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APLICAÇÃO DA TEORIA DO LABELING APPROACH PARA ANÁLISE DA ATUAL POLÍTICA DE DROGAS EM RELAÇÃO AO USUÁRIO NO BRASIL 1 LAURA GODINHO GERMANI 2 RESUMO A teoria do labeling approach contempla o desvio (uso de drogas ilícitas) a partir da perspectiva da reação social que a conduta causa. Através da incriminação da conduta do consumo de (algumas) drogas pelo grupo dominante (criminalização primária), impõe-se o controle social, exercido pelas polícias e pelo Judiciário (criminalização secundária), sobre o desviante o usuário de drogas (delinqüência primária), mediante um processo de seletividade, que acabará por implicar na reorganização da identidade do desviante (profecia auto-realizadora), impelindo-o a novos meios de pensar e agir (delinqüência secundária). Para tanto, fez-se uma abordagem histórica do consumo de drogas pela Humanidade, bem como expôs-se uma breve retrospectiva das legislações penais antitóxicos, dando ênfase à vigente Lei 11.343/06 e exibindo também alguns dos discursos de repressão às drogas, e duas de suas funções declaradas e obscuras. Palavras-chave: Uso de Drogas. Criminalização. Estigmatização. INTRODUÇÃO O presente trabalho possui como escopo a apresentação da teoria do labeling approach, aplicada ao usuário, na atual política criminal antidrogas. A estrutura da teoria apresentada, formulada por Howard S. Becker e depois complementada por diversos autores, é divida em quatro momentos seqüenciais: a) criminalização primária; b) criminalização secundária; c) delinqüência primária; e d) delinqüência secundária. A teoria, aplicada ao uso de drogas, necessitava, contudo, de algumas considerações iniciais antes de ser exposta, no último capítulo. Assim, os capítulos primeiro e segundo têm a finalidade de introduzir abordagens não constatadas no labeling approach, porém de suma importância. No primeiro capítulo apresentar-se-á uma cronologia histórica do consumo de drogas, no âmbito mundial, além de teorias acerca da primeira (ou da continuidade da) experiência com os entorpecentes ilícitos. No segundo momento do trabalho, serão expostos alguns dos interesses político-econômicos por detrás da criminalização primária e secundária (o início da guerra às drogas), através de duas das funções declaradas e duas das funções latentes dos discursos políticos-jurídico (ético-médico-etc.), concluindo-se com a nova Lei Antidrogas brasileira. Por fim, será apresentada a teoria do labeling approach, que acaba por cristalizar as conseqüências da política antitóxicos, acarretando em estigmatizações, condutas desviantes posteriores (profecia auto-realizadora), processos de seleção com base em classes sociais, além da deterioração de oportunidades futuras (aos usuários). 1 USO DE DROGAS 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovação com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador Prof. Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, pela Profª. Clarice Beatriz da Costa Söhngen, e pelo Prof.José Carlos Moreira da Silva Filho, em 16 de novembro de 2010. 2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS. E-mail: [email protected]

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APLICAÇÃO DA TEORIA DO LABELING APPROACH PARA

ANÁLISE DA ATUAL POLÍTICA DE DROGAS EM RELAÇÃO

AO USUÁRIO NO BRASIL1

LAURA GODINHO GERMANI2

RESUMO

A teoria do labeling approach contempla o desvio (uso de drogas ilícitas) a partir da

perspectiva da reação social que a conduta causa. Através da incriminação da conduta do

consumo de (algumas) drogas pelo grupo dominante (criminalização primária), impõe-se o

controle social, exercido pelas polícias e pelo Judiciário (criminalização secundária), sobre o

desviante – o usuário de drogas – (delinqüência primária), mediante um processo de

seletividade, que acabará por implicar na reorganização da identidade do desviante (profecia

auto-realizadora), impelindo-o a novos meios de pensar e agir (delinqüência secundária). Para

tanto, fez-se uma abordagem histórica do consumo de drogas pela Humanidade, bem como

expôs-se uma breve retrospectiva das legislações penais antitóxicos, dando ênfase à vigente

Lei 11.343/06 e exibindo também alguns dos discursos de repressão às drogas, e duas de suas

funções declaradas e obscuras.

Palavras-chave: Uso de Drogas. Criminalização. Estigmatização.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui como escopo a apresentação da teoria do labeling

approach, aplicada ao usuário, na atual política criminal antidrogas. A estrutura da teoria

apresentada, formulada por Howard S. Becker e depois complementada por diversos autores,

é divida em quatro momentos seqüenciais: a) criminalização primária; b) criminalização

secundária; c) delinqüência primária; e d) delinqüência secundária. A teoria, aplicada ao uso

de drogas, necessitava, contudo, de algumas considerações iniciais antes de ser exposta, no

último capítulo. Assim, os capítulos primeiro e segundo têm a finalidade de introduzir

abordagens não constatadas no labeling approach, porém de suma importância.

No primeiro capítulo apresentar-se-á uma cronologia histórica do consumo de

drogas, no âmbito mundial, além de teorias acerca da primeira (ou da continuidade da)

experiência com os entorpecentes ilícitos. No segundo momento do trabalho, serão expostos

alguns dos interesses político-econômicos por detrás da criminalização primária e secundária

(o início da guerra às drogas), através de duas das funções declaradas e duas das funções

latentes dos discursos políticos-jurídico (ético-médico-etc.), concluindo-se com a nova Lei

Antidrogas brasileira.

Por fim, será apresentada a teoria do labeling approach, que acaba por cristalizar as

conseqüências da política antitóxicos, acarretando em estigmatizações, condutas desviantes

posteriores (profecia auto-realizadora), processos de seleção com base em classes sociais,

além da deterioração de oportunidades futuras (aos usuários).

1 USO DE DROGAS

1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau

de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovação com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador Prof. Rodrigo Ghiringhelli de

Azevedo, pela Profª. Clarice Beatriz da Costa Söhngen, e pelo Prof.José Carlos Moreira da Silva Filho, em 16 de

novembro de 2010. 2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul –PUCRS.

E-mail: [email protected]

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A etimologia da palavra “droga” é controversa: alguns atribuem sua origem do persa

droa (odor aromático), outros referem ser oriunda do hebraico rakab (perfume), e também há

a possibilidade de derivar do holandês droog (produtos secos); contudo, não há uma raiz

certa, nem outrora, nem atualmente.3 Um conceito bastante interessante de se transcrever é o

de Marcelo Alves: “contento-me com clássica definição grega de Phármakon, que

compreende ao mesmo tempo o remédio e o veneno, sendo que a dose define qual o sentido

final”.4

1.2 CIVILIZAÇÕES ANTIGAS

Nas Américas Central e do Sul, bem como na África, há notícia da utilização de

matérias encontradas em plantas e fungos, com propriedades principalmente alucinógenas,

pelas comunidades mais remotas, contudo, sempre decorrente de práticas espirituais,

reforçando a remanescente imagem esotérica de alguns psicotrópicos. Cerca de 150 plantas

alucinógenas que foram (e ainda são) utilizadas pelo homem5, possuíam cunho místico-

religioso, e eram de uso privativo dos xamãs, líderes espirituais conhecedores dos efeitos das

substâncias, e regedores dos rituais.6

Em geral, as diversas populações que fizeram (ou fazem) uso dessas substâncias as

consideram “habitadas por um espírito, uma "mãe", um "dono" - com o qual podemos nos

comunicar e aprender. Elas seriam, portanto, um espírito-planta”.7 Interessante notar que

muitas explicações acerca dos fenômenos naturais, assim como soluções para doenças ou

desastres naturais, originaram-se desta interação xamã - Outro Mundo, demonstrando uma

função da droga atualmente ignorada: a de coesão social.

As civilizações pré-colombianas da América do Sul adotavam cogumelos

alucinógenos (psilocibinos) para entrar em contato com as divindades, assim como as tribos

siberianas (Amanita muscaria8). Também os mexicanos, desde os mais remotos tempos,

fizeram uso deste mesmo cogumelo do gênero psylocybe, assim como o cacto peiote

(Lophophora williamsii) e plantas do gênero da Datura.9 No norte do Peru, mais precisamente

no sítio arqueológico de Huaca Preto, foram localizadas folhas de coca dos anos de 2500 a

5000 a.C - já identificadas por Américo Vespúcio em 1499.10

Os africanos da tribo Fang, do

Gabão, recorriam ao Iboga (Tabernathe iboga), arbusto perene da África Central11

, que depois

3 SEIBEL; TOSCANO apud TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos. PUCRS: 2007.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007, p. 17. 4 ALVES, Marcelo Mayora. Entre a cultura do controle e o controle cultural: um estudo sobre práticas

tóxicas na cidade de Porto Alegre. Porto Alegre: PUCRS, 2009. . Dissertação (Mestre em Ciências Criminais) -

Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009, p. 53. 5 Praticamente o mesmo número de plantas usadas pelos homens na alimentação.

6 TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 42.

7 LABATE, Beatriz Caiuby. Plantas que curam. Terra mística, 26.3.05. Disponível em:

<http://www.terramistica.com.br/index.php?add=Artigos&file=print&sid=253>. Acesso em: 23 set. 2010. 8 Gordon Wasson, pesquisador amador, através de comparações entre as descrições do cogumelo Amanita

muscaria, concluiu haver uma evidente proximidade com o soma, poção divina alucinógena dos povos arianos.

Também reconheceu no Rig-Veda (o Primeiro Veda, livro sagrado de hinos hindus) cerca de cem hinos

exaltando este mesmo cogumelo, que cresce nas Altas Montanhas. WASSON apud FURST apud XIBERRAS.

A sociedade intoxicada. Tradução de Alexandre Correia. Lisboa: Piaget, 1989, p. 93. 9 CASTAÑEDA, Carlos. A erva do diabo: os ensinamentos de Dom Juan. 24ª. ed. Tradução de Luiza Machado

da Costa. Rio de Janeiro: Record, 1968, p.195-196. 10

Três séculos depois as folhas de coca foram disseminadas pela Europa, possuindo entre seus usuários

Lamarck. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Drogas e política criminal: entre o direito penal do inimigo e o

direito penal racional. In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos. Rio de

Janeiro: Forense, 2005, p. 26-27. 11

XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 94.

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foi redescoberto pela modernidade ocidental como substância auxiliadora em tratamentos para

combater a dependência química.12

Já no Ocidente, representado principalmente pelo continente europeu, priorizou-se,

desde a Antiguidade, o consumo do álcool – pertencente ao grupo nomeado por Xiberras

como Inebriantia13

– em detrimento de outros psicotrópicos, ainda que ciente da existência e

do poder destes.

A autora recorre à mitologia greco-romana para sustentar a preferência: a vitória de

Dionisos sobre Orfeu – aquele representante dos Inebriantia e este dos Phantastica e dos

Hypnotica – quando as ménades, adoradoras de Dionisos, matam Orfeu e o desmembram,

lançando seus despojos ao mar.14

Outro exemplo arrebatador do álcool como preferência deste

hemisfério é o hidromel, bebida alcoólica exclusiva dos deuses, presente tanto na mitologia

greco-romana como na escandinava.15

O ópio e o álcool ocuparam lugar especial no Império Romano, sendo que o primeiro

era utilizado para o preparo da tesiarca, poção originada da mistura de mais de dez drogas e

arrolada entre os medicamentos do Codex.16

Galeno, médico e filósofo romano de origem

grega, reuniu em seu tratado práticas terapêuticas envolvendo psicoativos naturais com a

finalidade de “apetrechar os indivíduos de forma a que eles possam realizar uma prática

interior, ou edificarem uma cultura íntima que lhes permita desenvolver uma conduta de

saúde”.17

Contudo, após as grandes invasões e conseqüente queda do Império Romano, tais

conhecimentos foram apagados da memória ocidental, vindo a emergir somente a partir do

Renascimento, através de traduções árabes.

Durante toda a Alta Idade Média, e assim por mais de dez séculos, não há menção de

qualquer opiáceo; já estava cristalizada, no seio do Ocidente, a associação do álcool ao

divino: após a morte de Jesus Cristo, por meio dos Evangelhos e do Novo Testamento18

, a

representação do sangue do filho de Deus como vinho tinto viria a selar esta tradição,

autorizando este Inebriantia como o único ídolo ritualístico.

Enquanto que no Oriente, o ópio, considerada a mais antiga das drogas, “podendo-se

até dizer que é tão velha como a própria Humanidade” 19

, adequava-se tanto aos fins

medicinais como espirituais. As descobertas arqueológicas são incontáveis neste sentido: as

tábuas sumérias de Nippur, na Babilônia, datam de mais de cinco mil anos, o papiro de Ebers,

no Egito, pertence ao século XVIII a.C, durante o reinado de Amenófis I, enquanto que na

Europa, escavações em aldeias do período Neolítico (de 5000 a 2500 a.C) revelaram

variedades domesticadas de papoula (ou papoila), sugerindo seu cultivo. Outro indício

12

LABATE, Beatriz Caiuby. Plantas que curam. Terra mística, 26.3.05. Disponível em:

<http://www.terramistica.com.br/index.php?add=Artigos&file=print&sid=253>. Acesso em: 23 set. 2010. 13

A autora recorre à classificação do farmacologista alemão Louis Lewin, que divide os psicotrópicos de acordo

com o efeito decorrente do uso (desta forma um tipo de droga pode integrar dois grupos, dependendo da

quantidade que é utilizada). Os Inebriantia são aqueles que induzem à embriaguez (álcool, éter, clorofórmio), os

Excitantia conduzem a uma leve euforia consciente (cafeína, cocaína, tabaco), enquanto os Euphorica se referem

à euforia stricto sensu (ópio, morfina, heroína), já os Hypnotica provocam sono (cloral, veronal e até ópio, álcool

ou cannabis, dependendo da dose) e, por fim, os Phantastica que induzem a ilusões, alucinações e visões

(cannabis, LSD, peiote, mescalina, psilocibina). XIBERRA, A sociedade intoxicada, p. 49-55. 14

XIBERRA. A sociedade intoxicada, p. 61-65. 15

FRANCHINI, A. S.;SEGANFREDO, Carmen. As melhores histórias da mitologia nórdica. 3ª.ed. Porto

Alegre: Artes e Ofícios, 2004, p. 159. 16

Enquanto que o vinho, quando consumido moderadamente, realçava as propriedades espirituosas do

consumidor (retemperava os humores, alegrava o coração e revigorava o organismo) e, em excesso provocava

humores nefastos, perturbação do espírito e entorpecimento, o ópio, na forma de láudano, era utilizado como

poderoso sonífero. XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 60. 17

FOUCAULT apud XIBERRA. A sociedade intoxicada, p.59. 18

XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 65. 19

XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 67.

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encontra-se na Antiguidade greco-romana, mais precisamente na Odisséia, obra de Homero.20

A medicina árabe antiga, detentora de diversos conhecimentos acerca deste

psicotrópico ancestral, foi a principal responsável pela difusão do ópio no mundo, uma vez

que as conquistas dos muçulmanos por todo continente asiático possibilitaram a introdução

deste Hypnotica em outras culturas.21

Iniciada na Ásia Menor, no século VI, a Turquia bem

como a Pérsia já registravam um desenvolvimento do uso desta droga. Não obstante, tal

prática não perdurou, subsistindo somente nos atuais Paquistão e Afeganistão, associado ao

haxixie. A Índia começou a cultivar a papoula a partir do século XV, intensificando a

produção dois séculos depois, com incentivo dos ingleses, que viram na crescente demanda

exterior uma oportunidade para obtenção de grandes lucros. Em que pese ter sido um dos

maiores produtores e exportadores de ópio, o uso deste psicoativo não se disseminou no país,

restringindo-se somente às regiões onde era efetuado o cultivo.

O maior acolhedor do ópio, no entanto, foi a China. Uma vez franqueada a entrada

deste entorpecente, por meio do Oriente Médio, no século VIII, assimilou-se à cultura da

época, perdurando por mais de dez séculos. Era utilizado para fins medicinais, consoante os

ensinamentos árabes, e recreativos (com um pano de fundo religioso). Foi também na China

que se estabeleceu uma nova modalidade de consumo: através da inalação. A idéia foi

sugestionada pelos importadores de tabaco, holandeses e portugueses, aumentando o uso

recreativo e, conseqüentemente, as importações da Índia.22

A justificativa para a

popularização deste entorpecente na China é a vinculação com a filosofia taoísta, uma vez que

“o Tao designa simultaneamente o caminho e o poder pessoal ou o princípio imanente que

caracteriza todas as coisas. É a este poder, o Tao, que o homem deve aprender a unir-se.” 23

Outra planta consumida desde os primórdios, no Oriente, é a cannabis:

A cannabis é uma planta dióica, ou seja, de sexos separados. As folhas e

inflorescências, principalmente da planta feminina, secretam uma resina que contém

princípios ativos chamados canabinóis. Dos quase 60 canabinóis, o isômero (―) do

delta – 9 – tetra-hidrocanabinol, THC, é o principal responsável pelas atividades

psicofarmacológicas da planta, sementes, galhos e raízes quase não contêm THC.24

O cultivo possui duas finalidades: o aproveitamento das fibras do caule25

e as

propriedades inebriantes do pólen (haxixe) e das inflorescências e das folhas (erva).

Atualmente é a droga ilegal mais consumida no mundo: consoante Eduardo Teixeira estima-

se que 2,45% da população mundial (cerca de 140 milhões de pessoas) já a usaram em algum

momento de sua vida. Assim como o ópio é utilizada desde os primórdios das comunidades,

existindo registros de uso de mais de 12000 anos26

(por exemplo, as cerâmicas com desenhos

de cultivo da cannabis, na cultura neolítca Yang-shao, datam de 4200 a 3200 a.C.)27

.

Medicinalmente, era utilizada pelos indianos e chineses para produzir sono, estimular o

20

Em sua obra, Homero alude à utilização de uma beberagem, o Nepentes, semelhante a uma poção do

esquecimento, possivelmente preparada à base de ópio: “no decurso de um banquete em honra de Telémaco,

como o rei Menelau evocasse a memória de Ulisses, o que fez com que todos os convivas se deixassem invadir

por uma profunda melancolia, Helena resolveu misturar no vinho o sumo maravilhoso de uma planta que

esconjura a tristeza e a cólera, trazendo o esquecimento para todos os males. Aquele que beber deste licor, ainda

que assista à morte do pai ou da mãe, ou que veja seu próprio filho ser imolado pelo fogo, perde a recordação do

seu sofrimento”. HOMERO apud XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 71. 21

XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 72. 22

DURGARIN; NOMINE apud XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 73. 23

XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 74. 24

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 40. 25

Os romanos utilizavam as fibras altamente resistentes para a fabricação de cordas na construção naval.

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 38. 26

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 38. 27

Mar Salgado, TOYOTA, blog. Disponível em: <http://marsalgado.blogspot.com/2005_01_09_archive.html>.

Acesso em: 22 set. 2010.

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apetite e para diminuir a febre.

Das montanhas do Himalaia, a cannabis se dissemina pela China e Índia, para depois

tomar o mundo. Na China, registra-se sua presença pelo imperador Shen Nung, cerca de 2700

anos a.C., em um tratado de medicina. Não obstante, foi na Índia que este psicotrópico

encontrou sua sede principal, vinculada fundamentalmente ao histórico espiritual-religioso do

país. O vedismo, a mais antiga religião indiana, já continha em seus livros menções da erva;

posteriormente o bramanismo e o hinduísmo também incorporaram esta planta de poder em

seus hinos, nos livros sagrados escritos em sânscrito, com a denominação de bhang. O longo

tempo de utilização da cannabis pelos indianos possibilitou uma vasta gama de

conhecimentos sobre suas diversas aplicações, desde fins recreativos e populares como regras

sagradas exclusivas dos brâmanes (sacerdotes).28

A disseminação da cannabis, a partir da Índia, propaga-se à Pérsia e ao Oriente

Médio. No Paquistão, assume o nome de bhang ou ganja, sendo associada ao profeta Elias,

em forma de poção com finalidade de unir os homens ao divino. Posteriormente, se dissemina

entre os Assírios, a partir do século VIII a.C.29

Em contato com o Islã (que proíbe

expressamente o álcool, mas não se manifesta de forma clara em relação aos derivados da

cannabis), assume também importante papel. Em que pese haxixe significar erva em árabe, se

diferencia da cannabis usada pelos indianos devido à forma de preparação: o pólen

encontrado junto às inflorescências é recolhido e comprimido até resultar em uma pasta com

potencial ativo até dez vezes maior que a encontrada nas folhas e nas flores.30

O consumo, no

Oriente Médio, se dava também pela ingestão, uma vez que diversas receitas de bolos e doces

com haxixe encontram-se na tradição árabe. Outra interessante curiosidade é o conto As Mil e

Uma Noites, onde o fumador de haxixe possui forte significado social.31

As invasões árabes contribuem para a propagação da erva mágica (séculos IX e XII)

para o Egito e nos países do Magrebe (região da África Menor), cessando somente junto às

fronteiras espanholas. No Egito a introdução do haxixe se deu na dinastia dos Mamelucos

(1250-1517), período de decadência econômica, popularizando-se principalmente entre os

mais pobres, mas usado também pelos membros das classes altas. O consumo egípcio

encontrou o fim com a proibição efetuada por Napoleão, em suas incursões pelo continente

africano - todavia, refere Xiberras, serão os “seus próprios soldados que transportarão o

consumo do produto para Paris”. A implantação na Europa também ocorreu através das

cruzadas e pelos mercadores venezianos, consumido pelas camadas mais baixas, mas que não

durou muito tempo, sendo retomado somente no século XX, com a maconha, um Phantastica

28

NAHAS apud XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 80. 29

“Herédoto conta que os Citas, bárbaros do mar Cáspio e do mar Aral, fumavam cânhamo para se drogarem”.

XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 81. 30

SNYDER apud XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 82. A confraria muçulmana dos Haschichins

(Assassinos) é ralatada por Marco Polo em suas crônicas: “em 1090 Hassan Ibn Sabbah, o velho da montanha,

conquista uma fortaleza no monte Alamut, perto do mar Cáspio. É ele o fundador da Ordem dos Assassinos, uma

seita cuja finalidade é recrutar homicidas que obedecem cegamente às suas ordens. Para tal, recorre a um

condicionamento físico e moral que se baseia nos efeitos do haxixe. Hassan consegue que os seus seguidores se

tornem completamente submissos, proporcionando-lhes, em contrapartida breves incursões nos paraísos

artificiais do haxixe. É então que complementa os irrecusáveis prazeres da planta com os poderes de que ele

próprio dispõe: depois de beberem a poção mágica, os seus seguidores são conduzidos, de olhos vendados, a

maravilhosos jardins, onde as sensuais huris os aguardam. Esta seita seria exterminada em 1296, com a chegada

dos Mongóis, que poriam fim ao califado de Bagdade. Confrontations Psychiatriques apud XIBERRAS. A

sociedade intoxicada, p. 84. 31

“O personagem está imbuído de uma poderosa significação social. Se por um lado ele corresponde à imagem

de um lunático alucinado que em vez de pescar nos ribeiros, o faz nos reflexos prateados da lua, a sua

imaginação extravagante permite-lhe desenvencilhar-se sempre de sarilhos. Levado à presença de Cadi, e em

seguida à do sultão da cidade, ele logra, recorrendo aos seus fantásticos dons, superiorizar-se aos grandes deste

mundo. Também aqui a tradição se encarrega de revelar não apenas os lado positivos desta erva mágica, mas

também os seus malefícios, indicando os moldes a que deverá obedecer o seu consumo pessoal”. As Mil e Uma

Noites apud XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 83.

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mais suave que o haxixe e a ganja.32

1.3 IDADES MÉDIA E MODERNIDADE

Na Idade Média, com o exercício do monopólio pela Igreja Católica, iniciou-se

intenso processo de proibição e perseguição a drogas associadas à bruxaria e à heresia. Em

que pese a admissibilidade de algumas substâncias tóxicas (álcool, tabaco, opiáceos), as

plantas, principalmente, eram o alvo dos cristãos – porque vinculadas a outras

crenças/culturas -, “ditas „diabólicas‟, e portanto sinônimos de feitiçaria”.33

Como já referido,

o vinho, sangue de Cristo, ocupou lugar de destaque, obrigando o repúdio às demais plantas

de poder, outrora utilizadas pelas variadas comunidades. Neste sentido, ilustra Eduardo

Teixeira, em relação ao recém descoberto Brasil:

No período posterior ao descobrimento, a moral cristã exerceu forte controle sobre

plantas sagradas dos povos nativos, e tentou-se com amplo êxito levar a cabo sua

extinção. Estatuetas representando cogumelos sagrados foram quase completamente

destruídas por missões jesuíticas. Com tudo isso, procurou-se tornar Cristo e o vinho

figuras centrais do lugar do sagrado.34

No entanto, com as constantes transformações das civilizações, que na Idade

Moderna tornaram-se cada vez mais complexas, inicia-se também um processo multifatorial

no usuário de drogas que, se antes consumia as diversas substâncias alteradoras dos estados de

consciência com propósitos principalmente ritualístico-religioso e recreativo, passa a

justificar a prática por motivos variados. O propósito espiritual-religioso dá lugar ao

cientificismo, principalmente dos profissionais ligados à medicina.

Neste período disseminaram-se os fármacos, que eram disputados pelos profissinais

da área médica, por ser fonte de crescentes lucros, uma vez que eram utilizados

principalmente pelas classes médias e altas. Os principais entorpecentes difundidos

compreendiam os derivados do ópio (assim como o próprio ópio), mescalina, cafeína,

barbitúricos, atropina (alcalóide) e haxixe. A revolução industrial, as guerras, os problemas

sociais e a intensa atividade artística foram alguns dos contribuintes para a popularização

destes tóxicos.35

1.4 CONTEMPORANEIDADE

Entre os séculos XVIII e XIX, as pesquisas intensificaram-se, com a definitiva

glorificação pelas substâncias poderosas, no que tange aos estados de consciência, alastrando-

se principalmente em meados do ano de 1800, com as sucessivas sínteses em laboratórios,

com finalidades terapêuticas e, pioneiramente, de obtenção de prazer.

Entre 1858 e 1860, o químico alemão Albert Niemann purificou as folhas de coca,

transformando-as na atual cocaína e, posteriormente, Angelo Mariani, em 1863, lançou um

elixir à base de vinho de Bordeaux e extrato de folhas de coca (elixir Mariani), “em cuja gama

de apreciadores encontrava-se de Júlio Verne, Zola, Rodin, Thomas Ericson, à Rainha Vitória

e aos Papas Pio X e Leão XIII”. Outros produtos à base de cocaína foram difundidos neste

espaço de tempo, sendo proibidos por volta do início da Primeira Guerra Mundial, devido aos

efeitos provocados pelo cloridato de cocaína.

Segundo Teixeira, a maconha foi introduzida ao ocidente pelo médico irlandês W.B.

Shanghnessy, em 1839, através da publicação de um tratado sobre diversos usos terapêuticos

32

XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 85. 33

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 20. 34

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 20. 35

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 20.

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da droga. Nesta obra ele apresentava as lições apreendidas na Índia - onde serviu no Exército

britânico -, tais como o tratamento de convulsões, além dos potenciais analgésico, antipirético

(antitérmico) e ansiolítico (tranqüilizante). Estas práticas medicinais foram adotadas até o

início do século XX, quando foi substituída pelos sintéticos derivados do ópio.36

No Brasil, a

cannabis foi trazida pelos escravos negros, como elemento remanescente de suas raízes

culturais. Após a promulgação da Lei Áurea, o consumo persistiu essencialmente pela

população pobre do Norte-Nordeste, em ocasiões especiais, vestígios das práticas

folclóricas.37

Também neste século, foram relatados diversos anúncios publicitários em

periódicos paulistas, exaltando os efeitos dos elixires à base de vinho e coca.38

Com o advento da globalização, no século XX, iniciou-se o que Freud explica como

o mal-estar na civilização, o enfraquecimento das entidades primárias (Igreja, família, nação),

juntamente com a materialidade exacerbada, impelindo o homem à ausência de referenciais

valorativos. Declara Jameson que os elementos constitutivos da pós-modernidade seriam a

saturação de imagens em detrimento da “historicidade tanto das nossas relações com a história

pública quanto em novas formas de temporalidade privada”, acentuando a efemeridade das

coisas. Esta “cultura do simulacro” (imagem, aparência, simulação) acaba por priorizar o

valor da troca, apagando a lembrança do valor do uso. 39

Sigmund Freud foi um dos usuários neste novo período: aderiu ao consumo da

cocaína e, ainda que tenha reconhecido seu potencial viciante, também afirmou o indiscutível

efeito apaziguador do espírito. Chegou, inclusive, a declarar “que o primeiro recurso contra o

mal-estar na civilização – um mal-estar ao qual o animal político não consegue escapar, viva

ele onde viver, é o uso de «quebradores de preocupações»”.40

O fenômeno mais importante desta década, no entanto, foi o movimento hippie,

oriundo dos Estados Unidos. Também foi aqui que ocorreu a disseminação imensurável dos

diversos tipos de entorpecentes, dentre os principais, o LSD, a maconha e a heroína. Nas

décadas de 60 e 70, a maconha foi intensamente utilizada, disseminando-se manuais de

plantio para cultivo pessoal em lugares menos propícios (apartamentos). As estatísticas

apontam que “até 10% dos estudantes secundaristas americanos chegavam a usar a droga

diariamente, e 60% a tinham experimentado pelo menos uma vez”.41

O LSD, descoberto por

Albert Hoffmann nos laboratórios Sandoz, na Suíça, e, posteriormente pesquisado por

Timothy Leary e Stanislav Grof, é um dos mais potentes alucinógenos, tendo sido,

inicialmente, utilizado em tratamentos de doenças mentais.42

O movimento de contracultura hippie atingiu o ápice nos anos de 1965 e 1966, na

cidade de São Francisco, e o consumo das drogas era associado às filosofias de cunho 36

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 39. 37

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 39. 38

FONSECA apud SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Drogas e política criminal: entre o direito penal do

inimigo e o direito penal racional. In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e

criminológicos, p. 27. 39

JAMESON apud TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 46. Refere

HOBSBAWN: “A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência

pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgrubes do final do século XX.

Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o

passado público da época em que vivem”. HOBSBAWN apud TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso

de enteógenos, p. 46. 40

Freud, curiosamente, referia-se às drogas como “quebradores de preocupação” em analogia ao drama Fausto,

concluído em 1832, por Goethe, quando a Inquietação ou Preocupação (Die Sorge) vence o herói homônimo.

SISSA. O prazer e o mal: filosofia da droga, p. 12. 41

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 39. 42

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 43. Xiberras declara outros interesses na

ocasião da descoberta do LSD: “nessa época, tanto a CIA como os serviços secretos militares estavam extremamente interessados nas questões do controlo da mente (soro da verdade, lavagens ao cérebro, hipnose,

etc.), e foi que as decidiu a conceder o apoio necessário ao desenvolvimento desta nova área de investigação

científica.” VALLA apud XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 96.

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espiritual (zen, ioga, tantrismo, budismo, sofismo, taoísmo). O caráter rebelde e irreverente,

que se opunha à política bélica americana, pregando o anti-consumismo, a ecologia, a

revolução sexual e o resgate das religiões orientais. Pela falta de organização e pelas

sucessivas subdivisões, aliada à repressão do governo americano, o movimento de

contracultura decaiu já na década de 70. Para a questão das drogas, o fenômeno teve máxima

importância no que diz respeito à introdução e disseminação das mais variadas espécies de

substâncias na cultura ocidental, antes preteridas pelo álcool.43

Coincidentemente, a política

bélica-repressionista americana teve início neste mesmo período: a organização, pela ONU,

da Convenção Única sobre Estupefacientes, foi realizada em 1961.

Em que pese ser a humanidade adepta das drogas desde seus primórdios, nunca se

alardeou tanto a matéria quanto no século XXI. Se, como visto inicialmente, o propósito do

uso era ritualístico-religioso e terapêutico, posteriormente passou para o estágio da recreação

contida, à pesquisa incansável, à disseminação médica, aos movimentos de contracultura, e,

neste século, constituiu uma verdadeira epidemia, a incorporação do inimigo universal e de

todos os males da contemporaneidade. Dentro deste paradigma, imprescindível analisar os

fatores sociais e culturais que contribuíram para o esvaziamento da significação do uso e a

excessividade inconseqüente dos entorpecentes.

O mal-estar informado por Freud, há mais de 60 anos atrás, não apenas perdurou

como se agravou. A complexidade antes referida pelo médico tende a crescer

geometricamente, originando no ser humano contradições, limitações e frustrações em mesma

amplitude. Desta forma, o fenômeno não se limita a um mero reflexo da realidade das

civilizações contemporâneas; o abuso de drogas constitui antes uma conseqüência (“lógica

social”) dos processos de modernizações de todas as áreas, do que a causa (como fazem

acreditar os discursos manifestos das políticas criminais antidrogas). O “excesso de ordem” da

atual sociedade implica em uma “frustração cultural”, ocasionada pela renúncia dos instintos

do homem (liberdade), em prol da segurança da comunidade. 44

Neste sentido expressa Mariana Weigert, a idéia geral exposta por Freud:

Pode-se, então, perceber, o quanto a liberdade e a felicidade do homem são

irrelevantes para o processo civilizatório e como restam restringidas pelos controles

impostos pela civilização. Há a construção do homem ideal no qual todo cidadão de

carne e osso deve espelhar-se. Ocorre na “consciência moral” reforço do sentimento

de culpabilidade quando são infringidos tais preceitos éticos impostos pela

civilização, quando o homem existente em cada um deixa de se comportar como o

„super-homem cultural‟.45

O cidadão, nesta senda, busca a felicidade em dois níveis paradoxais: satisfazer seus

desejos instintivos (felicidade egoísta), e ao mesmo tempo enquadrar-se nos moldes ditados

pela sociedade na qual ele se encontra inserido (felicidade altruísta). Se entendermos real esta

dicotomia inalcançável, concluir-se-á que os homens estarão “fadados ao sofrimento, à

constante restrição da eterna busca pelo princípio do prazer”.46

Um fenômeno mais recente do que o vivenciado por Freud é o consumismo

exacerbado, que acaba por reduzir a identidade do indivíduo ao que ele possui, ao invés do

que ele é. O modelo capitalista-consumista promete esgotar as frustrações pessoais (sejam lá

43

XIBERRAS. A sociedade intoxicada, p. 97-98. 44

WEIGERT, Mariana de Assis Brasil e. Uso de drogas e sistema penal: alternativas para a redução de danos

na Espanha e no Brasil. Porto Alegre: PUCRS, 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) – Programa

de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande

do Sul, Porto Alegre, 2008, p. 15. 45

FREUD apud WEIGERT, Mariana de Assis Brasil e. Uso de drogas e sistema penal: alternativas para a

redução de danos na Espanha e no Brasil, p. 17. 46

WEIGERT, Mariana de Assis Brasil e. Uso de drogas e sistema penal: alternativas para a redução de danos

na Espanha e no Brasil, p. 18.

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quais forem, uma vez que pouco se importa com a individualidade das preocupações) com

grandes números de matérias e marketings geniais, para que assim também o sujeito acumule

grande quantidade de artefatos supérfluos (e às vezes até prejudiciais, como por exemplo, no

caso da indústria farmacêutica), a fim de fomentar o mercado. Todavia, como alerta Mariana

Weigert, o “efeito perverso da moral consumista”47

é a intangibilidade do objetivo prometido:

a posse, por si só, não completa, não soluciona, não pacifica o espírito doente, muito pelo

contrário, se usada como remédio para a insatisfação pessoal, origina um buraco sem fundo

(défoncés), já referido por Sissa.48

Transcrevendo com destaque o referido por Melman, atinge-se aqui o objetivo final

da exposição supra:

[...] a „sociedade de consumo‟ repousa sob um ideal, mas ignora que este ideal é o

toxicômano que o realiza. Com efeito, o sonho de todo publicitário, de todo

fabricante é de realizar o objeto do qual ninguém poderia mais passar sem; objeto

que teria qualidades tais que apaziguaria, ao mesmo tempo, as necessidades e os

desejos, que necessitaria de uma renovação permanente, uma perfeita dependência.49

1.5 TEORIAS DA MOTIVAÇÃO DO USO

Afinal, por que usamos drogas?

Em toda a sua complexidade, o uso abusivo de drogas na nossa sociedade, não pode

ser visto a partir de um único prisma. Há diversas questões interligando diferentes

sujeitos, constituindo uma rede de significações que não resiste às nossas

costumeiras simplificações. Às nossas “valas comuns” conceituais.50

As teorias (ou propostas) a seguir, dizem respeito ao uso incial (delinquencia

primária), às possíveis motivações que levam indivíduos variados, em todas as sociedades, a

usar, pelo menos uma vez, alguma droga (ilícita). Isso se admitir-se a idéia de que existe uma

motivação pessoal, uma vez que Sissa alega ser a primeira experiência, muitas vezes,

ocasional.51

Xiberras parte dos efeitos de cada droga, buscado, individualmente, pelo

consumidor, para tentar explicar as motivações do uso. Utilizando classificação já

mencionada, baseada nos efeitos dos quatro principais grupos (Excitantia, Hypnotica,

Inebriantia e Phantastica), a autora divide o consumo de acordo com o significado social

carregado por cada um dos grupos. Neste quadrante, Gurfinkel atesta, da mesma forma, a

47

WEIGERT, Mariana de Assis Brasil e. Uso de drogas e sistema penal: alternativas para a redução de danos

na Espanha e no Brasil, p. 20. 48

SISSA, Giulia. O prazer e o mal: filosofia da droga, p. 09-10. 49

MELMAN apud WEIGERT, Mariana de Assis Brasil e. Uso de drogas e sistema penal: alternativas para a

redução de danos na Espanha e no Brasil, p. 21. No segundo capítulo torna-se visível que possivelmente foi esta

a idéia latente da criminalização do uso de drogas: o capitalismo-consumidor respaldado na lei da oferta e da

demanda. 50

CRUZ apud WEIGERT, Mariana de Assis Brasil e. Uso de drogas e sistema penal: alternativas para a

redução de danos na Espanha e no Brasil, p. 15. No terceiro capítulo há referência ao Contrato Social de Hobbes. 51

“Para Thomas de Quincey, o primeiro encontro com o ópio aconteceu num dia em que, tendo uma nevralgia

facial – dor que começara com a interrupção acidental das abluções quotidianas com água fria -, ele se precipitou

cegamente para a rua. «Mais para fugir dos meus tormentos, se é que era possível, do que com um objectivo

definido.» E aí, nesses espaço indeterminado e nesse tempo não orientado, por puro acidente, eis que ele

encontra uma pessoa conhecida, um colega da faculdade não identificado. Esta personagem sem nome e

encontrada fortuitamente recomenda-lhe – e por que não? – que experimente ópio. Mais tarde, depois de ter

descoberto os poderes da «droga celeste», de Quincey voltará a pensar nos mais íntimos pormenores e nas

circunstâncias daquela revelação como se uma fatalidade o tivesse levado até a ela.” DE QUINCEY apud

SISSA, Giulia. O prazer e o mal: filosofia da droga. Tradução de Magda Bigotte de Figueiredo. Lisboa: Piaget,

1997, p. 18.

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fundamentalidade de analisar os efeitos que a droga provoca no sistema nervoso central, pois

são estes que determinarão a busca, pelo usuário, daquela prática, correspondendo à sua

“modalidade de funcionamento mental”.

Partindo de uma perspectiva psicanalítca, Freud afirma que o uso de drogas é

motivado pelo princípio regedor de todos os seres humanos: a busca pelo prazer (felicidade).

Este é, consoante o médico, o propósito da vida dos homens, e para satisfazê-lo, não é

suficiente o prazer contínuo (prolongado52

), mas sim o intenso (contrastado com momentos de

desprazer). Como todo sofrimento é uma sensação, “só existe na medida em que sentimos, e

só o sentimos como conseqüência de certos modos pelos quais nosso organismo está

regulado”, podemos alterar o organismo, através de substâncias estranhas e ele, quais sejam,

as drogas. A civilização impôs (desde o início e hoje, com a complexidade de sua estrutura,

mais ainda) sacrifícios aos homens: “o homem civilizado trocou uma parcela de suas

possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança”.

Mas, se todos temos instintos, e todos temos que reprimí-los em prol da civilização, e

desta repressão deriva a frustação53

, por que somente alguns levam à cabo no que diz respeito

à satisfação do(s) desejo(s) de seus instintos e experimentam, pela primeira vez, determinado

psicoativo? De acordo com a teoria da reação social, os sucessivos compromissos firmados

com as instituições convencionai, ao longo de um período, tornam o custo-benefício pendente

ao não desvio (não uso).54

Também pode-se afirmair que os desviantes possuem uma

perspectiva totalmente divorciada daqueles que elaboraram a norma. Por não ver coerência,

utilidade ou legitimidade para a sua vigência, optam por não seguí-la, afinal, não contribuíram

e não aceitam a regra imposta.55

Ainda, Freud elucida a questão sob outro prisma: a repressão

destes instintos “impróprios” pode ser redirecionada para a fantasia, para a arte, para a

ciência. As satisfações substitutivas são ilusões quando em contraste com a realidade, todavia,

eficazes no que diz respeito à solução do desejo reprimido.56

Já Sykes e Matza, em sentido contrário, ensinam que também os delinquentes se

sentem impelidos a cumprir a lei (esta é a prova de que eles também interiorizam os valores

da cultura dominante57

), e mediante técnicas de neutralização, eles lidam com estes impulsos.

Estas técnicas consistem em justificações – válidas do ponto de vista do usuário – não aceitas

pelo sistema de regras ou pela sociedade. Mariana Weigert, de um ponto de vista mais recente

e em conformidade com o modelo capitalista-consumista atual, propõe o uso embasado na

busca contínua pelo gozo. Como já afirmado por Freud - que inteligentemente referiu-se aos

tóxicos como “quebradores/amortecedores de preocupações” -, perante às desilusões,

demandas inatingíveis, e recorrentes sofrimentos, nada mais viável do que saciar, mesmo que

brevemente, o espírito dolorido com a ingestão de substâncias “enganadoras do psíquico”.

2 A CRIMINALIZAÇÃO DO USO DE (ALGUMAS) DROGAS

2.1 BREVE HISTÓRICO DA CRIMINALIZAÇÃO DO USO DE DROGAS

52

Goethe declara sobre a continuidade da felicidade: “nada é mais difícil de suportar que uma sucessão de dias

belos”. GOETHE apud FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Tradução de José Octávio de Aguiar

Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p. 24. 53

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, p. 52. 54

BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges.

Rio de Janeiro: Zahar, 2009, p. 38. 55

BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio, p. 28. 56

“Aquele que tem ciência e arte, tem também religião: o que não tem nenhuma delas, que tenha religião!”

GOETHE apud FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, p. 22-23. 57

DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade

criminógena. 2ª. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 236.

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Nos Estados Unidos, na virada do século XIX para o XX, substâncias psicoativas

como o éter, cocaína e morfina, utilizadas em tratamentos, principalmente de ex-combatentes,

começaram a se difundir na medicina; também nesta oportunidade surgiram elixires e tônicos,

comercializados livremente, com base no ópio e na cocaína; a partir daí surgiu o primeiro

contingente de viciados, ligados principalmente ao meio médico. A promulgação da Lei

Harrison (Harrison Act), em 1914, considerada o marco da política americana de controle das

drogas, estabelece a pena de multa de dois mil dólares, cumulada com a de prisão de cinco

anos, para os distribuidores não registrados. Em 1919, movimentos sociais moralistas

(Movimento pela Temperança), impulsionaram o discurso moral-repressivo, culminando com

a promulgação da Lei Seca, que proibia a venda e consumo de bebidas alcoólicas.58

A Convenção Única sobre Estupefacientes, realizada em 1961, em Nova Iorque,

destinava-se a proteger a saúde física e moral da sociedade (principalmente dos jovens)59

,

objetivando a erradicação do cultivo de ópio em quinze anos e da cannabis e coca em vinte e

cinco anos. O discurso médico-jurídico desta convenção perpetra até a presente data,

pretendendo traçar a distinção entre o consumidor (doente) e o traficante (criminoso).

Em 1988, ocorre em Viena a Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas, onde foi

estabelecida a erradicação do tráfico ilícito de drogas, sendo imposta a penalização do

usuário, e solidificando-se o discurso bélico. Dez anos após a implementação da guerra contra

as drogas, em 1998, acontece o Período Especial de Sessões sobre o Problema Mundial das

Drogas, na Assembléia Geral da ONU, com a finalidade de rever os resultados das

convenções anteriores60

. Sem qualquer análise crítica do modelo proibicionista estabelecido,

fixou-se novo prazo para erradicar o “cultivo ilícito”, qual seja, mais dez anos, através da

mesma (fracassada) política criminal de repressão. As delegações da Suíça e do Canadá

apresentaram nesta oportunidade suas experiências com a política de redução de danos, sendo

criticadas pelo “mau exemplo”, por meio de documento publicado pela JIPE (Junta

Internacional para Fiscalização de Estupefacientes da ONU).61

Através destas constantes reuniões para glorificar a política de repressão, é imposto

(e cobrado) o endurecimento da legislação penal dos países signatários. A crescente

abrangência dos tipos penais, com a multiplicidade de verbos, trazem a impressão de que

“tudo é tráfico” de drogas. Por exemplo, na Espanha, “aquele que de qualquer modo promova,

favoreça, ou facilite o consumo ilegal de drogas tóxicas, estupefacientes ou substâncias

psicotrópicas”, é punido com pena destinada ao traficante.62

A criminalização de substâncias entorpecentes, no Brasil, data das Ordenações

Filipinas (Livro V, Título LXXXIX), sendo suprimida no Código Penal do Império de 1830, e

58

SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE JÚNIOR, Miguel

(coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 11-12. 59

Neste sentido, o iluminado Salo de Carvalho: “no preâmbulo da Convenção, o escopo do estatuto é definido

em relação à saúde física e moral dos homens, sendo a toxicomania considerada „grave mal para o indivíduo‟

constituindo „perigo social e econômico para a humanidade‟. „O combate a esse mal‟ exigiria „ação conjunta e

universal‟, „orientada por princípios idênticos e objetivos comuns‟. Desta forma, a Convenção viria a „substituir

os tratados existentes sobre entorpecentes‟, estabelecendo a política internacional de controle de substâncias

tóxicas”. CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: do discurso oficial às razões da

descriminalização. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Luam, 1997, p. 24. 60

Nas Sessões sobre o Problema Mundial das Drogas foi apresentado o Programa das Nações Unidas para o

Controle Internacional de Drogas (PNUCID), intitulado: “1998-2008 – Um mundo sem drogas. Podemos

conseguir.” O jornal New York Times denominou o plano de “reciclagem de políticas irrealistas”. MARONNA,

Cristiano. Proibicionismo ou morte? In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e

criminológicos, p. 56. 61

SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE JÚNIOR, Miguel

(coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 15. 62

COPELLO apud SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE

JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 13.

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retomada no Regulamento de 29 de setembro de 1851 (na parte relativa à política sanitária)63

,

bem como no Título III da Parte Especial do Código Republicano de 1890, igualmente

respaldada na política de saúde pública.64

Neste primeiro momento, a principal preocupação

era com a disseminação do uso do ópio e da cannabis, entretanto, a verdadeira intenção era

conter a violência, na maioria das vezes dos negros, mamelucos, mulatos, bastardos, carijós

das aldeias e “outras pessoas que não temiam a Deus e menos as Justiças de Sua Majestade”65

Com a Consolidação das Leis Penais, em 1932, o caput do artigo 159 é alterado: a

expressão substâncias venosas é substituída por substâncias entorpecentes, são acrescentados

doze parágrafos, e a pena de prisão celular é cominada à pena de multa, iniciando um novo

modelo proibicionista sistematizado. A política criminal de drogas fundamentada na repressão

ocorre, no entanto, a partir da autonomização das leis criminalizadoras (Decretos 780/36 e

2.953/38), sendo cristalizada no Decreto-Lei 891/38, oriunda da Convenção de Genebra de

1936, regulamentando o tráfico, e inserindo o país no modelo internacional de combate às

drogas.66

A partir da década de 40, e com a implantação da ditadura militar (1964), diversas

legislações passam a controlar todo o âmbito das drogas, desde a plantação, cultivo, depósito

e venda (Decreto-Lei 4.720/42 e Lei 4.451/64), consagrando o processo de descodificação, e

ingressando, definitivamente, no modelo norte-americano67

.

Até 1968, contudo, o uso não era incriminado, passando a figurar, juntamente com o

tráfico (e partilhando da mesma punição), com o advento do Decreto-Lei n° 385. A respeito

desta aberração, Salo de Carvalho, citando Menna Barreto, explica que

[...] esta legislação vexatória tornou-se inoperante e inaplicável pelos tribunais, que

acabavam por absolver réus primários e/ou dependentes, ao invés de aplicar-lhes

“equilibradas condenações”. 68

2.2 POLÍTICA CRIMINAL ANTIDROGAS

Baratta “define a política de criminalização de drogas como um processo „auto-

referencial‟, que se reproduz material e ideologicamente”, pois agrega a reprodução material

(respaldada na imagem inicial da realidade) e a ideológica (mecanismos através dos quais os

indivíduos confirmam sua realidade e atitudes – profecia auto-realizadora).69

63

SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Drogas e política criminal: entre o direito penal do inimigo e o direito

penal racional. In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 28. 64

CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil (estudo criminológico e dogmático da Lei

11.343/06). 5ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 10-11. 65

FONSECA apud SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Drogas e política criminal: entre o direito penal do

inimigo e o direito penal racional. In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e

criminológicos, p. 31-32. 66

CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil (estudo criminológico e dogmático da Lei

11.343/06), p. 12. 67

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 08. 68

BARRETO apud CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil (estudo criminológico e

dogmático da Lei 11.343/06), p. 25. 69

BARATTA apud CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil (estudo criminológico e

dogmático da Lei 11.343/06), p. 72-73. O poder punitivo, através destas ideologias, “seleciona seres humanos e,

por vezes, lhes confere um tratamento que não corresponde à condição de pessoas, considerando-os, pelo

contrário, apenas como entes perigosos.” MORAES, Ana Luisa Zago de. O estado de exceção e a seleção de

inimigos pelo sistema penal: uma abordagem crítica no Brasil contemporâneo. Porto Alegre: PUCRS, 2008.

Dissertação (Mestre em Ciências Criminais) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Faculdade de

Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008, p. 46. 69

COSTA apud SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE

JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 13.

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Quanto às denominações manifestas e latentes, são oriundas do sociólogo norte-

americano Robert K. Merton, que verificou a incongruência das funções declaradas pelas

instituições sociais em relação às práticas adotadas, que acabam por resultar em efeitos

distantes dos planejados ou desejados.70

2.2.1 Funções Manifestas

2.2.1.1 Saúde Pública

A OMS (Organização Mundial da Saúde), na carta de Ottawa, em 1996, declara

serem requisitos para a saúde: a “paz, educação, habitação, poder aquisitivo, ecossistema

saudável, eqüidade e conservação dos recursos naturais: „saúde é o estado de mais completo

bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de enfermidade‟”.71

Como o direito penal não pode coibir condutas por serem meramente imorais,

utilizou-se da tutela da saúde pública como embasamento para a política de repressão às

drogas; atualmente, depreende-se da maioria das legislações antitóxicos (internacionais e

nacionais), ser a saúde pública o bem juridicamente protegido. Todavia, em 1984, a

Declaração sobre a luta contra o narcotráfico e o uso indevido de drogas – expedida pela

ONU -, alterou a expressão “saúde pública” para “bem-estar físico e moral dos povos, e, em

particular da juventude”.72

A saúde pública encontra-se, de fato, protegida pela tutela penal na Constituição de

1988 (artigos 5°, XLIII, 6°, 196 e ss.). Gilberto Thums e Vilmar Pacheco Velho Filho

afirmam que a saúde pública protegida pela lei antitóxicos não diz respeito à saúde individual

do usuário de drogas, mas sim à transindividual, de toda coletividade. Consoante os autores, a

autolesão não pode ser objeto de criminalização pelo Estado, logo, o escopo visado é o da

integridade social, não importando a quantidade da substância, mas sim a prática de um (ou

mais) dos verbos contidos no tipo penal. Se visto sob este prisma, a proteção à saúde da

coletividade se sobreporia às garantias individuais constitucionais, pois no entender dos

mestres, o primeiro engloba os segundos.73

Contudo, no Primeiro Encontro de Mestres e Doutores do Departamento de Direito

Penal da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), sob coordenação de

Miguel Reale Júnior, em 2005, foi constatado durante a apresentação do CEBRID74

, que

através de dados estatísticos, verifica-se que as drogas que mais vitimizam os jovens são o

álcool e os remédios para emagrecer. Neste mesmo sentido, Francisco Muñoz Conde e Bella

Aunión Acosta afirmam:

[...] carece, además, de sentido que, em cambio, se deje em liberdad e incluso se

fomente el uso de otras tan nocivas o más que algunas ilegales: el alcohol, el tabaco

o algunos psicofármacos de venta autorizada incluso sin receita. La contradiccíon

que ello supone, sin ninguna aclaración o política informativa por parte del Estado,

no puede por menos que repercutir negativamente em la educación del próprio

cidadano, al que debe constar trabajo compreender pro qué puede beber todo

alcohol que quiera y fumar todos los cigarillos que le apetezca, y no hacer lo

70

SABADELL apud SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE

JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 10. 71

WHO: World Health Organization. Disponível em: <http://www.who.org>. Acesso em: 20 out. 2010.

TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 95. 72

Como insinua Renato de Mello Jorge Silveira: “o espectro torna-se, pois, mais largo”. SILVEIRA, Renato de

Mello Jorge. Drogas e política criminal: entre o direito penal do inimigo e o direito penal racional. In: REALE

JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 34. 73

THUMS, Gilberto; FILHO, Vilmar Velho Pacheco. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo.

análise comparativa das leis 6.368/1976 e 10.409/2002. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 04. 74

Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas.

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14

mismo, por lo menos legalmente, cuando se trata de unos pitillos de marihuana o de

unas rayas de cocaína.75

Complementando tal perspectiva, traz-se pesquisa norte-americana do ano de 2003,

que concluiu que 10% dos jovens americanos que experimentam maconha tornam-se

viciados, enquanto que 15% dos que experimentam álcool acabam por tornarem-se

dependentes desta substância.76

2.2.1.2 Defesa Social : Declaração da War on Drugs77

A ideologia da Defesa Social, consoante Baratta, nasce no universo

macrossociológico da Revolução Francesa, com a mudança do Estado liberal ao social-

intervencionista, remodelada pela criminologia etiológica (Lombroso e Ferri), onde padrões

de cientificidade são repassados e apropriados pelo senso comum (every day theories). A

principal característica deste modelo é a “funcionalidade justificante (legitimadora) e

racionalizadora da intervenção punitiva”.78

Esta ideologia foi remodelada pelos Estados

Unidos, que adotou, principalmente, o princípio do bem e do mal, afirmando o delito como

um dano à sociedade, e o delinqüente (ou, aqui, a droga) “um elemento negativo e

disfuncional para o sistema social, sendo o desvio um mal e a sociedade constituída um

bem”.79

A guerra contra as drogas foi declarada nos Estados Unidos, em 1973, por Nixon, se

intensificando no governo de Reagan, com o término da Guerra Fria; consoante Leonardo

Sica, “a sucessão de guerras, talvez, demonstre a necessidade de manter e gerir certos

conflitos que sustentam as respectivas indústrias de controle”. 80

A Convenção de Viena de

1988 consagrou o war on drugs como política a ser adotada no tocante às drogas e, dez anos

após a Convenção, durante a Estratégia Nacional de Controle de Drogas dos EUA (1998 a

2007), foi proposto a comparação da droga ao câncer – em substituição à guerra – “já que se

tem expectativa de que as guerras terminem”.81

Segundo Janaína Paschoal, além da equivocada utilização do Direito Penal como

forma de solucionar a heterogênea questão relativa aos psicotrópicos, vem se estabelecendo a

idéia universal bélico-repressiva, em sentido totalmente contrário às garantias (duramente)

conquistadas, “sob a desculpa que estamos em guerra contra as drogas e de que, na guerra,

tudo vale – aumentar pena, endurecer regimes, reduzir direitos.”82

Incrivelmente, vale

75

CONDE apud SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Drogas e política criminal: entre o direito penal do

inimigo e o direito penal racional. In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e

criminológicos, p. 34. 76

Maconha: informações para usuários e afins, apostila do Projeto de tratamento para usuários de maconha,

Uniad-Unifesp, 2003, p. 12-13. 77

O estrangeirismo war on drugs será mantido visto a paternidade do modelo bélico norte-americano, onde foi

criado e posteriormente exportado. 78

BARATTA apud CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil (estudo criminológico e

dogmático da Lei 11.343/06), p. 132-133. 79

MORAES, Ana Luisa Zago de. O estado de exceção e a seleção de inimigos pelo sistema penal: uma

abordagem crítica no Brasil contemporâneo, p. 51. 80

SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE JÚNIOR, Miguel

(coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 14. 81

MARONNA, Cristiano. Proibicionismo ou morte? In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos

penais e criminológicos, p. 53. 82

PASCHOAL, Janaína. A importância do encontro sobre drogas: aspectos penais e criminológicos. In:

REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 05. Citam-se, por exemplo, os

princípios processuais penais: devido processo legal, contraditório, ampla defesa, vedação da prova ilícita,

presunção da inocência, não auto-incriminação do acusado e vedação de prisões arbitrárias. MORAES, Ana

Luisa Zago de. O estado de exceção e a seleção de inimigos pelo sistema penal: uma abordagem crítica no

Brasil contemporâneo. Porto Alegre: PUCRS, 2008. Dissertação (Mestre em Ciências Criminais) - Programa de

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destacar, tais flexibilizações absurdas vêm sendo defendidas por pessoas instruídas e capazes,

tornando este disparate mais preocupante ainda. Zaffaroni compartilha desta opinião: tipos

irracionais, e a “nova disciplina jurídica”, culminou na inversão da máxima in dubio pro reo

para in dubio pro societate, acarretando no tratamento idêntico entre autores e partícipes,

limitações à defesa dos acusados, bem como “forte pressão sobre os juízes quando absolvem –

mas não quando condenam...”. 83

Em síntese, nada nova nossa guerra: Soldados rasos morrem, sargentos acreditam

com sadismo, tenentes administram sem ver, capitães ascendem socialmente,

coronéis se elegem e os generais, estes, quando se lembram dela, decidem quem será

eleito.84

2.2.2 Funções Latentes

“Ante a constatação óbvia” de que os objetivos almejados pela política bélico-

repressiva não foram nem “minimamente atingidos” - muito pelo contrário, além de

totalmente ineficiente, o modelo em questão apresentou-se também extremamente oneroso -

diversos autores passaram a denunciar os verdadeiros motivos que levam à manutenção desta

política controversa85

. Leonardo Sica aponta cinco destas razões obscuras: aumento do poder

de controle e ingerência através da aprovação de leis e práticas que violam as garantias

fundamentais e da expansão do direito de punir; redução ao silêncio da prisão àqueles que

representam o problema (dependentes químicos); desvio do foco das fontes geradoras do

problema, “culpando somente os autores de pequenos crimes, viciados ou somente „laranjas‟”;

cristalização da punição como política institucional de lei e ordem; e facilidade de transações

envolvendo grandes somas derivadas da corrupção.86

2.2.2.1 Interferência dos Países Centrais

“O narcotráfico é, desde a queda do comunismo, a principal ameaça aos interesses

dos Estados Unidos” 87

. Desta maneira, as agências centrais (EUA), acabaram por transferir o

problema das drogas aos países periféricos (produtores), obrigando-os a criar uma guerra

interna (enfraquecendo a soberania), facilitando o controle externo (manutenção da

hegemonia). A submissão dos países latino-americanos à “política de certificação” dos

Estados Unidos, que condiciona o auxílio econômico ao preenchimento de condições

estabelecidas no que diz respeito aos esforços de combate às drogas, é outra função latente

apresentada, pois possibilita ao último a interferência na administração da justiça penal dos

Pós-Graduação em Ciências Criminais, Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do

Sul, Porto Alegre, 2008, p. 121. 83

ZAFFARONI apud SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In:

REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 12-13. 84

FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Notícias da guerra. In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas:

aspectos penais e criminológicos, p. 67. Analogicamente: o direito penal de exceção (da guerra), “tem apoio da

opinião pública manipulada e desinformada de que as leis excepcionais são necessárias politicamente e legítimas

constitucionalmente e, por essa razão, as garantias penais processuais liberais servem para os tempos e os

processos ordinários e não para aqueles extraordinários”. MORAES, Ana Luisa Zago de. O estado de exceção e

a seleção de inimigos pelo sistema senal: uma abordagem crítica no Brasil contemporâneo, p. 102. 85

SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE JÚNIOR, Miguel

(coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 16. 86

SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE JÚNIOR, Miguel

(coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 16-20. 87

Afirmação do General Norman Swarzkopf, Comandante das tropas dos EUA na Guerra do Golfo. BARRIUSO

apud SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE JÚNIOR,

Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 13.

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16

primeiros.88

Um notório exemplo é relativo à Colômbia, onde as FARC (Forças

Revolucionárias da Colômbia), guerrilha de oposição existente há décadas - e agora percebida

unicamente como responsável pelo tráfico continental -, viabilizou aos Estados Unidos a

implementação de bases militares naquela localidade.89

Cristiano Maronna se aprofunda mais,

ao referir que no sul da Colômbia, onde se localizam as plantações de coca e papaoula

“situam-se também as duas províncias controladas pelas FARC. O Plano Colômbia tem por

objetivo, portanto, matar dois coelhos com uma cajadada só”.90

A posição geográfica estratégica do México (fronteira com os EUA) sofreu intenso

processo de militarização no final da década de 90, os militares passaram a exercer a função

policial e os tribunais de jurisdição especial passaram a ser competentes, resultando em

violações dos direitos humanos, além de perigos para a democracia.91

Na Bolívia, os

movimentos camponeses (historicamente ligados à oposição ao governo central), passaram a

ser vinculados com a produção de cocaína, permitindo, desta forma, a persecução penal, com

a promulgação da Lei 1008, que prevê a prisão cautelar sem direito à liberdade provisória.92

Enquanto isso, na União Européia, o problema da imigração de cidadãos de países mais

pobres para os países centrais, vem sendo solucionado com a atribuição do tráfico aos

primeiros, possibilitando uma política de segregação (xenofobia institucionalizada),

confirmada por declaração do assessor do Ministro do Interior da França, em 2005, Jean Paul

Séguéla: “a melhor maneira de evitar o tráfico de drogas por estrangeiros é prevenir a

imigração”.93

Os Estados Unidos também implantaram, na Colômbia, no Peru, na Bolívia, em

Mianmar, no Laos, no Afeganistão, no Paquistão e no Vietnã, o plano SCOPE (Strategy for

Coca and Opium Poppy Elimination), que emprega armas biológicas para destruição de áreas

de plantio de coca e papoula, acabando por trazer “graves danos ambientais e sociais”.94

No

Egito, o grupo politicamente dissidente Irmãos Muçulmanos, vem sendo acusado de cultivar

drogas ilícitas, o que justifica o controle pela ANGA (Administração Geral Anti-Narcóticos) e

o DEA (Drugs Enforcement Agency).95

No Brasil não é diferente: de acordo com Cristiano Maronna, existem diversos

programas e convênios estabelecidos com os Estados Unidos: o PROERD (Programa

Educacional de Resistência às Drogas e à Violência), onde policiais militares fardados visitam

as escolas alertando para a guerra contra as drogas; o Projeto SIVAM (Sistema de Vigilância

da Amazônia), um sistema de satélite para controlar a biodiversidade da Amazônia, além de

plantações e aviões a serviço do tráfico; a Lei do Abate (promulgada no governo de Fernando

Henrique e regulamentada no de Lula), que prevê a derrubada de aeronaves suspeitas; e a

instauração da Justiça Terapêutica (segundo qual todo usuário é doente, necessitando de

88

SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE JÚNIOR, Miguel

(coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 18. Indo mais longe, países em conflitos internos não

apresentam riscos de crescimento econômico, social ou político, portanto, não apresentam risco à hegemonia dos

países centrais. 89

SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE JÚNIOR, Miguel

(coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 19. 90

CREMONESE apud MARONNA, Cristiano. Proibicionismo ou morte? In: REALE JÚNIOR, Miguel

(coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 61. 91

CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil (estudo criminológico e dogmático da Lei

11.343/06), p. 175. 92

SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE JÚNIOR, Miguel

(coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 17. 93

BARRIUSO apud SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE

JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 18. 94

MAIEROVITCH apud MARONNA, Cristiano. Proibicionismo ou morte? In: REALE JÚNIOR, Miguel

(coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 57. 95

BARRIUSO apud SICA, Leonardo. Funções manifestas e latentes da política de war on drugs. In: REALE

JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 17.

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tratamento involuntário). O autor também refere à existência de “outras iniciativas, menos

ortodoxas, como as denúncias de que CIA, DEA, NAS e US CUSTOMS, injetaram, de forma

ilegal, mais de 10 milhões de dólares na Polícia Federal brasileira nos últimos dez anos.”96

Portanto, a transnacionalização do war on drugs possibilitou a implantação de práticas

“politicamente incorretas”, mas que sob o discurso da tutela do bem-estar universal, acabam

por ser defendidos pelos Estados, e inclusive pelos variados membros da sociedade.

2.2.2.2 Expansão do Ius Puniendi Estatal para Manutenção da Verticalização das Classes

Socias

O processo de globalização acarretou na diminuição das atribuições dos Estados, que

face às privatizações e conseqüentes democratizações de áreas como a telecomunicação,

saúde e previdência, demonstraram-se não mais necessárias ou minimamente úteis. Neste

contexto, relembra Leonardo Sica que o monopólio do ius puniendi, por ser indeclinável,

tornou-se o último reduto de soberania nacional.

Cristiano Maronna levanta outras hipóteses obscuras, relativas às minorias

imigrantes dos EUA, que desencadearam, ao final do século XIX, problemas econômicos e

sentimentos de hostilidade: os negros eram associados ao consumo recreativo de cocaína, os

chineses preferiam o ópio, enquanto os hispânicos adotavam a marijuana e os europeus

católicos socialistas, o álcool. Neste quadrante, pode-se afirmar que a perseguição aos

usuários de entorpecentes possibilitava o controle e dominação das minorias, degradando seus

status.97

Este direito penal do inimigo (minorias selecionadas), decorrente da expansão do

direito penal, justifica e fomenta a ampliação dos âmbitos de intervenção estatal, causando a

flexibilização de princípios e garantias jurídico-penais.98

A aprovação paulatina de medidas

legislativas excepcionais (criminalização primária), que permite a perseguição de minorias

(seletividade), e conseqüente redução do controle dos direitos humanos (que quase

desaparecem quando o estado de exceção surge), bem como aumento dos poderes das

instâncias de controle (criminalização secundária), acabam por contribuir para a manutenção

do abismo que separa as classes da sociedade. Não obstante, imperioso relembrar das

vantagens que a política criminal de drogas acaba por trazer à diplomacia, a acumulação de

capital ilícito, criando, assim, “um caldo de cultura que faz germinar um lobby preventivo-

assistencial pára-institucional, formado especialmente por organizações do terceiro setor” 99.

Como denuncia Salo de Carvalho:

Economicamente, percebemos que a „guerra às drogas‟ tem função de ocultação dos

desequilíbrios e conflitos entre classes, determinando legitimidade para imposição

de legislações seletivas, que originam violência institucional, bem como encobre o

impacto econômico e social que as drogas produzem nas relações internacionais.100

96

Carta Capital, edições n° 92, de 03.03.99; 97, de 12.05.99; 98, de 26.05.99; 122, de 10.05.00; 185, de

17.04.02; 294, de 09.06.04; 297, de 30.06.04; e 301, de 28.07.04. MARONNA, Cristiano. Proibicionismo ou

morte? In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 57. 97

Outro exemplo fornecido pelo autor, no que tange à criminalização da maconha, é a competição dos produtos

derivados do petróleo em relação às fibras e ao óleo da semente do cânhamo, com os produzidos pela empresa

química Du Pont, nos anos 20 do século passado. MARONNA, Cristiano. Proibicionismo ou morte? In:

REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 59-60. Nesta senda, Eduardo

Teixeira: “A intenção americana era inicialmente exportar um modo de vida que atendesse os seus interesses

econômicos e associasse etnias a determinadas substâncias.” TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de

enteógenos, p. 07. 98

MORAES, Ana Luisa Zago de. O estado de exceção e a seleção de inimigos pelo sistema penal: uma

abordagem crítica no Brasil contemporâneo, p. 60. 99

BARRIUSO apud MARONNA, Cristiano. Proibicionismo ou morte? In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.).

Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 60. 100

CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil (estudo criminológico e dogmático da Lei

11.343/06), p. 179.

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18

O modelo belicista de repressão às drogas leva ao endurecimento de legislações

penais, justificadas pela emergência criada, através de ideologias desenvolvidas pelas

agências de criminalização (primária e secundária) e difundidas pela mídia, tendo por escopo

(latente) a seletividade dos inimigos.101

2.3 LEI 11.343/2006: PRÁTICAS JURISDICIONAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO

FORO CENTRAL DE PORTO ALEGRE

Em entrevista aos juízes dos três Juizados Especiais Criminais do Foro Central de

Porto Alegre, depreendeu-se que os procedimentos destinados ao usuário de drogas, embora

similares, possuem importantes divergências. O magistrado do 2° Juizado, Amadeo Henrique

Ramella Buttelli, referiu já adotar as medidas expostas na nova lei há algum tempo, utilizando

método diferenciado dos demais juízes: ao ser encaminhado o autor ao seu Juizado, o

Julgador organiza audiências conjuntas de cinco pessoas, com a presença facultativa de pais,

familiares, namoradas ou colegas, e já afirma o arquivamento do processo, procurando

“deixá-los mais tranqüilos”. Nesta audiência ele explica as decorrências legais dos

antecedentes bem como o funcionamento da lei, não aplicando nenhuma das sanções. Ao

final, questiona se algum dos presentes gostaria de freqüentar algum dos grupos,

voluntariamente. A transação com advertência ou freqüência de grupos educativos é imposta

somente nos casos de reincidência, pelo período de três meses (total de doze sessões, uma por

semana).

De maneira um tanto semelhante atua a magistrada Lisiane Barbosa Carvalho,

atuante no 1° Juizado Especial Criminal, ao realizar audiências grupais de casos similares,

com participação de familiares, onde são explicadas as decorrências médico-legais do uso de

drogas. Contudo, diferentemente do dr. Amadeo, a juíza já aplica na primeira oportunidade,

nos casos de apreensão de até uma grama da droga, a transação com advertência. Nos casos

de apreensões mais substanciais, a transação vem acompanhada do encaminhamento aos

grupos de terapia, na mesma proporção do sentenciante do 2° JECRIM (três meses, doze

reuniões), e nos casos de resquícios (“de crack no cachimbo ou de sobras de maconha”), o

processo é arquivado pelo Ministério Público.

Já o julgador Artur dos Santos e Almeida possui uma posição bastante diferenciada

das supra mencionadas: em qualquer caso ele aplica a transação penal acompanhada de

prestação de serviço à comunidade ou freqüência a grupos de apoio, seja o autor primário

(freqüência dos grupos), ou com antecedentes (prestação de serviços à comunidade). Também

o tempo de freqüência nas reuniões é variável, de acordo com a gravidade do caso, podendo

chegar aos cinco meses (ou o dobro, se reincidente). Os processos só são arquivados quando o

autor não comparece à audiência, pois, consoante o juiz: “a finalidade da nova lei é

terapêutica, e se não tem como encontrar o autor, não há o que se falar em aplicação de pena”

- estes casos são raros, e constituem os dependentes químicos em estado mais grave. Por fim,

as audiências são individuais, em que pese a similaridade dos casos, “pois sempre há

individualidades a serem respeitadas”, proclama o sentenciante.

Portanto, enquanto dois dos magistrados aplicam majoritariamente a transação penal

como pena de advertência, e também a freqüência aos grupos educativos, o outro, em sentido

contrário, entende pela medida de prestação de serviços à comunidade como mais benéfica.

Todos, porém, afirmam serem as políticas contidas na Lei mais teóricas do que práticas, uma

vez que o único tipo de tratamento terapêutico fornecido pelo Estado são as reuniões nos

grupos de auto-ajuda. Em casos de dependência química grave, permanecem as varas cíveis

como mediadoras das internações ou tratamentos ambulatoriais. 101

MORAES, Ana Luisa Zago de. O estado de exceção e a seleção de inimigos pelo sistema penal: uma

abordagem crítica no Brasil contemporâneo, p. 44.

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19

No que tange à advertência acerca dos malefícios das drogas, Salo de Carvalho

afirma ser ilegítima, por ter como “objeto único e exclusivo a reprovação da opção pelo

consumo de determinadas substâncias, fruto do livre exercício da autonomia da vontade do

usuário”. De encontro ao postulado por Salo, Amadeo, magistrado do 2° JECRIM, declara ser

baixíssima a reincidência, no seu juizado, atribuindo a eficácia à advertência (ou aos

programas educativos); ademais, o juiz afirmou dar maior ênfase às conseqüências legais (“já

que não sou médico”).

2.3.1 Aspectos Positivos e Negativos da Nova Lei

Um dos pontos positivos da nova lei é a distinção da punição do usuário em relação

ao traficante, o que não ocorria na lei pretérita, e a distinção entre os próprios usuários

(eventual e dependente) . Como atesta Alexandre Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio, “a Lei

de Drogas efetuou a distinção entre usuário e dependente, estipulando conseqüências

diferenciadas em ambos os casos.” Outra importante mudança, visando ao estrito consumidor

de tóxicos, é a inserção do parágrafo 1° no artigo 28, que vislumbra o cultivo e plantação para

uso pessoal. Contudo, ressaltam os autores que para a caracterização do artigo 28 (uso), são

necessários dois requisitos: a quantidade (semeada, cultivada ou colhida) e a finalidade

(consumo próprio).102

As exceções para uso ritualístico-religioso também representam destaque, seguindo

preceito estabelecido na Convenção de Viena de 1971, bem como o plantio para finalidades

medicinais ou científicas (art. 2° e parágrafo único)103

, o que, no futuro, poderá franquear um

(lento) processo de descriminalização.

Contudo, inegável salientar que o maior avanço da legislação tratada é a

descarcerização do uso de drogas (ainda que a definição usuário/traficante ainda seja

subjetiva). Neste contexto, declara Baratta que “a dependência de drogas ilícitas é menos

curável do que seria, se nesta pequena parte do problema social não houvesse intervindo a

justiça penal”. Entretanto, salienta-se que a descarcerização não significa descriminalização,

uma vez que há previsão de punição restritiva de direitos e, sendo assim, a conduta do uso

permanece incriminada, constituindo uma infração sui generis, já que não prevê a pena

privativa de liberdade104

. Ainda referente às penas cominadas, a falta de previsão de mínimo

legal para cumprimento das sanções descritas nos incisos II e III do artigo 28 da Lei constitui

um avanço, cabendo ao juiz decidir qual o tempo de cumprimento das medidas dos incisos II

e III do artigo 28 da Lei, segundo o caso concreto, respeitando somente o máximo legal. 105

A competência dos Juizados Especiais Criminais trouxe outro benefício aos usuários:

vedada a prisão em qualquer hipótese (flagrante, decorrer do processo ou na sentença), o

agente não precisa, a princípio (a não ser que inexista o plantão), sequer passar pela Delegacia

de Polícia.106

Todos os três juízes entrevistados atestam a lei como mais benéfica ao usuário,

por entender que a pena privativa de liberdade só vem a agravar a situação.

102

MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação penal especial. 10ª. ed. São Paulo: Atlas,

2007, p. 100 e 117. 103

MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio. legislação penal especial, p. 109. 104

O artigo 1° da Lei de Introdução ao Código Penal prevê como crime somente as condutas punidas com pena

privativa de liberdade. Sendo assim, a infração é de mera conduta, não havendo necessidade de comprovar

perigo concreto. GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de drogas comentada artigo por artigo: Lei 11.343, de

23.08.2006, p. 122. 105

Neste sentido, Ferrajoli: “seria oportuno confiar ao poder eqüitativo do juiz, a escolha da pena abaixo do nível

máximo estabelecido pela lei, sem vinculá-lo a um limite mínimo, ou vinculado a um limite mínimo muito

baixo”. FERRAJOLI apud CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil (estudo

criminológico e dogmático da Lei 11.343/06), p. 283. 106

GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de drogas comentada artigo por artigo: Lei 11.343, de 23.08.2006, p. 124-

125.

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20

Expõe Janaína Paschoal, acerca da nova lei Antidrogas, então projeto de Lei 7.

134/02:

Pensado à “luz” da mentalidade tacanha daqueles que vêm comparando o usuário e o

dependente a receptadores, talvez o projeto seja liberal. Avaliado sob uma

perspectiva de integração, não há como deixar de considerá-lo inadequado, além de

perigoso, na medida que condiciona a tipificação do porte à natureza e quantidade de

droga, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, bem como às

circunstâncias sociais e pessoais, à conduta e aos antecedentes do agente. Típico

exemplo de Direito Penal de Autor. Valendo ressaltar o absurdo de prever a prática

do crime de desobediência por parte de usuário ou dependente que descumpre a pena

restritiva de direitos.107

Nesta senda, Renato de Mello Jorge Silveira atesta a manutenção do consumidor

como inimigo (ressaltando o modelo do direito penal do inimigo), só que desta vez a ser

recuperado, em detrimento de seu verdadeiro status: vítima.108

Já Labate aduz que, em relação

ao usuário, não ocorreram grandes transformações, uma vez que este passou “de criminoso a

doente, passível de reintegração à sociedade dita majoritária e normal. Ele adquiriu um

estigma de vítima e doente.” O autor refere também que o usuário eventual, necessariamente,

sofre o mesmo tratamento.109

Moraes e Smanio referem outra diferença entre a lei vigente e a revogada: a inclusão

de mais dois verbos no tipo destinado ao usuário – ter em depósito e transportar – ampliando

o rol de condutas do consumidor, de forma a evitar possíveis discussões e analogias

indevidas.110

Salienta-se, ainda, que os mesmo verbos integrantes do artigo do uso próprio

integram o tipo destinado ao tráfico, tanto em relação à posse como ao cultivo, residindo aí, o

perigo. A distinção entre usuário e traficante, (circunstâncias sociais e pessoais do fato) em

que pese ser, por um lado mais benéfica do que a lei revogada (circunstâncias da prisão), por

outro fomenta a seletividade dos que serão estigmatizados como doentes ou como

criminosos.111

A proposição de transação penal também pode ser vista, de um lado, como

prejudicial, pois é feita com aplicação de umas das sanções dos incisos do artigo III, sem o

devido processo legal, garantido pelo contraditório e ampla defesa (por outro lado, se viável e

aceita, não gera antecedentes). Como sustenta Salo de Carvalho, a “transação e/ou suspensão

condicional do processo” acaba por ignorar a questão da quantidade ínfima (princípio da

bagatela) e conseqüente arquivamento do processo, bem como deixa de avaliar a toxidade da

substância apreendida, o que poderia descaracterizar o delito. Neste sentido, a habitual

“vigência do princípio in dubio pro transação penal”, aplicada nos Juizados Especiais

Criminais, inviabiliza “o arquivamento de ações temerárias ou de fatos formal ou

materialmente atípicos”.112

No mais, a majoração do tempo de cumprimento das penas

tipificadas nos incisos II e III do artigo do 28 da nova Lei, em virtude da reincidência, é

comparada pelo autor, a uma qualificadora, “produzindo, no caso do uso pessoal de drogas,

efeitos proporcionalmente mais gravosos do que sua incidência em qualquer outro delito

previsto na lei brasileira, inclusive os considerados hediondos e assemelhados”.113

107

PASCHOAL, Janaína. A importância do encontro sobre drogas: aspectos penais e criminológicos. In:

REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 02. 108

SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Drogas e política criminal: entre o direito penal do inimigo e o direito

penal racional. In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos, p. 41. 109

LABATE apud TEIXEIRA, Eduardo Didonet. O direito ao uso de enteógenos, p. 15. 110

MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação penal especial, p. 103. 111

MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação penal especial, p. 103-104. 112

CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil (estudo criminológico e dogmático da Lei

11.343/06), p. 285. 113

CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil (estudo criminológico e dogmático da Lei

11.343/06), p. 284.

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21

O autor também atesta a má-formulação da lei: a cumulação de advertência e

prestações de serviços comunitários, ou qualquer uma destas hipóteses, acrescida da

imposição de tratamento, ofende o princípio bis in idem, uma vez que permite a aplicação de

duas penas (que não a de multa), caracterizando o duplo binário, repudiado com a reforma

penal de 1984.114

3 ESTIGMATIZAÇÃO DO USUÁRIO

3.1 TEORIA DO LABELING APPROACH

Os estudos precedentes, em que pese suas inegáveis contribuições, sempre partiram

de questionamentos enfocando o delinqüente (“quem é ele?”, “por que age assim?”, “como se

dá sua interação com a sociedade?”, e “como é possível controlá-lo?”) O ponto de partida

sempre era o indivíduo transgressor e as ações perpetradas por ele, abrangendo uma série de

outros fatores psicossosiais, mas sempre considerando seu comportamento como objetivo,

uma realidade universal, indiscutível,115

- inclusive Freud, que admitiu sermos todos passíveis

de práticas delituosas, uma vez que possuímos instintos reprimidos em defesa da civilização,

foi somente até a projeção destes instintos nos outros, mas não concluiu pela seletividade de

escolha destes outros.116

Howard S. Becker, no entanto, desenvolveu sua teoria à luz do interacionismo

simbólico e da etnometodologia117

, abordando a temática do delinqüente sob outro ponto de

vista: condutas delituosas praticadas durante a vigência de determinada campanha (crack nem

pensar!118

) eram socialmente mais reprováveis que em outros momentos, jovens delinqüentes

da classe média, quando abordados, não chegavam tão longe no processo legal como os de

bairros miseráveis, o negro que matasse outro negro tinha menos probabilidade de ser punido

se comparado a um branco que cometesse homicídio.119

Estes são apenas alguns dos

infindáveis exemplos que permitem observar que não é a ação em si que é repugnada pela

sociedade, mas sim quem comete a ação e em que circunstâncias.120

O interacionismo simbólico referido foi criado por George H. Mead e posteriormente

desenvolvido por Herbert Blumer, preconizando que a interação indivíduo-indivíduo ou

indivíduo-sociedade possui uma enormidade de símbolos e interpretações, formados a partir

da própria interação, e que podem mutar ao longo dos anos. Desta forma, a ação do indivíduo

deriva destes significados (símbolos), em decorrência das interações sociais com os pequenos

grupos e com a sociedade que, por sua vez, modificam estes significados. Já a

etnometodologia se refere à relatividade da realidade, que varia de indivíduo para indivíduo,

de acordo com as interações sociais vivenciadas. Desta forma, concluir-se-á que a realidade

não é estática, e muito menos universal, o indivíduo não é um mero ator, mas sim autor de sua

realidade, fruto das relações sociais do cotidiano.

114

“Consciente da iniqüidade e da disfuncionalidade do chamado sistema „duplo binário‟, a Reforma Penal de

1984 adotou, em toda a sua extensão, os sitema vicariante, eliminando definitivamente a aplicação dupla de pena

e medida de segurança, para os imputáveis ou semi-imputáveis”. BITTENCOURT apud CARVALHO, Salo de.

A política criminal de drogas no Brasil (estudo criminológico e dogmático da Lei 11.343/06), p. 280-281.

115 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito

penal. . 3ª. ed. Rio de Janeiro: Revan, Instituto Carioca de Criminologia, 2002, p. 88. 116

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, p. 51-52. 117

Conceitos sociológicos explanados no próximo capítulo. 118

ALVES, Marcelo Mayora. Entre a cultura do controle e o controle cultural: um estudo sobre práticas

tóxicas na cidade de Porto Alegre, p. 155. 119

BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio, p. 25-26. 120

Agora, pergunta-se: “„quem é definido como desviante?‟, „que efeito decorre desta definição sobre o

indivíduo?‟, „em que condições este indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?‟ e, enfim, „quem define

quem?‟”. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do

direito penal, p. 88.

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É inviável compreender a individualidade de cada um no que tange ao estímulo que o

levou a, por exemplo, consumir determinada droga, o que se pode analisar será a reação dos

outros em relação àquele específico usuário, porque se mudarmos a pessoa consumidora (ou o

grupo que irá “julgá-lo”), podemos obter um resultado inteiramente diferente do anterior.

Neste quadrante, analisar-se-á não mais o usuário e porque ele usa este ou aquele

entorpecente ilícito, mas sim por que esta conduta é classificada como crime (criminalização

primária), por que ele - dentre tantos outros - foi submetido à ação penal (criminalização

secundária), bem como qual a reação social frente à tal comportamento (delinqüência

primária) e que efeitos todos os questionamentos anteriores refletirão no indivíduo

(delinqüência secundária). Esta estrutura de processos de interações será vislumbrada

unicamente à luz do uso de drogas, já que esta ação se mostra alvo de crescente discussão nas

mais variadas disciplinas.

3.1.1 Criminalização Primária

Consoante entendimento de Becker, as regras derivam de valores121

, pois estes, se

não especificados, são de difícil aplicação em situações práticas, cotidianas – tanto por serem

por demais vagos, assim como pelo fato de conflituarem entre si, acarretando em dúvidas no

momento da aplicação -, deste modo, os valores serão a premissa para a regra específica.

Outro importante ponto é que tais regras só são criadas a partir de situações de conflito, que

demandam maior especificidade quanto às (in)ações aplicáveis: o que será proibido e o que

será permitido, e qual a respectativa sanção da transgressão. Outro cuidado na elaboração da

regra específica é que ela não conflitue com outros valores prioritários, prevendo possíveis

exceções ou restrições. Por fim, a regra específica só terá valor se de fato aplicada a pessoas e

situações particulares.122

Becker opta pela denominação “reformador cruzado” àqueles dotados de moral, ética

e sentimentos humanitários – muitas vezes beirando o fanatismo, ou a hipocrisia - que

precisam corrigir aquilo que vêem como errado ou danoso (mesmo que não lhes influencie).

Mas por se preocupar mais com os fins (resultados) do que com os meios (elaboração da lei),

recorrem ao auxilio de especialistas – advogados e juristas principalmente - uma vez que

possuem posições destacadas na sociedade. E é nesta delegação que reside o problema: o

cruzado moral se empenha na formulação do ideal, deixando à cargo de outros a redação da

regra específica e sua posterior implementação, o que “abre a porta para muitas influências

imprevistas”.123

Já na concepção de Sutherland, são os interesses políticos os delimitadores do crime

e do comportamento criminoso e, portanto, todo processo de criminalização possui caráter

intrinsicamente político. O grupo mais forte, detentor da instrumentalização do Estado, é que

definirá quais condutas serão permitidas e quais serão coibidas, impondo-as aos demais

grupos (na maioria das vezes conflitantes).124

Neste quadrante, a noção de crime dependerá da

noção de Estado, restando pertinente a proposição de Turk: “não pode existir crime, se não

existe Estado”.125

121

Valor é, segundo Talcott Parsons: “um elemento de um sistema simbólico partilhado que serve como um

critério ou padrão para a seleção entre alternativas de orientação intrinsecamente abertas numa situação pode ser

chamado de valor”. PARSONS apud BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio, p.137. 122

BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio, p. 138-140. 123

BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio, p. 153-157. 124

COHEN; LINDESMITH apud BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal:

introdução à sociologia do direito penal, p. 127-128. 125

TURK apud BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à

sociologia do direito penal, p. 133.

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23

3.1.2 Criminalização Secundária

Para que a “cruzada” seja bem sucedida, faz-se necessário que as regras cridas no

ítem anterior sejam, de fato, aplicadas. Para tanto, são criadas, muitas vezes, insitituições e

agências que ficam à cargo de impor as mesmas; elas que administrarão a nova regra. No

Brasil, dois são os principais meios de controle institucionais que visam a prevenção e

repressão de práticas desviantes: o poder judiciário e as polícias ostensiva (polícia militar) e

judiciária (polícia civil).

O sistema judicial será vital na aplicação da lei – seja na interpretação de normas mal

elaboradas ou conflituosas com outras normas (de mesma ou superior hierarquia), na

ocorrência de novas situações, ou ainda nas práticas jurisprudenciais. Neste sentido propõe

Herpin: “será arriscado concluir que a criminalização ou descriminalização dos

comportamentos sociais advêm mais da força das práticas judiciais do que das decisões do

legislador?”126

O segundo meio de controle institucional é a polícia127

. “A polícia constitui o

símbolo mais visível do sistema formal de controlo, o mais presente no quotidiano dos

cidadãos e, por via de regra, o first-line enforcer da lei criminal.”128

Será a responsável por

processar o maior número de desvios, cabendo-lhe, deste modo, selecionar os sujeitos que

merecem ser indiciados dos que não merecerem.

A polícia, além de responsável pelas estatísticas da criminalidade, também dispõe de

um “largo leque de alternativas à estrita e efectiva aplicação da lei: umas legais, outras ilegais,

outras ainda situadas numa zona cinzenta não expressamente coberta pela lei ou pelos

manuais”129

. Esta seleção é nomeada por Feest e Blankerburg de “poder de definição”, ou

seja, é “a possibilidade socialmente pré-estruturada – legal ou ilegal – de definir uma situação

e impô-la vinculativamente a outros.”130

Tal seleção ocorre, primeiramente face à inesgotável

demanda criada pelas normas criminalizadoras, e em segundo pela falta de fervor por parte

dos policiais, que passam a se habitualizar com a delinqüência, sendo forçados a escolher uma

minoria para justificar seu trabalho.

3.1.2.1 Seletividade dos Meios de Controle

O direito penal visa os interesses daqueles que o criaram (classe dominante),

imunizando (ou tornando de extrema dificuldade) as possibilidades de submissão à ação penal

de condutas específicas desta classe, e dirigindo o processo de criminalização para as “de

desvio típico das classes subalternas”.131

Ou seja, os tipos criminais de delitos empresariais, ou ligados à administração

pública são, geralmente amplos e vagos, tornando a prova dificultosa, raramente

transformando-se em processo penal. Já em sentido oposto, os desvios títpicos da classe

miserável são bem específicos e ainda possuem milhares de qualificadoras e agravantes

(geralmente inerentes ao delito, portanto quase sempre aplicáveis). Um exemplo notável – e

126

HERPIN apud DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinqüente

e a sociedade criminógena, p. 369. 127

Não se fará distinções das funções da polícia civil e militar, apenas importará o modus operandi, seja pelo

policiamento ostensivo, ou pelas decisões de indiciamentos, considerando a força policial como um todo. 128

DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade

criminógena, p. 443. 129

TURK apud DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinqüente e

a sociedade criminógena, p. 445-446. 130

DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade

criminógena, p. 446. 131

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito

penal, p. 165.

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pertinente ao assunto – é a diferenciação do usuário e do traficante, consoante a Lei

11.343/2006:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,

para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação

legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

[...]

§ 2°. Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à

natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se

desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos

antecedentes do agente.

§ 3°. As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo

prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4°. Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste

artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. [grifo nosso]132

As condições sociais e pessoais do agente, bem como a possibilidade do mesmo ser

reincidente, é característica do direito penal do autor, selecionando os estereótipos que irão

constituir a população carcerária, e que serão, conseqüentemente, estigmatizados e excluídos

de futuras oportunidades de sucesso profissional ou pessoal. Aspectos como atividade

profissional, escolaridade, antecedentes criminais e estrutura familiar são bem mais raros nos

níveis mais baixos da escala social.133

Uma analogia bem colocada por Baratta demonstra que

esta seleção inicia muito antes, na verdade:

A homogeneidade do sistema escolar e do sistema penal corresponde ao fato de que

realizam, essencialmente, a mesma função de reprodução das relações sociais e de

manutenção da estrutura vertical da sociedade, criando, em particular, eficazes

contra-estímulos à integração dos setores mais baixos e marginalizados do

proletariado, ou colocando diretamente em ação processos de marginalizadores.134

3.1.3 Delinqüência Primária

O desvio primário consiste na primeira experiência do uso de determinado

entorpecente, até o momento que este usuário, então desviante secreto, passa a ser selecionado

pelo meio de controle secundário e, por conseguinte, estigmatizado. Esta seleção pode ocorrer

de várias formas, como será exposto adiante, mas importante ressaltar que a reação social só

de dará se a conduta (efetiva ou presumida) se tornar pública, de uma forma ou de outra.

Consoante o labeling approach, o primeiro passo que leva ao desvio será, na grande maioria

das vezes, motivado135

- contudo, as causas que desencadeiam esta inclinação não operam ao

mesmo tempo,

132

NACIONAL. Lei antidrogas. Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 21 out. 2010. 133

No ano de 2004 o ator Marcello Antony foi pego em flagrante com 100 (cem) gramas de maconha, foi

absolvido pela 9° Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre no tocante ao tráfico, e condenado por uso,

tendo que pagar multa e freqüentar reuniões para dependentes químicos. Disponível em:

<http://copiameufilho.com/2009/02/os-famosos-e-as-drogas.html>. Acessado em: 14 out. 2010. Contrapondo

esta realidade, a dissertação de Marcelo Mayora Alves, traz, em anexo, uma pesquisa empírica sobre as

sentenças nos JECRIM de Porto Alegre. (ALVES, Marcelo Mayora. Entre a cultura do controle e o controle

cultural: um estudo sobre práticas tóxicas na cidade de Porto Alegre, anexo. 134

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito

penal, p. 175. 135

A delinqüência primária estudada será a intencional, oriunda da não-conformidade do desviante. Em que pese

serem raros, também existem os desvios involuntários, fruto da ignorância do indivíduo de certo grupo social

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[...] padrões de comportamento se desenvolvem numa sequencia ordenada. Ao

explicar o uso da maconha por um indivíduo, como veremos adiante, devemos lidar

com uma sequencia de passos, de mudanças no comportamento e nas perspectivas

do indivíduo, a fim de compreender o fenômeno. Cada passo requer explicação, e o

que opera como causa em um passo da sequencia pode ter importância desprezível

em outro.136

Lemert desenvolve a fundamental distinção entre delinqüência primária e

secundária, uma vez que a reação social e a punição do primeiro comportamento tem, na

maioria das vezes, “um „commitement to deviance‟, gerando, através de uma mudança da

identidade social do indivíduo assim estigmatizado, uma tendência a permanecer no papel

social no qual a estigmatização o introduziu”.137

Para ocorrer esta mudança de noção de identidade (interna ou externa), é necessário

que um dos meios de controle tenha insidido sobre o usuário. Tal fenômeno pode se dar

através do flagrante policial138

- que poderá resultar ou não em uma ocorrência ou em uma

ação penal – ou pela descoberta de um colega de trabalho (contra o uso de drogas), que

poderá resultar em demissão ou em discriminação pelos outros colegas – se o colega

descobridor da conduta desviante não se importar com a mesma e se manter em silêncio, nada

ocorrerá, não haverá reação social.

3.1.3.1 Processo de Estigmatização

O processo de estigmatização ocorre porque “a sociedade estabelece meios de

categorizar as pessoas e o total de atributos considerados comuns e naturais para os membros

de cada uma dessas categorias”139

; da mesma forma que o indivíduo pode prever a categoria a

qual pertence, ele também classifica o outro.140

Estas demandas externas de o que a pessoa

deveria ser são denominadas pelo autor de “identidade social virtual”, enquanto que o que a

pessoa realmente é atende por “identidade social real”. Como ressalta Becker, ser “apanhado

e marcado como desviante” irá resultar em uma importante mudança na identidade do

indivíduo, tanto na real como na virtual.141

As pessoas possuem traços de status principais e auxiliares, o principal (traço-chave)

é o divisor de águas: ele servirá para a suposição dos auxiliares. O traço desviante irá ter um

valor simbólico generalizado, implicando em uma série de traços auxiliares presumíveis142

.

Para ser rotulado de toxicômano, por exemplo, é necessário apenas ser usuário habitual de um

psicotrópico, contudo, este termo acarretará em presunções (negativas) em relação aos

demais traços (auxiliares) – será também previsto como delinqüente, agressivo, instável,

membro de alguma gangue e assim por diante.

O usuário de entorpecente ilícito, neste caso, milita contra dois pontos negativos: o

status de drogado e toda as presunções trazidas com ele, e depois ainda tem o status de

infrator da lei, que dá espaço à proposição do tipo: que “‟pessoa infringiria uma regra tão

que desconhece as regras impositivas de outro grupo. BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do

desvio, p. 36-37. 136

BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio, p. 34. 137

LEMERT apud BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à

sociologia do direito penal, p. 90. 138

Já referimos em momento anterior que o flagrante pode ser presumido (mas mesmo assim o indivíduo é

levado à delegacia), ou forjado (enxerto). Em ambos casos o falso desvio pode acarretar em estigmatização. 139

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução de Márcia

Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 11. 140

XIBERRAS, Martine. As teorias da exclusão: para uma construção do imaginário do desvio. , p. 137. 141

BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio, Tradução de José Gabriel Rego. Lisboa:

Piaget, 1993, p. 42. 142

HUGHES apud BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio, p. 42.

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importante?‟ E a resposta dada: „Alguém que é diferente de nós, que não pode ou não quer

agir como um ser humano moral, sendo portanto capaz de infringir outras regras

importantes.‟”143

Os desviantes são vistos como incapazes de aproveitar as oportunidades

disponíveis para o progresso nas carreiras aprovadas pela sociedade, são considerados

desrespeitosos das regras convencionais, destituídos de moral, representando “defeitos nos

esquemas motivacionais da sociedade”144

O estigmatizado passa a incorporar esta visão externa de sua identidade,

confundindo-a com sua auto-imagem e, gradualmente, concordará “que, na verdade, ele ficou

abaixo do realmente deveria ser”.145

A rejeição engloba também as riquezas espirituais,

consequentemente o indivíduo passa a ser banido do universo simbólico dos valores, pois é

considerado ausente neste sentido. Desta forma, a exclusão possui um sentido muito mais

negativo do que a exclusão de trocas materiais ou simbólicas, ela representa um lugar em

falta, “um mau lugar146

”.

Importante referir, por fim, que o estigma não se limita somente ao desviante, ele se

comunica a todos aqueles que se relacionam com ele, “todos estão obrigados a compartinhar

um pouco o descrédito do estigmatizado” o que poderá levar ao isolamento crucial do

estigmatizado, fazendo com que ele aceite este rótulo mais rapidamente, ou também importará

em sua associação com outros estigmatizados, formando as subculturas.

Se o estigmatizado conta com uma estrutura emocional e social reforçada, ele

conseguirá superar sua imagem virtual, no entanto, se for suscetível e entender que seu

próprio grupo social também o rotula deste jeito, ele poderá colocar em prática a self-

fullfilling profecy147

(profecia auto-realizadora) e abraçar o estigma, passando a agir de acordo

com rótulo estabelecido. Neste caso ele passará para um segundo estágio da estrutura do

labeling approach: a delinquencia secundária.

3.1.4 Delinqüência Secundária

Os desvios posteriores à reação social (estigmatizadora) produzem efeitos

psicológicos irreversíveis, obrigando o indivíduo a se reexaminar como ser humano e

levando-o a adoção do comportamento que lhe foi sugerido pelo rótulo, seja como “meio de

defesa, de ataque ou de adaptação em relação aos problemas manifestos e ocultos criados pela

reação social ao primeiro desvio”. Schur apresenta este importante marco para a construção

da teoria da criminalidade respaldada no labeling approach.148

Esta profecia auto-realizadora deriva do tratamento dispensado ao desviante, que

acaba por ignorá-lo como ser humano e evidenciá-lo somente no estigma que lhe foi dado (e

todas as demais conotações derivadas dele), ativando mecanismos que passam a moldar a

(auto) imagem que se refletirá em um novo comportamento. Isto porque, ao ser identificado

como desviante, será barrado o acesso aos grupos mais convencionais, sendo levado ao

143

BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio, p. 44. 144

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, p. 155. 145

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, p. 17. 146

XIBERRAS, Martine. As teorias da exclusão: para uma construção do imaginário do desvio, p. 19. 147

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito

penal, p. 16. Neste sentido, Graciela Thiesen: “Uma vez etiquetado como delinqüente, a sociedade não o aceita;

então, este indivíduo é levado a assumir uma nova identidade, reordenando sua personalidade. Entretanto, o

processo penal que está orientado a diminuir o número de delinqüentes provoca, com seu processo público de

etiquetamento, uma ação contrária fazendo com que o sujeito que havia realizado atos delitivos assuma a

identidade e atue posteriormente, como delinqüente. LARRAURI apud THIESEN, Graciela Fernandes. O

processo penal e a cerimônia degradante. Porto Alegre: PUCRS, 2006. Dissertação (Mestrado em Ciências

Criminais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 102. 148

SCHUR apud BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à

sociologia do direito penal, p. 90.

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isolamento ou a grupos subculturais, consequencias não decorrentes do desvio em si, mas sim

da reação social reprovável.

No caso do usuário, dependendo do entorpecente utilizado (Becker utiliza os

opiáceos como exemplo)149

, é possível a permanência no desempenho de suas atividades

habituais, bem como a inserção em grupos ou instituições convencionais, sem o despertar de

suspeitas. Todos que o conhecem o vêem de acordo com sua identidade social real, todavia, se

o vício (ou o uso) se tornar público, e causar uma reação social, uma série de obstáculos

surgirão.

Outrossim, se descoberto e rotulado como drogodependente, as oportunidades de

emprego se fecharão abruptamente, impelindo-o a atividades ilegítimas: o indivíduo que

transgredia somente uma norma, passa a transgredir várias outras que não tinha intenção

inicial, mas que garantirão uma meio de sobrevivência (ou adaptação) ao rótulo dado.

Melhor exemplificando:

O viciado, popularmente visto como um indivíduo sem força de vontade, que não

consegue se privar dos prazeres indecentes que lhe são fornecidos pelas drogas

opiáceas, é tratado de forma repressiva. Proíbem-no de usar drogas. Como não

consegue obter drogas legalmente, tem de obtê-las ilegalmente. Isso impele o

mercado para a clandestinidade e empurra o preço das drogas para cima, muito além

do legítimo preço de mercado corrente, para um nível que poucos têm condições de

pagar com um salário comum. Portanto, o tratamento do desvio do drogado situa-o

numa posição em que será provavelmente necessário recorrer a fraude e crime para

sustentar seu hábito. O comportamento é uma consequencia da reação pública ao

desvio, não um efeito das qualidades inerentes ao ato desviante.150

Outra importante consequencia é o afastamento gradual do desviante em relação aos

não desviantes, aquele começa a esquematizar sua vida de forma a evitar os segundos,

frequentando territórios específicos que lhe são destinados - nas cidades, principalmente, é

muito fácil identificar zonas urbanas próprias para a venda e consumo de drogas.151

Nestas

áreas, ele terá contato com outros usuários, e irá integrar um novo grupo social. Perto destes

compartilhadores de estigma, ele encontra um “círculo de lamentações e um sustentáculo

moral”, aprendendo “os «ardis» do ofício”.152

Se acabar recorrendo ao crime (e se for bom

nisso), o usuário poderá obter algum tipo de reconhecimento, de prestígio, o que nunca

ocorreria na sociedade; ele será um exemplo de sucesso aos demais participantes do grupo,

agora seus novos iguais.

Este, ao ver de Becker, é o passo decisivo para a aceitação do estigma e consequente

mudança substancial no comportamento do desviante: o ingresso em grupo organizado. A

partir desta identificação com os outros integrantes, desenvolver-se-á uma cultura desviante,

com ideologia própria e meios de lidar com os não desviantes. Através desta racionalização

baseada em princípios e regras subculturais, as dúvidas do usuário novato irão se aplacar e sua

nova identidade irá se solidificar. Ainda, por derradeiro, Goffman alerta para outra

consequencia do estigma: os “ganhos secundários”, ou seja, uma desculpa para o fracasso.

Deste ponto de vista, o abalo na identidade do indivíduo acarretará em desmotivação para

futuras oportunidades, estagnado-o no tangente ao crescimento profissional ou pessoal,

mesmo se pertencente a um grupo social convencional.153

CONSIDERAÇÕES FINAIS

149

BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio, p. 44. 150

BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio, p. 45. 151

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, pp. 22 e 32. 152

XIBERRAS, Martine. As teorias da exclusão: para uma construção do imaginário do desvio, p. 139. 153

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, p. 20.

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O tema da criminalização do uso de drogas vem sendo abordado constantemente,

seja pelos veículos midiáticos, seja em fóruns e encontros acadêmicos. Os países estão

percebendo a ineficácia das políticas repressivas adotadas e o crescente agravamento da

situação, que acabou por, literalmente, instaurar guerras civis internas. Entretanto, a questão

dos usuários, muitas vezes, fica apagada no meio dos discursos sensacionalistas de guerra ao

tráfico, sendo os primeiros equiparados aos segundos, ou considerados “fomentadores da

violência causada pelas drogas”, ou até mesmo doentes (como ocorre na legislação brasileira

vigente).

O consumidor representa o maior prejudicado nesse atual modelo repressivo-

belicista: Cristiano Maronna traz estatísticas do Observatório Europeu da Droga e da

Toxicodependência, que aponta que entre 60% e 90% das detenções relacionadas com drogas,

na maioria dos países da Europa ocidental, são de consumidores (na Alemanha, França,

Irlanda e Reino Unido, entre 55% e 90% das detenções são relativas à cannabis).154

Luiz

Flávio Gomes, citando Raúl Cervini, indica que “97% dos processados por drogas na América

Latina são consumidores e pequenos traficantes”155

, demonstrando o verdadeiro escopo dos

meios de controle social.

A perspectiva do Labeling Approach vem ao encontro destas constatações fáticas,

pois preconiza as conseqüências que a estigmatização traz para aquele que foi rotulado.

Desmembrada toda a estrutura por detrás do processo de criminalização, e desvendados

alguns dos interesses político-econômicos que desencadearam tais processos, percebe-se que

as conseqüências constatadas talvez sejam as intentadas, se levarmos em conta os impulsos

latentes expostos, em contrapartida ao que os discursos oficiais pretendem alegadamente

tutelar. A oferta não foi reduzida, o consumo aumentou (conseqüentemente agravando a

situação da saúde pública), a alta valia da mercadoria impele os usuários a “serviços menos

ortodoxos” (estimulando o tráfico presumivelmente combatido), perseguem-se os

consumidores e não os autênticos traficantes, deteriorou-se o sistema penal, o dinheiro de

origem ilícita invadiu a economia legal e o poder das organizações criminosas se ampliou

frente ao Estado.

Ao manter a incriminação do uso (que pode ser até benéfico, dependendo das

motivações do usuário – ou fatal, se não houver estrutura psíquica e social-econômica),

estigmatiza-se o consumidor, inserindo-o em um submundo de violência, onde inexistem

oportunidades; enfim, um buraco que fica cada vez mais fundo e difícil de sair. Os

tratamentos ambulatoriais ou as internações fornecidas pelo Município e pelo Estado são

escassos, obrigando as famílias daqueles que se tornam dependentes químicos graves a “se

virarem”, enquanto o Estado “lava as mãos” ao considerar um problema de ordem político-

social-econômico como crime.

A seletividade dos usuários a cumprir pena de prisão (os pequenos traficantes) é

gritante: a manutenção de uma ordem de miseráveis criminosos, que são todos os dias

condenados pelas varas criminais, gerando um sentimento de ódio e repúdio da sociedade, um

dia, vai se tornar insustentável (para a elite, claro, já que a situação de muitos também

membros da sociedade já se encontra assim).

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