aplicação efetiva do principio da precaução - pâmela oliveira dos reis

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Aplicação efetiva do Principio da Precaução Pâmela Oliveira dos Reis O princípio da precaução tem sua aplicação com base em dois pressupostos: a possibilidade de que condutas humanas causem danos coletivos vinculados a situações catastróficas que podem afetar o conjunto de seres vivos; e a falta de evidência científica (incerteza) a respeito da existência do dano temido. Lida-se com um risco não mensurável, potencial, não avaliável. Sua aplicação demanda um exercício ativo da dúvida, vez que sua lógica visa ampliar a incerteza, sendo que esta não exonera de responsabilidade; pelo contrário, ela reforça a criação de um dever de prudência.[1] A aplicação do princípio da precaução, de acordo com MARTINS, gira em torno de sete idéias fundamentais de concretização, sendo elas[2] : I – Perante a ameaça de danos sérios ao ambiente, ainda que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma atividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para impedir a sua ocorrência. II – Possibilidade de inversão do ônus da prova, cabendo àquele que pretende exercer uma dada atividade ou desenvolver uma nova técnica demonstrar que os riscos a ela associados são aceitáveis. III – In dubio pro ambiente ou in dubio contra projectum.

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Como aplicar o principio da precaução

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Aplicao efetiva do Principio da PrecauoPmela Oliveira dos Reis

O princpio da precauo tem sua aplicao com base em dois pressupostos: a possibilidade de que condutas humanas causem danos coletivos vinculados a situaes catastrficas que podem afetar o conjunto de seres vivos; e a falta de evidncia cientfica (incerteza) a respeito da existncia do dano temido. Lida-se com um risco no mensurvel, potencial, no avalivel. Sua aplicao demanda um exerccio ativo da dvida, vez que sua lgica visa ampliar a incerteza, sendo que esta no exonera de responsabilidade; pelo contrrio, ela refora a criao de um dever de prudncia.[1]A aplicao do princpio da precauo, de acordo com MARTINS, gira em torno deseteidias fundamentais de concretizao, sendo elas[2]:I Perante a ameaa de danos srios ao ambiente, ainda que no existam provas cientficas que estabeleam um nexo causal entre uma atividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessrias para impedir a sua ocorrncia.II Possibilidade de inverso do nus da prova, cabendo quele que pretende exercer uma dada atividade ou desenvolver uma nova tcnica demonstrar que os riscos a ela associados so aceitveis.III In dubio pro ambiente ou in dubio contra projectum.IV Concesso de um espao de manobra ao ambiente, reconhecendo que os limites de tolerncia ambiental no devem ser forados, ainda menos transgredidos.V Exigncia de desenvolvimento e introduo de melhores tcnicas disponveis.VI Preservao de reas e reservas naturais e a proteo das espcies.VII Promoo e desenvolvimento da investigao cientfica e realizao de estudos completos e exaustivos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma dada atividade.Desta forma, MARTINS, conclui que o princpio da precauo requer que as polticas e decises que apresentem significativos riscos ambientais sejam precedidas de estudos de avaliao do impacto ambiental, os quais podem constituir um relevante instrumento do princpio da precauo, na medida em que contriburem para assegurar que as decises sejam tomadas com base na melhor informao cientfica disponvel.[3]Portanto, durante a aplicabilidade deste princpio, MACHADO adverte que A implementao do princpio da precauo no tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. No se trata da precauo que tudo impede ou que em tudo v catstrofes ou males. O princpio da precauo visa durabilidade da sadia qualidade de vida das geraes humanas e continuidade da natureza existente no planeta. A precauo deve ser visualizada no s em relao s geraes presentes, como em relao ao direito ao meio ambiente das geraes futuras.[4]Ento existindo dvida sobre a possibilidade futura de dano ao homem e ao meio ambiente, a soluo deve ser favorvel ao ambiente e no a favor do lucro imediato, por mais atraente que seja para as geraes presentes.[5]Para ilustrar o que foi exposto podemos citar o fenmeno do aquecimento da atmosfera previsto pelos cientistas em razo do aumento da quantidade de xidos de carbono emitidos cotidianamente nos pases. No h, no entanto, preciso cientfica acerca dos efeitos nocivos desse aquecimento global sobre o clima, o nvel dos oceanos e a agricultura, havendo somente suspeitas e preocupaes, quanto aos riscos e conseqncias de mudanas climticas indesejveis.No entanto, tal controvrsia no campo cientfico no afasta a necessidade de decidir e agir para reduzir drasticamente ou at pr um fim emisso de substncias geradoras do crescente aquecimento da atmosfera, pois, conforme j se observou[6], as informaes disponveis atualmente permitem no mnimo antever que quando os efeitos das alteraes climticas temidas se manifestarem concretamente, e se tiver ento certeza absoluta da sua realidade, os processos nocivos por eles desencadeados sero j, nesse momento, irreversveis. Por essa razo a imperatividade da adoo desde logo de medidas preventivas e de precauo.[7]O que necessrio ser observado na aplicao do princpio da precauo so as conseqncias danosas de uma leso ao meio ambiente, pois estas em sua maioria, so irreversveis (no se reconstitui um bitipo ou uma espcie em via de extino), vinculadas ao progresso tecnolgico a poluio tem efeitos cumulativos e cinegticos, que fazem com que estas se somem e se acumulem, entre si; a acumulao de danos ao longo de uma cadeia alimentaria, pode ter conseqncias catastrficas[8]; os efeitos dos danos ecolgicos podem manifestar-se muito alm das proximidades vizinhas[9]; so danos coletivos por suas prprias causas e seus efeitos; so dados difusos em sua manifestao (ar, radioatividade, poluio das guas) e no estabelecimento do nexo causalidade; tem repercusso na medida em que implicam agresses principalmente a um elemento natural e, por rebote ou ricochete, aos direitos individuais.[10]Diante do exposto necessrio salientar que se existem fundamentos de ordem cientfica para concluir-se que uma determinada atividade causa degradao ambiental ou suscetvel de caus-la, por fora do princpio da precauo torna-se indispensvel adotarem-se medidas eficazes para impedir essa atividade, ainda que o seu carter lesivo seja passvel de contestao cientfica.[11]4.1. Impacto Ambiental e o Estudo do Impacto Ambiental (EIA)De acordo com a Constituio da Repblica, impacto ambiental no qualquer degradao do meio ambiente, mas uma degradao significativa do ambiente. Por outras palavras, considera-se impacto ambiental a alterao drstica e de natureza negativa da qualidade ambiental.[12]O Impacto Ambiental e seu conceito normativo est expresso no artigo 1 da Resoluo n 1/86, do CONAMA: Considera-se impacto ambiental qualquer alterao das propriedades fsicas, qumicas e biolgicas do meio ambiente, que, direta ou indireta-mente, afetam a sade, a segurana e o bem-estar da populao; as atividades sociais e econmicas; a biota; as condies estticas e sanitrias do meio ambiente, e a qualidade dos recursos naturais.Deve ser destacado no conceito de Impacto Ambiental o fato de que este nada mais do que o resultado da atividade do homem sobre o meio ambiente. A ao humana sobre o meio ambiente produz impactos ambientais benficos ou negativos, quando resultar na alterao de aspectos fsicos, qumicos e biolgicos do meio ambiente, afetando a qualidade de vida do homem e a qualidade ambiental.[13]Sueli Amlia de Andrade sistematizou as causas de maior impacto ambiental, entre as quais pode-se citar: 1) desequilbrio entre a populao rural e a urbana, provocada, principalmente, pelo xodo rural; 2) ocupao urbana desordenada, com construes em reas de preservao permanente; 3) poluio do ar, do solo, da gua e dos mananciais; 4) grande desperdcio de matria-prima, especialmente de gua e de energia; 5) uso de agrotxicos na agricultura; 6) buraco na camada de oznio e ampliao do efeito estufa; 6) perda da biodiversidade, da diversidade gentica e da diversidade dos ecossistemas; 7) grande concentrao de renda e de riqueza, que aumenta a distncia entre ricos e pobres; etc.[14]A Lei Federal n 6.938, de 31 de agosto de 1981[15], que dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente, introduz ao ordenamento jurdico brasileiro a Avaliao de Impacto Ambiental. Este ainda compreende dois elementos fundamentais: o estudo deve ser prvio e realizado nos casos de obras ou atividades que tenham a potencialidade de causar significativo impacto ambiental.A aplicao do princpio da precauo deve envolver uma parte tcnico-cientfica em que os riscos potenciais gerados por uma determinada atividade so identificados e analisados, e tambm uma parte poltica que proporcione a sociedade participar de uma gesto de riscos, desestimulando a irresponsabilidade social na medida em que impea a difuso de uma idia totalmente equivocada de que possvel chegar a um dia em que o crescimento econmico no ter nenhum impacto ambiental.[16]O Estudo de Impacto Ambiental foi regulamentado pela Resoluo n 1/86 do CONAMA, a qual prev em seu art. 6, II, que o este desenvolver:() a anlise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, atravs de identificao, previso da magnitude e interpretao da importncia dos provveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a mdio e longo prazo; temporrios e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinrgicas; a distribuio dos nus e benefcios sociais.[17]O Estudo do Impacto ambiental um instrumento para a aplicao do princpio da precauo, na medida em que possibilita critrios estabelecidos para analisar a viabilidade ambiental de um empreendimento ou atividade, considerando-se os riscos que podero ser tolerados.Seu objetivo descrever os impactos ambientais previsveis em decorrncia de referida atividade, apontando a extenso destes impactos e seus graus de reversibilidade, dando alternativas que sejam apropriadas para dirimir impactos negativos sobre o ambiente. Ainda dando a hiptese de no execuo do projeto.Ainda, segundo TOMMASI, para se ter uma melhor percepo dos efeitos perigosos, este estudo dever ser acompanhado de uma anlise de risco que verifique, a probabilidade de ocorrncia e a dimenso das conseqncias destes efeitos. Isto requer uma avaliao cientfica criteriosa, conduzindo a uma concluso que exprima a possibilidade de ocorrncia e a gravidade do impacto de um potencial perigo para o ambiente ou a sade de uma determinada populao, incluindo a extenso dos possveis danos, a sua persistncia, a reversibilidade e os efeitos retardados.[18]A aplicao do EIA permite afastar o perigo de dano ambiental em situaes de incertezas quanto aos efeitos provocados por uma atividade, atravs de uma atuao preventiva e no reparadora.A Constituio de 1988, atravs do Art. 225, 1, IV, adota o estudo de impacto ambiental como instrumento jurdico de preveno de dano ambiental. O qual incumbe ao Poder Pblico exigir, na forma da lei, para instalao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao do meio ambiente, estudo prvio de impacto ambiental.[19]As informaes ambientais devem ser transmitidas pelos causadores, ou potenciais causadores de poluio e degradao da natureza, e repassadas pelo Poder Pblico coletividade, atravs do princpio da publicidade.[20]Todo cidado deve ter acesso a informaes ambientais e participar do processo de tomada de decises por parte do Estado. Como alerta Paulo Affonso Leme Machado, a prtica dos princpios da informao ampla e da participao ininterrupta das pessoas e organizaes sociais no processo das decises dos aparelhos burocrticos que alicera e torna possvel viabilizar a implementao da preveno e da precauo para a defesa do ser humano e do meio ambiente.[21] o cidado, em primeiro lugar, que deve se manifestar se aceita suportar eventual risco que se verifica em determinado empreendimento.[22]Segundo Machado a aplicabilidade do princpio da precauo est intimamente relacionada ao Estudo de Impacto Ambiental, pois sua concepo baseia-se na preveno. A partir do diagnstico da importncia e amplitude de um determinado risco, possvel definir os meios para evit-lo. Destaca o autor que, ao se adotar o conceito de atividade potencialmente causadora de degradao, a legislao brasileira incluiu a obrigatoriedade de se analisar o dano incerto e/ou o dano provvel.[23]Sobre o tema, WINTER afirma que durante o processo de avaliao de impacto ambiental e no seu resultado, onde se define a necessidade ou no de realizao de determinado objetivo, preciso que se fundamente a realizao dos objetivos em questo. A escolha dos objetivos deixada poltica e ao mercado. Se a poltica e o mercado estabelecem realmente os objetivos, e como isto ocorre, acaba sendo, posteriormente, uma questo a ser abordada pelo direito. Isto posto, a realizao do principio da precauo envolve primeiramente a verificao da constitucionalidade das justificativas dos objetivos da realizao de determinado empreendimento antes mesmo de se examinar a relao objetivo-risco, como forma de analisar seu potencial poluidor.[24]Desse modo pode-se dizer que a Avaliao do Impacto Ambiental tem carter pblico e se traduz num dos instrumentos da poltica ambiental, que tem como pressuposto fundamental o Princpio da Precauo. Assim, o prvio diagnstico do risco de degradao ambiental est em consonncia com a proteo jurdica do meio ambiente, que se encontra voltada busca do equilbrio ecolgico e do desenvolvimento sustentado.[25]4.2.A Proteo Ambiental nos TribunaisNesta parte, ser abordada a jurisprudncia ambiental, a qual conjugada com princpios constitucionais, colocam na prtica toda a teoria exposta neste trabalho. E atravs de princpios como o da precauo e outros institutos do direito ambiental feita aplicao efetiva da proteo ambiental no Brasil. necessrio salientar que conforme foi exposto no decorrer do trabalho, a uma infinidade de leis ambientais que vigoram na legislao brasileira. Mas a efetividade de tais normas dependem de sua aplicao no ordenamento jurdico.Algumas decises do TJMG:AO CIVIL PBLICA - PICO DO IBITURUNA - DANO AO MEIO AMBIENTE - RISCO DE INCNDIO E POLUIO VISUAL - PRINCPIO DA PRECAUO.A Constituio do Estado de Minas Gerais, no art. 84 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias tombou e declarou monumento natural, dentre outros, o Pico do Ibituruna, situado em Governador Valadares. Deve ser julgado procedente pedido veiculado em a ao civil pblica se os elementos de prova demonstram o risco de incndio na rea e a poluio visual decorrentes da presena de fios eltricos e equipamentos de letreiro luminoso, instalados em rea de preservao ambiental, sem o necessrio estudo de impacto ambiental e conseqente licena. O princpio da preveno est associado, constitucionalmente, aos conceitos fundamentais de equilbrio ecolgico e desenvolvimento sustentvel; o primeiro significa a interao do homem com a natureza, sem danificar-lhe os elementos essenciais. O segundo prende-se preservao dos recursos naturais para as geraes futuras. A ""Declarao do Rio de Janeiro"", votada, unanimidade, pela Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (1992), recomendou a sua observncia no seu Princpio 15.DERAM PROVIMENTO.[26]AGRAVO - AO CIVIL PBLICA CONFISSO EXPRESSA DA OCORRNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE AUSNCIA DE LICENA AMBIENTAL OBSERVNCIA DO PRINCPIO DA PRECAUO PRESENA DO ""PERICULUM IN MORA"" E DO ""FUMUS BONI IURIS"" - ANTECIPAO DE TUTELA CONCEDIDA AGRAVO DESPROVIDO. 1 - No se sustenta alegao de violao da ampla defesa e do contraditrio ante as provas apresentadas em Ao Civil Pblica quando o fato a ser provado foi confessado e amplamente admitido pelos representantes legais das empresas. 2 - No se acolhe a alegao de que a ausncia de licenciamento ambiental e de concesso de Alvar de Localizao e Funcionamento se deva morosidade da administrao pblica se, como se depreende da prova, a agravante deixa claro que ao invs de requerer tais documentos antes do funcionamento de sua empresa, s cuidou de requer-los quando j em funcionamento. 3 - Na proteo do meio ambiente se impe a observncia do princpio da precauo, que d abrigo ao direito de todos ou da comunidade, notadamente ante a dificuldade ou impossibilidade de se reparar o dano ambiental, que agride a todos e age em benefcio de uns poucos.NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO.[27]AGRAVO - AO CIVIL PBLICA. MEIO AMBIENTE. PROCESSO DE LICENCIAMENTO. USINA HIDRELTRICA. IMPLANTAO. LIMINAR. DEFERIMENTO. REQUISITOS. PARALISAO DA OBRA. DESPROVIMENTO. Diante das circunstncias do caso, a indicarem a presena dos requisitos autorizadores, impe-se manter deciso liminar que, em ao civil pblica ajuizada para defesa do meio ambiente, determinou a paralisao da obra de implantao de usina hidreltrica, diante do quadro sugestivo de srio impacto ambiental, sobre se apresentando possvel contexto de irreversibilidade.NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO.[28] necessrio salientar no que tange o desenvolvimento econmico e meio ambiente o Supremo Tribunal Federal, atravs de seu Tribunal Pleno, em julgamento de medida cautelar na ao direta de inconstitucionalidade n. 3.540/DF, proposta pelo Procurador-Geral da Repblica com a finalidade de ver declarada a inconstitucionalidade do art. 4, caput e 1 a 7, da Lei n. 4.771, de 15.09.65, com a redao dada pela Medida Provisria n. 2.166-67, de 24.08.2001, na qual foi relator o Min. Celso de Mello, ocorrido no dia 01.09.2005, j se manifestou sobre essa espcie de conflito de direitos fundamentais, deixando clara a obrigatoriedade de respeitar o meio ambiente e de se aplicar o postulado do desenvolvimento sustentvel, na medida em que reconhecido pelo sistema jurdico nacional. Vejamos a ementa:EMENTA: MEIO AMBIENTE - DIREITO PRESERVAO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARTER DE METAINDIVIDUALIDADE - direito de terceira gerao (ou de novssima dimenso) que consagra o postulado da solidariedade - necessidade de impedir que a transgresso a esse direito faa irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais - espaos territoriais especialmente protegidos (CF, art. 225, 1, III) - alterao e supresso do regime jurdico a eles pertinente - medidas sujeitas ao princpio constitucional da reserva de lei - supresso de vegetao em rea de preservao permanente - possibilidade de a Administrao Pblica, cumpridas as exigncias legais, autorizar, licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaos territoriais protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a integridade dos atributos justificadores do regime de proteo especial - relaes entre economia (CF, art. 3, ii, c/c o art. 170, vi) e ecologia (cf, art. 225) - coliso de direitos fundamentais - critrios de superao desse estado de tenso entre valores constitucionais relevantes - os direitos bsicos da pessoa humana e as sucessivas geraes (fases ou dimenses) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) - a questo da precedncia do direito preservao do meio ambiente: uma limitao constitucional explcita atividade econmica (CF, art. 170, VI) - deciso no referendada - conseqente indeferimento do pedido de medida cautelar. A preservao da integridade do meio ambiente: expresso constitucional de um direito fundamental que assiste generalidade das pessoas. - Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um tpico direito de terceira gerao (ou de novssima dimenso), que assiste a todo o gnero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e prpria coletividade, a especial obrigao de defender e preservar, em benefcio das presentes e futuras geraes, esse direito de titularidade coletiva e de carter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que irrenuncivel, representa a garantia de que no se instauraro, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impe, na proteo desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A atividade econmica no pode ser exercida em desarmonia com os princpios destinados a tornar efetiva a proteo ao meio ambiente. - A incolumidade do meio ambiente no pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivaes de ndole meramente econmica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econmica, considerada a disciplina constitucional que a rege, est subordinada, dentre outros princpios gerais, quele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noes de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espao urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurdicos de carter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que no se alterem as propriedades e os atributos que lhe so inerentes, o que provocaria inaceitvel comprometimento da sade, segurana, cultura, trabalho e bem-estar da populao, alm de causar graves danos ecolgicos ao patrimnio ambiental, considerado este em seu aspecto fsico ou natural. A questo do desenvolvimento nacional (cf, art. 3, ii) e a necessidade de preservao da integridade do meio ambiente (cf, art. 225): o princpio do desenvolvimento sustentvel como fator de obteno do justo equilbrio entre as exigncias da economia e as da ecologia. - O princpio do desenvolvimento sustentvel, alm de impregnado de carter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obteno do justo equilbrio entre as exigncias da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocao desse postulado, quando ocorrente situao de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condio inafastvel, cuja observncia no comprometa nem esvazie o contedo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito preservao do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras geraes.[29]O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, j afirmou a existncia de um direito ao meio ambiente como de terceira dimenso, atravs do julgamento do Mandado de Segurana n. 22.164/SP, ocorrido em 30.10.1995, do qual foi relator o Ministro Celso de Mello. Referido caso tratava da possibilidade de desapropriao de imvel rural situado no Pantanal Mato-Grossense para fins de reforma agrria. Veja-se parte da ementa:{} a norma inscrita no art. 225, pargrafo 4, da Constituio no atua, em tese, como impedimento jurdico a efetivao, pela Unio Federal, de atividade expropriatria destinada a promover e a executar projetos de reforma agrria nas reas referidas nesse preceito constitucional, notadamente nos imveis rurais situados no pantanal mato-grossense. A prpria Constituio da Republica, ao impor ao Poder Publico o dever de fazer respeitar a integridade do patrimnio ambiental, no o inibe, quando necessria a interveno estatal na esfera dominial privada, de promover a desapropriao de imveis rurais para fins de reforma agrria, especialmente porque um dos instrumentos de realizao da funo social da propriedade consiste, precisamente, na submisso do domnio a necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponveis e de fazer preservar o equilbrio do meio ambiente (CF, art. 186, II), sob pena de, em descumprindo esses encargos, expor-se a desapropriao-sano a que se refere o art. 184 da Lei Fundamental.A questo do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - direito de terceira gerao - princpio da solidariedade - o direito a integridade do meio ambiente tpico direito de terceira gerao- constitui prerrogativa jurdica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmao dos direitos humanos, a expresso significativa de um poder atribudo, no ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a prpria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira gerao (direitos civis e polticos) - que compreendem as liberdades clssicas, negativas ou formais realam o princpio da liberdade e os direitos de segunda gerao (direitos econmicos, sociais e culturais) - que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princpio da igualdade, os direitos de terceira gerao, que materializam poderes de titularidade coletiva atribudos genericamente a todas as formaes sociais, consagram o princpio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expanso e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.[30]Ainda podemos citarO STF, de forma tmida, por um julgado do Ministro Francisco Rezek, sinalizou para o entendimento de que, em qualquer hiptese, no era possvel se deixar sem valor econmico algo de valor absoluto para a vida. Assim, temos aqui e ali julgados que contemplam a indenizao da cobertura florestal nas terras da regio amaznica, mesmo quando dificilmente ela possa vir a ser explorada economicamente.[31]Quanto responsabilidade pela reparao e indenizao decorrente do dano ambiental, entendimento firme da Corte que h solidariedade entre o Estado e o terceiro que age em seu nome, como, por exemplo, a concessionria de um servio pblico. (Recurso Especial 28.222-SP)[32]Notas:[1]HAMMERSCHMIDT, Denise. O Risco na Sociedade Contempornea e o Princpio da Precauo no Direito Ambiental.2003.[2]MARTINS, Ana Gouveia e Freitas.[3]MARTINS, Ana Gouveia e Freitas.[4]MACHADO, Paulo Affonso Leme.[5]Idem.[6]Rapport sur lEnvironnement prsent aux sept chefs dEtat et de Gouvernement et aux reprsentants des Communauts Europennes au Sommet de Bonn. Ministre de lEnvironnement, Groupe de Travail Technologie, Croissance, Emploi. Centre dEtudes des Systmes et des Technologies Avances (CESTA), Paris, La Documentation Franaise, 1985, pp. 14 e 15. apud in lvaro Luiz Valery Mirra. sobrePrincpios Gerais de Direito Ambiental(26.05.1999). Publicado na Revista de Direito Ambiental, n. 21, janeiro/maro de 2001.[7]lvaro Luiz Valery Mirra, Fundamentos do Direito Ambiental no Brasil,inRevista Trimestral de Direito Pblico, vol. 7, p. 186, 1994.[8]Um exemplo a Enfermidade de Minamata no Japo: O mais famoso desastre envolvendo mercrio aconteceu h cerca de 55 anos, na Baa de Minamata, no Japo. Vem da o nome da enfermidade que flagelou a populao em conseqncia da contaminao pelo metal. Os estudos que se sucederam na regio revelaram que a catstrofe resultava da contaminao da baa pela indstria qumica Chisso Chemical Corporation. A Chisso utilizava mercrio em sua forma orgnica (metilmercrio) numa de suas etapas de produo. O metal era ento despejado num rio que desgua no mar principal fonte de alimentos para as comunidades da regio.[9]Efeitos comprovados pela contaminao das guas, chuvas acidas, devidas ao transporte atmosfrico a longa distancia do SO2[10]Prieur, Michel. Droit de lenvironnement. 3.ed.Parais: Dalloz, 1996. p.844.[11]lvaro Luiz Valery Mirra, Fundamentos do Direito Ambiental no Brasil,inRevista Trimestral de Direito Pblico, vol. 7, p. 186, 1994..[12]MIRRA, lvaro Luiz Valery. idem[13]Colombo, Silvana Brendler. Polticas pblicas e aplicao do princpio da precauo.[14]ALVES, Eliana Calmon. Ministra do Superior Tribunal de Justia. Jurisprudncia Ambiental Do STJ[15]BRASIL. Lei n 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulao e aplicao, e d outras providncias.[16]Valle, Raul Telles do. Sociedade Civil e Gesto Ambiental no Brasil: uma anlise da implementao do direito participao em nossa legislao. 2002.[17]BRASIL. Resoluo n 001, de 23 de janeiro de 1986. Estabelece definies, responsabilidades, critrios bsicos e diretrizes gerais pra uso e implementao da Avaliao de Impacto Ambiental como um dos instrumentos da Poltica Nacional do Meio Ambiente.[18]Tommasi, Luiz Roberto. Estudo de Impacto Ambiental. 1993.[19]Neste sentido: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ACAO DIRETA. LIMINAR. OBRA OU ATIVIDADE POTENCIALMENTE LESIVA AO MEIO AMBIENTE. ESTUDO PREVIO DE IMPACTO AMBIENTAL.Diante dos amplos termos do inc. IV do par. 1. do art. 225 da CARTA FEDERAL, revela-se juridicamente relevante tese de inconstitucionalidade da norma estadual que dispensa o estudo prvio de impacto ambiental no caso de reas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais. Mesmo que se admitisse a possibilidade de tal restrio, a lei que poderia viabiliza-la estaria inserida na competncia do legislador federal, j que a este cabe disciplinar, atravs de normas gerais, a conservao da natureza e a proteo do meio ambiente (art. 24, inc. VI, da CF), no sendo possvel, ademais, cogitar-se da competncia legislativa a que se refere o par. 3. do art. 24 da carta federal, j que esta busca suprir lacunas normativas para atender a peculiaridades locais, ausentes na espcie. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. (CLASSE / ORIGEM ADIMC-1086 / SC - ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA CAUTELAR . RELATOR MINISTRO ILMAR GALVAO - TRIBUNAL: STF - PUBLICAO DJ DATA-16-09-94 PP-42279 EMENT VOL-01758-02 PP-00435- JULGAMENTO 01/08/1994 - TRIBUNAL PLENO)[20]Neste sentido, Mario Roberto Attanasio Jnior e Gabriela Mller Carioba Attanasio, em Anlise do princpio da precauo e suas implicaes no Estudo do Impacto Ambiental:A audincia pblica dever ser realizada, conforme dispe o art. 2 da Resoluo do CONAMA n 09/87 nos seguintes casos: quando o rgo competente julgar necessrio; quando houver solicitao de uma entidade civil, do Ministrio Pblico ou de 50 (cinqenta) ou mais cidados. Nessa ocasio, os interessados tero acesso a informao sobre o projeto e seus possveis impactos, podendo discutir os termos do relatrio de impacto ambiental elaborado e dar sugestes a respeito. Vale lembrar que a no observncia da solicitao para realizao de audincia pblica implicar a invalidao da licena ambiental concedida. (2).[21]MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 2005, p.80.[22]Bittencourt, Marcus Vinicius Corra. Aspectos Jurdicos do Estudo de Impacto Ambiental.[23]Machado, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 2002.[24]WINTER, G. in DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econmico.[25]Colombo, Silvana Brendler. Polticas pblicas e aplicao do princpio da precauo.[26]BRASIL. TJMG. Processo n 1.0000.00.295312-3/000(1). j. 10.02.2003. Rel. WANDER MAROTTA. Disponvel em http: www.tjmg.gov.br. Acesso em 05 de junho de 2008.[27]BRASIL. TJMG. Processo n 1.0000.00.313410-3/000(1). j. 13.11.2003. Rel. SRGIO BRAGA. Disponvel em http: www.tjmg.gov.br. Acesso em 05 de junho de 2008.[28]BRASIL. TJMG. Processo n 1.0024.06.218131-8/002(1). j. 10.04.2008. Rel. MANUEL SARAMAGO. Disponvel em http: www.tjmg.gov.br. Acesso em 05 de junho de 2008.[29]BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 3.540/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 01.09.2005. Disponvel em: www.stf.gov.br.[30]BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurana n. 22.164/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 30.10.1995. Disponvel em: www.stf.gov.br.[31]ALVES, Eliana Calmon. Ministra do Superior Tribunal de Justia. Jurisprudncia Ambiental do STJ[32]Idem