectados ou biópsias tecidulares .

O produto biológico a colher depende da lesão em causa, considerando-se três tipos distintos. Lesões fechadas

Neste tipo de lesão cutânea a colheita com zaragatoa não tem qualquer utilidade. O método ideal de colheita é por punção e aspiração com agulha e seringa esterilizadas. Naturalmente a pele a puncionar deve ser previamente desinfectada com solução alcoólica iodada, de forma a evitar a contaminação pela flora cutânea.

Pode ainda recorrer-se a biópsia cirúrgica de material tecidual (não superior a 0,5 cm de diâmetro). Lesões abertas

No caso de a colheita através de seringa não ser possível recorre-se à biópsia. O local de colheita deve ser lavado com água destilada ou soro fisiológico estéril e os tecidos necrosados removidos. A biópsia deve ser efectuada nas lesões mais profundas e com sinais de infecção activa.

Quando a biópsia não é possível utiliza-se a colheita com zaragatoa esterilizada (também após limpeza e remoção do tecido necrosado). Esta deve ser colocada num meio de transporte adequado. Úlceras de pressão ou vasculares

Estas amostras contêm habitualmente uma grande quantidade de tecidos necrosados que favorecem a colonização por uma abundante flora microbiana. Assim, devido à dificuldade em distinguir os agentes etiológicos da flora colonizadora, estes produtos só devem ser processados em situações especiais, seguindo as normas emitidas por cada laboratório.

Habitualmente preferem-se os produtos colhidos por punção com seringa ou por biópsia em relação aos colhidos com zaragatoa.

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IV. Processamento Laboratorial de Exsudados Purulen tos

Tal como na maioria dos produtos biológicos o processamento laboratorial básico dos exsudados purulentos tem dois componentes fundamentais:

� Exame microbiológico directo; � Exame cultural.

Exame microbiológico directo

Este exame só tem valor em relação aos exsudados colhidos com seringa e compreende a realização de esfregaços, coloração dos mesmos pelo método de Gram e sua observação microscópica. Em certas situações podem também utilizar-se as coloração de Ziehl-Neelsen ou azul de metileno. Exame cultural

Os meios de cultura utilizados para os exsudados purulentos são os seguintes: � Gelose de sangue; � Meio de MacConkey; � Meio de ANC; � Manitol Salgado ou meio de Chapman (ver VIII. Distinção Entre Staphylococcus aureus e

Staphylococcus Coagulase Negativos); � Meios líquidos de enriquecimento.

A incubação é feita em aerobiose a 37º C durante 18 a 24 horas.

V. Staphylococcus spp.

O género Staphylococcus inclui uma grande variedade de cocos Gram positivos, aeróbios ou anaeróbios facultativos, imóveis, catalase positivos e que se dispõem “em cacho”. Compreende 32 espécies e 17 sub-espécies, muitas das quais colonizam o ser humano e algumas têm capacidade patogénica.

As espécies mais frequentemente associadas a doença no Homem são: � Staphylococcus aureus (a espécie mais virulenta e melhor estudada); � Staphylococcus epidermidis; � Staphylococcus haemolyticus; � Staphylococcys lugdunensis; � Staphylococcus saprophyticus.

A distinção entre S. aureus e as restantes espécies pode ser efectuada por uma prova bioquímica

simples – a prova da coagulase. S. aureus é o único membro deste género coagulase positivo sendo as restantes espécies globalmente conhecidas como Staphylococcus coagulase negativos (SCN). Epidemiologia

Os elementos do género Staphylococcus podem ser encontrados em quase todas as localizações. Todos os seres humanos têm SCN na pele e S. aureus é um membro da flora cutânea transitória, especialmente nas pregas cutâneas, onde a percentagem de humidade é superior. Nos recém-nascidos a colonização do coto umbilical, região peri-anal e pele por S. aureus é comum. Nesta faixa etária também é possível encontrar SCN e S. aureus na orofaringe e nos tractos gastro-intestinal e uro-genital. Em crianças mais velhas ou adultos a colonização persistente ou transitória por S. aureus é mais frequente na nasofaringe. Cerca de 15-30% dos adultos saudáveis apresentam S. aureus na nasofaringe de forma persistente, sendo a incidência desta colonização superior em doentes hospitalizados, pessoal médico, individuos com doenças

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cutâneas eczematosas e utilizadores regulares de seringas, por razões médicas (ex: diabéticos insulino-dependentes) ou em utilizadores de drogas por via endo-venosa.

Dado o seu habitat a transmissão dos estafilococos entre dois indivíduos é muito fácil. Este facto torna os elementos deste género agentes muito frequentes de infecções nosocomiais, ocorrendo a sua transmissão através do contacto entre dois doentes de forma directa ou indirecta (através de um profissional de saúde) ou através do contacto com objectos de um doente colonizado (exs: roupa, lençóis da cama, etc). Esta circunstância enfatiza a importância das práticas de controlo de infecção hospitalar, principalmente a lavagem das mãos por parte do profissional de saúde, após o contacto com qualquer doente ou mesmo apenas com os objectos que estão em contacto com os mesmos. VI. Staphylococcus aureus

A capacidade de sobreviver em condições difíceis na Natureza, a extrema virulência que evidencia (resultante da diversidade de factores de virulência que possui) e a variedade de infecções que pode provocar, tornam este microrganismo um dos mais importantes agentes patogénicos para o Homem.

S. aureus, apesar de não formar esporos, é um dos microrganismos mais resistentes na Natureza,

podendo sobreviver longos períodos em objectos inanimados como roupas (incluindo da cama), maçanetas das portas, torneiras, etc. É relativamente resistente ao calor. Por estas razões quando introduzido no “ambiente humano” é difícil de ser eliminado. Factores de virulência

S. aureus é um dos microrganismos mais bem “equipados” em termos de factores de virulência o que lhe permite causar diversas doenças graves. Estes factores podem ser divididos em três grupos. Componentes estruturais Cápsula – inibe a quimiotaxia, a fagocitose e a proliferação de leucócitos mononucleares; facilita a adesão a

corpos estranhos; Peptidoglicano – permite a estabilidade osmótica, estimula a produção de pirogénios endógenos e inibe a

fagocitose; Ácido teicóico – regula a concentração catiónica na membrana celular; liga-se à fibronectina facilitando a

adesão bacteriana; Proteína A – inibe a acção dos anticorpos ao ligar-se aos receptores Fc de IgG1, IgG2 e IgG4; tem acção

anti-complemento. Toxinas Citotoxinas ( α, β, γ, δ e leucocidina P-V) – acção tóxica sobre leucócitos, eritrócitos, macrófagos,

plaquetas e fibroblastos, entre outras células; Toxinas exfoliativas (ETA e ETB) – proteases que quebram as ligações inter-celulares (desmossomas) no

estrato granuloso da epiderme, provocando a separação entre a superfície da pele e as camadas mais profundas. Desta forma perde-se um dos mais importantes mecanismos de defesa inespecífica do nosso organismo, tornando-se assim uma porta de entrada fácil para a infecção por diversos microrganismos. A acção sistémica destas toxinas no recém-nascido e crianças jovens provoca o Síndrome estafilocócico da pele escaldada (doença de Ritter ou “Staphylococcal scalded skin syndrome” – SSSS) enquanto que em crianças mais velhas e adultos ocorre principalmente a versão localizada, denominada impétigo bolhoso;

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Enterotoxinas (A-E e G-I) – superantigénios; estimulam a libertação de mediadores inflamatórios pelos mastócitos, aumentam a peristálise e a perda de líquido a nível intestinal provocando náuseas e vómitos; são resistentes ao aquecimentos a 100º C durante 30 minutos e à hidrólise por enzimas gástricas e jejunais; provocam intoxicações alimentares;

Toxina do Síndrome do Choque Tóxico (TSST-1) – superantigénio; provoca destruição das células

endoteliais e tem a capacidade de penetrar as barreiras mucosas; provoca um quadro clínico com febre, exantema, hipotensão e disfunção multi-orgânica, com hemoculturas negativas; a porta de entrada mais frequente é a vagina, surgindo mais habitualmente em mulheres jovens (com S. aureus na flora vaginal) que usam tampões durante o período menstrual (facilitando a proliferação destes microrganismos);

Enzimas Coagulase – converte o fibronégio em fibrina; Catalase – cataliza a remoção do peróxido de hidrogénio; Hialuronidase – hidroliza o ácido hialurónico no tecido conjuntivo, promovendo a disseminação de S. aureus

nos tecidos; Fibrinolisina – dissolve coágulos de fibrina; Lipases – hidrolizam os lípidos; Nucleases – hidrolizam o DNA; Penicilinases – hidrolizam as penicilinas. Doenças Associadas

S. aureus tem a capacidade de provocar doenças através da produção de toxinas ou pela invasão directa e destruição dos tecidos. Doentes com presença de corpos estranhos ou com doenças congénitas associadas a défices na resposta quimiotáctica ou fagocítica têm maior susceptibilidade a infecções por este agente. Algumas das doenças mais importantes e/ou mais frequentes provocadas por S. aureus são:

� Doenças mediadas por toxinas: o SSSS, impétigo bolhoso; o Intoxicação alimentar; o Síndrome do choque tóxico;

� Infecções supurativas:

o Infecções cutâneas (impétigo, foliculite, celulite, fasceíte, abcesso, infecções de feridas); o Bacteriémia / Endocardite; o Pneumonia, empiema; o Osteomielite, artrite séptica.

VII. Staphylococcus Coagulase Negativos

SCN são dos microrganismos mais frequentemente encontrados na flora normal do Homem. Apesar de menos virulentos que S. aureus, possuem também alguns factores de virulência, sendo responsáveis por infecções principalmente em indivíduos imunocomprometidos (diabéticos, transplantados, com neoplasias, neutropénicos, sob quimioterapia ou corticoterapia).

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Entre os factores de virulência há a destacar: � “slime” (matriz polissacarídea produzida pela bactéria para o exterior – existe em todos os SCN mas

principalmente em S. epidermidis) – funciona como “cola” ligando as células entre si e ao material inerte (ex: superfície de dispositivos médicos de plástico) facilitando a colonização e impedindo a acção dos mecanismos de defesa do hospedeiro e dos antimicrobianos;

� cápsula; � ácido teicóico; � catalase.

Exemplos de espécies de SCN

� S. epidermidis (mais frequente); � S. saprophyticus (associado a infecções urinárias em mulheres jovens sexualmente activas devido à

capacidade que esta bactéria tem de se ligar ao epitélio da uretra e da bexiga); � S. haemolyticus (particularmente resistente aos anti-microbianos); � S. lugdunensis; � S. schleiferi; � S. capitis; � S. hominis; � S. warneri.

Doenças Associadas

� Endocardite (principalmente em próteses valvulares); � Infecções de catéteres e shunts; � Infecções de próteses ósteo-articulares; � Infecções urinárias (S. saprophyticus).

VIII. Distinção entre Staphylococcus aureus e Staphylococcus Coagulase Negativos

No diagnóstico laboratorial de infecções por Staphylococcus spp. podem utilizar-se quatro tipos de métodos:

� Exame directo; � Exame cultural; � Testes serológicos; � Provas bioquímicas.

Os testes serológicos não se encontram, actualmente, implementados na prática laboratorial, limitando-

se a sua utilização à investigação em Microbiologia. Na distinção entre S. aureus e SCN o exame microscópico (coloração pelo método de Gram e observação microscópica) não é útil, já que ambos se apresentam como cocos Gram positivos dispostos em cacho, sem qualquer diferença evidenciável. Desta forma o diagnóstico diferencial entre estes agentes apoia-se apenas no exame cultural e nas provas bioquímicas. Exame cultural Meio de gelose de sangue

As colónias de S. aureus em meio sólido de gelose de sangue podem apresentar pigmentação

amarelada (especialmente se incubadas à temperatura ambiente), são lisas, circulares, opacas, ligeiramente elevadas e com frequência hemolíticas. As de SCN não apresentam pigmento, são brancas (daí a denominação alternativa dos SCN como «estafilococos brancos»), lisas e opacas. Apenas as colónias de S. haemolyticus apresentam hemólise.

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Meio de manitol salgado ou de Chapman

Este meio selectivo e diferencial contém manitol, uma elevada concentração de NaCl e um indicador de pH (vermelho de fenol).

A elevada concentração de NaCl inibe o crescimento da maioria dos microrganismos à excepção dos Staphylococcus spp. Por outro lado o meio permite a diferenciação entre S. aureus e SCN já que as colónias de S. aureus ficam envolvidas por um halo amarelado devido à acidificação do meio devido à fermentação do manitol (o meio “vira” para amarelo). Pelo contrário os SCN não fermentam o manitol (à excepção de certas estirpes de S. saprophyticus) ficando o meio com a cor original (vermelho). Provas bioquímicas Prova da coagulase

A coagulase é uma enzima termo-estável que coagula o plasma na ausência de Ca2+ e é usada para

diferenciar S. aureus dos outros estafilococos. Também se encontra em S. intermedius (causa de infecção nos animais, pouco frequente no Homem e, nesses casos, habitualmente associado a feridas por mordedura de cão) e S. hyicus (raramente associado a infecção humana).

Procedimento:

� dissolver uma colónia em estudo num tubo com 0,5 mL de plasma de coelho com EDTA (quelante do cálcio);

� incubar a 35-37ºC; � após 4 horas de incubação e sem agitar o tubo, verificar se existe formação de coágulo; � a ausência de coágulo implica a reincubação do tubo e novas observações às 6 e 24 horas de

incubação. Um teste é positivo quando se observa a formação de um coágulo (alguns isolados formam o coágulo

entre as 4 e as 6 horas que entretanto lisa e é negativo ao fim de 24 horas). Assim, na prova da coagulase em tubo, entre as espécies de Staphylococccus spp. habitualmente

patogénicas no Homem, apenas S. aureus se apresenta como coagulase positivo. Os restantes estafilococos medicamente importantes são coagulase negativos.

No caso de se realizar a prova da coagulase em slide esta também pode ser positiva para S. schleiferi e S. lugdunensis. Prova da DNAse

A DNAse é uma nuclease termoestável que diversas espécies bacterianas possuem e que permite

hidrolizar o ácido desoxirribonucleico. É também usada para diferenciar S. aureus de outros estafilococos. Procedimento:

� com uma ansa tocar numa colónia em estudo e semear numa placa com meio de cultura contendo ácido desoxirribonucleico;

� incubar durante 18-24 horas a 35-37ºC; � inundar o meio com ácido clorídrico que funciona como revelador ao precipitar o DNA não

hidrolizado. O teste é positivo quando se observa um halo transparente em volta da zona de crescimento bacteriano.

O restante meio apresenta-se mais opaco devido à precipitação do DNA provocada pelo ácido. Nesta prova o único estafilococo habitualmente patogénico no Homem que se apresenta DNAse positivo

é S. aureus. Entre os restantes também S. intermedius, S. hyicus e S. schleiferi o podem ser. As restantes espécies de Staphylococcus spp. são DNAse negativas.

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IX. Teste de Susceptibilidade aos Anti-Microbianos

O teste de susceptibilidade aos anti-microbianos (TSA) deve realizar-se para qualquer microrganismo que seja responsável por um processo infeccioso e que necessite de terapêutica antibiótica, sempre que a susceptibilidade não puder ser previsível pelo conhecimento da identidade do microrganismo. A sua realização também se aplica sempre que um determinado anti-microbiano (cuja eficácia sobre o microrganismo em causa seja bem conhecida) não puder ser utilizado (exs: alergias a fármacos, grávidas).

De uma forma geral existem 3 tipos de TSA: � testes de diluição; � testes de difusão; � testes de gradiente de difusão.

Os testes de diluição (os primeiros a serem utilizados) podem ser realizados em meios líquidos ou

sólidos e permitem o conhecimento da concentração inibitória mínima (CIM) de determinado microrganismo para um ou vários anti-microbianos.

Os testes de difusão são os mais utilizados na prática laboratorial e permitem apenas classificar a susceptibilidade do microrganismo aos antibióticos em causa em 3 grupos: sensível, resistente ou intermédio.

Os testes de gradiente de difusão (ε-test) permitem combinar os princípios dos dois métodos anteriores, utilizando tiras próprias com concentrações seriadas de um anti-microbiano. Testes de difusão

O teste de difusão é habitualmente realizado pelo método de Kirby-Bauer, que permite obter um resultado qualitativo que se baseia na relação entre os valores da CIM e os níveis terapêuticos dos anti-microbianos atingido no organismo humano. Princípio

� Um inóculo do microrganismo é aplicado na superfície de uma placa de Mueller-Hinton, onde se colocam discos impregnados de anti-microbianos;

� Após incubação de 16-18 horas são medidos os diâmetros dos halos de inibição de crescimento para cada disco;

� O diâmetro do halo é inversamente proporcional à CIM do microrganismo e, baseando-se nas tabelas do NCCLS, obtém-se um resultado qualitativo que se exprime em sensível, resistente ou intermédio.

Indicações do método e selecção dos anti-microbianos

Este método é indicado para vários microrganismos, entre os quais se encontram Staphylococcus spp., Enterococcus spp., Streptococcus spp., Enterobacteriaceae, P. aeruginosa, Acinetobacter spp., Neisseria gonorrhoeae, Haemophilus spp. e V. cholerae. O teste deve ser feito a partir de uma cultura pura de um destes microrganismos, não se aplicando a microrganismos de crescimento lento ou que requerem enriquecimento especial dos meios de cultura.

A selecção dos anti-microbianos a testar é feita por cada laboratório em conjunto com comissões hospitalares indicadas para esse efeito. As tabelas do NCCLS poderão servir como indicação para esta escolha. Procedimento

� Retirar 4 a 5 colónias bem isoladas e morfologicamente semelhantes do meio de cultura e inocular em solução de NaCl a 0,85%;

� Agitar para homogeneizar; � Rodar uma zaragatoa esterilizada na suspensão e retirar o excesso de líquido; � Aplicar a zaragatoa no meio de cultura, garantindo a distribuição uniforme do inóculo;

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� Aplicar os discos através de pinça esterilizada com ligeira pressão; � Incubar a 35º C em aerobiose, durante 16-18 horas (24 horas em algumas situações); � Ler as placas (medindo as dimensões dos halos de sensibilidade) e, por comparação com as tabelas

do NCCLS, obter o resultado. X. Terapêutica e Padrão de Susceptibilidade aos Ant i-Microbianos em Staphylococcus spp.

Há cerca de 60 anos, quando a penicilina foi introduzida na terapêutica anti-microbiana, todos os Staphylococcus spp. eram sensíveis a este fármaco. Actualmente, mais de 90% das estirpes de Staphylococcus spp. são resistentes à penicilina por produção de β-lactamase ou penicilinase (mecanismo de transmissão plasmídica), uma enzima produzida por determinadas bactérias que degrada o anel β-lactâmico das penicilinas inactivando o antibiótico antes deste poder actuar.

Na década de 60, surgiram as isoxazolilpenicilinas ou “penicilinas resistentes às penicilinases” (ex: meticilina, oxacilina, nafcilina, dicloxacilina e flucloxacilina) que são um grupo de penicilinas que têm o anel β-lactâmico protegido, não sendo susceptível à acção das β-lactamases. Estas penicilinas semi-sintéticas são especificamente utilizadas para tratar infecções estafilocócicas.

Por volta dos anos 70/80 começaram a surgir níveis preocupantes de resistência à meticilina, mais

frequentemente nos casos associados a infecção nosocomial. O mecanismo de resistência é diferente, não por inactivação enzimática, mas sim por alteração do alvo: as proteínas da parede celular da bactéria onde a meticilina se vai ligar, denominadas PBPs (“penicillin-binding proteins”). Este mecanismo tem transmissão cromossómica associada ao gene mecA, proveniente da espécie de estafilococos mais abundante na Terra (S. sciuri), que codifica uma nova PBP designada PBP2a a que os β-lactâmicos não têm a capacidade de se ligar.

Estas bactérias denominam-se resistentes à meticilina (o paradigma do grupo farmacológico) e são resistentes aos outros β-lactâmicos (ex: cefalosporinas) e habitualmente resistentes a outras famílias de anti-microbianos (ex: macrólidos, tetraciclinas, aminoglicosideos e quinolonas). Actualmente cerca de 30 a 50% das estirpes de S. aureus e 50% dos SCN são resistentes à meticilina.

Os S. aureus meticilino-resistentes (MRSA) são, habitualmente, sensíveis aos glicopéptidos (exs: vancomicina e teicoplanina), anti-microbianos que também actuam na síntese da parede celular.

Desde 1997 têm surgido, esporadicamente, relatos de casos de susceptibilidade diminuída à

vancomicina (S. aureus com resistência intermédia à vancomicina – VISA, com CIM = 8-16 mg/L) e, mais recentemente, com início em 2002, surgiram os primeiros casos, altamente preocupantes de S. aureus resistentes à vancomicina (VRSA, com CIM > 32 mg/L). A resistência de alto nível à vancomicina é da responsabilidade do gene vanA, conhecido há vários anos em Enterococcus spp. Este gene é responsável pela alteração do alvo do anti-microbiano ao substituir o dímero D-alanina-D-alanina por um dímero D-alanina-D-lactato, impedindo a acção da vancomicina. Este facto é ainda mais alarmante já que, ao haver capacidade de transferência genética artificial entre géneros tão distintos como Enterococcus spp. e Staphylococcus spp., parece inevitável a emergência de uma bactéria altamente virulenta e praticamente intratável.

De uma forma simplificada, as opções terapêuticas actuais são:

� Estirpes sensíveis à penicilina – penicilina G; � Estirpes MSSA – oxacilina, dicloxacilina, flucloxacilina; � Estirpes MRSA – vancomicina, teicoplanina; � Estirpes VISA – vancomicina ou teicoplanina em dose elevada; � Estirpes VRSA – linezolide, co-trimoxazol, quinopristina-dalfopristina, daptomicina, tigeciclina.

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4ª AULA: Meningite I. Noções Gerais Sobre Infecções do Sistema Nervoso Central II. Classificação e Etiologia das Meningites III. Patogénese das Infecções do SNC IV. Quadro Clínico de Meningite V. Normas de Colheita e Transporte de Líquido Céfal o-Raquidiano VI. Diagnóstico de Meningite VII. Terapêutica e Profilaxia da Meningite Bacteria na Aguda VIII. Streptococcus spp. IX. Streptococcus pneumoniae X. Neisseria spp. XI. Neisseria meningitidis XII. Haemophilus spp. e Haemophilus influenzae XIII. Cryptococcus neoformans

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I. Noções Gerais Sobre Infecções do Sistema Nervoso Central

As infecções do Sistema Nervoso Central (SNC) são pouco frequentes mas encontram-se entre os principais problemas na prática médica devido às elevadas taxas de mortalidade e morbilidade que se lhes associam.

O cérebro e a medula espinhal são estruturas simultaneamente bem protegidas e altamente vulneráveis.

Se, por um lado, o SNC é anatomicamente protegido do exterior por ossos e membranas, por outro, estando contido num espaço limitado, os efeitos das infecções tendem a ser ampliadas, de tal forma que uma pequena inflamação pode causar lesão significativa. Também a nível fisiológico se pode observar esta dualidade já que a barreira hemato-encefálica (BHE), do mesmo modo que inibe a passagem de microrganismos e substâncias tóxicas para o cérebro e líquido céfalo-raquidiano (LCR), impede também a passagem dos elementos de defesa humoral e celular do sangue para essas mesmas estruturas e, também, de diversos anti-microbianos, diminuindo muitas vezes as opções terapêuticas disponíveis. Classificação das infecções do SNC

As infecções do SNC podem ser classificadas de acordo com a localização envolvida. Assim temos: � Encefalite – infecção do parênquima cerebral; � Meningite – infecção das meninges; � Mielite – infecção da medula espinhal.

As encefalites são exclusivamente provocadas por vírus e podem ser agudas ou crónicas. Como agentes

comuns de encefalite aguda temos: � Arbovírus (exs: vírus do Nilo Ocidental, vírus da encefalite japonesa, etc); � Vírus herpes simplex (HSV) tipo 1 e tipo 2; � Vírus varicela zoster (VZV); � Enterovírus (vírus Coxsackie A e B, echovírus, etc).

Os agentes mais frequentes de encefalite crónica são o vírus JC (agente da leucoencefalopatia multifocal

progressiva), o vírus do sarampo (que pode provocar pan-encefalite esclerosante sub-aguda) e o vírus da rubéola (que pode originar a rubéola pan-encefalítica progressiva nos doentes com rubéola congénita).

As meningites, tema da 8ª aula prática de Microbiologia, serão abordadas em maior pormenor de

seguida.

As mielites habitualmente surgem em simultâneo com os outros quadros clínicos. Além destas infecções podem ainda ocorrer abcessos cerebrais e epi-durais e empiemas sub-durais. Os

abcessos cerebrais designam infecções localizadas do parênquima cerebral, provocadas por bactérias, fungos ou parasitas, e limitadas por uma cápsula vascularizada. Quando esta cápsula não está presente pode usar-se o termo “cerebrite”. O abcesso epi-dural localiza-se entre a duramater e a tábua interna da caixa craniana. Um empiema sub-dural é, como o nome indica, uma colecção de pús no espaço entre a duramater e a aracnóide. Estas três infecções surgem frequentemente associadas e como consequência de infecções em locais anatómicos próximos (por exemplo sinusite, otite média, mastoidite, etc) ou após traumatismos ou procedimentos invasivos da cavidade craniana. Os agentes etiológicos mais frequentes em todos os casos são várias bactérias, tais como Streptococcus spp., Pseudomonas spp., S. aureus e enterobacteriáceas.

Frequentemente ocorrem infecções que afectam mais de uma localização do SNC. Entre estas as mais

frequentes são as meningo-encefalites que afectam as meninges e o parênquima cerebral. Ocorrem ainda encefalo-mielites (parêquima cerebral e medula espinha), encefalo-mielo-radiculites (parênquima cerebral e raízes nervosas), etc.

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II. Classificação e Etiologia das Meningites

As infecções das meninges podem ser provocadas por todo o tipo de microrganismos (vírus, bactérias, parasitas e fungos) e classificam-se, de acordo com critérios temporais, em:

� agudas – estabelecimento do quadro num período máximo de 1 semana, com duração total inferior a 4 semanas;

� sub-agudas – estabalecimento superior a 1 semana e duração inferior a 4 semanas; � crónicas – duração superior a 4 semanas.

Do ponto de vista clínico as características das meningites sub-agudas e crónicas são praticamente indistinguíveis. Em relação à etiologia, os agentes mais frequentes de meningite sub-aguda são:

� Mycobacterium tuberculosis; � Cryptococcus neoformans; � Histoplasma capsulatum; � Coccidioides immitis; � Treponema pallidum.

Estes microrganismos são também agentes frequentes de meningite crónica . Nesta circunstância pode-

mos também considerar como possíveis agentes: � Borrelia burgdorferi; � Candida spp.; � Aspergillus spp.; � Toxoplasma gondii; � Trypanossoma brucei; � Taenia solium (na forma quística provocando Cisticercose); � Vírus da papeira; � Vírus da coriomeningite linfocítica (LCMV); � Echovírus; � Vírus da imunodeficiência humana (HIV); � Vírus herpes simplex (HSV) tipos 1 e 2.

Finalmente a meningite aguda pode ser dividida em dois grandes grupos consoante os agentes etiológi-cos. Por um lado temos a meningite aguda viral que ocorre tipicamente em associação com a encefalite, constituindo uma meningo-encefalite viral. Este quadro é mais frequentemente provocada por:

� Enterovírus (vírus Coxsackie A e B, echovírus, poliovírus, enterovírus humanos 68 a 71); � Arbovírus (vírus da encefalite Japonesa, vírus da encefalite equina Ocidental e Oriental, etc); � HIV; � HSV-1 e -2.

Em relação à meningite bacteriana aguda (MBA) os agentes etiológicos mais frequentes são: � Streptococcus pneumoniae ou pneumococos (50%); � Neisseria meningitidis ou meningococos (25%); � Streptococcus agalactiae ou Streptococcus β-hemolítico do grupo B (15%); � Listeria monocytogenes (10%); � Haemophilus influenzae tipo b (< 10%).

Outros agentes menos frequentes são: � Escherichia coli K1; � Staphylococcus spp. (S. aureus, Staphylococcus coagulase negativos); � Pseudomonas aeruginosa; � Enterobacteriaceae.

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S. pneumoniae é o agente de meningite mais frequente no adulto, correspondendo a cerca de 50% do total de casos declarados.

A meningite meningocócica é a mais frequente em crianças e adolescentes, nomeadamente entre os 2 e os 20 anos de idade.

S. agalactiae e E. coli K1 são os principais agentes de meningite neo-natal. A infecção pelo Streptococcus do grupo B é tão importante que todas as grávidas devem ser submetidas ao rastreio deste microrganismo na flora vaginal por volta das 34 semanas de gestação. Quando o rastreio é positivo recomenda-se antibioticoterapia profilática intra-parto com ampicilina por via endo-venosa como forma de eliminar o microrganismo da flora vaginal, impedindo assim a transmissão ao recém-nascido durante a passagem pelo canal de parto. Recentemente foram também descritos alguns casos de meningite por S. agalactiae em indivíduos com mais de 50 anos, particularmente naqueles com doenças crónicas.

L. monocytogenes é um agente importante em recém-nascidos (durante o primeiro mês de vida), grávidas, indivíduos com mais de 60 anos de idade e imunocomprometidos em qualquer idade e fase da vida.

Até ao início da década de 1990 H. influenzae tipo b era o agente mais importante de meningite bacteriana. Com a introdução da vacina conjugada Hib nos EUA em 1987 a incidência da infecção por este agente caiu claramente nos anos seguintes, sendo hoje em dia um agente quase desprezível. Em Portugal a introdução da vacina conjugada fez-se mais tarde, no entanto os seus efeitos são já visíveis na prática clínica.

Entre os agentes menos importantes os Staphylococcus spp. ocorrem particularmente em doentes submetidos a intervenções neurocirúrgicas e quimioterapia intra-tecal, e os Gram negativos (Enterobacteriaceae e Pseudomonas aeruginosa) surgem também nestas situações e em indivíduos com doenças crónicas (como diabetes, alcoolismo, cirrose hepática, etc).

Se considerarmos os agentes etiológicos mais frequentes de meningite aguda de acordo com os grupos

etários verifica-se: � Recém-nascidos – S. agalactiae, L. monocytogenes, E. coli K1; � Crianças < 3 anos – vírus, L. monocytogenes, H. influenzae, N. meningitidis; � 3-20 anos – N. meningitidis, S. pneumoniae, vírus; � Adultos – S. pneumoniae, N. meningitidis; � Idosos – S. pneumoniae, L. monocytogenes, N. meningitidis.

III. Patogénese da Meningite Bacteriana Aguda Vias de infecção

De uma forma geral as infecções do SNC podem ocorrer a partir de quatro vias: Via Hematogénea:

A via de infecção mais frequentemente envolvida. Encontra-se protegida por duas barreiras fisiológicas: a BHE e a barreira sangue-LCR. A BHE é formada pelas células endoteliais dos vasos que, nesta região, não apresentam fenestrações, e por processos astrocitários. A barreira sangue-LCR, existente nos plexos coroideus onde o LCR é produzido, é formada por células endoteliais fenestradas e pelas células epiteliais dos plexos coroideus. Os microrganismos podem atravessar estas barreiras de três formas: infectando as células que constituem as barreiras; através de mecanismos de transporte passivo em vacúolos intra-celulares; e através de leucócitos infectados.

Via Nervosa:

Menos frequente, é utilizada por alguns vírus (exs: vírus herpes simplex [HSV], vírus da raiva, etc). Estes microrganismos infectam os nervos periféricos e, através dos mecanismos normais de transporte axonal retrógrado, atingem a medula espinhal ou o encéfalo.

Por “Proximidade / Contiguidade”:

A partir de um foco infeccioso próximo do SNC (exs: otite média, sinusite, abcesso sub-dural), por extensão directa da infecção ao SNC ou indirectamente através de veias ou vasos linfáticos.

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Por Alterações Anatómicas: Originadas por traumatismos cranio-encefálicos (TCE) (ex: fractura da base do crânio), neurocirurgia

ou malformações congénitas. Patogénese da meningite bacteriana aguda

Os agentes mais comuns de meningite, S. pneumoniae e N. meningitidis, inicialmente colonizam a oro e nasofaringe através da adesão às células epiteliais do tracto respiratório superior, onde se replicam. Por processos vários podem, então, invadir a corrente sanguínea. De forma a conseguirem manter-se em circulação é necessário evitarem a resposta imunitária do hospedeiro, o que conseguem através da cápsula polissacarídica que impede a fagocitose e elimina a resposta bactericida do complemento. Após alcançarem os plexos coroideus as bactérias podem invadir o LCR de duas formas distintas:

� Pela infecção das células epiteliais dos plexos coroideus (estratégia da maioria das bactérias); � Pela adesão às células endoteliais e migração entre ou através destas (no caso dos pneumococos).

Uma vez no LCR as bactérias têm grande facilidade de se replicarem devido ao reduzido número de

leucócitos, imunoglobulinas e proteínas do complemento que este apresenta. Essencial na patogénese da meningite bacteriana é a reacção inflamatória e imunitária induzida pelas

bactérias invasoras. Esta reacção inicia-se com a lise bacteriana e libertação de compostos da parede celular no espaço sub-aracnoideu (ESA), nomeadamente o LOS de N. meningitidis e o ácido teicóico e o peptidoglicano de S. pneumoniae. Estes vão estimular a produção e libertação de citocinas e quimiocinas pelas células da microglia, astrócitos e leucócitos do LCR, principalmente factor de necrose tumoral (TNF) e interleucina 1 (IL-1). Estas, por sua vez, vão estimular e activar outros leucócitos e células do parênquima cerebral que vão libertar novas citocinas e quimiocinas, ampliando toda esta resposta. A acção conjugada das citocinas vai contribuir para o aumento da permeabilidade da BHE, com aumento do número de leucócitos e da quantidade de proteínas no LCR, e diminuição da absorção a nível das granulações aracnoideias, contribuindo para o aumento da pressão intra-cranina e hidrocefalia que se pode verificar.

Existe ainda uma redução significativa no calibre dos vasos a nível cerebral que, em casos extremos, pode justificar a ocorrência de casos de obstrução vascular com consequente isquémia e necrose cerebral. O edema que se estabelece (com contribuição intersticial, vasogénica e citotóxica) pode provocar hipertensão intra-craniana (HIC), que, em graus avançados, provoca herniação cerebral que pode provocar coma e, mesmo, culminar na morte do doente. Factores de risco do hospedeiro

Entre os factores que podem predispor indivíduos adultos a contraírem meningite encontram-se: � Alcoolismo; � Esplenectomia; � Diabetes; � Imunossupressão; � Hipogamaglobulinémia (mais importante para a meningite pneumocócica); � Sinusite ou otite a pneumococos (também para a meningite por S. pneumoniae); � Défices do sistema do complemento (para meningite por N. meningitidis); � Traumatismo crânio-encefálico, rinorráquia, etc.

IV. Quadro Clínico de Meningite

A tríade clássica de meningite bacteriana aguda é: � Febre; � Cefaleias; � Rigidez da nuca.

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Cada um destes sinais / sintomas ocorre em mais de 90% dos doentes. Associados à rigidez da nuca podem surgir os sinais de Kernig (dor ou elevação do pescoço à extensão passiva do joelho com a coxa flectida sobre o abdómen) e Brudzinksi (flexão espontânea dos joelhos e ancas quando se realiza a flexão passiva do pescoço).

O quadro clínico pode ainda incluir: � Alterações do estado de consciência (75%) – desde letargia até coma; � Náuseas e vómitos; � Fotofobia; � Convulsões (20-40%); � Aumento da pressão do LCR; � Sinais de HIC: alteração do estado de consciência, papiledema, dilatação e diminuição da reacção

pupilar, paralisia do VI nervo craniano, postura descerebrada.

Na meningite viral aguda a tríade sintomática clássica também está presente. Habitualmente a rigidez da nuca é menos evidente e os restantes sinais meníngeos estão ausentes. Neste caso é mais frequente como sintomatologia associada a ocorrência de mau estar geral, anorexia, mialgias, náuseas e vómitos, dor abdominal e diarreia.

Quando há envolvimento do parênquima cerebral (meningo-encefalite) além dos sinais de meningite surge também tipicamente confusão, alterações do comportamento, alterações do estado de consciência e sinais neurológicos focais (por exemplo afasia, ataxia, hemiparésia, etc). V. Normas de Colheita e Transporte de Líquido Céfal o-Raquidiano

A colheita de LCR é feita por punção lombar de acordo com o procedimento seguinte: 1. Posicionar o doente em decúbito lateral (ou em alternativa sentado), com os joelhos o mais próximo

possível do queixo e o pescoço em flexão; 2. Palpar as cristas ilíacas postero-superiores e, traçando uma linha entre elas, a apófise espinhosa da

4ª vértebra lombar; 3. Usando luvas esterilizadas desinfectar cuidadosamente a zona de punção com solução alcoólica

iodada; 4. Anestesiar a pele e o espaço inter-espinhoso L4-L5 com um anestésico local utilizando seringa e

agulha esterilizadas; 5. Inserir uma agulha apropriada para punção lombar no espaço inter-espinhoso até sentir diminuição

da resistência; 6. Colher, sem aspirar, 2-3 mL para um tubo esterilizado, transparente e de fundo cónico; 7. Repetir o passo anterior duas vezes, numerando os tubos utilizados, sendo o último utilizado para o

exame microbiológico; os 2 primeiros são utilizados no exame citológico e bioquímico.

A amostra deve ser enviada imediatamente ao laboratório. Caso isto não seja possível deve ser mantida à temperatura ambiente (ou na estufa a 35º C) e nunca refrigerada antes do processamento.

Devem efectuar-se, simultaneamente, colheitas de sangue para hemocultura. VI. Diagnóstico de Meningite

O diagnóstico de meningite tem duas vertentes fundamentais: o diagnóstico clínico e o microbiológico ou etiológico.

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Diagnóstico clínico

O diagnóstico clínico de meningite é feito, essencialmente, por análise citoquímica, bioquímica e microscópica do LCR colhido por punção lombar (PL). A necessidade de realizar exames imagiológicos (TC ou RM) previamente à realização da PL depende da avaliação clínica do doente. Em doentes imunocompetentes, sem história de TCE ou sinais de HIC (alterações da consciência, papiledema ou sinais neurológicos focais) a realização destes exames pode ser dispensada. Noutra situação deve-se colher imediatamente sangue para hemoculturas e iniciar terapêutica empírica antes da avaliação neuro-imagiológica e da PL. Esta avaliação destina-se a excluir a existência de HIC já que, na presença desta, a realização de PL pode provocar herniação cerebral com possível paragem cárdio-respiratória e morte.

O exame citoquímico e microscópico do LCR pode revelar o seguinte:

Tabela 1 – Exame Citoquímico e Microscópico do Líquor em Casos de Meningite

LCR Normal Bactérias Vírus Fungos / BK

Aspecto Límpido Turvo Límpido Turvo

Leucócitos/mm3

Predomínio 0-5 ---

1000 – 10 000 PMN / neutrófilos

50 – 1000 MN / linfócitos

100 – 1000 MN / linfócitos

Glicose 40-60 mg/dL

(60% glicémia) ��� N ��

Proteínas 0,15-0,45 g/L ��� �� ���

Microscopia Neg. Bactérias Neg. Fungos / BK

A partir da análise destes dados é possível realizar o diagnóstico clínico de meningite e presumir qual a

classe de microrganismos responsável pela infecção, o que deve ser confirmado pelo exame microbiológico. Diagnóstico microbiológico

O exame microbiológico apresenta cinco componentes fundamentais: � Exame directo; � Exame cultural; � Testes de detecção de antigénios; � Testes serológicos; � Provas moleculares.

Exame directo

O exame microscópico directo pode ser realizado com várias colorações: � Azul de metileno – permite identificar com grande precisão a presença e tipo de leucócitos

presentes e a morfologia dos possíveis microrganismos; � Método de Gram – distingue Gram positivos e Gram negativos e também auxilia na morfologia; � Auramina – identifica possíveis bacilos ácido-álcool resistentes (BAAR) através de microscopia de

fluorescência; � Método de Ziehl-Nielsen – estabelece a presença de BAAR; � Tinta da China – permite identificação de fungos.

Exame cultural

O exame cultural é feito a partir do sedimento do LCR. Podem ser usados os seguintes meios: � Gelose de sangue – permite o crescimento de praticamente todos os microrganismos tendo, entre

os agentes mais frequentes de meningite, particular interesse na detecção de S. pneumoniae;

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� Gelose de chocolate – permite o crescimento de praticamente todos os microrganismos tendo particular interesse para o crescimento de Neisseria meningitidis e Haemophilus influenzae;

� Meio de Sabouraud – para fungos, principalmente, no caso de meningite, Cryptococcus neoformans;

� Meio de Löwestein-Jensen – para micobactérias. Testes de detecção de antigénios

Os testes para detecção de antigénios bacterianos realizam-se no LCR. Existem provas específicas para S. pneumoniae, N. meningitidis, H. influenzae tipo b, Streptococcus do grupo B e E. coli K1. Estes testes apresentam alta especificidade mas uma sensibilidade algo reduzida. Ainda assim podem ser úteis em doentes que iniciaram terapêutica antibiótica antes da colheita de LCR e que apresentaram exame directo e cultural negativos. Testes serológicos

Principal componente do diagnóstico no caso de meningite viral.

Provas moleculares

As provas moleculares (por exemplo, PCR) são utilizados na detecção do genoma viral, não tendo, praticamente, aplicação na prática clínica quotidiana actual. VII. Terapêutica e Profilaxia da Meningite Bacteria na Aguda Terapêutica empírica

Tendo em conta a gravidade do quadro clínico desta infecção, assim como as suas possíveis complicações e sequelas, sempre que um doente apresente quadro clínico e exame citoquímico compatível com meningite bacteriana aguda deve ser iniciada terapêutica empírica logo que possível.

Tanto em crianças como em adultos esta deve ser feita com uma cefalosporina de 3ª geração (cefotaxima ou ceftriaxona) e vancomicina. Se há suspeita de infecção por Pseudomonas aeruginosa deve utilizar-se ceftazidima, a única cefalosporina de 3ª geração com acção comprovada nas infecções do SNC por este agente.

Em crianças até 3 anos e adultos com mais de 55 anos deve fazer-se terapêutica tripla associando ampicilina a uma das duas combinações atrás referidas. Terapêutica específica

Após a identificação do agente etiológico a terapêutica pode ser feita com uma das seguintes opções:

S. pneumoniae: � penicilina, ceftriaxona ou cefotaxima; � vancomicina.

N. meningitidis: � penicilina ou ampicilina; � ceftriaxona ou cefotaxima.

S. agalactiae: � penicilina ou ampicilina.

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L. monocytogenes: � ampicilina + gentamicina.

H. influenzae: � ceftriaxona ou cefotaxima.

P. aeruginosa: � ceftazidima.

Staphylococcus spp.: � nafcilina; � vancomicina.

Enterobacteriaceae: � ceftriaxona ou cefotaxima.

Terapêutica adjuvante

Tendo em conta a importância que a resposta inflamatória do hospedeiro apresenta no quadro clínico e complicações da meningite aguda bacteriana, justifica-se a utilização de terapêutica adjuvante. Esta deve ser feita com dexametasona cerca de 20 minutos antes da primeira dose de antibiótico e a cada 6 horas durante os 4 dias seguintes. Entre os efeitos benéficos da dexametasona contam-se:

� redução dos níveis de TNF e IL-1; � facilitação da absorção do LCR; � estabilização da BHE.

Os benefícios da utilização deste fármaco estão bem estabelecidos na terapêutica de infecções por S.

pneumoniae e H. influenzae. No entanto, a dexametasona parece reduzir a penetração da vancomicina no LCR, pelo que a utilização conjunta dos dois fármacos deve ser bem ponderada. Profilaxia

A profilaxia da MBA apresenta duas vertentes: a profilaxia universal da população e a quimioprofilaxia dos contactos dos doentes infectados. Em relação à primeira vertente esta é feita através da vacinação de toda a população. Actualmente existem vacinas contra S. pneumoniae, N. meningitidis e H. influenzae.

No que toca ao pneumococo foi introduzida na década de 1990 uma vacina anti-capsular contendo polissacáridos de 23 estirpes diferentes, denominando-se, por isso, 23-valente. No entanto os polissacáridos são imunogénios fracos pelo que esta vacina era ineficaz em todos os indivíduos com défices do sistema imunitário, nomeadamente crianças até aos 2 anos, um grupo em que esta doença é muito importante. Actualmente existe uma vacina conjugada contendo polissacáridos de 7 estirpes conjugados a proteínas (moléculas bastante mais imunogénicas que os polissacáridos), denominando-se 7-valente. Estas 7 estirpes são responsáveis por mais de 90% da doença pneumocócica nos EUA o que explica a eficácia da vacina. A mesma não foi ainda incluida no Plano Nacional de Vacinação (PNV) estando, no entanto, disponível para todos os indivíduos, principalmente aqueles com factores de risco para doença pneumocócica.

Em relação ao meningococo existem vacinas polissacarídicas não conjugadas para os serogrupos

capsulares A, C, W135 e Y, podendo ser monovalentes (A ou C), divalentes (A e C) ou quadrivalentes (A, C, W135 e Y). Estas vacinas provocam uma elevada resposta imunitária não mediada por células T conferindo protecção mesmo em indivíduos com deficiência do complemento. Apresentam, na actualidade, duas grandes limitações. Por um lado, ao não induzir memória imunológica revelam-se pouco eficazes em crianças com menos de 2 anos. A conjugação destas vacinas com proteínas (tal como na vacina 7-valente) poderá vir a aumentar a sua eficácia neste grupo de crianças. Por outro lado, não existem vacinas contra meningococos do grupo B. O polissacárido da cápsula deste serogrupo é idêntico a um carbohidrato existente nas células cerebrais humanas (ácido neuramínico), pelo que, para além de pouco imunogénico, o uso deste polissacárido numa vacina poderia induzir a formação de auto-anticorpos.

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Em Portugal, onde se verifica predomínio dos serogrupos B e C, a vacinação contra meningococo do serogrupo C foi incluida no PNV em 2006. A vacinação não reduz a transferência da bactéria para indivíduos não vacinados nem afecta o estado de portador.

Para H. influenzae existe uma vacina conjugada dirigida ao tipo b desta espécie, também incluida no PNV, e bastante eficaz em todos os grupos etários.

A quimioprofilaxia deve ser administrada a todos os indivíduos que contactaram, de forma próxima, nos

10 dias anteriores ao aparecimento dos sintomas, com doentes com meningite meningocócica. Os antibióticos mais utilizados neste contexto são a rifampicina, a ceftriaxona e a ciprofloxacina. A rifampicina é o fármaco preferido já que tem capacidade de penetração intra-celular e pode ser administrada por via oral. No entanto tem mais efeitos adversos que os restantes antibióticos e há casos de resistência comprovada a este fármaco. A ceftriaxona é de administração única por via intra-muscular, sendo utilizada nas grávidas. A ciprofloxacina só pode ser administrada a homens com mais de 18 anos e mulheres não grávidas também com mais de 18 anos e existem, também, alguns casos de resistência descritos. VIII. Streptococcus spp. Ver páginas 21-22. IX. Streptococcus pneumoniae

S. pneumoniae, também conhecido como pneumococo, é um coco Gram positivo capsulado, que se apresenta, habitualmente, disposto em pares (diplococos) ou cadeias muito curtas (estreptococos). As colónias das estirpes encapsuladas apresentam-se geralmente com diâmetro superior, redondas e mucóides, enquanto que as estirpes não capsuladas formam colónias mais pequenas e lisas. Em gelose de sangue as colónias apresentam um padrão de α-hemólise, que resulta da produção de pneumolisina, uma enzima semelhante à estreptolisina O de S. pyogenes, que degrada a hemoglobina produzindo um pigmento esverdeado. Por vezes, em condições de anaerobiose, as colónias podem revelar-se β-hemolíticas.

A cápsula de S. pneumoniae é constituída por vários polissacáridos distintos que permitem a caracteriza-

ção serológica da espécie, distinguindo-se 90 serótipos. Estes polissacáridos são também utilizados na elaboração de vacinas contra este microrganismo. Factores de virulência

Entre os factores de virulência do pneumococo contam-se: � Adesinas – permitem ligação às células epiteliais do tracto respiratório; � Protease IgA secretora – degrada a IgA secretora; � Pneumolisina – citotoxina; destrói as células ciliadas do tracto respiratório, activa a via clássica do

complemento e impede a destruição intra-celular das bactérias fagocitadas; � Ácito teicóico – activa a via alternativa do complemento; � Peptidoglicano – activa a via alternativa do complemento; � Produção de peróxido de hidrogénio – lesa as células do hospedeiro; � Fosforilcolina – liga-se ao factor de activação da fosfodiesterase, permitindo a entrada da bactéria

nas células do hospedeiro; � Cápsula – impede a fagocitose.

A acção dos três primeiros factores de virulência permite ao S. pneumoniae colonizar a oro e nasofaringe

e migrar para o tracto respiratório inferior, corrente sanguínea, ouvido médio, etc. Através da pneumolisina,

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ácido teicóico, peptidoglicano e fosforilcolina activa a resposta inflamatória e imunitária do hospedeiro, a principal responsável pelas manifestações clínicas das doenças mais graves provocadas por este agente, pneumonia e meningite. A cápsula polissacarídica e a pneumolisina permitem-lhe evitar e sobreviver à fagocitose pelas células imunitárias do hospedeiro. Epidemiologia

S. pneumoniae existe habitualmente na oro e nasofaringe de indivíduos saudáveis, colonizando entre 5 a 75% destes, consoante os estudos considerados. Esta colonização é mais prevalente em crianças e adultos que vivem com crianças e tem um carácter transitório já que, para cada estirpe colonizadora, desenvolvem-se anticorpos que conferem imunidade específica para aquela estirpe mas não para as restantes, já que a mesma depende dos polissacáridos da cápsula. A prevalência de colonização e de doença associada é superior nos meses de Inverno.

A ocorrência de uma infecção deve-se, habitualmente, à aquisição de uma estirpe para a qual um indivíduo não estava imunizado, e à disseminação desses microrganismos para outra localização, nomeadamente os pulmões, seios peri-nasais, ouvido médio, corrente sanguínea ou SNC.

Apesar de a transmissão pessoa-a-pessoa ser possível através de aerossóis a ocorrência de epidemias é rara, reflectindo a insuficiência desta via no aparecimento de doença.

A doença a S. pneumoniae associa-se a: � infecção viral anterior (ex: influenza, sarampo, etc); � doença pulmonar crónica; � alcoolismo; � insuficiência cardíaca congestiva; � esplenectomia; � diabetes mellitus; � doença renal crónica; � drepanocitose.

Doenças associadas

� Pneumonia, Traqueo-bronquite aguda; � Sinusite; � Otite média; � Meningite / Abcesso cerebral; � Bacteriémia / Endocardite / Septicémia; � Osteomielite, Artrite séptica; � Peritonite.

A pneumonia pneumocócica atinge habitualmente um lobo pulmonar (pneumonia lobar). O início da

sintomatologia é súbito e intenso, com febre alta (39-41º C), tosse e expectoração muco-purulenta. Mesmo em doentes tratados a taxa de mortalidade ascende a 5%, ocorrendo em 25% dos casos bacteriémia concomitante. Como complicações locais pode ocorrer pleurisia, derrame pleural e empiema.

Habitualmente a meningite pneumocócica tem um início súbito e os sintomas são mais graves que no

caso de outros agentes. Por vezes, particularmente nos idosos ou imunodeprimidos, a doença surge após um quadro de pneumonia ou septicémia. Em cerca de 80% dos doentes existe bacteriémia concomitante.

A taxa de mortalidade é a mais elevada entre os agentes de meningite mais frequentes, atingindo 20 a 30% dos doentes tratados. Entre os doentes que sobrevivem, 15 a 20% mantêm sequelas neurológicas após a resolução do quadro. Diagnóstico laboratorial

O diagnóstico laboratorial de infecção por S. pneumoniae pode ser feito por: � exame directo – coloração de Gram ou azul de metileno; � exame cultural – particularmente em gelose de sangue ou ANC; � testes de detecção de antigénio � testes serológicos;

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� provas de identificação. Em relação às provas de identificação podemos utilizar o teste de solubilidade com bílis . Neste deita-

se uma gota de bílis sobre as colónias numa placa de gelose de sangue que, no caso de se tratarem de colónias de pneumococo, se dissolvem em poucos minutos, ao contrário do que ocorre com a maioria das restantes colónias α-hemolíticas.

Uma prova de identificação muito utilizada é a susceptibilidade à optoquina . Esta é feita de forma semelhante ao método de Kirby-Bauer, colocando-se um disco de optoquina numa placa de gelose de sangue contendo uma suspensão de colónias bacterianas. No caso de se tratar de S. pneumoniae surge uma zona de inibição do crescimento (com cerca de 14 mm de diâmetro) após a incubação durante 12 ou 24 horas. As restantes bactérias α-hemolíticas (grupo Streptococcus viridans) são resistentes à optoquina. Terapêutica e prevenção

Até ao início da década de 1990 quase todas as estirpes de pneumococos eram sensíveis à penicilina.

Estas estirpes são também susceptíveis a praticamente todos os β-lactâmicos (nomeadamente ampicilina, amoxicilina, amoxicilina + ácido clavulânico, cefuroxima, cefotaxima, ceftriaxona, imipenem e meropenem).

Em Portugal, cerca de 20% dos pneumococos apresentam diminuição da susceptibilidade ou resistência

à penicilina e os níveis de resistência à eritromocina subiram cerca de 6 vezes entre 1991 e 2001 (passando, aproximadamente, de 2% para 13%). É frequente a associação de resistência aos macrólidos e de diminuição da sensibilidade ou resistência à penicilina.

A maioria dos pneumococos são, ainda, sensíveis à amoxicilina e ceftriaxona, não existindo casos descritos de resistência à vancomicina.

Assim nas infecções respiratórias a S. pneumoniae as possíveis opções terapêuticas são: � penicilinas – amoxicilina, ampicilina; � macrólidos; � cefalosporinas de 2ª e 3ª geração; � fluoroquinolonas anti-pneumocócicas – levofloxacina, moxifloxacina e gatifloxacina; � carbapenemos; � vancomicina.

Nas meningites, bacteriémias e septicémias provocadas por esta bactéria, penicilinas, cefalosporinas de

3ª geração, vancomicina e carbapenemos são possíveis opções terapêuticas. A medida de prevenção da infecção mais eficaz é a admnistração da actual vacina conjugada 7-valente.

Comparativamente à vacina polissacarídica 23-valente tem a vantagem de poder ser administrada a crianças com menos de 2 anos de idade e ser mais eficaz em todos os grupos etários. Como desvantagens refere-se o seu maior custo e a cobertura de um menor número de estirpes de S. pneumoniae. Apesar disto a vacina 7-valente cobre mais de 90% das estirpes que provocam doença invasiva em crianças e adultos e também das estirpes que apresentam resistência à penicilina. X. Neisseria spp.

O género Neisseria compreende 10 espécies, das quais duas (N. gonorrhoeae e N. meningitidis) são importantes patogénios humanos. As restantes apenas provocam infecções oportunistas.

Estas bactérias são cocos Gram negativos, aeróbios, que habitualmente se dispõem em pares (diplococos). São imóveis e não esporuladas, oxidase-positivas e, na maioria dos casos, catalase-positivas.

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XI. Neisseria meningitidis

Neisseria meningitidis, também conhecido como meningococo, é um diplococo Gram negativo, aeróbio, oxidase-positivo e patogénio humano exclusivo. Factores de virulência

Esta bactéria apresenta vários factores de virulência importantes para a sua patogenicidade, nomeadamente:

� cápsula – polissacarídica, anti-fagocítica e com especificidade imunológica; � pili – essenciais para a colonização da nasofaringe; � lipo-oligossacárido (LOS) – responsável pela maioria das manifestações clínicas; semelhante ao

LPS das restantes bactérias Gram negativas; � proteína de superfície Por – forma poros ou canais na membrana externa; interfere com a função

dos neutrófilos e protege a bactéria da resposta imunitária; importante na adesão a células epiteliais; � proteína de superfície Opa – permite adesão a células epiteliais e fagocíticas; � proteína de superfície Rmp – estimula anticorpos que bloqueiam a actividade bactericidade do soro

contra os microrganismos patogénicos. As diferenças antigénicas nos polissacáridos da cápsula permitem distinguir 13 serogrupos. Entre estes,

5 (A, B, C, Y e W135) são responsáveis por mais de 90% de todas as infecções meningocócicas no Homem. Para além disso, esta espécie subdivide-se, ainda, em serótipos e sub-tipos, de acordo as propriedades antigénicas das proteinas da membrana externa, e imunótipos, tendo em conta os lipooligossacáridos. Epidemiologia

A doença meningocócica tem distribuição mundial e, apesar de poder causar surtos epidémicos, é mais frequentemente responsável por casos esporádicos de meningite ou sépsis meningocócica. A incidência anual é dez vezes superior nos países sub-desenvolvidos. A distribuição dos serogrupos não é idêntica em todo o Mundo. Assim as estirpes do serogrupo A praticamente só causam doença em países em desenvolvimento, enquanto que as dos serogrupos B e C são as mais frequentes nos países desenvolvidos. No nosso país, os trabalhos mais recentes revelam uma repartição dos isolados entre os serogrupos B e C, com um ligeiro predomínio de N. meningitidis do grupo C. O serogrupo B é mais frequente nas crianças até um ano de idade e nos adultos com mais de 16 anos. O serogrupo Y tem emergido, recentemente, como um importante agente de meningite nos EUA, correspondendo já a cerca de um terço do total de casos neste país. Os serogrupos Y e W135 são os mais frequentemente associados a pneumonia por meningococos.

O ser humano é o único portador natural de N. meningitidis. Assim pensa-se que cerca de 10% dos indivíduos saudáveis apresentam este microrganismo a nível da flora oro ou nasofaríngea. Esta prevalência é superior em crianças em idade escolar e adolescentes e indivíduos de classes sócio-económicas mais desfavorecidas. A transmissão faz-se através de aerossóis entre indivíduos com contacto próximo e prolongado.

A maior parte de Neisseria spp. (incluindo N. meningitidis) que colonizam o tracto respiratório superior, mesmo em períodos de infecção endémica, não são patogénicas. Assim, o isolamento de N. meningitidis na nasofaringe apenas confirma o estado de portador e não estabelece o diagnóstico de infecção sistémica. A colonização é favorecida pela lesão do epitélio ciliado destas mucosas (por inalação activa ou passiva de fumo de tabaco, stress ou infecção viral precedente), alcoolismo e por diminuição da imunidade local ou sistémica. Patogénese

A defesa do hospedeiro contra N. meningitidis pressupõe a intervenção dos sistemas imunitários inato e adaptativo, através da resposta humoral e celular. Os anticorpos específicos conferem protecção total mas a sua produção demora cerca de uma semana após a colonização pelo microrganismo. A incidência de doença meningocócica invasiva é maior entre os 6 e os 24 meses de idade quando os anticorpos maternos desapareceram e o sistema imune ainda está imaturo. Assim, a defesa imediata depende do sistema inato representado pela bacteriólise mediada pelo complemento e fagocitose.

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Desta forma existem vários factores de risco definidos para infecção a N. meningitidis: � Idade < 20 ou > 65 anos; � Alcoolismo; � Infecção prévia por Mycoplasma pneumoniae ou vírus respiratórios (ex: influenza A); � Défices do sistema do complemento (C5-C9); � Défices de monócitos e neutrófilos; � Défices de imunoglobulinas; � Esplenectomia ou hipoesplenismo; � Doença sistémica (diabetes mellitus, doença pulmonar, renal ou hepática crónica); � Etc.

Doenças associadas

� Meningite; � Septicémia ou meningococémia; � Pneumonia; � Artrite séptica; � Uretrite, conjuntivite, etc.

A septicémia a N. meningitidis, também denominada meningococémia, é uma doença extremamente

grave, com elevada taxa de mortalidade. As características clínicas marcantes são a trombose dos pequenos vasos e o envolvimento multi-orgânico. O início do quadro é súbito com febre (habitualmente superior a 39º C), calafrios e petéquias, que surgem no tronco, membros, face, palato e conjuntivas. Estas petéquias podem coalescer formando bolhas hemorrágicas de grandes dimensões.

A evolução do quadro pode levar a coagulação intra-vascular disseminada (CID), choque e destruição bilateral das glândulas supra-renais, uma situação muito grave denominada síndrome de Waterhouse-Friderichsen.

A meningite apresenta, habitualmente, um período de incubação de 1 a 3 dias. O início do quadro clínico

é súbito com os sintomas e sinais típicos de meningite. Na maioria dos casos existe um exantema hemorrágico com petéquias que reflecte a septicémia associada e que permite a distinção da meningite provocada por este agente em relação aos restantes agentes mais frequentes.

A taxa de mortalidade nos casos tratados é cerca de 10%, quase sempre devido à evolução para meningococémia declarada e, por vezes, à insuficiência supra-renal. As sequelas neurológicas (principalmente défices auditivos) são menos frequentes do que na meningite provocada por outros agentes. Diagnóstico laboratorial

O diagnóstico é feito pelos seguintes métodos: � exame directo – coloração de Gram e azul de metileno; � exame cultural ; � testes de detecção de antigénios ; � biópsia das lesões cutâneas – para exame directo e cultural.

N. meningitidis, à semelhança das restantes espécies deste género tem grande dificuldade em crescer

no meio de gelose de sangue ou não cresce de todo. Assim o exame cultural pode ser efectuado em meio de gelose de chocolate, onde mais frequentemente há crescimento de meningococos, ou em meios mais selectivos para os microrganismos deste género, como a gelose de Martin-Lewis ou a gelose de Thayer-Martin modificada. Terapêutica

Com a descoberta e introdução da penicilina na prática clínica a mortalidade das infecções a N. meningitidis reduziu-se significativamente. Durante décadas este foi o tratamento de eleição nestes casos. No entanto nos anos 80 apareceram as primeiras estirpes com sensibilidade diminuida à penicilina, principalmente na Europa e América do Norte. Em Portugal, estão descritos casos de N. meningitidis com sensibilidade diminuida à penicilina (MIC ≥ 0,125 mg/L), que correspondem a mais de 35% do total de casos.

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As cefalosporinas de 3ª geração (ceftriaxone ou cefotaxima) têm vindo a tornar-se os antimicrobianos de eleição no tratamento das meningites meningocócicas já que têm um espectro de acção alargado relativamente aos principais microrganismos responsáveis por meningites da comunidade (meningococo e pneumococo), têm excelente penetração no LCR e baixa toxicidade.

Outra opção são os carbapenemos. XII. Haemophilus spp. e Haemophilus influenzae

Haemophilus spp. são cocobacilos Gram negativos, não esporulados, imóveis e anaeróbios facultativos. Dentro do género três espécies e um biogrupo são particularmente importantes em relação à doença no Homem:

� H. influenzae; � H. influenzae biogrupo aegyptius – agemte de conjuntivite e febre purpúrica brasileira; � H. ducreyi – agente da úlcera mole venérea; � H. parainfluenzae – agente de endocardite, pertencente ao grupo HACEK.

A cultura da maioria das espécies de Haemophilus spp. requer meios enriquecidos com os factores X

(hematina), V (NAD) ou ambos. Estas propriedades podem ser utilizadas para auxiliar a distinção entre as várias espécies. Quando se pretende o isolamento destes microrganismos utiliza-se o meio de gelose de chocolate que possui os dois factores na sua composição. Haemophilus influenzae

H. influenzae é um microrganismo que necessita dos dois factores para o seu crescimento e só tem a

capacidade de fermentar glicose e não outros sacáridos. Dentro desta espécie existem estirpes capsuladas e outras não capsuladas. Os polissacáridos constituintes da cápsula permitem distinguir 6 serótipos antigénicos (a-f). Antes da introdução da vacina Hib H. influenzae tipo b era responsável por cerca de 95% das infecções por este agente. Devido à eficácia da mesma este serótipo tem sido progressivamente substi-tuído pelas estirpes capsuladas tipo c e tipo f e por estirpes não capsuladas, como agentes mais importantes de infecção humana.

Entre os factores de virulência de H. influenzae encontram-se: � Cápsula ; � Pili ; � Lípido A do LPS – fundamental para as manifestações clínicas das doenças por H. influenzae; � Proteases IgA .

Epidemiologia

H. influenzae não capsulados colonizam a orofaringe de praticamente todos os seres humanos após os primeiros meses de vida. Em contraste estirpes capsuladas de H. influenzae são isoladas muito raramente e estão quase sempre associadas a doença. Doenças associadas

� Meningite; � Pneumonia; � Epiglotite; � Celulite; � Artrite séptica; � Otite média, sinusite; � Conjuntivite.

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Diagnóstico laboratorial

� Exame directo – coloração de Gram e azul de metileno; � Exame cultural – principalmente em meio de gelose de chocolate; � Testes de detecção de antigénios ; � Provas bioquímicas – recorrendo à necessidade dos factores X e V e à fermentação diferencial dos

sacáridos entre as várias espécies do género Haemophilus (por exemplo H. influenzae é o único que fermenta apenas a glicose).

Terapêutica

As opções utilizadas no tratamento de infecções a H. influenzae são: ampicilina, amoxicilina + ácido clavulânico, cefalosporinas de 2ª ou 3ª geração, macrólidos e quinolonas. Os casos de resistência à ampicilina são sobretudo devidos à produção de β-lactamases.

No caso de meningite devem utilizar-se cefalosporinas de 3ª geração (ceftriaxona ou cefotaxima). XIII. Cryptococcus neoformans

C. neoformans é uma levedura capsulada que não apresenta dimorfismo. O seu principal factor de virulência é a cápsula polissacarídica. Possui ainda a enzima fenoloxidase que converte compostos fenólicos em melanina.

Pelas características antigénicas da cápsula descrevem-se quatro serótipos (A a D). Os serótipos A e D

foram já identificados em excreções de pombos. Todos os serótipos parecem ter uma relação próxima com o habitat dos pombos, pelo que este animal poderá ser o reservatório natural das leveduras, não sendo infectado por elas. Pensa-se que as infecções sub-clínicas por Cryptococcus sejam frequentes mas a doença criptocócica sintomática, principalmente meningite, ocorre principalmente em idosos, imunocomprometidos ou doentes crónicos. Pode, no entanto, infectar indivíduos sem qualquer tipo de doença subjacente.

O local primário de infecção do Cryptococcus é o pulmão. Habitualmente são infecções assintomáticas

diagnosticadas em radiografias de rotina, mas podem ocorrer pneumonias clínicas. Após disseminação hematogénea o microrganismo pode atingir outros órgãos, sendo a infecção mais frequente a meningite. A meningite criptocócica é habitualmente sub-aguda ou crónica. Outras infecções possíveis são lesões cutâneas e lesões ósteolíticas.

O diagnóstico laboratorial pode ser feito pelos seguintes métodos: � Exame directo – tinta da China; � Exame cultural – meio de Sabouraud; � Testes de detecção de antigénios .

No caso de meningite realizam-se todos estes procedimentos a partir do LCR, apresentando todos boas

sensibilidades e especificidades. No diagnóstico das infecções pulmonares o exame directo e cultural são positivos em apenas cerca de 10% dos casos e a detecção de antigénios no sangue em cerca de um terço. Habitualmente é necessário recorrer ao exame histológico de uma biópsia da lesão. Este último é, também, o método preferido no caso de infecções cutâneas ou ósseas.

O tratamento da infecção pulmonar limitada pode ser feito através da remoção cirúrgica do nódulo em causa ou com fluconazol ou itraconazol. Em doentes com SIDA a terapêutica é igual à da meningite.

Na meningite utiliza-se anfotericina B durante 2 semanas seguida por 8 semanas de fluconazol ou itraconazol. De seguida realiza-se profilaxia com o derivado azólico anteriormente utilizado. Esta mantém-se por tempo indefinido em doentes com SIDA e apenas durante 1 ano em imunocompetentes.

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5ª AULA: Bacteriémia e Endocardite I. Noções Gerais Sobre Bacteriémia e Septicémia II. Noções Gerais Sobre Infecções do Sistema Cardio -Vascular III. Noções Gerais Sobre Endocardite IV. Agentes Etiológicos Mais Frequentes de Endocard ite Infecciosa V. Patogénese da Endocardite Infecciosa VI. Manifestações Clínicas e Laboratoriais de Endoc ardite Infecciosa VII. Diagnóstico Clínico de Endocardite Infecciosa VIII. Normas de Colheita e Transporte de Sangue Par a Hemoculturas IX. Processamento Laboratorial das Amostras de Sang ue X. Profilaxia e Tratamento das Endocardites Infecci osas XI. Streptococcus spp. XII. Streptococcus do grupo viridans

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I. Noções Gerais Sobre Bacteriémia e Septicémia

Em linguagem médica corrente certos termos são frequentemente utilizados como sinónimos, tais como bacteriémia, septicémia e sépsis. Estas expressões, no entanto, definem situações bem distintas mas que podem surgir no contínuo de manifestações clínicas de uma infecção generalizada que pode levar à morte do doente. Assim temos:

� Bacteriémia – presença de bactérias na corrente sanguínea, evidente através de henoculturas positivas;

� Fungémia / Virémia / Parasitémia – presença de fungos, vírus ou parasitas na corrente sanguínea,

respectivamente;

� Septicémia – presença de microrganismos ou suas toxinas ou outros factores de virulência na cor-rente sanguínea;

� Sépsis – resposta inflamatória sistémia (evidente pela presença de 2 entre os seguintes critérios:

febre, hipotermia, leucocitose, leucopénia, taquicárdia ou taquipneia) de etiologia microbiana com-provada ou suspeita);

� Choque séptico – sépsis + hipotensão sistémica (apesar de adequada resposição de líquidos).

As bacteriémias podem ser classificadas de acordo com a sua duração: Bacteriémias transitórias – presença ”episódica” e de curta duração de microrganismos na corrente sanguínea (exs: após extracção dentária, cistoscopia, sigmoidoscopia, etc.); Bacteriémias intermitentes – presença “ocasional” de microrganismos na corrente sanguínea num período de tempo relativamente curto (por exemplo, devido a abcessos não drenados de localização intra-abdominal, pélvica, etc.); Bacteriémias contínuas – presença “permanente” de microrganismos na corrente sanguínea (exs: endocardites bacterianas agudas e subagudas).

II. Noções Gerais Sobre Infecções do Sistema Cardio -Vascular

Diversos microrganismos penetram no espaço intra-vascular sendo passivamente transportados pelo sistema circulatório quer em suspensão no plasma quer no interior de diversos componentes celulares do sangue.

Na maior parte dos casos esta passagem pela árvore circulatória é “curta” representando a disseminação de uma infecção localizada (como uma pielonefrite, pneumonia, abcesso abdominal, etc.). Noutras situações a infecção primária localiza-se no sistema vascular (ex: malária).

Em relação às infecções intra-vasculares, estas podem ser classificadas em três tipos, de acordo com a

sua localização: Endarterite – quando envolvem uma artéria; Flebite – quando se localizam no lúmen de uma veia; Endocardite – quando afectam a camada mais interior do coração – o endocárdio.

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As flebites infecciosas surgem, habitualmente, por disseminação directa a partir de um foco infeccioso adjacente (ex: zona de inserção de um catéter venoso) ou por infecção de próteses vasculares. As arterites infecciosas podem advir das mesmas causas que as flebites, ou ainda ocorrerem na ausência destas quando existe um alteração arterial congénita (ex: coartação da aorta) ou uma doença do endotélio arterial (ex: placas de ateroma), surgindo a infecção após um episódio de bacteriémia.

Podem também ocorrer processos infecciosos ou inflamatórios do tecido cardíaco. Estas classificam-se

de acordo com a camada atingida: Endocardite – no endocárdio; Miocardite – no miocárdio; Pericardite – no pericárdio. A miocardite, relativamente pouco frequente, resulta habitualmente de um processo inflamatório. Quando

resulta da acção de um microrganismo está, quase sempre, associada à pericardite, sendo ambas de etiolo-gia viral (mais frequentemente pelo vírus Coxsackie B).

A pericardite, a mais frequente das três inflamações cardíacas, pode também surgir em vários processos inflamatórios ou infecciosos. A etiologia microbiana mais prevalente é, também, viral (Coxsackie A e B, echovírus, papeira, etc), mas pode surgir na sequência de infecções bacterianas, micobacterianas, fúngicas ou parasitárias.

A endocardite será o tema da 5ª aula prática de Microbiologia. III. Noções Gerais Sobre Endocardite

A endocardite, enquanto processo inflamatório do endocárdio e do endotélio valvular cardíaco, pode estar associada a várias etiologias, condicionando designações distintas:

� Endocardite infecciosa – resulta da infecção por vários microrganismos; � Endocardite trombótica não bacteriana (ETNB) – definida pela formação de trombos ou vegetações

constituídos por plaquetas e fibrina em locais de endocárdio alterado (exs: válvulas lesadas, defeitos septais, etc); é um factor predisponente para endocardite infecciosa e distingue-se desta pela ausência de microrganismos nas vegetações; pode ainda ocorrer em associação com diversas patologias, recebendo denominações particulares:

o Endocardite marasmática – ETNB no contexto de doença maligna ou crónica; o Endocardite de Libman-Sachs – ETNB no contexto de lúpus eritematoso sistémico (LES) e

de síndrome dos anticorpos anti-fosfolípido (SAAF). A endocardite infecciosa define-se como uma infecção do revestimento endotelial do coração ocorrendo,

habitualmente, nas válvulas cardíacas. Mais raramente também se pode localizar nas cordas tendinosas, na parede auricular ou ventricular ou num defeito septal.

A maioria dos doentes apresenta um defeito cardíaco pré-existente, de origem congénita (ex: válvula aórtica bicúspide) ou adquirida (ex: lesão valvular após febre reumática), ou uma prótese valvular.

Além destes casos são ainda de realçar os toxicodependentes de drogas injectáveis que, devido aos baixos ou inexistentes cuidados de assépsia na administração endo-venosa, têm um risco aumentado devido aos microrganismos que injectam na sua própria circulação.

Outra noção importante, com relevância diagnóstica, é a localização destas infecções. Assim a

endocardite infecciosa afecta, quase exclusivamente, as válvulas do coração esquerdo (mitral e aórtica). A

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excepção a esta regra são os toxicodependentes em que a válvula tricúspide está atingida em mais de 50% dos casos. Epidemiologia

A incidência desta patologia em Portugal é desconhecida, mas diversos estudos nos EUA e Reino Unido apontam incidências entre 1,5 e 6 por cada 100 000 pessoas-ano.

Nas últimas décadas têm ocorrido alterações nas doenças cardíacas subjacentes à endocardite infecciosa com uma diminuição da febre reumática (devido à redução da incidência desta, em especial nos países desenvolvidos) e um aumento de:

� defeitos cardíacos congénitos (exs: válvula aórtica bicúspide, defeitos septais); � doenças degenerativas valvulares (exs: doença fibro-calcificante da válvula aórtica, prolapso da

válvula mitral); � próteses valvulares cardíacas (risco cumulativo de endocardite de 1,5 a 3% após 1 ano e 3 a 6%

após 5 anos).

Desta forma ocorreu uma alteração na faixa etária mais afectada por esta patologia: de indivíduos com menos de 30 anos no início do século XX para indivíduos com mais de 50 anos actualmente. O único aspecto que tem contrariado esta tendência é o aumento do número de toxicodependentes por drogas injectáveis, que são principalmente indivíduos jovens. Classificação

A endocardite pode ser classificada de acordo com a evolução temporal, local da infecção, agente

etiológico ou factor predisponente. Actualmente a classificação temporal corresponde às características e progressão da doença até ao diagnóstico. Assim temos:

Endocardite Aguda – sintomatologia de instalação rápida, febre elevada; rapidamente fatal se não tratada; Endocardite Sub-Aguda ou Crónica – progressão indolente, febre não tão elevada; diagnóstico mais difícil. A classficação de acordo com o factor predisponente , engloba três grandes categorias: � Endocardite em válvula nativa; � Endocardite em prótese valvular; � Endocardite em toxicodependente.

IV. Agentes Etiológicos Mais Frequentes de Endocard ite Infecciosa

Ao abordarmos os agentes etiológicos mais frequentes de endocardite infecciosa torna-se necessário seguir as duas formas de classificação atrás referidas.

A endocardite aguda é, habitualmente, provocada por microrganismos de alta virulência, sendo os mais frequentes:

� Staphylococcus aureus; � Bacilos Gram negativos; � Streptococcus pneumoniae ou Pneumococcus;

Em relação à endocardite sub-aguda ou crónica predominam microrganismos menos virulentos: � Streptococcus do grupo viridans; � Enterococcus spp.; � Staphylococcus coagulase negativos;

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� Grupo HACEK (Haemophilus spp., Actinobacillus spp., Cardiobacterium spp., Eikenella spp. e Kingella spp.);

� Fungos (principalmente Candida spp.).

Considerando os factores predisponentes temos: � Endocardite em Válvula nativa :

o S. viridans; o S. aureus; o Enterococcus spp.;

� Endocardite em Toxicodependentes :

o S. aureus; o S. viridans; o Enterococcus spp.; o Bacilos Gram negativos; o Polimicrobiana;

� Prótese valvular (até 1 ano após a colocação):

o Staphylococcus coagulase negativos; o S. aureus; o Candida spp.; o Enterococcus spp..

� Prótese valvular (após 1 ano):

o S. viridans; o S. aureus; o Staphylococcus coagulase negativos; o Enterococcus spp.

Além destes microrganismos existem outros agentes possíveis cujo isolamento em hemocultura não é possível. Este grupo de agentes de endocardite com hemocultura negativa, responsável por 2 a 10% de todas as endocardites diagnosticadas clinicamente, compreende microrganismos fastidiosos como Abiotrophia spp., Bartonella spp., Coxiella burnetti, Brucella spp., Tropheryma whipplei, entre muitos outros. V. Patogénese da Endocardite Infecciosa

A endocardite é uma infecção endógena adquirida quando os microrganismos que entram na corrente sanguínea aderem e se estabelecem nas válvulas cardíacas. Assim qualquer bacteriémia tem o potencial de originar uma endocardite.

No entanto, o endocárdio normal é resistente à infecção pela maioria dos microrganismos, mas a lesão do mesmo pode permitir a infecção directa por microrganismos virulentos ou o estabelecimento de trombos de fibrina e plaquetas (ETNB) aos quais os microrganismos podem posteriormente aderir. As lesões anatómicas cardíacas que mais frequentemente levam as estes quadros são a insuficiência mitral ou aórtica, a estenose aórtica, defeitos do septo ventricular e malformações congénitas complexas. Estas lesões e, consequentemente a endocardite, podem então surgir como sequela das seguintes patologias:

� Doença cardíaca reumática; � Prolapso da válvula mitral; � Doença cardíaca degenerativa; � Malformações congénitas; � Estados de hipercoagulabilidade (doenças neoplásicas / crónicas, LES, SAAF, etc).

Actualmente defende-se que para ocorrer adesão da maioria dos microrganismos às válvulas seja

necessária a existência prévia de vegetações de fibrina e plaquetas nas válvulas danificadas. A excepção a esta regra são os microrganismos mais virulentos (como S. aureus) que têm a capacidade de aderir ao

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endocárdio / endotélio normal. Em ambos os casos a adesão dos microrganismos depende, ainda, da capacidade destes de produzir dextrano extracelular, adesinas, proteínas de adesão à fibronectina ou outros factores de virulência.

Os microganismos que conseguem aderir ao endocárdio e sobreviver ao ataque inicial do sistema imuni-tário vão então induzir um estado de hipercoagulabilidade local que leva à activação da cascata da coagulação com deposição de fibrina e à agregação de plaquetas, constituindo, então, uma vegetação.

Nessas vegetações os microrganismos que se encontram mais profundamente mantêm-se num estado de inactividade metabólica, sendo resistentes à acção dos anti-microbianos. Pelo contrário os microrganis-mos mais superficiais são libertados continuamente na corrente sanguínea, podendo estabelecer-se noutros locais do organismo hospedeiro. VI. Manifestações Clínicas e Laboratoriais de Endoc ardite Infecciosa Manifestações clínicas

Os sinais e sintomas de endocardite infecciosa são muito variados mas resultam essencialmente de quatro processos:

� Infecção valvular e complicações locais intra-cardíacas; � Embolização séptica para outros órgãos; � Bacteriémia persistente; � Presença em circulação de imunocomplexos e outros factores.

Apesar da presença de sopros cardíacos indicar habitualmente a patologia cardíaca predisponente, a

lesão valvular ou rotura de cordas tendinosas provocadas pelo processo infeccioso local pode provocar o aparecimento de um novo sopro. A acção lesiva dos microrganismos a nível valvular pode provocar destruição dos folhetos valvulares, rotura das cordas tendinosas ou deiscência de próteses valvulares. A progressão da infecção para além do tecido valvular origina abcessos peri-valvulares que podem originar alterações do sistema cardionector com bloqueios da condução, miocardite, pericardite ou, em casos extremos, insuficiência cardíaca.

A embolização séptica ocorre em cerca de 50% dos doentes com endocardite infecciosa. Quando o processo primário se localiza nas válvulas esquerdas pode surgir oclusão arterial e enfarte em qualquer órgão (ex: miocárdio, cérebro, pele – lesões de Janeway ou necrose séptica –, intestino, baço, rim, etc). Se a origem for na válvula tricúspide pode ocorrer embolia pulmonar com pneumonia, abcesso pulmonar ou piopneumotórax.

A presença contínua de bactérias em circulação leva à libertação de citocinas, responsáveis pelo aparecimento de febre, suores nocturnos, astenia, mau estar geral, vómitos, anorexia e perda de peso. Em casos graves pode ocorrer choque séptico.

Os imunocomplexos formados podem provocar vários sintomas, consoante o local onde se depositam, sendo as mais frequentes a pele (nódulos de Osler, petéquias), retina (pontos ou manchas de Roth), membranas sinoviais (artrite) e rim (hematúria micro ou macroscópica, glomerulonefrite, insuficiência renal).

De uma forma geral, os sintomas mais frequentes são febre (80-90% dos casos), sopro cardíaco (80-

85%), calafrios, sudorese, astenia, anorexia e perda de peso (25-50%). Manifestações laboratoriais

As manifestações laboratoriais gerais mais frequentes são elevação da velocidade de sedimentação (> 90%), anemia (70-90%), proteinúria (50-65%), leucocitose (20-30%) e detecção de imunocomplexos em circulação (> 65%).

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VII. Diagnóstico Clínico de Endocardite Infecciosa

O diagnóstico definitivo de endocardite infecciosa só pode ser estabelecido a partir do exame histológico e microbiológico de vegetações obtidas durante uma cirurgia cardíaca ou na autópsia do doente. Apesar disso, existe um esquema de diagnóstico altamente sensível e específico que se baseia em dados clínicos, laboratoriais / microbiológicos e ecocardiográficos – os critérios de Duke :

Critérios Major : � Microrganismo/s típico/s de endocardite infecciosa isolado em 2 ou mais hemoculturas; � Evidência ecocardiográfica de envolvimento endocárdico: massa ou abcesso intra-cardíaco

oscilante; deiscência de prótese valvular; ou “nova” regurgitação valvular. Critérios Minor : � Factor predisponente (lesão cardíaca prévia ou toxicodependência); � Febre (temperatura ≥ 38º C); � Fenómenos vasculares: embolizações arteriais, enfarte séptico pulmonar, hemorragias conjuntivais,

hemorragia intra-craniana, lesões de Janeway, etc; � Fenómenos imunológicos: glomerulonefrite, nódulos de Osler, pontos de Roth, etc; � Evidência microbiológica: isolamento do mesmo microrganismo em apenas 1 hemocultura ou teste

serológico positivo para agente consistente com endocardite (exs: C. burnetti, Brucella spp., Bartonella spp., Legionella spp.).

O diagnóstico clínico é feito se existirem: � 2 critérios major; � 1 major e 3 minor, ou; � 5 minor.

No entanto, mesmo na presença destes critérios o diagnóstico é rejeitado se: � for obtido um diagnóstico alternativo; � os sintomas resolverem e não recorrerem após 4 ou menos dias de terapêutica antibiótica; � na cirurgia ou autópsia 4 ou menos dias após o início da terapêutica antibiótica não houver evidência

histológica de endocardite. VIII. Normas de Colheita e Transporte de Sangue Par a Hemoculturas

O sangue deve ser colhido, respeitando as normas gerais de colheita de produtos biológicos para exame microbiológico (ver página 11), através de punção de uma veia periférica, nunca através de catéter endo-venoso.

Procedimento: 1. Desinfectar o local de punção com solução alcoólica iodada de modo circular e do interior para a

periferia; 2. Deixar o anti-séptico secar completamente; 3. Desinfectar, do mesmo modo, a borracha do frasco de hemocultura; 4. Com agulha e seringa esterilizada colher um volume de sangue adequado de acordo com as

recomendações do laboratório – habitualmente: a. Crianças – 1-5 mL b. Adultos – 10-30 mL

5. Inocular o frasco sem mudar de agulha.

Caso seja necessário palpar a veia a puncionar após a desinfecção cutânea deve utilizar-se uma luva esterilizada ou desinfectar cuidadosamente os dedos que vão efectuar a palpação.

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Nunca colher sangue para apenas uma hemocultura. O indicado são 3 colheitas num período de 24 horas, sendo o intervalo entre as colheitas variável consoante a situação clínica em causa. Idealmente o intervalo de tempo entre a colheita de sangue para a primeira e a última cultura deve ser superior a 1 hora. Quando é necessário a colheita de mais de uma hemocultura sequencialmente esta deve ser realizada em diferentes veias periféricas.

Não é necessário realizar a colheita de sangue para hemocultura no pico febril. A amostra deve ser mantida à temperatura ambiente até poder ser enviada ao laboratório.

IX. Processamento Laboratorial das Amostras de Sang ue

Um vez no laboratório de Microbiologia as garrafas de hemocultura são colocados a incubar, durante 7 a 10 dias, em aparelhos com sistemas de detecção automática de crescimento de microrganismos. Estas sistemas baseiam-se na medição do CO2 produzido e alterações do pH dentro de cada garrafa.

No caso de haver detecção de crescimento dentro de uma garrafa procede-se então ao restante exame microbiológico:

� exame microscópico directo do líquido da garrafa após coloração de Gram;

� subcultura do meio líquido do frasco para meios de cultura sólidos (ex: gelose de sangue, MacConkey, ANC). Incubação em aerobiose a 35º C durante 18 a 24 horas;

� Identificação do/s microganismo/s e teste de susceptibilidade aos anti-microbianos quando se

verifica crescimento nos meios de cultura sólidos. X. Profilaxia e Tratamento das Endocardites Infecci osas Profilaxia

A profilaxia antibiótica está indicada em relação a alguns procedimentos invasivos, que se considera acarretarem um risco elevado de bacteriémia por microrganismos agentes de endocardite, em doentes com lesões cardíacas predisponentes a esta infecção.

Assim, os procedimentos invasivos mais tipicamente associados a bacteriémia por estes agentes são os tratamentos dentários (extracções, procedimentos periodontais, colocação de implantes, etc). Outros procedimentos que podem estar associados são:

� Procedimentos respiratórios – broncoscopias, cirurgias com envolvimento da mucosa; � Procedimentos gastro-intestinais – escleroterapia de varizes, CPRE, cirurgias, etc; � Procedimentos génito-urinários – citoscopias, cirurgias da próstata ou uretra, etc.

A selecção destes procedimentos está relacionada com o habitat típico de alguns microrganismos

agentes de endocardite. Assim, por exemplo, os S. viridans fazem parte da flora microbiana indígena da cavidade oral, oro e nasofaringe, enquanto os Enterococcus spp. se encontram nos tractos gastro-intestinal e génito-urinário.

Os doentes que devem receber profilaxia antibiótica relacionada com um destes procedimentos devidem-

se em 2 grupos: � Doentes de risco elevado – portadores de próteses valvulares, doenças cardíacas congénitas

complexas, coarctação da aorta, canal arterial patente, etc; � Doente de risco moderado – algumas doenças cardíacas congénitas (como defeitos do septo

ventricular não corrigidos ou válvula aórtica bicúspide), disfunção mitral ou aórtica adquirida, cardiomiopatia hipertrófica e prolapso da válvula mitral.

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A escolha do antibiótico a utilizar depende de vários factores, principalmente do tipo de procedimento (que implica risco de bacteriémia por agentes distintos) e do nível de risco do doente. Na maioria dos casos recorre-se a amoxicilina administrada 1 hora antes do procedimento. Pode também optar por:

� claritromicina 1 h antes do procedimento; � ampicilina com ou sem gentamicina associada nos 30 min. anteriores ao procedimento; � vancomicina com ou sem gentamicina associada nos 30 min. anteriores.

Em doentes com predisposição a manutenção de uma boa higiene oral e o tratamento agressivo das

infecções localizadas também parecem diminuir o risco de bacteriémia e endocardite infecciosa. Tratamento

A completa erradicação das bactérias das vegetações é difícil já que este local é relativamente inacessí-vel às defesas do hospedeiro e as bactérias encontram-se num estado de inactividade metabólica. Uma vez que todas as bactérias numa vegetação devem ser destruídas, a antibioticoterapia num caso de endocardite deve ser feita com fármacos bactericidas durante períodos prolongados (nunca inferior a 4 semanas). Geralmente os fármacos são administrados por via parentérica de forma a obter elevadas concentrações séricas dos mesmos que, por difusão, vão atingir concentrações eficazes nas zonas mais profundas das vegetações.

Idealmente a terapêutica só deve ser iniciada após a identificação do agente etiológico e determinação do seu padrão de susceptibilidade aos anti-microbianos. Este facto deve ser pesado em cada doente, consi-derando o risco de progressão da doença.

Quando necessária, a escolha de antibioticoterapia empírica deve ter em conta os factores de risco do doente (por exemplo num doente consumidor de drogas injectáveis deve cobrir MRSA e bacilos Gram negativos). Na maioria dos casos a utilização de vancomicina + gentamicina é eficaz. A escolha de outros esquemas pode estar indicada consoante os dados clínicos (ex: num doente com um foco infeccioso conhecido – pneumonia, meningite, etc) e epidemiológicos (ex: espectro de susceptibilidade num dado hospital ou comunidade).

Em relação à terapêutica dirigida esta varia consoante o agente isolado. As opções mais frequentemente

utilizadas são:

Streptococcus spp.: � penicilina ± aminoglicosídeo; � vancomicina;

Enterococcus spp.: � penicilina ou ampicilina + aminoglicosídeo; � vancomicina + aminoglicosídeo;

Staphylococcus spp.: � penicilina resistente às β-lactamases ± aminoglicosídeo ± rifampicina; � cefalosporina ± aminoglicosídeo; � vancomicina ± aminoglicosídeo ± rifampicina;

Grupo HACEK: � ceftriaxona; � ampicilina + aminoglicosídeo.

Em casos graves e bem definidos o recurso à intervenção cirúrgica pode ser uma opção válida. Como exemplos de situações em que esta está indicada temos:

� insuficiência cardíaca congestiva devida a disfunção valvular; � deiscência parcial de prótese valvular; � bacteriémia persistente apesar da terapêutica antibiótica ideal; � ausência de terapêutica microbicida eficaz (ex: endocardite por fungos ou Brucella spp.); � complicações intra-cardíacas de endocardite.

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XI. Streptococcus spp. Ver páginas 21-22. XII. Streptococcus do grupo viridans

O grupo viridans de Streptococcus spp. engloba um conjunto heterogéneo de estreptococos α e γ-hemo-líticos. É composto por várias espécies que se classificam em 5 grupos:

� Grupo Anginosus – S. anginosus, S. intermedius; � Grupo Mitis – S. mitis, S. pneumoniae, S. sanguis;

� Grupo Mutans – S. mutans;

� Grupo Salivarius;

� Grupo Bovis – S. bovis.

A maioria destes microrganismos não possuem um carbohidrato específico na parede celular, apesar de poderem reagir com vários carbohidratos distintos. Dessa forma os elementos deste grupo não podem ser agrupados de acordo com a classificação de Lancefield.

Tal como os restantes Streptococcus spp. as espécies viridans são microrganismos fastidiosos só crescendo em meios suplementados com sangue e, frequentemente, em atmosferas capnofílicas (5-10% de CO2).

Do ponto de visto epidemiológico os Streptococcus viridans colonizam a cavidade oral, oro e nasofaringe e os tractos gastro-intestinal (GI) e génito-urinário. As principais infecções associadas a este grupo são:

� cáries dentárias; � endocardite sub-aguda; � infecções supurativas intra-abdominais.

Alguns microrganismos do grupo estão particularmente associados a algumas patologias (exs: S.

sanguis e S. mitis � endocardite; S. mutans � cáries dentárias). Isto é particularmente importante para S. bovis que se associa muito fortemente a doenças malignas do tracto GI principalmente neoplasias colo-rectais.

A maioria dos S. viridans são susceptíveis (pelo menos parcialmente) à penicilina, sendo este o antibióti-co de primeira escolha nas infecções por estes agentes. Nos casos de resistência moderada à penicilina recorre-se à combinação de penicilina com um aminoglicosídeo. Em infecções graves por estirpes resisten-tes à penicilina utiliza-se uma cefalosporina de espectro alargado ou vancomicina.

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6ª AULA: Infecção Urinária I. Noções Gerais Sobre Infecções do Tracto Urinário II. Agentes Etiológicos Mais Frequentes de Infecçõe s do Tracto Urinário III. Patogénese das Infecções do Tracto Urinário IV. Normas de Colheita e Transporte de Urina Para E xame Microbiológico V. Processamento Laboratorial das Amostras de Urina VI. Tratamento das Infecções do Tracto Urinário VII. Enterobacteriaceae VIII. Escherichia coli IX. Klebsiella spp. X. Proteus spp. XI. Diagnóstico Laboratorial de Infecções por Enterobacteriaceae XII. Meio de Kligler

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I. Noções Gerais Sobre Infecções do Tracto Urinário

As infecções do tracto urinário (ITU) encontram-se entre as infecções mais frequentes no Homem, só ultrapassadas pelas infecções do aparelho respiratório, tendo, no entanto, um número limitado de agentes etiológicos.

A sua prevalência é particularmente elevada no sexo feminino, sendo que 20 a 30% das mulheres têm ITU recorrentes em algum momento da sua vida. No sexo masculino estas infecções são menos frequentes e ocorrem principalmente após os 50 anos de idade.

Apesar da maioria destas infecções serem agudas e de curta duração, acarretam uma morbilidade significativa para os indivíduos afectados. Certas infecções graves podem mesmo provocar uma perda de função renal com graves consequências a longo prazo.

Para o estudo das ITU torna-se fundamental distinguir alguns conceitos:

Bacteriúria assintomática: Definida pela presença de bactérias no tracto urinário na ausência de sintomas. De uma forma geral o seu significado clínico é controverso, sendo valorizável apenas nos casos de: � crianças (em que a ausência de tratamento pode levar a lesão renal crónica); � mulheres grávidas (devido ao risco de progressão para pielonefrite e infecção fetal); � doentes que vão efectuar procedimentos invasivos que envolvem o aparelho urinário (como

resultado da instrumentação pode desenvolver-se septicémia); � doentes submetidos a transplante renal ou imunocomprometidos.

Cistite Termo aplicado a ITU confinada à bexiga. Sintomas associados: � disúria; � polaquiúria; � urgência ou tenesmo miccional. Laboratorialmente surge: � leucocitúria ou piúria (presença de células inflamatórias na urina); � bacteriúria (bactérias na urina); � hematúria (sangue ou eritrócitos na urina) micro ou macroscópica.

Pielonefrite Corresponde a uma inflamação do rim sendo uma forma de infecção mais invasiva do que a forma

exclusivamente vesical. Quadro clínico sugestivo: � sintomas de cistite; � febre; � dor lombar; � mal estar geral; � cefaleias; � naúseas. Pode estar associado a sinais e sintomas de bacteriémia. Quadro Laboratorial: � sinais de cistite; � leucocitose; � elevação dos parâmetros de fase aguda.

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II. Agentes Etiológicos Mais Frequentes de Infecçõe s do Tracto Urinário

Quando consideramos as ITU é necessário distinguir duas circunstâncias em que ocorrem: por uma lado as infecções na comunidade e, por outro, as infecções nosocomiais (ou hospitalares), sendo as últimas particularmente associadas à algaliação e representando cerca de 40% de todas as infecções em meio hospitalar. Esta divisão tem, também, importância em relação aos principais agentes etiológicos. Infecções adquiridas na comunidade

1. Escherichia coli – cerca de 80%; 2. Staphylococcus saprophyticus – 10%; 3. Proteus mirabilis – 5%; 4. Klebsiella spp. 5. Outros Gram negativos (exs: Enterobacter spp., Serratia spp., Pseudomonas aeruginosa); 6. Outros Gram positivos (exs: Enterococcus spp., S. aureus, S. epidermidis).

Infecções nosocomiais

1. E. coli – 40%; 2. Outros Gram negativos (exs: Enterobacter spp., Serratia spp., Pseudomonas aeruginosa) – 25%; 3. Outros Gram positivos (exs: Enterococcus spp., S. aureus, S. epidermidis) – 16%; 4. Proteus mirabilis; 5. Klebsiella spp.; 6. Candida spp. É importante ter em conta que o aumento da incidência de ITU dos grupos “Outros Gram positivos” e

“Outros Gram negativos” quando se compara as infecções adquiridas na comunidade com as infecções nosocomiais se deve, principalmente, à selecção destes microrganismos no meio hospitalar devido à sua capacidade de desenvolver resistências a múltiplos anti-microbianos e à frequência de procedimentos invasivos do tracto urinário, particularmente algaliação. O mesmo se aplica a Candida spp., particularmente importante em indivíduos submetidos a antibioticoterapia de largo espectro. Outros agentes menos frequentes

� Bactérias: o Chlamydia trachomatis; o Mycoplasma spp., Ureaplasma urealyticum; o Corynebacterium spp.; o Lactobacilos; o Anaeróbios; o Salmonella Typhi; o Mycobacterium tuberculosis;

� Vírus: o Poliomavírus humanos (JC e BK); o Citomegalovírus (CMV); o Adenovírus; o Vírus da papeira; o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV);

� Fungos:

o Histoplasma capsulatum; � Parasitas:

o Trichomonas vaginalis; o Schistossoma haematobium.

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III. Patogénese das Infecções do Tracto Urinário No doente não algaliado

As ITU da comunidade surgem habitualmente por entrada e ascensão de microrganismos através da uretra até à bexiga – via ascendente. Estas infecções podem, ocasionalmente, ascender até ao rim e, em casos raros, provocar bacteriémia.

A vagina e uretra distal estão normalmente colonizadas por várias espécies de difteróides, estreptoco-cos, lactobacilos e estafilococos, mas não pelas bactérias entéricas Gram negativas que provocam a maioria das ITU. No entanto em mulheres com predisposição para o desenvolvimento destas infecções estes bacilos (que habitualmente residem no tracto gastro-intestinal) podem colonizar a vagina, a uretra distal e a pele peri-uretral. Os factores que predispõem a esta colonização não estão totalmente esclarecidos mas pensa-se que a alteração da flora vaginal (provocada por terapêutica antibiótica, infecções ou contraceptivos) possa ter um papel importante. Mesmo um pequeno número de bactérias na região peri-uretral parece ser suficiente para a ascensão através da uretra até à bexiga, o que será facilitado pelas relações sexuais. A consequente infecção vesical depende da interacção entre a patogenicidade da estirpe, o tamanho do inóculo e as defesas locais e sistémicas do hospedeiro.

Em condições normais as bactérias que atingem a bexiga são rapidamente eliminadas pelos efeitos de limpeza e diluição da urina, pelas propriedades anti-bacterianas da urina e da mucosa vesical e pela acção dos leucócitos que invadem o epitélio da bexiga logo após a infecção. No sexo masculino as secreções prostáticas também contribuem para a defesa local.

Outra via possível, mas menos frequente, é a disseminação hematogénica de bactérias até ao rim,

sendo este a primeira porção do tracto urinário a ser infectada – via hematogénea ou descendente. Esta situação ocorre mais frequentemente em casos de infecção por estafilococos ou Candida spp. na sequência de infecções disseminadas com origem em qualquer parte do organismo ou, menos frequentemente, na tuberculose renal.

Estão muito associadas a indivíduos debilitados por doenças crónicas ou terapêuticas imunossupres-soras. No doente algaliado

Pela sua importância e enorme prevalência torna-se importante abordar isoladamente a patogénese das ITU nos doentes algaliados. Neste caso o risco de infecção é de 3-5% por cada dia de algaliação e as bactérias associadas apresentam uma prevalência muito superior de resistência aos anti-microbianos. Alguns factores associados a um maior risco de ITU nos doentes algaliados são o sexo feminino, a presença concomitante de doenças graves e alterações do sistema de algaliação. A infecção pode ocorrer por duas vias:

� Via intraluminal – migração através do lúmen da algália; � Via peri-uretral – entre a algália e a parede uretral.

No primeiro caso os microrganismos atingem o sistema de algaliação através das mãos dos prestadores

de cuidados de saúde ou de soluções ou instrumentos contaminados. Na segunda situação (mais frequente no sexo feminino) são os microrganismos da flora indígena que colonizam a superfície externa da algália na zona de contacto com a pele peri-uretral, de forma semelhante ao que ocorre nos indivíduos não algaliados. Condições que predispõem à ocorrência de ITU

Factores do hospedeiro: � Algaliação � Sexo feminino – a uretra mais curta e mais próxima do ânus e zonas externas circundantes, a

proximidade da flora vaginal e a ausência de secreções prostáticas contribuem para a predisposição; � Relações sexuais – facilitam a entrada e subida de microrganismos através da uretra; � Condições que impedem o esvaziamento completo da bexiga – gravidez, obstrução (exs: por

hipertrofia prostática, tumores, estenoses, cálculos), etc; � Refluxo vesico-ureteral; � Disfunção vesical neurogénica.

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Factores do microrganismo: � Capacidade de adesão ao uroepitélio – ex: fímbria P de E. coli uropatogénicas; � Antigénios capsulares (K); � Hemolisinas (E. coli) – capacidade de lesar o rim; � Urease (Proteus spp.).

IV. Normas de Colheita e Transporte de Urina Para E xame Microbiológico

Existem 5 métodos de colheita de urina para exame microbiológico: � Técnica do jacto médio � Punção de algália � Punção supra-púbica � Saco colector � Punção de catéter de nefrostomia / ureterostomia

Técnica do jacto médio Preferir a primeira urina da manhã.

1. Lavar as mãos e genitais externos com água e sabão; 2. Enxaguar a região peri-uretral muito bem com água ou soro fisiológico, de preferência esterilizados; 3. Afastar os grandes lábios / prepúcio com uma das mãos; 4. Desperdiçar o primeiro terço do jacto urinário; 5. Recolher o jacto médio para um recipiente esterilizado; 6. Desperdiçar a restante quantidade de urina; 7. Ter cuidado para não tocar com a abertura do recipiente nos genitais externos, coxas e roupa.

Punção de algália

1. Clampar a algália durante 10-15 minutos; 2. Desinfectar a área a puncionar (borracha do tubo colector) com solução alcoólica; 3. Aspirar com seringa esterilizada 5 a 20 mL; 4. Enviar a própria seringa ou colocar o seu conteúdo num recipiente esterilizado.

Punção supra-púbica

1. Assegurar que o doente tem a bexiga repleta de urina; 2. Desinfectar a pele da região supra-púbica com solução alcoólica; 3. Com agulha e seringa esterilizadas puncionar a pele e bexiga ao nível do terço inferior da linha

imaginária vertical que une o umbigo à sínfise púbica; 4. Aspirar a urina; 5. Colocar em recipiente esterilizado ou enviar a própria seringa;

Saco colector Técnica utilizada em crianças sem controlo dos esfíncteres.

1. Lavar com água e sabão a área genital, limpar com água esterilizada e secar com compressa esteri-lizada;

2. Aplicar um saco autocolante estéril; 3. Após a criança urinar transferir a urina para recipiente esterilizado.

Se 30 minutos após a colocação do saco a criança ainda não tiver urinado deve-se retirar o mesmo e

colocar um novo após repetir os passos de lavagem, limpeza e secagem.

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Punção de catéter de nefrostomia / ureterostomia Técnica utilizada em doentes com catéter de nefrostomia ou ureterostomia colocado.

1. Desinfectar o catéter com solução alcoólica; 2. Puncionar e aspirar com agulha e seringa esterilizada; 3. Colocar em recipiente esterilizado ou enviar a própria seringa.

Acondicionamente, transporte e observações

A amostra deve ser transportada o mais rapidamente possível até ao laboratório de Microbiologia uma vez que deve ser processada no máximo uma hora após a colheita. Caso tal não seja possível a amostra deve ser mantida a 4º C e processada até 24 horas após a colheita.

Na suspeita de pielonefrite é sempre aconselhável colher, simultaneamente, sangue para hemoculturas. O método de colheita, caso não se trate da técnica do jacto médio, deve ser sempre indicado na

requisição ao laboratório de Microbiologia. V. Processamento Laboratorial das Amostras de Urina Exame Directo

O exame directo das amostras de urina pode ser realizado a partir da amostra de urina total ou do sedimento urinário. Envolve quatro métodos, efectuados consoante a suspeita clínica.

Testes rápidos a partir de urina total: � Detecção enzimática com “tiras teste” que detectam nitritos (compostos que resultam da redução dos

nitratos pela acção da enzima nitrato redutase presente na maioria dos bacilos Gram negativos) e leucócitos (a partir da reacção da enzima esterase leucocitária).

Exame microscópico a fresco do sedimento urinário: � Permite fazer o diagnóstico imediato de algumas situações (ex: Schistossoma haematobium); � Utilizado principalmente para avaliar a qualidade das amostras (através da observação e

quantificação de células epiteliais, leucócitos, eritrócitos, bactérias, fungos, etc). Exame microscópico após coloração Gram do sedimento urinário: � Detecta bacilos e cocos e classifica-os em Gram positivos ou negativos; detecta ainda leveduras. Exame microscópico após coloração de Ziehl-Neelsen do sedimento urinário: � Efectua-se apenas quando há suspeita clínica de infecção por micobactérias.

Exame cultural

O exame cultural é sempre efectuado a partir da amostra de urina total. Os meios de cultura habitualmente utilizados são a Gelose de sangue e o meio de MacConkey, sendo as

amostras incubadas em aerobiose durante 18 a 24 horas. Pode também utilizar-se o meio de Sabouraud para crescimento de leveduras.

Em caso de suspeita de tuberculose renal efectua-se ainda a cultura em meio de Löwenstein-Jensen ou outro meio adequado para o crescimento de micobactérias.

Em relação às amostras de urina é fundamental a avaliação quantitativa do exame cultural. Assim: � < 103 colónias / mL � habitualmente não valorizável, visto tratar-se, provavelmente, de um caso de

contaminação por flora comensal vaginal ou uretral; valorizável em determinadas circunstâncias de colheita (punção supra-púbica ou por nefrostomia) ou de infecção (ex: tuberculose renal);

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� entre 103 e 105 colónias / mL � avaliação clínica é fundamental (quadro clínico, antibioterapia, etc); deve-se considerar eventual repetição para confirmação;

� ≥ 105 colónias / mL � sempre valorizável se há crescimento de um só tipo de colónias. No caso de haver mais de um poderá tratar-se de uma contaminação (ex: doente algaliado) ou de infecção poli-microbiana.

A avaliação quantitativa é feita realizando a sementeira com ansas calibradas de 1 e 10 µL (0,001 e 0,01

mL, respectivamente). Por exemplo, usando uma ansa de 1 µL interpreta-se da seguinte forma: � crescimento de 1 colónia na placa � 103 colónias / mL; � crescimento superior a 100 colónias na placa � > 105 colónias / mL.

VI. Tratamento das Infecções do Tracto Urinário Bacteriúria assintomática

O tratamento deve ser efectuado apenas nas circunstâncias definidas como valorizáveis (ver I. Noções Gerais Sobre Infecções do Tracto Urinário). Nestes casos a terapêutica é feita como se se tratasse de uma cistite. Cistite

Cistites adquiridas na comunidade não complicadas resolvem espontamente em 4 semanas em 40% dos casos. Um conselho habitualmente útil para estes doentes é a ingestão de grandes quantidades de líquidos que aumentam o processo normal de limpeza das vias urinárias. A associação de terapêutica anti-microbiana justifica-se por diminuir a sintomatologia associada a estas infecções, reduzir o tempo de cura e assegurar a erradicação do agente causador.

Actualmente existem esquemas terapêuticos de curta duração (apenas uma dose, ou doses durante cerca de 3 dias) mas o período de administração mais utilizado continua a ser de 7 dias. Na escolha empírica de um antibiótico existem várias opções potencialmente válidas mas habitualmente utiliza-se co-trimoxazol, uma quinolona (como ciprofloxacina) ou nitrofurantoína. Nas grávidas pode utilizar-se amoxicilina com ou sem ácido clavulânico, uma cefalosporina de 1ª ou 2ª geração, nitrofurantoína ou co-trimoxazol.

Esta opção deve ter em conta os dados epidemiológicos disponíveis, nomeadamente: � infecção da comunidade ou nosocomial; � agentes microbianos mais frequentemente isolados; � susceptibilidade desses agentes aos anti-microbianos, etc.

O tratamento deverá ser confirmado ou corrigido após o isolamento do agente etiológico e da execução

do antibiograma respectivo. Nesta situação dever-se-à escolher o anti-microbiano de espectro mais restrito, menor toxicidade e custo mais reduzido.

A correcção dos factores predisponentes do hospedeiro (ex: algália) pode facilitar e acelerar o processo de cura da infecção.

Pielonefrite

No caso de pielonefrite o tempo recomendado de tratamento é de 7 a 14 dias, devendo sempre prolongar-se enquanto o doente apresentar sintomatologia. O tratamento empírico generalizado é desaconselhado, devendo ser reservado para situações complicadas. A terapêutica após o resultado do exame microbiológico deve ter em conta a importância da utilização de fármacos bactericidas e da associação de antibióticos com acção sinérgica (ex: β-lactâmico + aminoglicosídeo). Devem ainda corrigir-se quaisquer factores predisponentes presentes no hospedeiro (exs: retirar a algália, extrair cálculos, etc), já que na presença destes a erradicação total dos microrganismos se torna quase impossível.

Assim na doença ligeira a moderada, sem náuseas ou vómitos, o doente pode ser tratado em ambulatório com um dos antibióticos utilizados na cistite (à excepção da nitrofurantoína que tem uma acção

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apenas desinfectante local e não propriamente antibiótica). Nas restantes situações os doentes devem ser internados e realizar terapêutica parentérica com uma das seguintes opções:

� quinolona; � gentamicina (associada a ampicilina nos casos mais graves); � cefalosporina de 3ª geração; � aztreonam; � imipenem.

VII. Enterobacteriaceae

A família Enterobacteriaceae compreende 32 géneros e mais de 130 espécies, entre as quais se incluem alguns dos bacilos Gram negativos mais importantes na prática médica.

As Enterobacteriáceas são microrganismos ubíquos, podendo ser encontrados no solo, água e vegetação e fazendo parte da flora intestinal normal da maioria dos animais, incluindo o Homem. São bactérias muito virulentas sendo responsáveis por várias doenças no ser humano incluindo cerca de 30% de todas as septicémias, 80% de todas as ITU e várias infecções gastro-intestinais.

Dentro da família é necessário distinguir três tipos de microrganimos: � Aqueles que estão sempre associados a doença (exs: Salmonella Typhi, Shigella spp., etc); � Aqueles que são membros da flora comensal e provocam infecções oportunistas (exs: E. coli,

Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis, etc); � Aqueles que são membros da flora e se tornam patogénicos quando adquirem genes de factores de

virulência (ex: E. coli associadas a gastroenterite). Quanto à origem das infecções provocadas por estes microrganismos consideramos também três tipos: � Zoonose – reservatório animal (exs: maioria das Salmonella spp., Yersinia spp.); � Antroponose – reservatório humano (exs: Shigella spp., S. typhi); � Disseminação endógena num hospedeiro susceptível (ex: E. coli).

Quanto às características estas bactérias são, como já se disse, bacilos Gram negativos. Além disso são

imóveis ou móveis por flagelos perítricos (ex: Proteus), anaeróbios facultativos e crescem numa variedade de meios de cultura não-selectivos (ex: Gelose de sangue) ou selectivos (exs: meio de MacConkey, meio SS, etc). São ainda fermentadores da glicose, redutores dos nitratos, catalase positivos e oxidase negativos (o que as permite distinguir da maioria dos restantes bacilos Gram negativos patogénicos).

Apresentam, no entanto, certas diferenças dentro da família que permitem distinguir os vários géneros: � Fermentação da lactose – lactose positivos: Escherichia spp., Klebsiella spp., etc; lactose negativos:

Proteus spp., Salmonella spp., Shigella spp., Yersinia spp., etc; � Grande resistência aos sais biliares – Salmonella spp. e Shigella spp.; � Presença de cápsula proeminente – Klebsiella spp. e certas estirpes de E. coli. A classificação serológica das diferentes espécies é feita com base em três tipos de antigénios: � polissacáridos somáticos O; � antigénios capsulares K; � proteínas flagelares H.

Factores de virulência

Entre os factores de virulência comuns a todas as enterobacteriáceas encontram-se: � Lipopolissacárido – comum à maioria das bactérias Gram negativas; libertada quando ocorre a lise

celular; provoca manifestações sistémicas evidentes, através da activação do complemento e libertação de citocinas, tais como leucocitose, trombocitopénia, coagulação intra-vascular dissemina-da (CID), febre, choque e morte;

� Cápsula – impede a fagocitose; � Variação de fase antigénica;

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� Sistema de secreção tipo III; � Sequestração de factores de crescimento.

VIII. Escherichia coli

O género Escherichia contem 5 espécies sendo E. coli a mais comum e clinicamente mais importante. É um microrganismo muito virulento, provocando uma grande variedade de doenças devido à grande variedade de factores de virulência que apresenta. Possui vários antigénios O, H e K que são utilizados para classificar as estirpes para fins epidemiológicos. Factores de virulência

Além dos factores gerais da família a que pertence possui vários outros que podem ser agrupados em adesinas e exotoxinas Adesinas

� CFA I, II, e III – antigénios dos factores de colonização; � AAF I e III – fímbrias de adesão agregativa; � Bfp – “bundle-forming pili”; � Intimina ; � Fímbria P (essencial para a uropatogenicidade); � Proteína Ipa ; � Fímbria Dr .

Exotoxinas

� Toxinas Shiga – Stx-1 e -2; � Toxinas termo-estáveis – STa e b; � Toxinas termo-lábeis – LT–I e –II; � Hemolisinas – HlyA (importante para E. coli uropatogénicas);

Epidemiologia

E. coli está presente em grande quantidade no tracto gastro-intestinal, sendo a maioria das infecções endógenas, ou seja, são as bactérias do indivíduo que produzem infecção quando as defesas deste estão comprometidas ou quando acedem a um local onde a sua presença é agressiva (ex: tracto urinário). As excepções a este facto são a meningite neo-natal (resulta de disseminação a partir da mãe) e a gastroenterite (bactérias endógenas que adquiriram novos factores de virulência). Principais Doenças Associadas

� Septicémia – E. coli é o agente etiológico mais frequente entre os bacilos Gram negativos; � Endocardite / Bacteriémia; � UTI – principal agente etiológico; � Meningite neo-natal – provocado pelo serótipo capsula K1; � Gastroenterite (6 grupos de estirpes específicas); � Infecções abdomino-pélvicas – peritonite, apendicite, diverticulite, abcessos, etc; � Pneumonia; � Celulite, Osteomielite.

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Terapêutica

E. coli é um microrganismo que tem desenvolvido resistência a inúmeros antibióticos nas últimas décadas. Actualmente existe já um número elevado de estirpes resistentes à ampicilina e a resistência à amoxicilina + ácido clavulânico, piperacilina, cefalosporinas de 1ª geração e co-trimoxazol tem aumentado de forma preocupante.

Entre os antibióticos aos quais existem menos de 10% de estirpes deste microrganismo resistentes encontram-se as cefalosporinas de 2ª e 3ª geração, quinolonas, monobactamos, carbapenemos e aminogli-cosídeos. Apesar disto, e dada a frequência de aquisição de plasmídeos contendo ESBLs, é provável que a resistência a alguns destes fármacos venha a aumentar nos próximos anos. IX. Klebsiella spp.

Os membros deste género possuem uma cápsula proeminente que é responsável pela aparência mucóide que apresentam as colónias isoladas e pela virulência dos organismos in vivo.

Além de se encontrar no tracto gastro-intestinal, também coloniza habitualmente a pele e a nasofaringe.

Cerca de um terço dos indivíduos são portadores destas bactérias nas fezes, subindo este número para 90 a 100% em crianças saudáveis e adultos hospitalizados e/ou sob antibioticoterapia.

A espécie mais frequentemente isolada é K. pneumoniae, que pode provocar pneumonia lobar primária adquirida na comunidade, tal como K. oxytoca. Os alcoólicos, imunocomprometidos e doentes com função pulmonar diminuída estão em maior risco de desenvolver pneumonia a este agente devido à sua incapacidade de eliminar as secreções orais aspiradas para o tracto respiratório inferior. A pneumonia a Klebsiella spp. frequentemente envolve a destruição necrótica dos espaços alveolares, a formação de cavidades e a produção de expectoração hemoptóica (tipicamente descrita como cor de tijolo).

Estas bactérias podem ainda provocar ITU, infecções de feridas e de tecidos moles. Outras espécies importantes dentro deste género são: � K. granulomatis – agente do granuloma inguinal ou donovanose (termo derivado da anterior

designação desta bactéria – Donovania granulomatis) � K. rhinoscleromatis – provoca uma doença granulomatosa da mucosa nasal designada rinoscleroma; � K. ozaenae – agente de rinite crónica atrófica.

Terapêutica

K. pneumoniae e K. oxytoca são microrganismos intrinsecamente resistentes à ampicilina e com resis-tência crescente às cefalosporinas de 3ª geração, habitualmente mediada por ESBLs. Os plasmídeos que contêm os genes que codificam estas enzimas, possuem frequentemente genes que conferem resistência a aminoglicosídeos, quinolonas, tetraciclinas e co-trimoxazol. Além disso a resistência a combinações de β-lactâmico / inibidor das β-lactamases e cefalosporinas de 2ª geração, independente dos plasmídeos que contêm ESBL, também tem aumentado de forma alarmante.

Actualmente a resistência a quinolonas, cefalosporinas de 4ª geração e amicacina verifica-se em menos de 10% das estirpes, mas tenderá a aumentar nos próximos anos. Os carbapenemos mantém-se os antibióticos mais activos contra Klebsiella spp. X. Proteus spp.

As bactérias desta género apresentam grande mobilidade devido à presença de flagelos, o que faz com que em cultura apresentem um aspecto particular em franja (“swarming”).

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A ITU provocada por P. mirabilis é a infecção mais frequente provocada por membros deste género. Esta espécie tem a capacidade de produzir grandes quantidades da enzima urease, que degrada a ureia em dióxido de carbono e amónia, provocando o aumento do pH urinário e facilitando a formação de cálculos renais. O aumento da alcalinidade da urina é ainda tóxico para o uroepitélio. Clinicamente a produção de urease também permite a suspeita de infecção a Proteus spp. já que provoca a alteração do cheiro da urina (também sentido nas culturas em placa).

Apesar da diversidade serológica deste organismo a capacidade infecciosa não está associada a

nenhum serogrupo em particular. Curiosamente, ao contrário do que ocorre E. coli, a presença de pili em P. mirabilis parece diminuir a sua virulência ao facilitar a fagocitose do bacilo.

Além de P. mirabilis também P. vulgaris pode provocar ITU no Homem, sendo muito menos frequente.

Esta distinção pode ser importante já que P. vulgaris é tipicamente mais resistente aos anti-microbianos que P. mirabilis.

Em casos raros e muito particulares (ex: imunocomprometidos) estas espécies podem ainda provocar

infecções de feridas, pneumonia e septicémia. Terapêutica

P. mirabilis mantém-se susceptível à maioria dos anti-microbianos à excepção das tetraciclinas. A resistência à ampicilina e cefalosporinas de 1ª geração surge em 10 a 50% das estirpes. Pelo contrário a resistência a estes fármacos é a regra em P. vulgaris e P. penneri.

Os carbapenemos, cefalosporinas de 4ª geração, aminoglicosídeos, co-trimoxazol e quinolonas são activos contra 90 a 100% das estirpes deste género. XI. Diagnóstico Laboratorial de Infecções por Enterobacteriaceae

No diagnóstico microbiológico das infecções pelos membros da família Enterobacteriaceae utilizam-se quatro tipos de métodos:

� Exame directo; � Exame cultural; � Provas bioquímicas; � Testes serológicos. No diagnóstico diferencial entre os vários géneros e espécies são particularmente úteis o exame cultural

e as provas bioquímicas, já que o exame directo não permite esta distinção e os testes serológicos são apenas utilizados em procedimentos de investigação ou situações clínicas particulares (ex: síndrome hemolítico urémico provocado por E. coli O157:H7).

A distinção por provas bioquímicas é habitualmente realizada recorrendo a kits de identificação

disponíveis comercialmente, que fornecem resultados em cerca de 24 horas (ex: API). Estes kits baseiam-se nas diferentes características metabólicas das várias espécies, encontrando-se fora do âmbito da disciplina de Microbiologia. Exame cultural

Para distinguir estas microrganismos utilizam-se habitualmente três meios de cultura: � Meio de Gelose de sangue; � Meio de MacConkey; � Meio de Kligler. Os dois primeiros meios utilizam-se sempre que há suspeita de infecção por enterobacteriáceas (assim

como por qualquer outro microrganismo) independentemente do local de infecção. A utilização nos laborató-

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rios de Microbiologia Clínica do meio de Kligler restringe-se praticamente aos casos de suspeita de gastrenterite bacteriana. Crescimento em meio de gelose de sangue

Este meio enriquecido, não selectivo, permite o crescimento de bactérias Gram positivas e Gram negativas, assim como de leveduras. É útil na avaliação geral dos microrganismos presentes numa amostra de urina ou outra.

Possibilita ainda avaliar certas características dos microrganismos como a aparência mucóide típica dos microrganismos capsulados (Klebsiella spp. ou E. coli capsuladas) ou o “swarming” de Proteus spp. Crescimento em meio de MacConkey

Meio selectivo que permite o crescimento dos bacilos Gram negativos (fermentativos como

Enterobacteriaceae e não fermentativos como Pseudomonas aeruginosa), contendo violeta de cristal e sais biliares (que impedem o crescimento de cocos Gram positivos) e um indicador de pH.

Possibilita ainda a distinção entre: � bacilos Gram negativos fermentadores da lactose ou lactose positivos – acidificam o meio �

colónias rosa escuro (exs: E. coli e Klebsiella spp.); � bacilos Gram negativos não fermentadores da lactose ou lactose negativos – não acidificam o meio

� colónias transparentes (exs: Proteus spp., Pseudomonas spp., Salmonella spp. e Shigella spp.). XII. Meio de Kligler Objectivo

Este meio permite detectar três características das bactérias: � Capacidade de fermentar a glicose e a lactose. � Produção de ácido sulfídrico (H2S); � Produção de gás a partir da fermentação dos hidratos de carbono.

Constituição do meio

� Glicose e lactose numa razão aproximada de 1 / 10; � Proteínas; � Indicador de pH.

Procedimento

1. Picar a colónia a estudar com um fio recto; 2. Semear na rampa do tubo; 3. Perfurar o meio até ao fundo do tubo; 4. Incubar 18 a 24 horas a 37º C deixando a tampa mal enroscada (para permitir entrada de oxigénio).

Princípio

As Enterobacteriaceae (e todas as bactérias fermentadoras da glicose) começam por metabolizar a glicose, mais fácil de usar que todos os outros sacáridos (como a lactose), pois estes têm que ser convertidos em glicose antes de entrarem na via glicolítica. A utilização da glicose é efectuada aerobicamente na zona da rampa do tubo (onde existe oxigénio) e anaerobicamente na zona do fundo do tubo.

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Quando uma bactéria consegue utilizar a glicose aeróbica e anaerobicamente, o meio é todo acidificado e cerca de 6 horas após a incubação a rampa e o fundo do tubo ficam amarelos. Se a bactéria não fermenta a glicose o tubo fica vermelho (e exclui-se a hipótese de se tratar de uma Enterobacteriaceae).

Após a depleção de glicose (em escassa quantidade, cerca de 10 vezes inferior à da lactose) o

microrganismo inicia a utilização da lactose como fonte energética (desde que possua as enzimas necessárias). Nesse caso a rampa e o fundo do tubo mantêm-se amarelos após 18 a 24 horas de incubação e conclui-se que o microrganismo é fermentador da glicose e da lactose. Pode ainda haver ou não produção de gás (visível no fundo do tubo).

Se, por outro lado, a bactéria não tem a capacidade de utilizar a lactose do meio, tem de produzir energia

de um modo menos eficiente, usando as proteínas que o meio possui. O metabolismo proteico ocorre primeiramente na rampa (onde há contacto com o O2) e os produtos de degradação (ex: amónia) sendo alcalinos vão provocar nova viragem do indicador de pH para a sua cor original (vermelho). Assim após 18 a 24 horas de incubação de uma estirpe bacteriana não fermentadora de lactose o tubo apresenta-se vermelho na rampa mantendo o fundo amarelo (devido à metabolização anaeróbica da glicose que ocorre mais lentamente) concluindo-se assim que o microrganismo é fermentador da glicose mas não da lactose.

Quer as bactérias lactose positivas quer as lactose negativas podem produzir H2S ficando o fundo do

tubo preto (mascarando por vezes a sua verdadeira cor).

Na figura 3 podemos ver 7 tubos com meio de Kligler. O tubo “C” corresponde ao meio de Kligler não

inoculado, apresentando uma coloração laranja-avermelhada em todo o tubo. No tubo “1” observamos o crescimento de uma bactéria que não fermenta a glicose nem a lactose. Corresponde, neste caso, a Pseudomonas aeruginosa.

O tubo “2” apresenta uma bactéria fermentadora da glicose mas não da lactose, representando o padrão típico da Shigella spp. No tubo “3” vemos o padrão de Salmonella spp., uma bactéria fermentadora da glicose mas não da lactose, tal como Shigella spp., mas ainda produtora de H2S, pelo que a coloração preta provocada pela produção deste ácido obscurece a quase totalidade do tubo. Para perceber melhor o comportamento da bactéria poderíamos observar o tubo várias vezes durante o período de 24 horas, o que nem sempre é praticável.

No tubo “4” é possível observar o crescimento de uma bactéria que fermenta a glicose e a lactose e produz gás. Isto é o comportamento habitual de Escherichia spp. e de Klebsiella spp. A diferença em relação ao tubo “4A” deve-se ao facto de, provavelmente, o tubo ter sido incubado durante um período de tempo superior pelo que já houve alguma fermentação de proteínas, originando a ligeira coloração avermelhada na zona da rampa.

Finalmente o tubo “5” representa uma variante do habitualmente visto. Assim temos uma bactéria fermentadora da glicose e da lactose e produtora de H2S e gás. Isto poderá corresponder a uma de duas situações bastante raras: ou uma E. coli produtora de H2S ou uma Salmonella spp. fermentadora da lactose.

Figura 3 – Padrões de crescimento em Meio de Kligler

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7ª AULA: Pneumonia em Doente Ventilado I. Noções Gerais Sobre Pneumonia II. Patogénese da Pneumonia III. Pneumonia Adquirida na Comunidade IV. Pneumonia Nosocomial V. Normas de Colheita e Transporte de Amostras Biol ógicas do Aparelho Respira-

tório Inferior VI. Diagnóstico Microbiológico de Pneumonia VII. Terapêutica e Prevenção da Pneumonia VIII. Pseudomonas aeruginosa IX. Acinetobacter spp. X. Legionella spp.

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I. Noções Gerais Sobre Pneumonia

A pneumonia é definida como um processo infeccioso que afecta os alvéolos pulmonares, as vias respiratórias distais e o interstício pulmonar. Do ponto de vista anátomo-patológico caracteriza-se pela condensação do parênquima pulmonar e pelo preenchimento dos alvéolos por leucócitos, eritrócitos e fibrina. Por outro lado, do ponto de vista clínico a pneumonia é caracterizada por dois aspectos:

� um conjunto de sinais e sintomas sugestivos (ver II. Pneumonia Adquirida na Comunidade – Quadro Clínico);

� a presença de, pelo menos, uma condensação ou infiltrado de surgimento ou progressão recente na radiografia de tórax.

Considerando as características anátomo-patológicas, clínicas e radiológicas é possível distinguir quatro padrões distintos de pneumonia:

Pneumonia lobar – envolve classicamente todo o lobo de um pulmão de forma relativamente homogé-

nea e evolui em quatro estadios (congestão, hepatização vermelha, hepatização cinzenta e resolu-ção);

Broncopneumonia – corresponde a uma condensação irregular que envolve um ou vários lobos pulmo-

nares, apresentanto limites pouco marcados; afecta principalmente as regiões posteriores e inferiores dos pulmões;

Pneumonia intersticial – processo inflamatório que envolve predominantemente o interstício pulmonar,

incluindo as paredes alveolares e o tecido conjuntivo que rodeia a árvore bronco-vascular; padrão característico da maioria das pneumonias virais; a infecção bacteriana secundária pode originar um padrão misto de inflamação intersticial e do espaço alveolar;

Pneumonia miliar – consiste na presença de numerosas lesões bem delimitadas, resultantes de dis-

seminação hematogênea; ocorre, tipicamente, na tuberculose, histoplasmose e coccidioidomicose. Outra forma muito útil de classificar as pneumonias, com relevância clínica, etiológica, diagnóstica e

terapêutica, relaciona-se com o local de aquisição da infecção: � pneumonia adquirida na comunidade (PAC); � pneumonia adquirida em meio hospitalar (PAH) ou nosocomial (PN).

Dentro das PN existe ainda um sub-grupo importante que diz respeito às pneumonias associadas à

ventilação mecânica invasiva (PAV). Alguns clínicos e autores defendem ainda a existência de um terceiro tipo de pneunomia distinta da PAC e PN – a pneumonia adquirida em lar. II. Patogénese da Pneumonia Vias de infecção

Existem cinco vias pelas quais os microrganismos podem atingir o tracto respiratório inferior em quantidade suficiente para iniciar um processo patológico:

� aspiração maciça; � microaspiração; � aerossolização; � disseminação hematogénica; � disseminação directa a partir de um foco adjacente.

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A via mais comum pela qual se estabelece uma pneumonia bacteriana é através da microaspiração de secreções da orofaringe colonizadas por microrganismos patogénicos, nomeadamente Streptococcus pneumoniae (Pneumococcus) ou Haemophilus influenzae. Esta colonização pode ocorrer em indivíduos saudáveis mas é mais prevalente em indivíduos com co-morbilidades significativas (por exemplo doença pulmonar obstrutiva crónica – DPOC), antibioticoterapia recente ou outra condição de stress fisiológico.

A aspiração maciça ocorre, habitualmente, no pós-operatório ou em indivíduos com lesões do sistema nervoso central que afectem o processo da deglutição (convulsões, AVCs, etc). O estabelecimento de infecção por esta via envolve, tipicamente, microrganismos anaeróbios e bacilos Gram negativos.

A disseminação hematogénica ocorre no contexto de endocardite, infecções de cateteres endo-venosos ou infecções de outras localizações anatómicas como, por exemplo, o tracto urinário. Os microrganismos habitualmente envolvidos são Staphylococcus aureus e Escherichia coli.

A aerossolização é a via pela qual microrganismos como Mycobacterium tuberculosis, fungos endêmicos (como Histoplasma capsulatum), Legionella spp., Coxiella burnetti e muitos vírus respiratórios alcançam os pulmões.

A disseminação directa a partir de um foco adjacente é uma via de infecção muito mais rara quando comparada com as restantes acima consideradas. Factores microbianos

Os microrganismos que têm capacidade de infectar as vias respiratórias inferiores utilizam várias formas de inutilizar e evitar as defesas do hospedeiro. No entanto antes de iniciarem a sua acção patogénica os microrganismos têm de aderir à mucosa que reveste o tracto respiratório inferior. De forma a conseguirem esta adesão possuem características distintas:

� ácido lipoteicóico – Streptococcus spp. e S. aureus; � proteína M – Streptococcus pyogenes; � fímbrias – Enterobacteriaceae, Legionella spp., Pseudomonas spp., Bordetella pertussis e

Haemophilus spp.; � hemaglutininas – Vírus influenzae e parainfluenzae; � etc.

Uma vez conseguida a adesão os microrganismos estão, então, em condições de utilizarem os seus

restantes factores de virulência, tais como: � produção de toxinas – Corynebacterium diphteriae, Pseudomonas aeruginosa, B. pertussis; � produção de enzimas extracelulares que lesam as células e tecidos do hospedeiro – Streptococcus

spp., S. aureus; � interferência com a função dos macrófagos e neutrófilos – vírus, S. pneumoniae, Pneumocystis

jiroveci, Legionella spp., Listeria spp., Chlamydophila spp., M. tuberculosis; � cápsula polissacarídica – S. pneumoniae, H. influenzae, K. pneumoniae, P. aeruginosa, N.

meningitidis; � factor ciliostático – Mycoplasma pneumoniae; � protease da IgA secretora – S. pneumoniae, N. meningitidis; � etc.

Factores do hospedeiro

Certos factores do hospedeiro podem contribuir para o estabelecimento ou para a maior gravidade de uma pneumonia. Entre estes os mais importantes são:

� comprometimento da resposta imunitária – exs: hipogamaglobulinémia, neutropenia, asplenia, redução da quantidade de linfócitos T CD4+ ou macrófagos alveolares;

� alterações anatómicas – exs: obstrução brônquica, bronquiectasia; � polimorfismos genéticos – associados a alguns genes como, por exemplo, os que codificam o factor

de necrose tumoral (TNF) ou os receptores das imunoglobulinas.

No doente internado numa instituição hospitalar existem ainda outros factores importantes no desenvolvi-mento deste quadro patológico. Entre os factores que afectam as defesas do tracto respiratório superior e facilitam a aspiração maciça e microaspiração encontram-se:

� entubação endotraqueal; � entubação naso-gástrica.

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Além de afectar estas defesas a entubação endotraqueal aumenta ainda de várias outras formas o risco de pneumonia, nomeadamente:

� serve como canal directo para a introdução de bactérias no tracto respiratório inferior; � impede a eficácia do reflexo da tosse; � lesa o epitélio traqueal; � permite a acumulação de secreções orofaríngeas.

Além disso a presença de dispositivos naso-traqueais ou naso-gástricas aumenta o risco de desenvolvi-

mento de sinusite hospitalar que se constitui como um importante factor de risco para o desenvolvimento de PAV posterior.

Os doentes internados em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) correm ainda alto risco de aspiração devido a:

� refluxo gástrico pela manutenção na posição de decúbito; � introdução de sonda gástrica para alimentação entérica; � grande volume gástrico.

III. Pneumonia Adquirida na Comunidade

A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é uma infecção com grande impacto social. Apresenta uma incidência de 8 a 15 casos em cada 1000 indivíduos por ano, com taxas mais elevadas nos extremos da idade e durante os meses de Inverno.

Os principais factores de risco para PAC são, por ordem decrescente de importância, alcoolismo, asma, imunossupressão e idade superior a 70 anos. De salientar que os doentes alcoólicos crónicos apresentam alta incidência de pneumonia por bactérias Gram negativas, apresentam um quadro clínico mais grave e necessitam de terapêutica antibiótica mais prolongada que os restantes doentes. Quadro clínico e imagiológico

Considerando as manifestações clínicas, apresentação imagiológica e terapêutica é vulgar dividir-se a pneumonia em típica e atípica. Esta designação, apesar de algo ultrapassada pelos mais recentes dados epidemiológicos, etiológicos e clínicos, mantem alguma utilidade do ponto de vista de categorização.

A pneumonia dita “típica” apresenta-se inicialmente de forma aguda, súbita e marcante com: � febre; � tosse, habitualmente com expectoração; � dispneia.

De forma menos frequente, podem ainda surgir dor torácica do tipo pleurítico, calafrios, cefaleias, astenia

ou alterações do estado de consciência. Raramente existem náuseas, vómitos, diarreia, mialgias, artralgias, etc.

O exame objectivo habitualmente revela: � febre; � taquicardia; � taquipneia; � semiologia pulmonar de condensação (macissez à percussão, aumento da transmissão das

vibrações vocais à palpação e fervores crepitantes e egofonia à auscultação).

O padrão radiológico clássico da pneumonia típica é de condensação, ou seja, uma hipotransparência bem delimitada ocupando um lobo pulmonar (pneumonia lobar) ou várias hipotransparências em vários lobos (broncopneumonia ou pneumonia miliar).

Em relação às pneumonias “atípicas” estas apresentam, geralmente os mesmos sinais e sintomas que

as pneumonias típicas à excepção da semiologia de condensação, tipicamente menos exuberante ou mesmo ausente. No entanto, neste caso o início do quadro é insidioso ou sub-agudo e mais marcado pelos sintomas extra-pulmonares anteriormente mencionados. Frequentemente os sintomas pulmonares surgem alguns dias após os sintomas gerais, mantendo-se ambos durante toda a evolução da doença.

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Nos exames imagiológicos verifica-se, habitualmente, um padrão intersticial. Frequentemente existe também uma dissociação clínico-radiológica (quadro clínico muito exuberante e poucas alterações imagiológicas ou o oposto). Etiologia

Existem mais de 100 agentes etiológicos descritos de PAC entre os quais se encontram bactérias, vírus, fungos e parasitas. Entre os agentes mais frequentes encontram-se:

� Streptococcus pneumoniae (cerca de 50% dos casos com agente etiológico identificado); � Mycoplasma pneumoniae; � Haemophilus influenzae; � Staphylococcus aureus; � Chlamydophila pneumoniae; � Klebsiella pneumoniae.

Os restantes microrganismos são mais raros mas alguns merecem destaque, nomeadamente Moraxella

catarrhalis, Legionella spp., Pseudomonas aeruginosa, Streptococcus pyogenes, Chlamydophila psitacci, vírus influenzae, adenovírus e vírus sincicial respiratório (RSV).

De salientar também que o diagnóstico etiológico de PAC representa, ainda actualmente, um grande desafio na prática clínica já que em cerca de 70% dos casos não é possível determinar qual o microrganismo (ou microrganismos) responsável pela infecção.

Em relação à distinção entre pneumonia típica e atípica considera-se que agentes como Pneumococcus,

H. influenzae e S. aureus são característicos de pneumonia típica enquanto os agentes mais frequentemente associadas a pneumonia atípica são M. pneumoniae, Chlamydophila spp., Legionella spp. e todos os vírus. IV. Pneumonia Nosocomial

A definição clássica de PN compreende as infecções que ocorrem pelo menos 48 horas após o internamento e não estavam em incubação na altura do internamento. Apresenta uma incidência de 5-10 casos por cada 1000 internamentos, sendo a segunda infecção hospitalar mais comum (correspondendo a cerca de 30% das mesmas). A mortalidade estimada é de 30 a 70%.

Recentemente surgiu um novo conceito – a pneumonia associada aos cuidados de saúde (HCAP) – que se refere à pneumonia que surge num indivíduo com internamento prévio nos últimos 3 a 6 meses, com residência num lar ou instituição no mesmo período, que frequentou um centro de diálise ou outra instalação de cuidados de saúde hospitalares nos últimos 30 dias, entre muitos outros casos. A HCAP apresenta uma etiologia sobreponível à PN e deve ser abordada e tratada da mesma forma.

Por outro lado a PAV é definida como sendo a pneumonia que ocorre após pelo menos 48 horas de ventilação mecânica. Calcula-se que a incidência de pneumonia nos doentes ventilados é entre 6 a 20 vezes superior em relação aos restantes doentes hospitalizados, atingindo cerca de 30% destes doentes após 15 dias de entubação endotraqueal. Quadro clínico

O quadro clínico da PN é idêntico ao da PAC, sendo de salientar que a sintomatologia é, frequentemente, menos evidente, e a semiologia é menos importante e fiável. Estes factores condicionam uma maior dificuldade no diagnóstico desta entidade.

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Etiologia

Apesar dos agentes etiológicos de PN serem praticamente os mesmos que provocam PAC a sua frequência é distinta nas duas situações. Na PN os agentes etiológicos predominantes são:

� Bactérias Gram negativas (isolados em cerca de 65% dos casos):

o P. aeruginosa; o Enterobacter spp.; o K. pneumoniae; o Acinetobacter spp.; o Outras (E. coli, Serratia spp., H. influenzae, Legionella spp., etc);

� Bactérias Gram positivas:

o S. aureus (agente mais frequente de PN); o Outras (principalmente S. pneumoniae).

Em comparação com a PAC, a etiologia polimicrobiana é também bastante mais frequente na PN. De referir ainda que em cerca de 50% dos casos não é possível obter uma determinação fiel da etiologia. Em relação à PAV a distribuição dos diferentes agentes etiológicos é sobreponível à PN em geral. V. Normas de Colheita e Transporte de Amostras Biol ógicas do Aparelho Respirató-rio Inferior

As amostras biológicas do aparelho respiratório inferior que mais frequentemente são utilizadas no exame microbiológico são a expectoração, as secreções brônquicas (SB) e o lavado bronco-alveolar (LBA). Entre estas a mais utilizada é, pela maior facilidade de obtenção, a expectoração. No caso da PAV a sedação dos doentes, de forma a permitir a entubação e ventilação assistida, impede a colheita de expectoração pelo que se deve recorrer, como primeira opção, a outro tipo de amostra.

Além destas podem ainda ser utilizadas outras amostras nomeadamente escovados brônquicos, aspirados trans-traqueais ou pulmonares e biópsias brônquicas ou pulmonares.

Na suspeita de pneumonia além de produtos do aparelho respiratório inferior deve sempre colher-se também sangue para hemoculturas. Expectoração

A colheita deve ser efectuada, de preferência, sob a supervisão de um técnico de saúde. Sempre que possível deve colher-se a primeira expectoração da manhã, respeitando o seguinte procedimento:

1. Lavar a boca e gargarejar apenas com água; 2. Instruir o doente para obter uma amostra, se possível, após tosse profunda; 3. Colher para um recipiente estéril e seco, de boca larga e tampa de rosca.

A amostra deve ser desprezada se contiver restos alimentares ou saliva em abundância. Caso o doente apenas consiga eliminar espontaneamente escassas quantidades de expectoração este pode ser induzida através da nebulização de soro fisiológico ou após cinesiterapia respiratória.

Quando a amostra não pode ser transportada de imediato ao laboratório deve ser refrigerada a 4º C. Outras amostras

As SB são obtidas por aspiração endotraqueal e devem ser colocadas num recipiente semelhante ao utilizado para a expectoração.

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O LBA é obtido durante uma broncoscopia, através de instilação e aspiração de uma solução não bacteriostática de soro fisiológico através do broncoscópio encravado num segmento brônquico. A quantidade de líquido a instilar não deve ser inferior a 120 mL de forma a obter uma boa amostra das secreções alveolares. A recolha deve ser realizada para 3 recipientes distintos, secos e estéreis que devem ser enviados ao laboratório devidamente identificados pela ordem de colheita. A primeira amostra (fracção brônquica) deve ser processada separadamente para pesquisa de microrganismos particulares (micobactérias, Legionella spp. e fungos). As duas amostras finais são usadas no restante exame microbiológico. VI. Diagnóstico Microbiológico de Pneumonia

No diagnóstico de pneumonia podem utilizar-se os seguintes métodos: � exame microscópico directo; � exame cultural; � testes serológicos; � testes de detecção de antigénios.

Exame microscópico directo Coloração pelo método de Gram

Este método permite avaliar a qualidade da amostra (número de células epiteliais e número de leucócitos), principalmente no caso de expectoração, mas este “rastreio” também é aplicável às amostras de SB ou de LBA (já que estes dois tipos de produtos biológicos podem, tal como a expectoração, ser contaminados com flora das vias aéreas superiores no momento da colheita).

Especificamente em relação às amostras de expectoração deve realizar-se um esfregaço, corá-lo pelo método de Gram e observá-lo numa ampliação de 10x. Aplicam-se, então, os seguintes critérios para a aceitação ou rejeição da amostra para o restante exame microbiológico:

� menos de 25 células epiteliais e mais de 25 leucócitos por campo microscópico � Aceitar; � mais de 25 células epiteliais e/ou menos de 25 leucócitos por campo � Rejeitar.

Considera-se a amostra de expectoração como ideal quando apresenta menos de 10 células epiteliais e

pelo menos 25 leucócitos por campo de microscopia óptica com ampliação de 10x. Estes critérios não se aplicam no caso de doentes neutropénicos ou se se suspeitar de nfecção por microrganismos que não fazem parte da flora normal da orofaringe (como Mycobacterium spp., Legionella spp. ou Mycoplasma spp., por exemplo). Nestas situações, independentemente da qualidade da amostra, deve prosseguir-se com o exame microbiológico, pelo que a avaliação da mesma é dispensável.

Além disto a observação ao microscópio óptico (MO) deste tipo de amostras respiratórias pode sugerir

determinados agentes bacterianos como causa de infecção respiratória baixa. Exemplos: � diplococos Gram positivos � S. pneumoniae; � cocos Gram positivos em “cacho” � S. aureus; � cocobacilos Gram negativos pleomórficos � H. influenzae.

Colorações para bacilos ácido-álcool resistentes (BAAR)

A coloração de um produto biológico (habitualmente expectoração) pelo método de Ziehl-Neelsen permite detectar a presença de BAAR, tipicamente associados a infecção por Mycobacterium spp. (mais frequentemente M. tuberculosis). Existem, no entanto, outras bactérias que podem apresentar características de BAAR, como os géneros Nocardia spp. ou Rhodococcus spp.

A coloração de auramina (que requer observação ao microscópio de fluorescência) não permite determi-nar a presença de BAAR, mas serve como método de triagem destes produtos, pela facilidade de execução e rapidez de observação. Um resultado positivo com auramina deve ser confirmado através do Ziehl-Neelsen.

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Outros métodos de coloração

Existem ainda outros métodos de coloração de amostras biológicas para o diagnóstico etiológico de infecções respiratórias baixas. Exemplos:

� Metenamina prata, azul de toluidina e imunofluorescência (directa ou indirecta) com anticorpos monoclonais – para pesquisa de P. jiroveci (os primeiros dois métodos de coloração, apesar de menos sensíveis que o terceiro, também permitem a observação de outros fungos);

� Imunofluorescência directa com anticorpos monoclonais ou policlonais para pesquisa de Legionella spp. e de Chlamydia spp.

Exame cultural

No diagnóstico de pneumonia o exame cultural de amostras do tracto respiratório e outras (como sangue

e líquido pleural) é fundamental para o isolamento do/s agente/s etiológico/s e por permitir a realização do teste de susceptibilidade aos anti-microbianos.

Os meios de cultura habitualmente utilizados são: � gelose de sangue; � gelose de sangue com ANC; � gelose de chocolate com bacitracina – favorece o crescimento selectivo de H. influenzae (impede o

crescimento da maioria dos cocos Gram positivos e Neisseriaceae); � meio de MacConkey – no caso de haver suspeita de bacilos Gram negativos (principalmente P.

aeruginosa e Klebsiella spp.).

A incubação é feita a 37º C, durante um mínimo de 18 a 24 horas, em atmosfera com 5 a 10% de CO2. Podem ainda ser utilizados outros meios específicos para determinados agentes etiológicos consoante a

suspeita clínica em cada caso (exs: BCYE-α para Legionella spp., Löwenstein-Jensen para Mycobacterium spp., etc). Testes serológicos

São utilizados no diagnóstico de infecções por microrganismos cuja cultura é difícil como, por exemplo, Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila spp., Coxiella burnetii, Legionella spp. e certos vírus. Testes de detecção de antigénios

A detecção de antigénios de microrganismos específicos na urina pode ser conseguida através de testes específicos. Na prática clínica utilizam-se ensaios através do método de ELISA para detecção de Legionella pneumophila do serogrupo 1 e de S. pneumoniae.

Ambos os testes têm maior sensibilidade e especificidade no caso de infecções graves. Os testes para detecção de antigénios de Pneumococcus não devem ser utilizados em crianças por não ser possível distinguir os casos de infecção dos de colonização. VII. Terapêutica e Prevenção da Pneumonia

A terapêutica inicial da pneumonia, devido à sua gravidade e alta taxa de mortalidade, é quase sempre empírica. Na selecção dos antibióticos a utilizar é necessário considerar os factores de risco para determinados agentes que o doente em causa apresenta. Assim, alguns dados que podem influenciar a escolha do esquema terapêutico são a idade, uso recente de antibióticos, residência em lar, doenças concomitantes (DPOC, bronquiectasias, infecção pelo HIV, etc) ou imunossupressão.

No caso da PAC as opções habitualmente utilizadas são: � macrólido (claritromicina ou azitromicina); � quinolona (levofloxacina, moxifloxacina, gatifloxacina);

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� macrólido associado a β–lactâmico – penicilina (amoxicilina ± ácido clavulânico, ampicilina) ou cefalosporina de 2ª ou 3ª geração (cefuroxima, ceftrixona, cefotaxima).

Em casos cuja gravidade da PAC implica o internamento do doente é sempre obrigatória a administração

concomitante de dois antibióticos. Na presença de factores de risco para infecção por P. aeruginosa (bronquiectasias, desnutrição, corticoterapia, infecção pelo HIV e antibioticoterapia de largo espectro recen-te) recomenda-se a associação de ciprofloxacina com um carbapenemo (imipenem ou meropenem) ou com uma penicilina activa contra este agente (piperacilina + tazobactam).

A antibioticoterapia deve ser mantida por um período mínimo de 10 a 14 dias. No caso de infecção por Legionella spp., P. aeruginosa ou outros bacilos Gram negativos este período deve ser alargado para um mínimo de 21 dias.

No caso da PN é necessário ter um bom conhecimento do padrão de resistência aos antibióticos na

instituição de saúde em causa. A opção terapêutica mais utilizada é um β-lactâmico (cefuroxima, ceftriaxona ou piperacilina + tazobactam). Em caso de alergia aos β-lactâmicos opta-se por uma quinolona (levofloxaci-na, moxifloxacina ou gatifloxacina). Numa instituição com alta prevalência de MRSA deve associar-se vancomicina a um dos antibióticos anteriores.

Na suspeita de infecção por P. aeruginosa ou Acinetobacter spp. utiliza-se um aminoglicosídeo ou ciprofloxacina em associação com um β-lactâmico (piperacilina + tazobactam, cefepima, imipenem ou mero-penem). Prevenção

As medidas preventivas aconselhadas incluem: � evicção tabágica; � vacina anti-influenza; � vacina anti-pneumocócica; � uso criterioso de terapêuticas imunossupressoras; � tratamento da infecção HIV; � etc.

A medida mais importante na prevenção da PN, tal como das restantes infecções hospitalares, é a

lavagem das mãos pelos profissionais de saúde. Nos doentes ventilados além das medidas acima indicadas aconselha-se ainda:

� redução dos dias de entubação; � utilização de tubo endotraqueal com lúmen posterior separado para aspiração das secreções; � substituição de sonda naso-gástrica por sonda naso-duodenal ou naso-jejunal; � elevação da cabeceira da cama a pelo menos 30º.

VIII. Pseudomonas aeruginosa

Os microrganismos do género Pseudomonas são ubíquos podendo ser encontrados em ambientes tão distintos como o solo, matéria orgânica em decomposição, vegetação ou água. Esta variabilidade de localização reflecte a extraordinária capacidade de adaptação destes microrganismos já que utilizam várias fontes de carbono para se desenvolverem, conseguem sobreviver em soluções salinas concentradas e, embora a temperatura óptima de crescimento seja 37º C, toleram um intervalo de 4 a 42º C sendo, deste modo, capazes de infectar vertebrados de sangue quente e frio, insectos e plantas.

Pseudomonas spp. são bacilos Gram negativos móveis através de flagelos polares e não esporulados.

São microganismos não fermentadores e aeróbios obrigatórios, apesar de poderem crescer anaerobicamente na presença de nitratos ou arginina como o aceitador final de electrões. Outra característica importante é a presença da enzima oxidase que permite a distinção com outros bacilos Gram negativos com grande importância em termos de patologia humana, as Enterobacteriaceae.

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Este género compreende, actualmente, 10 espécies distintas sendo P. aeruginosa a mais importante e a que será discutida a partir daqui. Exemplos de outras espécies são P. fluorescens, P. putida e P. stutzeri. Patogénese

Entre os factores de virulência desta espécie encontram-se: � cápsula polissacarídica ; � pili e adesinas ; � lipopolissacárido ; � piocianina – impede a função ciliar; activa a resposta inflamatória; produz radicais livres de oxigénio; � exotoxinas A, S e T – inibem a síntese proteica, são imunossupressoras e lesam os tecidos; � elastase ; � protease alcalina ; � hemolisinas – fosfolipase C e ramnolípido;.

A piocinina é um pigmento difundível de cor azulada que tem, também, um papel na virulência deste

microrganismo. Além deste P. aeruginosa tem a capacidade de produzir outros pigmentos difundíveis nomeadamente fluoresceína (amarelo) e piorrubina (vermelho-acastanhado). Estes pigmentos são úteis na identificação da bactéria. Epidemiologia

Como vimos anteriormente todas as Pseudomonas spp. têm a capacidade de sobreviver em inúmeros ambientes. Desta forma P. aeruginosa pode ser encontrada em vários habitats tanto na comunidade como no hospital, preferencialmente em ambientes húmidos. Esta circunstância pode determinar o surgimento de surtos epidémicos intra-hospitalares em larga escala. Alguns dos reservatórios deste microrganismo no hospital e na comunidade são:

� desinfectantes (ex: clorohexidina); � cosméticos; � soluções de limpeza (ex: gotas oculares); � piscinas; � soluções estéreis (por exemplo de diálise peritoneal ou de hemodiálise); � materiais injectáveis (ex: em toxicodependentes); � equipamentos de diagnóstico (ex: broncoscópios); � equipamentos terapêuticos (exs: pacemakers, nebulizadores, algálias); � equipamentos de blocos operatórios (ex: aspiradores); � próteses ortopédicas.

P. aeruginosa não faz, habitualmente, parte da flora comensal dos seres humanos. A prevalência da

colonização varia consoante a localização anatómica. A mais frequente é a fecal, que em indivíduos saudáveis não ultrapassa os 15%, aumentando, no entanto, em indivíduos hospitalizados, particularmente os que estão sob antibioterapia, expostos a equipamento terapêutico respiratório ou sujeitos a períodos prolongados de internamento (podendo ascender a 60%). Outros locais “húmidos” do corpo humano podem ser colonizados por este agente patogénico, nomeadamente a mucosa naso-faríngea, as axilas e o períneo. A importância deste dado em certos doentes imunodeprimidos reflecte-se nas superiores taxas de bacteriémia e mortalidade em indivíduos colonizados por P. aeruginosa, comparativamente com os não colonizados.

Apesar de altamente virulenta esta espécie raramente provoca infecções em indivíduos saudáveis.

Alguns factores de risco predispõe a infecções por P. aeruginosa: � infecção pelo HIV (principalmente com contagem de CD4+ inferior a 50 células/µL); � fibrose quística; � toxicodependentes de drogas injectáveis; � diabetes mellitus; � diálise peritoneal; � queimaduras; � neoplasias ou quimioterapia; � corticoterapia;

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� manipulação do aparelho urinário e/ou algaliação prolongada; � uso de equipamentos de terapêutica respiratória invasiva (ex: ventilação mecânica); � dispositivos de monitorização intra-vascular; � terapêutica anterior com antibióticos de largo espectro.

Doenças associadas

� Infecções respiratórias – traqueobronquite, broncopneumonia, pneumonia; � Infecções cutâneas – de queimaduras, foliculite, paroníquia; � Infecções do tracto urinário; � Infecção do ouvido – otite externa, otite média crónica; � Infecções oculares – podendo originar úlceras da córnea; � Infecções do SNC – meningite, abcessos; � Bacteriémia / Endocardite; � Outras.

Este microrganismo é um dos mais importantes agentes causadores de infecções nosocomiais, principal-

mente infecções respiratórias baixas e do tracto urinário. Diagnóstico microbiológico

No diagnóstico de infecções por P. aeruginosa utilizam-se os seguintes métodos: � exame microscópico directo; � exame cultural; � provas bioquímicas.

O exame microscópico directo habitualmente não é de grande utilidade já que não permite a distinção

entre P. aeruginosa e outros bacilos Gram negativos (como as Enterobacteriaceae). Devido às suas necessidades nutricionais simples este microrganismo cresce na maioria dos meios de

cultura utilizados na prática laboratorial (gelose de sangue, MacConkey, etc). Por vezes a morfologia das colónias pode ser sugestivo, principalmente se tiverem um aspecto irregular, odor característico (semelhante a uvas) e coloração azul-esverdeada (devido à produção de piocianina e fluoresceína).

A prova bioquímica mais importante é a da oxidase. Uma prova positiva combinada com exames

microscópico e cultural sugestivos de P. aeruginosa permitem o diagnóstico presumptivo deste agente que deverá ser confirmado com provas bioquímica mais sofisticadas. Prova da oxidase

Princípio: a enzima citocromo oxidase é capaz de oxidar o substrato dihidrocloreto de tetrametil-p-fenilenediamina formando um produto final de cor púrpura (indofenol).

Procedimento: coloca-se uma colónia sobre papel de filtro e adiciona-se uma gota do substrato,

misturando-se com uma vareta. Se a mistura virar púrpura considera-se o resultado positivo. Oxidase positivo � ex: P. aeruginosa Oxidase negativo � ex: Enterobacteriaceae

Terapêutica

A terapêutica anti-microbiana das infecções por P. aeruginosa é muito difícil devido a: � resistência intrínseca do microrganismos a vários antibióticos (aminopenicilinas, penicilinas anti-

estafilocócicas, cefalosporinas de 1ª e 2ª gerações, tetraciclinas, cloranfenicol, macrólidos, co- -trimoxazol, rifampicina e vancomicina);

� sistema imunitário deficiente na maioria dos doentes infectados.

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Entre os antibióticos com acção contra este agente encontram-se: � β-lactâmicos:

o cefalosporinas de 3ª (ex: ceftazidima) e 4ª geração (cefepima); o penicilinas de espectro alargado associadas a inibidores das β-lactamases (piperacilina +

tazobactam); o monobactamos (ex: aztreonam); o carbapenemos (ex: imipenemo);

� aminoglicosídeos (exs: gentamicina, tobramicina, amicacina); � fluoroquinolonas (ex: ciprofloxacina).

Nas infecções graves aconselha-se a utilização de terapêutica combinada com dois antibióticos de forma

a obter um sinergismo de actividade bactericida e evitar a emergência de estirpes resistentes (muito frequente com este agente). As opções mais utilizadas são:

� β-lactâmico + aminoglicosídeo; � β-lactâmico + fluoroquinolona.

A duração mínima da terapêutica deverá ser de 14 dias, aumentando para 21 dias no caso de infecções

graves (pneumonia, endocardite, etc). IX. Acinetobacter spp.

O género Acinetobacter é constituído por bacilos Gram negativos, que não fermentam a glicose (ao contrário das Enterobacteriaceae) e oxidase negativos (o que permite a distinção das Pseudomonas spp.). Estas características são partilhadas por outros géneros, nomeadamente Flavimonas spp., Stenotrophomonas spp. e Chryseomonas spp.

Apesar da taxonomia complexa este género compreende actualmente 7 espécies entre as quais se destaca A. baumannii. Outras espécies podem estar implicadas em infecções no Homem, tais como A. lwoffii e A. haemolyticus. Epidemiologia

Acinetobacter spp. existem na comunidade e em meio hospitalar, podendo ser encontrados em ambientes húmidos (como equipamento de terapêutica ventilatória) ou secos (por exemplo, na pele humana). Numa pequena percentagem de indivíduos saudáveis estes microrganismos podem fazer parte da flora da orofaringe e da pele, sendo esta colonização mais intensa e prevalente em doentes hospitalizados. A transmissão pode ocorrer entre doentes internados (podendo os profissionais de saúde ser os intermediá-rios) ou, mais frequentemente, a partir da colonização de dispositivos médicos (exs: ventiladores mecânicos, catéteres endo-venosos, algálias, etc). Doenças associadas

O isolamento de Acinetobacter spp. em doentes da comunidade equivale sempre a colonização do indivíduo ou contaminação da amostra. As infecções por estas bactérias são sempre nosocomiais e ocorrem principalmente:

� infecções respiratórias; � infecções do tracto urinário; � infecções de feridas, tecidos moles e queimaduras; � bacteriémia / septicémia.

Diagnóstico laboratorial

O diagnóstico de infecções a Acinetobacter spp. é feito recorrendo a: � exame microscópico directo – permite observar bacilos Gram negativos;

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� exame cultural – crescem em praticamente todos os meios; � provas bioquímicas – essenciais para o diagnóstico; permitem distinção de restantes bacilos Gram

negativos. Terapêutica

A terapêutica destas infecções é particularmente difícil já que estes microrganismos são intrinsecamente resistentes a um grande número de antibióticos. Assim a realização do antibiograma é particularmente impor-tante para guiar a terapêutica, devendo-se evitar, sempre que clinicamente possível, a terapêutica empírica.

Quando esta é necessária opta-se, habitualmente, por um β-lactâmico (cefalosporina de 3ª geração ou carbapenemo) associado a um aminoglicosídeo. Como opções de última linha em caso de resistência aos fármacos anteriormente referidos, existem o sulbactam e a colistina, também utilizados em associação. X. Legionella spp.

O género Legionella foi identificado em 1979 após um surto de pneumonia que ocorreu em Filadélfia durante a convenção da Legião Americana. Os membros deste género são bacilos Gram negativos, pleomór-ficos, aeróbios e móveis através de flagelos polares. Apresentam ainda outras características particulares nomeadamente o facto de não corarem bem pelo método de Gram e não crescerem nos meios de cultura mais utilizados já que necessitam de uma fonte de cisteína para se multiplicarem. De destacar, ainda, a sua incapacidade de fermentar os hidratos de carbono.

Actualmente estão identificadas 52 espécies das quais cerca de metade já foram associadas a infecções no Homem. A espécie claramente mais importante é L. pneumophila responsável por cerca de 90% de todas estas infecções. Esta espécie pode ainda ser sub-dividida em serogrupos, sendo os mais frequentes o serogrupo 1 (mais de 50% de todas as infecções por Legionella spp.) e o 6 (cerca de 15%). Patogénese

Estes microrganismos são parasitas intra-celulares facultativos tendo a capacidade de se manterem e replicarem em protozoários no meio ambiente (principalmente amibas), macrófagos alveolares e monócitos no organismo humano. A invasão das células humanas depende da capacidade da bactéria se ligar ao receptor do complemento CR3 presente na membrana destas células e a capacidade de sobrevivência deve-se à capacidade de inibir a formação do fagolisossoma. Após a replicação as bactérias produzem enzimas proteolíticas que destroem a célula hospedeira, permitindo o reinício do ciclo. Epidemiologia

O reservatório natural dos microrganismos do género Legionella é a água doce e ambientes húmidos em todo o Mundo. A sua manutenção nestes habitats resulta do seu papel como parasita intra-celular das amibas. Com o progresso da civilização humana criaram-se reservatórios artificiais próximos do Homem onde as bactérias se podem replicar e infectar o hospedeiro humano. Assim estes microrganismos podem ser encontrados em redes urbanas de águas (chuveiros, torneiras, etc), torres de arrefecimento de sistemas de climatização (por exemplo nos hospitais), equipamentos de terapêutica respiratória, humidificadores, instalações termais, piscinas, jacuzzis, fontes decorativas, etc.

A transmissão dos microrganismos ao Homem é feita através de microaerossóis que se formam nesses reservatórios e que, sendo inalados, atingem a árvore respiratória iniciando a infecção. A disseminação entre hospedeiros infectados não está demonstrada como via de transmissão possível.

É ainda de salientar que determinadas características dos indivíduos tornam-nos mais susceptíveis a

desenvolver infecções por estes agentes. Os factores de susceptibilidade mais importantes parecem ser o sexo masculino e a idade superior a 50 anos. Também descritos estão certas doenças (DPOC, diabetes mellitus, etc), alcoolismo, tabagismo e estados de imunossupressão (corticoterapia, transplantes, neoplasias hematológicas, etc).

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Doenças associadas

� infecção assintomática; � doença de Pontiac – infecção brônquica, semelhante a um síndrome gripal (febre, mialgias, mau

estar, cefaleias...) que resolve espontaneamente após 2 a 5 dias; � doença dos Legionários.

A doença dos legionários ou legionelose é a situação claramente mais grave com mortalidade de 20-

30%. Após um período de incubação de 2 a 10 dias surgem sinais sistémicos de doença aguda (como febre, arrepios, tosse não produtiva ou cefaleias). Pode então desenvolver-se doença multi-sistémica com envolvimento do tracto gastro-intestinal (muito típico desta doença), sistema nervoso central, fígado ou rins. O quadro é, no entanto, marcado pela pneumonia. Esta pode “atípica”, lobar, intersticial, etc. Assim não há nenhum tipo de pneumonia patognomónico de doença dos legionários e todos os tipos de pneumonia podem corresponder a esta patologia.

Tanto a doença dos legionários com a doença de Pontiac surgem, habitualmente, em surtos epidémicos, podendo ser infecções da comunidade (ambas) ou nosocomiais (no caso da doença dos legionários). Diagnóstico laboratorial

No diagnóstico destas infecções utiliza-se: � exame microscópico directo; � exame cultural; � testes serológicos; � testes de detecção de antigénios.

Como já vimos a coloração pelo método de Gram raramente permite visualizar estes microrganismos e

não é útil para os distinguir de outros bacilos Gram negativos. Assim utiliza-se um método de imunofluores-cência directa – adicionando anticorpos contra estes agentes marcados com fluoresceína à amostra utilizada (expectoração, SB ou LBA). Este método apenas permite identificar L. pneumophila.

A cultura é feita no meio BCYE-α que contem L-cisteína (necessária ao crescimento destes microrganis-

mos), ferro (que potencia o crescimento) e antibióticos (que impedem o desenvolvimento de outras bactérias). Neste meio crescem todas as Legionella spp. num tempo médio de 3 a 5 dias, devendo a cultura ser mantida até 10 dias.

Os testes serológicos são realizados pelo método de imunofluorescência indirecta, sendo necessárias

duas amostras separadas por 10 a 14 dias para efectuar o diagnóstico. A pesquisa de antigénios pode ser feita na urina ou expectoração. Este método fornece resultados no

próprio dia e é de fácil execução. As suas desvantagens são a possibilidade de resultados positivos até 1 ano após a infecção resolver e o facto de permitir apenas a detecção de L. pneumophila do serogrupo 1. Terapêutica e prevenção

A execução do antibiograma nas infecções por bactérias deste género é muito difícil já que os microrganismos não crescem nos meios utilizados nesta técnica. No entanto o perfil de sensibilidades destes microrganismos é relativamente constante. Assim temos as seguintes opções:

� macrólidos (azitromicina); � quinolonas; � tetraciclinas; � rifampicina.

A prevenção da infecção faz-se através do controlo das fontes de água na comunidade e no hospital. A

hiperclorinação e aquecimento da água podem ser eficazes a reduzir o inóculo de microrganismos mas a eliminação completa é quase impossível. Em meio hospitalar recomenda-se a monitorização regular da presença de Legionella spp. na água.

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8ª AULA: Malária e Kala-Azar I. Classificação dos Protozoários do Sangue e Tecid os II. Malária III. Noções Gerais Sobre Leishmaniose IV. Leishmaniose Visceral V. Leishmaniose Cutânea VI. Leishmaniose Muco-Cutânea

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I. Classificação dos Protozoários do Sangue e Tecid os

Os protozoários do sangue e tecidos são muito semelhantes aos protozoários intestinais com a excepção do local onde estabelecem infecção. Considerando as espécies mais importantes pode estabelecer-se a seguinte classificação: 1) Coccídeos: Plasmodium falciparum Plasmodium vivax Plasmodium ovale Plasmodium malariae Toxoplasma gondii Sarcocystis lindemanni 2) Hemoflagelados: Trypanossoma cruzi Trypanossoma brucei T. brucei gambiense T. brucei rhodesiense Leishmania spp. 3) Amibas: Naegleria spp. Balamuthia spp. Acanthamoeba spp. 4) Outros: Babesia spp. B. microti B. divergens II. Malária

A malária é uma doença provocada por parasitas do género Plasmodium. Este género compreende quatro espécies patogénicas para o Homem:

� P. falciparum; � P. vivax; � P. ovale; � P. malariae.

Ciclo de vida

À semelhança dos restantes coccídeos, estes parasitas intra-celulares obrigatórios requerem dois hospedeiros para completar o seu ciclo de vida:

� o mosquito fêmea do género Anopheles para a reprodução sexuada; � o Homem ou outro animal para a reprodução assexuada.

A infecção humana inicia-se com a picada do mosquito Anopheles que inocula os esporozoitos a partir

das suas glândulas salivares. Após o acesso à corrente sanguínea estes atingem rapidamente as células do parênquima hepático onde iniciam uma fase de reprodução assexuada (o ciclo esquizogónico hepático ou pré-eritrocitário) que termina com a produção de esquizontes hepáticos. A duração desta fase hepática varia

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entre 6 e 15 dias consoante a espécie em causa. Após a destruição da célula hepática ocorre a libertação de um grande número de merozoitos, tendo cada um a capacidade de infectar um eritrócito. No caso de infecção por P. vivax ou P. ovale existem algumas formas intra-hepáticas que não se dividem imediatamente permanecendo numa forma latente denominada hipnozoitos. Estes têm a capacidade de originar infecção algum tempo mais tarde, sendo responsáveis pelas recaídas que caracterizam a doença provocada por estas espécies.

Dentro do eritrócito inicia-se então o ciclo esquizogónico eritrocitário. Esta fase compreende a transição

sequencial entre várias formas do parasita: forma anelar, trofozoito e esquizonte eritrocitário. A observação microscópica das diversas formas de cada espécie permite a distinção entre as mesmas. No fim de cada ciclo eritrocitário (com duração de 72h para P. malariae e 48h para as restantes espécies) dá-se a destruição dos eritrócitos e libertação de um número variável de merozoitos consoante a espécie em causa. Cada um destes tem, então, a capacidade de infectar um novo eritrócito reiniciando este ciclo.

Dentro dos eritrócitos alguns plasmódios têm também a capacidade de se diferenciarem em formas sexuadas morfologicamente distintas, denominadas gametócitos (femininos e masculinos), que têm a parti-cularidade de transmitir a doença.

Após serem ingeridos pelo mosquito Anopheles durante a picada deste, os gametócitos fundem-se

formando o zigoto no tracto intestinal do mosquito. Este evolui para ooquisto (na parede intestinal) que se expande até romper e libertar os esporozoitos móveis que vão migrar para as glândulas salivares do mosquito onde permanecem aguardando a inoculação para outro humano durante a próxima picada. A fase de reprodução sexuada que ocorre no mosquito tem o nome de ciclo esporogónico. Epidemiologia

A malária é a parasitose humana mais importante, ocorrendo transmissão em 103 países, afectando cerca de 1 bilião de pessoas em todo o Mundo e causando 1 a 3 milhões de mortes anualmente. Os principais grupos de risco para doença fatal são as crianças com menos de 5 anos, as grávidas e os viajantes para zonas endémicas.

A malária existe em praticamente todas as regiões tropicais do planeta. P. vivax é a espécie mais frequente em todo o Mundo e tem a distribuição mais ampla, atingindo regiões tropicais, sub-tropicais e temperadas. É a espécie mais importante na América Central e na Índia. P. falciparum é a espécie predominante em África, na Nova Guiné e no Haiti. Na América do Sul, Sudeste Asiático e Oceânia a prevalência destas duas espécies é semelhante. P. malariae existe em todas as regiões endémicas, principalmente na África sub-saariana, mas mesmo nesta é pouco frequente. Também P. ovale é pouco prevalente e praticamente não existe fora de África. Em algumas regiões de África, no entanto, é a segunda espécie mais importante, a seguir a P. falciparum. Vias de transmissão

Na quase totalidade dos casos de malária a transmissão é feita através da picada do mosquito fêmea Anopheles spp. Em casos raros ocorre transmissão a partir de transfusões sanguíneas, transplante de órgãos, partilha de seringas ou agulhas contaminadas e por via materno-fetal (malária congénita). Quadro clínico e patogénese

A sintomatologia inicial da malária é inespecífica e assemelha-se a uma infecção viral simples. Pode surgir febre, mau estar geral, cefaleias, astenia, dor ou desconforto abdominal ou torácico, mialgias, artralgias, náuseas, vómitos, diarreia, etc.

Indiscutivelmente é a febre que marca o quadro clínico da doença. Esta surge em paroxismos caracterís-

ticos que se devem à libertação dos merozoitos após cada ciclo eritrocitário e à resposta inflamatória do hospedeiro à presença dos mesmos na corrente sanguínea. Estes paroxismos caracterizam-se por períodos de arrepios ou calafrios marcados que precedem a elevação da temperatura, que habitualmente é superior a 40º C. Na fase seguinte ocorre normalização da temperatura e sudação profusa. A periodicidade deste ciclo de evolução clínica é sugestiva do agente etiológico. Assim para P. malariae a duração de cada ciclo é de 3 dias (“febre quartã”), enquanto para P. vivax e P. ovale é de 2 dias (“febre terçã”). Em relação ao P.

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falciparum os paroxismos são inicialmente completamente irregulares evoluindo, em alguns casos, para o padrão de “febre terçã”. Nos restantes a febre mantém-se sempre irregular.

O exame objectivo habitualmente revela a elevação da temperatura corporal, taquicárdia, esplenomegá-lia, hepatomegália e icterícia.

No caso de infecção por P. falciparum (responsável por cerca de 95% da mortalidade) a evolução do

quadro pode ser muito desfavorável, o que se deve a diferenças na patogénese da doença. Este parasita, nas formas maduras, tem a capacidade de formar protuberâncias na membrana dos eritrócitos infectados que expressam proteínas específicas. Através destas os eritrócitos aderem a receptores no endotélio venular e capilar de certos órgãos, nomeadamente o cérebro e a placenta. Nesse momento os eritrócitos parasitados têm a capacidade de se agregar a outros eritrócitos infectados e também a eritrócitos sãos. A conjugação destes fenómenos vai contribuir para a interferência no fluxo microcirculatório e metabolismo destes tecidos. A sequestração dos eritrócitos contendo as formas parasitárias maduras na microcirculação periférica explica o facto de, em esfregaços de sangue periférico em infecções por P. falciparum, só se encontrarem eritrócitos contendo as formas iniciais do ciclo de vida do plasmódio.

Os casos de malária grave (“febre terçã maligna”) manifestam-se por: � malária cerebral – alteração do estado de consciência (desde obnubilação até coma), alterações dos

reflexos, hemorragias retinianas, convulsões, etc; � exantema petequial; � hipoglicémia; � acidose láctica; � síndrome de dificuldade respiratória do adulto (SDRA); � insuficiência renal aguda; � anemia – resultante da hemólise, sequestração esplénica e eritropoiese ineficaz; � trombocitopénia, alterações da coagulação, coagulação intra-vascular disseminada; � insuficiência hepática.

Quadro laboratorial

A avaliação laboratorial geral dos doentes revela habitualmente: � anemia normocítica, normocrómica; � trombocitopénia; � elevação da velocidade de sedimentação e proteína C reactiva; � aumento dos níveis séricos de desidrogenase láctica (LDH); � elevação dos níveis séricos das aminotransferases e fosfatase alcalina; � hiperbilirrubinémia conjugada e não conjugada ligeira.

Nos casos de malária maligna pode também surgir elevação dos tempos de protrombina (TP) e trombo-plastina parcial activada (aPPT), acidose metabólica láctica, hipoglicémia, hipoalbuminémia, elevação dos níveis séricos de ureia e creatinina e elevações significativas da creatina fosfo-cinase (CK), enzimas hepáticas e bilirrubina conjugada e não conjugada. Nos casos de malária cerebral pode verificar-se elevação ligeira da contagem de leucócitos e das proteinas no LCR. Diagnóstico

O diagnóstico de malária baseia-se, fundamentalmente, na identificação do parasita em esfregaços de sangue periférico corados com Giemsa ou corante equivalente. Esta identificação pode ser realizada através de duas técnicas:

� exame microscópico directo de esfregaço de “gota espessa” – maior sensibilidade diagnóstica; � exame microscópico directo de esfregaço “fino” – mais específico; além disso permite a distinção

entre as diversas espécies, através do estudo da morfologia do glóbulo vermelho parasitado e do próprio parasita nas várias fases do ciclo eritrócitário.

Nos últimos anos surgiram novos métodos que podem auxiliar o diagnóstico, nomeadamente: � testes serológicos;

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� técnicas de detecção de antigénios de todas as espécies; � técnicas moleculares (através de sondas de DNA, PCR).

Estas técnicas tem aplicação reduzida na prática clínica quotidiana, sendo a utilização praticamente

restrita a estudos epidemiológicos. Terapêutica

Entre os fármacos que podem ser utilizados actualmente na terapêutica da malária encontram-se: � quinino e quinidina – acção apenas na fase eritrocitária; usados nas formas mais graves da

doença; � cloroquina – acção apenas na fase eritrocitária; usada no tratamento e profilaxia de infecções a

Plasmodium spp.; resistência actualmente disseminada em P. falciparum por todo o Mundo, à excepção do norte de África, médio Oriente, América Central e Caraíbas;

� mefloquina – acção apenas na fase eritrocitária; usada como alternativa à cloroquina tanto na tera-pêutica como na profilaxia; casos descritos de P. falciparum resistentes no sudeste Asiático;

� primaquina – acção predominante na fase hepática; � amodiaquina – semelhante à cloroquina; � artemisinina – isolada a partir de uma planta utilizado na medicina tradicional chinesa há mais de

2000 anos; usada no tratamente de infecções a P. falciparum resistentes a outros fármacos; � pirimetamina – acção apenas na fase eritrocitária; usada em zonas com resistência à cloroquina; � tetraciclina , doxiciclina – fraca acção anti-malárica; usados apenas em combinação com outros

fármacos; � halofantrina , lumefantrina – acção apenas na fase eritrocitária; � proguanil – usado em combinação; � atovaquona – acção predominante na fase eritrocitária.

Quando o agente etiológico em causa é P. falciparum é necessário considerar as resistências. Nos

países em que não existe resistência à cloroquina esta é a primeira opção. Nas restantes localizações recorre-se à mefloquina, excepto nas áreas de resistência elevada onde se utilizam outros fármacos isolados ou em combinação. Nos casos de infecção grave utiliza-se quinino ou quinidina.

Em relação às restantes espécies pode-se utilizar cloroquina seguramente (apesar de terem surgido

casos recentes de P. vivax resistentes na Oceânia, Indonésia e América Central e do Sul). Nos casos de infecção por P. vivax e P. ovale associa-se primaquina de forma a eliminar os hipnozoitos e evitar a recaída.

Nas grávidas os únicos fármacos anti-maláricos que podem ser utilizados com relativa segurança são o

quinino e a cloroquina. Profilaxia e prevenção

As medidas preventivas passam por reduzir as picadas do mosquito. Neste contexto podem ter alguma eficácia:

� evitar exposição aos mosquitos durante o seu período de maior actividade (pôr do sol e amanhecer); � vestuário adequado; � repelentes contra insectos ou insectidas; � redes mosquiteiras.

Em relação à profilaxia primária não foi ainda possível obter uma vacina eficaz contra a malária. As

dificuldades no desenvolvimento desta prendem-se com a elevada variabilidade antigénica do parasita e com a ineficácia da resposta imunitária do hospedeiro na prevenção da infecção.

Quanto à profilaxia secundária ou quimioprofilaxia as alternativas mais utilizadas são a cloroquina e a

mefloquina (consoante a resistência ao primeiro fármaco no país em questão). Outras opções são primaquina e a associação atovaquona-proguanil. A terapêutica profilática é utilizada, principalmente, em viajantes para países endémicos e deve ser iniciada 1 a 2 semanas antes da viagem e mantida até 4

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semanas após o regresso, excepto quando se utiliza primaquina que pode ser parada 1 semana após o regresso. Características que permitem a distinção entre as v árias espécies de Plasmodium spp.

Além das características já referidas (período do ciclo eritrocitário, localização geográfica preferencial, gravidade da infecção e capacidade de formar hipnozoítos) existem outras que podem auxiliar no diagnóstico da espécie de Plasmodium spp. que infecta determinado doente. As diferenças mais revelantes estão resuminadas na tabela seguinte.

Tabela 2 – Características das Espécies de Plasmodium spp. Causadoras de Malária

P. falciparum P. vivax P. ovale P. malariae

Localização geográfica

Todas as regiões tropicais; predomí-

nio em África

Todas as regiões tropicais; predomí-

nio na América Central e Índia

Apenas África Todas as regiões

tropicais

Duração do ciclo pré-eritrocitário 5,5 dias 8 dias 9 dias 15 dias

Capacidade de formar

hipnozoitos Não Sim Sim Não

Eritrócitos infectados

Todos; preferência pelos mais jovens

Jovens Jovens (preferência

por reticulócitos) Maduros

Duração do ciclo eritrocitário 48 horas 48 horas 48 horas 72 horas

Morfologia do eritrócito

parasitado

Vários merozoitos no mesmo eritróci-to, junto à membra-na celular; grânulos

de Maurer

Eritrócitos aumen-tados; grânulos de

Schüffner

Eritrócitos aumen-tados e ovalados;

grânulos de Schüffner

Eritrócitos normais; grânulos de

Ziemann

Capacidade de originar malária

maligna Frequente Rara Rara Rara

Os grânulos acima descritos são pontos de cores distintas que podem ser observados nos eritrócitos

parasitados. Assim os grânulos de Maurer apresentam coloração avermelhada, os de Schüffner são rosados e os de Ziemann são também vermelhos.

Apesar de todas estas diferenças a forma mais eficaz e prática de distinguir entre as 4 espécies é

através da observação da morfologia das várias formas do parasita durante o ciclo eritrocitário, como foi já referido no diagnóstico. Assim as características morfológicas das formas anelares, trofozoitos, esquizontes eritrocitários e gametócitos são distintas consoante a espécie em causa e a sua observação por um micro-biologista experiente permite o diagnóstico seguro da espécie envolvida.

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III. Noções Gerais Sobre Leishmaniose

O termo leishmaniose compreende várias síndromes clínicas causados pelos protozoários intra-celulares obrigatórios do género Leishmania. Esta doença é endémica em várias regiões incluindo países tropicais, sub-tropicais e do sul da Europa. É uma zoonose transmitida por um vector tendo como hospedeiro e reservatório habitual canídeos ou roedores, sendo o Homem um hospedeiro acidental. No ser humano podem ocorrer três tipos de doença:

� leishmaniose visceral; � leishmaniose cutânea; � leishmaniose muco-cutânea.

Estas formas diferentes resultam da infecção dos macrófagos do sistema reticulo-endotelial, pele ou

mucosa oro-faríngea, respectivamente. Nos últimos anos começaram a ser descritos casos de leishmaniose em localizações geográficas diferentes do habitual e em populações hospedeiras particulares (nomeadamen-te casos de leishmaniose visceral em indivíduos infectados pelo HIV). Tendo este facto em conta, tem sido ponderada a adição desta patologia à lista de doenças definidoras de SIDA. Etiologia

Os principais microrganismos que causam as várias formas de leishmaniose humana são classificados em três espécies distintas:

� L. donovani – agente de leishmaniose visceral; � L. tropica – agente de leishmaniose cutânea do Velho Mundo; � L. braziliensis – agente de leishmaniose muco-cutânea do Novo Mundo.

A taxonomia deste género é complexa, existindo várias variantes dentro de cada espécie. Além disso

alguns autores consideram, ainda, a existência de dois sub-géneros distintos: o sub-género Leishmania e o sub-género Viannia, onde se incluiria a última espécie referida acima. Uma vez que esta separação não é unanimemente aceite e por facilidade de nomenclatura utiliza-se as designações clássicas, considerando apenas um género e três espécies. Ciclo de vida

Os parasitas do género Leishmania são transmitidos por insectos hematófagos da família Psychodidae. O vector existente no Velho Mundo é do género Phlebotomus e, no Novo Mundo, do género Lutzomyia. Durante a picada do insecto fêmea ocorre a regurgitação da forma flagelada do parasita (promastigota) através da pele do mamífero hospedeiro. Certos componentes da saliva do flebótomo podem alterar a resposta imunitária ao protozoário permitindo a sua sobrevivência na corrente sanguínea. Os promastigotas ligam-se então a receptores específicos da membrana dos macrófagos, são fagocitados e transformam-se, dentro do fagolisossoma, na forma não flagelada (amastigota), que se multiplica por divisão binária assexuada preenchendo a célula hospedeira. Após a ruptura da célula infectada os amastigotas são fagocitados por outros macrófagos iniciando novo ciclo de infecção.

Caso sejam ingeridos por insectos vectores durante a picada os amastigotas libertam-se na faringe e transformam-se novamente em promastigotas que se reproduzem, igualmente por divisão binária assexuada, no intestino do insecto. Em seguida ocorre a migração para as glândulas salivares onde se mantêm até que ocorra nova refeição de sangue. O ciclo de vida no insecto dura, no mínimo, 7 dias. IV. Leishmaniose Visceral

A grande maioria dos casos desta doença ocorre no Bangladesh, Índia, Nepal, Sudão e nordeste do Brazil. Os microrganismos causadores desta forma de leishmaniose pertencem à espécie L. donovani. A sub-espécie L. donovani propriamente dita existe nos continentes Asiático e Africano. O principal reservatório

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são os roedores e o vector de transmissão é o flebótomo. A espécie L. donovani infantum encontra-se em toda a bacia do Mediterrâneo (norte de África, Médio Oriente e sul da Europa – incluindo Portugal) e na Ásia Central e sudeste asiático. Existem vários hospedeiros reconhecidos sendo os mais importantes o cão, a raposa e o chacal, e o vector é, também, o flebótomo. Finalmente a espécie L. donovani chagasi existe na América do Sul e Central, possui como reservatórios cães, gatos e raposas e o seu vector é do género Lutzomyia.

A infecção inicia-se nos macrófagos da derme no local de inoculação e é depois transportada pela corrente sanguínea até aos órgãos do sistema reticulo-endotelial (como o fígado, baço, medula óssea e gânglios linfáticos).

Os insectos que funcionam como vectores da doença são predominantemente zoofílicos sendo o

Homem infectado de forma acidental. Este facto explica a inexistência de taxas de endemicidade elevadas e de epidemias da doença. A doença é predominantemente infantil (principalmente no grupo etário entre 1 e 2 anos) e está associada a carências alimentares e sub-desenvolvimento, mas ultimamente têm-se verificado cada vez mais casos em adultos, sobretudo associados a casos de imunodeficiências de origem diversa (incluindo a SIDA).

Em Portugal o principal reservatório é o cão, sendo a prevalência canina desta doença elevada nas

diversas áreas endémicas (oscilando entre 10 e 20%). O importante papel do cão como reservatório da doença deve-se a vários factores:

� a sua proximidade com o homem; � a elevada taxa de infecção; � a cronicidade da doença permitindo ao animal sobreviver durante muito tempo; � o facto dos amastigotas parasitarem a pele mesmo aparentemente sã.

Outros reservatórios possíveis são a raposa e os roedores. Os vectores mais relevantes no nosso país

são Phlebotomus perniciosus e P. ariasi. As zonas endémicas mais importantes em Portugal são o Alto Douro, a região metropolitana de Lisboa e o Algarve. Nos últimos anos têm sido notificados 20 a 30 casos anuais da doença no nosso país. Quadro clínico-laboratorial

Frequentemente a leishmaniose visceral é sub-clínica mas pode tornar-se sintomática e ter uma evolu-ção aguda, sub-aguda ou crónica, após um período de incubação muito variável e, habitualmente, longo. Enquanto o termo leishmaniose visceral engloba um amplo espectro de manifestações e gravidades, a designação kala-azar refere-se ao quadro clássico de um doente caquético, febril, infectado por um grande número de parasitas, de forma potencialmente fatal. As características clínicas mais marcantes deste quadro são a esplenomegália e a hepatomegália. Alguns doentes podem ainda apresentar múltiplas linfadenopatias periféricas.

O quadro laboratorial associado a esta situação inclui pancitopénia – anemia, leucopénia (com neutropé-nia e eosinopénia marcadas e linfo-monocitose relativa) e trombocitopénia – hipergamaglobulinémia (principalmente IgG por activação policlonal das células B) e hipoalbuminémia.

Resumindo o quadro é marcado por: � síndrome febril; � hepato-esplenomegália; � pancitopénia.

A exuberância deste quadro obriga muitas vezes ao diagnóstico diferencial com uma doença neoplásica

do tipo linfo ou mieloproliferativo. Alguns doentes podem ainda desenvolver um quadro denominado leishmaniose cutânea pós-kala-azar.

Este síndrome caracteriza-se por lesões cutâneas (máculas, pápulas e nódulos) tipicamente mais proemi-nentes na face e surge durante a terapêutica ou após alguns meses, podendo verificar-se recidiva concomi-tante da infecção visceral.

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Diagnóstico

O diagnóstico laboratorial de leishmaniose visceral é realizado por quatro métodos distintos: � exame parasitológico directo; � exame parasitológico cultural; � testes serológicos; � testes moleculares.

Exame parasitológico directo:

O diagnóstico de kala-azar faz-se essencialmente pela pesquisa do parasita nos orgãos ricos em células

do sistema mononuclear fagocítico através de biópsia ou punção aspirativa (por exemplo do baço, fígado, medula óssea ou gânglios linfáticos). O resultado diagnóstico é superior para a aspiração esplénica (sendo positivo em 98% dos casos ao contrário dos restantes tecidos onde o resultado é inferior a 90%) mas devido ao risco de rotura do órgão durante este procedimento, prefere-se quase sempre a punção da medula óssea. A observação do esfregaço de medula óssea (ou mielograma) após coloração de Giemsa, por exemplo, permite a identificação dos amastigotas, particularmente fácil quando estes são abundantes. Além disso este método é ainda eficaz no diagnóstico diferencial em relação a outras doenças clinicamente semelhantes. Exame parasitológico cultural:

A mielocultura pode ser efectuada em meio de NNN (gelose enriquecida com aminoácidos e sangue de coelho). Este método tem maior sensibilidade que o exame directo, no entanto a resposta é demorada e dependente do tamanho do inóculo (podendo demorar até cinco semanas a positivar). Raramente a hemocultura neste meio pode também ser positiva. Testes serológicos:

O diagnóstico através da pesquisa e titulação de anticorpos específicos circulantes é cada vez mais utilizado pelo facto de, na leishmaniose visceral, rapidamente surgirem títulos elevados.

As reacções mais usadas são as de imunofluorescência indirecta e ELISA. Estas reacções, particularmente sensíveis, permitem a titulação dos anticorpos possibilitando a monitorização da evolução da doença, já que o título se reduz com a melhoria clínica associada ao tratamento instituido e eleva-se com o agravamento ou recidiva da doença.

As técnicas de imunoprecipitação (por exemplo, Western blot) são mais específicas, permitindo identifi-car infecções activas muito precocemente. Testes moleculares:

Estas técnicas de detecção do parasita através de sondas de DNA ou PCR são muito sensíveis e específicas, podendo ser aplicadas no Homem, no reservatório vertebrado ou no vector. O seu elevado custo impede a utilização na prática quotidiana. Tratamento

Os compostos antimoniais pentavalentes (como o stibgluconato de sódio e o antimonato de meglumina) são ainda a terapêutica de eleição nesta infecção, sendo administrados durante 4 semanas por via endo-venosa ou intra-muscular. Por vezes são utilizados (sem eficácia comprovada) adjuvantes desta terapêutica de modo a acelerar ou melhorar a resposta. Os fármacos mais utilizados neste contexto são o interferão-γ, o alopurinol e o cetoconazol.

Em regiões em que existe uma elevada prevalência de resistências a estes compostos (por exemplo na

Índia) podem ser utilizados outros fármacos como terapêutica de primeira linha. Nesta situação encontram-se a anfotericina B e a pentamidina. A sua utilização justifica-se ainda no caso de desenvolvimento de reacções adversas aos compostos antimoniais pentavalentes.

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Recentemente surgiram fármacos deste grupo com administração por via oral que se encontram em ensaios clínicos, sendo já comercializados em alguns países endémicos (novamente na Índia). V. Leishmaniose Cutânea

A leishmaniose cutânea pode ser classificada como doença do Velho Mundo ou do Novo Mundo. A forma clássica (ou do Velho Mundo) é principalmente provocada por L. tropica. Este espécie, cujo reservatórios são o cão, a raposa e os roedores e o vector é o flebótomo, existe em muitas regiões de África, Ásia e Europa mediterrânica. Outras espécies associadas são:

� L. major – perfil epidemiológico sobreponível; � L. aethopica – endémica nalguns países africanos; � L. donovani propriamente dita ou L. donovani infantum – raramente envolvidas.

A leishmaniose cutânea do Novo Mundo ocorre desde o sul dos EUA até ao norte da Argentina, tendo

como vector insectos do género Lutzomyia. É provocada pelas seguintes espécies: � L. mexicana – reservatório: roedores e macacos; � L. peruviana – existente apenas no Peru; � L. panamensis – América Central e do Sul; � L. guyanensis – América do Sul; � L. braziliensis e L. donovani chagasi – América Central e do Sul; raramente associadas.

O período de incubação é semelhante à leishmaniose visceral. Inicia-se, habitualmente, por uma pápula

no local de inoculação e evolui para formas nodulares ou ulcerativas que podem atingir dimensões significativas. No mesmo doente podem ocorrer múltiplas lesões primárias, lesões secundárias, adenopatias regionais e infecções bacterianas secundárias. A localização e características das lesões variam consoante a espécie de Leishmania spp. envolvida.

O diagnóstico pode ser feito por biópsia ou punção aspirativa da lesão ou ainda punção aspirativa de um gânglio linfático. A biópsia pode ser analisada histologicamente e utilizada na cultura e PCR. O aspirado pode ser observado após coloração pelo método de Giemsa ou utilizado na cultura.

Os testes serológicos, habitualmente, não têm qualquer utilidade nesta doença. A terapêutica desta doença é semelhante à da leishmaniose visceral.

VI. Leishmaniose Muco-Cutânea

A infecção clinicamente evidente da mucosa naso ou orofaríngea é uma complicação relativamente rara mas potencialmente disfigurante da leishmaniose cutânea. No entanto algumas espécies (nomeadamente L. braziliensis) praticamente não causam infecção cutânea exclusiva tendo sempre um componente mucoso associado.

De uma forma geral a leishmaniose muco-cutânea praticamente só ocorre no continente americano estando associada às seguintes espécies:

� L. braziliensis – América do Sul e Central; � L. panamensis – América Central e do Sul; � L. guyanensis – América do Sul; � L. aethopica – África.

As lesões mucosas podem coexistir com as lesões cutâneas ou surgir décadas depois, tipicamente em

doentes não tratados adequadamente. O envolvimento da mucosa geralmente manifesta-se inicialmente por epistáxis, eritema e edema da

mucosa nasal e depois evolui para destruição ulcerativa e progressiva da mucosa naso e orofaríngea.

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O diagnóstico é muito difícil e habitualmente baseia-se em testes serológicos ou moleculares já que a escassez de amastigotas torna o diagnóstico parasitológico directo ou cultural quase impossível.

A terapêutica é semelhante à das restantes formas de leishmaniose mas aqui, ao contrário das outras

formas, é muito pouco ou nada eficaz.

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9ª AULA: Gastrenterite I. Noções Gerais Sobre Infecções do Tracto Gastro-I ntestinal II. Etiologia das Infecções do Tracto Gastro-Intest inal III. Patogénese das Infecções do Tracto Gastro-Inte stinal IV. Normas de Colheita e Transporte de Fezes para E xame Microbiológico V. Processamento Laboratorial das Amostras de Fezes VI. Profilaxia e Terapêutica das Infecções do Tract o Gastro-Intestinal VII. Diarreia do Viajante VIII. Enterobacteriaceae IX. E. coli Associadas a Gastrenterite X. Salmonella spp. XI. Shigella spp. XII. Parasitas Intestinais

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I. Noções Gerais Sobre Infecções do Tracto Gastro-I ntestinal

As infecções agudas do tracto-gastrointestinal (TGI) são doenças muito frequentes, sendo as segundas mais comuns em todo o Mundo, apenas superadas pelas infecções respiratórias superiores. Em certos países, nomeadamente na Ásia, África e América Latina, estas infecções são ainda a principal causa de morte na infância (cerca de 4 a 6 milhões de mortos por ano). Além disso contribuem para a desnutrição e reduzem a resistência a outros agentes infecciosos, sendo factores indirectos de predisposição para outras infecções e doenças.

A flora comensal habitual do TGI é constituída por uma comunidade de mais de 400 espécies de

bactérias, fungos e protozoários. O equilíbrio da relação simbiótica entre o hospedeiro e os microrganismos do TGI resulta em parte da

estabilidade da população microbiana presente nessas regiões anatómicas. A presença de “microrganismos normais” colabora na resistência à colonização por microrganismos patogénicos.

Em relação às infecções do TGI torna-se necessário esclarecer alguns conceitos:

Diarreia:

Descarga fecal anormal caracterizada por aumento da frequência ou volume de dejecções e/ou pela diminuição da consistência das mesmas.

Habitualmente resulta de doença no intestino delgado envolvendo aumento da perda de líquido e electrólitos.

Gastrenterite:

Síndrome caracterizado por sintomas gastro-intestinais incluindo náuseas, vómitos, diarreia e dor ou desconforto abdominal.

Enterocolite:

Inflamação envolvendo a mucosa do intestinos delgado e cólon. Disenteria ou diarreia inflamatória:

Doença inflamatória do TGI muitas vezes associada à presença de sangue e pús nas fezes e acompanhada por queixas de dor, febre e cólicas abdominais.

Habitualmente resulta de doença no cólon. II. Etiologia das Infecções do Tracto Gastro-Intest inal

Variadíssimos microrganismos podem provocar infecções do TGI. Os mais frequentes são:

� Vírus: o Rotavírus; o Norovírus; o Adenovírus;

� Bactérias: o E. coli; o Salmonella spp.; o Shigella spp.; o Campylobacter spp.; o Yersinia enterocolitica; o Vibrio spp.;

o Clostridium perfringens; o Clostridium difficile; o Bacillus cereus; o Staphylococcus aureus; o Aeromonas hydrophila o Plesiomonas shigelloides, etc;

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� Parasitas: o Protozoários:

� Giardia lamblia; � Entamoeba histolytica; � Isospora belli; � Cryptosporidium spp.; � Microsporídios.

o Helmintas (Ascaris lumbricoides, Taenia spp., etc)

III. Patogénese das Infecções do Tracto Gastro-Inte stinal

Devido à abundância de agentes etiológicos é clássico dividir-se as gastrenterites segundo o mecanismo patogénico predominante:

Tabela 3 – Mecanismos e Agentes mais Frequentes de Gastrenterite

Mecanismo Localização Manifestações Alterações nas fezes Exemplos de agentes

Não inflamatório (enterotoxina)

Intestino delgado proximal

Diarreia aquosa

Ausência de leucócitos

- Vírus - V. cholerae - E. coli enterotoxigénica (ETEC)

- C. perfringens - B. cereus - S. aureus - G. lamblia - I. belli - Cryptosporidium spp. - Microsporídios

Inflamatório (invasão ou citotoxina)

Cólon ou intestino delgado distal

Disenteria ou diarreia inflamatória

Leucócitos PMN

- Shigella spp. - Salmonella spp. - Campylobacter jejuni - E. coli enterohemor-rágica (EHEC) e ente-roinvasiva (EIEC)

- Y. enterocolitica - C. difficile - E. histolytica

Penetração

Intestino delgado distal

Febre entérica

Leucócitos MN

- S. Typhi - C. fetus - Y. enterocolitica

Outra forma possível e muito útil de classificação dos agentes etiológicos mais frequentes de gastrenteri-te é pelo seu reservatório. Assim consideramos:

� Antroponoses – infecções cujo único reservatório é o Homem; as vias de transmissão mais frequentes são alimentos contaminados com fezes ou a via fecal-oral (principalmente em crianças);

� Zoonoses – infecções que têm os animais como reservatório.

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No primeiro grupo incluem-se microrganismos tais como E. coli (a maioria das estirpes), Shigella spp., S. Typhi, C. difficile, E. histolytica, G. lamblia, Cryptosporidium spp., rotavírus, entre outros.

Entre os agentes de zoonose encontram-se:

Tabela 4 – Agentes de Gastrenterite com Reservatório Animal

Agente microbiano Possíveis fontes de infecção Material orgânico mais

frequentemente envolvido

Salmonella enterica (não Typhi) Mamíferos domésticos, aves Leite, ovos, carne

E. coli entero-hemorrágica Mamíferos (bovinos, suínos) Carne mal cozinhada, leite

Campylobacter spp. Mamíferos domésticos e aves Leite, água, carne e ovos crus

Yersinia enterocolitica Vários animais Vários

Vibrio cholerae, Aeromonas spp., Plesiomonas spp. Marisco Marisco e água contaminada

Os microrganismos causadores de gastrenterite desenvolveram uma série de factores capazes de ultrapassar as defesas do hospedeiro. Os factores patogénicos mais importantes destes microrganismos são:

� Tamanho do inóculo – varia consoante o microrganismo, sendo tão baixo como 100 a 1000 bactérias / quistos para Shigella spp, EHEC, G. lamblia ou E. histolytica ou tão elevado como 105 a 108 para V. cholerae;

� Aderência – alguns microrganismos competem com a flora indígena do TGI na aderência à mucosa

intestinal, sendo este um factor fundamental na sua patogenicidade (exs: V. cholerae, E. coli, etc);

� Produção de toxinas – a produção de exotoxinas é fundamental para vários agentes de gastrenterite; estas podem ser enterotoxinas (actuam nos mecanismos secretórios da mucosa intestinal) ou citotoxinas (provocam destruição das células epiteliais e consequente diarreia inflamatória); importante para Shigella spp., V. cholerae, E. coli, C. difficile, S. aureus, B. cereus, etc;

� Invasão – importante no quadro de disenteria; as infecções por Shigella spp. ou EIEC são

caracterizadas pela invasão das células epiteliais, multiplicação intra-epitelial e disseminação para células adjacentes, provocando o quadro clássico de diarreia inflamatória; no caso de Salmonella não Typhi a diarreia surge por invasão da mucosa, não ocorrendo destruição dos enterócitos nem o quadro completo de disenteria; S. Typhi e Y. enterocolitica, por outro lado, têm a capacidade de penetrar a mucosa, multiplicarem-se intracelularmente nas placas de Peyer e gânglios linfáticos regionais e disseminarem-se através da corrente sanguínea, provocando o quadro de febre entérica.

Em relação à patogénese das infecções do TGI é também importante considerar os factores e defesas do hospedeiro que influenciam o desenvolvimento destas infecções. Assim temos:

� Flora indígena – constituída predominantemente por anaeróbios; é provavelmente o factor de defesa do tracto GI com maior importância; o risco de infecção aumenta nas crianças em que ainda não ocorreu a colonização entérica ou nos indivíduos sujeitos a terapêutica antibiótica;

� Ácido gástrico – a sua importância é comprovada pela maior prevalência de infecções por

Salmonella spp., G. lamblia, entre outros microrganismos, em indivíduos gastrectomizados ou com acloridria por outro motivo;

� Motilidade e secreções intestinais – permitem a constante eliminação dos microganismos que se

estabelecem no intestino delgado ou no cólon;

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� Imunidade – a imunidade humoral é fundamental, sendo particularmente importante a presença de IgA secretora produzida pelo GALT (tecido linfóide associado à mucosa gastro-intestinal); também a imunidade celular é importante, como se percebe pela frequência muito elevada de infecções do tracto GI em indivíduos com SIDA, habitualmente provocadas por agentes como Cryptosporidium spp., Salmonella spp. ou CMV (entre muitos outros).

IV. Normas de Colheita e Transporte de Fezes para E xame Microbiológico Exame bacteriológico :

Utilizado para despiste por rotina de Salmonella spp., Shigella spp. e Campylobacter spp. Em certos casos e após contacto com o Laboratório de Microbiologia pode ser utilizado para detecção de Y. enterocolitica, ETEC e EHEC, Vibrio spp. e Aeromonas hidrophyla.

Procedimento: 1. Instruir o doente para defecar para um recipiente limpo e seco; 2. Transferir uma porção do tamanho de uma noz para um recipiente esterilizado; 3. Se possível deve seleccionar-se uma porção contendo sangue, muco ou pús, visto conterem o maior

número de microrganismos patogénicos.

Tradicionalmente aconselha-se a colheita de 3 amostras de dejecções diferentes. No entanto, nos casos agudos uma amostra será quase sempre suficiente.

Sempre que as fezes não possam ser processadas até duas horas após a sua emissão deverão ser colocadas num recipiente esterilizado com meio de transporte de Cary-Blair e mantidas à temperaura ambiente.

No caso de suspeita de infecção por C. difficile a pesquisa de toxina deve ser feita a partir de fezes colhidas sem meio de transporte.

Perante um quadro clínico de colite acompanhada de febre é sempre aconselhável colher, simultanea-mente, sangue para hemoculturas. Exame parasitológico:

A colheita deverá ser efecutado tal como para o exame bacteriológico sendo a amostra colocada num

recipiente esterilizado sem meio de transporte, que deverá ser refrigerado até ser enviado ao laboratório. Deverá ser feita a colheita de três amostras por doente, de preferência em dias alternados.

Exame virológico:

O método de colheita é idêntico ao que se utiliza para os restantes tipos de exame microbiológico. A recolha deverá ser feita para um recipiente esterilizado sem meio de transporte, que deverá ser

refrigerado a 4º C até poder ser enviado ao laboratório. No caso de se prever um intervalo de tempo até ao processamento superior a 24 horas a conservação da amostra deve ser feita a -70º C. Amostras mantidas nestas condições só deverão ser descongeladas uma vez, já que os ciclos de congelação / descongelação destroem os vírus que se pretende pesquisar. V. Processamento Laboratorial das Amostras de Fezes Exame bacteriológico

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O exame bacteriológico das fezes consiste essencialmente na cultura das amostras em meios próprios. Nalgumas situações o exame microscópico directo poderá fornecer algumas informações úteis. A pesquisa de toxinas tem indicações precisas. Exame microscópico directo

O exame microscópico directo é feito através da observação ao microscópio óptico das amostras após a coloração com azul de metileno. Permite detectar a presença de leucócitos nas fezes. A morfologia destes leucócitos fecais é útil na distinção entre diarreia aquosa, diarreia inflamatória e febre entérica (ver tabela 3).

A observação de amostras coradas pelo método de Gram não fornece, habitualmente, nenhuma informação. A observação em microscópio de campo escuro pode, no entanto, auxiliar no diagnóstico provisório de infecção por Campylobacter spp. Exame cultural

No exame cultural podem ser utilizados diversos meios próprios, consoante a suspeita do agente etiológico. Por rotina são utilizados os seguintes meios:

� Meio de MacConkey – incubação em aerobiose a 35ºC, durante 18-24 horas; � Meio SS (ou meio selectivo para Salmonella spp. e Shigella spp.) – meio selectivo e diferencial

destinado à pesquisa de Salmonella spp. e Shigella spp.; inibe o crescimento das bactérias Gram positivas e restantes Gram negativas através de uma alta concentração de sais biliares e da presença de vários corantes; permite também evidenciar colónias que fermentam a lactose e que produzem H2S: - à semelhança do meio de MacConkey os microrganismos que fermentam a lactose originam colónias rosas, sendo as colónias lactose negativas incolores; - os microrganismos que produzem H2S originam colónias com centro negro; a presença de colónias incolores com ou sem centro negro representa uma forte presunção de Salmonella spp. ou Shigella spp., respectivamente; incubação em aerobiose a 35º C, durante 18-24 horas;

� Meio de Preston ou outro selectivo para Campylobacter spp. – contém carvão activado (para

remover os radicais de oxigénio tóxicos) e uma selecção de antibióticos que inibem o crescimento dos restantes microrganismos; incubação em atmosfera de microaerofilia (5-7% de O2), capnofilia (10% de CO2) e 85% de azoto, a 42ºC, durante 48-72 horas.

De acordo com a suspeita clínica podem ainda utilizar-se os seguintes meios:

� Meio de MacConkey sorbitol – utilizado na pesquisa de E. coli O157:H7; meio de MacConkey em que a lactose é substituída por sorbitol; colónias de E. coli O157:H7 (sorbitol negativas) ficam incolores enquanto as sorbitol positivas ficam rosadas; incubação em aerobiose a 35ºC, durante 18-24 horas;

� Meio TCBS – meio selectivo para Vibrio spp.; apresenta um pH bastante alcalino (9 a 10) e pouco

suporte nutritivo, duas características que permitem o crescimento destes microrganismos mas inibem o desenvolvimento da maioria dos restantes; incubação em aerobiose a 35ºC, durante 18-24 horas;

� Meio CYN – selectivo para Yersinia spp.; constituído por cefsulodina, irgasan e novobiocina que

inibem o crescimento dos restantes microrganismos; utilizado quando há suspeita de infecção por Y. enterocolitica; incubação em aerobiose a 35ºC, durante 18-24 horas;

� Meio de Kligler (ver páginas 78-79) – utiliza-se para confirmar padrões de crescimento no

MacConkey e SS sugestivos de Salmonella spp. ou Shigella spp. Nessas circunstâncias faz-se uma sub-cultura em Kligler e, caso o padrão de crescimento neste meio mantenha essa suspeita, procede-se à cultura em meio de ureia e às provas bioquímicas de identificação;

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� Meio de Ureia – utilizado para diferenciar bactérias consoante a produção de urease; a existência desta enzima permite à bactéria hidrolizar a ureia do meio em amónia e CO2, tornando o meio fortemente alcalino e ficando de cor vermelha; na ausência de urease o meio permanece laranja; na prática clínica utiliza-se para confirmar se determinado padrão de crescimento no meio de Kligler corresponde a Salmonella spp. ou Shigella spp.; E. coli, Salmonella spp. e Shigella spp. são tipicamente urease negativas enquanto que Proteus spp. e Morganella morganii são urease positi-vas.

Pesquisa de toxinas

Na suspeita de colite pseudomembranosa efectua-se a pesquisa da toxina A de C. difficile. Nalguns laboratórios pode ainda efectuar-se a pesquisa de toxina Shiga nos casos de infecção por Shigella spp. ou EHEC. Exame parasitológico

O exame parasitológico das fezes é feito após concentração das fezes. Este procedimento é realizado apenas através da acção da gravidade ou recorrendo à centrifugação da amostra. O seu objectivo é obter porções da amostra com o maior número de parasitas e a menor quantidade de detritos fecais de forma a facilitar a observação microscópica.

Após concentração pode então realizar-se:

� Exame microscópico a fresco: o para pesquisa de ovos de helmintas – exs: Taenia spp., Ascaris lumbricoides, etc; o para pesquisa de quistos de protozoários – exs: G. lamblia, E. histolytica, etc;

� Exame microscópico corado para pesquisa de quistos de protozoários – ex: Ziehl-Neelsen modifica-

do para I. belli e Cryptosporidium spp.

� Observação por microscopia electrónica – para pesquisa de Microsporídios (apenas em laboratórios especializados).

Exame virológico

A partir das amostra de fezes realiza-se a pesquisa de antigénios virais através dos métodos de ELISA ou aglutinação em látex. Os testes serológicos raramente são utilizados. Em laboratórios especializados pode realizar-se a detecção de partículas virais por microscopia electrónica. VI. Profilaxia e Terapêutica das Infecções do Tract o Gastro-Intestinal Medidas de prevenção e profilaxia:

� Cuidados na preparação e refrigeração de alimentos ; � Educação na área da higiene – lavagem das mãos, eliminação de resíduos, etc; � Estabelecimento de redes de saneamento básico ; � Medidas comportamentais – ex: viajantes para zonas endémicas devem evitar ingestão de

alimentos (sólidos ou líquidos) que possam estar contaminados; � Vacina contra cólera ou Profilaxia com tetraciclina – utilizadas em viajantes para zonas com cóle-

ra endémica.

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Medidas terapêuticas:

� Reposição de líquidos e electrólitos – fundamental em todos os casos; evitar fármacos anti-diarreicos porque podem prolongar a duração da diarreia e aumentar a desidratação;

� Anti-bacterianos – apenas indicados nas diarreias mais invasivas (exs: S. Typhi, Salmonella não

tífica em imunodeprimidos, Shigella spp., Campylobacter spp., etc); as melhores opções terapêuticas são: quinolonas (ciprofloxacina, levofloxacina) e macrólidos (azitromicina); outras hipóteses de tera-pêutica são co-trimoxazol, ampicilina ou cefalosporinas de 3ª geração; nos casos de cólera recorre-se a tetraciclinas ou co-trimoxazol;

� Anti-parasitários – em casos de infecções por helmintas (mebendazol, albendazol ou tinidazol) ou

por protozoários (metronidazol).

Nas crianças com diarreia sanguinolenta a terapêutica antibiótica deve sempre ser evitada, porque a sua

utilização está associada ao aumento da produção da toxina Shiga pelas estirpes EHEC (ver VIII. E. coli Associadas a Gastrenterite), elevando a gravidade e mortalidade destas infecções. VII. Diarreia do Viajante

A diarreia do viajante é uma patologia muito frequente que afecta, principalmente, indivíduos provenien-tes de países desenvolvidos durante viagens a países em vias de desenvolvimento. Resulta habitualmente da contaminação de alimentos ou água por vários microrganismos. Etiologia

Em vários estudos sobre diarreia do viajante (DV) as taxas de identificação de microrganismos variaram entre 30 e 60%. De uma forma geral as bactérias são responsáveis por 80 a 85% dos casos, os parasitas por cerca de 10% e os vírus pelos 5% restantes. Os microrganismos mais frequentes dentro de cada reino são:

� Bactérias:

o E. coli entero-toxigénica (ETEC); o E. coli entero-agregante (EAEC) e difusamente aderente (DAEC); o Campylobacter jejuni; o Salmonella spp. (principalmente Salmonella não-Typhi; o Shigella spp.; o Vibrio spp.; o Outras (Aeromonas hydrophila, Plesiomonas shigelloides, Y. enterocolitica, Bacteroides

fragilis, etc)

� Parasitas: o Giardia lamblia; o Cryptosporidium parvum; o Cyclospora cayetanensis; o Entamoeba histolytica; o Dientamoeba fragilis;

� Vírus:

o Rotavírus; o Norovírus;

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Terapêutica

Tal como nos restantes casos de infecções do TGI a reposição dos líquidos e electrólitos perdidos é a base da terapêutica. Na DV os antibióticos são utilizados muito frequentemente, mas utilizam-se também outros fármacos para controlo sintomático: agentes inespecíficos (como subsalicilato de bismuto) ou anti-peristálticos (como loperamida).

Em casos de diarreia aquosa, com 1 a 2 dejecções por dia, e sintomatologia associada ligeira (dor

abdominal, náuseas...), é suficiente a re-hidratação. Quando a sintomatologia acompanhante é mais intensa recorre-se aos fármacos para controlo sintomático.

Em caso de diarreia aquosa com mais de 2 dejecções/dia, diarreia com características inflamatórios ou febre associada utiliza-se terapêutica antibiótica (quinolona ou macrólido). A loperamida deve ser evitada em todos os casos de febre ou disenteria, porque o seu uso pode aumentar a duração da diarreia nas infecções por Shigella spp. ou outros microrganismos invasivos.

Caso a diarreia se torne muito abundante, a febre ou a diarreia persistam apesar do antibiótico ou o doente apresente sinais de desidratação, deve ser procurar-se apoio médico especializado de forma a realizar terapêutica mais dirigida. VIII. Enterobacteriaceae Ver páginas 74-75. IX. E. coli Associadas a Gastrenterite

Como discutido na 6ª AULA: Infecção Urinária (páginas 75-76) E. coli é um microrganismo muito virulento e responsável por um grande número de doenças. Aqui serão abordadas apenas as seis estirpes de E. coli que apresentam a capacidade de provocar gastrenterite. Antes serão expostos os principais factores de virulência que estes microrganismos apresentam. Factores de virulência

Além dos factores de virulência comuns às Enterobacteriaceae (págs. 74-75) E. coli possui vários outros que podem ser agrupados em adesinas e exotoxinas. Adesinas

� CFA I, II, e III – antigénios dos factores de colonização; � AAF I e III – fímbrias de adesão agregativa; � Bfp – “bundle-forming pili”; � Intimina ; � Fímbria P ; � Proteína Ipa ; � Fímbria Dr .

Exotoxinas

� Toxinas Shiga – Stx-1 e -2;

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� Toxinas termo-estáveis – STa e b; � Toxinas termo-lábeis – LT–I e –II; � Hemolisinas – HlyA.

Algumas das adesinas, nomeadamente os CFA, AAF, Bfp e fímbrias, e todas as exotoxinas à excepção das hemolisinas são fundamentais para as infecções do TGI, conferindo diferentes características às estirpes que as apresentam. Estirpes causadoras de gastrenterite ETEC (E. coli entero-toxigénica)

A doença provocada por esta estirpe é mais frequente em crianças nos países em desenvolvimento e em viajantes para estas áreas (é a principal causa de diarreia do viajante, sendo responsável por 25 a 75% destas infecções). A infecção ocorre principalmente por consumo de água ou alimentos contaminados com fezes.

Esta estirpe tem a capacidade de aderir às células epiteliais da parede intestinal através de fímbrias ou dos CFA e produz duas classes de enterotoxinas: termo-estáveis (STa e STb) e termo-lábeis (LT-I e LT-II). LT-II não se associa a doença no Homem mas LT-I é semelhante estrutural e funcionalmente à toxina da cólera. Possui uma subunidade A e cinco subunidades B idênticas. As subunidades B ligam-se ao mesmo receptor que a toxina da cólera (gangliósido GM1) permitindo a endocitose da subunidade A. Esta interage com uma proteína Gs que regula a adenilato ciclase, provocando o aumento dos níveis intra-celulares de cAMP promovendo a secreção de cloreto e diminuindo a absorção de sódio e cloreto. A soma destes efeitos explica a diarreia aquosa.

A STa, ao contrário da STb, também se associa à capacidade infeciosa no Homem. Esta toxina liga-se à guanilato ciclase, levando ao aumento do cGMP e subsequente hipersecreção de líquidos.

A diarreia secretória provocada por esta estirpe surge após um período de incubação de 1 a 2 dias e, em média, persiste por 3 a 4 dias. Apresenta sintomas semelhantes à cólera (cólicas, vómitos e diarreia aquosa) mas menos intensos não havendo também alterações ou inflamação da mucosa intestinal.

A estirpe pode ser detectada por imuno-ensaios específicos. EPEC (E. coli entero-patogénica)

É uma causa importante de diarreia não inflamatória infantil nos países em desenvolvimento, sendo rara em adolescentes e adultos e nos países desenvolvidos. A doença caracteriza-se pela adesão bacteriana às células epiteliais do intestino delgado e subsequente destruição das microvilosidades.

A adesão é medida pelo Bfp e seguida pela secreção activa de proteínas bacterianas para dentro das células epiteliais.

A diarreia aquosa resulta da má absorção associada à destruição das microvilosidades, dura cerca de 1 semana e surge após 1 a 2 dias de incubação. O diagnóstico pode ser feito pela determinação de certos serogrupos associados a esta estirpe. EAEC (E. coli entero-agregante) e DAEC (E. coli difusamente aderente)

Estas bactérias têm a capacidade de aderir às células epiteliais, observando-se então o encurtamento das microvilosidades, a infiltração por mononucleares e o aparecimento de hemorragias. São causas fre-quentes de diarreia não inflamatória em países em desenvolvimento e em crianças pequenas. Podem também causar diarreia do viajante. EIEC (E. coli entero-invasiva)

Estirpe com características fenotípicas e patogénicas semelhantes a Shigella spp. Tem a capacidade de invadir e destruir o epitélio do cólon, provocando uma diarreia inicialmente aquosa. Numa minoria dos casos há progressão para disenteria com febre, cólicas abdominais e sangue e leucócitos nas fezes. Apesar disso é um agente pouco comum de infecção tanto em países desenvolvidos, como em desenvolvimento (incluindo viajantes).

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O período de incubação é de 7 a 10 dias mantendo-se a doença por 5 a 10. Os genes bacterianos responsáveis pela invasão estão presentes em plasmídios.

EHEC (E. coli entero-hemorrágica)

Estirpe patogénica mais frequente nos países desenvolvidos. A doença pode variar entre uma diarreia ligeira, não complicada até uma colite hemorrágica com dor abdominal grave, diarreia sanguinolenta e ausência de fabre ou febre baixa. A maioria dos casos desta doença associam-se ao consumo de carne mal cozinhada, água, leite não pasteurizado, vegetais crús ou frutos e é mais frequente nos meses de Verão em crianças até 5 anos.

Inicialmente surge uma diarreia aquosa com dor abdominal após um período de incubação de 3 a 4 dias. Após 2 dias de doença esta evolui para diarreia com sangue e dor abdominal grave, resolvendo tipicamente ao fim de 4 a 10 dias num doente não tratado.

Esta estirpe expressa uma toxina Shiga (Stx-1 e -2, ambas idênticas à produzida por S. dysenteriae) que degrada o RNA ribossómico inibindo, irreversivelmente, a função dos ribossomas. Ambas são codificadas por bacteriófagos e têm uma subunidade A e cinco subunidades B idênticas que se ligam a um glicolípido da célula hospedeira que existe em grande quantidade nas células epiteliais intestinais e no glomérulo renal. Após a internalização a subunidade A liga-se ao rRNA 28S impedindo a síntese proteica. A destruição das microvilosidades provoca a diminuição da absorção e um ligeiro aumento da secreção originando a diarreia.

Cerca de 10% das crianças com menos de 10 anos infectadas desenvolvem Síndrome Hemolítico Urémico (SHU), uma complicação caracterizada por insuficiência renal aguda, trombocitopénia e anemia hemolítica microangiopática. A mortalidade desta síndrome é 3 a 5% e cerca de 30% mantêm sequelas graves como insuficiência renal crónica ou alterações neurológicas. O SHU associa-se principalmente à toxina Stx-2 e parece ser provocado pela translocação sistémica da toxina mediada pelos eritrócitos.

Existem mais de 50 serogrupos de EHEC isolados mas pensa-se que a maioria das infecções no Homem se devem ao serótipo O157:H7. Este serótipo tem a particularidade de ser o único dentro de E. coli sem a capacidade de fermentar o sorbitol. Assim pode ser identificado no laboratório utilizando um meio com este sacárido. Habitualmente utiliza-se o meio de MacConkey sorbitol em que se substitui a lactose por sorbitol. Desta forma as colónias sorbitol positivas ficam rosadas enquanto que as colónias de E. coli O157:H7 (sorbitol negativas) ficam transparentes.

Outros serótipos de E. coli associados a colite hemorrágica e SHU são O6, O26, O55, O91, O103, etc. Terapêutica

A principal medida terapêutica em todos os casos de diarreia é a reposição de líquidos e electrólitos. Nos casos de diarreia do viajante a utilização de uma quinolona diminui a duração da doença e a loperamida pode evitar a sintomatologia.

Na disenteria por EIEC, apesar de auto-limitada, a terapêutica antibiótico facilita a resolução do quadro. Pelo contrário, nos casos de infecção por EHEC a utilização de antibióticos deve ser evitada já que estes parecem induzir a replicação dos bacteriófagos produtores de Stx e aumentar a produção desta toxina, elevando o risco de desenvolvimento de SHU. X. Salmonella spp.

O género Salmonella spp. é composto por bacilos Gram negativos, tipicamente não fermentadores da lactose, anaeróbios facultativos, podendo crescer entre 7 e 48º C (óptimo 37º C) e a um pH entre 4 e 8.

A classificação taxonómica deste género é problemática, existindo actualmente mais de 2500 serotipos,

antigamente considerados como espécies individuais. Actualmente reconhecem-se apenas duas espécies: S. enterica e S. bongori. A espécie S. enterica subdivide-se ainda em seis subespécies, pertencendo a maioria das espécies patogénicas para o Homem à subespécie S. enterica enterica.

Assim, por exemplo, a antiga espécie S. typhi deverá denominar-se S. enterica subespécie enterica

serótipo typhi. Para facilitar esta nomenclatura definiu-se a utilização apenas do género (em itálico) e o serótipo (em letra romana, primeira letra em maiúscula). Assim, no mesmo exemplo, teríamos, Salmonella Typhi ou, simplesmente, S. Typhi.

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Características patogénicas

Após a ingestão e passagem pelo estômago as Salmonella spp. são capazes de invadir as células M localizadas nas placas de Peyer na porção terminal do intestino delgado. As bactérias replicam-se então intracelularmente dentro dos fagossomas provocando a morte da célula hospedeira e a disseminação para as células adjacentes e tecido linfóide.

A resposta inflamatória confina a infecção ao TGI, provoca a libertação de prostaglandinas e estimula a secreção activa de cAMP e líquidos.

Nos casos de infecção por estirpes que manifestam poder invasivo (por elevada virulência do microrganismo – ex: S. Typhi – e/ou particular susceptibilidade do hospedeiro) após o atingimento das placas de Peyer ocorre a disseminação para os gânglios linfáticos mesentéricos atingindo posteriormente a corrente sanguínea originando uma bacteriémia primária. Por fim, dá-se a invasão do baço, fígado, vias biliares ou medula óssea onde se multiplica (podendo originar uma bacteriémia secundária – febre tifóide). A multiplicação nas vias biliares explica a existência de bactérias nas fezes, permitindo o diagnóstico através deste produto biológico. Epidemiologia

Salmonella spp. colonizam praticamente todos os animais. A disseminação entre animais e a utilização de rações contaminadas contribuem para manter o reservatório animal. Alguns serotipos como S. Typhi e S. Paratyphi estão altamente adaptados ao Homem e não causam doenças nos animais enquanto que outros, como S. Choleraesuis estão adaptados aos animais e, quando infectam o Homem, provocam infecções graves. A maioria das estirpes têm a capacidade de provocar doença tanto veterinária como humana.

A maioria das infecções resulta da ingestão de alimentos contaminados ou, nas crianças, de disseminação fecal-oral directa. A incidência de salmoneloses é superior nas crianças até 5 anos de idade e nos adultos com mais de 60, sendo as fontes mais comuns de infecção a carne bovina, ovos, leite, marisco e alimentos preparados em superfícies contaminadas.

As infecções por S. Typhi (e S. Paratyphi) ocorrem após ingestão de água ou alimentos contaminados por indivíduos que os manipularam. Não há reservatório animal. A dose infecciosa deste agente é baixa, por isso a transmissão directa é frequente.

De realçar ainda que existem portadores assintomáticos destes agentes que funcionam como reservatórios e, através da permanente excreção de bactérias nas fezes, permitem a manutenção da doença no Homem. A colonização assintomática estabelece-se em cerca de 1 a 5% dos indivíduos com infecção aguda e, tipicamente, ocorre na vesícula e vias biliares. Doenças Associadas

� Gastrenterite (salmonelose não tífica); � Septicémia; � Febre entérica ou febre tifóide; � Colonização assintomática. As salmoneloses não tíficas têm um tempo de incubação de 6 a 48 horas e manifestam-se por náuseas,

vómitos e diarreia sem sangue. Febre, dores abdominais, mialgias e cefaleias também são comuns. A bacteriémia ocorre no início da infecção provavelmente com todas as Salmonella spp., associando-se

mais frequentemente a S. Typhi, S. Paratyphi e S. Choleraesuis. A febre entérica é provocada por S. Typhi (febre tifóide) e S. Paratyphi (febre paratifóide). A manifesta-

ção clínica mais marcante é a febre prolongada e elevada (tipicamente 38,5 a 40,5º C) que sucede a um pródromo de sintomas inespecíficos como calafrios, mialgias, cefaleias, anorexia, astenia, etc. A acompanhar a febre surge dor abdominal (presente inicialmente em 20-40% dos doentes, mas surgindo na maioria dos indivíduos durante a evolução da doença) e alteração dos hábitos intestinais (diarreia ou obstipação). No exame objectivo destes doentes verifica-se um exantema maculo-papular no tronco e dorso, hepatoespleno-megália, bradicárdia, etc. Nos doentes não tratados podem ocorrer complicações tardias (na terceira ou quarta semana de evolução da doença) tais como hemorragia gastro-intestinal ou perfuração intestinal.

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Outras complicações mais raras incluem infecções de praticamente todos os órgãos e sistemas (pancreatite, pneumonia, meningite, hepatite, artrite, osteomielite, miocardite, etc). Diagnóstico

O diagnóstico laboratorial das salmoneloses é feito pelo isolamento do agente em coprocultura recorrendo-se aos meios de MacConkey, SS e Kligler (págs. 78-79). No diagnóstico de febre tifóide podemos ainda recorrer aos seguintes métodos:

� Exame cultural do sangue, urina, medula óssea ou outros produtos biológicos nos meios acima referidos;

� Teste de Widal (determinação dos anticorpos que aglutinam com antigénios H e O) – pouco sensível e específico;

� Detecção do antigénio Vi (capsular, praticamente exclusivo de S. Typhi). Prevenção e controlo

As medidas de prevenção e controlo são semelhantes às advogadas para as gastrenterites de uma forma geral Terapêutica

As salmoneloses não tíficas são auto-limitadas, não justificando tratamento anti-microbiano, visto este não

encurtar a duração da doença e predispor à colonização assintomática. Nestes casos recorre-se apenas a medidas de suporte, nomeadamente hidratação. A terapêutica anti-microbiana deverá reservar-se para as formas clínicas graves, por exemplo, quando a diarreia persiste por mais de três dias (associada a febre, vómitos, dor abdominal ou mialgias) ou em doentes com risco de doença invasiva (ex: imunodeprimidos).

Nos casos de salmonelose invasiva a terapêutica antibiótica deve ser sempre instituída. Em ambas as situações as melhores opções terapêuticas são: � Fluoroquinolonas (ciprofloxacina); � Cefalosporinas de 3ª geração (ceftriaxona);

Outra opção são os macrólidos (azitromicina). Os portadores crónicos de Salmonella spp. devem realizar

terapêutica antibiótica durante 6 semanas com amoxicilina, co-trimoxazol ou uma quinolona (eficácia 80%). XI. Shigella spp.

As Shigella spp. são bacilos curtos, Gram negativos, imóveis, não fermentadores da lactose e não produtores de H2S, membros da família Enterobacteriaceae e muito próximos das Escherichia spp. De facto os dois géneros não podem ser diferenciados por técnicas de hibridização de DNA.

Este género compreende cerca de 43 serogrupos de quatro espécies: � S. dysenteriae; � S. flexneri; � S. boydii; � S. sonnei.

A shigelose pode ser uma doença grave manifestando-se com invasão da mucosa do intestino grosso

provocando inflamação e resultando na presença de sangue e pús nas fazes. No entanto a gravidade da doença depende não só do estado de saúde do hospedeiro mas também da espécie envolvida. S. sonnei provoca as infecções mais ligeiras sendo o mais frequente nos países industrializados, S. dysenteriae é o agente que causa as infecções mais graves, enquanto que a infecção por S. flexneri e S. boydii tem gravidade intermédia sendo o primeiro o agente mais frequente nos países em desenvolvimento. Epidemiologia

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A shigelose é uma antroponose exclusiva já que não existem reservatórios animais identificados. A

manutenção da doenças no Homem faz-se à custa de portadores assintomáticos. Tal como para Salmonella spp. a colonização assintomática faz-se a nível da vesícula e vias biliares, após uma infecção aguda sintomática.

Esta doença afecta principalmente a população pediátrica, ocorrendo 70% das infecções até aos 15 anos de idade. Entre os adultos é mais frequente em homossexuais masculinos e em indivíduos que vivem com crianças infectadas.

A transmissão é por via fecal-oral, principalmente por indivíduos com as mãos contaminadas e, menos frequentemente, através de água ou alimentos. Patogénese

A característica patogénica fundamental de Shigella spp. é a invasão e multiplicação no epitélio da mucosa do cólon. Inicialmente as bactérias aderem e invadem as células M nas placas de Peyer. Uma vez dentro destas células destroem o vacúolo fagocítico e replicam-se no citoplasma da célula hospedeira. Têm ainda a capacidade de se disseminarem entre o citoplasma de células hospedeiras adjacentes, impedindo a acção do sistema imunitário.

As Shigella spp. também sobrevivem à fagocitose ao induzirem a apoptose das células do hospedeiro. Este processo também leva à libertação de interleucina-1β que atrai leucócitos polimorfonucleares aos locais infectados, desestabilizando a estrutura da parede intestinal e permitindo o acesso das bactérias às células epiteliais mais profundas.

S. dysenteriae também produz uma exotoxina, denominada toxina Shiga (Stx). A sua acção é idêntica à da toxina produzida pela estirpe entero-hemorrágica de E. coli (pág. 114) e provoca a lesão do epitélio intestinal. Num pequeno número de doentes pode também lesar o epitélio glomerular do rim, provocando SHU e insuficiência renal. Doenças associadas

� Disenteria; � Colonização assintomática. A shigelose caracteriza-se por cólicas abdominais intensas, tenesmo, fezes com pús e sangue

abundantes e febre, após um período de incubação de 1 a 3 dias. Esta infecção é geralmente auto-limitada. Diagnóstico laboratorial

O diagnóstico é feito por isolamento da bactéria em cultura. Recorre-se aos meios de cultura habituais no processamento das fezes, como os meios de MacConkey, SS e Kligler (págs. 78-79). Terapêutica, prevenção e controlo

Habitualmente a hidratação e reposição de electrólitos é suficiente. Em casos graves recomenda-se a terapêutica antibiótica mas sempre após determinação do padrão de susceptibilidade dos microrganismos, já que as resistências em Shigella spp. são frequentes e difíceis de prever. Em situações muito graves pode iniciar-se terapêutica empírica com ampicilina ou co-trimoxazol, quando a infecção foi adquirida num país desenvolvido com baixa prevalência de Shigella spp. resistente aos antibióticos, ou com uma fluoroquinolona (ciprofloxacina) ou macrólido (azitromicina), quando foi adquirida num país em desenvolvimento.

Como medidas de prevenção e controlo defende-se a educação relacionada com a higiene pessoal e a

instituição de sistemas de saneamento básico. Devido à inexistência de reservatórios animais o sucesso destas medidas poderá implicar a erradicação da doença.

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XII. Parasitas Intestinais

Os parasitas podem, pela sua estrutura celular, ser divididos em dois grandes grupos: � protozoários (unicelulares); � helmintas (pluri ou multicelulares). Os protozoários, pertencentes ao sub-reino Protozoa, podem ser ainda divididos em amibas, flagelados,

ciliados, coccídeos e microsporídios. Os helmintas fazem parte do sub-reino Metazoa, no qual também se incluem os artrópodes, e podem agrupar-se em tremátodes, céstodes e nemátodes. Classificação dos parasitas intestinais patogénicos 1. Protozoários

Amibas: Entamoeba histolytica Entamoeba polecki Blastocystis hominis Flagelados: Giardia lamblia Dientamoeba fragilis Ciliados: Balantidium coli Coccídeos: Isospora belli Sarcocystis spp. Cyptosporidium parvum Outros Cryptosporidium spp. Cyclospora spp. Microsporídios: Encephalitozoon spp. Enterocytozoon spp.

2. Helmintas

Céstodes: Taenia solium Taenia saginata

Diphyllobothrium latum Hymenolepis nana

Hymenolepis diminuta Dipylidium caninum Tremátodes: Fasciolopsis buski Opisthorchis sinensis Nemátodes: Enterobius vermicularis

Ascaris lumbricoides Trichuris trichiura Ancylostoma duodenale Necator americanus Strongyloides spp.

Na 9ª aula prática de Microbiologia, destacam-se quatro protozoários intestinais patogénicos.

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Entamoeba histolytica

E. histolytica é uma amiba que existe principalmente nas regiões tropicais e sub-tropicais. A infecção é feita a partir da ingestão de água ou alimentos contaminados com a forma quística. A passagem pelo estômago estimula a libertação da forma trofozoíto no duodeno. A replicação deste provoca uma necrose extensa no intestino grosso, presumivelmente devido à acção de uma citotoxina após a adesão do parasita à parede intestinal.

O parasita pode posteriormente invadir toda a parede intestinal e aceder à cavidade peritoneal, possibilitando a extensão da infecção a outros órgãos, como o fígado, os pulmões, o cérebro e o coração.

Assim a infecção por E. histolytica pode ter três resultados: � Estado de portador; � Amebíase intestinal; � Amebíase extra-intestinal.

O diagnóstico é feito pela identificação de quistos e trofozoitos nas fezes dos doentes infectados. A

distinção dos quistos de E. histolytica das restantes espécies de Entamoeba spp. é fundamental, sendo, no entanto, impossível a distinção microscópica com a espécie não invasiva E. dispar. Pode ainda recorrer-se a testes serológicos, imunológicos ou moleculares.

Na terapêutica utiliza-se metronidazol seguido por iodoquinol ou paromomicina, sendo os dois últimos também eficazes na erradicação do estado de portador crónico. Giardia lamblia

G. lamblia é um flagelado que infecta principalmente crianças em creches ou outros estabelecimentos. A transmissão é feita pela ingestão de água, vegetais ou frutos contaminados com a forma quística ou ainda pelas vias fecal-oral ou anal-oral.

Após a ingestão a acção do ácido gástrico estimula a libertação dos trofozoitos no duodeno e jejuno onde se replicam por divisão binária. Os trofozoítos aderem às vilosidades intestinais através de um disco ventral, provocando diminuição das vilosidades, inflamação da mucosa e hiperplasia dos folículos linfóides, não ocorrendo, no entanto, necrose tecidual nem disseminação extra-intestinal.

A infecção pode resultar em diarreia ligeira, síndrome de malabsorção grave ou ainda estado de portador assintomático (50% dos casos). Em doentes com deficiência de imunoglobulina A ou divertículos intestinais pode desenvolver-se uma infecção crónica.

O diagnóstico é feito pela pesquisa de quistos nas fezes, aspiração duodenal, string test ou biópsia do intestino delgado superior.

Na terapêutica utiliza-se metronidazol ou furazolidina, tinidazol, quinacrina ou nitazoxamida como alternativas, tanto em casos de doença activa como em portadores. Isospora belli

I. belli é um parasita coccídeo do epitélio intestinal. A infecção ocorre após ingestão de água ou alimentos contaminados ou após contacto sexual oral-anal e é mais frequente em doentes imunodeprimidos, especialmente com SIDA.

Os indivíduos infectados podem ser portadores assintomáticos ou ter doença gastro-intestinal ligeira ou grave, sendo muito semelhante à giardíase. Nalguns casos pode ocorrer diarreia crónica, anorexia, mau estar e fadiga que também pode surgir por outras causas em doentes com SIDA.

O diagnóstico é feita pela pesquisa de oocitos em preparações coradas com iodo ou Ziehl-Nielsen modificado. A terapêutica é feita com co-trimoxazol, pirimetamina ou ciprofloxacina. Indivíduos com SIDA podem sofrer recaídas e necessitam de terapêutica de manutenção com co-trimoxazol ou pirimitemina + sulfadoxina em associação. Cryptosporidium parvum

C. parvum é um coccídeo que se dissemina principalmente atraves da água contaminada. Outras formas de infecção são a disseminação zoonótica ou antroponótica pela via fecal-oral ou anal-oral.

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No intestino o parasita tem uma localização intracelular junto às microvilosidades. Nos indivíduos imunocompetentes a infecção provoca um estado de portador assintomático ou manifesta-se como uma diarreia aquosa, ligeira e auto-limitada. Nos imunodeprimidos (principalmente com SIDA) a infecção resulta numa diarreia grave com grande perda de líquidos e duração de meses a anos. Nalguns casos raros pode mesmo disseminar-se a todo o organismo.

A pesquisa de oocitos pode ser feita em preparações coradas com Ziehl-Nielsen modificado ou imunofluorescência indirecta. Os testes serológicos podem vir a ter algum interesse no futuro.

Até há poucos anos não existia terapêutica eficaz para Cryptosporidium spp., apesar de a paromomicina parecer ser parcialmente eficaz em alguns indivíduos infectados pelo HIV. A nitazoxanida é utilizada na criptosporidíase em crianças. O controlo do status imunitário do doente com terapêutica anti-retroviral pode melhorar a sintomatologia. A terapêutica actual apoia-se fundamentalmente na reposição de líquidos e electrólitos e administração de anti-diarreicos.

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10ª AULA: Infecções de Transmissão Sexual I. Noções Gerais Sobre Doenças Sexualmente Transmis síveis II. Classificação e Etiologia das Principais Doença s Sexualmente Transmissíveis III. Normas de Colheita e Transporte de Amostras do Aparelho Genital IV. Neisseria spp. V. Neisseria gonorrhoeae e Gonorreia VI. Chlamydiaceae VII. Chlamydia trachomatis VIII. Candida spp. e Candidíase Vulvovaginal IX. Trichomonas vaginalis e Tricomoníase Vaginal X. Vaginose Bacteriana XI. Treponema pallidum e Sífilis

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I. Noções Gerais Sobre Doenças Sexualmente Transmis síveis

Nas sociedades de todo o Mundo as doenças sexualmente transmissíveis (DST) encontram-se entre as doenças infecciosas mais frequentes. Actualmente existem mais de 30 infecções que se reconhece serem transmitidas predominante ou frequentemente através da relação sexual. Entre os agentes mais importantes de DST encontram-se:

Agente Doença

� Chlamydia trachomatis � Linfogranuloma venéreo, cervicite e uretrite � Neisseria gonorrhoeae � Gonorreia (uretrite e cervicite) � Treponema pallidum � Sífilis � Vírus herpes simplex (HSV) tipo 1 e 2 � Úlceras genitais, uretrite e vulvovaginite � Vírus do papiloma humano (HPV) � Papilomas e neoplasias ano-genitais � Trichomonas vaginalis � Vaginite e uretrite � Vírus da imunodeficiência humana (HIV) � SIDA � Haemophilus ducreyi � Úlcera mole venérea � Klebsiella granulomatis � Granuloma inguinal ou Donovaníase � Candida spp. � Candidíase vulvovaginal � Gardnerella vaginalis � Vaginose bacteriana � Mycoplasma genitalium � Uretrite e cervicite � Ureaplasma urealyticum � Uretrite e cervicite � Vírus da hepatite B (HBV) � Hepatite B � Vírus herpes humano 8 (HHV-8) � Sarcoma de Kaposi, linfomas

Nas últimas décadas o aparecimento do HIV e da SIDA veio alterar um pouco o panorama das DST. O medo desta infecção permitiu o desenvolvimento de sistemas de saúde mais especializados nesta área e ajudou a alterar alguns comportamentos de risco. Assim, apesar destes efeitos não serem tão marcados como seria inicialmente de esperar, observou-se, desde meados da década de 1980, uma descida na incidência de várias destas doenças. Apesar disto muito trabalho há ainda pela frente tanto nos países desenvolvidos como nos em vias de desenvolvimento.

De realçar que várias DST estão associadas a um maior risco de transmissão e aquisição da infecção por HIV, nomeadamente herpes genital, gonorreia, sífilis, infecções por Chlamydia spp., úlcera mole venérea, tricomoníase e vaginose bacteriana.

As DST podem ser divididas em dois grandes grupos: aquelas que afectam predominantemente órgãos

do aparelho reprodutivo (por exemplo: gonorreia, infecção por C. trachomatis) e as que afectam outros órgãos ou têm manifestações predominantemente sistémicas (por exemplo: infecção pelo HIV, hepatite B, sífilis). II. Classificação e Etiologia das Principais Doença s Sexualmente Transmissíveis

Em relação às DST que afectam principalmente o aparelho reprodutivo uma classificação simples e útil, e que será utilizada nesta aula, tem em conta o tipo de doença ou local anatómico afectado. Desta forma serão abordadas na aula as seguintes condições:

� Uretrite masculina; � Uretrite feminina; � Cervicite; � Vaginite / Vulvovaginite; � Doença Inflamatória Pélvica (DIP); � Lesões ulcerativas dos órgãos genitais externos.

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1 – Uretrite masculina

Os principais agentes etiológicos de uretrite no sexo masculino são: � Neisseria gonorrhoeae; � Chlamydia trachomatis; � Mycoplasma genitalium; � Ureaplasma urealyticum; � Trichomonas vaginalis; � HSV.

Clinicamente manifesta-se por: � Disúria; � Corrimento uretral purulento.

A incidência deste infecção decresceu gradualmente durante a década de 1990, atingindo cerca de 126

casos por cada 100 000 habitantes. A grande distinção clínica que deve ser feita nestes casos é entre a uretrite de etiologia gonocócica e a uretrite não gonocócica (UNG). No segundo caso o agente mais importante é a C. trachomatis, surgindo os restantes numa percentagem muito reduzida de doentes. Assim a principal preocupação diagnóstica deve ser a pesquisa de gonococos através dos métodos específicos para este agente (ver V. Neisseria gonorrhoeae e Gonorreia). Quando for excluída a existência deste agente deve efectuar-se terapêutica dirigida para Chlamydia spp. Por outro lado sempre que se confirmar a existência de gonococos, ou não for possível a sua exclusão, a terapêutica deve ser dirigida aos dois agentes (N. gonorrhoeae e C. trachomatis) já que, numa elevada percentagem de casos, a infecção uretral é mista. 2 – Uretrite feminina / Cervicite

No sexo feminino estas duas infecções surgem, quase invariavelmente, associadas. Os agentes etiológicos mais frequentes são:

� Neisseria gonorrhoeae; � Chlamydia trachomatis; � Mycoplasma genitalium; � HSV.

O quadro clínico típico é muito semelhante àquele que se verifica no sexo masculino. No entanto, numa

percentagem muito elevada de indivíduos, a infecção na mulher é assintomática. O sintoma mais frequente é a disúria que se deve ao envolvimento da uretra no processo infeccioso. A presença deste sintoma exige sempre o diagnóstico diferencial com cistite.

O envolvimento do colo do útero é quase sempre assintomático. O diagnóstico assenta na detecção de corrimento cervical muco-purulento ou no aumento do número de leucócitos polimorfonucleares no muco endocervical. A distinção etiológica e a terapêutica anti-microbiana são efectuadas de forma semelhante à uretrite masculina. 3 – Vaginite / Vulvovaginite

Para compreender a patogénese da vaginite / vulvovaginite é fundamental conhecer a flora vaginal normal e a sua evolução ao longo da vida de uma mulher. Podemos considerar que existem quatro fases distintas no que diz respeito à flora vaginal comensal:

1. Apesar de originalmente estéril, a vagina começa a ficar colonizada cerca de 6 horas após o parto

por microrganismos do meio ambiente (exs: Corynebacterium spp., Streptococcus spp. e Micrococcus spp.) ou adquiridos a partir da flora vaginal materna durante a passagem pelo canal de parto;

2. Alguns dias depois começam a surgir os lactobacilos (ou bacilos de Doderlein), Staphylococcus

coagulase negativos e bactérias anaeróbias Gram negativas e Gram positivas (exs: Peptostreptococcus spp. e Clostridium perfringens) que se mantêm até ao início da puberdade;

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3. O aumento de estrogénios após a puberdade estimula a deposição de glicogénio no epitélio vaginal, permitindo a colonização pelos microrganismos habituais da flora vaginal normal da mulher adulta. Estes são, por ordem decrescente de frequência: lactobacilos, Staphylococcus coagulase negativos, bactérias anaeróbias, Corynebacterium spp., Enterococcus spp., Gardnerella vaginalis e Candida spp.;

4. Na fase pós-menopausa a mulher volta a ter os microrganismos típica da fase pré-puberdade mas

com maior número de bacilos Gram negativos. Em relação à vaginite / vulvovaginite os agentes etiológicos mais frequentes são: � Candida spp.; � Trichomonas vaginalis; � Gardnerella vaginalis e outras bactérias associadas a vaginose bacteriana; � HSV. A infecção do epitélio vaginal, que resulta habitualmente da actividade sexual ou do contacto com

objectos contaminados, manifesta-se por corrimento vaginal com características anormais, nomeadamente quantidade aumentada ou alteração do cheiro ou cor. O atingimento vulvar manifesta-se por:

� disúria “externa” (resultante do contacto da urina com a vulva inflamada); � prurido, sensação de queimadura ou lesões vulvares; � dispareunia.

As características específicas do ponto de vista clínico, diagnóstico e terapêutico dos principais agentes

de vaginite / vulvovaginite serão abordadas mais à frente. 4 – Doença Inflamatória Pélvica

O termo DIP refere-se, mais frequentemente, a uma infecção ascendente do colo do útero ou vagina que atinge o endométrio e/ou trompas de Falópio. A infecção pode, posteriormente, disseminar-se para fora do aparelho reprodutor feminino provocando peritonite, peri-hepatite (síndrome de Fitz-Hugh-Curtis) ou abces-sos pélvicos. Em casos raros a infecção alta do aparelho reprodutor feminino pode ocorrer por disseminação:

� a partir de um foco adjacente de inflamação (exs: apendicite, diverticulite); � hematogénea (ex: tuberculose).

Os agentes etiológicos mais frequentes de DIP são: � Neisseria gonorrhoeae; � Chlamydia trachomatis; � Bactérias associadas a Vaginose bacteriana; � Streptococcus agalactiae ou β-hemolíticos do grupo B de Lancefield; � Mycoplasma genitalium.

Nos EUA, em 2002, ocorreram cerca de 200 000 casos de DIP. Entre os factores de risco para esta

patologia encontram-se a existência de infecção endocervical ou vaginose bacteriana, história de salpingite, utilização de dispositivo intra-uterino (DIU) e intervenções cirúrgicas uterinas (incluindo cesareana). A DIP pode apresentar-se como endometrite (infecção do endométrio) ou salpingite (infecção das trompas de Falópio). A endometrite isolada é relativamente pauci-sintomática, apresentando, por vezes, dor nos quadrantes inferiores do abdómen à palpação ou descompressão e, mais frequentemente, menorragias. A salpingite apresenta-se, habitualmente, com dor abdominal intensa nos quadrantes inferiores, febre, náuseas e vómitos e dor à descompressão.

A DIP acarreta um alto risco de sequelas permanentes entre as quais as mais importantes são: � Infertilidade devido a oclusão tubária bilateral; � Gravidez ectópica devido a cicatrização tubária; � Salpingite recorrente.

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5 – Lesões Ulcerativas dos Genitais Externos

A presença de úlceras genitais reflecte um importante grupo de DST, a maioria das quais aumenta significativamente o risco de transmissão e aquisição do HIV. Os agentes etiológicos mais frequentes destas DST são:

� HSV; � Treponema pallidum pallidum; � Haemophilus ducreyi; � C. trachomatis (estirpe LGV); � Klebsiella granulomatis.

O dianóstico destas situações é normalmente feito com base em dados puramente clínicos, com o auxílio

de dados epidemiológicos. Em caso de dúvida ou como procedimento de confirmação recorre-se a testes específicos para os principais agentes etiológicos. III. Normas de Colheita e Transporte de Amostras do Aparelho Genital

As amostras biológicas do aparelho genital podem ser obtidas de várias localizações anatómicas, consoante o tipo de infecção de que se suspeita. Assim no sexo feminino podem-se colher amostras da vagina, endocolo, uretra, endométrio, recto e úlceras genitais. No sexo masculino as amostras utilizadas no exame microbiológico podem ser obtidas a partir da uretra, recto e úlceras genitais. Em seguida discutem-se as normas de colheita e transporte das amostras mais utilizadas.

De realçar apenas que os meios de transporte utilizados para as amostras destinadas ao exame cultural variam consoante o/s agente/s que se pretende pesquisar. Assim para N. gonorrhoeae utiliza-se um meio com carvão activado, para C. trachomatis o meio varia de acordo com as instruções do fabricante do kit de identificação e para os agentes de vaginite utiliza-se um meio de transporte inespecífico. Exsudado endocervical

A colheita deve seguir o seguinte procedimento: 1. colocação de espéculo sem lubrificante ou apenas humedecido com soro fisiológico estéril; 2. limpeza do orifício externo do endocolo com uma compressa esterilizada; 3. introdução de uma zaragatoa apropriada estéril cerca de 1 cm no endocolo e rotação da mesma; 4. repetição do passo anterior.

A primeira zaragatoa deve ser colocada num recipiente próprio contendo um meio de transporte com

carvão. A segunda zaragatoa é utilizada para a realização de um esfregaço logo após a colheita. A amostra para exame cultural deve ser conservada à temperatura ambiente até que seja possível o seu envio ao laboratório de Microbiologia. Exsudado vaginal

A colheita de exsudado vaginal é semelhante à de exsudado endocervical. Também se realiza após colocação de espéculo seco ou humedecido com soro fisiológico estéril e também se utilizam duas zaraga-toas apropriadas estéreis. Neste caso a colheita é feita a partir do fundo de saco posterior ou das paredes vaginais. A primeira zaragatoa deve ser colocada num recipiente com meio de carvão caso se pretenda a pesquisa de N. gonorrhoeae ou num recipiente com outro meio de transporte se o objectivo for a identificação dos agentes de vaginite. A segunda zaragatoa deve também ser utilizada para a realização de um esfregaço.

Os produtos devem, igualmente, ser mantidos à temperatura ambiente até ao envio ao laboratório.

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Exsudado uretral

A colheita deve ser feita, preferencialmente, antes da primeira micção do dia ou, em alternativa, pelo menos uma hora após a micção anterior. O procedimento é o seguinte:

1. limpeza da mucosa peri-uretral com gaze ou compressa esterilizada; 2. introdução de uma zaragatoa fina, flexível e estéril cerca de 2 cm dentro da uretra e rotação da

mesma; 3. realização de um esfregaço para exame directo; 4. repetição do passo 2; 5. colocação da segunda zaragatoa dentro de um recipiente com meio de transporte com carvão.

Tal como nos casos anteriores a amostra destinada ao exame cultural deve ser mantida à temperatura

ambiente. No sexo masculino este procedimento deve ser realizado após a expressão da uretra de forma a permitir

a acumulação do exsudado na região distal da mesma. Nos doentes com exsudação abundante espontânea também pode ser efectuada a recolha externa do exsudado com uma zaragatoa, após a limpeza da mucosa peri-uretral. Exsudado rectal

É utilizado para pesquisa de N. gonorrhoeae na suspeita de proctite gonocócica em ambos os sexos. É realizada introduzindo uma zaragatoa estéril através do esfíncter anal cerca de 2,5 cm e rodando a mesma contra as criptas anais durante 10 a 30 segundos de forma a permitir a fixação dos microrganismos.

Deve-se evitar o contacto da zaragatoa com a matéria fecal e, no caso de contaminação com fezes, repetir a colheita. IV. Neisseria spp. Ver página 53. V. Neisseria gonorrhoeae e Gonorreia

Neisseria gonorrhoeae é um organismo Gram negativo, imóvel e não esporulado, com disposição em pares (diplococos). É também um patogénio humano obrigatório, ou seja, não causa doença em outros animais nem reside no ambiente, sendo o Homem o único reservatório do microrganismo.

Este organismo é fastidioso, requerendo meios complexos para o seu crescimento e sendo afectado adversamente pela secagem e pela presença de ácidos gordos. Esta característica, combinada com a sua capacidade de metabolizar a glicose, mas não a maltose, sacarose ou lactose, permite a sua distinção das restantes espécies de Neisseria spp.. Estrutura e factores de virulência

A sua estrutura é típica das bactérias Gram negativas mas, ao contrário de N. meningitidis, não possui cápsula. Na sua membrana externa possui várias proteínas que constituem os seus principais factores de virulência:

� Pili; � Proteínas Por ; � Proteínas Opa ; � Proteínas Rmp .

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Outros factores de virulência importantes são o lipo-oligossacárido (LOS), proteínas de ligação à hemoglobina, transferrina e lactoferrina (que permitem a captação de ferro) e a protease IgA . Patogénese

A infecção gonocócica inicia-se com a entrada do microrganismo no corpo do hospedeiro, habitualmente através da mucosa vaginal ou uretral. Aqui a bactéria tem a capacidade de aderir às células epiteliais através dos pili. Estes são tão importantes neste processo que espécies sem pili são apatogénicas. Após a adesão inicial as proteínas Opa permitem a associação mais eficaz entre as bactérias e as células humanas.

Neste ponto entram em acção as proteínas Por que permitem a migração bacteriana para a o interior da célula epitelial e a sua sobrevivência intra-celular, já que estas proteínas impedem a fusão do fago-lisossoma e a destruição intra-celular. Os microrganismos atravessam, então, as células epiteliais e atingem o espaço sub-epitelial onde desencadeiam a resposta inflamatória que leva à destruição e morte celular, responsável pelas manifestações clínicas da doença gonocócica. Pensa-se que o LOS tenha um papel central neste processo.

Os gonococos podem também ser fagocitados pelos macrófagos, mas graças aos mecanismos já descritos, não são destruídos no interior dos mesmos. A resposta inflamatória desencadeada vai então destruir as células do hospedeiro, permitindo a libertação dos microrganismos e a infecção de novas células humanas.

As proteínas de ligação à hemoglobina, transferrina e lactoferrina permitem às bactérias adquirirem ferro, essencial à sua sobrevivência e multiplicação. Os restantes factores de virulência (proteínas Rmp e protease IgA) impedem a resposta bactericida do hospedeiro, já que as proteases degradam os anticorpos IgA (fundamentais à resposta imunitária nas mucosas) e as proteínas Rmp protegem as moléculas de superfície (proteínas Por e LOS) da acção dos mesmos anticorpos. Epidemiologia

Apesar da diminuição da incidência desta doença nos últimos anos foram declarados cerca de 360 000 novos casos nos EUA em 2002, o que mantém a gonorreia como um grande problema de saúde pública. Os principais grupos de risco para infecção gonocócica são:

� parceiros sexuais de indivíduos afectados; � consumidores de drogas injectáveis; � indivíduos com início precoce da actividade sexual; � indivíduos com múltiplos parceiros sexuais num curto espaço de tempo.

A transmissão da gonorreia é mais eficaz do homem para a mulher do que em sentido oposto. A

probabilidade de uma mulher ficar infectada após um único contacto com um homem infectado é de cerca de 50%, em oposição a 20% para um homem em contacto com uma mulher infectada. Em contrapartida as mulheres são mais frequentemente assintomáticas.

A elevada taxa de doentes infectados assintomáticos contribui para a manutenção desta doença na comunidade, tornando o seu controlo e erradicação muito difícil. Doenças associadas

A gonorreia (infecção gonocócica) é uma DST cuja manifestação mais característica depende do sexo do indivíduo afectado:

� sexo masculino – uretrite; � sexo feminino – uretrite e cervicite.

No recém-nascido habitualmente manifesta-se por conjuntivite (ophtalmia neonatorum). Nos adultos

pode também ocorrer faringite ou proctite o que, habitualmente, se relaciona com as práticas sexuais dos indivíduos. Quando não tratada a infecção gonocócica pode originar diversas complicações localizadas e generalizadas. Uretrite – é a manifestação clínica mais frequente no homem sendo aquirida por contacto vaginal ou ano-rectal. O risco de um homem adquirir gonorreia a partir de uma mulher infectada durante um único acto sexual é de 20%, ascendendo a 100% após cinco ou mais contactos. O período de incubação habitual após

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a exposição é de 2 a 7 dias mas alguns homens permanecem assintomáticos (cerca de 10%). Na mulher surge habitualmente associada a cervicite. Cervicite – localizada principalmente no canal endocervical estando a uretra co-infectada em 70 a 90% dos casos. Raramente infecta o epitélio vaginal. O período de incubação na mulher não está tão bem definido como no homem mas, habitualmente, os sintomas surgem num período máximo de 10 dias. Mais de metade das mulheres, no entanto, são totalmente assintomáticas. Faringite – frequentemente ligeira ou assintomática (90% dos casos), podendo, no entanto, surgir faringite sintomática com adenopatia cervical. A transmissão ocorre por contacto oro-genital. Raramente existe sem compromisso genital concomitante. Proctite – devido à anatomia feminina que permite a disseminação do exsudado cervico-vaginal para o recto, N. gonorrhoeae existe frequentemente no recto de mulheres com cervicite gonocócica não complicada (35 a 50%). Tanto no sexo feminino como em homens homossexuais a gonorreia ano-rectal pode ocorrer por contacto ano-genital. Atinge habitualmente os 5 a 10 cm distais do recto e manifesta-se por dor e prurido ano-rectal, corrimento rectal muco-purulento, hematoquézias, tenesmo, falsas vontades e obstipação. Vaginite – pode ocorrer em mulheres pré-menarca ou pós-menopausa, já que N. gonorrhoeae tem a capacidade de infectar a camada basal do epitélio vaginal mas não as restantes. A mucosa vaginal apresenta-se eritematosa e edemaciada com corrimento muco-purulento abundante. O exame físico manual ou com espéculo é extremamente doloroso. É habitualmente acompanhada por cervicite e infecção das glândulas de Skene e Bartholin. Prostatite – a etiologia gonocócica na prostatite aguda é muito discutível. Na prostatite crónica é um agente reconhecido, apesar de raro. Esta infecção é quase sempre assintomática. Epididimite – pode ocorrer como complicação da uretrite gonocócica, sendo tipicamente unilateral. Habitualmente surge de forma concomitante com a uretrite e manifesta-se por dor escrotal e/ou inguinal. O escroto pode apresentar sinais inflamatórios evidentes. Cistite – ocorre na mulher como complicação da uretrite gonocócica, com sintomas típicos de infecção urinária baixa. DIP – complicação da cervicite, ocorrendo em 20% dos casos (ver página 126). Laboratorialmente surge leucocitose, elevação da velocidade de sedimentação eritrocitária e proteína C-reactiva. Conjuntivite – rara nos adultos, surgindo por auto-inoculação ocular em doentes com infecção genital. Pode variar desde assintomática a grave. Clinicamente surge edema da pálpebra, hiperémia, quemose e corrimento muco-purulento. Em casos graves pode ocorrer ulceração da córnea e perfuração. Ophtalmia neonatorum – a transmissão pode fazer-se pela mãe infectada de três formas distintas: in utero, durante o parto (mais frequente) ou após o mesmo. Surge como uma intensa inflamação bilateral com exsudado purulento abundante. Pode evoluir para ulceração e cicatrização da córnea, provocando amaurose. Pode ser feita profilaxia com nitrato de prata, eritromicina ou tetraciclina tópicos logo após o parto. Infecção Gonocócica Disseminada – surge em cerca de 0,5 a 3% dos casos de gonorreia não tratada, após propagação da infecção do tracto genito-urinário, recto ou faringe. Habitualmente deve-se a estirpes particulares que não provocam inflamação nas localizações habituais, permitindo a sua manutenção e a invasão da corrente sanguínea. O défice de factores do complemento C5-C9 também predispõe a esta situação. A doença apresenta duas fases:

� fase bacteriémica – febre, calafrios, lesões cutâneas (pápulas e pústulas com componente hemorrá-gico) e artralgias;

� fase artrítica – artrite clássica que envolve tipicamente uma, ou no máximo, duas articulações; as mais frequentemente atingidas são os joelhos, punhos, tornozelos e cotovelos.

Por vezes ocorre artrite supurativa sem fase bacteriémica prévia o que sugere que se tratem de duas

síndromes distintas. Muito raramente pode surgir endocardite ou meningite gonocócica.

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Diagnóstico

O diagnóstico de gonorreia pode ser feito pelos métodos microbiológicos típicos, nomeadamente: � exame microscópico directo; � exame cultural; � testes moleculares.

Na suspeita de gonorreia tem particular importância a colheita e transporte de amostras biológicas.

1 – Colheita e transporte de amostras biológicas pa ra pesquisa de N. gonorrhoeae

Os locais de colheita das amostras biológicas dependem do quadro clínico associado e dos hábitos

sexuais dos doentes. Os locais preferíveis de colheita são a uretra no homem e o endocolo na mulher. A uretra é também o local de colheita em mulheres histerectomizadas. As culturas rectais são usadas, na mulher, quando as culturas uretrais e do endocolo são negativas, e, no homem, quando há história de contacto ano-genital. Quando há história de contacto oro-genital colhem-se também amostras faríngeas. Na suspeita de infecção disseminada colhe-se sangue para hemoculturas e nos recém-nascidos colhem-se amostras conjuntivais.

Importa relembrar que o transporte das amostras é um passo fundamental para a obtenção de um resultado positivo. Devido à sensibilidade do gonococo à secagem, as zaragatoas com o material biológico devem ser transportadas em meio adequado contendo carvão activado para absorver substâncias tóxicas para a bactéria. Também se devem efectuar esfregaços em lâmina para efectuar exame microscópico directo após coloração de Gram. 2 – Exame Microscópico Directo

Devem ser efectuados esfregaços dos exsudados uretral ou cervical obtidos e corados pelo método de Gram. Se a observação destes ao microscópio óptico revelar diplococos Gram negativos, este facto deve ser valorizado de forma distinta consoante o sexo do doente:

� sexo masculino – na presença de sintomas característicos pode-se fazer o diagnóstico presumptivo de gonorreia;

� sexo feminino – na presença de sintomas característicos é altamente sugestivo de gonorreia, no entanto, o resultado deve ser sempre complementado com o exame cultural.

A ausência de diplococos Gram negativos não exclui, de forma definitiva, N. gonorrhoeae como agente

de infecção. 3 – Exame Cultural

A sementeira é efectuada em meio de gelose de chocolate enriquecido com vitaminas, aminoácidos, ferro e outros co-factores e, ainda, amido para absorver ácidos gordos que podem ser tóxicos e inibir o crescimento do microrganismo. Este meio contém antibióticos para impedir o crescimento de bactérias e fungos que colonizam habitualmente a vagina e a uretra. Uma das possíveis opções de meio de cultura é a gelose chocolate com VCAT:

� V = Vancomicina, contra Gram positivos; � C = Colistina, contra Gram negativos incluindo Neisseria spp. não patogénicas; � A = Anfotericina B, contra fungos; � T = Trimetoprim, contra bacilos Gram negativos.

A incubação das placas deve ser feita a 35-37º, em atmosfera humidificada com 5-10% de CO2, durante

24 a 48 horas. 4 – Outros Métodos de Diagnóstico

Existem outras opções diagnósticas de introdução recente como a ampliação de ácido nucleico em amostras de urina (1º jacto) ou em exsudados cervico-vaginais.

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Terapêutica

As opções terapêuticas existentes para N. gonorrhoeae são: � Penicilina; � Cefalosporinas de 3ª geração (ceftriaxona); � Fluoroquinolonas (ciprofloxacina).

Apesar de a penicilina ter sido o antibiótico de primeira escolha nas infecções gonocócicas durante

várias décadas, actualmente a percentagem de estirpes resistentes é bastante elevada. Desta forma a penicilina só deve ser utilizada caso o antibiograma revele tratar-se de uma estirpe sensível. Nos casos de faringite ou proctite gonocócica, mesmo na presença de estirpes sensíveis, nunca se deve utilizar penicilina.

Actualmente as opções de terapêutica antibiótica empírica são ceftriaxona e ciprofloxacina, apesar de haver um número crescente de estirpes resistentes às quinolonas.

Devido ao elevado número de infecções associadas entre N. gonorrhoeae e C. trachomatis, actualmente

aconselha-se sempre tratamento anti-microbiano para cobrir ambos os agentes sempre que não se exclua a existência de gonococos. Nestes casos, associa-se ceftriaxona ou ciprofloxacina com azitromicina ou doxici-clina. Profilaxia e Prevenção

Apesar do enorme interesse no desenvolvimento de uma vacina contra N. gonorrhoeae, não existe, ainda, nenhuma vacina eficaz. Isto deve-se, fundamentalmente, ao facto de a imunidade ao gonococo estar mal esclarecida. Apesar de se desenvolverem anticorpos dirigidos às proteínas Por e ao LOS estes não conferem protecção eficaz o que se pode dever à diversidade antigénica do microrganismo. Actualmente existe investigação em curso na possibilidade de se elaborar uma vacina que estimule a produção de anticorpos protectores específicos contra as proteínas constituintes dos pili.

Assim as medidas de prevenção que se preconizam são de caracter geral, nomeadamente diagnóstico

precoce e tratamento, notificação do(s) parceiro(s), diminuição do número de parceiros e utilização de preservativo nas relações sexuais. VI. Chlamydiaceae

Recentemente a taxonomia da família Chlamydiaceae foi revista. Actualmente consiste em dois géneros (Chlamydia spp. e Chlamydophila spp.) existindo três espécies importantes em patologia humana:

� Chlamydia trachomatis; � Chamydophila psitacci; � Chlamydophila pneumoniae.

Ambas as espécies do género Chlamydophila são, principalmente, agentes de infecções do tracto

respiratório, enquanto C. trachomatis está associada a várias doenças, algumas das quais de transmissão predominantemente sexual. Estrutura e patogénese

As bactérias da família foram inicialmente classificadas como vírus devido às suas reduzidas dimensões e ao facto de serem parasitas intra-celulares obrigatórios. Apresentam, no entanto, várias características bacterianas: possuem tanto DNA como RNA, têm parede celular e ribossomas semelhantes aos das bactérias Gram negativas e são inibidas por vários antibióticos.

O seu ciclo de vida é complexo e único, distinguido-as das restantes bactérias. Os microrganismos

podem existir em duas formas: o corpo elementar (EB) extra-celular e o corpo reticulado (RB) intra-celular. O EB está adaptado à sobrevivência extra-celular e é a forma infecciosa transmitida de um indivíduo para

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outro. Estas formas aderem às células do hospedeiro (habitualmente células epiteliais cilíndricas ou de transição) e são envolvidas em fagossomas. Cerca de 8 horas após a endocitose os EB reorganizam-se em RB, adaptados à sobrevivência intra-celular e multiplicação.

Sofrem então fissão binária originando múltiplos RB que são mantidos num “corpo de inclusão” (um compartimento intra-celular revestido por membrana da célula hospedeira que ocupa a quase totalidade da célula infectada). Após cerca de 24 horas os RB condesam-se e formam EB ainda contidos na inclusão. Posteriormente esta rompe-se e liberta os EB para o espaço extra-celular onde ficam livres para infectar as células adjacentes ou serem transmitidos para outro indivíduo. VII. Chlamydia trachomatis

C. trachomatis é um patogénio humano exclusivo, identificado como a causa do tracoma na década de 1940. As diferenças antigénicas entre as proteínas da membrana externa permitem identificar cerca de 20 serótipos desta espécie, associando-se diferentes infecções aos principais:

� Serótipos A, B e C – tracoma; � Serótipos D a K – cervicite, uretrite e infecções neo-natais; � Serótipos LGV – linfogranuloma venéreo.

Epidemiologia

A incidência das infecções genitais a C. trachomatis é, tal como para outras DST, superior na faixa etária entre os 15 e os 25 anos. Nos EUA a prevalência deste microrganismo no colo do útero em mulheres grávidas é 5 a 10 vezes superior à prevalência de N. gonorrhoeae. Pensa-se que isto ocorra porque a percentagem de infecções cervicais assintomáticas é muito superior para C. trachomatis e, mesmo quando clinicamente aparente, a sintomatologia é muito menos exuberante. O risco de desenvolvimento de DIP parece ser inferior para as infecções não tratadas por C. trachomatis do que para as gonocócicas mas, devido à maior prevalência, o número de casos devidos a ambos os agentes parece ser semelhante.

A transmissão dá-se, quase invariavelmente, por contacto sexual. A excepção são os recém-nascidos que podem ser infectados durante a passagem através do canal de parto. Doenças associadas

� Uretrite; � Cervicite; � DIP; � Epididimite, orquite e prostatite; � Proctite; � Síndrome de Reiter; � Linfogranuloma Venéreo (LGV); � Tracoma; � Conjuntivite de inclusão no adulto; � Conjuntivite e Pneumonia no recém-nascido.

Uretrite e cervicite – C. trachomatis é o agente etiológico mais frequente de UNG e cervicite podendo, ainda, surgir em associação com N. gonorrhoeae nestas duas infecções. Ambas as infecções, quando provocadas por este agente, apresentam o quadro clínico típico. No entanto cerca de um terço dos homens com uretrite e 30 a 50% das mulheres com cervicite são completamente assintomáticas e, nos restantes, os sintomas, apesar de presentes, são habitualmente mais subtis do que na infecção gonocócica.

Síndrome de Reiter – consiste em conjuntivite, uretite ou cervicite (consoante o sexo do doente), artrite e lesões muco-cutâneas características (keratoderma blenorrhagica). Este síndrome ocorre na sequência de várias infecções das mucosas (outros microrganismos associados podem ser Salmonella spp., Shigella spp.,

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Campylobacter spp., etc) e pensa-se que resulte da resposta imunitária hiper-activa em indivíduos imunologi-camente predispostos.

Linfogranuloma venéreo – caracterizado por uma lesão genital primária transitória seguida por linfadenopa-tia regional. Nos doentes expostos após contacto ano-genital pode desenvolver-se proctite hemorrágica. Podem também ocorrer várias complicações tardias (exs: elefantíase genital, estenoses, etc).

Tracoma – conjuntivite crónica que provoca a cicatrização da conjuntiva. Esta provoca a eversão das pálpebras que vão lesar a córnea levando a ulceração, cicatrização e, eventualmente, amaurose. Conjuntivite de inclusão – infecção aguda que surge associada a infecções genitais por C. trachomatis. Manifesta-se por conjuntivite unilateral e linfadenopatia pré-auricular. Diagnóstico

Os métodos laboratoriais que podem ser utilizados são: � Métodos culturais; � Exame microscópico directo; � Testes de detecção de antigénios; � Testes serológicos; � Provas moleculares. Devido à sua natureza de bactéria intra-celular estrita não é possível o seu crescimento nos meios de

cultura habituais. Em situações particulares a cultura pode ser feita em meios celulares específicos que, no entanto, não se encontram disponíveis na prática clínica diária, têm sensibilidade reduzida e variável e são muito dispendiosos.

O exame microscópico directo pode ser utilizado, mas apenas tem sensibilidade aceitável no contexto de conjuntivite. Mesmo neste caso foi substituído pelos métodos de fluorescência directa com recurso a anticorpos monoclonais específicos.

Os métodos mais utilizados até há poucos anos eram a detecção de antigénios específicos de

Chlamydia através de métodos de imunofluorescência directa (DFA) ou técnica ELISA. Os testes serológicos têm muito pouca utilidade nas infecções das mucosas genitais e oculares. Nas infecções com componente sistémico (pneumonia, salpingite ou LGV) podem ser utilizados.

Os métodos mais utilizados actualmente são os de diagnóstico molecular através de PCR ou hibridização de DNA. São os únicos com sensibilidade e especificidade superior aos métodos culturais e podem ser utilizados em vários produtos biológicos (exs: exsudado cervico-vaginal, exsudado uretral, primeiro jacto de urina). Terapêutica

Nas infecções genitais simples as opções terapêuticas são: � doxiciclina ou tetraciclina; � azitromicina (em dose única) ou eritromicina; � ofloxacina.

A duração da terapêutica é, habitualmente, 7 dias. Nas infeções complicadas (exs: epididimite, DIP)

usam-se esquemas de duração mais longa (pelo menos 2 semanas). Nas crianças e recém-nascidos pode-se utilizar eritromicina oral ou eritromicina e doxiciclina tópicas. A terapêutica deve ser efectuada não apenas pelo doente com infecção genital a C. trachomatis compro-

vada, mas também pelos parceiros sexuais, doentes com infecção gonocócica e recém-nascidos nascidos de mães infectadas não tratadas.

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VIII. Candida spp. e Candidíase Vulvovaginal

Os fungos pertencentes ao género Candida são considerados patogénios oportunistas. Entre as espécies mais importantes clinicamente encontram-se:

� C. albicans; � C. tropicalis; � C. glabrata; � C. parapsilosis; � C. krusei; � C. kefyr; � C. lusitaniae; � C. dubliniensis, etc.

Estas leveduras existem, normalmente, nas mucosas da cavidade oral, vagina, tracto gastro-intestinal e

recto, em cerca de 80% dos adultos saudáveis. Por outro lado a sua existência na pele é rara e, quando ocorre, dá-se quase sempre na região das pregas cutâneas.

Morfologicamente as leveduras do género Candida distinguem-se por se multiplicarem formando

blastóporos, pseudo-hifas e hifas septadas. A excepção a este facto é C. glabrata já que apenas apresenta células leveduriformes. Doenças associadas e epidemiologia

C. albicans é o patogénio mais comum deste género sendo responsável por mais de 50% do total das candidíases. As doenças provocadas por Candida spp. podem ser divididas em 3 grupos:

� infecções localizadas da pele e unhas; � infecções das mucosas oral, vaginal, gastro-intestinal e respiratória; � infecções sistémicas.

A candidíase cutânea ocorre, principalmente, em regiões de pele macerada, como a região das fraldas

nas crianças, a região sub-mamária ou as mãos em contacto frequente com água. A infecção das mucosas é precedida pelo aumento do número de leveduras numa dada localização,

tipicamente após terapêutica antibiótica de largo espectro. A infecção oro-faríngea ocorre mais frequentemente em recém-nascidos e doentes com diabetes mellitus, infecção por HIV ou próteses dentárias. A infecção do restante tracto respiratório e gastro-intestinal é quase exclusiva de doentes imunocomprometidos, principalmente com SIDA. Neste contexto a candidíase esofágica é particularmente prevalente.

A passagem de Candida spp. das superfícies colonizadas para os tecidos profundos ocorre quando há perturbação da integridade das mucosas. Os exemplos mais frequentes são traumatismos, cirurgias, lesões por agentes usados na quimioterapia de neoplasias, queimaduras, utilização de drogas injectáveis, existência de catéteres endo-venosos, etc. Após esta migração certas condições, nomeadamente muito baixo peso à nascença, neutropenia ou terapêutica com corticosteróides, diminuem as defesas do hospedeiro e permitem a instalação de doença sistémica. Candidíase vulvovaginal

A candidíase vulvovaginal (cerca de 25% dos casos de vaginite) apresenta-se com prurido, sensação de queimadura ou irritação vulvar, geralmente sem sintomas de aumento da quantidade ou alteração do cheiro do corrimento vaginal. O exame objectivo revela eritema, edema, fissuras e dor ao toque na vulva.

Quando há corrimento este é escasso e de cor esbranquiçada, podendo formar placas que aderem à mucosa vaginal.

C. albicans é responsável por cerca de 85% dos casos de candidíase vulvovaginal. As estirpes infecciosas podem fazer parte da flora vaginal normal, aumentando em quantidade quando têm condições favoráveis (exs: terapêutica com antibiótico de largo espectro que destrói a flora comensal bacteriana, imunodepressão, diabetes mellitus), pelo que esta não é considerada habitualmente como um DST.

O diagnóstico é feito através de: � exame microscópico directo – a fresco ou após coloração de Gram;

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� exame cultural – cultura em meio de Sabouraud; � prova da filamentação (ver a seguir).

A terapêutica desta situação é feita, habitualmente, com administração intra-vaginal (em creme ou em

óvulos) de anti-fúngicos imidazólicos (exs: miconazol, clotrimazol, etc.). Pode também utilizar-se terapêutica oral com agentes do mesmo grupo (ex: fluconazol). O tratamento dos parceiros sexuais não está indicado como rotina. Prova da filamentação

Esta prova permite distinguir C. albicans das restantes espécies de Candida spp. Este método baseia-se na capacidade que as estirpes de C. albicans têm de filamentar (por formação de pseudo-hifas e clamidóspo-ros) quando colocadas num líquido nutritivo (como o plasma) e incubadas a 35º C durante duas horas.

Procedimento: 1) Fazer uma suspensão com um pequeno inóculo da estirpe a estudar em 0,5 mL de plasma; 2) Incubar a 35º-37º C durante duas horas; 3) Colocar uma gota da suspensão entre lâmina e lamela e observar ao MO (ampliação x 40). A prova da filamentação é positiva para C. albicans e negativa para as restantes Candida spp. à excep-

ção de C. dubliniensis (um agente patogénico da cavidade oral). IX. Trichomonas vaginalis e Tricomoníase Vaginal

T. vaginalis é um protozoário flagelado que provoca infecções do tracto uro-genital humano. Morfologicamente apresenta 4 flagelos e membrana ondulante que lhe conferem mobilidade.

O protozoário existe apenas na forma trofozoítica e encontra-se na flora comensal da uretra, vagina e

próstata. A sua distribuição é mundial e a transmissão faz-se, predominantemente, pela via sexual. Os recém-nascidos podem ser infectados durante a passagem pelo canal de parto infectado. Além disso pode ainda haver transmissão por contacto com objectos contaminados, já que os trofozoítos têm a capacidade de resistir no ambiente externo durante algumas horas, o que limita esta forma de transmissão.

A infecção humana por T. vaginalis (cerca de 3 milhões de casos por ano, nos EUA) limita-se ao tracto

uro-genital, principalmente feminino. O homem é, habitualmente, portador assintomático e serve como reservatório para a infecção feminina. No sexo masculino pode, no entanto, ocorrer uretrite, prostatite ou outras infecções uro-genitais. Tricomoníase vaginal

A maioria das mulheres infectadas são totalmente assintomáticas. Nos casos sintomáticos há, após um período de incubação médio de 7 dias, corrimento vaginal profuso, amarelado, purulento, homogéneo e com odor desagradável e irritação vulvar. No exame físico detecta-se inflamação do epitélio vulvar e vaginal e lesões petequiais do colo do útero. O pH do exsudado vaginal é, habitualmente, ≥ 5,0.

A infecção por este protozoário durante a gravidez pode estar associada a rotura prematura de membranas ou parto prematuro.

O diagnóstico é feito por exame microscópico directo, através da observação da forma trofozoítica do protozoário (a fresco ou após coloração de Gram) nas secreções vaginais, uretrais ou em amostras de urina (contaminada com flora uretral ou vaginal). Outras opções são testes de imunofluorescência directa, rpovas moleculares ou exame cultural (em meios específicos, não disponíveis por rotina).

A terapêutica é feita com metronidazol ou tinidazol (em dose única ou durante 7 dias) e deve ser administrada às mulheres sintomáticas e assintomáticas e aos parceiros sexuais.

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X. Vaginose Bacteriana

A vaginose bacteriana (VB), antigamente denominada vaginite não específica ou corrimento vaginal associado a Gardnerella, é um síndrome caracterizado por sintomas de corrimento vaginal com:

� odor típico a peixe (devido à produção de aminas voláteis durante o metabolismo bacteriano); � aumento ligeiro a moderado da quantidade; � cor branca ou acinzentada.

Este corrimento tem aparência homogénea, viscosidade reduzida e reveste as paredes vaginais. Os

principais factores de risco para VB são: � infecção genital por HPV recente; � múltiplos parceiros sexuais; � relação sexual recente com um novo parceiro; � existência de dispositivo intra-uterino.

O corrimento vaginal alterado resulta de um desequilíbrio da flora vaginal com aumento marcado da

concentração de Gardnerella vaginalis, Mycoplasma hominis e várias bactérias anaeróbias (Mobiluncus spp., Prevotella spp., Peptostreptococcus spp., etc). Em compensação há um decréscimo significativo da quantidade de Lactobacillus spp., os microrganismos habitualmente mais frequentes na flora vaginal normal da mulher adulta, particularmente das estirpes produtoras de peróxido de hidrogénio (H2O2), que se pensa terem um papel protector .

G. vaginalis pode fazer parte da flora ano-rectal normal de adultos e crianças de ambos os sexos, da flora vaginal normal de mulheres em idade reprodutiva e da flora uretral dos homens parceiros de mulheres com VB. Actualmente ainda não se conseguiu esclarecer qual o factor desencadeante do desequilíbio da flora vaginal que ocorre na VB: por um lado podemos ter a existência de condições que promovam o crescimento exagerado das espécies patogénica; ou, por outro lado, condições que inibam as espécies cujas concentrações estão reduzidas.

A ocorrência de VB durante a gestação aumenta o risco de rotura prematura de membranas e parto prematuro (provavelmente devido à infecção do líquido amniótico pelas bactérias).

O diagnóstico clínico de VB é feito recorrendo aos critérios de Amsel, na presença de 3 das seguintes

alterações: 1. corrimento vaginal aumentado, homogéneo e esbranquiçado; 2. pH > 4,5; 3. odor característico a peixe (espontâneo ou após aplicação de uma solução de KOH a 10%); 4. demonstração microscópica de clue-cells.

As clue-cells são células epiteliais vaginais com cocobacilos aderentes que lhes conferem uma aparência

granulosa e impedem a distinção clara das magens celulares. A terapêutica da VB é feita com metronidazol oral (em dose única ou durante 7 dias) ou com

metronidazol ou clindamicina de aplicação intra-vaginal (em gel ou creme). Os parceiros sexuais só devem ser tratados se existir evidência de infecção. XI. Treponema pallidum e Sífilis

A ordem Spirochaetales engloba bacilos finos, helicoidais e Gram negativos. Dos 8 géneros incluídos nesta ordem 3 são responsáveis por doenças no Homem:

� Treponema spp.; � Borrelia spp. – provocam febre recorrente e Doença de Lyme; � Leptospira spp. – provocam leptospirose. As bactérias do género Treponema provocam doenças conhecidas, de uma forma geral, por treponema-

toses. Existem duas espécies e três sub-espécies que provocam infecções humanas:

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� T. pallidum sub-espécie pallidum – agente da sífilis; � T. pallidum sub-espécie pertenue – agente da framboésia; � T. pallidum sub-espécie endemicum – agente do bejel; � T. carateum – agente da pinta.

Estas bactérias apresentam características morfológicas idênticas, produzem a mesma resposta

serológica em humanos e são sensíveis à penicilina. Podem ser distinguidas pela apresentação clínica, dados epidemiológicos e, mais recentemente, dados moleculares. Nesta aula será discutida a sífilis e o seu agente (daqui em diante denominado apenas T. pallidum). Estrutura e factores de virulência

T. pallidum é um patogénio humano obrigatório que provoca uma DST reconhecida há vários séculos. É um microrganismo de dimensões reduzidas o que impede a sua identificação em esfregações corados pelo método de Gram.

Entre os seus factores de virulência contam-se: � Proteínas da membrana externa – permitem adesão às células do hospedeiro; � Hialuronidase – facilita infiltração peri-vascular; � Revestimento com fibronectina das células do hosped eiro – impede fagocitose; � Flagelos – permitem mobilidade.

Apesar destes factores a destruição celular e as manifestações clínicas da doença dependem,

essencialmente, da resposta imunitária do hospedeiro. Epidemiologia

A sífilis existe em todo o Mundo e é a terceira DST bacteriana mais comum nos EUA (após infecções por Chlamydia spp. e gonorreia). Na quase totalidade dos casos a transmissão faz-se através do contacto sexual com lesões infecciosas. Outras formas de transmissão menos comuns incluem contacto íntimo não sexual, infecção in utero e transfusões de sangue.

O número de casos novos diminuiu imenso durante a segunda metade do século XX atingindo cerca de 32 000 casos em 2000. Até meados da década de 1980 os grupos mais afectados eram homens homo e bissexuais, enquanto que actualmente o risco nestes grupos é quase igual aos heterossexuais de ambos os sexos. Os principais factores de risco considerados actualmente são:

� alto número de parceiros sexuais num curto espaço de tempo; � consumo de drogas injectáveis.

A sífilis não é considerada uma doença altamente infecciosa. Estima-se que menos de 50% dos

indivíduos que contactam sexualmente com um indivíduo infectado em período contagioso (fases iniciais da infecção) venham a desenvolver doença. Nestas fases o indivíduo infectado torna-se bacteriémico e mantem-se assim durante cerca de 8 anos, se não tratado. Em qualquer momento deste período pode ocorrer transmissão congénita. Patogénese, doenças associadas e história natural d a doença

A única doença provocada pelo T. pallidum é a sífilis. Esta pode apresentar várias fases de evolução. No caso de transmissão in utero ocorre a sífilis congénita.

A infecção inicia-se com o acesso da espiroqueta ao organismo do hospedeiro. A bactéria tem, então, a

capacidade de penetrar as mucosas intactas ou com abrasões microscópicas e, em poucas horas, atinge os vasos linfáticos e sanguíneos, originando uma infecção sistémica. Em seguida verifica-se um período de incubação médio de 3 semanas. Este período raramente excede as 6 semanas e a sua duração depende do número de microrganismos inoculados.

Surge então a Sífilis Primária . A lesão sifilítica primária típica surge, no local da inoculação, como uma pápula única que rapidamente ulcera e se torna dura, apresentando os bordos elevados e mantendo-se sempre indolor. Nos homens heterossexuais a localização típica é no pénis. Em homens homossexuais pode surgir no canal anal, recto, mucosa oral ou pénis. As localizações mais frequentes na mulher são os lábios

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vaginais ou o colo do útero. Dessa forma mais facilmente pode passar despercebida em homens homossexuais e mulheres do que em homens heterossexuais. Em indivíduos imunocomprometidos podem surgir lesões atípicas como, por exemplo, pequenas pápulas genitais.

Nesta fase surge, também, linfadenopatia inguinal no período de 1 semana após o aparecimento da lesão primária. A lesão ulcerativa, quando não tratada, desaparece espontaneamente ao fim de 4 a 6 semanas, podendo a linfadenopatia persistir vários meses. Numa percentagem elevada de doentes a doença cura espontaneamente, sendo a Sífilis Primária a única fase da mesma.

Segue-se então um período assintomático com duração de 6 a 8 semanas que termina com o início da

Sífilis Secundária . A principal marca desta fase é o envolvimento muco-cutâneo generalizado. Verifica-se um exantema cutâneo com máculas, pápulas, escamas e, ocasionalmente, pústulas, em que mais de uma forma está presente simultaneamente. Localiza-se por todo o corpo, incluindo as palmas das mãos e plantas dos pés, e pode mesmo envolver a face e o crânio.

Nas pregas cutâneas (região peri-anal, vulva, escroto, coxas e axilas) as pápulas podem aumentar de tamanho e sofrer erosão, originando lesões planas, amplas, rosadas ou esbranquiçadas e altamente infecciosas denominadas condiloma lata. Como sintomas constitucionais pode surgir odinofagia, febre, perda de peso, mau estar, anorexia, cefaleias e meningismo. Podem ainda ocorrer complicações menos frequentes como hepatite, nefropatia, gastrite hipertrófica, proctite, colite ulcerativa, artrite, periostite, irite, uveíte, etc.

Tal como na sífilis primária estes sintomas resolvem espontânea e gradualmente, mantendo-se um período total de 2 a 6 semanas, e cerca de um terço do total de doentes entra na Sífilis Latente .

Este período assintomático pode durar entre 3 a 30 anos após o que se manifesta a Sífilis Terciária ou

Tardia . Esta pode manifestar-se de 3 formas distintas: � Neurosífilis – pode ser assintomática (diagnosticando-se apenas pelas alterações do LCR e VDRL

positivo) ou sintomática; neste caso surge: o meningite sifilítica – cefaleias, náuseas, vómitos, rigidez da nuca, alterações do estado de

consciência, alterações dos nervos cranianos, convulsões; o sífilis meningo-vascular – pródromo encefalítico sub-agudo (cefaleias, vertigens, insónias,

alterações psicológicas) seguido por AVC; o paralisia geral; o tabes dorsalis – ataxia, parestesias, alterações de esfíncteres, arreflexia, etc;

� Sífilis cardio-vascular – endartrite com obliteração dos vasa vasorum, aortite, insuficiência da válvula aórtica, aneurismas, etc;

� Sífilis tardia benigna – gomas (granulomas) na pele, ossos, fígado, estômago, etc.

Actualmente a sífilis terciária praticamente desapareceu graças ao tratamento específico das fases iniciais e latente. A excepção a isto são os indivíduos infectados pelo HIV que podem, ainda, manifestar alguns casos de neurosífilis.

Em relação à Sífilis Congénita esta acarreta um risco de perda do feto de cerca de 40%. Entre os fetos

que sobrevivem à gestação podem ocorrer duas situações. Nos casos de sífilis congénita fulminante, aparente logo à nascença, a esperança de vida é quase insignificante e o prognóstico é péssimo. Em crianças aparentemente saudáveis à nascença com sífilis congénita podem surgir variadíssimas malformações com a idade: atraso do crescimento, deformidade da face, surdez neuro-sensorial, artropatias, sífilis cardio-vascular, lesões destrutivas do palato e septo nasal, falência multi-orgância, etc. O quadro clínico clássico denomina-se tríade de Hutchinson e consiste em:

� Alterações dos dentes (dentes de Hutchinson); � Queratite parenquimatosa; � Doença do aparelho vestibular.

Normas de colheita de produtos biológicos para o di agnóstico de sífilis

A colheita de exsudado de uma úlcera genital para o diagnóstico laboratorial de síflis deve seguir certos procedimentos padronizados. Assim deve-se:

1. Limpar a superfície da lesão com gaze esterilizada humedecida em solução salina; 2. Remover a crosta, se presente, evitando hemorragias; 3. Pressionar a base da lesão até surgir um líquido claro e colher com uma pipeta Pasteur ou capilar; 4. Colocar uma gota numa lâmina e examinar imediatamente.

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Deve também colher-se sangue para testes serológicos. Diagnóstico

Apesar de várias tentativas a cultura de T. pallidum ainda não é possível em nenhum meio disponível. Assim o diagnóstico baseia-se apenas em dois tipos de métodos:

� Exame microscópico directo; � Testes serológicos.

Existem ainda métodos moleculares através de PCR, utilizados em estudos epidemiológicos e

investigação laboratorial. 1 – Exame Microscópico Directo

Devido às suas reduzidas dimensões T. pallidum não pode ser detectado em esfregaços corados pelo método de Gram. Para detectar esta bactéria recorre-se à observação, a fresco e imediatamente após a colheita de exsudados das lesões primárias ou secundárias (condiloma lata) através de microscopia de campo escuro. Este método não tem validade no caso de lesões anais ou orais já que é difícil a diferenciação entre T. pallidum e espiroquetas da flora comensal destas regiões. 2 – Testes Serológicos

Concomitantemente com o exame directo (e quando não é possível realizar este), usam-se os testes serológicos, que são extremamente práticos.

Existem dois tipos de testes: � Testes não treponémicos – VDRL (Venereal Disease Research Laboratory)

RPR (Rapid Plasma Reagin)

� Testes treponémicos – TPHA (T. pallidum Hemagglutination Test) FTA-ABS (Fluorescent Treponemal Absorbed Test)

Os testes não treponémicos são usados como testes de rastreio ou de follow-up para avaliar a resposta

à terapêutica (os valores baixam quando a terapêutica é eficaz). Medem IgM e IgG dirigidos contra um complexo antigénico cardiolipina-lecitina-colesterol (que aumenta nas infecções treponémicas). Têm a vantagem de serem fáceis de usar, baratos e terem sensibilidade relativamente elevada.

Do ponto de vista técnico o RPR é mais fácil de realizar mas tem a desvantagem de não permitir o diagnóstico a partir do LCR.

Os testes treponémicos são usados para confirmar a positividade dos testes não treponémicos que

podem dar resultados falsos positivos (exs: herpes genital, infecção HIV, malária, doenças auto-imunes). Podem também ser usados quando os testes não treponémicos são negativos e a suspeita de sífilis é grande (já que são mais sensíveis).

Estes testes treponémicos têm a vantagem de determinar o verdadeiro anticorpo anti-treponémico e, como tal, são muito mais específicos. Ainda assim apresentam uma taxa de falsos positivos de 1 a 2%, quando utilizados para rastreio da população em geral.

Não servem para follow-up da doença já que se mantêm positivos durante muito tempo não diferenciando infecção activa de infecção antiga curada. Tratamento

Penicilina G é o fármaco de escolha em todas as fases da doença sifilítica. Apesar de o T. pallidum ser sensível a concentrações muito baixas de penicilina G, é necessário um tempo de administração relativamente prolongado devido à baixa taxa de replicação do microrganismo.

Outros antibióticos também eficazes contra este agente são as tetraciclinas, macrólidos e cefalosporinas, mas na prática clínica as únicas alternativas à penicilina são a tetraciclina e a doxiciclina.

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Tanto na profilaxia da sífilis (em indivíduos seronegativos e sem evidência clínica mas expostos a sífilis infecciosa nos 3 meses precedentes) como na terapêutica das fases primária, secundária e latente inicial as opções são penicilina G benzatínica (dose única por via intra-muscular) ou, em casos de alergia à penicilina, tetraciclina ou doxiciclina (por via oral durante 14 dias).

A terapêutica dos casos de sífilis latente tardia depende da presença de neurosífilis (sintomática ou não).

Na ausência desta recorre-se a penicilina G benzatínica (3 doses semanais por via intra-muscular) ou, em caso de alergia, a tetraciclina ou doxiciclina (por via oral durante 4 semanas).

Nos casos de neurosífilis utiliza-se penicilina G (por via endo-venosa) ou penicilina G procaínica (por via intra-muscular) associada a probenecide (via oral), durante 10 a 14 dias. Nos doentes alérgicos à penicilina deve-se realizar desensibilização e medicar com este fármaco, como descrito acima.

As grávidas com sífilis devem realizar terapêutica de acordo com a fase da doença em que se encon-

tram. No caso de alergia à penicilina, e face à contra-indicação da utilização das tetraciclinas neste grupo, a única opção é a desensibilização e tratamento com penicilina.

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ANEXO – Principais Meios de Cultura Utilizados no L aboratório de Microbiologia

(Listados por Ordem Alfabética) Meio BCYE-α - meio selectivo para Legionella spp. com tempo médio de crescimento de 3 a 5 dias. Contém L-cisteína (necessária ao crescimento destes microrganismos), ferro (que potencia o crescimento) e antibióticos (que impedem o desenvolvimento de outras bactérias). Meio de Chapman ou Manitol Salgado – meio selectivo e diferencial que contém manitol, uma elevada concentração de NaCl e um indicador de pH (vermelho de fenol). A elevada concentração de NaCl torna-o selectivo para Staphylococcus spp. Por outro lado permite a diferenciação entre S. aureus e SCN já que apenas as colónias do primeiro fermentam o manitol ficando envolvidas por um halo amarelo (resultante da acidificação do meio). Com os SCN, não fermentandores do manitol (à excepção de certas estirpes de S. saprophyticus), o meio permanece com a cor original (vermelho). Meio CYN – meio selectivo para Yersinia spp. Apresenta na sua constituição três antibióticos (cefsulodina, irgasan e novobiocina) que inibem o crescimento da maioria dos restantes microrganismos. Meio de Gelose de Chocolate – meio nutritivo, muito pouco selectivo, utilizado na cultura de microrganismos fastidiosos como Neiserria spp. e Haemophilus spp. Assim denominado por ter aparência de chocolate, já que contém sangue aquecido a 80ºC provocando a destruição dos eritrócitos, pelo que é semelhante à gelose de sangue mas apresenta diversos nutrientes (habitualmente contidos dentro dos eritrócitos) disponíveis, nomeadamente NAD e hematina necessários ao cresimento de Haemophilus spp. Não permite distinção de padrões hemolíticos. Meio de Gelose de Chocolate com Bacitracina – favorece o crescimento de Haemophilus spp. nos produtos com flora mista (como a expectoração) devido à inibição do crescimento das bactérias Gram positi-vas e da maioria das Neisseriaceae. Meio de Gelose de Chocolate com VCAT – meio selectivo utilizado na pesquisa de Neisseria gonorrhoeae em produtos com flora indígena (principalmente exsudados uretral e vaginal). Constituído por gelose de chocolate enriquecida com vitaminas, aminoácidos, ferro, amido e outros co-factores e quatro antibióticos para impedir o crescimento de bactérias e fungos que colonizam habitualmente a vagina e a uretra: vancomicina (contra Gram positivos), colistina (contra Gram negativos incluindo Neisseria spp. não patogénicas), anfotericina B (contra fungos) e trimetoprim (contra bacilos Gram negativos). Meio de Gelose de Sangue – meio não selectivo utilizado mais frequentemente. Constituído por gelose enriquecida com sangue de cavalo ou carneiro a 45ºC. Permite o crescimento de praticamente todas as bactérias e leveduras, a observação da presença ou ausência de hemólise e a distinção do tipo de hemólise. Meio de Gelose de Sangue com ANC – meio selectivo para bactérias Gram positivas. Apresenta uma constituição semelhante à gelose de sangue mas com adição de dois anti-bacterianos (ácido nalidíxico e colistina) que impedem o crescimento de Gram negativos (com excepção de Gardnerella vaginalis e alguns Bacteroides spp.). Meio de Kligler – meio diferencial utilizado no diagnóstico etiológico de gastrenterites ou para distinção de bacilos Gram negativos (Enterobacteriaceae e bacilos não fermentativos). Contém proteínas, glicose, lactose (em quantidade 10 vezes superior à glicose) e um indicador de pH. Permite diferenciar as bactérias em rela-ção à sua capacidade de fermentar a glicose e a lactose e de produzir gás e H2S durante o metabolismo dos hidratos de carbono. Meio de Lowenstein-Jensen – meio selectivo para Mycobacterium spp., podendo apresentar pequenas diferenças na sua constituição consoante a espécie que se pretende isolar. Entre os seus componentes encontram-se verde anilino, que inibe o crescimento da maioria das bactérias, glicerol, que facilita o crescimento de M. tuberculosis (para cultura de M. bovis é substituído por purivato de sódio), ovos coagula-dos, penicilina, para inibir o crescimento da bactérias Gram positivas, e ácido nalidíxico, para impedir o desenvolvimento de Gram negativos.

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Meio de MacConkey – meio selectivo e diferencial para isolamento de bacilos Gram negativos. Particulari-dades da sua constituição:

� grande quantidade de sais biliares permitindo apenas o crescimento de bactérias habituadas a estes produtos do metabolismo, como as Enterobacteriáceas e Pseudomonas (Gram negativos) e Enterococcus (Gram positivos – a excepção à selectividade do meio);

� violeta de cristal – inibidor de certas bactérias Gram positivas; � presença de lactose e indicadores de pH, permitindo a distinção entre colónias fermentadoras da

lactose (cor rosada) e não fermentadoras da lactose (transparentes ou de cor amarela. Meio de MacConkey-sorbitol – meio selectivo e diferencial utilizado na pesquisa de E. coli O157 e sua distinção das restantes estirpes de E. coli. Constituição igual ao meio de MacConkey à excepção da substituição da lactose por sorbitol, pelo que as colónias de E. coli O157 (não fermentadoras do sorbitol) ficam incolores enquanto as fermentadoras do sorbitol ficam rosadas. Meio de Muller-Hinton – meio não selectivo utilizado principalmente para o estudo da susceptibilidade aos anti-microbianos. Para a realização do estudo da susceptibilidade de Streptococcus spp. pode acrescentar-se sangue de carneiro. Meio NNN – utilizado na cultura de Leishmania spp. a partir de sangue periférico ou medular. Constituído por gelose enriquecida com aminoácidos e sangue de coelho. Meio de Preston – meio selectivo para Campylobacter spp. que contém carvão activado (para remover os radicais de oxigénio tóxicos) e uma selecção de antibióticos que inibem o crescimento dos restantes microrganismos. A sua incubação faz-se em atmosfera microaerofílica (5-7% de O2), capnofílica (10% de CO2) e rica em azoto (85%), a uma temperatura de 42ºC, durante 48-72 horas. Meio de Sabouraud – meio selectivo para leveduras. Podem ser adicionados anti-bacterianos de forma a aumentar a sua selectividade. Meio SS – meio selectivo e diferencial utilizado no isolamento de Salmonella spp. e Shigella spp. Inibe o crescimento das bactérias Gram positivas e maioria das Gram negativas pela presença de verde brilhante e de uma alta concentração de sais biliares. Os sais de ferro permitem a detecção das estirpes produtoras de H2S (colónias com ponto preto) e, à semelhança do meio de MacConkey, distingue os microrganismos pela capacidade de fermentação da lactose (colónias rosas para os fermentadores e incolores no caso dos não fermentadores). Meio TCBS – meio selectivo para Vibrio spp. Apresenta um pH bastante alcalino (9 a 10) e pouco suporte nutritivo, duas características que permitem o crescimento destes microrganismos mas inibem o desenvolvimento da maioria dos restantes. Meio de Thayer-Martin – meio selectivo para isolamento de Neisseria spp., nomeadamente N. meningitidis e N. gonorrhoeae. Utilizado quando na cultura em gelose de chocolate se verifica o crescimento de vários microrganismos, impedindo o prosseguimento do exame bacteriológico. Consiste em gelose de Muller-Hinton enriquecida com sangue de carneiro aquecido e uma combinação de antibióticos (vancomicina, colistina e nistatina). Meio de Todd-Hewitt – meio líquido mais utilizado. À semelhança dos restantes meios líquidos é usado com o intuito de permitir o enriquecimento do produto biológico em causa facilitanto o posterior crescimento dos microrganismos nos meios sólidos e a sua identificação.

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